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Epistemologia – o conhecimento

Epistemologia
A epistemologia ou teoria do conhecimento é a área da filosofia que investiga a possibilidade,
a origem e a natureza do conhecimento. Tenta responder às seguintes questões: O que é o
conhecimento? O que podemos conhecer? Como alcançamos o conhecimento? Como
distinguimos o conhecimento de uma mera crença? Será o conhecimento possível?

Tipos de conhecimento
Conhecimento por contacto: O João conhece o jogo do xadrez
O conhecimento em causa é um conhecimento muitas vezes dito por contacto. O
mesmo acontece ao afirmar-se que alguém conhece uma determinada cidade ou país.
Conhecimento por familiaridade: distinguir e identificar um entre vários objetos.

Conhecimento saber-fazer ou saber-como: A Carlota sabe jogar xadrez


O conhecimento presente é um saber-fazer ou saber-como e corresponde a uma
competência. O mesmo se passa quando se diz que alguém sabe tocar um instrumento
musical, nadar ou andar de bicicleta.
Posse de uma habilidade, saber fazer algo.

Conhecimento saber-que ou proposicional: A Julieta sabe que Garry Kasparov foi um


campeão mundial de xadrez.
Dizemos que se trata de um conhecimento proposicional porque o que a Julieta sabe
por ser expresso sob a forma de um enunciado declarativo com valor de verdade: “Garry
Kasparov foi um campeão mundial de xadrez”.
Há duas perspetivas para este conhecimento: a análise fenomenológica e a definição
tradicional de conhecimento.

Análise fenomenológica do conhecimento


O conhecimento é uma relação entre um sujeito e um objeto

Os fenomenologistas apresentam uma definição de conhecimento que sugere que o


conhecimento não é mais do que um fenómeno que se dá no campo da consciência e resulta
da correlação sujeito-objeto, onde ambas as partes têm uma dependência e funções
específicas e irreversíveis. Isto é, cabe ao sujeito ter a vontade e a iniciativa de ir conhecer o
objeto e cabe ao objeto deixar-se ser conhecido pelo sujeito; um objeto só pode ser conhecido
se houver um sujeito com iniciativa a fazê-lo e um sujeito só pode conhecer se houver um
objeto disposto a ser conhecido.
O objeto tem características que fazem o sujeito chegar ao conhecimento e o sujeito é
cognoscente, dotado de autonomia e de vontade de iniciar este processo. Podemos concluir
que o objeto é um elemento passivo e o sujeito é um elemento ativo uma vez que o
conhecimento só existe por iniciativa do sujeito.
Esta tese apresentada pelos fenomenologistas é descritiva, mas não explicativa.

Descreve o ato de conhecer e divide-o em três etapas:


1. O sujeito vê o objeto, deseja conhecê-lo e sai de si
2. O sujeito vai ao encontro do objeto e capta as características essenciais desse
mesmo objeto
3. O sujeito regressa a si e, com base nas características captadas, é capaz de fazer
uma representação mental do objeto, registando-a na sua consciência; só no final
desta etapa, quando o sujeito volta a si, é que surge conhecimento

O objeto permanece inalterável, uma vez que as suas características continuam


disponíveis para novas abordagens com o mesmo ou outros sujeitos. Contudo, o sujeito sai
enriquecido com conhecimento sobre um certo objeto, uma vez que na sua consciência surge
a imagem do objeto em causa.

Definição tradicional de conhecimento


O conhecimento é a crença verdadeira justificada

Segundo esta teoria, para haver conhecimento é necessário seguir as seguintes etapas:
1. O sujeito tem de acreditar que a relação sujeito-objeto é possível, acreditar na
proposição P
2. P tem de ser verdadeira
3. O sujeito tem de apresentar justificações para provar a veracidade da proposição P
Concluindo, segundo esta teoria, são precisas três condições para provar que há
conhecimento: tem de haver uma crença (1), essa crença tem de ser verdade (2) e
posteriormente justificada (3).
Desta forma uma crença verdadeira não é por si só prova de conhecimento, é
necessário que essa crença verdadeira seja justificada.

Contraexemplos de Gettier:
O filósofo coloca a hipótese de o conhecimento assentar numa falsidade (pode ser
verdade apenas em parte) em que as nossas justificações podem enfermar de erro levando a
que o sujeito esteja errado, mas convencido que está certo. Defende por isso que as três
condições podem não ser suficientes para termos o verdadeiro conhecimento e apresenta a
hipótese da necessidade de uma eventual condição extra para haver conhecimento: a crença
verdadeira não pode ser negável; a justificação da nossa crença não pode ser obtida por sorte,
tem de ter fundamentos. Esta condição extra é de natureza exterior à crença.

Em suma, as objeções feitas por Gettier à teoria tripartida do conhecimento estão


relacionadas com as condições exigidas para que haja verdadeiramente conhecimento. Por
vezes há necessidade de uma condição extra que prove que o conhecimento em causa seja
verdadeiramente uma crença verdadeira justificada e que não assente em falsidade.

Teorias explicativas do conhecimento

O problema da origem do conhecimento


 Será possível o conhecimento?
 Se sim, como é que ele surge?
 Se não, como temos possibilidade de perceber ou pensar?
 O que tem mais peso no conhecimento? A razão ou a experiência?

Surgem duas teorias principais com o objetivo de esclarecer estas questões: o


Racionalismo e o Empirismo. Mais tarde surgem mais duas teorias que se relacionam com o
racionalismo e com o empirismo, o dogmatismo e o ceticismo, respetivamente.
A teoria racionalista – O Racionalismo (Platão e René Descartes)
A origem do conhecimento é a razão.
A razão por si só constrói um conhecimento universalmente válido.

O que é necessário para que uma crença seja aceite, contida por todos e verdadeira?
 Necessidade lógica
 Validade universal

Segundo o Racionalismo, perante o problema da origem do conhecimento, só a razão


possibilita o cumprimento destas exigências uma vez que só ela consegue superar as
limitações e fragilidade dos sentidos. Esta teoria afirma que a razão é legisladora e aplicadora;
“juiz em causa própria” e impera com absoluta independência da experiência, seguindo as suas
próprias leis. Desta forma não precisa de nada que a suporte, a não ser ela mesma; a razão é a
principal e única fonte do conhecimento.
O racionalismo tem o mérito de ter reconhecido e feito sobressair o papel da razão no
conhecimento humano, mas torna-se uma teoria exclusivista porque ignora as potencialidades
da experiência. Esta rejeição leva os empiristas à inversão da ordem dos fatores.

Argumentos:
- Rigor e valor universal do conhecimento matemático
- Tudo o que não passar pela razão é falível, errado ou erróneo, por isso quando a razão julga
os dados postos à sua consideração ela conclui que os mesmos só podem ser de uma forma e
não de outra.

Visão cética do conhecimento


O ceticismo é a perspetiva que nega a possibilidade do conhecimento, total ou
parcialmente. De acordo com os céticos não podemos ter a certeza de nada porque nenhuma
das nossas crenças está devidamente justificada.

Argumentos céticos
Argumento da ilusão: os sentidos são enganosos, podem nos induzir em erro.
Argumento da divergência de opiniões: se uma crença estivesse devidamente justificada não
havia razões para que alguém duvidasse dela

Argumento da regressão infinita: toda a crença verdadeira de uma forma mais ou menos
direta baseia-se ou busca informações a crenças anteriores. Se nunca conseguirmos chegar à
crença original, nunca vamos verificar a veracidade da nossa crença

A teoria de René Descartes


Podemos fundamentar o problema de Descartes da seguinte forma: “Como
poderemos garantir que o nosso conhecimento é absolutamente seguro?”. Percebe que o
nosso conhecimento baseia-se numa crença original por isso é necessário que essa crença seja
válida, verdadeira e sólida, para que o nosso conhecimento também o seja.
A fim de testar a veracidade da nossa crença original, o filósofo coloca-se numa
posição de dúvida. Dúvida tal que proporciona a libertação de obstáculos (algo que incite a
menor confusão), falsas verdades e permite questionar profunda e radicalmente todas as
bases do conhecimento humano, mesmo aquelas que julgamos serem totalmente perfeitas e
coerentes. Podemos caracterizar a dúvida de Descartes da seguinte forma: metódica (é
um instrumento de conhecimento cuja meta é atingir a verdade), provisória (só se coloca
nesta posição até encontrar algo que seja evidente e induvidável), hiperbólica (porque duvida
até mesmo da sua existência) e universal e radical (por não se limitar à suspensão de
conhecimentos particulares e ataca os fundamentos ou raízes de todos os conhecimentos quer
sejam provenientes dos sentidos, quer da razão; duvida de absolutamente tudo).
Desde então assume como bom apenas aquilo que é claro e como falso tudo o que é
duvidoso. Através da dúvida, Descartes leva à eclosão do edifício do conhecimento com o
objetivo de construí-lo, por completo, de novo, liberto de obstáculos.
Esta estratégia tem somente como finalidade assentar o conhecimento humano em
bases sólidas e nunca assumir uma posição cética. Tal como os céticos, ele parte da dúvida;
mas, ao contrário dos céticos, não permanece nela (caráter provisório da dúvida).
Descartes consegue, deste modo, retirar ao conhecimento humano todo o risco de
subjetividade e descobrir um conhecimento humano verdadeiro.

Método de Descartes
O filósofo cria um método cujo cumprimento nos permite obter um conhecimento
verdadeiro e indubitável. Alcançar o conhecimento através do seguimento destas regras é
fácil:

Evidência: nunca deveremos aceitar como verdadeiro aquilo que não se apresente como claro
e distinto. Tudo aquilo que se apresente com a mínima dúvida e sem clareza deve ser
rejeitado. Tudo deve ser claro e distinto.

Análise/Divisão: devemos dividir cada uma das dificuldades (situação-problema) em tantas


partes quantas possível para que seja mais fácil proceder a uma análise profunda e atenta.

Síntese/Ordem: devemos conduzir a nossa razão partindo dos aspetos mais simples e fáceis de
conhecer e subir gradativamente para os mais complexos. Se não o fizermos iremos dificultar o
processo.

Enumeração: devemos fazer enumerações tão completas e revisões tão gerais quanto possível
para ter a certeza que não fica nada de fora. Nenhum elemento deve ser excluído.

De que duvida Descartes? – níveis da dúvida


Sentidos: constatando que os sentidos nos enganam algumas vezes, e aplicando o princípio
hiperbólico da dúvida, devemos considerar que os sentidos não merecem qualquer confiança.
Deste modo, Descartes rejeita um dos fundamentos tradicionais do saber: a convicção de que
o conhecimento começa com a experiência, com as informações dos sentidos.

Mundo físico: coloca em causa a existência do mundo físico, dizendo que nós só sabemos
desta existência devido aos nossos sentidos por isso podemos estar a ser induzidos em erro.
Apresenta também a hipótese de tudo ser um sonho. Segundo Descartes, há acontecimentos
que vividos durante o sonho, são vividos com tanta intensidade como quando estamos
acordados. Se é assim, não há maneira de distinguir o sonho da realidade, pode surgir a
suspeita que aquilo que é considerado real não passa de um sonho: Argumento das ilusões
dos sonhos

Conhecimento matemático: Descartes repara que já viu Homens a errarem nas áreas que
considerava estarem dotadas com poder absoluto e indubitável e então suspende o valor da
razão e coloca em causa aquilo que até então considerava o modelo do conhecimento
verdadeiro, o conhecimento matemático, para que não seja induzido, ele também, em erro.

Deus: supõe que não há um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas
certo génio maligno, não menos enganador do que poderoso, que empregou toda a sua
indústria em enganar-me: Argumento do Deus enganador. Descartes duvida de Deus para
reforçar a evidência do cogito.

Verdades de Descartes – em que crenças nos podemos basear?


1ª verdade de Descartes: cogito
Descartes faz a seguinte observação:
Só quem pensa é que duvida.
Se eu duvido, penso.

E, por meio de uma intuição, chega à seguinte conclusão:


A res cogitans (coisa que pensa) não pode existir fora de uma res extensa (coisa que
existe) por isso é que se eu penso, o meu pensamento está presente. Logo, se eu penso existo.
Descartes chega à conclusão que é um ser pensante e, por consequência, existe uma
vez que um cogito precisa de um corpo para “habitar”.

O cogito é o alicerce inabalável que Descartes queria encontrar. Ninguém pode duvidar
que pensa, ao fazê-lo já está a pensar ou até mesmo a formulação de um raciocínio falso é
uma prova que o sujeito em causa pensa. Foi obtido sem nenhuma mediação, sem
intermediários.
Há coisas que a dúvida não consegue pôr em causa ou declarar como falsas tais como
o pensamento, o facto de Descartes ser um ser pensante e, por consequência, existir.
A dúvida inicial que Descartes tinha em relação à sua existência é substituída pelo
cogito (caráter provisório da dúvida).

Características do cogito:
 Primeira verdade
 Verdade racional e universal
 Verdade a priori
 Verdade indubitável
 Evidente (ideia clara e distinta)

2ª verdade de Descartes: a existência de Deus


Inicialmente, Descartes duvidava que Deus existia, propondo a possibilidade da
existência de um génio maligno que nos enganava e nos induzia em erro. Percebe que Deus
não só existe como também é perfeito e critério de garantia de todo o nosso conhecimento
através da seguinte dedução:

Se duvido, sou imperfeito.


Esta imperfeição só pode ser compreendida por contraste de uma coisa perfeita.
Conclui intuitivamente que essa coisa perfeita só pode ser Deus.

Se o cogito é inabalável, então só pode ser verificado e garantido por Deus.


Deus não me engana, é um ser perfeito.

Deus é perfeito.
Logo, não é um génio maligno, ou estaria a negar as suas características e qualidades.

Se eu duvido de tudo, como posso ter a certeza que o cogito não me engana?
Deus está por detrás desta minha evidência.
Logo, Deus é critério e garantia de todo o meu conhecimento.

Se tudo o que existe tem de ter uma causa,


Essa causa é Deus.

Começa então a fundamentar o conhecimento humano em Deus e descobre que,


independente da dúvida cética e argumento da regressão infinita, é possível encontrar uma
base para o conhecimento em Deus.
A certeza e a verdade dependem unicamente de Deus que é por si só garantia da
validade do cogito: Deus confere ao cogito a capacidade de prever obstáculos no verdadeiro
conhecimento. O cogito só é o que é (primeira verdade, verdade racional e universal, a priori,
indubitável e evidente) graças a Deus.
A crença na existência de Deus garante que é Ele que faz com que tudo seja claro,
distinto e verdadeiro. Sem Ele, o nosso conhecimento corria o risco de se tornar opiniões vagas
e inconstantes, Deus garante o conhecimento.
Descartes estabelece que Deus não é nenhum génio maligno, por isso não faz sentido
não confiar nele. Pelo contrário, é um ser perfeito dotado de omnibenevolência, omnisciência
e todas as características que envolvem perfeição, portanto quer sempre o meu bem ao nível
do conhecimento, tornando-se desta forma critério e garantia de verdade absoluta. Deus
coloca em mim as ideias mais seguras, as ideias inatas.

Provas da existência de Deus


Argumento ontológico: Se Deus comporta todas as perfeições, então Deus terá de existir. A
existência é uma das garantias da perfeição, não formula por si só toda a perfeição, é apenas
um caminho para. A perfeição inclui omnipresença, omnibenevolência, existência e
imortalidade, características tais que só deus congrega.
A ideia de Deus é a ideia de máxima perfeição.

Argumento da marca impressa: ideia da causalidade eficiente. Eu tenho em mim gravada ou


idealizada a ideia de perfeição, que só pode ter sido posta em mim por um ser perfeito (eu
tenho consciência da minha contingência e imperfeição). Esse ser perfeito só pode ser Deus.
O cogito é imperfeito, finito e contingente por isso não só não pode ser causa de si mesmo
como também não pode garantir as minhas crenças.
Apenas Deus, o perfeito, o pode fazer

Argumento da causalidade eficiente: se eu sou imperfeito, de onde viria a garantia que a


minha imperfeição daria origem a coisas perfeitas?
O cogito poderia ser visto como a causa da sua própria existência uma vez que imperfeição só
gera imperfeições.
A realidade objetiva da ideia de perfeição ultrapassa claramente o próprio cogito, não está
contida nele. Só pode estar contida num ser maximamente perfeito, Deus

3ª verdade: mundo físico (descoberto por deduções)

Tipos de ideias
Segundo Descartes as ideias que cada indivíduo pode ter em si podem ser:
Ideias inatas: ideias que, desde sempre, residem no nosso espírito. Sementes de verdade que
Deus colocou no nosso espírito. (cogito, Deus, conhecimento matemático)
- Garantem inequivocamente um conhecimento seguro
- Ideias mais fiáveis
- Não são produto da experiência

Ideias adventícias: em permanente suspeição porque provêm da experiência, dos sentidos, do


mundo exterior (sensação de calor)

Ideias factícias: em permanente suspeição porque provêm da imaginação, são ilusórias ou


quiméricas (sereias)

Como procede a razão na procura do conhecimento? – Operações da


razão
Descartes tem o conhecimento matemático como modelo a seguir uma vez que é
totalmente a priori. O conhecimento matemático é puro porque é formado através do cogito e
da razão. Para atingir tal patamar, é preciso agir por intuição.

A razão trabalha por intuição e dedução:


Intuição: desenvolve-se sem intervenção dos sentidos ou outro juízo enganador. Estratégias
imediatas, sem intermediários, que podem levar a outras estratégias, nomeadamente as
deduções
Dedução: são formuladas por um encadeamento de intuições. Numa dedução não entram
raciocínios de natureza não intuitiva.

A razão é um veículo absolutamente seguro para alcançar a verdade, quando liberta de


fragilidades. O poder da razão é associado à infalibilidade divina e, desta forma, aumenta. A
veracidade divina é indispensável para a constituição do meu saber.
Descartes defende a autonomia e o poder da razão (em relação à experiência). A razão
é, por si só, via de obtenção de verdades fundamentais e critério de validade das mesmas. É
legisladora por si mesma. A vontade deve sujeitar-se à razão e não o contrário.
Se a razão se apoia em Deus, haverá limites para o conhecimento humano? Esta via é
segura?
Segundo Descartes, sim. Apresenta uma fundamentação de saber que nos permite encontrar
verdades com necessidade lógica e validade universal.

Mas se este cogito, que é suportado por Deus, me conduz à verdade absoluta, como é
possível o erro?
O erro consiste numa situação onde a razão não foi capaz de conceber de forma
verdadeiramente clara e distinta o conhecimento em causa e, segundo Descartes, o erro vem
do uso descontrolado da vontade, quando as nossas paixões da alma se sobrepõem à razão,
por exemplo preguiça intelectual que pode levar a falsas deduções; cobiça, quando não
cumprimos cuidadosamente as quatro regras do método; precipitação ou do livre arbítrio: se
eu sou capaz de escolher a minha opção de escolha pode não ser segura mesmo se feita
racionalmente A linguagem de descartes tem obrigatoriamente cariz religioso e Deus nunca é a
causa de erro, sou sempre eu mesmo (as minhas paixões da alma/estados de espírito ou livre-
arbítrio).

Objeções à Teoria de Descartes


Círculo solipsista: anda sempre à volta da dupla Eu-Cogito. Só o mesmo é que detém em si o
rigor do conhecimento, pela vertente do cogito.

Individualista: podem surgir conflitos entre intuições

Conhecimento metafísico: suportado por algo não físico, Deus

Dogmatismo: crença num dogma que vem da razão (algo irrefutável), infalível quando
suportado por Deus. Assume uma crença plena no poder da razão que, segundo Descartes, por
si só, se acompanhada por Deus e suportada num bom método, é proibida de falhar. Se todo o
saber é fundamentado em Deus, tem todo o cenário para germinar. Se tudo reside no cogito e
em deus e o cogito é meu e Deus permanente, o conhecimento é ilimitado e variável.

Exagerado: atribui demasiada importância ao cogito. O facto de eu pensar não legitima um


verdadeiro conhecimento. O cogito continua exposto a influências. O peso dos sentidos, por
exemplo, ainda é considerável e não pode simplesmente ser ignorado.
Exclusivista: Se valida a existência do mundo físico, porque invalida o papel da experiência?
Quem nos garante que não é tudo obra de um génio maligno? Será seguro deduzir que Deus
existe? Ou será um salto extremamente arriscado? Os argumentos da perfeição de Deus e da
evidência do erro formam uma falácia do círculo vicioso.

A teoria empirista – O empirismo (John Locke e David Hume)


A origem do conhecimento é a experiência.

Segundo o Empirismo, todo o conhecimento tem origem na experiência; todos os


conhecimentos que criamos vêm das experiências sensitivas. Não existe conhecimento a priori
à experiência, mas sim a posteriori. Esta teoria reconhece o papel e a alta importância da
experiência para o conhecimento.
Torna-se uma teoria exclusivista por ignorar a importância da razão no conhecimento,
atribuindo o papel de principal e única fonte de conhecimento à experiência.
John Locke é considerado o pai do empirismo.

A Teoria Empirista de David Hume


Segundo David Hume, nós nunca conseguimos alcançar um conhecimento
verdadeiramente seguro. Os sentidos, que são a única forma de conhecimento, são
enganadores.
David Hume não considera a existência de Deus e diz que não há ideias inatas na nossa
mente, coisas a priori. Segundo filósofo, a nossa mente é uma tábua rasa. Tudo é a posteriori e
de origem empírica. Tudo aquilo que está na nossa mente passou pelos sentidos que, mesmo
sendo limitados, são responsáveis pelo nosso conhecimento. Sem o contributo dos sentidos
não havia conhecimento.
Tendo em conta que os sentidos são enganadores, não é possível um conhecimento
seguro. Cai num ceticismo.
O empirismo considera que é a nossa experiência individual que é a causa do nosso
conhecimento. Tudo que está no nosso conhecimento deriva da sensibilidade. Todas as ideias
que nós temos exigem uma impressão (dada pelos sentidos) que lhes corresponde.
David Hume desenvolve um projeto filosófico diferente de Descartes. Foca-se nas
capacidades e limites do empenho humano para determinar o que nos é possível conhecer;
até onde pode ir o nosso conhecimento? Procura/tenta evitar polémicas e especulações em
torno da questão do conhecimento humano
A sua estratégia passará por analisar os conteúdos da mente; procura discernir o que
há de válido e inválido na nossa mente; ver se são ou não fidedignos /da nossa confiança e sê-
lo-ão ou não devido à sua origem
David Hume estabelece uma distinção clara entre impressões e ideias, diz que não há
claramente ideias sem que tenha uma impressão que lhe corresponda e que lhe possibilite

Tipos de perceções
Impressões Ideias
Sensações mais vivas Impressões menos intensas
Quando ouvimos, vemos, amamos, odiamos, Cópia de uma impressão
desejamos, queremos. Resulta diretamente O que reside na nossa mente
da nossa experiência; recolhemos Reflexo da nossa impressão: nunca é o
diretamente dos nossos sentidos original, mas depende da impressão
Por mais fiável que seja a impressão que se Só são fiáveis na medida em que são cópias
retira da experiência, não passa de uma das impressões
impressão sensorial É o princípio da cópia que está na origem
As impressões são o ato originário do das nossas ideias.
conhecimento. Armazenam o conhecimento na nossa
mente
Ideia que retemos em nós relativamente a
uma experiência. As ideias vão se apagando,
perdendo a força. A memória perde eficácia

O conhecimento começa com a experiência e daquilo que não há experiência, não há


conhecimento
Toda a ideia exige sempre uma impressão. Não conseguimos ter uma ideia sem termos
uma realidade sensível que lhe corresponda e que nós experienciamos
As perceções são a base do conhecimento. O conhecimento exige sempre um
conhecimento sensível que um sujeito deve levar a cabo
Entra em rejeição ao conhecimento por familiaridade
As nossas experiências são únicas, sempre diferentes.
David hume é opositor /antípode de René Descartes
A experiência é passageira, finita
As impressões e as ideias têm a mesma natureza e origem
Ideias complexas: combinação de ideias simples
Devemos ser cuidadosos na formulação de ideias complexas

Argumentos que não há nada de inato


1. Mesmo as ideias complexas derivam de ideias simples, que são cópias diretas das
impressões.
Se um cego recuperasse a visão, não conseguiria distinguir as cores. Começa tudo com a
experiência, com as impressões – ator originários do nosso conhecimento - mesmo as ideias
mais complexas. Nós retemos uma ideia que é retirada da impressão e registada na nossa
memória, para recordar impressões do passado
As nossas ideias têm uma correspondência sensível.
Não podemos juntar o que é de natureza distinta, senão as nossas ideias ficariam sem
valor gnosiológico
A associação de ideias não pode ser produto da nossa imaginação. Se assim for, as
nossas ideias não têm uma correspondência sensível e então não temos conhecimento
A arbitrariedade tem de ser evitada, através do cumprimento das três leis
A associação de ideias deve respeitar os seguintes princípios:
1. Semelhança: quando associados objetos semelhantes, um remete-nos para o outro
2. Contiguidade no espaço e/ou no tempo: se dois objetos são contíguos no espaço e/ou
no tempo, a ideia de um leva facilmente à ideia de outro
3. Causa ou efeito: pensamos nos objetos em função da relação de um com o outro. A
causa traz-nos ao pensamento o efeito. O efeito transporta o pensamento para a
causa.

Nem mesmo assim a associação de ideias é 100% segura; não são garantia do conhecimento

Tipos de conhecimento
Conhecimento de ideias Conhecimento de factos
Natureza dedutiva. Remete-nos para um A posteriori. O seu valor de verdade
conhecimento que assenta num raciocínio depende do teste empírico. Verdades
dedutivo e apresenta-nos verdades dotadas relativas e contingentes. Questões
diretamente ligadas com a realidade. Único
de necessidade lógica conhecimento que nos explica questões
Constituído por proposições que apenas acerca do mundo. Verdades sintéticas. As
relacionam ideias e são de natureza lógica- proposições que netram na composição
matemática. Intuitiva e demonstrativamente deste conhecimento referem-se a factos que
certas cuja negação conduz a uma visam dar-nos conhecimento sobre o que
contradição a impossibilidade lógica. acontece no mundo. Não se revestem de
Absolutas. Verdades que, apesar de terem necessidade lógica. A sua eventual negação
necessidade lógica, nada nos dizem acerca não revela a mesma contradição
do mundo. A razão por si só é incapaz de /impossibilidade lógica que verificamos
explicar fenómenos. Fornece-nos verdades anteriormente. Permite-nos estabelecer
dotadas de possibilidade lógica uma melhor ligação com o mundo
Efetivamente seguro: absoluto Aquele que nos aproxima do mundo
Resulta em proposições que não podem ser Pessoal, subjetivo, contingente
negadas As suas proposições exigem sempre uma
Não nos dizem nada sobre o mundo demonstração empírica
Exemplo: Doze é o triplo de quatro Não se revestem de necessidade lógica

Estamos na nossa relação com o mundo dependentes de duas ideias: causalidade e indução.
Refuta a noção de causalidade e a ideia de indução. Segundo David Hume, é verdade que
todos os raciocínios sobre as questões de facto se baseiam na causalidade e efeitos e limita-se
às impressões atuais e recorre às recordações de impressões passadas. Porém, nós
formulamos juízos que vão para lá da experiência presente /passada, como formular um
raciocínio precipitado, algo que é contingente; verdades que pretendem explicar como as
coisas irão acontecer. A certeza e a verdade das premissas não garantem a verdade da
conclusão.

Princípio da uniformidade da natureza:


Por assistirmos várias vezes à ocorrência de sentidos iguais, formulamos esta crença. Esta ideia
não corresponde a nenhuma impressão, mas corresponde a uma necessidade psicológica.

Por maior suporte a priori que uma crença tenha, só podemos que se aplica a posteriori. A
causalidade só pode ser conhecida a posteriori. Sem impressão não há conhecimento.
Causalidade: ideia que usamos para nos melhor relacionarmos com o mundo.
Para haver uma regularidade tem de haver uma repetição. Nem sempre A provoca B, até
porque podem ter natureza distinta. A ideia da causalidade é ficção, é uma ideia subjetiva.
David Hume não se segue pela uniformidade da natureza, só podemos obter conhecimentos a
posteriori, a indução é posta de parte. Se a uniformidade da natureza existe, nós somos
legitimados a precipitarmo-nos nos nossos raciocínios. David Hume questiona o fundamento
lógico da indução e conclui que aquilo que nós fazemos é confundido: a expectativa
psicológica retirada das impressões passadas com a incerteza lógica que as coisas vão ser
assim no futuro.
Reconhece o papel da causalidade. Nega as bases do conhecimento tradicional,
comprometendo a possibilidade de conhecimento – conduz-nos a um ceticismo. Para
Descartes, Deus é a base do conhecimento, o cogito precisa de Deus para o suportar. Para
David Hume, Deus é fruto da nossa imaginação, Descartes deu um salto demasiado grande da
lógica para a ontologia.

O conhecimento comum assenta em questões de facto. Dó destes elementos é que colhemos


diretamente impressões. As impressões são fonte direta de conhecimento porque não há
qualquer a priorismo. As impressões refletem a experiência presente. Contudo David Hume
apresenta alguns problemas a esta teoria:
Bases do conhecimento: nós queremos conhecer a realidade para nos sentirmos confortáveis
perante o mundo
Nós criamos uma ideia de uniformidade/regularidade da natureza. Esta crença está por detrás
da ideia da causalidade e de indução, os pilares do nosso conhecimento.
Tudo o que tem valor gnosiológico deve poder ser verificado na natureza; temos de ter
obrigatoriamente uma impressão associada
Se não há impressão então não há conhecimento. Podemos estar perante uma ideia factícia
(proveniente da nossa imaginação)
David Hume faz depender todo o conhecimento das experiências sensoriais
Nenhuma impressão é, em si mesmo, irrefutável. Nenhuma funciona de forma perfeita. Todos
os sentidos, por melhor que funcionem, não nos dão uma impressão parcial do conhecimento.
Os sentidos só nos fornecem uma parcela da realidade.
Desta forma, não é possível conhecimento dentro dos parâmetros da necessidade lógica e
validade universal.
Assume uma posição cética.
A dúvida é o ponto mais alto que o nosso conhecimento pode alcançar.
Dúvida cética: enfermidade que não se cura nunca.
Não é um cético radical; não há desespero cético. As impressões levam sempre a uma análise
subjetiva da realidade. Ceticismo moderado: não significa aquele que duvida por duvidar do
conhecimento, significa aquele que investiga, pesquisa constantemente, não é temerário.
Atitude própria daqueles que estão dispostos a conhecer, a procurar e alcançar verdade
embora estejam cientes que não vão conseguir fazê-lo
Dúvida definitiva. Mais enriquecedora do que o dogmatismo de Descartes
David Hume: o conhecimento de uma realidade só é garantido pela constante visão da própria
Descartes: limita-se ao Eu-Cogito, suportado por Deus
David Hume testa os limites /capacidades que temos de conhecer onde encontra dois tipos de
perceções: impressões e ideias (surgem do princípio da cópia)
Somos enfrentados pelo alcance do nosso conhecimento
Com base em fenómenos observados, procedemos a generalizações
Ideias relacionadas com a existência de Deus – não associados a impressões – ideias factícias
A experiência confirma o conhecimento do passado e do presente, nunca do futuro – indução
torna-se um problema: David Hume rejeita este processo
Concluímos a impossibilidade de um conhecimento puro, seguro – ceticismo
Não conseguimos ir além dos dados das impressões para justificar o nosso conhecimento
David Hume põe em causa a causalidade (regularidade constante – não é científico) e a
indução (previsão /precipitação do futuro)
É errada a conceção de causalidade porque é refutável.
Há fenómenos que constantemente se sucedem um ao outro mas um não é a causa do outro
(dia /noite ; aquilo que só acontece uma única vez)

Conclusões de David Hume:


1. Não é possível estabelecer ligações entre alguns fenómenos (porque, apesar de serem
da mesma natureza, a causa não é a mesma)
2. O conhecimento seguro, sugerido por Descartes, não é possível

Confronto: David Hume e René Descartes


René Descartes David Hume
Ideias inatas a priori Experiência sensorial a posteriori
Ignora qualquer contributo que a Não há nada de inato nem a priori no
experiência possa dar, é enganador e deve conhecimento. Se não houver experiência
ser rejeitado. Só devemos aceitar aquilo que não há conhecimento. Ignora Deus como
for claro e distinto fator do conhecimento humano
Pretende reabilitar o papel da razão no Pretende demonstrar os limites do nosso
conhecimento conhecimento

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