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Publicação quadrimestral n.

º 116 Janeiro/Abril 2019


Edição da APEI Associação de Profissionais de Educação de Infância
Preço 6.50¤ (iva incluído) ISSN 2182-8369
Publicação quadrimestral Equipa editorial: Ana Maria Azevedo, Ana Isabel Santos, Cristina
n.º 116 Mesquita, Joana Freitas-Luís, Liliana Marques, Luís Ribeiro, Maria do
Tiragem: 3900 exemplares Carmo Góis, Maria do Céu Velez, Maria de Fátima Godinho, Maria
Publicação Quadrimestral n.º 111 Maio/Agosto 2017
Edição, Propriedade e Redação: Associação Helena Horta, Susana Alberto
Colaboradores: Rosário Leote
Edição da APEI Associação de Profissionais de Educação de Infância

de Profissionais de Educação de Infância


Preço 6.50¤ (iva incluído) ISSN 2182-8369

Bairro da Liberdade, Lote 9, Loja 14, Piso 0. Revisão: António Simões do Paço Design gráfico: Metropolis Design
1070-023 LISBOA www.metropolis.pt
Tel. 21 382 76 19/20 Fax. 21 382 76 21 Impressão: Sersilito - Empresa Gráfica Lda, Travessa Sá e Melo, 209
E-mail: apei@apei.pt NIPC: 501 226 737 Gueifães | Apartado 1208, 4471 - 909 Maia Preço por número: 6.50¤
Diretor: Luís Ribeiro Assinaturas: 1 ano: 17,50¤ (iva incluído), estrangeiro (1 ano): 22¤
(Presidente da APEI) N.º de registo: ERC: 112028 Depósito legal: 12929/86
ISSN: 2182-8369
Os artigos assinados não exprimem necessariamente o ponto de vista da Direção.

Capa . João e Noa, Escola João do Arco/Ajuda de Mãe 38 Artigo . Vânia Beliz
A Educação Sexual na Educação de Infância

1 Editorial . Luís Ribeiro
42 À descoberta . Rosário Leote de Carvalho
2 Artigo. Andreia Lima Lei da ação - reação
A documentação pedagógica como alicerce
da planificação solidária e da avaliação
das aprendizagens 43 Notícias da Direção
Eleições para os órgãos sociais da APEI ,
Programa de candidatura quadriénio 2019 - 2023

9 Artigo. Sílvia Barros, Joana Cadima, Manuela Pessanha,
Carla Peixoto, Vera Coelho, Ana Isabel Pinto, Donna M. Bryan




Transição de bebés para a creche: contributos
da investigação para a prática
46 Divulgação
Operação Nariz Vermelho

13 Artigo . Daniela Silva


Ser bebé, ser educadora de infância: 47 Nas bancas: Infância
partilha de práticas O Menino Eeterno
O Novelo de Emoções
Os Pescadores de Nuvens
23 Práticas . Tainá Ferrari Júlio
Baseado em artes reais!
48 Nas bancas: Educação
31 Práticas . Maria Jesus Rocha Costa de Sousa A Minha Horta é Biológica
Sonhar, empreender, concretizar: Pais Sem Pressa
a casa dos (nossos) sonhos Pensar a Imagem Olhar o Texto

34 Práticas . Nuno M. Pires Gonçalves


A observação e escuta da criança.
Um encantador caminho de descobertas,
aprendizagens e conquistas

Estatuto Editorial Os Cadernos de Educação de Infância, fundados em 1987, são uma revista quadrimestral, independente e livre, especializada no campo da educação de infância, que pretende contribuir,
através da divulgação de artigos concetuais e de práticas educativas de qualidade, para a discussão da pedagogia e da educação e para o aprofundamento da compreensão da infância. As suas opções
editoriais são orientadas por critérios de qualidade, rigor e criatividade editorial, estabelecidas sem qualquer dependência de ordem ideológica, corporativa, política, social ou económica, valorizando a
pluralidade de olhares que sejam promotores de reflexão e discussão sobre a educação de infância, contribuindo, desse modo, para o desenvolvimento pedagógico e científico dos seus profissionais e para
a definição de políticas educativas a nível nacional e europeu. No campo da informação e da opinião, orienta-se pelas disposições contidas na Declaração dos Direitos da Criança, na Declaração Universal
dos Direitos do Homem, na Constituição da República Portuguesa, no Estatuto do Jornalista, na Lei de Imprensa, no Código Deontológico dos Jornalistas e nos princípios da ética profissional produzida
e assumida no seio da comunidade da informação, de âmbito nacional ou internacional.

A APEI é apoiada pelo Ministério de Educação no âmbito do protocolo de afetação de recursos humanos
# 116
: EDITORIAL
Luís Ribeiro . Presidente da APEI

Cumprindo-se as disposições estatutárias, efetuam no respeito e em concorrência com um conjunto de conferencistas nacionais
em 2019, ocorreu a eleição dos órgãos sociais as especificidades de cada região. e internacionais de relevo e um conjunto
da APEI, desta vez para um ciclo de quatro Neste sentido, quer a dinâmica ligada ao alargado de workshops, garantindo dois dias
anos (até 2023), na sequência da alteração Centro de Formação da APEI (desde janeiro que certamente serão significativos na vida
dos Estatutos ocorrida em 2018. até maio, já se concretizaram 85 ações por dos participantes.
Os mandatos de quatro anos, período todo o país), quer o Ciclo de Seminários
de tempo mais comum nas organizações que anualmente a APEI promove em todos Umas excelentes leituras e até 6 de julho em
escolares, visam dar maior estabilidade à os distritos (em 2018/2019, serão realizados Guimarães!!
dinâmica da Associação, permitindo um 26 Encontros Regionais/Ser Bebé) procuram
planeamento estratégico a médio prazo e a garantir que a educação de infância tem
operacionalização de ações que se possam um espaço próprio em que as questões
articular melhor ao longo do tempo e específicas da pedagogia e educação na
corresponder às necessidades e expetativas infância são discutidas e em que se promove
dos seus associados e dos profissionais de a necessária dialética entre a investigação e a
educação de infância em geral. prática educativa, motor para um verdadeiro
Pela primeira vez, na sua já longa história, desenvolvimento profissional.
foi possível constituir uma lista em que No final deste ano escolar, teremos mais
todas as regiões estão representadas nos um momento que se pretende marcante
órgãos sociais, representatividade geográfica na educação de infância em Portugal: a
particularmente evidente na Direção, realização do XVI Encontro Nacional da
composta por onze elementos, cinco dos APEI, nos dias 6 e 7 de julho, promovido
quais eleitos diretamente e os restantes em parceria com a Câmara Municipal de
seis (Delegados Regionais do Norte, Centro, Guimarães e a Escola Secundária Francisco
Alentejo, Algarve, Madeira e Açores) por de Holanda, subordinado à temática A
inerência de funções. Educação Artística na Educação de Infância.
Outra das alterações estatutárias diz respeito Este Encontro, na sequência das iniciativas
à figura dos Delegados Locais, uma rede de dos dois anos anteriores, decorrerá num
representantes da APEI, de base distrital sábado e domingo, permitindo que os
ou concelhia, que abrange todo o país e profissionais de educação de infância
que procura garantir que o planeamento ligados às redes privada e solidária possam
e a operacionalização de ações locais se participar sem constrangimentos, e reunirá

1 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO
A documentação pedagógica como alicerce
da planificação solidária e da avaliação das aprendizagens
Andreia Lima . Educadora

Introdução nos manuais escolares, que constituem o ambiente educativo e as aprendizagens das
O presente artigo resulta de um estudo mais material de instrução. crianças, famílias e profissionais. Orientam
aprofundado intitulado: “Uma narrativa de O modo de fazer pedagogia participativa faz o profissional no seu pensar, documentar,
transformação da práxis: um estudo de caso uma desconstrução do modo transmissivo. planificar e avaliar as aprendizagens [3] [4].
no âmbito da pedagogia-em-participação”, Esta desconstrução foi uma das grandes
realizado no âmbito do mestrado em heranças da pedagogia do século XX [7]. Os eixos de intencionalidade educativa:
Educação de Infância – Estudos Avançados.1 As pedagogias participativas partem do uma bússola para o pensar e fazer
A investigação situa-se na pedagogia-em- pressuposto de que o conhecimento é uma pedagogia
-participação [1] [2] [3] [4], a perspetiva construção conjunta na ação contextualizada Para os autores Júlia Oliveira-Formosinho
pedagógica da Associação Criança, e e que a práxis pedagógica é a construção e João Formosinho [3], pensar o ambiente
centra-se na análise reflexiva e crítica de conjunta de processos e realizações por meio educativo é um processo em progresso
um processo de renovação do modo de de métodos participativos [8]. A pedagogia porque criar ambientes educativos é uma
documentar, planificar e avaliar processos e participativa é, na essência, a “criação de constante experiência democrática. Isto
realizações das aprendizagens das crianças. espaços-tempos onde as interações e é, criar um ambiente educativo é antes de
Júlia Oliveira-Formosinho e João Formosinho relações sustentam atividades e projetos mais pensar na inclusão de todas as vozes
[3], inspirados em Edgar Morin, afirmam que a que permitem às crianças coconstruir a sua e dar respostas a todas e a cada uma
herança pedagógica dos dois últimos séculos aprendizagem com o professor e celebrar as delas [9]. Esta compreensão requer que a
permite apontar que não existem modos suas realizações” [3]. organização do contexto atenda a todas
neutros de fazer pedagogia, pelo contrário, É neste último modo que se enquadra a e cada uma das crianças, que promova a
existem essencialmente dois modos de fazer pedagogia-em-participação pertencente participação, que seja responsivo, desafiante
pedagogia: o modo da transmissão e o modo à família das pedagogias participativas. e celebre a participação entre crianças,
da participação. Adotar de forma assumida, Esta perspetiva educativa, como outras famílias e profissionais na coconstrução da
explícita, um ou outro, apela à desconstrução pedagogias participativas, faz uma rutura aprendizagem [3] [4].
e à reconstrução de imagens, através de com a pedagogia transmissiva para promover Uma das primeiras preocupações dos autores
uma análise reflexiva das suas características outra visão do processo de aprendizagem João Formosinho e Júlia Oliveira-Formosinho
contrastantes. e ensino e do ofício de aluno e professor. [1] foi criar os eixos de intencionalidade
O modo de fazer pedagogia da transmissão Parte de uma visão de mundo progressista, educativa como âncoras para desenvolver o
parte de um conteúdo pré-definido onde os democrática e participativa. Oliveira- ambiente educativo e criar aprendizagem para
propósitos da criança têm pouco espaço, Formosinho e Formosinho [3] defendem todos: crianças, famílias e profissionais.
porque tem por base um currículo pronto- que ter por base uma visão humanista da Os autores definem como primeiro eixo ser-
-a-vestir tamanho único [5]. Este currículo sociedade e do homem apela ao espírito estar. Este remete para as identidades, define
uniforme conduz a uma pedagogia uniforme reflexivo para criar as condições para que os como foco para o ato educativo a promoção
através da mera acumulação de diferentes seres humanos, tanto crianças como adultos, de identidades plurais que partilham
disciplinas, independentemente das efetivas possam exercer as capacidades de que semelhanças e diferenças que devem
diferenças, necessidades e ritmos existentes dispõem como seres livres e com direitos. ser respeitadas na criação de contextos
entre as crianças e os educadores. Dewey [6] Neste sentido, torna-se indispensável que e dos processos educativos. O segundo
refere que o principal objetivo da pedagogia para pensar e fazer pedagogia no quotidiano eixo, pertencer-participar, remete para a
tradicional é preparar o jovem para as suas se organize criteriosamente um ambiente participação e resulta da vivência do respeito
futuras responsabilidades e para o sucesso democrático, inclusivo e plural, com vivências e do bem-estar, já focado no primeiro eixo.
na vida, por meio do conteúdo existente múltiplas de espaços e tempos, vivências As crianças e adultos que experienciam
de diversidade de relações e interações respeito e bem-estar num clima social positivo
1 A frequência e a conclusão do mestrado em Educação [3]. Para a construção e desenvolvimento desenvolvem um sentimento de pertença e,
de Infância decorreu da bolsa de estudos concedida deste ambiente educativo, a pedagogia-em- por sua vez, criam um impulso para participar
pela Fundação Aga Khan, que tive o privilégio de usu-
fruir, a quem deixo, mais uma vez, uma palavra de re- -participação dispõe de eixos definidores nos seus contextos de vida e aprendizagem.
conhecimento. O mestrado teve a orientação de Júlia de intencionalidade educativa. Estes O terceiro eixo, explorar-comunicar,
Oliveira-Formosinho e foi defendido na Universidade são âncoras para pensar, refletir sobre o remete para a exploração e aponta para a
Católica Portuguesa.

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aprendizagem experiencial que permite à trazem vida e experiência à coconstrução da da realidade educacional.
criança explorar o mundo e o conhecimento. aprendizagem experiencial; a documentação A documentação pedagógica é um instru-
Orienta para a criação de ambientes pedagógica que cria memória, aprendizagem mento estruturante da prática porque permi-
educativos que respeitem formas plurais e meta-aprendizagem que sustenta a ava- te analisar e refletir, em companhia, os pro-
de exploração e comunicação da criança. liação; o envolvimento dos pais, famílias e cessos e as realizações anteriores e negociar,
O quarto eixo, narrar-significar, refere-se comunidades [3] [4]. assumir propósitos individuais e coletivos
à narração das aprendizagens. É o suporte O ambiente educativo é uma textura delica- que constituem a projeção da ação futura
para criar sentido e significado para a da e dinâmica formada pela interconectivi- [13]. É neste encontro que se respeitam as
aprendizagem. Como todos os outros dade destas dimensões e tem como objetivo diferenças, a individualidade pessoal, cultural
eixos, também este celebra as semelhanças o desenvolvimento das identidades plurais e e social. Promove-se a paz, a tranquilidade,
e as diversidades da aprendizagem. O relações cooperativas, pertenças participati- a interculturalidade, a diversidade, a inclusão
acesso à documentação pedagógica, que vas, explorações comunicativas e significa- e firma-se a planificação solidária vivida [12].
visibiliza processos pedagógicos e as suas dos narrativos [3]. A documentação permite a planificação soli-
realizações, permite à criança revisitar, Todas as dimensões da pedagogia existem dária que, por sua vez, permite a ação solidá-
narrar e compreender o que aprendeu, de forma integrada e são portadoras de ria. Estamos no âmbito da aprendizagem so-
como aprendeu, com quem aprendeu, de mensagens que podem apoiar, ou não, o lidária [12]. Uma nova planificação, do grupo
que gostou mais e de que gostou menos. desenvolvimento de uma educação de qua- e individual, é seguida de um novo ciclo de
Serve também para o adulto compreender a lidade no respeito pelos direitos, agência e atividades das crianças em cooperação com
aprendizagem experiencial da criança. competência das crianças para participar na a ação profissional do educador, que ordena
Estes eixos são interdependentes e aspiram sua própria educação desde o nascimento. e regula as condições externas (dimensões
a que o processo educativo colabore na do ambiente educativo) necessárias para que
construção e desenvolvimento de “identidades A documentação pedagógica no coração os propósitos e os compromissos aconteçam
sócio-histórico-culturais, fazendo da educação da planificação e da avaliação [ibidem].
um processo de cultivar o ser, os laços, a das aprendizagens Neste novo ciclo de atividades, a ação pro-
experiência e o significado” [3]. Desafiam A documentação pedagógica representa fissional do educador passa por suspender
os profissionais a escutar, a negociar e a uma das conquistas do século XX no âmbito intencionalmente a sua voz, os seus poderes,
conciliar os propósitos das crianças com as da pedagogia da infância, visto que visibiliza os seus saberes para criar espaço e tempo
intencionalidades da pedagogia. cada criança na sua competência e agência para o exercício dos poderes das crianças,
e desafia à criação de respostas (situações) usando a terminologia de Dewey [14]. O
O ambiente educativo educacionais respeitosas das identidades educador escuta novamente as crianças em
como um segundo educador plurais emergentes, de participação, de di- ação e faz nova documentação. A ação do
Júlia Oliveira-Formosinho [7] [8] afirma que reitos [3]. profissional é interrogar, fazer falar a docu-
o ambiente educativo é como um segundo A pedagogia-em-participação coloca a docu- mentação para melhor compreender o fluir
educador. Este deve ser organizado para que mentação pedagógica no centro do processo da aprendizagem de cada criança e do gru-
promova e facilite a coconstrução de apren- de aprendizagem, porque documentar per- po. Para Júlia Oliveira-Formosinho [13] esta
dizagens experienciais e o desenvolvimento mite ao profissional descrever, compreender, é uma atitude profissional ética de tornar a
no quotidiano da intencionalidade educativa. interpretar e atribuir significado ao ambien- avaliação autêntica, porque espelha o quoti-
Na pedagogia-em-participação, para uma te educativo que criou, à aprendizagem da diano pedagógico no seu aprender e ensinar.
escuta atenta e responsiva das crianças, criança e à sua aprendizagem [1] [10] [11] [12]. Avalia-se com a criança (e não por ela ou
torna-se necessário organizar o ambiente Documentar permite colocar em diálogo cul- para ela).
educativo e pensar as diversas dimensões turas e identidades: a cultura e a identidade A documentação pedagógica é um instru-
da pedagogia: os espaços, materiais e tem- da criança e a cultura e a identidade do adul- mento poderoso ao serviço da criança, da
pos pedagógicos; a organização dos gru- to [10]. Para Ana Azevedo [10], o diálogo que construção do conhecimento (da criança e
pos; a qualidade das interações e relações; se estabelece entre a criança e o adulto num dos profissionais), da monitorização do quo-
a observação, a planificação e avaliação da contexto de escuta, de participação, equita- tidiano, da mediação pedagógica, da planifi-
aprendizagem; as atividades e projetos que tivo e democrático, permite a reconstrução cação solidária, da avaliação das aprendiza-

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gens e da investigação praxiológica [15]. o quotidiano e a minha ação: “As crianças truímos casas, selvas, quintas. […]; na área da
sentem-se bem no ambiente educativo? As expressão plástica, desenhamos com muitos
O processo de renovação do pensar e do crianças têm real participação, todas e cada materiais […] e na área do faz de conta […] via-
fazer pedagógico na minha sala uma? Qual o seu espaço de participação?” jamos para muitos sítios: para a praia, à selva,
Os eixos pedagógicos de intencionalidade Este questionamento leva-me a criar um foco ao jardim zoológico” (voz de uma criança).
educativa são uma bússola para o meu pen- de análise e reflexão, o ambiente educativo. Ao vivenciar o espaço e materiais depressa
sar, fazer documentar e avaliar o processo de A documentação pedagógica constitui um identifico a necessidade premente de refletir
aprendizagem e ensino. Estes eixos desafiam instrumento relevante na procura da com- sobre como se conceptualiza a organização
à negociação permanente com as crianças preensão do ambiente educativo, no papel do tempo pedagógico, que é rotineiro, pouco
para a criação de situações educativas in- das crianças nas várias dimensões da peda- dinâmico e pouco desafiador. A voz de uma
clusivas que apoiem o desenvolvimento de gogia. Começo por documentar o espaço e os criança revela a importância de refletir em
identidades sócio-histórico-culturais [3]. materiais pedagógicos. As vozes das crianças torno deste tempo: “No tempo de conselho
As vivências diárias do ambiente educativo, devolvem os ecos da participação vivida na nós falamos sempre sobre o nosso dia, o que
num contexto específico, no Centro Infantil organização do espaço da sala de atividades fizemos, o que conseguimos acabar, de que
Olivais Sul, gerido pela Fundação Aga Khan, e na seleção dos materiais: gostamos e de que não gostamos. É sempre
numa sala da educação pré-escolar, consti- “Na área da biblioteca, toco músicas com os a mesma coisa. […] Não gosto assim muito do
tuída por vinte e cinco crianças com idades instrumentos e canto para os fantoches. Leio conselho” (voz de uma criança). Perante esta
heterogéneas, por mim, educadora, e por histórias e o meu portfólio; na área dos jogos, constatação, reflito se este tempo está a ser
duas auxiliares da ação educativa, provocam- […] contamos e escrevemos letras, números, dinamizador da continuidade e da interativi-
-me inquietações que me levam a questionar palavras. […]; na área das construções, cons- dade das aprendizagens para o dia seguinte

Figuras 1 e 2: Visita à Quinta Pedagógica

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e para a semana, se está a apoiar o processo espaço e num tempo que permita o encon- sentar os meus trabalhos e de falar sobre eles
de planificação. tro de vozes para a devolução da documen- em pé. Depois decidimos como queremos
Olho para a planificação educativa e ques- tação pedagógica, para a escuta e a nego- estudar.”
tiono-me: “Como estou a planificar? Esta ciação das intencionalidades educativas; o
planificação serve os propósitos de quem? tempo de conselho permite esse encontro. O processo solidário traz benefícios para
Cabe-me só a mim planificar? Estou a criar A documentação pedagógica deixa de servir o desenvolvimento do trabalho de projeto
espaço de tomada de decisão por todos apenas para ser exposta nas paredes e pas- As sequências de documentação pedagógica
(crianças, eu e equipa)?” sa a sustentar o processo conversacional e que se seguem resultam das consequências
Esta inquietação e reflexão desafia-me a re- reflexivo sobre a jornada de aprendizagem positivas da inclusão da criança e do grupo
construir a planificação educativa numa pro- experiencial. Este processo conversacional em todo o ciclo da ação educativa.
cura de partilha de poder. Leva-me a olhar transforma o ato de planificar, pensar e Durante a visita à quinta pedagógica uma
para a documentação pedagógica e a ques- projetar a ação seguinte, deixa de ser um criança partilha: “Eu vim para esta escola
tioná-la para refletir como estou a usá-la. processo solitário para ser um processo so- quando era muito pequenina. Quando eu
Reflito: “As crianças devolvem-me as suas lidário [8]. era pequenina chorava muito e tinha medo
experiências e os seus significados dos tem- O tempo de conselho passou a ser um tempo dos animais. Agora já não tenho medo. Vou
pos pedagógicos, eu escuto-os, observo-os de verdadeira harmonia de compromissos e trazer as minhas fotografias de bebé e vou
e documento, interpreto e avalio. Se faço de intencionalidades educativas, como tão ver no meu portfólio.”
isto tudo, que uso faço desta documentação claramente o diz esta criança: “No conse- A partir do interesse desta criança e da mi-
pedagógica” (a minha voz)? lho nós vemos a documentação e falamos, nha escuta profissional harmonizo interes-
Este questionamento leva-me a pensar num falamos muito todos. […] Eu gosto de apre- ses e motivações e projeto a ação seguinte.

Figura 3: Tempo de acolhimento com a presença


da mãe da Mafalda

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: ARTIGO

Convido as famílias a partilharem fotografias, papa” (voz do Miguel). a criação de condições para que as crianças
histórias, objetos dos seus filhos enquanto “O meu pai cantou a música do Sabiá” (voz expressem o que pensam sobre as questões
bebés. As famílias aderem com entusiasmo. da Carlota). formuladas. Penso quais os tempos da rotina
Organizo a rotina de vários dias para poder “A minha mãe trouxe uma manta dos manos em que se pode desenvolver o trabalho, sele-
acolher todas as famílias. As famílias vêm à e depois foi minha” (voz da Íris). ciono materiais, organizo grupos de trabalho.
sala em diferentes tempos da rotina diária. “A mãe trouxe uma fotografia comigo na bar- As crianças representam as suas ideias atra-
A Mafalda, na companhia da mãe, partilha fo- riga” (voz da Constança). vés da expressão plástica, da expressão cor-
tografias e alguns objetos mais significativos “Por onde saímos quando estamos dentro da poral e oral; fazem pesquisas, os pais vieram à
de quando era bebé. A mãe diz: barriga da mãe?” (voz da Nádia). sala, outros enviaram enciclopédias e também
“A Mafalda, quando nasceu, tinha muito ca- “Pelo umbigo! Pela barriga! Vem por aí acima fomos à biblioteca local.
belo. O cabelo da Mafalda estava sempre em e sobe! Pela cabeça!” (vozes do Gustavo, da Após a representação gráfica, a Mafalda par-
pé. Só quando tomava banho é que o cabelo Íris, da Mafalda e da Beatriz). tilha o seguinte:
baixava. Mas quando estava seco voltava a A conversa em conselho provocou interroga- “É a mamã e eu. O saco gestacional rebentou,
ficar em pé.” ções que se transformaram em novas inten- saiu o líquido amniótico e eu nasci depois e
“Eu não tinha pouco cabelo como os meninos. cionalidades educativas. Pergunto-lhes: “Que- vim com o cordão umbilical. O médico corta o
Tinha muito, já era crescida” (voz da Mafalda). rem saber por onde saímos quando estamos cordão umbilical.”
“Ela tinha esta roupa quando nasceu. Ago- dentro da barriga da mãe?” Novamente reunidos, em tempo de conselho,
ra não lhe serve porque já cresceu. Já só dá As crianças respondem afirmativamente. As- as crianças, apoiadas na documentação peda-
para vestir aos bebés do faz-de-conta” (voz sumo com elas este compromisso como pla- gógica, revisitam e narram o roteiro da apren-
da mãe). nificação para o dia seguinte. Assumo tam- dizagem experiencial desenvolvido ao longo
No final do dia, no tempo de conselho, anali- bém o compromisso de falar com as famílias do projeto. Verifica-se se se alcançaram as
samos as experiências anteriores: sobre esta questão sensível em torno de por respostas para as perguntas de que partimos.
“Quando eu era bebé bebia leite e comia onde saem os bebés. Este compromisso exige Uma criança diz: “Aprendemos que afinal os

bebés
podem
s a i r
p e l a bar-
riga.” A voz
d e s t a criança é elucida-
tiva sobre o desenvolvimento de uma
jornada de aprendizagem experiencial
negociada, que assume compro-

Figura 4: Tempo de atividades e projetos

6 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


Figura 5: Tempo de conselho
de casa para colocar no meu portfólio. […]
Não tem tudo, tem os trabalhos mais im-
portantes. […] O que tem lá dentro chama-
-se documentação.”
A (re)construção dos portfólios individuais
de aprendizagem permite criar memória a
curto, médio e longo prazo, permite cons-
truir diálogos com as famílias, cultivar a
memória coletiva, compreender as trans-
formações ocorridas ao longo do tempo,
analisar o processo e as aprendizagens in-
dividuais e do grupo, analisar a progressão
na aprendizagem e partilha dos processos
e das realizações de aprendizagem com os
professores do 1º ciclo do ensino básico.
A voz desta criança evidencia o poder do
portfólio: “[…] Quando tu ou alguém vê o
meu portfólio, aprende e vê o que eu sou
capaz de fazer. Vê que sei escrever, pensar,
desenhar lindamente, já não faço riscos, sei
pesquisar e dar sugestões.”
missos para a planificação solidária porque tro significado quando revisitada, analisada, Os portfólios individuais de aprendizagem
envolve crianças e adultos na cocriação de questionada pelos vários atores do proces- visibilizam os processos de uma avaliação
respostas para as suas perguntas [12]. so educativo (pelas crianças, por mim, pelas pedagógica que não cria rótulos, mas é au-
famílias). têntica, inclusiva e respeitosa pela identida-
A (re)construção da avaliação através da A documentação apoia assim a construção de e competência de cada criança.
documentação pedagógica e da planifica- da planificação solidária, planifica-se com Conclusão
ção solidária a criança a aprendizagem (e não para ela), O processo transformativo complexo e lento,
A planificação enquanto ato solidário sus- compatibilizam-se as motivações e os pro- situado e contextual permite concluir que a
tentado na documentação pedagógica pósitos das crianças com a intencionalida- colaboração das crianças foi importante
(editada), que permite negociar e assumir de educativa do educador, avalia-se com a para o processo de análise, reflexão e
compromissos, prepara o palco para a (re) criança (e não por ela ou para ela). Os por- compreensão da práxis. A escuta e o registo
construção da avaliação, organizada em tfólios individuais de aprendizagem deixam das suas vozes demonstraram que as
portfólios individuais de aprendizagem de ser recetáculo de atividades sem signifi- crianças conhecem o quotidiano educativo e
das crianças. Reflito: “A transformação da cado nem utilidade. ajudaram-me a transformar a práxis.
documentação pedagógica ao serviço da Com o passar do tempo, os portfólios in- O envolvimento parental abriu portas
planificação solidária ajudou a criar focos dividuais de aprendizagem começam a ga- ao desenvolvimento de uma jornada de
partilhados e como tal também a documen- nhar outra forma, outro conteúdo e outra aprendizagem experiencial vivida por todos,
tação pedagógica que vai para os portfólios utilidade. Começam a contemplar a docu- construída e refletida a múltiplas vozes.
individuais de aprendizagem das crianças mentação pedagógica mais significativa, as Também o envolvimento da equipa educativa
toma outro significado. Esta era demasiado escolhas das crianças, as minhas escolhas, ao longo de todo o processo transformativo
extensa, exaustiva e selecionada por mim.” da restante equipa e das famílias e os tra- foi de extrema importância no encontro
Perante esta compreensão, a documen- balhos realizados em casa. de estratégias que tornou possível a
tação pedagógica que serve a avaliação As vozes das crianças revelam esta (re) transformação.
pedagógica e os portfólios individuais de construção: “O portfólio […] tem muitas Permite, ainda, concluir que a documentação
aprendizagem sai do isolamento e toma ou- coisas guardadas lá […]. Eu trago desenhos pedagógica é um instrumento central

7 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

Figura 6: Tempo de atividades e projetos


Estudos da Criança, Universidade do Minho.
[11] Oliveira-Formosinho, J. (2014). A avaliação holística:
a proposta da Pedagogia-em-Participação. Disponível
em: http://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/viewFi-
le/6346/4923.
[12] Oliveira-Formosinho, J. (2016b). “Pedagogic docu-
mentation: uncovering solidary learning.” In J. Oliveira-
Formosinho & C. Pascal (eds.) (pp. 107-128), Assessment
and Evaluation for Transformation in Early Childhood.
London: Routledge.
[13] Oliveira-Formosinho, J. (2018). “Pedagogia-em-
-Participação: Modelo Pedagógico para a Educação em
Creche.” In J. Oliveira-Formosinho & S. Araújo (Orgs.) (pp.
29-70), Modelos Pedagógicos para a Educação em Cre-
che. Coleção Infância, nº 22. Porto: Porto Editora.
[14] Dewey, J. (1897). My pedagogic creed. The School
Journal, 3, 77-80.
[15] Oliveira-Formosinho, J. (2016c). “A investigação
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8 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO
Transição de bebés para a creche:
contributos da investigação para a prática
Sílvia Barros1, Joana Cadima2, Manuela Pessanha3, Carla Peixoto4, Vera Coelho5, Ana Isabel Pinto6, Donna M. Bryant7
Sílvia Barros1, Joana Cadima2, Manuela Pessanha3, Carla Peixoto4, Vera Coelho5, Ana Isabel Pinto6, Donna M. Bryant7

A transição para a creche é um período ração dos pais ou de outros adultos familia- a desempenhar com sucesso a sua atividade
complexo durante o qual famílias, crianças e res, estabelecer relações com novos adultos profissional, sentindo que o bebé está bem.
profissionais enfrentam múltiplos desafios, quando ainda estão a construir relações na Como pode depreender-se, há uma circulari-
sentimentos profundos e algumas incertezas família, sendo que é em relação que cons- dade entre o bem-estar do bebé e o dos pais
[1, 2, 3, 4]. Envolve mudanças em vários as- troem o seu sentido do eu, adaptar-se a no- [16]. Uma boa parceria entre a creche e a fa-
petos, como nos espaços, nas rotinas, nas vos espaços, adaptar-se a rotinas diferentes, mília também pode facilitar a adaptação das
pessoas com quem se contacta e nas rela- exprimir as suas emoções de forma a encon- famílias nesta nova fase da sua vida [17, 18].
ções. Efetivamente, uma das dimensões cen- trarem apoio ou reconhecimento [1, 4, 10]. E Se, por um lado, a transição é desafiante
trais neste período é a construção de novas tudo isto em contexto de grupo! A maioria para bebés e famílias, não podemos es-
relações entre crianças, pais e profissionais dos bebés passa de um ambiente em que é a quecer que a transição ou, melhor ainda, as
de educação de infância, havendo evidências única criança, ou em que contacta com pou- transições também não são fáceis para as
de que a qualidade das interações em creche quíssimas crianças, para um ambiente em creches, pois é necessário: estabelecer uma
é importante para o desenvolvimento social, que quase tudo acontece em grupo. Durante relação segura, sensível e apoiante com cada
emocional e cognitivo das crianças [e.g., 5, este período de transição, os bebés, assim “novo bebé”, assegurando uma prestação
6, 7, 8]. Assim, se a entrada na creche traz como as crianças de 1 ou 2 anos, poderão de cuidados e educação individualizadas aos
muitos desafios, pode trazer também muitas expressar as suas emoções através de afas- outros bebés da sala, uma vez que cada um
oportunidades. As transições fazem parte da tamento, maior irritabilidade, choro, mais tem necessidades, temperamentos, ritmos,
vida de todas as pessoas, estando presentes “birras”, comportamentos agressivos, mani- rotinas familiares diferentes; estabelecer re-
em diversas fases do ciclo vital. Apoiar pais e festações de incómodo durante as rotinas lações de confiança com os pais, com expec-
filhos, em algumas delas, faz parte do quoti- de cuidados pessoais [11]. Mas nem todos os tativas, crenças e valores diversos; assegurar
diano das creches e dos jardins de infância e bebés reagem da mesma forma, ou seja, ob- uma boa partilha de informação; proporcio-
é uma das premissas da educação e de cui- servam-se muitas diferenças individuais [11]. nar a continuidade na prestação de cuidados
dados de elevada qualidade [e.g., 9]. Cuidar estas primeiras transições prepara a ao bebé, com base numa boa comunicação
Neste artigo, refletimos acerca da transição criança para lidar melhor com outras transi- com as famílias; refletir acerca da transição,
de crianças para a creche, particularmente ções, que são muitas e variadas ao longo da enquanto profissional, apesar da regularida-
durante o seu primeiro ano de vida, e apre- vida. A mera aprendizagem de que é possível de com que tem de lidar com (novas) transi-
sentamos o projeto “Transição dos bebés fazer despedidas saudáveis, e que estas fa- ções [1, 4, 10]. Simultaneamente, também na
para a creche: comunicação família-creche, zem parte de separações temporárias, é algo forma como se lida com a transição dos be-
qualidade dos contextos e adaptação do que a criança levará consigo ao longo do seu bés/crianças está presente a intencionalida-
bebé” (FCOMP­01­0124­FEDER­029509; FCT crescimento. Deste modo, recomenda-se
PTDC/MHC­CED/4007/2012). uma boa preparação da transição do bebé
do contexto familiar para a creche [1, 12, 13],
Transição de bebés para a creche: desafios para facilitar a sua adaptação e o seu bem-
ou oportunidades? -estar, considerando que o bem-estar emo-
Para o bebé, a transição para a creche impli- cional é um dos indicadores da forma como
ca, entre outros aspetos, lidar com a sepa- a criança está a adaptar-se às mudanças [14].
Para as famílias dos bebés, esta é uma fase
1 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico
do Porto. com vários desafios: estabelecer relações de
2 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da confiança com os profissionais da creche,
Universidade do Porto. tendo também a necessidade de serem vis-
3 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico
do Porto. tos como “bons pais”; sentir que optaram
4 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico por um contexto de cuidados e educação
do Porto e Instituto Superior da Maia. de boa qualidade; manter um diálogo con-
5 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade do Porto. tínuo e aberto com a creche; participar nas
6 Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da atividades e rotinas do seu bebé na creche
Universidade do Porto. [1, 10, 15]; regressar ao trabalho e continuar
7 Frank Porter Graham Child Development Institute.

9 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

de educativa. De facto, e tendo em conta a ao ambiente familiar e à comunicação pais- Quais as principais implicações destes re-
importância de uma boa adaptação à creche, -profissionais, tendo em consideração deter- sultados?
entidades com responsabilidades na área da minadas características da criança, como a Os resultados sistematizados neste artigo
educação e investigadores [e.g., 1, 12, 13] têm idade e o temperamento. indicam algumas pistas para reflexão e para
vindo a recomendar que se prepare bem a a modificação de algumas políticas e práticas
transição do contexto familiar para a creche, Como tentamos responder a estes objeti- educativas.
envolvendo ativamente as famílias desde os vos de investigação? Ficou clara, nesta investigação, a tendência
primeiros contactos com a creche. Para concretizar estes objetivos, foram envol- para os bebés revelarem um maior bem-estar
Apesar destas considerações relevantes, vidos no projeto 90 bebés e respetivas famí- emocional (captado quer pelas famílias, quer
pouco se sabe sobre as práticas de transi- lias e creches (da grande área metropolitana pelas profissionais das creches) quando são
ção das creches portuguesas e sobre como, do Porto). Foi obtido o consentimento infor- utilizadas várias e diversificadas práticas de
de uma forma mais global, práticas de qua- mado das famílias e profissionais das creches, transição, a nível do apoio ao bebé, mas
lidade nesse período se associam a níveis de tendo a Comissão Nacional de Proteção de também às famílias. Assim, este deve conti-
bem-estar das crianças e das suas famílias. Dados aprovado previamente todos os pro- nuar a ser um aspeto valorizado nas creches,
Assim, este projeto partiu do reconheci- cedimentos. mantendo as práticas que já ocorrem com
mento de que a transição para a creche é Com recurso a questionários e a instrumentos bastante frequência (por exemplo, o incen-
um período importante para bebés, famílias de observação, foram recolhidos dados em tivo para que haja uma transição gradual,
e creches e do facto de em Portugal ser es- três momentos: antes da entrada do bebé realizar reuniões com as famílias antes da
casso o estudo do tema, apesar de a creche para a creche (em contexto familiar), no pri- ida do bebé para a creche) e dando especial
ser uma das respostas sociais mais utilizadas meiro mês de frequência da creche e 5 a 6 atenção às práticas que ainda não ocorrem
pelas famílias com crianças de idade inferior meses depois (em contexto de creche). Os de forma tão generalizada (por exemplo,
a 3 anos (a taxa de cobertura média das cre- questionários foram preenchidos predomi- permitir e incentivar a permanência das fa-
ches e amas oficiais situa-se nos 50,3% em nantemente pelas mães (por opção das famí- mílias na sala durante um período de tempo
Portugal Continental) [19]. lias) e pelas profissionais da creche indicadas que seja confortável para todos; convidar as
como responsáveis pela educação e cuidados famílias para uma reunião após as primeiras
O projeto “Transição dos bebés para a cre- nas salas para bebés (em 31% das salas foi semanas do bebé na creche para conversar
che: comunicação família-creche, qualida- indicada como profissional responsável uma sobre a adaptação). A comunicação família-
de dos contextos e adaptação do bebé” educadora de infância; nas restantes, foi in- -creche revelou ser importante neste estudo,
Quais os nossos objetivos? dicada outra profissional, isto é, auxiliar/aju- pelo que se recomenda que continue a estar
Este projeto foi desenvolvido com a finalida- dante de ação educativa). Foram realizadas muito presente e, se possível, de forma mais
de de investigar a transição do bebé para a observações no contexto familiar e na creche, frequente, intensa e que envolva os pais de
creche durante o primeiro ano de vida, exa- para se estudarem aspetos variados, como, forma mais ativa. Uma atenção redobrada
minando em que medida as características da por exemplo, as características do ambiente parece ser necessária no caso dos bebés que
família, da creche e a comunicação pais-pro- familiar, as práticas de transição, a qualidade passam mais horas nas creches.
fissionais influenciam a adaptação do bebé global das salas de creche e a qualidade das Uma das principais implicações deste projeto
ao longo dos primeiros 6 meses na creche interações, o envolvimento e o desenvolvi- refere-se à formação dos profissionais, pois
(i.e., manutenção das rotinas, envolvimento mento da criança. as análises efetuadas, reforçando estudos
na creche, comportamento adaptativo). Es- anteriores, apontaram para a necessidade
pecificamente, pretendia-se: (a) descrever as Quais os principais resultados obtidos? de um maior investimento neste domínio.
experiências na creche durante o período de Este projeto de investigação originou vários Recorde-se que, em Portugal, a legislação em
transição, a nível da qualidade e das práti- artigos científicos, que incluem informação vigor (Portaria n.º 262/2011, de 31 de agosto)
cas de transição; (b) analisar a comunicação detalhada sobre o respetivo enquadramento, não define a necessidade de haver profissio-
pais-cuidadores e a sua associação à adap- o método, os resultados e as possíveis impli- nais com formação superior em educação de
tação da criança ao longo do tempo; e (c) cações dos resultados obtidos. De seguida, infância nas salas de berçário. Efetivamente,
verificar se a adaptação da criança à creche sistematizamos as principais conclusões des- esta investigação voltou a indicar que ter
está associada às características da creche, ses estudos mais específicos. educadores de infância qualificados é uma

10 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


As práticas de transição em creches com berçário [15, 20] famílias e as creches relatada pelas profissionais.
1. As profissionais participantes relataram a implementação de um conjunto 4. Os bebés que permaneceram menos tempo na creche na primeira semana
diversificado de práticas de transição recomendadas na literatura, tanto apresentaram um estado emocional mais positivo na quarta semana, de
no período que antecede a entrada do bebé, como durante as primeiras acordo com a perceção das profissionais.
semanas de frequência da creche.
2. Das 25 práticas selecionadas neste estudo, as que as profissionais mais A qualidade das salas de berçário e as características de estrutura [23]
indicaram utilizar foram as seguintes: 1. Neste estudo, a qualidade dos processos dinâmicos em salas de berçário foi
Antes da entrada dos bebés na creche compreendida a partir de dois grandes domínios:
- A família recebe informação relevante sobre o funcionamento da instituição a) qualidade das relações entre os educadores e os bebés (caracterizadas por
e sobre os procedimentos ao nível do acolhimento diário (oralmente ou por interações calorosas, emocionalmente positivas, entusiasmo e envolvimento
escrito). do educador);
- Os/as profissionais procuram conhecer o bebé (e.g., rotinas, interesses) e a b) qualidade de materiais e espaços disponibilizados (caracterizada pela dis-
respetiva família. ponibilização de brinquedos e outros materiais desenvolvimentalmente
- A família é convidada a conhecer a sala que o bebé vai frequentar. adequados aos bebés, bem como a adequada organização dos espaços).
- Os/as profissionais do berçário são apresentados/as à família. 2. A presença de uma educadora de infância qualificada (i.e., com formação
- Os/as profissionais recomendam o uso de objetos de transição. de ensino superior em educação de infância/educação pré-escolar) estava
Durante as primeiras semanas de frequência da creche associada a maiores níveis de qualidade nos dois domínios. Quando es-
- A entrada dos bebés é realizada de acordo com uma calendarização pré- tava presente uma educadora de infância qualificada na sala de berçário,
-estabelecida e acordada com a família. a qualidade das relações e da disponibilização de materiais/espaços tendia
- A família é incentivada a aumentar o tempo de permanência do bebé na a ser mais elevada.
sala de forma gradual. 3. Quando os grupos eram mais pequenos, a qualidade das relações tendia
- A família tem a oportunidade de telefonar ou visitar a sala para saber como a ser mais elevada. Neste conjunto de participantes, a qualidade também
está o bebé. tendia a ser mais elevada quando os centros estavam localizados em zonas
- A família é informada diariamente sobre o processo de adaptação do bebé mais rurais.
e questionada sobre como está a lidar com este processo.
3. Das práticas recomendadas na literatura e selecionadas neste estudo, as que A qualidade das interações e a formação de profissionais de educação de
as profissionais menos indicaram utilizar foram as seguintes: infância [23]
- Registar o que a família pensa que se deve fazer para facilitar a adaptação 1. A presença de uma educadora de infância qualificada (formação de ensino
do bebé à creche. superior em educação de infância) contribuía para interações mais ricas e
- Convidar as famílias a passarem algum tempo com o bebé na sua sala. estimulantes do ponto de vista cognitivo (desafio cognitivo das interações)
- Reunir com a família após as primeiras semanas. e linguístico (oportunidades de desenvolvimento da linguagem).
- Definir o/a profissional responsável por acolher cada bebé e família. 2. No caso das auxiliares de educação que eram apresentadas como assum-
- Definir para cada bebé a pessoa com mais responsabilidade nos cuidados indo, na prática, a responsabilidade pelo berçário, a qualidade da facilitação
e interações com o bebé. das aprendizagens (e.g., envolver-se, brincar com o bebé, prestar atenção
seguindo os seus interesses e ajustar atividades e materiais, etc.) era mais
A comunicação família-creche: perceção de mães e profissionais das elevada quando tinham frequentado sessões de formação profissional nos
creches dois anos anteriores.
1. As mães e as profissionais participantes valorizaram a parceria família-creche 3. O estudo mostrou que, de entre vários fatores relativos à formação inicial e
durante a transição do bebé para a creche, relatando uma elevada frequên- contínua considerados, a formação inicial das educadoras de infância era o
cia de comunicação bidirecional durante o 1º mês do bebé na creche [21, 22]. fator mais importante para serem observados níveis elevados de qualidade
2. A frequência da comunicação família-creche, percebida pelas mães e das interações nos berçários.
pelas profissionais, tendia a diminuir da primeira para a quarta semana de
frequência da creche [22]. A qualidade das interações ao longo do tempo [25]
2. Mães e profissionais relatavam uma comunicação mais frequente nas salas 1. Foi analisada a estabilidade/mudança da qualidade das interações adulto-
de berçário em que a qualidade das interações educador-crianças era tam- criança, ao longo de um intervalo de cerca de 6 meses. Verificou-se uma
bém mais elevada [21]. tendência geral para se observarem níveis de qualidade mais baixos no
3. Apesar desses resultados, as mães indicaram haver uma menor frequência segundo momento de observação.
de comunicação do que as profissionais, sendo esta discrepância maior 2. Os resultados indicaram que o aumento do rácio crianças/adulto do primeiro
quando os bebés passavam mais horas na creche. Quando os bebés pas- momento para o segundo era um preditor significativo da qualidade da
savam menos horas na creche parecia haver mais sintonia nos relatos de interação educadora-bebé no segundo momento, ou seja, o aumento do
mães e profissionais sobre a frequência da comunicação família-creche [21]. número de crianças na sala, sem alteração no número de adultos, contribuía
para uma diminuição na qualidade das interações.
Bem-estar emocional dos bebés, práticas de transição e comunicação
família-creche A qualidade das interações adulto-criança e o desenvolvimento dos bebés [26]
1. O bem-estar emocional dos bebés, relatado pelas mães e pelas profissionais, 1. Em salas de berçário em que a qualidade das relações entre as educadoras
era inicialmente bastante positivo e aumentou ao longo do primeiro mês e os bebés era mais elevada, os bebés tendiam a permanecer durante mais
de frequência da creche (isto é, da primeira para a quarta semana do bebé tempo ativamente envolvidos e passavam menos tempo não envolvidos (por
na creche) [20, 22]. exemplo, a chorar); nestas salas, os bebés tendiam também a exibir mais
2. O número de práticas de transição realizadas pela creche parece contribuir comportamentos ajustados de socialização e autonomia.
positivamente para o bem-estar emocional dos bebés. Quanto mais práticas 2. Estas associações positivas entre a qualidade das relações na sala e o en-
de transição eram usadas, maiores os níveis de bem-estar do bebé, quer na volvimento e comportamento dos bebés mantiveram-se quando se teve
primeira semana na creche, quer na quarta semana [20]. em consideração, nas análises, a idade, o temperamento e sexo do bebé e
3. Uma avaliação mais positiva do estado emocional dos bebés, efetuada pelas o nível educacional das mães.
mães, estava associada a uma maior frequência de comunicação entre as

11 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

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12 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO
Ser bebé, ser educadora de infância:
partilha de práticas
Daniela Silva . Diretora técnica e pedagógica da Associação Gerações

Nota pessoal Quem somos? Toda a equipa tem realizado inúmeros esfor-
Tinham passado 10 anos desde a última A Associação Gerações – associação de ços para aprofundar conhecimentos na área
oportunidade como educadora de infância educação, solidariedade e serviços, é uma da pedagogia, pela busca de novas abor-
em contexto de sala a tempo inteiro. Seria a Instituição Particular de Solidariedade Social dagens e enquadramentos conceptuais; na
primeira vez como educadora de infância de (IPSS) com sede no Norte do País, em Vila área da psicologia da infância, para melhor
uma sala de berçário, um desejo há muito am- Nova de Famalicão, que presta serviços na compreender o desenvolvimento de cada
bicionado. área da educação e solidariedade, através criança e assim as nossas propostas se ade-
Na verdade, como diretora técnica e pedagó- das respostas sociais e educativas de creche, quarem às necessidades individuais de cada
gica da creche e jardim de infância da Associa- educação pré-escolar e centro comunitário. uma; na área da sociologia, com especial des-
ção Gerações e pelo trabalho em equipa que É missão da Associação Gerações assumir taque para a sociologia da infância, que nos
existe com a equipa educativa, são várias as um papel dinamizador na criação e presta- tem possibilitado olhar a criança nas suas
oportunidades que tenho para voltar ao con- ção de serviços sociais, educativos, lúdicos infâncias e com um olhar sempre dedicado
texto de sala. No entanto, são oportunidades e culturais. Para tal, tem em funcionamento aos direitos da criança que nos tem levado
pontuais, não aquilo que descrevo como ser duas salas de jardim de infância e três salas a refletir sobre ser criança, em contrapartida
educadora de infância a tempo inteiro. de creche, acolhendo bebés a partir dos 4 ao ofício de ser aluno; na área da inovação
É assim que começa a partilha que apre- meses de idade. Para além destes serviços, curricular, refletindo diariamente sobre a or-
sento de seguida. Uma oportunidade única a Gerações desenvolve inúmeras iniciativas ganização curricular pré-escolarizante que se
para voltar à sala, para realizar o sonho de no âmbito do centro comunitário, nomeada- quer instalar na vida das nossas instituições
ser educadora de um grupo de bebés, uma mente o clube sénior, o centro educativo e e procurando incessantemente uma aborda-
oportunidade única para trabalhar com pais os programas de ludoférias.
de crianças tão pequeninas, um contexto para Destaco como valores basilares do trabalho
mim muito especial, uma verdadeira oportu- na nossa instituição a qualidade, o capital
nidade de levar à prática tudo aquilo em que humano, a educação, a cultura de parcerias,
acredito e que tenho estudado ao longo dos o profissionalismo, o desenvolvimento inter-
últimos anos, inspirando-me em pedagogias geracional e a inovação, valores que estão
que acredito serem referências nacionais e patentes nas práticas partilhadas.
internacionais e inspirando-me muito de per- A Associação Gerações é acima de tudo um
to na equipa de educadoras com que tenho lugar de encontro que procura garantir a par-
trabalhado ao longo dos últimos anos e que ticipação de todos (crianças, pais, profissio-
reconheço como profissionais de mérito, que nais, comunidade, parceiros e outros utentes
diariamente dão o seu melhor pelas crianças e da instituição) e reconhece o direito à edu-
famílias com quem trabalham, que estudam e cação desde o nascimento; por isso, temos
refletem as suas práticas e conceções, que se educadora de infância em permanência na
questionam sempre em busca da superação. sala do berçário desde 2007.
As práticas que partilho de seguida foram vi-
vidas na primeira pessoa, mas são acima de Enquadramento
tudo sentidas por mim, pela equipa de sala, Começo por partilhar que na Gerações pro-
pelas crianças, pelas famílias e por toda a co- curamos diariamente construir as nossas
munidade educativa que foi envolvida nestas práticas de forma reflexiva e crítica, assente
vivências, práticas que representam a minha em diferentes saberes. Práticas que assen-
forma de ser, estar e sentir a educação de in- tam num conhecimento construído ao longo
fância, uma perspetiva de educação enquanto dos anos e que resulta de um forte investi-
direito, que começa desde que o bebé nasce. mento na formação contínua em diferentes
Direito a uma educação de qualidade, direito áreas do saber, subjacente àquilo que ainda
à educação ao longo de toda a vida. hoje gostamos de chamar educação de in-
fância.

13 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

gem educativa baseada no brincar, na desco-


berta e na participação, uma abordagem que
acredita no brincar como valor em si mesmo Reggio
e não como ferramenta, numa abordagem Emilia Movimento da
que acredita no educador como produtor de Escola Moderna
currículo e não como reprodutor do currículo
uniforme e pronto a vestir, como nos fala o High-Scope
professor João Formosinho. Também a área Estudos da
Ação Educativa e
das ciências da saúde e dos cuidados pediá- Criança
tricos tem merecido a nossa atenção, pela Pedagógica
importância que assume nos cuidados que Emmi
prestamos aos bebés e crianças pequenas e Pikler Pedagogia Waldorf
que exigem de nós um conhecimento cada em
vez mais rigoroso e profundo. Metodologia de Participação
Esta construção do saber não pode, jamais, Trabalho de Montessori
ignorar as experiências e vivências de cada Projeto
uma de nós. Aquilo que somos enquanto
pessoas, os nossos valores, as nossas cren-
ças e prioridades de ação, o que acreditamos a nossa identidade. Mesmo que às vezes tenham que errar, mas
ser ou não possível na educação de infância, A (re)construção reflexiva de que vos falo capazes de refletir sobre o erro e com ele
determinam em grande medida a nossa ação conduziu, inevitavelmente, à configuração aprender e evoluir. E acreditamos ainda na
educativa e pedagógica, o nosso percurso, as de uma imagem conceptual daquilo que competência das famílias, uma família que
nossas escolhas, a nossa identidade profis- acreditamos ser o bebé e a criança, do que procura sempre o melhor para os seus filhos,
sional. acreditamos ser o educador de infância (o mesmo que às vezes necessite do emprésti-
Conhecer diferentes abordagens e propos- seu papel, a sua missão), mas também da- mo da competência dos profissionais nesse
tas pedagógicas foi para nós essencial para quilo que acreditamos ser a família e sobre processo.
encontrarmos o nosso caminho. Por decisão qual o lugar da família na vida das organiza- Sensíveis: acreditamos numa criança sen-
consciente não nos orientámos apenas por ções educativas, na vida e na educação de sível que precisa de afetos, cuidados pró-
uma proposta ou abordagem pedagógica, cada criança inserida num contexto educa- prios, que necessita de um ambiente seguro,
procuramos estudar várias perspetivas e tivo. confortável, adequado… Mas também num
compreender em que medida cada uma res- Importa então parar para pensar. Qual é a educador que tem de ser sensível e ético
ponde melhor à nossa identidade profissio- nossa imagem do bebé e da criança? Qual é que, por exemplo, vê o bebé e a criança
nal, às necessidades das crianças e famílias, a nossa imagem do educador de infância? E pequena como uma criança e não como
ao contexto onde nos inserimos. Acredita- a família, como vemos e olhamos a família? um aluno (porque é diferente ver de uma
mos que, desta forma, caminhamos na cons- Já dizia a canção, "muito mais é o que nos forma ou de outra). E acreditamos de igual
trução da nossa "gramática de atuação", une do que aquilo que nos separa" e, assim modo que cada família tem uma sensibilida-
encontramos as nossas linhas orientadoras, sendo, acreditamos num bebé-criança, num de muito própria. Quando formos capazes
criamos propósitos e construímos uma po- educador e numa família: de descobrir a sensibilidade de cada família,
lítica educacional. Tudo porque acreditamos Competentes: uma criança capaz, cocons- conseguiremos tocar cada uma com a nossa
que não se podem fazer as coisas de qual- trutora e ativa no seu desenvolvimento e missão.
quer forma, é preciso contextualizar, enqua- processo de aprendizagem; um adulto que Únicos: todos somos diferentes, únicos e
drar, fundamentar a nossa ação educativa e se deseja competente. Já um dia ouvi de distintos uns dos outros. Como tal, não po-
pedagógica, conscientes de que uma política alguém que a "competência é um direito demos continuar a tratar como igual aquilo
educacional não é neutra, está carregada de das crianças e um dever dos adultos". As que é diferente. Olhar a singularidade da
sentidos, tem subjacentes intenções que crianças têm direito a adultos competentes, criança é também olhar a singularidade da
orientam a nossa ação, a nossa linguagem, que sabem o que fazem e porque o fazem. sua família. Um educador também é único,

14 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


também é um ser individual e com caracte- da sala de berçário. apostando na sua diversidade, qualidade,
rísticas próprias. Como tal, mesmo quando Organização do ambiente educativo riqueza cultural, entre outros critérios que
uma organização tem princípios comuns e Intencionalmente, começo pela organização devem estar sempre garantidos na seleção
valores transversais na sua ação e atuação, do ambiente educativo. Porque uma das pri- dos recursos da sala.
tem de haver sempre lugar à autonomia do meiras ações do educador passa pela organi- Tem sido fundamental proporcionar um es-
educador. Cada educador é tão único que zação dos espaços e materiais, acredito que paço que privilegie o brincar, no qual o bebé
perante as mesmas condições, que por vezes é pela organização do espaço e dos materiais possa explorar, manipular, descobrir-se e
não são as melhores, alguns veem sempre que o educador dá lugar à sua ação, e assim descobrir o mundo que o rodeia.
uma luz, uma possibilidade de ação, onde acontece nas minhas práticas. Acredito convictamente que o espaço pode
outros somente veem impossibilidades. Uns Na verdade, a experiência ao longo dos anos ser aquilo que quisermos que seja. Através
caminham, enquanto outros encontram to- tem demonstrado, na minha perspetiva, que da organização dos espaços e materiais cria-
dos os argumentos possíveis para justificar a nossa identidade como profissionais está mos cenários pedagógicos, criamos propósi-
a sua "cultura de mínimos" e a sua inércia. também revelada nas paredes da sala, pa- tos e intencionalidades, damos espaço, tem-
Exploradores: um bebé está sempre em redes que falam, que revelam quem somos, po e oportunidade às múltiplas linguagens e
descoberta (de si, do outro e do mundo que que espelham valores e crenças. às inteligências múltiplas da criança.
o rodeia), assim como o educador, que no Ao organizar a sala de berçário, houve sem- A organização coerente dos espaços é ou-
verdadeiro sentido da palavra acreditamos pre uma grande preocupação para que esta tra preocupação, já que deve ser congruente
nunca estar satisfeito, que procura sempre se tornasse adequada às necessidades e in- com a nossa "gramática de atuação" e com
explorar e descobrir mais e mais, seja através teresses dos bebés, que fosse segura e per- a estrutura organizacional que pensamos
da observação das crianças e das suas famí- mitisse a livre exploração, que se constituísse para as salas. Nas imagens que apresento
lias, seja pela formação e desenvolvimento como um ambiente estimulante e desafiador de seguida, observamos uma área da sala do
contínuo: falamos do "educador inquieto". do desenvolvimento, um espaço adequado, berçário na qual as crianças podem contactar
Se considerarmos que cada família quer sem- amplo, aconchegante, onde cada criança se com diferentes elementos da natureza: plan-
pre o melhor para os seus filhos, a família vai sentisse segura e pudesse, por exemplo: tas, flores, animais verdadeiros no aquário,
querer saber mais, vai procurar, vai pesquisar • Movimentar-se livremente, para uma mas também o cesto com diferentes animais
(quanto mais não seja vai ao Google, às re- atividade autónoma na exploração do (de materiais diversificados). Dia após dia, as
des sociais, pergunta aos amigos, lê o que contexto à sua volta (satisfazer a sua crianças encontravam nesta área da sala uma
é partilhado no Facebook). Uma exploração necessidade de ação motora); oferta diversificada de diferentes propostas,
para se manter informada, independente- • Encontrar oportunidades de ação que por exemplo, as flores eram renovadas to-
mente da qualidade dessa informação, o que correspondam ao nível do seu desen- das as semanas, os peixes ora eram apre-
exige de nós uma permanente atenção no volvimento atual e proximal; sentados no aquário pequeno ora surgiam
acompanhamento, informação e sensibiliza- • Desenvolver as suas capacidades moto- no aquário grande da parede, os animais do
ção das famílias. ras de forma autónoma: deitar de lado, cesto eram renovados mediante os interes-
Os valores e as crenças que definimos para de bruços, rolar, rastejar, gatinhar, sen- ses demonstrados pelas crianças e algumas
a nossa prática, a imagem de bebé, educa- tar, ficar de pé e andar; até traziam de casa os seus próprios animais
dor e família estão presentes nos gestos, nas • Manipular objetos simples, variados para incluir no nosso cesto.
ações, na linguagem, na forma como a nossa (texturas, peso, dimensões, etc.) e ricos Por outro lado, foi fundamental neste pro-
creche e jardim de infância são pensados, or- em possibilidades, pela diversidade das cesso envolver as auxiliares e partilhar com
ganizados e intencionalizados. suas caraterísticas, permitindo à criança elas todas as decisões da sala, sempre com o
Tendo em conta as dimensões pedagógicas apreender todas as suas propriedades e objetivo de que se sentissem parte integran-
apresentadas na imagem anterior, procurarei desenvolver vários conceitos. te da sala, das decisões, da vida da sala. Ao
de seguida dar luz e visibilidade às nossas longo desta experiência, sempre que eram
crenças e valores, partilhando imagens, re- Inspirada pela professora Júlia Formosinho, efetuadas mudanças, estas eram partilhadas
tratos e narrativas do que é a política edu- assumo os materiais como verdadeiros "li- com toda a equipa de sala, havia sempre um
cacional da nossa creche e o que foram as vros de texto" e, como tal, é crucial o cui- diálogo sobre as intencionalidades subjacen-
minhas práticas como educadora de infância dado na seleção e organização dos mesmos, tes a cada tomada de decisão, procurando

15 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

que compreendessem a organização e reor- tros se encontram enrolados, amassados, das folhas das árvores e descobriam os fru-
ganização de cada cenário pedagógico que pendurados e alguns até escondidos dentro tos escondidos no meio das folhas.
era proposto e até dar as suas sugestões de pequenas caixas de cartão. Este mesmo espaço esteve sujeito a várias
para a sua melhoria. Por exemplo, era fre- Conforme as crianças foram chegando à sala, mudanças, adequando-se à vida do grupo
quente conversarmos sobre a arrumação e fomos recebendo cada uma e sentando-as de crianças do berçário e, mais tarde, quando
reorganização dos materiais, para que se en- ou deitando-as (consoante o desenvolvi- surgiu a reunião de final do ano letivo, quise-
contrassem organizados de forma coerente mento motor) no chão, permitindo que ex- mos romper com as tradicionais reuniões den-
e as crianças fossem percebendo onde os plorassem livre e autonomamente os recur- tro da sala, pensamos nesta reunião como um
podiam "sempre" encontrar e reorganizar. sos disponíveis. lugar de encontro com as famílias e, após um
Acredito que as práticas coerentes necessi- Com esta proposta pedagógica, procuramos momento de encontro dentro da sala para vi-
tam, antes de tudo, de equipas coerentes e possibilitar aos bebés um tempo de brincar sualização de um filme com os melhores mo-
em sintonia e, para tal, a partilha, o diálogo e autónomo, livre para explorar, experimentar mento do ano letivo, todas as famílias foram
o respeito são fundamentais. e se descobrirem como indivíduos e como convidadas para estarem juntas no exterior.
A organização do ambiente educativo é uma grupo. Pretendemos assegurar a possibili- A organização do ambiente educativo nunca
das principais dimensões a ter em conside- dade de descobrir, aperfeiçoar competên- está terminada, exige de nós uma dedicação
ração pelo educador de infância, pela ação e cias e viver em cada etapa as suas próprias e esforço constantes, para que este se ade-
oportunidade de aprendizagem que possibi- posturas e movimentos. Esforçamo-nos por que e responda diariamente às necessidade
lita. Recordando as palavras de Dewey, que respeitar (numa atitude paciente) o tempo e e interesses das crianças, exige um educador
já nos falava do "currículo que se constrói o ritmo da criança, não interrompendo a sua atento, cuidador, capaz de olhar, escutar e
com base na experiência", este é para mim ação, não interferindo nos seus movimentos atuar.
um princípio fundamental da ação pedagó- (não substituindo a criança numa exploração
gica em creche. que é sua, não tentando “ensinar”). Rotinas e cuidados
Partilho de seguida uma proposta pedagó- Uma vez mais, o ambiente educativo falou A máxima prioridade do berçário passa, a
gica. como terceiro educador e possibilitou o sur- meu ver, pelo respeito pelas necessidades
Diariamente era possível observar o interesse gimento de um currículo que se deseja emer- de cada bebé, logo importa, acima de tudo,
dos bebés em agarrar o papel da área dos gente e contextual. respeitar as rotinas individuais, numa postu-
cuidados de higiene pessoal. Os bebés agar- E assim fui projetando o espaço da sala, con- ra valorizadora dos tempos de cuidados de
ravam o papel, amassavam-no, rasgavam-no, cebendo-o sempre como um terceiro educa- um para um.
levavam-no à boca. Dia após dia observámos dor. Mas o berçário não se cinge a uma sala, É fundamental que a rotina seja organizada
este interesse e, partindo dele, decidimos a criança tem direito a brincar, estar, ser e de forma consistente, continuada e previsí-
preparar a proposta pedagógica do "ateliê de sentir dentro e fora da sala e, para tal, um vel. Desta forma, as crianças aprendem que
papel", através da organização do ambiente desafio que desde logo assumi foi possibili- são atendidas, que têm resposta às suas ne-
educativo. tar aos bebés sair da sala. cessidades, mesmo que tenham de esperar
Procurei chegar à sala antes das crianças, Comecei então a estudar as possibilidades enquanto o educador está com outra crian-
organizei o espaço e coloquei os materiais do espaço exterior, dentro e fora da insti- ça. As crianças sabem (numa rotina que é
previamente selecionados e preparados ao tuição. consistente e previsível) quando chega a sua
seu dispor. Quanto aos espaços exteriores, a sala tem vez, que o educador lhes dará uma atenção
No cenário proposto pusemos à disposição acesso direto ao exterior, mas o espaço não individualizada e que cuidará de cada uma de
das crianças papéis de diferentes cores, for- estava ainda adequado para receber os be- modo respeitoso e sem pressas. 
matos, texturas, pesos. Por exemplo, inten- bés, foi preciso olhar o potencial do mesmo Não podemos continuar a ter o tempo das
cionalmente, colocámos alguns papéis em e criar um novo cenário. rotinas em oposição ao tempo das ativi-
cima de um puf que existia na sala (subir, Assim que nos dirigimos ao exterior, logo dades. Na minha perspetiva, existe um só
trepar, escorregar), utilizámos uma cartolina as crianças iniciaram as explorações e des- tempo, o tempo da criança, porque os cui-
para esconder o pequeno aquário da sala cobertas e enquanto umas apreciavam o dados têm de ser vistos como uma atividade
(permanência do objeto), alguns materiais desafio de tentar subir o vaso para brincar humana, como um momento privilegiado de
foram colocados estendidos, enquanto ou- na terra, outras contemplavam o movimento toque, de diálogo, de estar com o outro, têm

16 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


de insuficiente ou outras consideradas
pertinentes. As crianças não comem
todas o mesmo, nem ao mesmo tempo,
respeitamos o horário e a alimentação
particular de cada criança.
• Higiene: ao nível dos cuidados de higie-
ne são registados os horários de muda
da fralda com os respetivos registos de
urinas e fezes (no caso das fezes, a equi-
pa está atenta ao registo de detalhes
importantes como, por exemplo, se são
moles, líquidas ou têm cores anormais).

É urgente reconhecer o valor dos cuidados e


formar os cuidadores de referência (os cuida-
dos não são prestados de qualquer forma e
por qualquer pessoa), reconhecendo que es-
tes momentos são o tempo privilegiado para
a interação e relação, uma interação que se
deseja serena, estável, emocionalmente po-
sitiva, com gestos adequados, gestos que
"desenham" a relação adulto-criança.
Decorrendo da formação sobre os cuidados
de ser valorizados e respeitados. ções sobre o seu bem-estar. na perspetiva de Emmi Pikler, tive oportuni-
No berçário, temos o cuidado de realizar uma De seguida, apresento um resumo de como dade de trabalhar com a equipa educativa o
partilha diária com as famílias sobre os cui- são documentados os cuidados diários ao protocolo dos cuidados, assente em alguns
dados prestado. longo do dia. princípios:
As famílias são convidadas a registar a hora • Sono: o primeiro registo é efetuado pe- • Aproximação com gestos delicados e
a que a criança acordou e a hora da última las famílias com indicação das horas a voz suave, sem interromper a ação da
refeição em casa, informações cruciais para que a criança acordou. Com base nes- criança;
apoiarmos a criança na sua rotina individual ta informação (e outros indicadores de • Chamar sempre a criança pelo próprio
ao longo do dia na creche (para além das bem- estar) conseguimos de imediato nome;
necessárias observações relativas ao bem- perceber se a criança precisa de descan- • Dialogar sobre o que vai acontecer e
-estar). sar mais na creche. Para além de sabe- informar, descrever o que está a fazer –
No berçário, há uma grande flexibilidade rem quantas sestas a criança realizou, nada é feito em silêncio, nem com pres-
nos horários de entrada das crianças, privi- as famílias também conseguem saber a sa, mas num tempo adequado e dando
legiando-se que no primeiro ano de vida as duração das respetivas sestas. à criança o direito de saber o que está
crianças passem o maior tempo possível com • Alimentação: uma vez mais a família a acontecer;
as famílias. Há crianças que frequentam a realiza o primeiro registo, normalmente • Falar com o bebé sempre de modo inte-
creche no período da manhã, enquanto ou- o horário do leite que a criança tomou ligente (linguagem simples, sem exces-
tras chegam mais tarde e permanecem mais em casa. Depois, ao longo dia regista- so de diminutivos, infantilizações);
durante o período da tarde. É ainda dada a mos os horários das restantes refeições • Olhar a criança nos olhos, colocar-se ao
possibilidade de as mães poderem vir à cre- e, caso seja necessário, também são seu nível, manter o contacto durante a
che amamentar os seus bebés. tomadas notas particulares como, por ação;
Ao longo do dia, também registamos os ho- exemplo, quando a criança rejeita um • Solicitar a ajuda da criança, de modo a
rários da criança e as necessárias observa- alimento, quando come uma quantida- envolvê-la na situação/ação, numa par-

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: ARTIGO

ceria ativa;
• Observar e aguardar a resposta da
criança, estando atento aos seus sinais
(comunicação);
• Ver a criança como um ser ativo, um
sujeito participativo no seu desenvol-
vimento;
• Fazer com o bebé e não para o bebé;
• Encorajar a criança através do olhar, da
palavra e do gesto, oferecer escolhas
simples, desde tenra idade;
• Observar e acompanhar (e até contem-
plar) cada pequena descoberta, con-
quista, surpresa ou admiração.
• Ao aprofundar os nossos conhecimen-
tos no âmbito da abordagem de Emmi
Pikler, passámos a dar uma importância
crescente ao momento dos cuidados,
dando sentido à perspetiva de que a texto relacional, parece-nos crucial que esta mações importantes sobre a criança
criança constrói a imagem de si mesma encontre espaço e tempo para apoiar não só que vai entrar para a creche: especifici-
a partir da forma como é tratada, como as suas crianças, mas também, e em simultâ- dades do desenvolvimento, rotinas de
lhe tocamos, como lhe falamos, o que neo, as suas famílias. Uma criança não chega casa, alimentação, cuidados de higiene
exige de nós uma grande responsabili- sozinha à creche, consigo traz uma família e conforto, entre outros. Também nes-
dade face a estes momentos. e uma história de vida. Esta família e esta te primeiro encontro, a educadora de
história de vida não podem, jamais, ser igno- infância explica aos pais como será o
Acolher cada bebé e cada família radas, têm de ser integradas e incluídas na processo de adaptação e sensibiliza-os
Um dos aspetos primordiais do trabalho com vida da creche. para todas as reações mais comuns da
famílias e crianças pequenas é, sem dúvida, Por outro lado, por vezes, as prioridades das criança durante esta fase. Sugere-se
o acolhimento destas nas nossas instituições famílias e dos profissionais podem estar de- aos pais que, tanto quanto possível,
educativas: como se acolhe? Como e de que sencontradas. É preciso criar pontes, aproxi- durante o período de adaptação, o
forma são recebidos? Como é feita a adapta- mar as famílias e os profissionais, procurar tempo de permanência da criança na
ção dos bebés à creche? Estas e outras ques- novas formas de fazer o nosso trabalho, de instituição deverá ser reduzido, sendo
tões são debatidas diariamente, uma vez que levar o nosso trabalho até ao outro (criar gradualmente aumentado em função
acreditamos que da resposta às mesmas de- alianças). do bem-estar e conforto demonstra-
corre o sucesso da integração da criança e O acolhimento das famílias e dos bebés é dos pela criança (e disponibilidade das
da família, delas decorre o sucesso de um feito de forma gradual e passa pelas seguin- famílias).
processo que se deseja assente na confiança tes fases: • A adaptação progressiva decorre ao
e segurança emocional da família. • O momento de inscrição é antecedido longo pelo menos de uma semana e, a
Na verdade, e assumindo as palavras de Ga- de uma visita às instalações e partilha cada dia, aumentamos gradualmente o
briela Portugal (2012: 13), acredito que “tra- de várias informações relativas ao fun- tempo de permanência da criança até
balhar de forma qualitativamente superior cionamento estrutural e pedagógico; alcançar o período de tempo que será
em creche (…) requer atitudes de respeito, • Na altura da admissão (ainda durante a o tempo de permanência da criança na
compreensão e empatia, muita flexibilida- licença de parentalidade, normalmente creche;
de para responder às necessidades de cada no último mês desta licença), a educa- • A educadora de infância e/ou auxiliar
criança e família”. dora de infância reúne individualmente de ação educativa responsável por aco-
Se perspetivamos a creche enquanto con- com os pais, no sentido de obter infor- lher cada criança e família neste perío-

18 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


do inicial está inteiramente disponível. Nunca podemos esquecer que somos profis- momentos em que os familiares foram con-
Este é um período muito sensível para sionais das crianças e das famílias e que a vidados a entrar na sala, a juntarem-se a nós
a criança, mas também para a sua famí- educação se faz com as famílias. Como tal, o e a aguardar connosco pelos filhos, fazendo
lia, que necessitam de tempo e espaço diálogo é fundamental, os profissionais de- e sentindo-se parte da sala.
para se adaptarem à creche e à nova vem ser capazes de partilhar os seus saberes Importa, no entanto, destacar que envolver e
realidade que vão encontrar (por vezes com as famílias, criar empatia, pois será difí- trabalhar com as famílias não pode significar
muito diferente da realidade de casa); cil uma boa relação com a criança se não há sobrecarregá-las com pedidos e trabalhos,
como tal, é fundamental que os profis- uma boa relação com a família. devendo haver uma cuidadosa gestão nas
sionais estejam inteiramente disponí- Conquistar as famílias é, pois, um desafio propostas que são apresentadas e uma sen-
veis para as crianças e para as famílias, incessante. sibilidade acrescida, que tome em conside-
para as acolher, esclarecer e apoiar. Importa realçar que quando falamos em ração as reais necessidades e possibilidades
• Neste período de adaptação, elaborá- acolher não nos cingimos ao acolhimento das crianças e das suas famílias.
mos um plano de acolhimento inicial, nos primeiros dias, falamos do acolhimento Importa ainda refletir que, nalguns casos,
com o principal objetivo de promover diário, de um acolhimento que não se cinge a relação creche-família é inexistente ou
estratégias e propostas que facilitem a a um "cantar os bons dias", mas de um aco- pouco eficiente e compete aos profissionais
adaptação da criança à creche. No fi- lhimento diário de um para um, de receber pensar e refletir sobre as causas desta não-
nal do processo de adaptação de cada diariamente o bebé e o familiar com um sor- -relação, ponderar sobre o que é exigido às
criança, elaboramos um registo dos pri- riso e um "bom dia" como ponto de partida famílias, em que medida e de que modo são
meiros dias, documentando, para além para a relação, um acolhimento caloroso, as famílias chamadas à participação.
do processo de adaptação, as primeiras respeitador. Sabemos atualmente que as relações posi-
conquistas e realizações na creche. Sempre tive uma grande preocupação no tivas entre a creche e a família favorecem
• No primeiro encontro da educadora acolhimento da família pela manhã, porque o desenvolvimento da criança do ponto de
com as famílias há também uma gran- considero crucial que o pai e/ou mãe ou ou- vista emocional e desenvolvimental.
de preocupação para partilhar com as tro familiar que deixa a criança pela manhã
famílias a forma de atuação da creche, se sinta seguro e acolhido, sinta que fez a
as nossas escolhas, a nossa intenciona- escolha certa, por isso faço questão de rece-
lidade, as nossas opções educativas e ber os bebés com um "bom dia" e um sorriso
pedagógicas. Por exemplo, alguns dos acolhedor e uma das perguntas que sempre
aspetos que me parecem cruciais e que faço questão de fazer é se a criança dormiu
abordo sempre com os pais estão rela- bem e está bem-disposta, uma vez que a mi-
cionados com a importância de os be- nha prioridade é o bem-estar do bebé. Saber
bés irem ao exterior, mesmo no inverno; se dormiu bem ou não ajudar-me-á a inter-
o tipo de roupas que os bebés trazem pretar melhor os sinais do bebé ao longo do
para a creche, que deve ser confortável, dia, compreender melhor algumas reações e
evitando as gangas e roupas rígidas que ter uma atuação mais adequada. Por outro
condicionam os movimentos e ação; lado, receber o bebé no colo e nunca em
porque é que os bebés andam descal- estruturas como babycoques é um princípio
ços e porque tal opção é tão impor- que nunca descuro.
tante no desenvolvimento da marcha é De igual modo, o acolhimento do familiar
outro assunto sempre abordado; o tipo que durante o dia vem buscar o bebé à cre-
de brinquedos que disponibilizamos às che é um momento fundamental.
crianças e a importância dos materiais Recordo várias situações em que os familia-
não estruturados; a nossa visão sobre res, quando da chegada à creche durante o
a excessiva valorização dos chamados dia, encontravam os seus bebés em momen-
dias festivos/dias de calendário é outro tos de descanso e, por vezes, esperavam à
tópico sempre presente. porta que eles acordassem. Foram vários os

19 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

Penso que o diagrama seguinte representa riamente procuravam alcançar o papel de no exterior com as taças de inox que temos
(em síntese) algumas das ideias que partilhei proteção do colchão. Depois de realizarmos na sala e uma delas caiu no chão. Perante
até ao momento: a proposta na sala, consideramos que seria todos os elementos de distração que exis-
positivo diversificar a oferta, realizando a tiam à sua volta, o D. manteve-se atento e
Documentação pedagógica: dando visibi- proposta também no exterior (novo poten- concentrado e continuou à procura da taça
lidade ao ciclo observar-planificar-avaliar cial de cor, luz, sombra, contraste). que tinha caído (olhar focado na taça, corpo
O ciclo observar-planear-avaliar está presen- A documentação pedagógica está sempre dobrado e em esforço para alcançar a taça;
te em todos os momentos da ação pedagó- inerente ao processo de observação, plani- observação por 3 minutos)."
gica. ficação e avaliação e, como tal, partilhamos Nas propostas pedagógicas que apresen-
Observando a ação da criança, planeei o tra- de seguida alguns registos deste processo. támos ao grupo procurámos sempre partir
balho diário, a prática educativa e pedagó- "Disponibilizámos às crianças a oportunida- dos registos de observação. Eles são a nossa
gica olhada de forma intencional e partindo de de brincar com terra, tocar e sentir a terra base de ação. Os materiais são organizados
sempre dos interesses e necessidades das com todos os sentidos. Desde que brinca- e colocados à disposição das crianças, pro-
crianças. De igual modo, e através da docu- mos no exterior a C. demonstrou o seu inte- curando promover a exploração livre e au-
mentação pedagógica, a minha observação resse pela terra, aproximando-se sempre dos tónoma, numa permanente valorização do
ganha visibilidade e dá visibilidade ao currí- vasos que a apoiam na subida e a ajudam na brincar.
culo na educação de infância, um currículo aquisição de novas posturas corporais. A C. Neste processo de pensar a ação pedagó-
emergente e contextualizado. A observação gosta de manipular a terra, de mexer e fazer gica, as relações sociais são uma dimensão
que provoca o nosso questionamento e re- buracos na terra, de apanhar a terra que cai crucial do nosso trabalho, assim como a rela-
flexão e, simultaneamente, alimenta a práti- no chão e esfregar as mãos uma na outra, ção com a cidade. Para tal, desenvolvi alguns
ca e a documentação. sentindo a textura da terra." projetos dos quais destaco:
A imagens que apresentamos na pág.14 "O D. é um bebé atento e concentrado nas • Projeto "Hoje vamos brincar juntos",
documentam uma proposta pedagógica, "o suas explorações. Escolhemos a presente que procurava promover o brincar
ateliê de papel", realizada no exterior. Esta fotografia para partilhar, porque ela retrata intergeracional, entre os bebés e as
proposta nasceu da observação dos bebés um momento de envolvimento e concentra- crianças mais velhas e ainda com os
no momento de higiene pessoal que dia- ção do D. No dia 20 de junho, o D. brincava seniores que frequentam a institui-

20 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


ção. Estes eram convidados a visitar
o berçário e, num processo apoiado e
supervisionado pela educadora, brinca-
vam com os bebés. Neste processo foi
sempre crucial conversar com as crian-
ças mais velhas e com os seniores sobre
os nossos protocolos e cuidados na re-
lação com os bebés, nomeadamente no
respeito pelo tempo e espaço do bebé.
Foi um desafio para todos aceitar es-
perar que fossem os bebés a procurá-
-los, ao invés de serem eles a invadir o
espaço do bebé.
• Projeto "Passeios aos parques e praças
da cidade". Com a ajuda das famílias e
seniores da instituição, realizamos vá-
rios passeios aos parques e praças da
cidade.
• De manhã, as famílias deixavam os car-
rinhos de passeio e, uns dias de manhã
e outros de tarde (mediante condições
mais favoráveis como, por exemplo, o
respeito pelos períodos de descanso
das crianças), realizávamos vários pas- pais, os irmãos, foram alguns avós, foram as muita emoção, sentimos cada palavra, som,
seios e aproveitávamos para brincar nos nossas educadoras. Estávamos todos jun- gesto e movimento.
espaços verdes e praças que rodeiam a tos, verdadeiramente juntos (sabem o que Mas a Rosarinho é uma amiga muito espe-
instituição. significa a palavra juntos, não sabem?). Es- cial, e sabe que os bebés precisam de sentir
• Nestes passeios, fomos apoiados pelas távamos juntos porque acreditávamos que também com o seu próprio corpo. Logo de-
famílias (pais ou avós ou padrinhos ou estávamos a fazer o melhor. pois de escutarmos a história, foi o momen-
primos com maior disponibilidade), por Chegámos então à biblioteca um pouco an- to de a sentirmos e experienciarmos com
outros técnicos da instituição (técnica tes da proposta pedagógica e logo todas as todo o nosso corpo.
de serviço social, animadora cultural) e famílias se foram acomodando. Algumas não Terminámos a nossa manhã com uma bonita
pelos seniores que já estavam envolvi- se conheciam, conversaram, aproximaram- canção e, respeitando as rotinas dos bebés,
dos nos projetos intergeracionais. -se, partilharam histórias dos seus filhos, fomos para casa a tempo do nosso almoço.
• Projeto "Atividades em família na bi- criaram relação e interação. Sempre com a E depois de ouvirmos histórias, de brincar-
blioteca". A Biblioteca Municipal Camilo ajuda dos livros que foram a nossa ferramen- mos com patos de borracha, de chapinhar-
Castelo Branco realiza mensalmente, ta quebra-gelo. Tal como os livros, também mos na água, de brincarmos com os amigos,
aos sábados de manhã, propostas de as nossas vidas estão repletas de histórias. de conhecermos os papás dos nossos ami-
hora do conto para bebés. Estas ativi- Depois, pouco a pouco, a nossa amiga Ro- gos, regressámos às nossas casas. Estava na
dades destinam-se às famílias e, con- sarinho (da biblioteca) convidou-nos para hora de comer a sopa."
siderando o seu potencial, decidimos entrarmos na história que tinha preparado A documentação pedagógica é construída ao
divulgá-las junto das famílias e incenti- para nós. Lá fomos… Alguns bebés ao colo, longo de todo o processo e a sua partilha e
var à participação nelas. Partilhámos o outros no chão (pela mão dos seus pais). coconstrução com as famílias é fundamen-
nosso registo coletivo desta proposta: Estávamos preparados, prontos para ouvir a tal. Existem vários momentos e oportunida-
"No dia 18 de junho fomos, todos juntos, história, e assim a Rosarinho começou. Ou- des para partilhar e dialogar com as famílias.
ouvir uma história à biblioteca. Foram os vimos com muita atenção, observámos com Assim, gostaria de dar destaque aos pro-

21 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

cessos de comunicação com as famílias, um equilíbrio entre a formalidade das reuniões e


eixo fundamental ao longo de todo o meu a informalidade dos momentos de diálogo e BIBLIOGRAFIA
Caetano, J. & R., L. (2009). Gestão da comunicação. Lis-
percurso. Encontrar momentos e estratégias partilha, procurando sempre dar a conhecer boa: Quimera Editores.
de comunicação formal e não formal, desde às famílias a vida da creche e, naturalmente, Pina e Cunha, Miguel; Rego, Arménio; Campos e Cunha,
o horário de atendimento semanal ajustado a vida e o dia a dia dos seus filhos na creche. Rita & Cabral- Cardoso, Carlos (2007). Manual de com-
portamento organizacional e gestão. Lisboa: Editora RH.
às possibilidades e disponibilidades das famí- Nas reuniões, os trabalhos/realizações e por- Portugal, Gabriela (1998). Crianças, famílias e creches.
lias, compatível com a maioria dos seus horá- tfólios das crianças são organizados em for- Uma abordagem ecológica da adaptação do bebé à
rios de trabalho, é fundamental. Os horários ma de exposição, disponíveis para consulta, creche. Porto: Porto Editora.
Portugal, Gabriela (2012). Finalidades e práticas educa-
de atendimento às famílias são momentos valorizando a presença e a participação de tivas em creche. Das relações, atividades e organização
cruciais para um contacto mais presencial, todas as famílias. dos espaços ao currículo em creche. CNIS.
de um para um, momentos fulcrais para co- Rego, Arménio (2010). Comunicação pessoal e organiza-
cional. Teoria e prática. Lisboa: Edições Sílabo.
municar informação sensível ou confidencial Em jeito de conclusão Manual de processos chave da Creche da segurança
e se definirem estratégias educativas con- O presente texto representa uma partilha social (2010).
juntas. pessoal que, ao mesmo tempo, assumo Marques, R. (2001). Educar com os pais. Lisboa: Editorial
Presença.
Por outro lado, recorro frequentemente como a coconstrução de uma visão coletiva Rigolet, Sylviane A. (2006). Organizar e gerir reuniões de
ao painel de informações junto da sala, no de educação de infância, do ser e sentir-se pais. Como criar parcerias no jardim de infância. Porto:
qual os pais podem consultar diariamente educadora de infância de um grupo de bebés Porto Editora.
as propostas pedagógicas da sala, a rotina, e crianças pequenas, influenciada por dife-
algumas informações e avisos mais gerais, rentes perspetivas e abordagens educativas
divulgação de atividades para pais e filhos a e pedagógicas como Emmi Pikler, Reggio
decorrer na cidade e que consideramos rele- Emilia, High-Scope, Movimento da Escola
vantes, assim como vários registos relativos Moderna, Waldorf, Montessori, entre outras.
à documentação pedagógica da sala. Tem sido um processo de aprendizagem e re-
Outras informações pertinentes e relativas novação constantes, um processo de cons-
ao funcionamento estão no sítio da Associa- trução da nossa identidade, com imensos
ção Gerações e na respetiva página do Face- desafios pelo caminho, mas acredito que é
book, nos quais são divulgadas as atividades sempre possível ser e fazer melhor, é possí-
desenvolvidas através de fotos, vídeos, parti- vel resistir a uma cultura de mínimos que por
lhas de documentação, comentários e outros vezes nos querem impor, resistir ao mesmo
registos. tempo a uma necessidade de querer fazer
Não posso deixar de referir a importância das tudo e ser perfeito.
reuniões com pais. Gerir e organizar as reu- Desejo que a nossa prática, e a minha em
niões de pais não é fácil. Muitos são os pro- particular, se possa ter iluminado, através
fissionais que se interrogam sobre como mo- da partilhada documentada que aqui apre-
tivar os pais para participarem nas reuniões. sentei, que tenha sido possível mostrar a
No entanto, acredito que se estas reuniões competência da criança, dando-lhe voz, num
tomarem em consideração as necessidades e processo contínuo de dar significado, senti-
possibilidades das famílias, a sua presença e do, valor e evidência à experiência/ação da
motivação será superior. criança e do educador.
Perspetivo as reuniões de pais como mo- Nem tudo é fácil. Cada uma de nós constrói
mentos de partilha e reflexão, pelo que o seu o seu percurso, cada uma de nós aprende a
planeamento é sempre feito tomando em saber viver sem o reconhecimento explíci-
consideração que estes encontros devem ser to, mas com a certeza de que diariamente
ricos em partilhas, trocas e diálogos, além da damos o nosso melhor e somos capazes de
necessária transmissão de informações e re- valorizar a paixão onde quer que a encon-
cados. Para tal, é fundamental encontrar um tremos.

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Baseado em artes reais!


Tainá Ferrari Júlio . Educadora de infância e coordenadora pedagógica na escola do Arco/Ajuda de Mãe

“Porque eu sou do tamanho daquilo que vejo crianças estão atentas porque a educadora discurso oral foram alguns dos objetivos es-
e não do tamanho da minha altura”. apresentou quatro imagens fora do vulgar, to- colhidos para esta atividade, que também de-
(Fernando Pessoa) das elas obras de artistas famosos, pelo menos senvolve o encadeamento de ideias, ajudando
para nós, os adultos. a estruturar o pensamento.
Este artigo tem como princípio partilhar uma Cada criança recebeu uma obra e pôde olhar “É evidente a importância da apropriação da
série de atividades realizadas na educação para ela até se sentir preparada para a comen- funcionalidade da escrita pois, sem saber para
pré-escolar, inseridas em diferentes áreas de tar. As suas narrativas, na maioria das vezes, que serve nem em que circunstâncias e com
aprendizagem e que têm como ponto de par- advêm de vivências marcantes ou de um pas- que objetivos se pode usar, a criança não se
tida a expressão artística como promotora da sado recente. A educadora ouve e regista, à envolverá na sua exploração, compreensão
melhoria da qualidade da educação, proporcio- frente da criança, tudo o que ela diz, fazendo e utilização. Para além disso, a investigação
nando uma aprendizagem lúdica, inspiradora e assim que esta se aproprie de mais um sentido tem demonstrado que o facto de as crianças
centrada na criança, transmitindo cultura, va- da aprendizagem relacionado com o código de terem algum conhecimento e compreensão
lores e variadas maneiras de ver e viver a arte. escrita. No fim, lê e pergunta se a criança que- sobre as funções da leitura e da escrita antes
ria acrescentar mais alguma coisa. de iniciarem a escolaridade obrigatória parece
Auto-retrato A capacidade de observar, a concentração, a facilitar a aprendizagem, refletindo-se no seu
Educadora: O que é um autorretrato? criatividade, a imaginação, o investimento no desempenho” (OCEPE, 2016, p. 67).
Criança: É quando nos pintamos a nós pró-
prios.
A resposta estava na ponta da língua. Talvez
por já termos conversado sobre o tema em
momentos informais de partilha.
Este projeto surge com o intuito de permitir
que as crianças observem a sua própria ima-
gem ao espelho, aumentando o seu autoco-
nhecimento e ampliando a noção de corpo
(organização espacial/esquema corporal). Tam-
bém fizemos comparações sobre as diferentes
características das crianças e adultos da sala,
dando ênfase à riqueza da diferença, contri-
buindo para um aumento da autoestima e do
sentimento de pertença ao grupo.
Após analisarem alguns autorretratos pintados
pela mexicana Frida Kahlo, as crianças que
quiseram puderam brincar com a sua própria
imagem decorando o seu autorretrato como
se fossem a própria pintora.
“A forma como o/a educador/a está atento/a
e se relaciona com as crianças, apoia as inte-
rações e relações no grupo, contribui para o
desenvolvimento da autoestima e de um sen-
timento de pertença que permite às crianças
tomar consciência de si mesmas na relação
com outros” (OCEPE, 2016, p. 25).

Descrição oral de imagem/ação
A conversa começa em grande grupo e as

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Esculturas agente do processo educativo, o que significa enquadradas em diversos contextos.


As crianças sentem-se valorizadas quando partir das suas experiências e valorizar os seus Esta atividade foi realizada no espaço exterior
as suas vivências extraescola são trazidas saberes e competências únicas, de modo a que da escola (jardim) e teve como principal obje-
para dentro da sala e acolhidas pelo grupo, possa desenvolver todas as suas potencialida- tivo observar e enunciar as características da
transformando-se num momento de parti- des” (OCEPE, 2016, p. 9). nova estação do ano (que se iniciava na altura),
lha e troca de saberes e experiências. Toda e Descobrir Barcelona também permitiu que as apelando a uma imagem real e realizando em
qualquer aprendizagem que parta do real in- crianças conhecessem algumas obras de An- simultâneo uma comparação com o que obser-
teresse da criança tornar-se-á facilitadora no toni Gaudi, como o réptil El Drac, em que a vavam no meio envolvente imediato.
seu processo de desenvolvimento e fará que técnica utilizada pelo artista (fragmentos de O suporte de imagem real (paisagem) e o es-
esta esteja verdadeiramente no centro da sua cerâmica) fez que recordassem o mosaico, paço exterior serviram de inspiração para que
aprendizagem, sendo esse o autêntico sentido utilizado num projeto anterior sobre a calçada cada criança criasse a sua paisagem outonal,
da educação de infância. portuguesa. aproveitando as suas próprias potencialidades
Uma das crianças da sala esteve em Barcelona Recriar El Drac privilegiou o contacto com e os recursos naturais que o espaço oferecia.
e trouxe para partilhar com o grupo uma foto materiais diversos (rolos de papel higiénico, Posteriormente puderam apresentar as suas
que tirou junto à escultura Mulher e Pássaro, jornais, etc.), permitindo que as crianças ex- produções ao grande grupo, que se pronun-
de Joan Miró. O grupo tenta de imediato criar plorassem a tridimensionalidade nas suas pro- ciou dando a sua opinião sobre os trabalhos
uma relação entre o nome da obra e a foto- duções e estabelecessem uma relação entre o realizados pelos seus pares.
grafia (imagem) da mesma. desenvolvimento do sentido de estética e o “Também o espaço exterior do jardim de in-
A educadora apercebeu-se do interesse re- domínio da matemática (volume, forma, tex- fância pode ser utilizado para a realização de
velado pelo grupo e lançou-lhes o desafio de turas, etc.). atividades de educação artística, bem como
reproduzir a escultura. Por detrás de mãos sujas estavam sorrisos para a recolha de elementos naturais, a inte-
Desafio aceite, foi tempo de planear (com a orgulhosos! Ambos são importantes em qual- grar nestas atividades” (OCEPE, 2016, p. 48).
supervisão da educadora) todos os passos quer processo criativo de aprendizagem.
para a execução do projeto. Matemática e arte
“O reconhecimento da capacidade da crian- Paisagem no jardim O pintor russo Vassili Kandinsky, com a sua
ça para construir o seu desenvolvimento e As obras de arte podem ser realizadas de dis- obra abstrata Quadrados com Círculos Con-
aprendizagem supõe encará-la como sujeito e tintas formas, utilizando diferentes materiais e cêntricos, proporcionou-nos um projeto

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muito interessante dentro do domínio da ma as tinha intrigado. oportunidades de reconhecimento, duplicação
matemática.“Se a aquisição de capacidades Aproveitámos o quadro de Kandinsky para que e criação de padrões simples, assim como a
matemáticas faz parte do desenvolvimento da as crianças compreendessem e conseguissem sua evolução gradual para padrões mais com-
criança, a aprendizagem da matemática assen- apropriar-se desta nova forma de olhar para plexos são essenciais nas aprendizagens ma-
ta não só na apropriação de determinadas no- as cores. temáticas” (OCEPE, 2016, p. 80).
ções matemáticas, mas também no despertar Separámos as cores quentes das frias, criando Após todas essas experiências, encontrámos
de interesse e curiosidade que levem a criança um gráfico como forma de recolha e tratamen- forma de reunir todos os conceitos abordados
a desejar saber mais e a compreender melhor” to de dados. Nessa altura foi dado a conhecer, com a interpretação do quadro num só jogo:
(OCEPE, 2016, p. 83). com uma breve explicação, o disco de cores os blocos lógicos. As crianças exploraram as
Quando analisaram o quadro, a primeira coisa de Newton. diferentes formas geométricas, as cores, os
que as crianças identificaram e nomearam fo- A proposta foi realizar uma pintura em dupla, diferentes tamanhos e espessuras e criaram
ram as formas geométricas e as cores. em que as cores quentes e frias não se pode- livremente padrões.
Após algum tempo dedicado à observação, riam misturar.
descrição e troca de opiniões sobre o quadro, Por vezes é difícil para as crianças realizarem Aprendizagem ativa!
constataram que o artista utilizou as mesmas atividades que impliquem planear antes de Não poderíamos findar este projeto sem (re)
imagens (de forma repetida) em todo o qua- executar, ouvir o outro, esperar pela sua vez e criarmos padrões tendo como base este qua-
dro, ou seja, criou um padrão. aprender a trabalhar em equipa. Este tipo de dro tão inspirador que, para além de consolidar
Esta obra permitiu-nos explorar as formas, as ação privilegia o respeito pelo outro, facilitan- competências na área da matemática, também
cores e os padrões. do e reconhecendo a importância do trabalho proporcionou a realização do treino grafo-mo-
Formas: fomos à procura, na nossa sala, de em cooperação. tor quando desenhámos e pintámos dentro de
objetos que representassem as formas geo- Padrão: fomos para a área das construções limites os quadrados e círculos.
métricas. criar padrões com diferentes materiais para
Cores: a aprendizagem básica de nomear e que o conceito fosse interiorizado através da Pintura à vista
identificar as cores já estava consolidada pelo brincadeira. Este género de atividade, para além do
grupo e foi importante criar novos desafios “As crianças muitas vezes inventam natural- enriquecimento cultural e estético, tam-
com o tema: as cores quentes e as cores frias. mente padrões quando estão a construir com bém possibilita que a criança treine a
As expressões faciais demonstravam que o te- legos ou a enfiar contas (…) A diversidade de sua capacidade de observação/con-

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centração, memória, organização espacial e som de “Nessum Dorma” (interpretado por Lu-
treino motor. ciano Pavarotti), com vestimentas retiradas da
Após uma visita de estudo onde pudemos ver área da expressão dramática, e foi um sucesso.
algumas obras de Vincent Van Gogh projeta- “O apoio do/a educador/a ao jogo dramático
das, fomos a votos e decidimos realizar uma da iniciativa da criança permite ampliar as suas
pintura à vista coletiva. Escolheram o tipo de propostas, de modo a criar novas situações de
papel e o tamanho, as cores, os materiais e comunicação, através de uma melhor caracte-
quem iria fazer o quê. Não foi fácil entrar em rização dos papéis que está a desempenhar,
acordo, mas pouco a pouco elas conseguiram das ações a desenvolver, permitindo alargar o
chegar a um consenso e iniciar a atividade tempo de envolvimento da criança e a sua ex-
onde foi reproduzida a obra Noite Estrelada. pressão verbal. Dialogar com as crianças sobre
Joan Miró, por ter um estilo de pintura muito qual o material necessário, como o adaptar e
similar ao desenho infantil, é sempre uma boa transformar e o que acrescentar para corres-
opção para a realização inicial deste tipo de ponder aos seus interesses são ainda meios
atividade. de enriquecer as situações de jogo dramático”
Também recriámos a obra da Tarsila do Amaral: (OCEPE, 2016, p. 52).
“A Cuca” utilizando desenho, pintura e cola- Após esse momento, algumas crianças mani-
gem. festaram interesse em realizar pintura à vista,
A área da expressão artística em sala privilegia mas agora com uma visão enriquecida e am-
que as crianças desenvolvam atividades deste pliada sobre a plenitude do quadro. Certamen-
género de forma autónoma. te o projeto ficou mais enriquecido.
“Importa que, também no jardim de infância,
haja imagens de obras de arte à disposição das As emoções
crianças, que as poderão rever e utilizar para Incentivar as crianças a exteriorizarem o que
recriar as suas produções, dialogar em grupo sentem ajuda-nos a compreendê-las melhor,
sobre elas, partilhando as suas descobertas e para além de fazer que tomem consciência,
interpretações, de modo a que sejam um meio identificando e interpretando os seus senti-
de alargamento e enriquecimento cultural e de mentos, procurando encontrar sempre alter-
desenvolvimento da apreciação crítica” (OCE- nativas de lidar de forma assertiva com eles.
PE, 2016, p. 50). Treinar a capacidade de gerir emoções, de to-
lerância à frustração e de ser empático é hoje
Música e dança uma das mais importantes missões dos edu-
Desta vez, a obra abordada foi As bailarinas, cadores de infância, para além de transmitir
de Edgar Degas. Uma criança da sala trouxe que cada criança é importante e valorizar as
um livro que falava sobre esse quadro. Primei- suas conquistas e os seus progressos.
ramente, a ideia era realizar pintura à vista, Educadora: Qual das imagens representa a
mas algumas crianças do grupo, que tinham tristeza?
aulas de ballet (fora da escola), quiseram par- As crianças apontam.
tilhar com os amigos o que já sabiam fazer. O Educadora: Por que acham que ela está tris-
entusiasmo foi tanto que rapidamente outras te?
crianças também se predispuseram a partici- As crianças enumeram uma série de situações
par. Claro que não poderíamos deixar passar quase sempre relacionadas com as vivências/
esse momento em que a atividade parte do preocupações gerais da infância.
interesse das crianças. Educadora: O que podemos fazer para ajudá-
Foram então preparar a apresentação, no meio -la a não ficar triste?
do improviso, de alguns passos de ballet ao As crianças voltam a dar sugestões e assim,

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Botero Munch Paula Rego

de um modo não direcionado, estão a ajudar- “Na educação artística, a intencionalidade como se estivessem num museu.
-se umas às outras, sempre com a orientação do/a educador/a é essencial para o desen-
do adulto. volvimento da criatividade das crianças, alar- Suporte fotográfico Suporte de papel
O mesmo acontece com a alegria, com o medo gando e enriquecendo a sua representação “A compreensão dos meios tecnológicos impli-
e com outras emoções que possam ser suge- simbólica e o seu sentido estético, através ca que a criança não seja apenas consumidora
ridas pelas crianças no momento de partilha. do contacto com diversas manifestações (consultar, ver filmes, etc.), mas também pro-
Educadora: E vocês, o que vos deixa triste? artísticas de diversas épocas, culturas e es- dutora (fotografar, registar, etc.), alargando,
As crianças que quiseram puderam partilhar tilos, de modo a incentivar o seu espírito deste modo, os seus conhecimentos e pers-
com os amigos os seus sentimentos. Os adul- crítico perante diferentes visões do mundo” petivas sobre a realidade” (OCEPE, 2016, p. 93).
tos também participaram, reforçando que to- (OCEPE, 2016, p. 47).
dos podemos sentir diferentes emoções. Também pudemos conhecer e por em práti- Visitas a museus
“A construção da identidade passa pelo re- ca a técnica de Pollock, brincando no jardim Os museus são os espaços onde podemos
conhecimento das características individuais com os salpicos de tinta. encontrar em maior quantidade obras de arte
e pela compreensão das capacidades e difi- nas mais variadas formas, de artistas concei-
culdades próprias de cada um, quaisquer que Arte fotografada tuados.
estas sejam” (OCEPE, 2016, p. 34). Desenvolvemos um projeto todo inspirado no Sempre que possível, realizamos visitas a mu-
Conseguir falar das suas emoções e sentimen- artista gráfico holandês Escher. seus para promover o contacto com a arte
tos é um passo muito importante para a cons- Primeiramente, as crianças foram conhecer e diversificar conhecimentos, promovendo
trução da identidade e autoconhecimento, que as suas obras e tentar dar-lhes significado. momentos de interação e troca de saberes,
nem todas as crianças estão preparadas para Partimos então para o jardim porque o tempo alargando assim os conhecimentos, as expe-
dar. Por isso, devemos respeitar a individuali- estava mesmo convidativo e é sempre uma riências culturais e o convívio das crianças para
dade de cada uma e contemplar com alguma ótima escolha realizar as nossas atividades além do espaço de escola.
regularidade atividades sobre este tema (ou no exterior. “A área do Conhecimento do Mundo enraíza-
então apostar numa abordagem individual). Em pequenos grupos, as crianças desenha- -se na curiosidade natural da criança e no seu
ram com marcadores pretos as suas linhas desejo de saber e compreender porquê. Esta
Diversificar técnicas (treino grafo-motor) e de seguida pintaram sua curiosidade é fomentada e alargada na
A pergunta do projeto: Como conseguem os livremente. educação pré-escolar através de oportunida-
peixes respirar debaixo de água? Sabemos que um projeto está a ter um im- des para aprofundar, relacionar e comunicar
Após investigação e obtenção da resposta, pacto positivo quando as crianças que estão o que já conhece, bem como pelo contacto
as crianças juntaram as informações e ilus- a brincar vêm ter connosco e perguntam: “Eu com novas situações que suscitam a sua curio-
traram um painel tendo como inspiração a ainda não fiz, quando é a minha vez?” Foi tal sidade e o interesse por explorar, questionar
técnica de Romero Britto e feito a partir da e qual o que aconteceu! descobrir e compreender. A criança deve ser
utilização de aguarelas, para de seguida irem Pinturas prontas, foi então altura de as foto- encorajada a construir as suas teorias e co-
comunicar ao grupo de outra sala as suas grafar. Cada criança fotografou a sua pintura, nhecimento acerca do mundo que a rodeia”
descobertas. pois queriam que fossem expostas tal e qual (OCEPE, 2016, p. 85).

29 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


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ver a sua expressividade e sentido crítico. Este Todas as criações das crianças são apresen-
A visita de um artista plástico diálogo desperta na criança o desejo de querer tadas/comunicadas por elas para o grupo/
Tivemos o privilégio de receber o artista plás- ver mais e de descobrir novos elementos, po- comunidade escolar.
tico português Pedro Calapez. tenciando o estabelecimento de relações en- Por vezes estamos tão envolvidos nos projetos
As crianças ficaram verdadeiramente entusias- tre as suas vivências e novos conhecimentos, que torna-se impensável parar para fotografar
madas com o facto de conhecerem o autor levando-a a descrever, analisar e refletir sobre o processo e por isso a maioria das fotos são
por detrás da obra. Era a primeira vez que o o que olha e vê” (OCEPE, 2016, p. 49). referentes já ao produto final.
iriam fazer. Realizámos atividades inspiradas nas suas A expressão artística possibilita que a criança
Para acolhermos alguém tão importante, ti- obras como forma de dar a conhecer outras possa criar, expressar sentimentos e emoções,
vemos de preparar-nos. Através da pesquisa, visões artísticas. consolidar aquisições motoras, realizar expe-
conhecemos um pouco da sua vida e obra. A intenção de receber um artista plástico foi rimentações sensoriais prazerosas, aumentar
Criámos um espaço para debate de ideias e transmitir às crianças a valorização das produ- a sua autoestima, descobrir a matemática e
opiniões sobre as características visuais do seu ções artísticas nacionais. fazer que o mundo caiba numa folha de papel.
trabalho. As crianças puderam desenvolver a Arte em família Na construção deste artigo podia ter recorrido
organização de ideias, a capacidade imaginati- “Os pais/famílias e o estabelecimento de edu- a vários autores de referência para fundamen-
va e argumentativa. cação pré-escolar são dois contextos sociais tação teórica e prática destas atividades, no
Fizemos uma lista de perguntas sobre curiosi- que contribuem para a educação da criança; entanto, propositadamente, recorri às OCEPE,
dades relacionadas com o Pedro Calapez, que importa, por isso, que haja uma relação entre uma vez que é uma ferramenta ao alcance de
de uma forma muito afável respondeu a todas. estes dois sistemas” (OCEPE, 2016, p. 28). todos os educadores de infância.
“As explorações e o diálogo entre crianças e A escola envolve e integra as famílias no pro- Espero com este artigo ter podido inspirar fu-
com o/a educador/a sobre estes elementos cesso de aprendizagem, estreitando a relação turas práticas, salientando que aprender/ensi-
visuais e a sua representação em diferentes de confiança e proporcionando um desenvol- nar não precisa de ser aborrecido e a partilha
formas visuais constituem meios de desenvol- vimento saudável às crianças. é sempre uma nova forma de olhar para aquilo
Ao longo do ano são desenvolvidas várias ati- que por vezes parece ser sempre igual. Tal co-
vidades dinamizadas pelas famílias em parceria mo as crianças mudam, as suas necessidades
com a escola. e forma de aprender também mudam e deve-
“A colaboração dos pais/famílias e também de mos acompanhar essas mudanças apostando
outros membros da comunidade, o contributo na nossa formação contínua.
dos seus saberes e competências para o traba- A expressão artística fornece um horizonte de
lho educativo a desenvolver com as crianças é possibilidades e o educador deve instruir-se de
um meio de alargar e enriquecer as situações forma a poder fornecer às crianças variadas
de aprendizagem.” (OCEPE, 2016, p. 30). modalidades para que cada uma tenha a hipó-
A pintura continuada foi uma atividade reali- tese de se rever e escolher a que gosta mais.
zada entre mães, pais e filhos que receberam Poder acompanhar a evolução do processo
um cartão com uma obra de arte em miniatura de aprendizagem e o desenvolvimento dessas
colada no centro. Utilizaram toda a sua inspi- crianças deixa-me cheia de orgulho.
ração e capacidade criativa para dar continui- 2016, p.25)
dade àquela obra sem dissociar a nova criação
da criação de base. Foi um grande momento
de diversão em família na escola.

Para finalizARTE
A capacidade imaginativa e criativa, tal como
o brincar, são características ligadas à infância.
Por isso, devemos investir e estimular ações
que surjam nesse sentido.

30 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: PRÁTICAS

Sonhar, empreender, concretizar:


a casa dos (nossos) sonhos
Maria Jesus Rocha Costa de Sousa . Escola Básica de Vila Franca / Agrupamento de Escolas de Monte da Ola, Viana do Castelo

O projeto de empreendedorismo Casa dos se realiza de forma própria, assumindo


Sonhos foi desenvolvido na Sala Fixe da EB de uma configuração holística. (…) Esta
Vila Franca por um grupo de 21 crianças entre articulação entre áreas de desenvolvimento e
os 3 e os 6 anos. Contou com a colaboração aprendizagem assenta no reconhecimento de
de duas estagiárias do 2.º ano do mestrado que brincar é a atividade natural da iniciativa
em Educação Pré-escolar e Ensino do Primeiro da criança que revela a sua forma holística de
Ciclo, da Escola Superior de Educação do aprender” (Silva et al, 2016: 10).
Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESE- O projeto desenvolvido alicerçou-se numa
IPVC), e enquadrou-se num projeto em curso imagem da criança competente e agente
na instituição, intitulado Entrepreneurship do seu processo educativo, tendo como
Education for Children from 3 to 12 Years gramática pedagógica “uma pedagogia unânime:
Old: Dreaming and Doing1, desenvolvido em transformativa, que credita a criança com todos quiseram construir uma casa na
parceria com a Comunidade Intermunicipal direitos, compreende a sua competência, árvore, para que todas as crianças da escola
do Alto Minho e a Associação Coração escuta a sua voz para transformar a ação pudessem ter uma.
Delta, tendo sido o único projeto português pedagógica numa atividade compartilhada” Havia muito a fazer, mas primeiro, muito
a ser selecionado pela Organização para a (Oliveira-Formosinho, 2007: 14). que planear. Usámos uma ferramenta de
Cooperação e Desenvolvimento Económico A metodologia de trabalho percorreu diversas planeamento para registar tudo o que
(OCDE) no âmbito do Entrepreneurship 360. etapas que permitiram proporcionar às era necessário e quem nos iria ajudar:
Visa o desenvolvimento das capacidades crianças experiências diversificadas no âmbito os nossos colaboradores. Foi essa uma
empreendedoras das crianças desde a da educação para o empreendedorismo: das primeiras etapas, conseguirmos uma
educação pré-escolar ao ensino superior estimular e partilhar ideias; criar os seus
e, segundo a sua responsável, Prof. Lina projetos; identificar estados de espírito;
Fonseca,  “os professores constituem um fazer escuta ativa; aprender a comunicar os
meio privilegiado de chegar às crianças, e é projetos; elaborar protótipos; desenvolver
por essa razão que o projeto se desenvolve uma rede de colaboradores (todos os que
na formação inicial e contínua de professores ajudam a concretizar a ideia); percorrer ciclos
onde se pretende a criação de ambientes de de trabalho; exercitar a liderança.
aprendizagem desafiadores e exigentes, que Tudo começou no início do ano letivo, quando
promovam, entre outros aspetos, o espírito fomos convidados a visitar a casa na árvore da
de iniciativa, a capacidade de gerar e aplicar Carolina acabada de construir durante as férias
ideias, a criatividade, a autoconfiança, o pelo pai e pelo avô… e ficámos encantados!
espírito crítico e a persistência, e concretizam- Mais tarde, na sala, conhecemos a “História
se os sonhos de cada uma e de todas as do Miguel”, um menino muito sonhador que,
crianças”2. com esforço e dedicação, conseguiu mesmo
Feita a contextualização, passamos ao realizar o seu sonho.
enquadramento pedagógico, sendo que a Não tardou a passarmos do sonho do Miguel
pedagogia se organiza em torno de conceções ao sonho de cada uma das crianças e todas
teóricas, crenças e valores que suportam a as ideias foram representadas graficamente.
prática e que “a práxis é a casa da pedagogia” Explorando esses registos, verificámos que
(Oliveira-Formosinho, 2007:31), este alguns dos sonhos só poderiam ser cumpridos
projeto teve por referencial as Orientações em casa, como ter um cão ou conseguir
Curriculares para a Educação Pré-escolar, dormir sozinho, enquanto outros pertenciam
que reafirmam: “o desenvolvimento da ao mundo da imaginação, como ter asas para rede de colaboradores para este enorme
criança processa-se como um todo, em que voar ou ser rico. Constatámos assim que empreendimento.
as dimensões cognitivas, sociais, culturais, apenas dois dos sonhos partilhados reuniam • O pai Carlos, a Carolina e também o avô
físicas e emocionais se interligam e atuam condições para serem realizados no jardim de Joaquim foram, naturalmente, os primeiros
em conjunto. Também a sua aprendizagem infância. Eram eles aprender karaté e ter uma envolvidos e principais apoiantes;
casa na árvore. Decidimos votar para escolher • A Sala dos Amigos foi a parceira da porta
1 http://www.ipvc.pt/empreendedorismo-mais-peque- um sonho comum, mas acabou por nem ser ao lado, com quem partilhamos não só
nos-ese preciso. A decisão foi tão espontânea quanto este projeto, como o dia a dia no jardim
2 Idem.

31 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


de infância; as crianças verbalizavam que “é preciso chuvosos, só em maio teve início a
• As três salas do 1.º ciclo foram também dinheiro” e surgiram ideias de como construção, com a colaboração imprescindível
convidadas, através de um pedido de o conseguir: fazer bolos, biscoitos e dos dois verdadeiros arquitetos e engenheiros
colaboração enviado a todas as crianças chocolates, adereços e decorações de Natal do nosso sonho, auxiliados por diversos
numa carta redigida em grupo; para vender foram algumas das propostas. pais e mães que, rotativamente e conforme
• Pais e outros familiares de todas as crianças Deitámos mãos à obra e tudo isso foi feito as disponibilidades, se organizaram para
da EB/JI foram também sondados para pelas crianças, mesmo a tempo da Feirinha trabalhar e providenciar para que nada
uma posterior colaboração com mão de de Natal. faltasse.
obra, na fase de construção. Aos poucos, a ideia da casa da árvore Também o pessoal da Junta de Freguesia,
• Divulgada a ideia pelas crianças e também começou a inspirar as criações das crianças incluindo o seu presidente, colaborou sempre
através de partilhas virtuais nas páginas do de toda a escola – desenhos, pinturas e que possível, principalmente na fase de aplicar
Bloguefólio3 (portefólio digital do grupo), construções 3D com materiais diversificados o produto protetor na madeira, um trabalho
mais colaboradores foram aparecendo: surgiam espontaneamente, por sua iniciativa, moroso, mas imprescindível.
• A Associação de Pais mostrou-se disponível quase todos os dias, comprovando que a E, passo a passo, o sonho foi crescendo a
para providenciar algum apoio financeiro; motivação se mantinha bem viva, apesar olhos vistos… Tal como as despesas, pelo
• A Junta de Freguesia disponibilizou-se para de alguns constrangimentos que dilataram que tivemos de pensar em mais formas de
realizar o investimento de aquisição do prazos. conseguir dinheiro. O feirão da Festa das
material para a construção; Escolhida a árvore e comprovada a segurança, Rosas deu-nos essa oportunidade. Usando
• A Câmara Municipal deu a necessária depois de obtida a autorização da Câmara materiais disponíveis na sala, fizemos colares
autorização, fiscalizou a segurança e tratou Municipal, a Carolina e o seu pai vieram à de pérolas, com padrões que combinámos
da certificação; sala explicar-nos como tinha sido construída com os das pulseiras oferecidas no Dia da
• A Casa Peixoto, uma empresa local, a sua casa. Trouxeram uma apresentação Mãe. Pérola a pérola, conta a conta e fita a
ofereceu vários bens para a realização de em PowerPoint e algum do material usado fita, bonitas combinações foram surgindo,
uma tômbola durante a festa de Natal, na construção para vermos e explorarmos. de tal forma que vendemos toda a produção
uma forma de angariação de fundos para Foi o ponto de partida para se esboçar o e angariamos mais algum dinheiro para
os dois projetos de empreendedorismo em primeiro projeto em papel, desenhado pelo suportar os custos.
curso na instituição, este e a Biblioteca dos pai Carlos. Mais tarde passámos a ideia para Com a ajuda de grandes e pequenos, a
Sonhos, o projeto da Sala dos Amigos. 3D, construindo o protótipo / maquete da casa começou a erguer-se e a tomar forma:
Em ambas as salas do jardim de infância casa da árvore. recebeu porta e janelas, um telhado que deixa
3 http://blogue-folio.blogspot.pt
Após um inverno e uma primavera muito entrar a luz e umas escadas em caracol. E às

32 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


convívio”.
O trabalho desenvolvido mereceu uma
avaliação muito positiva por parte de todos
os envolvidos e permitiu uma reflexão em
torno da necessária valorização da voz das
crianças, indo ao encontro da essência do
“Empreendedorismo para crianças dos 3
aos 12 anos”, que se centra “na conceção
ampla de empreendedorismo – a capacidade
individual de transformar ideias em ações
–, o que vai ao encontro das orientações
da Comissão Europeia: realçar o papel das
escolas e professores no desenvolvimento de
competências empreendedoras, necessárias
para o cidadão que se pretenda ativo,
participativo e crítico”.
Que a sua divulgação possa contribuir para
que a mais crianças seja permitido terem
ideias para mudar o (seu) mundo, fazendo um
caminho de descoberta e comprovando que,
quatro da madrugada do dia da festa de final quando o sol nasce dentro do peito. Ora se os quando querem muito alguma coisa e lutam
de ano, ficou pronta. Foi noite de convívio, corações são como casas, também é verdade pelo que querem, conseguem concretizar os
de partilha e de festa, entre quem sonhou, que as casas podem ser como os corações. seus sonhos.
construiu e alimentou o sonho. Então, os meninos e as meninas tiveram a
Colaboradores e comunidade educativa local, ideia maravilhosa de construir uma casa na REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Oliveira-Formosinho, Júlia; Kishimoto, Tizuko Morchida &
todos foram convidados para a inauguração, árvore. Seria o seu coração e os meninos e as
Pinazza, Mônica Appezatto. (orgs.) (2007). Pedagogia(s)
que aconteceu no dia 23 de junho de 2018 e meninas também poderiam morar nele e abrir
da Infância: Reconstruindo uma Práxis de Participação.
contou com a presença de todas as entidades, os braços bem abertos quando o sol viesse
Porto Alegre: Artmed, 2007.
incluindo o presidente da Câmara Municipal de cá para fora brincar. Que ideia extraordinária!
Silva, Isabel Lopes; Marques, Liliana; Mata, Lourdes &
Viana do Castelo, os vereadores da Educação e Uma casa-coração, onde pudessem sentir o
Rosa, Manuela (2016). Orientações Curriculares para a
do Planeamento Urbano e Gestão Urbanística pulsar da vida e da imaginação. Chamaram
Educação Pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação/
e todo o executivo da Junta de Freguesia. Foi os professores e as professoras. Vieram os
Direção-Geral da Educação
uma festa bonita, em que se comemorou a pais e vieram as mães. Puseram as mãos à
realização de um sonho que se tornou comum obra com o entusiasmo de quem dá à luz um
a todas as crianças da escola e onde foi sonho. Quando a casa-coração ficou pronta,
apresentado o seguinte texto4, ilustrado com a árvore convidou todos os meninos e todas
imagens do projeto: as meninas a subir e a entrar e disse: ‘O meu
“Era uma vez uma árvore que morava nos coração é o vosso lugar’.”
corações de muitos meninos e muitas Este projeto de empreendedorismo em
meninas. Os corações são como casas. Abrem contexto escolar foi candidato à atribuição do
a porta às coisas e às pessoas de quem selo Escola Amiga da Criança, uma iniciativa
gostam e convidam-nas a entrar. E a ficar, conjunta da Confederação Nacional das
claro. Não importa que a casa seja pequenina, Associações de Pais (CONFAP), da LeYa e do
porque no coração há sempre lugar para o psicólogo Eduardo Sá, que visa “distinguir
que nos faz bem. Num coração cabe muita escolas que concebem e concretizam ideias
gente e até cabem árvores grandes como extraordinárias, contribuindo para um
aquela, que gostam de espreguiçar os ramos desenvolvimento mais feliz da criança no
espaço escolar e essencialmente partilhar
4 Criado para o efeito por Elisabete Bárbara, autora da essas boas práticas”, tendo conseguido essa
página lado.a.lado in: https://www.facebook.com/ distinção na categoria “Espaços de recreio e
coisasdavida.vidadascoisas/

33 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: PRÁTICAS

A observação e escuta da criança. Um encantador caminho


de descobertas, aprendizagens e conquistas
Nuno M. Pires Gonçalves . Centro Social Paroquial de Chaves

“É a partir dessa observação, e da escuta importante observar e escutar a criança e O Miguel acrescentou: “É mesmo boa
das opiniões e sugestões das crianças (…) necessário construir formas colaborativas de ideia, mas depois temos de as lavar.” A
que a organização do ambiente educativo pensar o quotidiano das salas de atividades, Beatriz continua: “Sabes Nuno, a minha
vai sendo melhorada e ajustada…” de maneira a reconhecer às crianças a mãe também tem na cozinha um quadro
(Silva, 2016, p. 17) sua agência. A Beatriz perseguia os seus muito grande que ficava bem na nossa
objetivos na brincadeira e partilhava os seus cozinha.” Respondo que é boa ideia pedir
A criança é vista, cada vez mais, como um desejos e os seus saberes. A observação e a ajuda aos pais, mas que podíamos pensar
ser autónomo, sujeito e participante ativo escuta ajudam-me a ficar mais desperto para em ir ao mercado comprar. O João disse:
no seu processo de ensino-aprendizagem, os interesses das crianças, preocupando- “Eu acho boa ideia… E também compramos
competente, ativo na construção do me com os processos de construção de um quadro igual ao da casa da Beatriz?” A
conhecimento, com voz própria, com significado. Beatriz responde prontamente: “É muito
iniciativa, cooperativo, crítico, criativo, A Beatriz brincava com o Miguel e a grande e temos que ter muito dinheiro, tem
investigador e interventivo nas tomadas de Carolina na área da casinha. As crianças um vidro, podemos partir, mas eu sei fazer.”
decisões. A relevância dada aos direitos e à representavam uma família: o pai, a mãe e A organização do espaço resulta de uma
voz das crianças constitui uma das principais a filha. ação coletiva. É importante percebermos o
mudanças ocorridas na educação em geral e Oiço a Beatriz a dizer: “Eu sou a mãe, faz de que as crianças pensam sobre os espaços
na educação de infância em particular. conta que esta panela é verdadeira como a e materiais. Os projetos emergem da
Vamos iniciar os passos da aventura… da minha mãe e este prato é a frigideira e escuta como um mundo de possibilidades,
Quando observava a Beatriz, com 3 anos tem lá arroz para a filha comer.” Sentei-me abertos e flexíveis. O interesse da Beatriz
de idade, com a sua mania saudável que junto à mesa para conversar com as crianças. espalhou-se ao grupo e durante toda a
caracteriza as crianças, independentemente Falámos dos materiais da área da casinha e semana enriquecemos o espaço com alguns
da faixa etária, de inventar, recriar e a Beatriz disse: “Eu vou trazer as panelas materiais que em conjunto consideramos que
imaginar, reforcei a ideia de quanto é da minha mãe para os meninos brincarem.” poderiam fazer parte das suas brincadeiras.

34 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


Durante o enriquecimento da área o Miguel
diz: “A minha cozinha tem muitos livros da
minha mãe. E têm lá dentro bolos e comidas.”
Pensar os espaços do jardim de infância
a partir do que as crianças nos indicam
revoluciona, mexe e remexe, desafia-nos
com emoções, visões, que insistentemente
nos convidam a deixar-nos seduzir pela magia
da fluidez onde o sonho e a fantasia são
possíveis. O espaço ganha outra extensão e
recriam-se novas situações de aprendizagem.
Os novos materiais permitem tanto situações
do quotidiano, como do imaginário, ampliando
as experiências de aprendizagem.
É também através destes momentos
onde ocorrem as brincadeiras das crianças
que desafiamos a forma de conceber a
planificação.
A Beatriz continua a expressar a vontade de
replicar o quadro de Nadir Afonso que tem
em casa.
Como a colaboração dos pais é uma constante,
foi fácil envolverem-se e assim, na nossa mala buscar copos com tinta azul e coloca-os em partir do que observa: exploração e utilização
das surpresas apareceu um quadro verdadeiro cima da mesa. Dirige-se ao cavalete e pega dos espaços e materiais; interações e
de Nadir Afonso vindo da casa da Beatriz. em dois pincéis, um grosso e um fino. O relações entre crianças e entre crianças e
Rapidamente, ouvimos a Beatriz dizer: “Quero Miguel ajuda-a na escolha dos pincéis. Todos adultos; distribuição e utilização do tempo”
fazer um desenho igual ao quadro do Nadir. têm o direito de ser apoiados, mas, ao mesmo (Silva, 2016, p. 17).Neste acompanhamento
Vou fazer as meninas com marcadores e lápis tempo, têm de perceber o seu papel como e observação das atividades da Beatriz
de cor e depois à volta pinto com tinta azul.” apoiantes dos colegas. apercebo-me da importância da escuta
Terminada a planificação, a Beatriz dirige-se A Beatriz senta-se, começa a pintar à volta enquanto ponto de partida para uma
para a área de expressão plástica, pegando do desenho e diz: “Vou fazer o quadro à prática mais significativa e democrática. O
numa folha, lápis de cor e marcador e começa volta.” Acabado o seu trabalho, a Beatriz brilhozinho nos olhos da Beatriz é estendido
a desenhar. Ao longo do desenho vai olhando mostra-o ao educador e a um pequeno ao grupo – é o momento em que tudo faz
para o quadro de Nadir, tentando reproduzi- grupo e acrescenta: “Agora tem que secar. sentido.
lo. O Miguel dirige-se à Beatriz e pergunta- Estas são as havaianas na praia, porque têm Beatriz: “Sabes, Nuno, a minha mãe disse
lhe: “O que estás a fazer?” A Beatriz responde: biquínis”. Os níveis elevados de envolvimento que na Biblioteca está uma exposição do
“É o meu desenho do quadro do Nadir.” Feita da Beatriz são reveladores do seu bem-estar Afonso.” João Cruz: “Do Afonso? Não é do
a primeira figura humana, a Beatriz levanta- emocional, indicando a certeza de que o nosso? Pois não?” Guilherme: “Se calhar
se e conta o número de figuras expressas contexto responde às suas necessidades e tem instrumentos musicais para as pessoas
no quadro de Nadir: “1, 2, 3, 4. Acho que me interesses. A criança experimenta sensações, verem, não sei…” Educador: “Sim, a Biblioteca
enganei.” Olha fixamente para o educador partilha sentimentos, ideias, opiniões, Municipal tem uma exposição de pintura que
e pergunta: “Achas que são 4 meninas?” coopera e partilha com o outro, e o seu se chama a ‘Emoção da Geometria’.”
Respondo: “Acho que não, mas não tenho a desenvolvimento acontece. Estes são momentos excelentes onde a
certeza.” A Beatriz reconta: “1, 2, 3, 4, 5.” Sorri, “A avaliação da organização do ambiente observação sensível acontece, tornando-me,
senta-se e continua a trabalhar. Realizado educativo permite ao/à educador/a refletir assim, um elemento do grupo: a comunicação
o primeiro esboço do quadro, a Beatriz vai sobre as suas potencialidades educativas, a surge. Sensivelmente escutamos, no

35 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: PRÁTICAS

verdadeiro sentido observacional da palavra, O entusiasmo das crianças leva-as a ver coisas bonitas” (João). “A arte são as
a vontade, o interesse, a necessidade querer construir um grande ateliê na sala: coisas bonitas das pessoas” (Pedro). “A cor
da criança e do grupo e, como escribas, “Podíamos fazer na nossa sala aquilo igual dá alegria, os quadros têm cores primárias
tornamo-los concretos. ao Nadir onde ele pintava com muitas tintas e depois misturam-se e ficam as outras”
Resguardo-me para observar e documentar. e coisas para pintarmos e fazermos aqueles (Ricardo).
A Matilde observa-me e diz: “Estás a escrever quadrados, círculos e desenhos e depois o Durante as descobertas as crianças fizeram
que queremos ir àquelas pinturas do Nadir Nadir vinha ver” (João). Documento, recolho aprendizagens curriculares integradas,
Afonso?”, referindo-se à exposição de Nadir dados e interpreto-os para, na prática, tentar atendendo a todas as áreas de conteúdo e
Afonso na Biblioteca Municipal de que já criar o respeito pelos direitos das crianças. respetivos domínios.
tínhamos falado. “A Emoção da Geometria.” A sala vai-se alterando e recriam-se novas O Ricardo descobre algo muito importante e
A atividade que planificámos em conjunto situações de aprendizagem. Transformar partilha-o com o grupo “Sabem, meninos, a
foi visitar a exposição patente na Biblioteca o espaço pedagógico num lugar onde minha mãe trabalha na Escola Nadir Afonso.”
Municipal. A criança solicita um olhar se experimentam interesses e múltiplos Apaixonante é a tarefa do educador de
enquanto ser ativo, competente e com significados implica o compromisso de todos. pegar nas palavras, nas emoções das
direitos. A sua escuta leva-nos a sair do Os grupos organizaram-se para pesquisar, crianças e intensificá-las, potencializá-las.
jardim de infância para a comunidade. distribuem-se tarefas, delegam-se Com cuidados mil, a novidade do Ricardo foi
Durante a visita à exposição, as crianças responsabilidades… Algumas crianças escrita diante do grupo. Depois de saboreado
observam os quadros. Falam, mostram procuram respostas para as perguntas o momento, a notícia mereceu destaque e a
o seu contentamento. De súbito, uma através da pintura e instrumentos associados visita à Escola Nadir Afonso foi planificada.
pergunta surge em voz alta: “Ó Nuno, o à fala. O acesso das crianças à cultura e “A Escola Nadir Afonso é dos meninos
Nadir é pequenino? Ele também pinta riscos” arte, às fontes de comunicação, motiva-as grandes” (Constança). “Nós também vamos
(Bárbara). para a reprodução dos quadros, num clima ser grandes e vamos para a escola do Nadir
Esta questão levou-nos a conhecer o pintor relacional muito positivo. “O Nadir Afonso Afonso” (Ricardo). “O Nadir está naquela
e os quadros; exploram-se conhecimentos fazia arte e a arte faz-se com tinta, com escola?” (Francisco)
prévios, ideias, fazem-se pesquisas. os dedos” (Amanda). “É mexer na tinta e Com as múltiplas linguagens de que
dispõem e criadas as condições para ter
voz, as crianças comunicam o que sabem,
estabelecem relações, colocam hipóteses.
O contacto das crianças com a Escola Nadir
Afonso permitiu a cada criança desmontar
aprendizagens prévias e complexificar e criar
novos conhecimentos. Assim se reconstrói e
recria a importância do mestre Nadir Afonso.
Na mesma linha de pensamento visitamos
a casa onde viveu Nadir Afonso. “A casa do
Nadir é escondidinha, agora ele já não está
aqui”(Beatriz). “Estas letras dizem que o pai
Artur viveu aqui” (João).
Esta visita adquire um sentido relevante no
contacto direto com a casa onde viveu Nadir
Afonso, como condição fundamental na
perceção do pintor como personagem real.
E no culminar de um caminho percorrido,
motivado nos processos de pesquisa
colaborativa, nas leituras, nas observações,
nas visitas guiadas, no diálogo com a

36 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


ganha novo significado para reestruturarmos
caminhadas e estratégias, renovando
práticas, desafiando os nossos pensamentos
e reflexividade para desta forma melhorarmos
e ajustarmos a organização do ambiente
educativo.
Basta estarmos atentos aos sinais que as
crianças nos dão para que possam abrir-se
espaços onde elas possam anunciá-los e
nos indiquem os caminhos possíveis para a
construção de um espaço que respeite os
seus direitos.

BIBLIOGRAFIA

Bertram, A.&Pascal, C.(2009). Manual De-


senvolvendo a Qualidade em Parcerias.
Lisboa: Ministério da Educação – Direção Geral de Desen-
volvimento Curricular.
Carolyn, E. (1999). As Cem Linguagem da Criança. A Abor-
dagem de Reggio Emilia na Educação da Primeira Infân-
cia. Brasil, Artmed.
comunidade e família, encontramo-nos com com muitos quadros” (Francisco).
Laevers, F.(2005). Well-being and Involvement in care. Bé-
o mestre Nadir Afonso, a chave do final feliz. “Agora podíamos convidar o Nadir Afonso lgica: Kind en Gezin and Research Centre for Experiential
Este foi o contacto real com o mestre Nadir para uma visita à nossa cozinha de lama” Education, Universidade de Leuven.
Afonso. Estamos no coração do projeto. (Mariana). “Vai ser mesmo divertido, é como Silva, I. (2016). Orientações Curriculares para a Educação
A experiência de amizade e admiração se fosse a festa de anos do Nadir” (Duarte). Pré-escolar. Lisboa, Direção Geral do Ensino Básico – Mi-
nistério da Educação.
pelo pintor leva-nos a pensar oferecer um “É só fazer os convites e preparar os bolos de
(1990) Da Vida à Obra de Nadir Afonso. Venda Nova, Ber-
presente.“ Podemos dar flores, eu também lama” (Beatriz).
trand Editora
sei fazer raminhos pequeninos” (Constança). Ao longo desta caminhada tento o
Educador: “Podíamos oferecer-lhe o nosso exercício de uma observação e escuta
livro.” “Boa ideia, ele vai gostar” (João). Este cuidadosa e intencional, que qualifica o
momento resgata a alegria, o envolvimento e meu/nosso trabalho educativo. Registo
a criatividade das crianças. as observações e as falas das crianças,
“Primeiro esperámos pelo Nadir Afonso usando técnicas e instrumentos adequados
e quando ele já estava sentado ao pé do às suas especificidades. Entrevista, notas
senhor presidente, de outro senhor e de escritas, fichas de observação – a escala de
uma senhora nós entrámos” (Beatriz). envolvimento da criança (Bertram e Pascal,
Oferecemos-lhe o nosso livro e um ramo 2009) – em pares, num pequeno grupo, em
de flores que fez a Constança e a sua mãe” grande grupo ou individualmente. Observo
(Gonçalo). as interações, os níveis de iniciativa, o
“Também demos beijinhos ao Nadir” envolvimento (Laevers, 2005). Recolho e
(Ricardo). “Contámos a história do Nadir compreendo a perspetiva da criança que se
a toda a gente, mas pelas nossas palavras expressa através do desenho, da expressão
pequeninas” (Gonçalo). “O Nuno mostrou o dramática e musical, dos diálogos, das
livro a todos e ao Nadir também” (João Cruz). fotografias, dos vídeos, dos portfólios. Esse
“O Nadir também nos deu um livro grande precioso material partilhado com as crianças

37 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

A educação sexual na educação de infância


Vânia Beliz . Psicóloga clìnica e da saúde, mestre em Sexologia

Na Europa, a educação sexual integra os ao nível da


currículos escolares há mais de 50 anos, abordagem
tendo a Suécia iniciado este trabalho na do género
década de 50, estendendo-se depois a
outros países.
Os objetivos da educação sexual têm sofrido
mudanças de acordo com as prioridades e
com as políticas de saúde, aproximando-se,
desta forma, das novas realidades sociais.
O conceito de educação sexual inclui a
aprendizagem cognitiva, emocional, social,
interativa e física da sexualidade. De acordo
com os Standards for Sexuality Education in
Europe, da OMS, a educação sexual deverá
ter início na infância, continuando pela
adolescência até à fase adulta, sempre com
o objetivo de promover o desenvolvimento
sexual positivo, “empoderando” as crianças
com informação, estratégias e valores que
lhes permitam compreender e usufruir da sua
sexualidade de forma segura, potenciando a
responsabilidade pelo seu comportamento e
pelo comportamento dos outros1. contribuem para a prevenção do abuso, de desconforto ou de pouca preparação.
As últimas décadas têm criado novos promovendo o respeito e o consentimento Para lidar com as questões da educação
desafios à educação sexual. Senão, vejamos: nas relações. sexual, os espaços formais de aprendizagem
a globalização, com a inclusão de outras A educação sexual formal (ao contrário poderão assumir essa função.
culturas e religiões; o desenvolvimento da educação através dos pares), com a A literatura aponta para inúmeras
dos media, em particular da Internet; a sua inclusão no ensino, pretende atingir vantagens nesta abordagem, concluindo
pornografia na Internet; as comunicações mais crianças e mais jovens, esclarecendo que programas mais eficazes em educação
móveis e o acesso a tecnologia; as crescentes e promovendo a sua saúde. Os pais, as sexual conduzem a uma iniciação sexual
preocupações em relação às infeções mães, a família, os amigos, as amigas e mais tardia e a comportamentos sexuais
sexualmente transmissíveis; o aborto; a toda a comunidade são importantes fontes mais responsáveis, pelo que o conhecimento
infertilidade; o abuso sexual de crianças para a aprendizagem dos relacionamentos é apontado como um fator protetor para
e de adolescentes e por último, mas não e da sexualidade humana, especialmente a saúde sexual e reprodutiva dos jovens.
menos importante, a mudança de atitude junto das pessoas mais novas, pelo que A educação sexual não priva as crianças
em relação ao comportamento sexual, são deverão ser parte incluída neste processo da sua “inocência”. Melhor, a educação
variáveis que potenciam mudanças e pedem de apoio à construção da felicidade. No sexual e uma atitude aberta em relação à
novas estratégias. Verificamos, então, que as entanto, reconhece-se que, pelo seu caráter sexualidade previnem a violência sexual,
normas sociais e a promoção da igualdade de informal, estas fontes de informação são uma vez que quando se aprendem conceitos
género têm influenciado o comportamento insuficientes, também pela complexidade como igualdade e respeito, identificam-
sexual através das mudanças dos papéis de conhecimentos e de competências que, se com muito mais facilidade pessoas e
sexuais dos jovens e dos estereótipos a estes para a discussão, são cada vez mais exigidas: situações abusivas. A ausência de educação
associados e que as importantes mudanças a contraceção; as infeções sexualmente sexual e a desmistificação dos tabus que
1 WHO Regional Office for Europe and BZgA. (2010). transmissíveis; o desenvolvimento emocional ainda persistem pode fazer que as crianças
Standards for Sexuality Education in Europe: A Frame- ou a comunicação são temas que ainda estão recebam mensagens prejudiciais dos seus
work for Policy Makers, Education and Health Authori- declaradamente muito associados a fatores pares, dos media ou de outras fontes de
ties and Specialists. Köln: BzgA.

38 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


identidade de género, órgãos genitais,
conhecimento do processo de gravidez,
nascimento, reprodução e comportamento
sexual de adultos é limitado e diminui na
ordem descrita. A literatura sugere que as
crianças questionam situações que fazem
parte da sua curiosidade normal e que não
questionam temas que não fazem parte da
sua vida ou com as quais não têm contacto,
o que pode mudar no caso de crianças que
tenham vivido experiências de abuso sexual
e que podem, por isso, ter contacto com
outra realidade.
O conhecimento que as crianças têm deste
domínio poderá organizar-se, em traços
muito largos, do seguinte modo: aos 2 anos
as crianças parecem identificar corretamente
o sexo dos outros (sem que consigam, no
entanto, explicar as suas diferenças) e usam
termos incorretos para descrever os genitais;
aos 3 anos explicam o conceito de identidade
de género com base nas características
informação2. importantes para a prevenção do abuso culturais; aos 4 anos apresentam ideias
Nesta aventura, neste desafio de educar sexual3. O desconhecimento e a ausência básicas sobre o crescimento intrauterino
para a sexualidade, a maior parte dos de investigação sobre o conhecimento das e sobre o processo de nascimento; aos
programas formais parece ter tido, até aos crianças sobre a sexualidade é muitas vezes 5 explicam a identidade de género com
últimos anos, como público-alvo as crianças explicado pela dificuldade de compreender base nas diferenças genitais; e aos 6 anos
púberes, deixando de lado a abordagem o próprio conceito de sexualidade, quase parecem ter conhecimentos mais complexos
formal às crianças mais novas. sempre associado ao sexo e à genitalidade. em relação, por exemplo, ao nascimento,
As crianças em idade de creche e pré- A literatura existente sobre o conhecimento fazendo eventual referência a diferentes
escolar apresentam um conjunto de que as crianças têm da sexualidade remonta formas de nascimento. É de salientar que
comportamentos que se explicam e à primeira metade do século XX e centra a estes resultados vão ao encontro dos
justificam com a curiosidade normal pesquisa em dois tópicos: a) o conhecimento resultados de outros estudos dos últimos 30
desta etapa do desenvolvimento infantil, das diferenças genitais4; e b) a compreensão anos.
pelo que é da maior importância que se das crianças sobre a origem dos bebés5. Os pais e as mães têm – e terão sempre –
abordem desde logo estas temáticas. A A investigação refere, portanto, que as um papel fundamental no conhecimento
crescente preocupação com a violência crianças apresentam pouco conhecimento e no desenvolvimento psicossexual das
sexual na infância faz que o conhecimento sobre o sexo e que este, quando existe, é filhas e dos filhos. Muitos estudos referem
da sexualidade por parte das crianças em básico. Questões como diferença genital, inclusivamente que as mães têm uma
idade de creche e pré-escolar assuma toda participação mais ativa nas sessões e que
3 Friedrich, W. N. (1993). Sexual victimization and sexual
a relevância. A idade e o conhecimento da behavior in children: A review of recent literature. os pais apresentaram uma postura mais
sexualidade são apontados em inúmeros Child Abuse and Neglect, 17, 69-66. reservada sobre os temas em discussão. Em
estudos como fatores de proteção 4 Bern SL. (1989). Genital knowledge and gender con- relação ao entendimento sobre a sexualidade:
stancy in preschool children. Child Development, 46,
77-91. ambas as figuras apresentam uma visão
2 UNESCO (2009). International Technical Guidance on 5 Bernstein AC, Cowan PA. (1975). Children’s concepts maioritariamente genital, biológica; poucas
Sexuality Education – An Evidence-informed Approach of how people get babies. Child Development, 46, 77- relacionam a sexualidade com sentimentos
for Schools, Teachers and Health Educators. Paris. 91.

39 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO

ou emoções; e estas limitações podem e gravidez. Determinadas investigações educação sexista, em que é notória a
ter como base o tipo de educação sexual referem um dado importante: alguns pais e diferença de género na educação das crianças
recebida, já que é comummente referido mães abordam exclusivamente estes temas como, de resto, é o caso de as meninas
que foi inexistente ou que esta se com as meninas, pois consideram que receberem mais informação no sentido de
restringiu a questões biológicas focadas na necessitam de mais proteção, o que coloca cuidarem do seu corpo restringindo certos
adolescência. Mais, poucas referiram ter em risco os meninos. Outro tema referido comportamentos para protegê-lo. Sem
recebido informação na infância, até aos pelos pais e pelas mães como prioritário nos apercebermos, começamos, desde
5 anos. Muitas famílias apontam que os é a autoestima, que consideram muito muito cedo, a educar as nossas crianças
temas foram dominados por ideias antigas importante para o bem-estar dos filhos diferenciando-as pelo seu sexo e pelo
e de caráter religioso, sendo apresentada a e das filhas, bem como as questões dos seu género. Quando se espera um bebé,
existência de medo e proibições. Muitos pais valores e da relação da sexualidade com os as famílias mostram rapidamente a sua
referem a descoberta da sua sexualidade afetos. No que diz respeito às dificuldades curiosidade em relação ao sexo, referindo
através dos pares/amigos, o que resultou de em relação à educação sexual das filhas que desta forma terão a possibilidade de
uma abordagem natural e espontânea, mas e dos filhos, as famílias apontam como criar uma identidade mais precisa, reforçando
em geral incorreta e imprecisa. principais obstáculos o desconhecimento assim os vínculos com o bebé. Quando
Talvez por terem tido esta experiência, a do tema, que parece potenciar insegurança observamos o comportamento das famílias,
maior parte dos pais e das mães não valoriza no momento de abordar as temáticas com temos a oportunidade de perceber como o
o início da educação sexual em idade de as crianças, o facto de não saberem em sexo e o género do bebé/criança influencia o
creche ou pré-escolar, por considerarem que idades devem abordar determinadas comportamento dos progenitores.
que as crianças são muito pequenas e, temáticas, ou de como fazê-lo, e o As diferenças de género também são
eventualmente, por sentirem insegurança na sentimento de vergonha. notórias na principal atividade das crianças,
sua abordagem. A maior parte das famílias, na hora de falar brincar. Numa investigação com o objetivo
A maior parte das famílias aborda as questões sobre o assunto, assume recorrer a livros e de aferir os pontos de vista das crianças nas
relacionadas com a higiene, com o corpo e à Internet e, nalguns casos, referem mesmo categorizações sexuadas de brinquedos em
com proteção (perante os outros) referindo ter participado em formações ou ações contexto (pré-)escolar, observou-se que a
maior dificuldade em temas relacionados sobre a temática. maioria categoriza os brinquedos a partir
com a expressão dos afetos, relação coital A pesquisa revela que existe ainda uma dos estereótipos associados aos géneros

40 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


masculino e feminino. A investigação ao abordar os assuntos com crianças mais Caroline Arcari que tem como objetivo
desafia os agentes formais a fazer esta pequenas e apontam a falta de formação fundamental sensibilizar para a proteção
transformação, uma vez que é por meio como um dos obstáculos. Pela proximidade do corpo e para a prevenção da violência
das interações pedagógicas e dos suportes e importância que as educadoras e os sexual. Adaptado por Vânia Beliz e Diogo
lúdicos que professores e professoras, educadores de infância têm para as crianças, Veríssimo Guerreiro, o livro (disponível para
educadoras e educadores, podem é muito relevante estimular a abordagem da download gratuito em www.pipoefifi.com.
fornecer experiências mais heterogéneas, educação sexual, devendo-se incentivar a br) conta uma história simples que permite
tornando diversos brinquedos e jogos mais sua formação para que possam ultrapassar a abordar o que são toques positivos (do sim)
estereotipados ou menos estereotipados dificuldade da sua inclusão nos seus projetos e negativos (do não), cujas personagens são
em mistos, e a desconstruir e questionar a pedagógicos e nos projetos educativos das dois monstrinhos simpáticos com enormes
categorização binária. estruturas educativas de todas as redes. cuecas. O site oferece ainda um conjunto
A saída do seio da família para um ambiente A literatura científica é clara: é importante de materiais que poderão (e deverão!) ser
educativo pode ser a possibilidade de criar novas estratégias para a educação utilizados em contexto de creche e pré-
esbater todos os estereótipos que vêm deste sexual e que estas surjam mais cedo, escolar.
meio e isso não significa, de forma alguma, destacando-se a importância da educação Estes dois recursos integram ainda o projeto
mudar valores e crenças, mas sim educar de pré-escolar em que existe, ainda, uma maior de educação para a saúde premiado pela
forma mais igualitária meninos e meninas, proximidade da família. A abordagem global Missão Sorriso, Des(COBRE) o teu corpo,
dando-lhes espaço para que façam as suas destes temas contribui para o bem-estar, a um Projeto de Prevenção da Violência e do
escolhas e não lhes seja forçada uma. Esta proteção e a felicidade das nossas crianças, Abuso Sexual promovido pela Unidade Local
liberdade terá resultados muito positivos na assumindo que vivemos num processo de de Saúde do Baixo Alentejo que intervém
autoestima e bem-estar da criança. grandes mudanças e desafios que já não ao nível da prevenção primária da violência
Os espaços educativos são espaços podemos ignorar. e do abuso sexual, cumprindo um objetivo
privilegiados para a promoção da igualdade Na prática existe um conjunto de materiais importante de capacitar as crianças do
e para a reflexão sobre ela, como um direito disponíveis para serem usados também em ensino pré-escolar, famílias e sociedade, de
de todos e de todas, e quanto mais cedo educação pré-escolar, dos quais destaco competências que permitam prevenir o risco,
se abordarem estes temas, melhor. Um dois com os quais tenho vindo a trabalhar: e que pretende trabalhar temas importantes
dos objetivos da educação sexual formal é - A viagem de Peludim: Quem sou, De onde como as questões da identidade e género,
a aposta na igualdade de oportunidades vim e Como nasci? De Sara Rodi e Vânia Beliz, higiene e cuidado do corpo e os direitos das
entre meninos e meninas e a promoção com ilustrações de Célia Fernandes, é um crianças.
do respeito pela diversidade. Observar o livro incluído no Plano Nacional de Leitura Em contexto educativo, estes projetos
ambiente do espaço (pré-)escolar pode e que permite trabalhar com as crianças temas incluem-se na educação para a saúde
deve ser um desafio, já que muitas escolas importantes da educação sexual como as através do eixo da educação para os afetos,
insistem em promover ambientes sexistas e questões da identidade, igualdade, corpo, contribuindo para a literacia da saúde e,
diferenciações de género menos positivas, proteção, conceção, nascimento, em que desta forma, para a prevenção de riscos e
separando as crianças pelo seu sexo. O também as imagens poderão ser usadas com para a felicidade das nossas crianças.
mesmo acontece em relação a algumas as crianças mais pequenas construindo-se
oportunidades pedagógicas, por exemplo na uma história à medida da sua curiosidade.
educação física, em que os meninos jogam à O livro integra um guia para educadores e
bola e as meninas são orientadas para outras educadoras que apoia na exploração das
modalidades, quando se entende que todas temáticas e sugere atividades. O projeto
devem ser experimentadas por todos e por dispõe de um site (www.peludim.com) de
todas. onde podem ser descarregados os desenhos
Os educadores e as educadoras formais das personagens, convidando a um momento
também apresentam dificuldades na lúdico, tão importante para a apropriação
abordagem das temáticas da sexualidade. dos conceitos abordados.
A maior parte ainda assume ter dificuldades - Pipo e Fifi é um livro da pedagoga brasileira

41 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: À

Lei da ação-reação
Rosário Leote de Carvalho . Licenciada em Química

Isaac Newton nasceu em 1643 e morreu em sua superfície (ou próximo da sua superfície),
1727. Foi um astrónomo, alquimista, filósofo da mesma forma que os corpos atraem a Materiais necessários
natural, teólogo e cientista inglês, embora seja Terra com a mesma intensidade e sentido Fio
mais conhecido como matemático e físico. oposto. Mais uma vez, como as forças são Fita-cola
Dos seus inúmeros trabalhos destacam-se aplicadas em corpos diferentes, estes sofrem Balão
três leis, conhecidas como leis de Newton: efeitos diferentes. Palhinha
primeira lei de Newton, inércia; segunda lei de Nesta atividade, o balão inicialmente cheio de Fita métrica
Newton, dinâmica e terceira lei de Newton, ar movimenta-se para a frente (lado oposto
ação e reação. ao da abertura) quando se deixa sair o ar. Procedimento
Nesta experiência vamos utilizar a terceira; lei Quando se largou o balão, o ar é expelido Mostrar o fio
de Newton para movimentar um balão através para trás, reage, de acordo com a terceira lei Questionar as crianças sobre as propriedades
de um fio usando apenas o ar nele contido. de Newton, exercendo sobre o balão uma do mesmo.
Na terceira lei, Newton afirma que para cada força que o impele para a frente. O facto de Cortar o fio (2 m ou outra medida)
ação existe uma reação de igual intensidade e estar preso à palhinha colocada no fio faz que Discuta qual é o material adequado para esta
de sentido contrário. Newton rejeita a ideia de a trajetória do balão seja retilínea. medição e que este depende da medida.
força individual. As forças manifestam-se em Deve notar-se que, apesar das inúmeras Enfiar uma ponta do fio na palhinha
pares, assim se o corpo A exerce uma força “receitas” disponíveis, não existe a “receita” Explicar que desta forma a palhinha se pode
sobre o corpo B, este, por seu lado, reagirá com certa para nenhuma atividade experimental. movimentar pelo fio.
outra força com a mesma intensidade, a mesma Todas devem ser adaptadas às condições Pedir a duas crianças que segurem o fio bem
direção e sentido contrário. Não existe ação físicas e humanas disponíveis. Cabe ao esticado.
sem reação. Todas as vezes que interagimos educador escolher o momento adequado Puxar a palhinha para uma das pontas.
com o ambiente que nos rodeia podemos para a realização da atividade, assim como Encher o balão e segurar com os dedos para
pensar na terceira lei: quando chutamos uma os materiais a utilizar, não esquecendo que não sair o ar.
bola, esta reage e devolve, instantaneamente, normalmente temos todo o equipamento Prender o balão à palhinha com fita-cola
uma força para o nosso pé. essencial ao nosso dispor, só que por vezes Pedir às crianças que prevejam o que vai
No entanto, o efeito de cada uma dessas temos de o adaptar às necessidades. No acontecer.
forças é diferente consoante o corpo onde entanto, estas atividades devem ser planeadas Largar o balão
atua. No caso da bola, esta movimenta- e testadas antes de serem realizadas em sala Observar
se numa dada trajetória; já o nosso pé fica de atividades. E tão importante como a própria Pedir que descrevam o que estão a observar.
praticamente parado. experiência são as questões orientadoras, que Comparar o resultado com as previsões.
Outro exemplo é a força de atração que a permitem guiar as crianças no decorrer da
Terra exerce em todos os corpos que estão à atividade. Explicar o resultado
Não termine aqui a atividade. As crianças
devem fazer o registo das suas observações
da forma que achar mais conveniente
(desenhos, textos, oralmente, etc.). Promova
a discussão sobre estes resultados ao longo
do ano. Esta pequena experiência pode dar
origem a muitas outras.
Pode tornar esta atividade numa pequena
investigação, desde que altere uma variável,
por exemplo a inclinação do fio ou o seu
comprimento.

42 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: NOTÍCIAS DA DIREÇÃO

Órgãos Sociais
e Programa - 2019-2023
Numa Assembleia Geral muito participada, Na sequência das alterações estatutárias, XIX, constituem-se como organizações
no passado dia 6 de abril tomaram posse os os órgãos sociais passam a ser eleitos pelo representativas duma classe profissional cuja
novos órgãos sociais da APEI, uma equipa período de quatro anos, pelo que irão estar principal missão será a da salvaguarda de
com uma representação geográfica muito em funções no quadriénio 2019-2023. uma identidade profissional específica e da
alargada que, pela primeira vez, abrange As associações profissionais em Portugal, defesa de um espaço próprio de intervenção.
todo o território nacional. cuja génese ocorreu no início no século Criada há praticamente quarenta anos, a
APEI é, neste momento, uma associação de
referência para os educadores no contexto
nacional, assumindo como principal missão
“(…) contribuir para a formação e informação
na área da educação de infância, para a
identidade e o desenvolvimento profissional
e ético, para a inovação nas práticas
educativas e nas políticas educativas para
crianças dos 0 aos 6 anos, obtendo a
confiança e o compromisso dos nossos
associados, colaboradores e parceiros,
criando valor para os associados e para o País,
(…) organizar e realizar serviços de formação
contínua e informação, participando no
debate, assegurando consultoria, em todo
o País, ser reconhecida pela sua qualidade,
criatividade e eficácia”.
A presente candidatura pretende dar

ORGÃOS SOCIAIS DELEGADOS LOCAIS (NÃO INTEGRAM OS ÓRGÃOS SOCIAIS)


MESA DA ASSEMBLEIA GERAL REGIÃO NORTE
Presidente Maria da Conceição Bento Bracons (nº 1184) Braga Andreia Sofia Ferreira de Lima (nº 9745)
Vice-Presidente Andreia Catarina Leite Carvalho (nº 7130) Viana do Castelo Maria da Conceição Cerqueira Martins Vieira (nº 10249)
Secretária Ana Sofia Bento Pedrosa (nº 11848) Porto Maria Clara Faria Guedes Vaz Craveiro (nº 808)
Vila Real Isabel Maria Carvalho Rego de Barros (nº 1353)
Chaves Anabela Correia dos Santos Penas (nº 7714)
Bragança Cristina Maria Mesquita Gomes (nº 12400)
DIREÇÃO REGIÃO CENTRO (e Lisboa e Vale do Tejo)
Presidente Luís Alberto da Gama Freixo Silva Ribeiro (nº 1252) Coimbra Andreia Catarina Leite Carvalho (nº 7130)
Vice-Presidente Cristina Maria Mesquita Gomes (nº 12400) Castelo Branco Maria José Pinto Infante Lopes Pereira (nº 2524)
Tesoureira Susana Alves Alberto (nº 7835) Guarda Maria Goretti Silva S. Nabais Caldeira (nº 1007)
Secretária Liliana Gonçalves Fernandes Marques (nº 1879) Leiria Ana Sofia Bento Pedrosa (nº 11848)
Vogal Maria do Céu Trindade Caleiro Velez (nº 10306) Aveiro Sara Sofia Ferreira Fernandes (nº 8815)
Viseu Ana Isabel Simões Carvalho (nº 795)
Santarém Rosa Maria da Anunciação Montez (nº 9981)
CONSELHO FISCAL REGIÃO ALENTEJO
Presidente Maria Goretti Silva S. Nabais Caldeira (nº 1007) Portalegre Mónica Isabel Rico Nobre Prates (nº 12147)
1ª Vogal Mónica Pitorra Brazinha Pinto (nº 4725) Beja Diogo João Veríssimo Guerreiro (nº 5328)
2ª Vogal Mónica Isabel Rico Nobre Prates (nº 12147)
DELEGAÇÕES REGIONAIS REGIÃO ALGARVE
Norte Ana Maria Lourenço Cerqueira Azevedo (nº 2917) Barlavento Ana Paula de Oliveira Marreiro (nº 508)
Centro Joana Alexandra Soares de Freitas Luís (nº 6848)
Alentejo Maria de Fátima Rodrigues Dores Aresta Lopes Godinho (nº 3671) REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
Algarve Maria Helena Martins da Cruz Horta (nº 4298) Madeira Luísa Isabel Nobre Pereira (nº 1939)
Madeira Maria do Carmo F. Góis Nunes (nº 12478)
Açores Ana Isabel da Silva Santos (nº 2913) REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES
Terceira Anabela Rodrigues Barcelos da Silva de Faria (nº 3676)

43 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: NOTICIAS DA DIREÇÃO

continuidade ao trabalho de qualidade De Quê? e o livro Brincar em todo o lado, às propostas desses contextos;
promovido pelas anteriores direções que, da autoria de Carlos Neto e Frederico Lopes. • Criar mais delegados locais onde e sem-
desde 1981, foram o rosto visível desta Para os próximos quatro anos, irá procurar pre que se justifique, ampliando a rede
associação e lhe conferiram o prestígio que manter-se o essencial desta dinâmica, que existente numa malha cada vez mais
atualmente possui. tem dado excelentes resultados, acentuando fina;
A estratégia seguida pela APEI desde 2016 o trabalho articulado com a rede de • Reforçar os níveis de participação dos
tem sido a de promoção da educação delegados locais, que se pretende alargar associados na vida da associação, parti-
de infância em todo o contexto nacional na construção duma malha cada vez mais cularmente através de ações locais que,
(incluindo as regiões autónomas) fina, de modo a promover iniciativas de simultaneamente, respondam às neces-
procurando, desse modo, cumprir com âmbito local, articuladas com os interesses sidades dos educadores e promovam a
os princípios orientadores da sua ação e expetativas dos respetivos profissionais de imagem da APEI no terreno;
enquanto associação profissional, bem como educação de infância. • Monitorizar sistematicamente as ade-
desenvolver uma ação consentânea com Há, no entanto, três iniciativas/atividades sões e desvinculações na APEI e a
o estatuto de utilidade pública que lhe foi que, pelo seu impacto, poderão ser distribuição geográfica dos associados
conferido desde 2007. consideradas como os três grandes objetivos pelo território nacional;
Os últimos anos foram marcados por um a atingir no período 2019-2023: a criação • Manter e melhorar os canais de comu-
crescimento exponencial da associação, e promoção da nova página da APEI, com nicação com os associados através do
quer por via do número crescente de outro visual mais apelativo, com serviços sítio na net, do Facebook, correio ele-
iniciativas que promoveu, quer pelo aumento integrados e mais conteúdos dinâmicos, trónico e restantes plataformas físicas
significativo do número de associados que funcione como um verdadeiro portal ou virtuais;
(superior a um milhar), quebrando o ciclo da educação de infância em Portugal; a • Substituir o sítio da APEI na web, crian-
anterior que, neste aspeto, tinha sido muito comemoração dos 40 anos da APEI, em 2021, do um site responsivo e melhorando os
penalizador para a APEI. um marco histórico que importa assinalar conteúdos existentes e/ou adicionando
Nesse sentido, quer em 2016/2017, quando com um conjunto de iniciativas em todo o outras áreas relevantes, nomeadamen-
promoveu, em parceria com a Direção-Geral território nacional; e, num plano mais político, te informações de natureza pedagógica
de Educação, vinte e um seminários por todo a inclusão dos 0-3 anos na Lei de Bases do úteis aos profissionais de educação de
o País para apresentação e discussão das Sistema Educativo, cuja ausência constitui infância ou a outros públicos (encarre-
Orientações Curriculares para a Educação um handicap de enorme magnitude que tem gados de educação, assistentes ope-
Pré-Escolar, que abrangeu cerca de 5000 coartado o direito (e o acesso) à educação racionais…), disponibilizando o site nas
profissionais de educação de infância, quer a todas as crianças desde o seu nascimento versões inglesa e espanhola;
em 2017/2018, quando realizou 11 encontros e criando situações de enorme injustiça nas • Continuar a consolidar os instrumentos
regionais e Encontros Ser Bebé e abrangeu condições de trabalho dos educadores de de gestão financeira e orçamental da
cerca de 2500 profissionais, quer no ciclo de infância que trabalham em creche. associação, melhorando os níveis de
seminários que atualmente ocorre, onde se Para 2019-2023, o conjunto de ações e eficiência.
prevê abranger mais de 4000 profissionais, iniciativas a promover são as seguintes:
criou uma dinâmica nacional que passou a 2. Grupos de trabalho/partilhA
fazer parte do universo profissional dos 1. Vida associativa, gestão e comunicação • Manter os grupos de trabalho existen-
educadores de infância, um espaço de • Continuar as estratégias promotoras do tes, em particular o Grupo da Creche e
pertença e de reflexão à volta das questões aumento significativo e sustentado do o Grupo de Partilha, reforçando a sua
da educação. número de associados, através de ini- dinâmica designadamente no apoio à
Os últimos anos foram também marcados ciativas que promovam a APEI em todo conceção dos programas dos Encon-
pelo crescimento, em número e diversidade o território nacional, procurando ultra- tros Ser Bebé e na criação de conteú-
geográfica, das ações de formação passar a meta dos 4000 associados dos e arquitetura do separador 0-3
promovidas através do Centro de Formação e atingir o rácio de 1/4 (um associado anos no portal da APEI;
da APEI, um crescimento de quase 300% que para cada quatro educadores); • Criar todos os grupos de trabalho/par-
abrangeu mais de cinco mil formandos e um • Reforçar a ligação entre a direção da tilha que se julguem pertinentes e/ou
reforço significativo na área editorial, quer APEI, os delegados regionais e os de- para os quais haja educadores disponí-
pela reedição de livros do seu catálogo de legados locais, criando uma verdadeira veis para a sua gestão.
edições, quer por novas edições, das quais rede que dê resposta às necessidades
se destaca o primeiro livro infantil À Procura locais e assegure uma resposta eficaz

44 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


3. Formação 5. Parcerias internacionais e nacionais do Ministério da Educação, grupos par-
• Operacionalizar, em estreita articulação • Aprofundar as parcerias criadas com lamentares na Assembleia da República
com os delegados locais, o Plano de a Faculdade de Motricidade Humana e outras instituições relevantes nesta
Formação a ser aprovado em Comissão (Universidade de Lisboa), Núcleo Inter- matéria;
Pedagógica, mantendo o princípio de disciplinar da Criança e do Adolescente • Assegurar o papel e reconhecimento da
ações em todos os distritos de Portugal (Universidade dos Açores), Centro de APEI como parceiro de discussão das
Continental e nas Regiões Autónomas Investigação em Educação Básica (Ins- políticas educativas, através da emissão
da Madeira e Açores; tituto Politécnico de Bragança), a Uni- de pareceres, consultas, participando
• Investir nas diferentes ofertas de for- versidade do Algarve e a Fundação Aga em grupos de trabalho, apresentando
mação contínua acreditada, particular- Khan, concretizar as parcerias previstas propostas ou outras iniciativas propos-
mente as que estiverem ligadas às no- com a Faculdade de Belas Artes da Uni- tas ou de iniciativa da APEI;
vas OCEPE e ao currículo em educação versidade do Porto e o ISCTE e construir • Garantir o cumprimento do protocolo de
de infância; outras parcerias com novas instituições cooperação com o Ministério da Educa-
• Continuar a investir na formação não que revelem esse interesse e que sejam ção que permite a afetação de recursos
acreditada de curta duração que pos- importantes para a promoção da APEI e humanos especializados à associação.
sa ser facilmente operacionalizada em da educação de infância;
qualquer ponto do território nacional, • Criar novas parcerias com outras asso- 7. Projetos editoriais
incluindo as regiões autónomas, e que ciações profissionais, com instituições • Continuar a editar, quadrimestralmen-
possa ser dirigida também a outros de ensino superior e outras instituições te, a revista Cadernos de Educação de
profissionais que não apenas os edu- para a organização de seminários, sim- Infância, procurando melhorar os seus
cadores; pósios ou conferências ou, ainda, forma- conteúdos;
• Procurar dar resposta a todas as ne- ção contínua e outros projetos relevan- • Continuar a editar, semestralmente, a
cessidades de formação sentidas nas tes no âmbito da educação de infância; revista Infância na Europa Hoje, procu-
organizações educativas, sejam elas de • Promover/reforçar a articulação com rando melhorar os seus conteúdos;
âmbito público ou privado. outras associações profissionais portu- • Procurar criar as bases para lançar uma
guesas, implementando parcerias, pro- nova revista sobre a educação de infân-
4. Encontros, conferências jetos ou outras iniciativas conjuntas, cia na Comunidade dos Países de Lín-
• Realizar bianualmente o encontro na- tendo em especial atenção o projeto gua Portuguesa e/ou uma revista luso-
cional, dando particular ênfase ao XVII Children In Europe Today que dá origem -brasileira sobre educação de infância;
Encontro Nacional, em 2021, que ocor- à revista com o mesmo nome, os En- • Continuar a promover a edição de obras
re nas comemorações dos 40 anos da contros dos Primeiros Anos, com a As- de referência na educação de infância,
APEI; sociação de Professores de Matemática de autores nacionais ou internacionais;
• Realizar anualmente o ciclo de confe- ou outras iniciativas similares; • Editar novos projetos de literatura in-
rências em todo o território nacional, • Manter e aprofundar parcerias com ou- fantojuvenil;
quer através de encontros regionais, tras instituições ou organizações cujo • Continuar a divulgar e promover os pro-
mais orientados para o trabalho na trabalho ou projeto seja relevante no jetos editoriais já lançados;
educação pré-escolar, quer os Encon- âmbito da educação de infância. • Conceber outras edições que sejam
tros Ser Bebé, orientados para os pro- • Alargar a rede de parcerias com institui- consideradas importantes para o de-
fissionais que trabalham em creche, ções congéneres de outros países, quer senvolvimento da associação e/ou para
envolvendo, nos casos em que se justi- os da CPLP, particularmente o Brasil, o desenvolvimento profissional dos
fique, conferencistas internacionais de quer de outras nacionalidades. seus associados.
referência;
• Realizar conferências/seminários sobre 6. Participação na definição de políticas 8. Centro de Documentação
temas que venham a revelar-se perti- educativas • Manter atualizada a base de dados
nentes em qualquer ponto do território, • Aprofundar o debate público em torno (Porbase) dos fundos documentais do
nomeadamente a convite de outras as- da importância da qualidade na educa- Centro de Documentação da APEI;
sociações profissionais, agrupamentos ção de infância dos 0 aos 6 anos, tendo • Adquirir novas publicações de relevân-
ou outras instituições educativas. como meta a inclusão dos 0-3 anos no cia para a educação de infância.
sistema educativo, desenvolvendo to-
das as iniciativas convenientes juntos

45 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: ARTIGO
Operação Nariz Vermelho

A O p e r a ç ã o N a r i z Ve r m e l h o é u m a no qual se realizam diversas atividades que


Instituição Particular de Solidariedade ao mesmo tempo divertem, educam e sen-
Social cuja missão é levar alegria às crianças sibilizam os alunos para uma cidadania ativa.
hospitalizadas, aos seus familiares e profis- Todos os anos, centenas de escolas aderem
sionais de saúde, através da arte e imagem a este dia, permitindo que a nossa receita de
do Doutor Palhaço, de forma regular e com alegria chegue a cada vez mais crianças hos-
uma equipa artística profissional com for- pitalizadas. Em 2018, os donativos angari-
mação específica. Oferecemos estas visitas ados com o apoio da comunidade escolar,
aos 15 hospitais atualmente abrangidos pelo do ensino pré-escolar ao ensino superior,
programa, angariando os fundos necessári- permitiram garantir a visita semanal de uma
os através de donativos, particulares e em- dupla de Doutores Palhaços a quatro hos- desenvolver competências de afirmação
presariais, campanhas e merchandising. pitais durante um ano inteiro! da sua individualidade, aceitando as suas
Visitamos mais de 45 000 crianças por ano. O DNV é também um convite para as esco- características individuais, expressando os
Mas o número que mais conta é o número 1. las dinamizarem, de forma interdisciplinar, afetos, valorizando o lado construtivo do
1 olhar de cada vez.1 coração de cada vez.1 atividades que contribuam para o bem- humor, aprendendo a lidar com os elogios
sorriso de cada vez. estar das crianças no contexto global de e as críticas.
O Dia do Nariz Vermelho (DNV) surge como promoção da saúde mental e prevenção da No próximo dia 1 de junho vamos dar as
uma iniciativa de sensibilização junto da violência. mãos e o coração e utilizar a alegria como
população para a importância da solidarie- De que forma? Em contacto com a arte estratégia para a promoção da saúde ao
dade social. É um dia diferente nas escolas, do palhaço, as crianças são estimuladas a encontro do Referencial de Educação para
a Saúde, ajudando simultaneamente as cri-
anças hospitalizadas!
Convidamos os educadores a explorarem as
nossas propostas no site www.diadonariz-
vermelho.pt, onde também podem encon-
trar mais informações sobre como participar
e inscrever a vossa escola.

Um abraço de palhaço,
A Operação Nariz Vermelho

46 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: NAS BANCAS: INFÂNCIA
José Jorge Letria; Ilustração: Danuta Wojciechowska O Menino Eterno Dom Quixote, março de 2019
Elizabete Neves; Ilustração: Natalina Cóias O Novelo de Emoções Porto Editora, março de 2019 
Ana Lázaro; Ilustração: Sebastião Peixoto Os Pescadores de Nuvens Porto Editora, março de 2019

Esta é uma história inventada, mas podia não


ser, já que as personagens que a povoam e
as situações que elas protagonizam são tão
eternas como o próprio homem, que nunca O Novelo de Emoções desenrola-se em torno Prémio Literário Maria Rosa Colaço - Litera-
renuncia ao sonho da infância e ao desejo de uma menina que não sabe o que se passa tura Infantil 2017
de ser imortal. com ela, pois sente algo que não consegue Todas as manhãs de domingo, o Rodolfo
explicar. Eis que surge o seu amigo Sukha, e Neto e o Rodolfo Avô subiam de mãos dadas
O Menino Eterno é uma história para todas através de um novelo de lã imaginário, cons- a estrada da montanha, para lançarem pa-
as idades e de todas as idades, que faz a tituído por cinco fios de cores diferentes, pagaios de papel. Mas o voo dos papagaios
ponte entre gerações e imaginários diferen- todos misturados, correspondendo cada um escondia um segredo no fio que os ligava ao
tes. É, afinal, uma forma de celebrar a infân- a uma emoção primária, vai demonstrar que céu. É que, na verdade, o avô e o neto iam
cia e a magia que ela tem, desde sempre e o que ela sente são emoções. Com exemplos à pesca de nuvens! Nuvens de diferentes
para sempre. do seu dia a dia, Sukha ensina Marta a reco- formas, cheiros e histórias que guardavam
nhecer as emoções, que não são boas nem em frasquinhos na casa mágica do avô onde
más, mas que nos transmitem sempre uma havia uma incrível biblioteca de nuvens.
mensagem. Cabe a cada um de nós descobrir
qual é! Mas chega um dia em que o Rodolfo Neto
tem de levantar sozinho o papagaio e, na
ausência do avô, percebe que, mesmo en-
tre nuvens pesadas de tempestade, o fio do
papagaio guarda as linhas sábias da mão do
avô.

47 Cadernos de Educação de Infância n.º 116 Jan/Abril 2019


: NAS BANCAS: EDUCAÇÃO
Miguel Maria Brito e Isabel de Maria Mourão A Minha Horta é Biológica Arte Plural Edições – Fevereiro de 2019
Pedro Strecht Pais Sem Pressa. O tempo na relação entre pais e filhos Contraponto Editores, outubro de 2018
Estela Rodrigues Experimentos Poéticos na Educação da Infância  Edições Afrontamento, março de 2019

Em média, uma mãe ou um pai passam 37


Vamos fazer o jantar? minutos por dia com o seu filho. Uma criança O livro de Estela Rodrigues parece situar-
Basta ir à horta buscar os ingredientes! até aos 10 anos passa diariamente 8 horas -se no âmbito de uma prática de leitura ex-
Todos podemos ter acesso a comida sau- na escola. Um recluso passa mais tempo ao pansiva ou centrífuga […] isto é, de leitura
dável, saborosa ecológica, com uma horta ar livre do que uma criança em idade escolar. através da escrita. E ainda bem que assim é!
biológica – um projeto educativo, familiar e Uma criança ou adolescente passa mais de 2 Também eu entendo que se aprende a ler re-
divertido. horas e meia por dia diante de um ecrã. Num -escrevendo o texto que temos perante nós.
Pais, educadores e crianças podem aprender tempo em que as relações são substituídas Nesse sentido, a prática pedagógica da au-
juntos a criar uma horta biológica – seja em pelas conexões, em que tudo se tornou pú- tora é radical: em relação ao conceito de
casa, numa varanda ou num quintal. Nestas blico e potencialmente "viral", desde a bar- leitura que operacionaliza, mas também no
pági­nas, encontrarão tudo o que precisam de riga da mãe durante a gravidez ao primeiro que se refere à própria reescrita que execu-
saber para conhecer as plantas, o solo e a choro do bebé quando nasce, não espanta ta. E não poderia ser de outro modo, pelo
biodiversidade, fazer a compostagem; pla- que certos jovens sonhem ser youtubers pro- menos por duas razões.
near e implementar uma horta, cuidar, colher fissionais, para serem conhecidos em todo o Primeiro, porque o objecto que escolheu é a
e até preparar os alimentos! Encontrarão mundo e ficarem ricos sem fazer quase nada. poesia experimental: aberta, mutável, inde-
ainda 43 fichas de plantas hortícolas, ervas A espiral não para e induz a presença da mes- terminada; e, segundo, porque convoca para
aromáticas e flores comestíveis, com todos ma queixa comum entre pais e filhos: não há o seu projecto um grupo muito particular de
os informações necessárias para cresce­rem tempo! Neste livro, o prestigiado pedopsi- leitores: vinte e cinco crianças da educação
viçosos e deliciosas. quiatra Pedro Strecht defende que é urgente pré-escolar.
Com um pouco de tempo e vontade de "sujar evitar que o tempo tecnológico nos controle
os mãos", é fácil ter a nossa própria horta a nós e aos nossos filhos e se nos imponha
biológica – com alimentos apetitosos, fres- de modo ditatorial.
quinhos e amigos do ambiente. Pais Sem Pressa é um convite ao que parece
ser a necessidade de um novo paradigma de
vida psicossocial: a presença da pausa.
nosnalinha
6 E 7 JULHO 2IL0A1FL9OR GUIMARÃES
TURAL V
CE NTRO CUL ESCOLA SECUNDÁRIA

XVI
NDA
FRANCISCO DE HOLA

ENCONTRO NACIONAL

A EDUCAÇÃO ARTÍS
TICA
FÂNCIA
NA EDUCAÇÃO DE IN
6 julho 17:30 Inauguração da exposição “A Beleza das Coisas” -
Centro Internacional das Artes José de Guimarães
08:30 Abertura do secretariado (apresentação de Nuno Faria, Diretor Artístico do
09:15 Sessão de abertura CIAJG)* a confirmar

09:30 A designar 18:30 Programa Cultural (por inscrição)


Reggio Emilia (confirmado - conferencista a indicar) 20:30 Jantar do XVI Encontro Nacional (por inscrição)
10:30 Curadoria para a Infância - da Infância para Todos:
o Museu da Beleza das Coisas 7 julho
Elisa Marques - AE Almeida Garrett, Amadora -
responsável pela “Curadoria para a Infância” 09:15 “Somar intensidade com intensidade”: a educação
artística e o convívio com a obra de arte
11:00 Coffee-break Denise Pollini - Coordenadora do Serviço Educativo
do Museu de Serralves, Porto
11:30 As minhas experiências com o Gamelão em contextos 10:15 Ante Pé: novos mundos no pré-escolar
escolares Adelina Paula Pinto - Vereadora da Educação da
Elizabeth Davis - Timpanista na Orquestra Nacional Câmara Municipal de Guimarães
Portuguesa do Teatro Nacional de S. Carlos
12:15 Brincadeiras sérias com arte - Um momento para 11:00 Coffee-break
reflectir e propor ideias sobre práticas artísticas
com crianças muito pequenas 11:30 A (desen)cantar é que a gente se entende
Madalena Victorino - coreógrafa, professora e Manuel Rocha - Diretor do Conservatório de Música de
programadora cultural Loulé
12:30 Momento Cultural
13:15 Almoço livre 12:50 Sessão de Encerramento

15:15 Workshops (Escola Secundária Francisco de Holanda) 13:15 Almoço Livre

15:30 Visita guiada pelo Centro Histórico (atividade livre)

INSCRIÇÕES: WWW.APEI.PT

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