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MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL


QUARTA PROCURADORIA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE CONTAS


DO DISTRITO FEDERAL

URGENTE

Representação nº 2/2022-G4P/ML•

O Ministério Público de Contas, no exercício de seu mister, com fulcro no art. 85


da Lei Orgânica do Distrito Federal – LODF, nos arts. 1º, XIV, e 76 da Lei Complementar nº
1/1994 e nos arts. 54, I, e 230, § 1º, IV, do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Distrito
Federal1, vem oferecer a seguinte

REPRESENTAÇÃO,
COM PEDIDO CAUTELAR

para que o Plenário determine a apuração dos fatos a seguir descritos.


ML4
1
Resolução nº 296, de 15 de setembro de 2016.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL


QUARTA PROCURADORIA

I – DOS FATOS

O Ministério Público de Contas tomou conhecimento acerca da provável não


disponibilização, por parte da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal – SEE/DF,
de educadores sociais voluntários para auxiliar alunos com necessidades especiais, com
deficiência ou com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados no ensino médio,
nos Centros de Línguas e em Escolas Técnicas do Distrito Federal 2.

Ademais, segundo apontado, mesmo com a disponibilização dos Educadores


Sociais Voluntários limitada à educação em tempo integral, na educação infantil e no ensino
fundamental, a matéria sustenta a possível insuficiência de monitores para as aludidas etapas
educacionais.

De fato, a Portaria nº 63, de 27/1/20223, que estabelece o Programa Educador


Social Voluntário (ESV), no âmbito da SEE/DF, para o ano letivo de 2022, estipula as seguintes
finalidades da ação governamental:

“Art. 4º O Programa Educador Social Voluntário terá por finalidades:


I - auxiliar as atividades de Educação em Tempo Integral na Educação Infantil e no
Ensino Fundamental nas Unidades Escolares da Rede Pública de Ensino do Distrito
Federal;
II - auxiliar os estudantes com necessidades educacionais especiais e/ou deficiência e
Transtorno do Espectro Autista (TEA) no exercício das atividades diárias no que tange à
alimentação, locomoção e higienização nas Unidades Escolares da Rede Pública de
Ensino do Distrito Federal.” (Grifos acrescidos).

Quanto à compreensão do dispositivo, impende assinalar que, de acordo com


informações disponibilizadas pela SEE/DF, os selecionados no Programa ESV 2022 “vão
contribuir com a educação especial e com as escolas de educação em tempo integral que
atendem a educação infantil e o ensino fundamental.4”

Na esteira do intento externado pela Pasta, o art. 6º da Portaria nº 63/2022, ao


tratar das atribuições do ESV, faz referência tão somente à educação em tempo integral, na
educação infantil e no ensino fundamental. A dicção do dispositivo reforça a percepção lançada
no sentido de que o importante apoio dos educadores voluntários não será ofertado aos
estudantes da etapa final da educação básica, mesmo que os alunos comprovadamente
demandem a atenção a ser dispensada para locomoção, higienização e alimentação no âmbito
escolar.

A propósito, no que concerne às tarefas desempenhadas pelos ESVs selecionados

2
https://www.metropoles.com/distrito-federal/falta-de-monitores-ameaca-aprendizado-de-alunos-com-deficiencia-
no-df
3
https://agenciabrasilia.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2022/01/28.1.-Educador-Social-Volunt%C3%A1rio-
portaria_63_esv_dodf_20_28jan2022.pdf
4
https://www.educacao.df.gov.br/abertas-as-inscricoes-para-educador-social-voluntario/

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para auxiliar estudantes com necessidades educacionais especiais e/ou deficiência ou TEA,
oportuno trazer à baila o art. 7º da Portaria nº 63/2022, in verbis:

“Art. 7º O ESV selecionado, pela sua formação, para auxiliar os estudantes com
necessidades educacionais especiais e/ou deficiência e Transtorno do Espectro Autista
(TEA) desempenha suas atribuições, sob a orientação da Equipe Gestora e Pedagógica
da Unidade Escolar, em articulação com o professor do Atendimento Educacional
Especializado/Sala de Recurso (quando houver), quais sejam:
I - auxiliar os estudantes com necessidades educacionais especiais e/ou deficiência e
Transtorno Espectro Autista (TEA) nas atividades diárias, autônomas e sociais que
seguem:
a) refeições;
b) uso do banheiro, escovação dentária, banho e troca de fraldas;
c) locomoção nas atividades realizadas na Unidade Escolar e atividade extraclasse;
d) para se vestirem e se calçarem;
e) atividades recreativas no parque e no pátio escolar.
II - realizar, sob a presença e a supervisão do professor, o controle da sialorreia (baba) e
de postura dos estudantes, bem como ajudá-los a se sentarem/levantarem em/de cadeira
de rodas, carteira escolar, colchonete, vaso sanitário e brinquedos no parque;
III - acompanhar e auxiliar os estudantes cadeirantes, que fazem uso de órtese e/ou
prótese, tanto nos espaços escolares a que eles necessitem ir, como em outros fora do
ambiente escolar;
IV - auxiliar os estudantes que apresentam dificuldades na organização dos materiais
escolares;
V - informar ao professor regente as observações relevantes relacionadas aos estudantes,
para fins de registros e/ou encaminhamentos necessários;
VI - acompanhar e auxiliar os estudantes durante as atividades em sala de aula e
extraclasse que necessitem de habilidades relativas à atenção, à participação e à
interação;
VII - auxiliar o professor no apoio aos estudantes que apresentam episódios de alterações
no comportamento, quando necessário, conforme orientação da Equipe Gestora;
VIII - favorecer a comunicação e a interação social dos estudantes com seus pares e
demais membros da comunidade escolar.” (Grifos acrescidos).

A par do rol de incumbências definido na norma, resta claro que o educador social
desempenha tarefa relevante no processo de desenvolvimento e aprendizado dos alunos,
sendo ator essencial para a garantia da dignidade e incolumidade física e mental dos alunos que
demandam cuidados especiais. Logo, na ausência de quantitativo suficiente de servidores
públicos da carreira de assistência à educação para suporte operacional às atividades de
cuidado, higiene e estímulo de crianças no âmbito de competência da SEE/DF, tarefa que poderia
ser desempenhada pelos monitores de gestão educacional, na forma do art. 3º, III, da Lei nº
5.106/2013, a atividade dos educadores sociais voluntários ganha ainda mais relevo.

Sob essa ótica, tem-se que o auxílio dos agentes honoríficos em questão deveria
ser ofertado para todo e qualquer aluno que demonstre dele necessitar, tendo em conta a
dignidade da pessoa humana, a necessidade de atendimento educacional especializado aos
estudantes com deficiência, a continuidade do serviço público, a isonomia e a proteção da

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confiança legítima.

Ocorre que a interpretação sistemática dos dispositivos da Portaria nº 63/2022 e a


nota disponibilizada na página da SEE/DF denotam que as atribuições previstas no seu art. 7º serão
desempenhadas apenas nas unidades da educação em tempo integral que prestem serviços de
educação infantil e de ensino fundamental.

Vale lembrar que, em conformidade com o art. 29 da Lei nº 9.394/1996, que


estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a “educação infantil, primeira etapa da
educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco)
anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família
e da comunidade.” Já o ensino fundamental, com duração de 9 anos, inicia-se aos 6 (seis) anos
de idade, tendo por objetivo a formação básica do cidadão, nos termos do art. 32 da LDB.

Dessarte, não parece desarrazoado concluir que o Poder Público distrital poderá
negligenciar necessidades básicas de alunos com necessidades educacionais especiais e/ou
deficiência ou TEA matriculados no ensino médio, porquanto apenas 23 escolas da etapa final
da educação básica (art. 35 da LDB5) disponibilizam ensino em tempo integral, conforme
informações disponibilizadas pela SEE/DF6. Na forma apontada, o provável atendimento
inadequado também pode prejudicar o escorreito funcionamento dos Centros de Línguas e
das Escolas Técnicas do Distrito Federal. Assim, em face da disponibilização de serviço
essencial apenas na educação infantil e no ensino fundamental, não se descarta ofensa ao
princípio da isonomia, ante o tratamento díspar conferido para estudantes com necessidades
assemelhadas.

Afora a ausência de previsão de atuação de voluntários em escolas de ensino


médio e centros de línguas, destaca-se a distribuição dos educadores sociais, no total de 2.667,
estabelecida no art. 10 da Portaria nº 63/2022. Trata-se de quantitativo significativamente
inferior ao definido na Portaria nº 326/2021, atinente ao Programa Educador Social Voluntário
para o ano letivo de 2021, que estipulava 4.482 vagas. Assim, mister se faz a verificação da
adequação do quantitativo de agentes que atuam no apoio às atividades de cuidado e higiene
dos alunos no âmbito de competência da SEE/DF, sejam eles monitores de gestão educacional
ou educadores sociais voluntários, sob pela de grave comprometimento do serviço
educacional prestado pela SEE/DF, por insuficiência de recursos humanos.

Em tempo, não é despiciendo asseverar que a redação do normativo de 2022, no


que alude às etapas da educação de atuação dos ESV, destoa do regramento válido para o exercício
de 2021. Nesse ponto, transcrevem-se as finalidades do programa definidas no art. 4º da Portaria
nº 326/2021, in verbis:

“Art. 4º O Programa Educador Social Voluntário terá por finalidades:

5
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
6
https://www.educacao.df.gov.br/educacao-integral-2/

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I - auxiliar as atividades de Educação em Tempo Integral nas Unidades Escolares da


Rede Pública de Ensino do Distrito Federal;
II - auxiliar as turmas nas quais há estudantes com necessidades educacionais especiais
e/ou deficiência e Transtorno do Espectro Autista (TEA), auxiliando-os no exercício das
atividades diárias no que tange à alimentação, locomoção e higienização nas Unidades
Escolares da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal;
III - auxiliar no atendimento aos estudantes da Educação Infantil (creches e pré-escolas)
nas Unidades Escolares da Rede Pública do Distrito Federal;
IV - auxiliar as turmas da Escola Meninos e Meninas do Parque - EMMP;
V - auxiliar as turmas na Escola do Parque da Cidade - PROEM;
VI - auxiliar os estudantes indígenas matriculados nas Unidades Escolares da Rede
Pública do Distrito Federal.”

Em relação às atribuições dos educadores selecionados em 2021 para consecução


das finalidades definidas nos incisos II e VI transcritos anteriormente, apresenta-se o disposto nos
arts. 7º e 10 da Portaria nº 326/2021:

“Art. 7º O ESV selecionado para auxiliar as turmas no atendimento aos estudantes com
necessidades educacionais especiais e/ou deficiência e Transtorno do Espectro Autista
(TEA) desempenha suas atribuições, sob a orientação da Equipe Gestora e Pedagógica
da Unidade Escolar, em articulação com o professor do Atendimento Educacional
Especializado/Sala de Recurso (quando houver), quais sejam:
I - auxiliar os estudantes com necessidades educacionais especiais e/ou deficiência e
Transtorno Espectro Autista (TEA) nas atividades diárias, autônomas e sociais que
seguem:
a - refeições;
b - uso do banheiro, escovação dentária, banho e troca de fraldas;
c - locomoção nas atividades realizadas na Unidade Escolar e atividade extraclasse;
d - para se vestirem e se calçarem;
e - atividades recreativas no parque e no pátio escolar;
f - atividades relacionadas às aulas de Educação Física dentro e fora da Unidade Escolar.
II - realizar, sob a presença e a supervisão do professor, o controle da sialorreia (baba) e
de postura dos estudantes, como ajudá-los a se sentarem/levantarem em/de cadeira de
rodas, carteira escolar, colchonete, vaso sanitário e brinquedos no parque;
III - acompanhar e auxiliar os estudantes cadeirantes, que fazem uso de órtese e/ou
prótese, em todos os espaços escolares a que eles necessitem ir, como em outros, fora do
ambiente escolar;
IV - auxiliar os estudantes que apresentam dificuldades na organização dos materiais
escolares;
V - informar ao professor regente as observações relevantes relacionadas aos estudantes,
para fins de registro e/ou encaminhamentos necessários;
VI - acompanhar e auxiliar os estudantes durante as atividades em sala de aula e
extraclasse que necessitem de habilidades relativas à atenção, à participação e à
interação;
VII - auxiliar o professor no apoio aos estudantes que apresentam episódios de alterações
no comportamento, quando necessário, conforme orientação da Equipe Gestora;
VIII - favorecer a comunicação e a interação social dos estudantes com seus pares e
demais membros da comunidade escolar.

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QUARTA PROCURADORIA

(...)
Art. 10. O ESV selecionado para auxiliar os estudantes indígenas desempenha, sob a
orientação e supervisão da Equipe Gestora e Pedagógica da Unidade Escolar o
acolhimento, o acompanhamento das atividades pedagógicas, de aprendizagem, cultura,
saúde, diversidade e outras que se fizerem necessárias, como:
I - auxiliar o acolhimento e a inclusão dos estudantes indígenas no espaço escolar,
apresentando-lhes a rotina e a comunidade escolar;
II - auxiliar os estudantes indígenas na rotina escolar diária;
III - auxiliar na execução de projetos e/ou oficinas, a partir das vivências e experiências
dos estudantes indígenas, conforme Projeto Político Pedagógico da Unidade Escolar e
com vistas à valorização da diversidade étnica e da cultura desses estudantes.
Parágrafo único. As Unidades Escolares com estudantes indígenas, de acordo com o
Censo Escolar/I-Educar ou com as especificidades de cada UE, deve priorizar a
convocação de ESV autodeclarados indígenas para que, por meio da representatividade,
promova-se a valorização da cultura indígena e a inclusão de modo contextualizado.”
(Grifos acrescidos).

Como visto, o regramento anterior, no que alude aos estudantes com necessidades
educacionais especiais e/ou deficiência e TEA, franqueava a possibilidade de auxílio por parte dos
educadores sociais voluntários, independentemente do estabelecimento de ensino frequentado
pelo discente. Tais préstimos também eram oferecidos no tocante aos estudantes indígenas.

No sentir do MPC/DF, tendo em conta o início do ano letivo de 2022 na presente


data, 14/2/2021, em consonância com o calendário aprovado pela Portaria nº 667/20217, a situação
posta pela Portaria nº 63/2022, mormente ante a limitação de escopo de atuação dos ESV, aponta
para verdadeiro retrocesso no cumprimento do dever material do Estado de prover educação
de qualidade para os estudantes com necessidades educacionais especiais e/ou deficiência e
TEA, assim como para os educandos indígenas.

Sublinhe-se que, em consulta ao DODF nº 031, de 14/2/2022, data do retorno das


aulas na rede pública de ensino local, este Órgão Ministerial não logrou identificar medida
voltada para solução da situação narrada nesta Peça.

Com efeito, na visão do Parquet, o panorama apresentado demanda providências


dessa Corte, tanto como forma de salvaguardar o direito à educação e o adequado
funcionamento do sistema de ensino local, como para garantir a integridade dos alunos. Não
se pode olvidar que o Estado deve zelar pela guarda, vigilância e proteção dos estudantes no
período em que estiverem nas unidades da rede pública de ensino local, respondendo
objetivamente por eventuais lesões sofridas pelos educandos, inclusive daquelas decorrentes de
omissão8.

7
https://www.educacao.df.gov.br/calendario-escolar-2022/
8
STJ, Aglnt no AREsp nº 891.249/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Dje de 27/10/2017.

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II – DOS FUNDAMENTOS TÉCNICO-JURÍDICOS

O Distrito Federal, por meio da Lei nº 3.506/2004, viabilizou a atuação de


voluntários junto ao Serviço Público local. A aludida lei foi regulamentada pelo Decreto distrital
nº 37.010/2015, do qual sublinho o art. 9º, § 1º, que permite o ressarcimento das despesas com
transporte e alimentação suportadas pelo voluntário para desenvolvimento da atividade honorífica
nos órgãos e entidades do Poder Público distrital.

Com fundamento nas normas indicadas, a SEE/DF instituiu programa destinado


à seleção de educadores sociais voluntários para oferecimento de suporte educacional no
âmbito das suas unidades públicas de ensino. Nesse particular, exemplificativamente, destacam-
se os processos seletivos regulados pelas Portarias nºs 22/2018, 7/2019, 50/2020, 326/2021 e
63/2022.

A Portaria nº 22/2018 instituiu o Programa Educador Social Voluntário no âmbito


da SEE/DF entre 26/2/2018 e 21/12/2018. Por sua vez, as Portarias nºs 7/2019 e 50/2020
propiciaram a atuação de voluntários nas atividades da SEE/DF nos períodos de 11/2/2019 até
19/12/2019 e de 14/2/2020 até 16/12/2020, respectivamente. A Portaria nº 326/2021 estabeleceu
o programa em comento para o exercício de 2021. Já a Portaria nº 63/2022, objeto da presente
Representação, é válida para o ano letivo de 2022.

Ao compulsar as normas em comento, observa-se que a limitação de atuação em


razão da etapa educacional do aluno exsurgiu apenas no presente exercício, modificando a
sistemática aplicada em anos anteriores. Como é possível depreender do regramento aplicável à
matéria, o Distrito Federal garantia desde 2018, ao menos no aspecto normativo, suporte para
estudantes com deficiência e/ou TEA, assim como para os indígenas, em toda a educação
básica.

Ocorre que, às vésperas do retorno das aulas presenciais na rede pública de ensino
do Distrito Federal, previsto para hoje, dia 14/2/2022, frustrando expectativa legítima de
educandos matriculados no ensino médio (inclusive escolas técnicas) e/ou nos centros de
línguas, a SEE/DF, mediante a edição da Portaria nº 63/2022, ao que tudo indica, limitou a
atuação dos educadores sociais voluntários ao ensino em tempo integral, na educação infantil
(creche e pré-escola) e no ensino fundamental.

Assim sendo, o panorama narrado aponta para fortes indícios de descumprimento


de princípios basilares que regem a oferta de ensino pelo Estado, bem como de postulados
atinentes à proteção e integração social das pessoas com deficiência. Esse contexto evoca a
atuação do TCDF, a quem compete o exercício do controle externo do Poder Executivo,
verificando a adequada prestação do serviço público disponibilizado pelo Distrito Federal.

Os fatos indicados denotam possível atuação negligente da Administração do


Distrito Federal no que concerne à efetivação do direito à educação, o qual compõe o rol de

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direitos sociais encartados no art. 6º da CF/19889. In casu, a omissão do Poder Público local, ao
suprimir assistência indispensável a educandos com necessidades especiais e/ou deficiência e
TEA, assim como para os indígenas, além de impossibilitar a oferta de ensino de qualidade,
em razão da plausível sobrecarga de trabalho para os profissionais de educação, coloca em
risco a incolumidade dos alunos.

A potencial retirada de suporte para os discentes que requeiram apoio para


realização de atividades básicas, a exemplo da locomoção nos recintos educacionais, higiene e
alimentação, não se coaduna com os dispositivos concernentes à proteção e integração da
pessoa com deficiência, previstos nos arts. 23, II, e 208, III, da Constituição Federal, bem como
ao acesso à educação de qualidade, conforme os arts. 205 e 227 da Lei Maior, in verbis:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
(...)
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras
de deficiência;
(...)
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à
pesquisa e à inovação;
(...)
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(...)
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...)
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
(...)
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Ademais, desamparar estudantes que demandam zelo e cuidado excepcionais para


o melhor desenvolvimento físico e social, no sentir deste Órgão Ministerial, além de afrontar o
direito social de acesso pleno à educação, revela postura incongruente com o princípio da
dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF/1988.

Vale dizer que a Carta de 1988, ao distribuir competências entre os entes


federativos, no seu art. 23, II e V, estabelece como obrigação material da União, dos Estados,
9
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.”

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do Distrito Federal e dos Municípios propiciar os meios de acesso à cultura, à educação, à


ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação, bem como cuidar da saúde e assistência pública, da
proteção e garantia das pessoas com deficiência.

A par do contexto fático apresentado, cediço que o aparente descaso para com
alunos com necessidades especiais, deficiência, TEA e indígenas matriculados no ensino médio
da rede pública de ensino local deflagra inobservância da obrigação positiva do Poder Público
local prevista nos aludidos dispositivos constitucionais e violação ao princípio da legalidade.

Conforme verificado na Portaria nº 63/2022, não há garantia de continuidade na


prestação de atividades realizadas pelos Educadores Sociais Voluntários para suporte aos
alunos do ensino médio. Tampouco existe certeza de realização dos serviços na educação infantil
e no ensino fundamental em quantitativo adequado, seja de ESV ou de servidores públicos.

É importante trazer à baila que a CF/1988, em seu art. 227, estabelece como dever
do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
educação e à dignidade, “além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência”. Sobreleva-
se, portanto, o princípio da prioridade absoluta.

No âmbito local, o art. 3º, VI, da LODF definiu como objetivo prioritário do
Distrito Federal o atendimento das demandas da sociedade, entre outras, na área de educação.
No mesmo sentido é a dicção do art. 224 da LODF, in verbis:

“Art. 224. O Poder Público deve assegurar atendimento ao educando, em todas as etapas
da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar,
transporte, alimentação e assistência à saúde.” (Grifos acrescidos).

A determinação é repetida no art. 4º, VIII, da Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) e no art. 54, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei nº 8.069/1990).

Ademais, a LDB preconiza quais os princípios que norteiam o ensino a ser


ministrado por estabelecimentos públicos e privados, entre eles a garantia de padrão de
qualidade (art. 3º, IX, da Lei nº 9.394/1996).

Por sua vez, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), em seu art.
28, institui, entre outras obrigações voltadas à efetivação do direito à educação da pessoa com
deficiência, que incumbe ao Poder Público assegurar, acompanhar e avaliar: o aprimoramento dos
sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e
aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem
as barreiras e promovam a inclusão plena; a adoção de medidas individualizadas e coletivas
em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com
deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em
instituições de ensino; e a oferta de profissionais de apoio escolar.

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Tendo esse contexto normativo como norteador, vê-se que o Distrito Federal, ao
executar os termos da Portaria nº 63/2022, não observará de maneira adequada o dever
constitucional de fornecer educação e todos os outros meios correlatos de atendimento ao
estudante, configurando afronta aos princípios da legalidade, moralidade, eficiência, e
interesse público, que regem a atuação da Administração Pública do Distrito Federal (art. 19 da
LODF). Na visão Ministerial, de igual modo, a postura da SEE/DF não se mostra consentânea
com os postulados da continuidade dos serviços públicos, da isonomia e da proteção da
confiança.

Cabe salientar que o Poder Público é o guardião da ordem jurídica e do interesse


público e, neste mister, é o responsável por buscar ao máximo satisfazer, por meio da prestação
direta ou indireta de serviços públicos, os anseios da sociedade dentro das possibilidades de
atuação previstas no ordenamento jurídico, em clara obediência aos princípios da eficiência e da
legalidade estrita expressamente dispostos no caput do artigo 37 da Carta Magna, in litteris:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)” (Grifos
acrescidos).

Não há laivo de dúvida de que a situação evidenciada não se coaduna com os


postulados que estabelecem a obrigação do estado de promover ensino de qualidade, bem como
com os princípios da legalidade, moralidade e eficiência, encartados no art. 37 da Constituição
de 1988, inclusive ante o aparente retrocesso identificado.

Por essas razões, parece claro que há não apenas afronta aos arts. 1º, III, 6º, 23, II e
V, 37, 205, 208, III, e 227 da Constituição Federal, aos arts. 3º, VI, 19 e 224 da LODF, ao art. 4º,
VIII, da Lei nº 9.394/1996 e ao art. 28 da Lei nº 13.146/2015, mas sim a patente incompatibilidade
dos fatos acima verificados com os princípios da legalidade, eficiência, isonomia, dignidade da
pessoa humana, proteção e integração social das pessoas com deficiência, interesse público,
moralidade, continuidade do serviço público e confiança, demandando, portanto, a atuação desta
Corte de Contas.

III – DA MEDIDA CAUTELAR

Como cediço, a medida cautelar tem por objetivo conservar e assegurar os


elementos do processo, de modo a eliminar a ameaça de perigo ou o prejuízo iminente e
irreparável ao interesse tutelado, no caso, o interesse público. Na espécie, a medida de urgência
pretendida pelo Ministério Público consiste em garantir o atendimento por educadores sociais
voluntários, ou por servidores públicos competentes, para todos os alunos que demonstrem
demandar auxílio dos aludidos agentes, inclusive no ensino médio, nos Centros de Línguas e
escolas técnicas.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL


QUARTA PROCURADORIA

Para a concessão desta medida no âmbito do TCDF, com a finalidade de proteger


os princípios e postulados norteadores da atividade administrativa, mister se faz o cumprimento
simultâneo dos requisitos autorizadores da adoção de drástica medida, quais sejam: o periculum
in mora e o fumus boni iuris.

A fumaça do bom direito, narrada objetivamente nesta peça, consiste na


transgressão dos princípios da legalidade, eficiência, isonomia, dignidade da pessoa humana,
proteção e integração social das pessoas com deficiência, interesse público, moralidade,
continuidade do serviço público e confiança, com a presença de robustos indícios de
inobservância de dispositivos constitucionais e legais atinentes à efetivação do direito à educação
da pessoa com deficiência, como é o caso do art. 208 da CF/1988, do art. 4º, VIII, da Lei nº
9.394/1996 e do art. 28 da Lei nº 13.146/2015.

No que tange ao perigo da demora, também entende o Ministério Público que ele se
encontra presente, considerando o início do ano letivo de 2022 na data de hoje, 14/2/2022. Assim,
não há garantia de auxílio no que tange à alimentação, locomoção e higienização de todos os
estudantes da Unidades Escolares da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal.

Por essas razões, requer o Parquet que o Plenário, inaudita altera pars, adote
medida de urgência, a fim de que a SEE/DF, até ulterior deliberação plenária, garanta o auxílio
previsto no art. 7º da Portaria nº 63/2022, a ser executado por educador social voluntário, ou
servidor público competente, para todos os alunos que comprovadamente demandem as
atividades prestadas pelos aludidos agentes, inclusive no ensino médio (compreendendo as
escolas técnicas) e nos Centros de Línguas.

IV – DO PEDIDO

Ante todo o exposto e considerando que esta Corte de Contas é competente para
apreciar a questão em comento, uma vez que a ela compete apurar denúncias sobre irregularidade
e ilegalidade de atos praticados pela Administração Pública, bem como zelar pela correta aplicação
da Lei e dos recursos públicos, o Ministério Público de Contas requer ao Plenário que:

I – conheça da presente Representação;

II – adote medida cautelar, inaudita altera pars, para que a SEE/DF, até ulterior
deliberação plenária, garanta o auxílio previsto no art. 7º da Portaria nº 63/2022,
a ser executado por educador social voluntário, ou servidor público
competente, para todos os alunos que comprovadamente demandem as
atividades prestadas pelos aludidos agentes, inclusive no ensino médio
(compreendendo as escolas técnicas) e nos Centros de Línguas.;

III – com fulcro no art. 230, § 7º, do RI/TCDF, conceda prazo à SEE/DF para,
querendo, apresentar os esclarecimentos que entender pertinentes quanto aos fatos

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL


QUARTA PROCURADORIA

narrados;
IV – encaminhe os autos ao Corpo Técnico para instrução, a fim de apurar as
irregularidades destacadas nesta Peça.

Brasília, 14 de fevereiro de 2022.

Marcos Felipe Pinheiro Lima


Procurador-Geral

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