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Uma introduçãao: falar de drogas e conhecimento

em uma época de estado alterado das consciências.

Regina Medeiros
Edward MacRae
Rubens Adorno

A Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (– ABRAMD),-


fundada na insígnia da ciência e diversidade, tem contribuído para a discussão sobre o campo
das drogas e sociedade, debate de grande relevância em nosso tempo social. Os eventos
acadêmicos e a participação em eventos e ações na sociedade civil têem desempenhado um
papel de ampliar a discussão sobre esses temas dentro de uma perspectiva multidisciplinar,
entendendo o campo da ciência como um campo crítico quando exposto ao debate e ao
desafio da complexidade, diversidade, contexto e historicidade do conhecimento.
Este livro expressa essa perspectiva e foi um dos produtos do VI Congresso
Internacional da ABRAMD, que com a o insígnia tema “Drogas e autonomia: cCiência,
dDiversidade, política e cuidados”, realizou-se ado em Belo Horizonte entre 7 e 10 de
dezembro de 2017. Aliás, oO evento só foi possível através dagraças às parcerias com o
Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC Minas), a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), a
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e o Coletivo Terceira Margem, e além docom o
apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPnpq); da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de
Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec);.
EO sseVI cCongresso como mais um evento da ABRAMD deu continuidade a um
fórum coletivo de debates e reflexões sobre o tema, em abrangência nacional e internacional,
ao agregar pesquisadores, técnicos de saúde e de outros campos de conhecimento, de
intervenção e, de boas práticas profissionais;, estudantes de diferentes instituições e
representantes da sociedade civil. A proposta do evento foi a de propiciar uma análise crítica
sobre a complexidade do fenômeno das drogas na sociedade contemporânea e apontar para
ideias, utopias, crenças e ações que contribuam para um debate público; que se orientem pelo
reconhecimento dos direitos, diferenças, particularidades de sujeitos, grupos sociais, respeito
étnico e autonomia de expressão e pensamento; e que possam se constituir em políticas
públicas, legislação e formas de cuidado na perspectiva de um mundo menos desigual. Aliás,
tToda a organização do congresso teve a preocupação de orientar-se pelo seu eixo temático,
assim como e são partes dessas questões colocadas em exposição e debate que transitam pelos
capítulos que compõem destse livro.
Importante registrar aqui também que o contexto desse evento e do processo de
elaboração destse livro. Desde o V Congresso da ABRAMD realizado em Brasília e a
organização desse livro destacam-se pelo o desenrolar de um processo sócio-político e
econômico eme um momento de grande tensão no cenário nacional, marcado por ações
midiáticas e políticas, que as quais culminaram no início do processo de impeachment da
pPresidente Dilma Rousseff em dois2 de dezembro de 2015. Assim, dDesde essa data até o
encerramento e aprovação do processo em 31 de agosto de 2016, com a aprovação do
impeachment e a posse de Michel Temer, o Brasil passou a viver um intenso clima de tensão,
desacordo, insegurança e mobilizações sociais que expressavam posições políticas
antagônicas.
Dessa forma, aA posse do presidente Temer e sua governança, isenta de limites éticos
e de qualquer tipo de autocrítica, abriu um período de profundo retrocesso ético, político,
econômico e social, provocando por um lado um sentimento difuso de desencanto, ameaça,
temor, assombro, desesperança e desâanimo coletivo. Como também, se , dDesencadeou-se
também juntamente com a participação hegemônica da mídia e do um movimento dentro das
redes sociais com manifestações de rua, o quale isento de qualquer sentido ético e reflexivo,
propagou a defesa de ideais autoritários que no seu limite passou a defender ações de
violência e extermínio social, estimulando todo o tipo de projeto discriminatório e de
destituição de direitos. Assim, oO contexto político após o impeachment foi marcado pelda
defesa de valores tradicionais e de implementação de medidas políticas dispostas a defesa
explícita do privilégio e do interesse das elites econômicas da sociedade que . iIniciaram-se
uma ação discursiva no sentido de justificar intervenções de violação de direitos, buscando
aniquilar qualquer espaço de utopia e inovação de políticas públicas e sociais, enaltecendo
conflitos e contribuindo para o aumento das desigualdades sociais.
Estse cenário se estende até os dias atuais, já que com a eleição presidencial de 2018
sque abriu os portões para a implementação de processos e discursos retrógrados, refletindo-
se diretamente no campo da saúde pública e da política em relação aos cuidados e abordagens
relacionados ao uso das drogas consideradas ilegais, criando um ambiente de nova barbárie,
associada a perspectivas moralistas,, orientadas por ideias fundamentalistas de exaltação dos
preconceitos, e defesa de atos discriminatórios e de negação de direitos, transitando para um
campo que, para além da proibição ou de uma lógica proibicionista, propõe a via autoritária,
punitiva, de negação e aniquilamento do outro.
Nesse cenárioAssim, a reflexão sobre “diversidade, autonomia e direitos humanos”
torna-se um lugar de resistência frente a uma (i)lógica que no seu limite propõe, para além da
censura e da punição, a defesa de um extermínio social do que seja diverso e diferente, mais
que isso, defendesa de um discurso fundamentalista de negação do conhecimento, da ciência
e de qualquer tipo de exercício reflexivo. Por essa razão, é mais do que necessário resistir na
esfera do campo do conhecimento e do debate diálogo entre os saberes e a vida, na
perspectiva de um debate multidisciplinar, voltado para a complexidade da questão no âmbito
da ciência, diversidade, política e cuidados, capaz de desmistificar e desvendar processos
escamoteados e pouco visíveis na nossa realidade, e entender a diversidade de formas e de
usos que envolvem as substâncias psicoativas, sua produção, consumo, distribuição e seus
significados sobre grupos, contextos e sujeitos.
Além disso, éÉ sintomático que as medidas colocadas em prática pela escatologia
desse tempo político, no que tange ao campo que envolve o tema das drogas e sociedade
tenha, – pelo menos em termos de ações concretas e visíveis – , tenha sido feito no plano das
políticas de cuidados, com ataque e destituição de ações na perspectiva da redução de danos,
exaltando-se a proposta de um arsenal moral e punitivo de ação das chamadas “comunidades
terapêuticas”. Como também, nNo que diz respeito aos mercados subterrâneos das drogas
ilegais, também busca-se negar qualquer discussão sobre a complexidade e as características
gerais e locais destse mercado, apelando-se para uma continuidade e intensificação de ações
de repressão, encarceramento e violência contra as populações pobres, pretas e periféricas das
cidades brasileiras. À vista disso, essa coletânea coloca-se em outro patamar e em certa
medida em um plano de resistência, quando assume a continuidade de um debate construído
nos últimos anos, na procura de alargar, desvendar e aumentar a compreensão e a
complexidade do campo drogas e sociedade.
Assim, oOs artigos reunidos para a organização destse livro representam uma parcela
dos trabalhos apresentados no VI Congresso Internacional da ABRAMD, e ao apresentá-los
consideramos importante falar das evidências que os textos destacam, seguindo um processo
argumentativo que se baseia em problematizações empíricas e metodológicas, e que
demonstram como a leitura, assim como o significado contaminado do termo droga, acionado
pelo senso comum, é rasteiro, partidário, fragmentado, parcial. Como também, e como traz
em seus enunciados a prisão e repressão ao pensamento, o sentido de imutabilidade, a
repressão como forma de conter as vidas, o proibicionismo e, o proselitismo fundamentalista
que portam sempre um sentido de não individuação e de imutabilidade.
Ademais, oO discurso fundamentalista vigente no Brasil faz, hoje no comando do
Estado, no Brasil parceria com os argumentos propalados pelos assim chamados “neoliberais”
que corroboram com o ataque aocontra os direitos sociais e as solidariedades. Como também,
afirmam que – seriam os defensores dos direitos humanos, os não liberais identificados como
a “esquerda” que, na verdade, querem com sua tática impor uma ordem repressora da livre
iniciativa e da liberdade individual, mal vista por esse grupo, uma vez que. Para esses
consideram os direitos sociais como seriam princípios economicamente inviáveis. Entretanto,.
Na verdade o discurso da livre iniciativa hoje está a demonstrar justamente o seu contrário, e
essa contradição tem se refletido no plano político, já que c. Se omo o funcionamento
econômico neoliberal clama pela intensificação do mercado, do liberalismo comercial e
financeiro, o que por conseguinte, produz e estimula mobilidades, consumos e, diversidade.
Assim,, tudo isso acaba por se confrontar com o estilo moral calvinista dos gestores dos
capitais e empresas, que ao pregarem como único fim oas ideais de competição e o prêemio à
produtividade do sujeito no sistema econômico, passam a ficar em pânico com a ideia de um
descontrole da liberdade dos sujeitos, e por isso,nesse ponto acabam defendendo instâncias
políticas repressivas, controladoras e moralizantes. Sendo, nNo caso do Brasil, essa uma
questão que vem acrescida da prática de uma violência estrutural contra as populações pobres,
por discriminação social e étnica.
Dessa forma, oO tema das drogas no Brasil vê-se logo hoje atravessado pela
intensificação destsas ações, se visto que ao invés de expandir e aperfeiçoar as experiências de
governos que buscaram estimular um plano político de apoio a políiticas sociais mais
inclusivas, , que buscaram através do estímulo ao conhecimento científico, à educação, aos
programas inclusivos na saúde, ao debate e, à discussão na sociedade, se hoje preza por umno
plano do discurso e da prática da livre autorização para exercício da violência e da destituição
dos direitos junto com o estíimulo ao preconceito, a discriminação e ao ódio de classe, gênero,
etnia; contexto este que ,possibilita uma diferença vem como dissemos intensificaçãor das
ações de violência estrutural no qual , as drogas novamente vão aparecemr como um
componente dessas ações.

Além disso,De nosso ladocom base na nossa perspectiva, partimos desde sempre do
pressuposto de que se tornou praticamente um clichê e um lugar-comum para falar que as
substâncias que causam alteração, /expansão, /diferenciação e/ possibilidades de consciência
fazem parte da história da humanidade. Não obstante, também partimos do fato de que as
emoções, as sensações, as experiências sensoriais, a sensibilidade fazem parte da experiência
dos corpos e que a partir da história moderna passam a ter uma comunicabilidade global,
desde as esferas de consumo individuais àas instâncias rituais e àas festas construídas e
produzidas,. À vista disso, acreditamos que trata-sese trata de desenvolver práticas e
conhecimento da diversidade de contextos e de relações, que se estabelecem entre sujeitos e
substâncias, por sua vez, balizadas pelos contextos e limites de liberdade, proibição, punição.
Em relação a A história recente do campo das drogas, esta se inscreveu na construção
proibicionista, e desde as últimas décadas do século passado, vem sendo condicionada pelo
pânico moral, articulada s com relações políticas nacionais e internacionais que hierarquizam
espaços e grupos no que vem se denominando de relações pós-coloniais. Dentro desse quadro
hegemônico, alguns países chegaram a desenvolver visões mais tolerantes e compreensivas, e
buscando tratar desse tema na dimensão específica e localizada, com atenção a grupos e
pessoas que manifestassem de fato problemas na relação de consumo com as drogas. No caso
do Brasil, nos últimos anos, houve um avanço no debate e na implementação de práticas nesse
sentido, entretanto, como já assinalamos, assistimos nessa conjuntura a intensificação de uma
história de colonialismo interno,, na qual grupos que se constituíram em uma elite econômica
estão conquistando livre espaço para exploração de territórios e extermínio de povos e
entraves aà sanha de exploração colonial nas fronteiras do próprio país. Como também , sSob
cortinas de fumaça, também estão os mercados subterrâneos, respaldados e defendidos pela
repressão e proibição das drogas nativas, no nosso caso, das Américas, que também se apoiam
e lucram com o mercado das armas, intensamente privilegiado pelo atual governo brasileiro.
Ademais, oOs artigos nestse livro, além de apresentarem perspectivas de enquadre e
crítica metodológica ao tratamento do tema drogas, apontam para o que podemos chamar de
“as fissuras do controle e do proibicionismo”, desde a discussão acadêmica e epistemológica,
a a resistência de populações nativas a ocupação de espaços na cidade ou a produção de
espaços para preservar e sentir autonomia. Nesse sentido, a produção dessa coletânea procura
romper com o dispositivo jurídico, médico, policial com respeito às drogas, dispositivo criado
em torno de sua história recente. Assim,
fFeito todo esse preâmbulo, vamos passar para a apresentação dos textos, que apesar
de poderem ser lidos não necessariamente na sua ordem de apresentação,. No são
apresentados ementanto propusemos ao livro uma sequência, que e juntamente com o diálogo
entre os textos,é essa lógica de sequência e diálogo entre os textos que discorremos aqui.
O texto “Drogas y ciencia, unas relaciones difíciles: de enfermedades cerebrales,
adicciones y otros mitos”, que abre esta coletânea, de caráter epistemológico, , constitui-se em
um excelente processo analítico e, argumentativo, que responde as investidas
contemporâáneas de uma parcela do campo da psiquiatria que, utilizando-se de lógicas
monocausais e descontextualizadas, sustentam a tese do diagnóstico dual , ou seja, da co-
morbidade entre perturbação mental e consumo de drogas, o que, nesse sentido, desvela a
inconsistêencia e a falta de base dos argumentos frente as evidências das questões que
afirmam. Além do chamado diagnóstico dual, outra frente discursiva de carácter conservador
e alarmista, vem colocando em cena o aumento do consumo de canabis entre os jovens e
relacionado-o com questões tais como, por exemplo, o fracaso escolar. Tendo isso vista, oO
artigo vai mostrar como essa relação de causalidade não consegue se sustentar através de
dados, fatos e evidências, e vVai concluirr como a proliferação desses ditos estudos que, de
maneira geral, se sustentam muito mais em defesa de valores morais do que em um processo
crítico e sistemático de conhecimento, fazem parte das relações entre ciêencia e poder nas
sociedades contemporâáneas.
Logo após, o texto “La Coca:. Planta de Poder y las repercusiones políticas,
científicas, sanitárias y ambientales de la arremetida en su contra”, vai descrever como um
processo histórico colonial e pós-colonial, tornou a coca, uma planta nativa da América, um
produto de exploração que, em um primeiro momento, era umcomo medicamento, mas que
depois foi sendo criminalizado, tornando-se um dos sustentáculos da lógica proibicionista.
Ademais, ,nNesse processo de proibição e repressão ao cultivo nativo da coca, destaca-se
como consequência a deterioração ambiental , e a sustentação da violêencia colonial e pós
colonial em torno da transformação da planta em coca, droga e mercadoria na esteira de
mercados subterrâneos e da produção da violencia em torno dessa mercadoria.
Desse modoA, a questão da criminalização da coca, de planta nativa a um produto
para a indúustria faramacêeutica, e posteriormente, como uma droga ilegal, é também
relacionada no artigo com o racismo ocidental e a discriminação dos indígenas andinos.
Assim, nNesse sentido, o artigo torna-se uma peça na comprerensão do fato de que a
repressão das drogas, ao menos no plano das Américas, tem um vínculo histórico e de
origemn com a violêencia contra as populações nativas e escravizadas,
Já oO artigo “Intervenções e pesquisas pioneiras em redução de danos” registra a
história do uso de drogas injetáveis e a epidemia de aAids no Brasil, aléme de apresentar
como dentro de determinadas instituições se dá a abertura para a discussão da redução de
danos e dae pesquisa com os usuários de drogas injetáveis, rompendo com a perspectiva
restrita da visão biomédica da época e podendo legitimar em espaços, ainda restritos às
pesquisas de carácter qualitativo, que passaram a identificar os contextos dos usuáarios e a
registrar suas narrativas.; Também narra como a criminalização e a referêencia ao termo
“droga”, constituía-se em um campo minado no Brasil, nas décadas de 70 e 80 do século
passado, sofrendo discriminação não apenas no campo biomédico, mas dentro das próprias
ciêencias sociais.
Ademais, nNesse texto, pode-se visualizarer como os espaços acadêémicos e os,
intercâambios com pesquisadores de outros países etc.. foram importantes no processo de
abertura, implementação e legitimação de novas abordagens para o problema dos chamados
“usos problemáticos das drogas”, e como também esses problemas não podem ser
individualizados e desvinculados dos contextos sociais onde se constroem.
Em se tratando das pesquisas sociais e em particular da contribuição da etnografia ao
campo de estudos das drogas, o texto “Etnografia nos territórios psicotrópicos: da
caracterização eco-social à dimensão simbólica”, registra a história dessa produção,, e vai
discutir a etnografia dos espaços e territórios urbanos a partir das pesquisas realizadas na
cidade do Porto em Portugal. E, nNa sua sequência, o texto “Entre as andanças e as travessias
nas ruas da cidade.: tTerritórios e uso de drogas pelos moradores de rua””, representa uma
contribuição metodológica a estse campo com a apresentação de uma etnografiía sobre a
relação entre usos e espaços de travessia utilizados pelos moradores de rua., Destaca-se ainda
nestse texto, um tema caro a etnografia que diz respeito, ao fato do campo da pesquisa afetar o
pesquisador;, fato destacado na pesquisa com a pessoas em situação de rua em Belo
Horizonte. Além disso, eEstsa premissa metodológica é central dentro do debate que
estabelecemos no conhecimento no vasto do campo de drogas, espaços e usos, pois desloca o
olhar do conhecimento do gabinete e d,o laboratóorio como lugares que em geral são os que
legitimam o problema dos usos, para o contexto complexo dos sujeitos nos seus espaços, nos
quais os usos tem significados váarios e que transcendem o que pode ser atribuído às proprias
substâncias.

Assim, nNesses dois textos, pode-se ver como as pesquisas etnográficas contribuem
para olhar sobre pessoas e poder situar as relações entre contexto, usos e as drogas em um
quadro mais amplo e abrangente, que amplia a compreensão e relativiza as construções
discriminatóorias e patológicas que são feitas em torno do uso das chamdas drogas. Além
disso, é importante destacar que Merece destacar também como esses textos falam sobre a
cidade e as perspectivas de lugar, trazendom um olhar sobre as cidades que é
“reificadamente” ocultado, obliterado e manipulado pelas mídias. Ademais, o
Os espaços de usos de drogas se constituem em territórios reais e concretos , mas
também podem ser entendidos como uma trama oculta de milhares de usuáarios que tem seus
rituiais de uso cotidiano, sem estar expostos a locais públicos, visto que a exposição, como se
pode ver nos textos, ocorre muito mais em função do lugar social disposto para os grupos que
vivem nas margens , nos interstíicios e nas travessias das cidades ., Portanto, e nestse sentido,
o problema das pessoas não se resume às drogas, mas ao fato de estarem em constante
travessia entre lugares nos quais se enraizam temporariamente e logo depois podem ser dali
banidos.
Em seguida, o texto “”A Festa Trance, Lugar insterticial, Ganza , LSD” ; apresenta,
em termos metodológicos, uma etnografiía clássica sobre a construção do espaço das festas
tTrance em Portugal, como espaços densos de experiências e estímulos sensoriais. Além, de
apresenta demonstrar como na disposição, investimento e mobilidade de atores para produção
de um espaço intersticial e temporáario de recreação são utilizadas, em momentos e sentidos
próprios, substâncias como a canabis que aparecem como um componente lúdico do processo
de trabalho da montagem do espaço . Aliás, aA espacialidade é descrita como um dos
elementos que junto com a música, a decoração e o uso das substâncias constroem o ambiente
para as experiências sensoriais . Além disso, E de se ressaltar como todo esse processo e
ambiente se desenvolvem sem a ocorrência de eventos de coerção/repressão, e como
preveeém também o acompanhamento e o cuidados com aàs experiências de uso das drogas
sintéticas.
Mas também, fFocalizando também contextos próximos aos descritos no texto acima,
o artigo “La irrupción de las drogas sintéticas como tecnologías del cuerpo”, situa através de
uma narrativa em que utiliza conceitos desafiadores, que originalmente foram produzidos no
debate pós- feminista a respeito das corporalidades, e tendo como locus os usuáarios de
drogas sintéticas em eventos e baladas de Santiago do Chile, . O artigo invoca uma discussão,
a respeito das drogas sintéticas que contribui para levantar uma questõãoes em debate, tanto
quando elevanta significados, tais como: a relação entre o uso das substâncias
tradicionalmente chamadas de drogas e sua relação com os dispositivos médicos, além de uma
possível diferença com respeito as chamadas “drogas de síntese” que são, por vezces
intituladas como novas drogas.
Ademais, eEm que medida as drogas de síntese acrescentam ou desafiam os
paradigmas de discussão dos usos das substâncias chamadas de drogas a partir da história do
próprio proibicionismo? ¿ E em que medida a ação repressiva e proibicionista não se exercem
nesses espaços ¿ aoA ponto de depoimentos dos usuáarios valorizarem a segurança que
sentem nesses espaços de uso? ¿
Estsas questões polêmicas podem ser rebatidas a partir do artigo “Narrativas de morte
e vida: desvendando consumos, circulação e empreendimentos repressão em torno daos usos
de drogas consideradas ilegais na periferia sul de São Paulo” que descreve uma pesquisa de
contribuição etnográfica, realizada em uma região da periferia da cidade de São Paulo,, em
torno dareferente a morte de jovens e suas relações com usos e atividades em torno do
mercado de drogas e de outras atividades ilegais presentes nesse território.
Destaca-se ainda noo texto que mortes de jovens, para além de resultado dos
homicídios que ocorrem em decorrência da ação policial, também é referido como resultante
do consumo de diversas substâncias, entre elas as que podem ser classificadas como “drogas
de síntese” chamadas de “balas”. Além disse, oO estudo em uma região periférica onde
ocorrem “raves ”e, festas populares ao ritmo de “funk”, por exemplo, demonstra que há um
contrasteam com os ambientes protegidos, como os narrados nos textos anteriores, ou seja, o
uso de drogas de síntesintéticasse – junto obviamente com uso de outras drogas – não
significa a ausência de repressão, o que se nota são os diferentes contextos espaciais e sociais
dos usos.
Essas últimas questões nos inquietam e merecem ser mais aprofundadas, e para
retomar a discussão inicial destsa apresentação, registramos um evento recente ocorrido num
baile “funk” que reuniua milhares de jovens na periferia de São Paulo, mas queacabou se
transformandoou num “show” de violência em que jovens foram assassinados pela
policiapolícia.1 ( https://jornalistaslivres.org/paraisopolis-orgao-da-pm-considera-que-pm-fez-
tudo-certo-no-baile-que-acabou-com-9-mortos/). Neste processo que se desenrola a partir do
trágico desfecho, conhecido por muitos a partir da mídia, em uma ação praticamente de guerra
em que se usaram armas pesadas e gases tóxicos, a justificativa foi pel era o fato de se usarem
drogas naquela festa. Logo, o alvo seriam as drogas ou a justificativa para a intensificação da
violência estrutural hoje do poder sobre os jovens pobres e periféricos como ação exemplar
para comunicar qual o limite de seus direitos.
Desse modo, a questão presente no texto refere-se como o uso de drogas ditas
sintéticas passaram a ser produzidas em regiões periféricas, onde, nesse caso, o tema do
proibicionismo não está presente em ações de repressão ao mercado local ou ao consumo de

1
Disponível em: https://jornalistaslivres.org/paraisopolis-orgao-da-pm-considera-que-pm-fez-tudo-certo-no-
baile-que-acabou-com-9-mortos/. Acesso em:
drogas, mas tendo seu efeito perverso a partir do próprio produto droga que não sendo alvo de
regulação ou de controle de qualidade, acaba por trazer riscos graves ao seu consumo.

Regina Medeiros; Edward MacRae; Rubens Adorno


Belo Horizonte, 2019

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