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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

DIMENSÕES INTERNACIONAIS DE UM CONFLITO:


GUERRA CIVIL ESPANHOLA 1936-1939

CABO FRIO
2009
2

Carlos Eduardo Oliveira Pereira

Dimensões internacionais de um conflito:


Guerra Civil Espanhola 1936-1939

Monografia apresentada como requisito


para conclusão do Curso de Licenciatura
em História, da Universidade Veiga de
Almeida, sob orientação do Professor Fábio
Frizzo.

Cabo Frio
2009
3

Carlos Eduardo Oliveira Pereira

Dimensões internacionais de um conflito:


Guerra Civil Espanhola 1936-1939

Monografia apresentada como requisito


para conclusão do Curso de Licenciatura
em História, da Universidade Veiga de
Almeida, sob orientação do Professor Fábio
Frizzo.

Aprovada em ___________.

___________________________________________________
Prof. Fábio Frizzo

___________________________________________________
Prof. João Henrique de Oliveira

___________________________________________________
Profª Vanessa de Oliveira Brunow

Cabo Frio
2009
4

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família que, mesmo distante, depositou esperanças em mim.


Aos meus amigos, sejam os novos ou os velhos. Todos estes, mesmo que por um
momento, acreditaram e continuam acreditando na minha pessoa.
Ao professor Fábio Frizzo, pelo interesse demonstrado, pelo apoio e orientação na
conclusão deste trabalho.
A todos os professores do curso de História da Universidade Veiga de Almeida.
Gostaria de agradecer especialmente a:

Tio Paulinho
Tia Ana Rita
Carol (Caninha)
José Altino (Tino)
Carlos Eduardo (Cadu)
Loez (Loez)
Felipe (22)
Marcelo
Fabiana (Fabi)
Taiana (Tatá)
Preta
Simone Assis (Mãe n° 2)
Regina Rios
Thatiane
Benedita
Renata
5

DEDICATÓRIA

Ao meu amado pai Marcelo Luiz Pereira (in memorian).


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................06

CAPÍTULO 1: A ESPANHA ANTES DA GUERRA........................................08

CAPÍTULO II: A GUERRA CIVIL EUROPÉIA.............................................20

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................36

BIBLIOGRAFIA..................................................................................................38
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INTRODUÇÃO

Barcelona, dezembro de 1936. O escritor George Orwell1 chega à Espanha com


a finalidade de escrever artigos para os jornais da época, retratando o conflito que havia
tomado conta do país em julho do mesmo ano. Pouco tempo após sua chegada, se
alistou na milícia do Partido Obrero de Unificación Marxista (POUM), uma das muitas
existentes no período da guerra. Orwell afirmou que só o fez “[...] porque naquela
época, e naquela atmosfera, isso parecia ser a única coisa que podia fazer [...]”
(ORWELL, 1967, p.4). Em sua obra “Lutando na Espanha”, o escritor aborda de forma
crítica a posição da imprensa internacional; a atmosfera das trincheiras; a vida dos
soldados republicanos e sua luta contra o fascismo. Orwell se alistou como voluntário e
esteve na frente de batalha. Foi ferido em combate. Em Barcelona, em meio à desordem
e ainda se recuperando, se viu perseguido, como muitos dos voluntários que se alistaram
no POUM. Naquele momento o partido caíra na ilegalidade e seus afiliados foram
caçados e presos. Resolveu deixar o país temendo por sua segurança. Após seu retorno
para casa na Inglaterra, já em 1937, escreveu este trabalho surpreendente que serve
como grande material de apoio para a compreensão do que ocorreu na Espanha naqueles
primeiros meses de 1936.
Em 2006, o IV Congresso do curso de História da Universidade Veiga de
Almeida, campus Cabo Frio, teve como parte de sua programação as exibições de vários
filmes. Um deles, particularmente, chamou-nos a atenção. O filme “Terra e Liberdade” -
que possui como pano de fundo a Guerra Civil Espanhola. Até aquele momento, tal fato
histórico era pouco conhecido por nós. Na verdade, nossa noção sobre o conflito
armado que tomara conta do país em meados da década de 1930 era vaga. Devido ao
interesse surgido, procuramos nos aprofundar no assunto. Indagações surgiram e através
delas futuras leituras e pesquisas. Por fim, elas findaram neste trabalho monográfico
para conclusão de curso que não pretende simplesmente contar como foi o desenrolar da
guerra, mas sim propor uma análise das proporções internacionais que ela tomou.
1
Pseudônimo do escritor anglo-indiano Eric Arthur Blair (1903-50).
8

Justificamos a pesquisa pelo seu valor teórico, temático e histórico. O tema


proposto não consiste em simples revisão textual do que já foi produzido sobre a Guerra
Civil Espanhola. Visa novos paradigmas para um assunto tão pouco conhecido que,
com o passar dos anos, vem se tornando mais e mais rico em fontes e publicações. Um
acontecimento como este merece maior exposição, sendo tratado e retratado diversas
vezes, ficando acessível a um público mais amplo e não somente ao meio acadêmico. A
guerra na Espanha marcou uma geração e sua época, sendo considerada por muitos um
ensaio para a Segunda Guerra Mundial. Além de caracterizar-se como um dos mais
importantes conflitos entre esquerda e direita, vermelhos e brancos, democracia e
totalitarismo.
Estudar o mundo e o homem no decorrer do século XX requer que olhemos para
um período conturbado, no qual nos deparamos com duas guerras mundiais; diversos
outros conflitos com motivos dos mais diversos; revoluções sociais, científicas e
comportamentais; crises e desespero ao redor do globo; mas por fim sempre houve um
pouco de esperança em algum canto. Certas feridas serão tocadas ao abordar fatos que
nos fazem admitir equívocos do século passado. Estes de diversas proporções e movidos
pelos mais diversos interesses que, em sua maioria, não nos são claros no inicio. Locais
ou globais os resultados são parecidos. Um enfrentamento militar de qualquer
proporção não traz somente glória ou honra para o lado vencedor, espalha a miséria,
dissemina a desgraça e subjuga o ser humano expondo-o as mais terríveis provações.
Marcas que ficam na lembrança daqueles que deram tudo de si para defenderem uma
causa, sem saber se a mesma seria a certa a prevalecer. As mesmas marcas - físicas ou
psicológicas - hora atormentam em uma noite de sono, outrora deixam aquela velha
sensação de dever cumprido. Muitos se enganam em pensar que a Guerra Civil
Espanhola se resumiu apenas a um conflito entre esquerda e direita. Havia muito mais
em jogo e muitos outros interesses se misturaram nesta confusão apocalíptica que se
tornou a Espanha entre 1936 e 1939. Neste sentido, nosso primeiro capítulo relata os
antecedentes da guerra, abordando a formação dos sindicatos e partidos políticos que
atuaram como personagens principais durante o período da guerra. Partindo deste ponto,
nosso segundo capítulo se inicia retratando o golpe militar, descrevendo a reação
nacional e mundial acerca do ocorrido, findando em uma analise da internacionalização
do conflito.
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CAPÍTULO 1
A ESPANHA ANTES DA GUERRA CIVIL

O fim de 1890 até o inicio de 1920, simbolizou para a Espanha uma fase de
turbulência. Claramente mais contundente nos anos que coincidiram com as revoluções
russa e alemã no final da Primeira Guerra Mundial, como aponta o historiador Antony
Beevor (2007, p.51). Os latifúndios da Andaluzia e da Extremadura, Astúrias e Biscaia
e a Catalunha industrial representavam as principais áreas de atrito entre os donos de
fábricas e um proletariado há muito tempo descontente. Os conflitos muitas vezes se
resumiram à pura e explicita ação violenta da polícia secreta, ou Brigada Social, que
muitas das vezes chegou a contratar bandidos para que dessem fim nos líderes grevistas
anarquistas. Por conseguinte, evidenciaremos a primeira explosão de agitação urbana,
“A Semana Trágica de 1909”, como ficou conhecida, não ocorreu somente devido aos
combates em Barcelona, mas também devido à guerra colonial no Marrocos. Beevor
descreve assim o ocorrido:
Os rifenhos das tribos tinham dizimado uma coluna de soldados
enviados para proteger as concessões de minas compradas pelo conde
de Romanones, um dos conselheiros de Afonso XIII. O governo
convocou os reservistas; os pobres não podiam pagar para se livrarem
do serviço militar e os operários casados foram os mais afetados. Um
forte sentimento antimilitarista crescera nos anos que seguiram ao
desastre cubano, e a reação espontânea em Barcelona à crise no
Marrocos foi súbita e avassaladora (2007, p.51).

A iniciativa dos radicais foi atacar a Igreja, que na visão do povo espanhol,
igualava-se à posição da Guarda Civil como primeiro alvo para um possível levante.
Um massacre foi a resposta do Exército ao agir na repressão dos desordeiros. Depois
deste resultado negativo para o movimento libertário, os mesmos resolveram adotar
uma nova forma de política. Formar-se-iam sindicatos cujo ideário central residia numa
greve geral. Após a greve haveria uma nova formulação da sociedade com base na
autogestão na indústria e na agricultura. Os seguidores da idéia de Bakunin fundaram a
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Confederação Nacional do Trabalho (CNT). Com a União Geral dos Trabalhadores


(UGT), fundada pelos membros do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) em
1888, eram duas frentes sindicais muito poderosas já naquela época. Houve por
conseqüência um aumento exorbitante de afiliados durante a Primeira Guerra Mundial,
quando os industriais lucravam enormemente e os operários sofriam com inflação
elevada. A CNT, até o final de 1919 contava com setecentos mil afiliados, a UGT
contava com cento e sessenta mil e o PSOE contava com quarenta e dois mil ativistas.
No ano de 1917, os dois sindicatos, CNT e UGT resolveram se unir em uma greve geral
que se espalharia por todo o país. No mesmo ano, o Exército descontente exigia
melhores condições e seus representantes publicaram um manifesto reivindicando tais
melhorias para as tropas. Para evitar um possível pronunciamento, o governo de
Eduardo Dato cedeu a parte das exigências dos militares. O Exército em certo momento
parecia suscetível às ações grevistas, porém se mostrou “[...] fiel ao rei e abateu a tiros
os grevistas [...]” (THOMAS, 1964, p.29).
Em julho de 1921, outra crise militar agrava ainda mais a situação do regime de
Afonso XIII; a derrota vergonhosa do Exército em Annual em vinte de julho de 1921,
causada por uma investida militar mal planejada, incentivada pelo rei. Um inquérito foi
exigido pela população para a investigação dos possíveis culpados pela amarga derrota.
O rei não escapou ao interrogatório e ficou no ar a possibilidade de que o mesmo havia
incentivado o general Miguel Silvestre a tomar a iniciativa no Marrocos. O
descontentamento já era visível e antes que se tornasse pleno, em setembro de 1923 o
novo capitão-geral de Barcelona, Miguel Primo de Rivera, se nomeou ditador, com
Afonso XIII ainda como chefe de Estado. Sua ditadura perduraria até janeiro 1930,
definida pelo historiador Hugh Thomas como “um período curioso.” Sobre os sete anos
de ditadura de Primo de Rivera, Ângela Mendes de Almeida diz:
A ditadura de Primo de Rivera, que durou até 1930, foi um período
intermediário entre a monarquia tradicional e a república. Com um
plano de obras públicas ambicioso e uma política financeira favorável
ao capital espanhol, seu governo trouxe uma certa prosperidade. O
ditador baniu todos os partidos políticos, e prendeu os opositores ao
regime, mas ninguém foi executado por razoes políticas. A crise
mundial de 1929 veio atingir profundamente o regime de Primo de
Rivera, que caiu em 1930 (1981, p.13).
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Sem o apoio político e militar que obtivera no inicio, Primo de Rivera não
encontrou outra saída senão abdicar do poder. O ex-ditador morreu em Paris alguns
meses após sua retirada. O rei ainda tentou manter a ordem do regime monárquico. A
pressão popular pela proclamação da república e as ameaças de novos golpes fizeram
com que o monarca marcasse a data para as eleições constituintes. Em abril de 1931, a
Espanha dava boas vindas a sua segunda república e, sem alternativa, Afonso XIII
abdica e deixa o país rumo ao exílio. A quatorze de abril de 1931, a Espanha
incandescente festejava a queda da Monarquia e o inicio da segunda república no país.
O governo provisório tinha como presidente e chefe de Estado Niceto Alcalá Zamora.
Este político católico ex-monarquista e proprietário de terras em Córdoba era líder do
comitê revolucionário que enfrentou diversos problemas ao tentar construir uma
república voltada para o povo. Inspirada na Constituição de Weimar, a nova república
agiria sobre um regime parlamentarista, com voto universal e liberdade de culto, que
simbolizou grande afronta a Igreja e sua forte influência na vida política e social
espanhola.
Os espanhóis não souberam escolher muito bem o momento para o nascimento
de sua república. Os efeitos da crise de 1929 ainda eram visíveis em todo o mundo, e
não era diferente na Espanha, apesar do país ser tradicionalmente agrícola. Francisco J.
Romero Salvadó, no trecho abaixo, reitera acerca dos problemas inicialmente
encontrados pelo novo governo:
Nesse contexto internacional de radicalismo político e crise
econômica, os novos objetivos modernizadores do regime fomentaram
a polarização do país. Apesar do zelo reformista dos novos ministros,
a impossibilidade de empréstimos de capital do exterior, acrescida da
enorme divida herdada dos anos de gastos abundantes da ditadura,
impedia que o ministério dispusesse de recursos financeiros para
viabilizar muitos de seus projetos. Por conseguinte, como as
crescentes expectativas de grupos tradicionalmente discriminados não
encontravam correspondência na realidade, o desencantamento
popular ganhava força. No entanto, ao mesmo tempo essa mesma
legislação era considerada intolerável pelas classes ricas, na medida
em que, caso totalmente implementada, ameaçava sua hegemonia
econômica e social (SALVADÓ, 2008, p.55).
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Antes de concluirmos que as greves planejadas pelos sindicatos, a oposição


ferrenha que vinha tanto da direita quanto da esquerda e o colapso interno simbolizaram
o fim gradativo do governo. Procuraremos olhar quais dificuldades surgiram no
caminho dos reformistas, atentando para a sua relação com a Igreja, o Exército e os
proprietários de terra que juntos formavam os pilares do antigo regime monárquico.
Entenderemos desta forma, ao olharmos estes aspectos, que a soma resultará na perda
de popularidade e derrota das forças políticas que ascenderam nas eleições de 1933.
Sofrendo ataques de ambos os lados do espectro político espanhol, o período, definido
como “lua-de-mel” por parte dos autores que o estuda, foi breve. A fraqueza dos
partidos republicanos que se viam conectados somente pela aversão a Monarquia, logo
levou a uma inconstância política. As rivalidades pessoais que existiam no governo
colaboraram para sua derrota na eleição seguinte. Inicialmente atentaremos para a
relação do governo com a Igreja. Pierre Vilar aponta o seguinte fato:
É verdade que entre 1931 e 1933, a Igreja pôde sentir-se ameaçada na
sua situação dominante tradicional, e em seus próprios princípios, pela
proclamação da liberdade religiosa dos cidadãos, pela separação das
Igrejas e do Estado, pela legalidade do divórcio, e pelas leis sobre
congregações e a escola, que acabava com a identificação ideológica
entre o Estado espanhol e a doutrina católica (1989, p.25-26).

A Igreja era densamente identificada com a monarquia e com os conservadores,


dominando por muito tempo o modo de pensar da população. Com esta reformulação
sentiu o peso da queda da monarquia e o que significava para sua soberania como
religião dominante. Em 1930 o número de pessoas a serviço da Igreja Católica era
exorbitante. Segundo Hugh Thomas, “[...] 20.000 frades, 60.000 freiras e 31.000 padres.
Havia perto de 5.000 comunidades religiosas das quais cerca de um milhar masculinas e
as restantes femininas [...]” (1964, p.46). Concomitantemente a isto, o número de fiéis
que freqüentavam as missas e se confessavam era bem menor. Muitos destes se serviam
da Igreja apenas para batismos, casamentos e funerais. Ângela Mendes de Almeida
completa:
Poderosa economicamente, o ensino era seu monopólio: suas
escolas haviam educado e alfabetizado mais de 5 milhões de
adultos. Através desse instrumento ela pretendia guardar um
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controle ideológico sobre a grande maioria da população (1981,


p.14).

Os bispos espanhóis tentaram se manifestar expressando o descontentamento


com o resultado das votações através de cartas que contestavam a separação entre Igreja
e Estado, bem como a retirada do ensino religioso obrigatório nas escolas. Grande parte
do ministério que compunha o governo possuía características anticlericais, assim não
foi uma escolha difícil a ser tomada. Através de sua imprensa a Igreja fazia publicações
contra o regime republicano, definindo-o como “[...] a incorporação da anti-Espanha:
herege, satânica e má [...]” (SALVADÓ, 2008, p.62). Entretanto, para o governo, lidar
com as críticas que sofria por parte do clero se misturava com as medidas para lidarem
com as greves que a CNT incentivava. A greve dos trabalhadores, em Sevilha a julho de
1931, foi, mas uma vez, duramente reprimida pela Guarda Civil e o exército. Com isso
os “[...] trabalhadores espanhóis, que tinham depositado grandes esperanças na
República, chegaram à conclusão de que esta era tão repressora quanto à monarquia.
[...]” (BEEVOR, 2007, p.65).
Mesmo com a nova Constituição redigida em dezembro de 1931, que definia a
Espanha com uma “República de trabalhadores de todas as categorias” a simpatia dos
trabalhadores não foi conquistada facilmente. O governo ainda pecava em muitos
pontos ao exercer sua função. Ainda em 1932 teve como desafio um levante militar
liderado pelo General Sanjurjo, que foi abortado facilmente. Sanjurjo, que dera apoio à
república em 1931, fora repreendido por causa de uma ação violenta de sua tropa e
rebaixado a outro cargo. Ofendido e sentindo-se injustiçado tramou contra a República,
porém não contava que seus planos chegassem aos ouvidos do governo e que assim este
pudesse impedir seus planos. Como aponta Beevor, “[...] o efeito imediato da rebelião
de Sanjurjo foi apressar o ritmo da legislação nas Cortes, cujas próximas seções mais
disputadas seriam o estatuto de autonomia da Catalunha e a reforma agrária [...]”
(BEEVOR, 2007, p.68).
A ordem do dia da República recém proclamada era a questão agrária
preexistente. A Reforma Agrária pretendida recebeu atenção secundaria, sendo levada
para votação na Cortes somente em 1932. Na teoria as expropriações de terras
beneficiariam milhões de famílias por todo o país. Contudo, no fim de 1933, havia
instalado apenas nove mil famílias em menos de dez mil hectares (VILAR).
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A igreja e uma parte da classe média tinham sido alienadas da


República pelos artigos religiosos da Constituição. A Lei Agrária
deixara cheios de raiva os senhores de terras. O exército mostrava-se o
mais ofendido pelo Estatuto Catalão e o aparente desenvolvimento da
tendência a um Estado federado na Espanha (THOMAS, 1964, p.76).

Durante boa parte da história espanhola, principalmente a partir das guerras


napoleônicas, os oficiais do exército fizeram uso de sua força para direcionarem a vida
política do país. Visando diminuir a presença militar no cotidiano da república, o
Ministro da Guerra Manuel Azaña baixou decretos que diminuíam o contingente
militar; ofereciam soldo integral para os oficiais que fossem para a reserva; reduziam
cargos militares e o serviço militar obrigatório passaria a ser de apenas um ano.
Medidas como estas contribuíram mais para que o Exército e seus oficiais forjassem um
pronunciamiento contra a República.
Mas o que é, no sentido clássico, um pronunciamiento? Um grupo de
militares conspiradores, dispondo, em um ou vários pontos do país, de
forças armadas, e contando com apoios internos e externos, tira as
tropas de suas casernas, “pronuncia-se” através de um manifesto sobre
a situação política, ocupa os lugares de decisão e de comunicação e, se
o movimento se estende bastante, intima o governo a se retirar, o
substitui e às vezes mudar o regime (VILAR, 1989, p.27).

Com tempo livre e uma indignação existente, pouco faltava para que em algum
momento, daquele período, outro militar tomasse a frente de suas tropas e obtivesse
apoio do restante do exército para se manifestar contra o governo vigente. Sanjurjo
fracassara, mas nada garantia que outro general tivesse a mesma falta de sorte. O
momento não era aquele e não foi um pronunciamento que tirou o governo reformista
do poder. Suas próprias falhas e as criticas sofridas devido à má administração
colaboraram para que nas eleições de novembro de 1933 a direita saísse vitoriosa.
Aquele ano tinha começado de forma inesperada para Manuel Azaña. Após as
eleições que definiram o rosto do governo reformista, Niceto Alcalá Zamora foi eleito
presidente e deu a tarefa de formar o gabinete do governo a Azaña. Durante os
primeiros anos da República, diversas rebeliões locais tornaram as coisas mais difíceis
para os reformistas. Duas destas, que tiveram forte peso, ocorreram em Castinblanco, na
Extremadura, no ano de 1931; e em Casas Viejas, em Cádiz, no ano de 1933. “[...] Nos
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primeiros dias de janeiro, como parte da constante jacquerie na Andaluzia, uma onda de
violência irrompeu na província de Cádiz [...]” (BEEVOR, 2007, p.68). A Guarda Civil,
juntamente com a Guarda de Asalto – esta segunda criada para proteção dos direitos do
governo republicano – repreenderam violentamente os envolvidos. A direita, outrora
violenta repressora, rapidamente se manifestou jogando a culpa toda em cima de Azaña,
o acusando de ter dado a ordem para as execuções.
Nas Cortes, os deputados de direita argumentaram que os
acontecimentos de Casas Viejas provaram que o problema era a
“rapidez” da mudança social no campo e atacaram as medidas
socialistas do governo no setor industrial. O governo de Azaña sofreu
nas eleições municipais de abril e, em outono, ficou claro que ele e
seus colegas estavam muito enfraquecidos (ibid, p.69).

Da possibilidade de derrotar o governo, todos os grupos de direita se uniram. No


outro ponto, a esquerda estava dividida no momento. A dezenove de novembro de 1933,
uma nova coalizão de partidos assume a frente do governo espanhol. Alcalá Zamora
continuou como presidente, porém o chefe do gabinete que formaria o novo governo era
Alejandro Lerroux, líder do Partido Radical. Durante o governo anterior se viu excluído
do cargo que desejava. Indignado procurou fazer alianças com os partidos de direita.
Beevor nos diz que a composição do gabinete de Lerroux era inteiramente de membros
de seu partido. Entretanto, necessitava de apoio parlamentar e encontrou na
Confederação das Diretas Autônomas (CEDA) o que procurava. Em contrapartida teria
que reverter parte do processo reformista ao atender as exigências do líder da CEDA,
José Maria Gil Robles.
A CEDA foi criada como um resultado da Acción Católica, um movimento
social católico do inicio do, o século XX. A essência da CEDA vinha da Acción
Popular, que surgira após a queda da monarquia visando continuar trabalhando pelos
interesses católicos na nova república. O editor do jornal El Debate, Angel Herrera, era
a força motora por detrás do partido, como nos diz Thomas. Entretanto, como completa
o autor, é Gil Robles, na função de chefe da CEDA, que seguindo o modelo austríaco de
Dolfuss, desejava estabelecer um Estado corporativo2 na Espanha. Das razões para o
2
Lê-se corporativismo. Sistema político no qual o poder legislativo é atribuído a corporações
representativas dos interesses econômicos, industriais ou profissionais, nomeadas por
intermédio de associações de classes, e que através dos quais os cidadãos, devidamente
enquadrados, participam na vida política, através dos representantes por si escolhidos. Assim
sendo, propôe-se eliminar a luta de classes mediante um modelo de colaboração entre elas.
16

rápido crescimento da CEDA vindo a ser tornar o mais poderoso partido da Espanha
após as eleições de 1933, Thomas nos apresenta três motivos:
Primeiro, a República concedera pela primeira vez o direito de voto às
mulheres espanholas, e era notório que o sexo feminino votaria
segundo as instruções de seus confessores. E a Igreja, em seu
conjunto, não fazia segredo de seu apoio a CEDA; segundo, havia
uma viagem natural no sentido da direita, após os dois anos de
governo republicano, que podia ter sido prevista; terceiro, enquanto os
partidos tanto de Direita quanto de centro prestavam-se em alianças
eleitorais, os de esquerda estavam em confusão (1964, p.88).

As medidas do governo recém eleito foram de regressão nas reformas aplicadas


pela esquerda. Principalmente aquelas que se referiam a Igreja. Os militares envolvidos
no golpe de Sanjurjo receberam anistia, podendo assim voltar a conspirarem. Em
protesto a Lei de Anistia assinada pelo presidente Alcalá Zamora, Lerroux renunciou ao
cargo. Em seu lugar, outro radical, Ricardo Samper procurou fazer somente o que lhe
cabia, nada a mais para comprometer a situação do governo. Não durou muito no poder
e outra vez Lerroux assumiu o cargo. Dessa vez Gil Robles exigiu participação de
membros da CEDA no gabinete. Três integrantes do partido, mas não o próprio Robles,
entraram no novo governo de Lerroux. O partido socialista, por sua vez, respondeu a
esta medida declarando uma greve geral.
Iniciada em cinco de outubro, a greve se espalhou por todo o país rapidamente.
Em Madri, membros da UGT atacaram o Ministério do Interior tentando dar força à
greve. Foram fortemente e facilmente reprimidos, pois a CNT não se manifestou dando
apoio à ação. Em Barcelona o resultado foi semelhante. Sem o apoio dos anarquistas da
CNT, o movimento foi esmagado tão facilmente quanto em Madri. Nas Astúrias, quem
estava à frente do levante eram os mineiros da região. O levante naquela região havia
sido planejado cuidadosamente, ao contrario dos vistos no restante do país. Lá, viu-se a
união de anarquistas, socialistas, comunistas e trotskistas aguardando o momento no
qual a CEDA passaria a fazer parte do governo para efetuarem o levante. Mendes de
Almeida reitera que “[...] o levante foi cuidadosamente preparado em toda província.
Alguns dias depois cada aldeia ou cidade era controlada por um comitê revolucionário
formado por operários, que controlava todas as questões de abastecimento e segurança
[...]”(1981, p.21). Segundo a autora, Goded e Franco foram os generais convocados pelo
17

Ministro da Guerra para reprimirem os revoltosos. Beevor, além de Franco cita as ações
do general López Ochoa e do tenente-coronel Yagüe. Estes dois, junto com Franco e as
tropas da Legião Estrangeira espanhola, agiram com extrema violência na repressão. O
autor ainda diz:
A revolução da Astúrias não durou mais que duas semanas, mas
custou cerca de mil vidas e causou enorme prejuízo. Milhares de
trabalhadores foram demitidos por terem participado do levante e
vários milhares foram presos, muitos dos quais libertados em janeiro
de 1935, quando o estado de sítio foi suspenso (2007, p.75).

Alguns membros na esquerda enxergaram no levante um erro de ação. Nos


militantes a ação “[...] produziu um sopro inebriante de revolução [...]” (Idem). Para a
direita, ficou claro que “[...] o exército, espinha dorsal do Estado, era a única garantia
contra a mudança revolucionária [...]” (Idem). Após a Revolução de Outubro, como
ficou conhecido o resultado das greves, a Espanha estava de fato dividida. A maior
parte dos membros dos partidos socialistas, anarquistas e comunistas estava presa.
Azaña, políticos liberais e separatistas catalães também se encontravam presos. A
persistência da CEDA em promulgar a pena de morte aos insurretos de 1934 contribuiu
para as crises no governo de Lerroux. Esta sentia que seu papel no governo não condizia
com a força parlamentar possuía. Gil Robles desejava alterar a Constituição no que se
referia ao papel da Igreja na educação. Neste ponto, porém, os radicais firmaram seu
anticlericalismo e a CEDA não obteve sucesso. Pouquíssimo tempo depois, outro
governo foi formado, agora com cinco membros da CEDA. Robles tornara-se Ministro
da Guerra, nomeando o general Fanjul subsecretário e Francisco Franco chefe do
estado-maior geral.
O novo governo fez voltar atrás o relógio da República, em certas
questões, como ao devolver as propriedades dos jesuítas e indenizar os
grandes pela desapropriação de suas terras na reforma. Ignorou a
reforma agrária e a educação pública. Enquanto isso, a esquerda
republicana começou a se unir de novo (BEEVOR, 2007, p.75).

Em 1935, mas precisamente em outubro, um caso de corrupção envolvendo o


jogo contribuiu para a renúncia de Lerroux. Niceto Alcalá Zamora, presidente da
república, nomeou Joaquín Chapaprieta para substituir Alejandro Lerroux. Pouco tempo
18

depois mais um escândalo político veio à tona. Este seria o golpe derradeiro para o
Partido Radical. A aliança, entre a CEDA e os radicais, caiu por terra, e em uma última
tentativa de tomar o poder, Gil Robles retira seu apoio a Chapaprieta. Seu plano não
saiu como o imaginado. Alcalá Zamora nomeou Manuel Portela Valadares, ex-
governador da Catalunha, como novo líder do governo.
Antony Beevor, ao abordar este período que precede as eleições de 1936 e o
início da guerra civil na Espanha, tenta nos fazer compreender como seu deu a formação
da chamada Frente Popular e a atmosfera política dos primeiros dias daquele ano. Tal
atmosfera sombria resultante do crescente sentimento revolucionário da esquerda e de
uma resposta contra-revolucionária da direita. Beevor aponta ainda para o fato das
eleições marcadas para dezesseis de fevereiro serem “[...] as últimas eleições livres
realizadas na Espanha durante quarenta anos [...]” (2007, p.77). O furor das campanhas
eleitorais mostrava um país dividido politicamente ao extremo. As alianças feitas pela
direita e pela esquerda acabaram isolando os partidos de centro. O autor cita:
Toda possibilidade de acordo fora destruída pelo levante
revolucionário da esquerda e pela cruel repressão por parte do exército
e da Guarda Civil. Os sentimentos eram profundo demais dos dois
lados para permitir que a democracia funcionasse. Ambos os lados
usaram linguagem apocalíptica, canalizando as expectativas dos seus
partidários para um resultado violento, não um resultado político
(Idem).

Segundo membros da esquerda, caso a direita saísse vitoriosa das eleições, a


iniciativa seria partir para uma guerra civil declarada. A resposta da direita era
semelhante, alegando temer uma ditadura do proletariado. Por conta deste discurso,
feito pelas duas coalizões, quão surpreendente seria se um dos dois cumprisse o que era
dito? Ora, sem muita analise nos fica claro que o resultado das eleições, colocando
novamente no poder esquerda ou direita, resultaria, mais cedo ou mais tarde, num
conflito entre os dois partidos. Não seria diferente dos anos anteriores. Entretanto
nenhum dos lados tinha em mente o que viria a ser a guerra civil que estouraria.
A CEDA compunha com os monarquistas e carlistas o principal grupo da direita,
denominado por Gil Robles “frente contra-revolucionária nacional” (BEEVOR, 2007,
p.78).
19

Em 15 de janeiro de 1936, os partido de esquerda e centro-esquerda


assinaram um pacto para concorrer as eleições como um só grupo. Foi
redigido um programa de Frente Popular que se concentrava
principalmente na reforma agrária, no restabelecimento do estatuto de
autonomia catalã e na anistia para os presos capturados na Espanha
depois da revolução de outubro (Idem).

A Frente Popular era composta pela União Republicana de Maritnez Barrio, a


Esquerda Republicana de Azaña, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) de
Largo Caballero, o partido sindicalista de Angel Pestana - de origem anarquista -, o
Partido Comunista Espanhol (PCE) e o Partido Operário de Unificação Marxista
(POUM).
A 16 de fevereiro de 1936, os espanhóis foram às urnas. Tanto esquerda quanto
direita acreditavam na certeza da vitória. Apesar dos boatos de irregularidades e de um
falso resultado, a votação acontecera sem qualquer tipo de confusão mais séria. Em 20
de fevereiro era oficial, a Frente Popular, com uma diferença de cento e cinqüenta mil
votos, vencera as eleições. Manuel Azaña ficou incumbido de formar o novo governo, e
o fez sem incluir um só socialista no gabinete.
O primeiro ato de Azaña foi o decreto de anistia, que abrangia
também os lideres socialistas, anarquistas e os autonomistas catalães.
Em seguida ele determinou a reintegração dos despedidos em 1934.
Recolocou ainda em pauta duas questões-chave para a Espanha: a
reforma agrária e a autonomia das províncias. Enquanto o estatuto da
autonomia catalã foi restaurado, o da autonomia basca começou a ser
estudado. Em maio Azaña foi substituído por Casares Quiroga, e o
primeiro ato desse segundo governo foi a destituição do presidente
Zamora, pouco querido dos republicanos de esquerda, e sua
substituição pelo próprio Azaña (ALMDEIDA, 1981, p.29) .

O governo sofreu com o alto índice de violência nos primeiros meses. Parte
deles originados dos conflitos entre socialistas da UGT e anarquistas da CNT.
Entretanto, por mais que fossem sangrentos os conflitos entre as frentes sindicais, quem
mais perturbava o sono do governo era a Falange. Os falangistas direcionavam seus
ataques aos operários, militantes dos partidos de esquerda. Fundada por José Antonio
20

Primo de Rivera, filho do ditador, a Falange era a vertente espanhola do fascismo. Na


síntese de Beevor:
O falangismo diferia do nazismo e do fascismo em sua natureza
conservadora. Mussolini usava símbolos romanos e imagens imperiais
em seus discursos apenas pelo efeito propagandístico. A Falange, pelo
contrário, usava fraseologia moderna e revolucionária, mas
permanecia fundamentalmente reacionária. A Igreja era a essência da
Hispanidad. O novo Estado “se inspiraria no espírito da religião
católica que é tradição na Espanha”. Os seus símbolos eram o de
Fernão e Isabel: o jugo do Estado autoritário e as flechas da
aniquilação para acabar com a heresia. Não só pegaram emprestado os
símbolos como tentaram reviver a mentalidade castelhana. O
falangista ideal era imaginado como “meio monge, meio soldado”
(2007, p.85-86).

É importante ressaltar o papel da Falange na tentativa de por abaixo a república


na Espanha. Esta conseguiu se organizar militarmente e adquirir um grande numero de
armas, a fim de atacar o governo e defender uma Espanha tradicional. Seu atentado a
vida de Largo Caballero fez o partido cair na ilegalidade e levou a prisão de José
Antonio. O perigo maior para a vida da República não estava somente na ação dos
falangistas. Na Espanha, o Exército sempre se viu como aquele que salvaria o país nos
momentos de instabilidade. Apesar de não ter agido diretamente, como aponta Almeida,
os militares já se articulavam visando derrubar a Frente Popular (1981, p.30). O general
Franco, chefe do estado-maior geral, exercera pressão em Portela Valadares para que
este anulasse as eleições de 1936. O líder do governo preferiu renunciar ao cargo. Ao
saber dos planos de Franco, Azaña o transferiu junto com outros generais para regiões
distantes. Contudo, sabe-se que o empenho não freou o plano de um golpe, inicialmente
datado para abril e transferido para julho. Apesar dos boatos chegarem ao conhecimento
dos membros do governo, suas ações contribuíram ainda mais para a organização do
exército, dos carlistas e da falange.
21

CAPÍTULO II
A GUERRA CIVIL EUROPÉIA

O foco deste trabalho é refletir sobre a particularidade da Guerra Civil


Espanhola, atentando para como o conflito perdeu seu caráter amador, evoluindo para
uma guerra civil européia. Analisaremos o apoio recebido pelos republicanos, o governo
legítimo; e pelos nacionalistas, como ficaram conhecidos os rebeldes. Poderemos
perceber como as interferências das outras potências contribuíram para a vitória de um
dos lados. Ou se preferirem, como tais interferências contribuíram para a derrota do
outro. Antes de darmos qualquer passo adiante, precisaremos voltar aos fatos. Voltar ao
momento no qual os militares colocam em prática seus planos. Era certo que a ação
fosse tomada em meados de julho. Existiam os boatos, entretanto o governo nada fez. O
Exército havia marcado o golpe para o dia dezoito de julho, porém um dia antes, em
Melila, no Marrocos espanhol, as guarnições lá existentes tomaram a iniciativa. Franco,
que naquele momento se encontrava nas Canárias, tomou um avião para o Marrocos
para estar à frente das tropas. Os representantes da República continuaram alegando que
o levante militar não passava de “conjuras absurdas” (ALMEIDA, 1981, p.33).
Contudo, como aponta o historiador Francisco J. Romero Salvadó, “[...] nas 72 horas
seguintes, a rebelião armada chegava ao continente [...]” (2008, p.94). Entre dezessete e
vinte de julho de 1936 configurou-se claramente na Espanha a polarização política que
havia sido vista nas eleições de fevereiro.
Nos primeiros dias, momento crucial no qual pode se observar a configuração
dos dois lados acreditava-se que: o golpe seria efetivo e imediato levando os militares
ao poder; ou a República seria forte na repressão dos rebeldes, findando o conflito nas
primeiras 48 horas. Entretanto, nenhum dos lados tinha em mente a possibilidade de três
anos de longas lutas no território espanhol. A República negou o pedido de armas dos
operários afiliados da CNT e UGT, alegando que o golpe não passava de boatos. Os
sindicatos se manifestaram declarando greve geral na noite de dezoito para dezenove de
julho. Casares Quiroga, então primeiro-ministro, demitiu-se do cargo. Azanã, ainda na
22

presidência da república, nomeou em seu lugar Martinez Barrio, que na tentativa de


negociar com os rebeldes teve seu pedido negado pelo general Emilio Mola. Não
restava outra saída senão admitir a guerra e ceder ao pedido por armas do povo. Não
querendo ser o responsável por esta ação, Barrio se demitiu do cargo, sendo substituído
por José Giral. O novo primeiro-ministro decretou então a dissolução do exército e a
distribuição de armas às milícias formadas pelos partidos e sindicatos.
De 17 a 20 de Julho todo o mapa da Espanha se modificou,
conformando nitidamente duas zonas militares. Em todas as
províncias o exercito, a policia, guarda civil e os asaltos eram
chamados a se manifestar pró ou contra o Movimiento. Em geral o que
aconteceu foi que, em todos os lugares onde os operários deixaram-se
neutralizar pela promessa dos oficiais ou das autoridades, de respeito à
legalidade, as forças golpistas conseguiram, depois de se adaptarem à
nova realidade, esmagar a resistência. Ao contrario, onde o
movimento operário tomou dianteira, armou-se e organizou-se,
independentemente das autoridades locais, o movimento golpista foi
vencido (ALMEIDA, 1981, p.34).

Em alguns cantos do país, como Navarra, Pamplona e Burgos, os insurretos


foram aclamados e bem recebidos. Na Andaluzia, Algeciras, Cádiz, Córdoba, Huelva,
Sevilha e Saragoça houve um banho de sangue, pois os operários se deixaram enganar
pelos militares que alegaram fidelidade ao governo legítimo. Isto não foi diferente em
Oviedo, onde o coronel Aranda conseguiu conquistar sem muitos esforços. Contudo, os
nacionalistas, como ficaram conhecidos posteriormente os sublevados, encontraram
forte resistência operária em Barcelona. O governo catalão negava armas ao povo.
Entretanto, numa ação inesperada, oficiais da Guarda de Asalto tomaram a iniciativa e
distribuíram suas armas para a população.
Precariamente armados, mas cheios de coragem, os operários tomaram
a iniciativa e lançaram-se ao assalto de quartéis. Diante de uma
multidão que não tinha medo de se contrapor desarmada ao fogo de
metralhadoras, o moral das tropas fascistas vacilou. A adesão de
soldados profissionais reforçou o lado operário (ALMEIDA, 1981,
p.36).
23

O general Goded, que estava à frente das tropas que avançavam em direção a
Barcelona viu-se cercado. Rendeu-se logo em seguida. Após este incidente em
Barcelona, o mesmo se repetiu em Madri. O chefe militar Fanjul vacilou em suas
decisões, possibilitando aos operários se organizarem. Em Guadalajara, Toledo e
Alcalá, colunas improvisadas atacaram os militares, seguindo em direção a Aragão. Em
Málaga e no País Basco não foram diferentes as investidas dos operários contra os
rebeldes. Dessa forma, no dia 20 de julho desmentia-se a idéia da invencibilidade dos
militares. Ficava evidente que dois lados estavam se enfrentando. O país estava daquele
momento em diante, divido em nacionalistas e republicanos. “[...] Da necessidade
nasceu uma virtude. A República promoveria a idéia de que “resistir é vencer”... [...]”
(BEEVOR, 2007, p.103). O Exército, em momento algum, tinha imaginado o
prolongamento do confronto. Não previram a duração de três anos, acreditavam que o
golpe teria sucesso em questão de dias. Não contavam com a resposta defensiva da
República. O governo revidou e a luta fratricida originou a guerra civil em questão.
Muitos dos autores que estudam o conflito analisam a necessidade de armas de ambos
os lados. Salvadó, em seu trabalho, não descarta ser razoável especular que a insurreição
deveria ter sido suprimida em tempo relativamente curto. As duas zonas não possuíam
armas modernas e nenhuma indústria de armamentos importante. A saída foi procurar
apoio diplomático fora do país. Entretanto:
A reação contrastante dos outros países aos apelos da Espanha se
mostrou decisiva. Um golpe de Estado desastroso logo degenerou
numa guerra civil. A Espanha, por sua vez, se transformou no reflexo
distorcido no qual a Europa contemplava uma imagem exagerada de
todas as tensões, paixões e energias dessa era turbulenta (SALVADÓ,
2008, p.95).

Por mais explicito que tenha sido em alguns momentos que os espanhóis
queriam fazer sua própria guerra, “[...] tornou perfeitamente claro que eram os próprios
espanhóis que visavam, e até mesmo imploravam, o auxilio do exterior – e não as
potencias européias que insistiam na intervenção [...]” (THOMAS, 1964, p.253). Assim,
“[...] a guerra civil espanhola foi antes de tudo resultado de ação de idéias e movimentos
europeus na Espanha” (THOMAS, 1964, p.255). Ou seja, “[...] a Espanha tem sido, em
conseqüência, um tubo de ensaio em que as idéias políticas da Europa são testadas”
(THOMAS, 1964, p.256). Em síntese:
24

Seria inevitável, portanto, que a Guerra Civil Espanhola, que começou


em 1936, se transformasse numa crise européia. Como na guerra de
sucessão espanhola, na guerra da independência e durante a primeira
guerra carlista, o prestígio, a riqueza e em alguns casos, o povo do
resto da Europa viram-se ligados intimamente, de 1936 a 1939, ao
conflito espanhol. As idéias gerais da Europa haviam levado os
espanhóis à beira da guerra. As grandes potências européias
enredaram-se na guerra a pedido dos espanhóis. As mesmas grandes
potências tornaram-se responsáveis por grande parte do curso da
guerra, sobretudo ao darem assistência a um dos lados do conflito,
quando este lado parecia perdido. Durante toda a Guerra Civil, a
alternada repugnância e atração que o resto da Europa sempre tivera
pela Espanha, e a Espanha pelo resto da Europa, refletiu-se na
diplomacia e em outras implicações internacionais da luta (THOMAS,
1964, p.256).

O avanço dos militares contra o governo recém eleito iniciou-se em dezessete de


julho, já em vinte de julho, o primeiro-ministro José Giral, enviou um telegrama ao
primeiro-ministro da França, León Blum, pedindo-lhe ajuda militar, pois a república
acabara de sofrer um coup militar. Giral recorreu a Blum por dois motivos: primeiro
pelo fato deste também estar à frente de um governo de esquerda, a Frente Popular
Francesa; e segundo por haver acordos para a compra de armas entre França e Espanha.
O pedido foi logo aceito por Blum e aprovado pelos seguintes ministros: Yvon Delbos,
Ministro das Relações Exteriores; Edouard Daladier, Ministro da Defesa; e Pierre Cot,
Ministro da Aviação. Certas pressões que vieram a surgir, estas internas e externas,
mudariam a posição francesa. A posição contraria da Grã-Bretanha em relação ao
envolvimento da França no conflito espanhol caracteriza muito bem a pressão externa.
Antony Eden, ministro britânico das Relações Exteriores, pressionou Blum alegando
que “[...] a Grã-Bretanha não seria arrastada para uma guerra por causa de
acontecimentos na península [...]” (SALVADÓ, 2008, p.96). Na volta para casa, como
Salvadó relembra, surgiram mais pressões para atormentarem a paz de Blum, estas
também iam contra o pedido de ajuda espanhol.
Com o país polarizado em relação ao problema espanhol, importantes
integrantes do Partido Radical francês (inclusive o presidente da
República Albert Lebrun, o porta-voz da Assembléia Nacional
25

Edouard Herriot e o presidente do Senado Jules Jeanneney) se


pronunciaram veementemente contra o envio de ajuda militar à
República (SALVADÓ, 2008, p.97).

Estes membros argumentavam que o conflito poderia se espalhar pelo continente


e envolver a própria França neste. A reação dos generais Gamelin, Duval e Jouart, e dos
industriais do Comité des Forges também foi contrária ao apoiar a República. Estes
diziam que “[...] o menor indício de envolvimento do país no conflito poderia provocar
uma grande tempestade [...]” (BEEVOR, 2007, p.203-204). Não encontrando outra
saída naquele momento, Blum concluiu que talvez a melhor maneira de ajudar a
República seria impedir qualquer tipo de apoio que viesse a surgir para Franco e para os
nacionalistas.
Antony Eden, secretário britânico do Exterior, concordou com a
opinião de Salvador Madriaga, ex-representante espanhol na Liga das
Nações, de que sem intervenção estrangeira os dois lados estavam tão
bem equilibrados que nenhum dos dois conseguiria vencer. Esse tipo
de raciocínio encorajou o governo francês a acreditar que era melhor
para a República não deixar as armas chegarem a nenhum dos lados
(ibid, p.205).

Em vinte e cinco de julho, o presidente francês Lebrun decretou que toda


tentativa de vender armas a República estava proibida. Seriam permitidas apenas as
vendas de aviões sem armas através de empresas privadas. Procurando uma forma
alternativa de ajudar o governo espanhol, Blum encontrou uma possível solução. No
início de agosto, seu governo propôs uma política de ‘não-intervenção’. Tal pacto
envolveria “[...] os governos francês, britânico, alemão, italiano e quaisquer outros que
se envolvessem no conflito espanhol [...]” (Idem). O governo italiano, tal como o
alemão, evitou enviar uma resposta definitiva a fim de ganhar tempo enquanto
adiantavam as entregas de armas para os nacionalistas.
Enquanto isso, o embaixador britânico em Paris pressionava o
governo francês para não ajudar a República. Blum, com medo de
contrariar os ingleses, suspendeu todas as futuras vendas de armas,
assim como de aviões civis, em oito de agosto. A fronteira espanhola
foi fechada a todo comércio proibido (BEEVOR, 2007, p.205).
26

Alguns dias depois, um representante do governo francês em Londres, “[...]


recomendou a criação de uma comissão de controle internacional para ‘supervisionar o
acordo e pensar em ações futuras’ [...]” (Idem). Todavia, Eden, ministro britânico,
anunciou que o embargo seria feito sem esperar qualquer resposta das outras nações.
Na maior parte do tempo o governo britânico se recusava a aceitar que de fato havia
ajuda alemã e italiana a favor dos rebeldes. Em outro caso específico o governo
britânico até exerceu forte pressão ao governo português. Uma embarcação alemã com
um carregamento estaria para desembarcar em Portugal, porém com a pressão da Grã-
Bretanha, este teve que descarregá-lo em outro lugar. Beevor argumenta ainda sobre a
posição de Eden a favor de Franco e dos nacionalistas. Beevor diz que o ministro
britânico dificilmente seria um observador imparcial do conflito. E completa:
Eden só admitiu inteiramente o perigo de Hitler e Mussolini em 1937
e só falou com clareza contra o apaziguamento no início de 1938.
Durante a primeira parte da guerra civil, sopesando as circunstancias,
preferia uma vitória “fascista” a uma vitória “comunista” (ibid, p.207).

Seguindo a linha de análise de Beevor, Salvadó também atenta para o fato dos
britânicos simpatizarem com os sublevados. O circulo governamental britânico, liderado
por Stanley Baldwin estava impregnado de preconceitos contra o bolchevismo. O
governo espanhol muitas vezes foi comparado ao de Kerenski na Rússia de 1917. “[...]
Desde os primeiros dias, relatórios diplomáticos e de inteligência confirmaram os
sentimentos anti-republicanos já dominantes no governo britânico [...]” (SALVADÓ,
2008, p.98). Com medo do confisco de seus investimentos pelos sindicatos espanhóis,
grande parte dos dirigentes dos círculos econômicos ingleses estavam inclinados a
preferirem uma vitoria da direita, como aponta o autor. Ou seja, os britânicos criaram a
idéia de que na Espanha, os militares estavam lutando contra um regime soviético em
potencial. Em síntese:
O general Franco era visto como o bom oficial, prudente e
conservador, que interveio na política somente para combater o
espectro da revolução social Sua vitória levaria ao estabelecimento de
uma “ditadura liberal” bastante favorável aos interesses do Reino
Unido (SALVADÓ, 2008, p.99).
27

A neutralidade adotada pelos britânicos, evitando, de uma forma ou de outra,


tomar partindo de um dos lados envolvidos na guerra civil é definida por Salvadó como
‘escrupulosa’[sic]. Escrupulosa, acreditamos, referindo-se as várias ações tomadas pelo
governo britânico, que serviram mais para prejudicar o lado dos republicanos do que
para ajudar. Um exemplo considerável foi um embargo feito a uma transação financeira
da República para comprar armas nos Estados Unidos, sendo que em outro momento
uma operação similar foi aprovada pelos insurretos por intermédio do banco
Westminster. Enquanto a República pedia apoio à França, Franco e os nacionalistas
visavam à contribuição militar de Itália e Alemanha.
A idéia de um Acordo de Não-Intervenção veio com o objetivo de criar um
embargo de venda de armas para ambos os lados, oferecendo a República uma chance
de cortar o levante logo no início. Entretanto, como se viu na prática, serviu para selar o
destino do governo republicano. Para Salvadó, todo o lado formal por detrás do comitê
de não-intervenção revelou-se “[...] uma das farsas mais estarrecedoras já perpetradas na
Europa: uma grande charada na qual escárnio e hipocrisia se tornaram arte [...]” (2008,
p.108). E completa que nada mais era que “[...] uma cortina de fumaça por trás da qual,
em um grau maior ou menor, todas as potências intervieram na Espanha [...]” (Idem).
Mussolini aceitou fornecer ajuda a Franco, após seus representantes terem se
reunido com o general. O Duce mal podia esperar a criação de outro Estado fascista no
Mediterrâneo. Sua grande ambição era rivalizar com o poderio naval britânico e desafiar
os franceses no norte da África.
Em 30 de julho, Mussolini enviou a Franco 12 bombardeiros Savoia-
Marchetti 81, destinados ao Marrocos, dois aviões de transporte e um
navio carregado de combustível e munição. Três caíram no trajeto, um
deles na Argélia, fornecendo provas documentais da ajuda militar
italiana. O restante foi usado na cobertura aérea do primeiro comboio
nacionalista que cruzou os estreitos em 5 de agosto (BEEVOR 2007,
p.209).

Os Savóias enviados foram seguidos de remessas de vinte e sete caças Fiat,


cinco blindados leves Fiat-Ansaldo, doze canhões de campanha, três hidroaviões e seis
caças. Tudo enviado para a Espanha entre sete e dezenove de agosto. Posteriormente, os
republicanos tentaram provar uma pré-organização da intervenção nazi-fascista. Na
verdade os rebeldes não tinham garantia nenhuma do apoio da Itália e da Alemanha.
28

Mesmo assim, como se tornou claro, o turbilhão espanhol envolvendo estas duas
potências forjou o que conhecemos de ‘Eixo Roma-Berlim’. Esta expressão foi usada
pela primeira vez em novembro de 1936 por Mussolini.
Inicialmente, os diplomatas nazistas eram contra a ajuda aos nacionalistas. O
governo obtinha informações detalhadas sobre a situação na Espanha e tinham medo de
que a ajuda a Franco provocasse a reação britânica. No dia vinte e dois de julho de
1936, Franco enviou o coronel Beigbeder à Alemanha a fim de requisitar aviões de
transporte. Dias depois, outros emissários de Franco, Bernhardt e Langenheim,
chegaram a Berlim. Inicialmente seus esforços de se encontrarem com membros
importantes do Partido Nazista foram sabotados. Mesmo assim, conseguiram fazer com
que a mensagem de Franco chegasse às mãos de Hitler. Após se reunirem, ficou
estipulado que seriam enviados vinte Junkers 52, seis caça-bombardeiros Heinkel 51,
vinte canhões antiaéreos e equipamentos. “[...] Os Alemães foram mais determinados
em relação ao empreendimento todo do que os italianos [...]” (BEEVOR, 2007, p.211).
Os primeiros carregamentos chegaram à Espanha em agosto, indo diretamente para
Cádiz ou via Lisboa. Foram enviados: o Panzer Mark I, canhões antiaéreos de vinte
milímetros e oitenta e oito milímetros. A ajuda alemã completou-se somente em
novembro de 1936, com a criação da Legião Condor, quando os nacionalistas não
conseguiram dominar Madri. A Legião Condor era formada por pilotos da Luftwaffe, a
força aérea alemã. O Ministério da Aeronáutica viu na Espanha uma oportunidade de
testar sua jovem esquadrilha.
O interesse de Hitler em fornecer apoio militar a Franco pode ser entendido
como estratégico. A idéia de uma Espanha fascista ameaçaria não só a França, como a
rota britânica para o canal de Suez. Outro fator que ficou claro no decorrer do conflito
foi que para Hitler a guerra civil serviu como um laboratório para treinar seus homens e
experimentar táticas e equipamentos. Além de desviar a atenção de sua estratégia
centro-européia de expansão.
Com uma quinzena de rebelião ficara claro que os nacionalistas
receberiam ajuda militar da Alemanha e Itália enquanto as
democracias recusavam armas à República. Esse desequilíbrio foi
aumentado pelo apoio financeiro aos nacionalistas, tão vital numa
guerra prolongada quanto à ajuda militar (BEEVOR, 2007, p.211).
29

Muitos foram os empresários que contribuíram para a vitória de Franco e dos


nacionalistas. Como citado acima, o apoio financeiro recebido foi tão fundamental
quanto o militar. Juan March, ex-contrabandista de fumo, contribuiu com quinze
milhões de libras, o ex-Rei Afonso doou dez milhões de dólares. A Texas Oil Company,
admiradora dos fascistas, desviou cinco nanvios-tanque para a zona nacionalista, a
Standard Oil também contribuiu, só que em menor quantidade. A Ford, Studebaker e
General Motors forneceram doze mil caminhões para Franco e a indústria química
Dupont de Nemours enviou quarenta mil bombas.
Rejeitada pelas potências democráticas e pela comunidade empresarial
internacional, a República só pode contar com o apoio do México e da
União Soviética. Em conseqüência, os alertas nacionalistas sobre uma
“conspiração comunista internacional” tinham alguma convicção,
ainda que a política soviética fosse pouco coerente (ibid, p.213).

A historiografia sobre a Guerra Civil Espanhola muitas vezes aponta uma versão
mais favorável à URSS. Os trabalhos colocam os soviéticos como a única potência a ter
abandonado a não-intervenção, a partir do momento que ficou claro que esta não
passava de uma farsa, e ajudado efetivamente a Espanha. Existe uma versão, do Partido
Comunista Espanhol (PCE), que defende a atitude do governo soviético. Entretanto as
tentativas de afirmar a idéia de que a URSS abandonou a política de não-intervenção a
partir do momento que esta se mostrou uma cegueira e colocar os soviéticos como os
ajudantes efetivos dos espanhóis levantaram mais questionamentos.
Em vinte e um de julho de 1936, verificou-se em Moscou uma primeira reação a
crise espanhola, quando o Comintern e o Profintern se reuniram e apoiaram a idéia de
auxílio à República. Mesmo com a forte necessidade de ajuda que os espanhóis
precisavam, Stálin e o Governo Soviético se preocupavam mais com a configuração da
Europa e do mundo caso a guerra saísse do território espanhol e se espalhasse pelo
continente. Em síntese:
A Guerra Civil Espanhola apresentava, desse modo, um dilema para
Stálin. Ele não poderia consentir na destruição da Frente Popular
Espanhola e na subseqüente emergência de outro Estado fascista que
representaria, além do mais, o isolamento de seu aliado, a França. No
entanto, uma vitória republicana que levasse a uma revolução social
na Espanha poderia incentivar os Aliados a se unirem a Alemanha a
União Soviética (SALVADÓ, 2008, p.113).
30

Sua ação foi ditada acima de tudo pela questão de como a guerra afetaria sua
política externa. O Governo Soviético receava o crescimento da Alemanha nazista. Uma
vitória nacionalista na Espanha simbolizaria um cerco à França, por três lados e por
países potencialmente hostis – Alemanha, Itália e Japão – e tornaria frágil a retaguarda
soviética caso esta sofresse ataque. “[...] Por causa dessa razão tortuosa o Governo
Soviético tinha grande interesse em prevenir uma vitória nacionalista [...]” (THOMAS,
1964 p.260). Assim, como as outras nações, a URSS também não havia levantado a
hipótese do surgimento de uma guerra generalizada na Espanha. Os soviéticos
acreditavam que o golpe militar seria reprimido em tempo relativamente curto.
Até aquele momento, não havia interesse diplomático entre as duas nações. As
relações políticas entre a Espanha e a URSS eram quase nulas, seja na presença de
diplomatas ou de correspondentes. A situação da URSS tornou-se bastante difícil com a
explosão do conflito. A política de Stálin e dos soviéticos estava focada em uma auto-
proteção, pois havia um terror crescente em relação a Hitler e a Alemanha. Os rumores
acerca da intervenção soviética na Espanha e o apoio material que eles supostamente
teriam concedido aos ‘vermelhos’ apavoraram os dirigentes soviéticos. Eles não
desejavam despertar o ódio das outras potências. De forma alguma queriam que a União
Soviética fosse relacionada a elementos perturbadores da ordem e do statu quo.
Enquanto as atenções estavam voltadas para o Governo Soviético, que se defendia das
acusações sofridas, Alemanha e a Itália continuavam a fornecer armas a Franco. Ficou
notório que Stálin levou tempo demasiadamente longo para se pronunciar ou tomar
qualquer providência. E também ficou evidente que a URSS demorou a perceber o real
perigo que Hitler representava a ela. A manifestação soviética só veio depois de ficar
claro que a França aplicaria a política de não-intervenção. A partir daquele momento,
eles passaram a estudar a hipótese de uma ajuda aos republicanos. Entretanto, notou-se
uma pequena falta de curiosidade e interesse por parte dos soviéticos. A guerra havia
eclodido em dezoito de julho e somente vinte e um dias depois, em oito de agosto, os
soviéticos enviaram um correspondente à Espanha. Era uma virada na atitude soviética,
a partir daquele momento a ajuda seria encaminhada à Espanha. Seria a ajuda que os
republicanos realmente precisavam? Seria a ajuda que mudaria o curso da guerra e
levaria o governo legítimo à vitória? A história nos mostra que não. O apoio soviético
chegou ao território espanhol, como nos mostra Salvadó:
31

Em 14 de setembro, Stálin concordou em fornecer


equipamento militar. Dois dias depois, a chamada “Seção X” foi
criada para coordenar essa operação sob sigilo total e a supervisão da
polícia secreta soviética, a NKVD. Em 4 de outubro, a primeira
entrega de armas pequenas chegou a bordo do navio tanque
Campeche, que deixara Odessa em 26 de setembro e iniciou o
fornecimento intermitente, embora constante, de equipamento
soviético (2008, p.114).

Em outubro outro carregamento foi entregue. Eram tanques T-26, aeronaves


Polikarpov I-15, conhecida como Chato; aviões de caça Polikarpov I-16, conhecido
como Mosca, e bombardeiros Tupolev SB-2. Enquanto a contribuição soviética chegava
somente em outubro, “[...] italianos e alemães já vinham fornecendo há dois meses
aeronaves, todos os tipos de armamentos e destinado funcionários especializados aos
nacionalistas [...]” (ibid, p.115). A União Soviética, apesar dos argumentos que parecem
diminuir sua contribuição a causa republicana, foi quem mais ajudou o governo. Mais
de mil caças, artilharia, veículos, instrutores, munição, petróleo e os ágeis tanques T-26,
os mais rápidos da guerra, fazem parte da lista do material enviado. Porém, conforme o
receio de Stálin em relação às outras potências aumentava, o envio diminuía vindo a
praticamente se extinguir em 1938. Outra forma de apoio recebido vinha através de
armas compradas no mercado negro. Esses armamentos eram oriundos de países como
México, Tchecoslováquia, Polônia e Estônia.
Navios mercantes carregados de equipamento militar deixaram a
Rússia para fazer entregas nos portos espanhóis, em 52 viagens, de
623 aeronaves, 331 tanques, 60 carros blindados, 302 canhões, 64
armas antiaéreas, 427 armas antitanque, 15.008 metralhadoras e
379.645 rifles. A França era a segunda principal fornecedora de
aviões, tendo contrabandeado 237 aeronaves para a Espanha. No
entanto, somente 69 dos aviões eram militares e a maioria não estava
armada (ibid, p.127).

O apoio aos nacionalistas foi numericamente superior. “[...] A Itália estava em guerra
total com a República [...]” (Idem). E a Alemanha não ficou atrás, disponibilizou grande
efetivo para garantir a vitória de Franco. Analisando as disparidades existentes entre as
duas zonas, Salvadó diz:
32

A conclusão possível, considerando-se essa análise comparativa da


decisiva ajuda internacional recebida pelos dois campos em choque,
na verdade, é como foi extraordinário a República, diante de tal
adversidade, continuar lutando por tanto tempo, como aconteceu
(2008, p.130).

Concomitantemente à diplomacia que impedia qualquer tipo de apoio efetivo ao


governo republicano e favorecia descaradamente aos nacionalistas, ainda havia um
conflito real na frente de batalha. Por mais que nosso objetivo seja retratar a posição
tomada pelas grandes potências nos grandes círculos diplomáticos, cabe também a nós
tentar transmitir um pouco da atmosfera do conflito armado. Em agosto, as tropas
nacionalistas lideradas pelo tenente-coronel Yagüe, conquistaram territórios
importantes. Partindo da Andaluzia até a Extremadura, o que se viu foi um banho de
sangue. O plano de Yagüe visava Madri e até o mês de setembro, devido às suscetíveis
vitórias, os acontecimentos pareciam favorecer os insurretos. No dia vinte e um, Franco
acionou as tropas para que estas marchassem em direção a Toledo. O objetivo era
libertar o quartel-fortaleza de Alcázar. A investida foi bem executada, e os envolvidos
foram aclamados os “heróis de Alcázar”. Até aquele momento, Franco era apenas mais
um general, entretanto em 1º de outubro tornou-se chefe de Estado. O generalíssimo,
como ficou conhecido, continuou com o avanço das tropas em direção a Madri. Para o
Exército a conquista era certa. O mesmo não aconteceu.
Neste momento presenciou-se a efetiva participação das chamadas Brigadas
Internacionais nos combates aos arredores de Madri. Um manifesto vindo da URSS,
convocando os trabalhadores do mundo para se alistarem na luta contra o fascismo,
atraiu muitos voluntários, de diversas nações e de vários cantos do mundo.
Aproximadamente trinta e cinco mil homens de cinqüenta e três países diferentes
serviram a favor da República. A presença de voluntários brasileiros, pertencentes ao
Partido Comunista Brasileiro (PCB), gira em torno de vinte e cinco a trinta
combatentes.
As motivações que presidiram a tomada de decisão, por parte desse
punhado de homens, de participar da Guerra Civil Espanhola como
combatentes voluntários, foram as mais diversas possíveis.
Basicamente, podem ser identificadas duas posições: por um lado, o
cumprimento de um dever de solidariedade e de internacionalismo
33

proletário da parte dos militares vinculados ao PCB; por outro, a


colaboração pessoal e direta em defesa de convicções políticas – no
caso, a luta contra o fascismo – mas sem injunções partidárias, da
parte dos voluntários não-comunistas (ALMEIDA, 1999, p.48).

As primeiras formações desfilaram em Madri no dia oito de novembro. Sobre a


presença das brigadas, Vilar diz:
Seria excessivo dizer (como às vezes se disse) que esta presença foi
decisiva. Ela era numericamente fraca, e não se deve exagerar a
experiência de guerra dos “internacionais” (exceto de alguns oficiais).
Porém, esses “voluntários da liberdade” lutaram com tanta convicção
que o efeito psicológico foi considerável, em um combate no qual os
valores simbólicos contaram muito (1989, p.50).

Muitos dos que se engajaram na guerra civil o fizeram por que tal atitude parecia
ser a melhor opção de luta contra o fascismo. Para muitos, a vitória da República
representava o futuro não só do país, mas do mundo. Até hoje, existe o argumento de
que a Segunda Guerra Mundial poderia ter sido evitada com a derrota dos nacionalistas.
Representaria a derrota do fascismo que ascendia na Europa. Tal argumento é valido.
Levantar a tese de que um massacre maior poderia ter sido evitado, com a vitória
republicana, serve para pesar a consciência das potências democráticas.
Mesmo após suscetíveis fracassos, Madri continuou sendo o grande objetivo dos
rebeldes. Três novas tentativas foram feitas em janeiro, fevereiro e março de 1937. “[...]
Se a libertação de Alcázar foi para os insurretos uma vitória psicológica, a resistência de
Madri compensou amplamente esse efeito. Ela se torna o símbolo mundial da luta
contra o fascismo [...]” (ibid, p.51). A primeira tentativa, em janeiro, foi perto de Madri,
onde foi possível estabelecer uma frente ofensiva ao custo de grandes perdas. A
segunda foi em fevereiro, conhecida como batalha de Jarama. Mortífera, porém não tão
decisiva o quanto se esperava. Em março, a batalha de Guadalajara objetivava
conquistar esta cidade a sessenta quilômetros de Madri. Os republicanos mesmo
desgastados com a batalha de Jarama conseguiram resistir ao avanço dos nacionalistas.
E novamente o alvo principal estava a salvo. Por um momento os nacionalistas
deixaram de tentar uma nova ofensiva contra Madri. Desta forma, os nacionalistas
redirecionaram suas ofensivas para outras áreas de grande importância: as Astúrias e o
34

País Basco. Acreditava-se que conquistar o Norte seria tão difícil quanto conquistar
Madri. Por terra realmente não seria de toda facilidade, entretanto havia a possibilidade
de uma ação marítima e outra aérea. O general Mola, a trinta e um de março de 1937,
enviou uma mensagem para os bascos. A mensagem foi seguida de uma ofensiva feroz.
Além dos militares carlistas navarros, havia uma divisão italiana e a Legião Condor
alemã. O ataque veio pelo ar atingindo duas cidades bascas: Durango, em trinta e um de
março; e Guernica, em vinte e seis de abril. Sobre Guernica, Vilar levanta tal questão:
Por que a destruição de Guernica tornou-se, por sua vez, um
acontecimento-símbolo? Às vezes se diz que o mundo, desde
Guernica, tem visto coisas piores. Mas Guernica foi a primeira a ser
destruída pelos alemães. O acontecimento tinha tais implicações que
os responsáveis negaram, seus aliados acreditaram e os indecisos
fizeram de conta que acreditavam (1989, p. 53).

Segunda-feira, vinte e seis de abril de 1937, um bombardeiro Heinkel 111 da


“esquadrilha experimental” da Legião Condor sobrevoou a cidade, bombardeou o
centro, desaparecendo em seguida. “[...] Quinze minutos depois, toda esquadrilha
sobrevoou a cidade lançando bombas de vários tamanhos [...]” (BEEVOR, 2007,
p.332). Momentos depois, esquadrilhas de caças Heinkel 51 continuaram o bombardeio
“[...] lançando granadas sobre homens, mulheres e crianças, sobre as freiras do hospital
e até sobre animais de criação. A parte principal do ataque nem sequer começara [...]”
(Idem). Três esquadrilhas fizeram ataques, revezados de vinte e vinte minutos, durante
duas horas, usando a técnica do bombardeio em tapete que havia acabado de ser
inventada pela Legião Condor. Os números de mortos são confusos. Assim como as
afirmações dos que participaram do planejamento dessa catástrofe. A presença dos
alemães foi fundamental para o ocorrido. O que aconteceu em Guernica chocou a
comunidade mundial. O choque veio tarde demais, pois se a razão estivesse à frente da
posição tomada pelos outros países, logo no início do conflito, talvez isto pudesse ter
sido evitado. Mesmo setenta anos após o término da guerra, muito se especula acerca
dos diferentes rumos que esta poderia ter seguido, caso a política de não-intervenção
tivesse realmente funcionado. Que não tivesse servido apenas para por em pé de
igualdade um governo legítimo e os rebeldes. A ameaça nazi-fascista poderia ter sido
cortada pela raiz? Ou a intervenção poderia ter adiantado a Segunda Guerra Mundial em
três anos? Capciosa interrogação? Talvez! Mudar os fatos nós não podemos, mas cabe-
35

nos o questionamento. O que teria mudado? Teria realmente feito a diferença? O que
poderia ter sido evitado?
O inevitável foi a queda do Norte. Após os ataques ao País Basco, foi a vez das
Astúrias. A região sofreu com a ofensiva nacionalista, que cercava os republicanos por
todos os cantos. “[...] Em fins de outubro de 1937 não existe mais a Frente do Norte
[...]” (VILAR, 1989, p.54). Anterior a queda do Norte, houve outras batalhas
importantes que serviram para definir as forças conflituosas. Entre julho e agosto,
ocorreram as duas mais importantes: a batalha de Brunete e a batalha de Belchite.
A batalha de Brunete começou no dia 6 de julho, em um ponto
considerado fraco da frente de Madri. O efeito da surpresa, bem-
sucedido, foi mal explorado. Vinte dias, sob um sol escaldante, a
batalha durou, horrivelmente mortífera. Brunete, pequena localidade
completamente destruída, teve de ser abandonada pelos republicanos,
que só ficaram com alguns vilarejos. Pequeno resultado para grandes
perdas. Mas, durante 20 dias, 30.000 homens, a aviação alemã e todo
um estado maior (mesmo Franco estava presente) tiveram que se
voltar do norte para Brunete (VILAR, 1989, p. 54).

O destino de Belchite não foi diferente. Naquele momento, quando Franco


direcionava as forças para Brunete e Belchite, acreditou-se que o Norte estava a salvo.
Mesmo que por alguns dias. Ledo engano. Por mais que a resistência dos soldados
republicanos fosse contundente, ela nem sempre pode vencer o poder bélico superior
dos nacionalistas.
As ofensivas em Brunete e em Belchite revelaram que a mera
superioridade material dos nacionalistas prevaleceria por fim sobre a
coragem e mesmo sobre a perspicácia tática dos republicanos. A
batalha de Teruel, momento decisivo na balança militar, provava esse
fato (SALVADÓ, 2008, p.198).

Com o Norte em seu poder, cabia agora a Franco retomar seus planos de
conquistar Madri. Porém, uma ofensiva republicana a Teruel, menor capital da
província de Aragão, fez com que os nacionalistas movessem seu contingente para lá.
Os dois lados sofreram com as condições climáticas da região e com sua geografia
montanhosa. A temperatura girava em torno de 5 a 20°C. As guarnições republicanas
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ficaram isoladas de suas bases. Após combates intensos nas ruas da cidade, Franco
conseguiu conquistar Teruel totalmente somente em vinte e dois de fevereiro de 1938.
Franco abandonou de uma vez por todas a sua permanente cautela e,
na metade de março, lançou um verdadeiro ataque-relâmpago – a
blitzkrieg, tática muitas vezes empreendida pelos oficiais do Eixo –
contra as já batidas tropas republicanas em Aragão. Sob uma cortina
de fogo produzida por mil aviões de caça, carros e tanques blindados
italianos e alemães, mais de 100 mil soldados, com forças italianas e
da elite moura na ponta de lança, elas cruzaram o rio Ebro. Em 15 de
abril tomaram Vinaroz (Castellón), alcançaram o Mediterrâneo e
cortaram a zona republicana em duas. A vitória parecia iminente
(SALVADÓ, 2008, p.199).

O resultado da batalha de Ebro para Franco não poderia ter sido melhor. Ela
representou “[...] o tipo de guerra de aniquilação que ele sempre quisera [...]” (ibid,
p.223). As baixas republicanas ficaram em torno de setenta mil, e dos nacionalistas em
sessenta mil. O desgaste de ambos os lados devido à longa guerra estava estampado no
rosto dos soldados. Fossem republicanos ou nacionalistas. As intensas lutas políticas
internas dos republicanos favoreceram os rebeldes. Em contraponto ao seu inimigo, os
nacionalistas haviam formado um Estado-Maior consistente, auxiliado pelos alemães
que treinaram os oficiais e soldados. O prolongamento do conflito se deu somente pelo
auxilio externo que ambos os lados receberam. A coragem republicana, inflamada pelos
gritos de No pasáran! (Não passarão!) da deputada comunista Dolores Ibárruri,
conhecida como La pasionaria, no inicio do conflito pegou de surpresa os golpistas.
Entretanto, a março de 1939 a vitória já estava nas mãos de Franco. Após conquistar a
Catalunha m janeiro de 1939, em vinte e oito de março as tropas franquistas adentravam
Madri. No dia 1° de abril, o ditador espanhol declarou “A guerra acabou.”
37

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para os povos, a História é, e permanece sendo, um feixe de


histórias. (...) Ela é aquilo que se observa, que se recorda e que pode
ser narrado vezes sem fim: um recontar da história. (...) A História é
uma invenção para qual a realidade fornece os elementos. Não é,
porém, uma invenção arbitrária. (H. M. Enzensberger)

Inventar? Não! Não pretendemos isso. Não nos é permitido e nem temos tal
direito. Não foi do escopo deste trabalho inventar acerca da história da Guerra Civil
Espanhola. O que propusemos foi uma análise sobre conflito, dividindo nosso olhar em
dois momentos. No primeiro, focamos na formação das bases conflituosas do país. Da
formação dos sindicatos (CNT e UGT), dos conflitos entre eles, dos constantes
confrontos contra o governo e o exército. A Monarquia, na figura do Rei Afonso XIII,
já dava sinais de que não duraria muito mais. A impaciência e o descontentamento da
população cresciam a cada dia. Com a queda da Monarquia e a proclamação da
república, acreditou-se que a situação fosse mudar. O que vimos foi sim uma tentativa
de por em prática medidas a fim de melhorar as condições de vida da população e
acabar com certos privilégios dos membros da igreja, do exército e dos grandes
proprietários de terra. Na Espanha, as constantes greves eram fatores de instabilidade
por um lado, enquanto por outro eram a forma como a classe operária tinha de exigir
seus direitos. A Esquerda no poder vacilou, dando oportunidade a direita de ascender ao
poder e retroceder os projetos políticos da esquerda. O que vimos nesses primeiros anos
da década de 1930 na Espanha foi uma polarização já existente. E em 1936, nas
eleições, vimos os sentimentos inflamarem. Após este recorte feito, retratando o período
anterior ao início do conflito, entramos no segundo momento de nosso trabalho.
No segundo momento de nossa pesquisa, procuramos estudar o desenrolar do
conflito e suas proporções internacionais. Uma das principais dificuldades no início da
formulação deste trabalho foi conseguir juntar um bom material de apoio que retratasse
a diplomacia das grandes potências democráticas. Nos últimos anos, com a abertura dos
arquivos soviéticos, novos trabalhos surgiram abordando a guerra civil espanhola. Não
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usufruímos somente de alguns novos trabalhos - como o de Beevor e de Salvadó -, mas


também de alguns clássicos – Thomas, Vilar e Orwell. Todos retratam o mesmo
conflito, porém sob óticas diferentes. A partir destas obras, construímos nossa análise
acerca do conflito, focando a participação estrangeira na guerra, vendo-a como fator
predominante para o resultado do conflito.
Muitos são os caminhos que podemos tomar quando resolvemos estudar a
revolução que ocorreu na Espanha. Um corpo militar se levanta contra o governo
legítimo, acreditando que rapidamente tomaria o poder. A guerra fratricida que eclodiu
no país acabou gerando o que os insurretos mais temiam e usavam como justificativa
para suas ações – uma revolução social. A população saiu às ruas, pegou em armas, foi
à frente de batalha e resistiu. Resistiu o quanto pode, o quanto deu. Três anos. Três
longos anos de lutas sangrentas que criaram um imaginário ainda maior sobre o
conflito. Homens jovens, velhos, mulheres e crianças. Espanhóis ou não. A fé num
futuro melhor, na terra, na liberdade, na esperança.
Esperamos ter alcançado nosso objetivo neste breve trabalho. Nossa proposta foi
simples e direta, entretanto não pararemos por aqui. A Guerra Civil Espanhola foi há 70
anos e a cada ano que passa novos trabalhos surgem no meio acadêmico,
proporcionando novas diretrizes. Para se entender, inicialmente, precisamos conhecer.
Ao buscarmos o conhecimento do fato, notaremos que muitos são os caminhos que
poderemos seguir. Caberá apenas a nós decifrar qual caminho e aproveitar o que ele tem
a oferecer. Seja o caráter revolucionário, seja a diplomacia, seja a política, seja no
campo das idéias. Então assim, poderemos fazer uso dos elementos fornecidos pela
realidade para tentar compreender a invenção por trás dela: a História.
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BIBLIOGRAFIA

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Brasiliense, 1981.

ALMEIDA, Paulo Roberto. Brasileiros na Guerra civil espanhola: combatentes na


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40

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