BRASIL:1
Construindo
um Pais
Autora:
Ana Carolina Corrêa da Costa Leister
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(...)
(....)
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Mais especificamente, esta é a linha institucionalista da escolha racional (Hall e Taylor, 1996).
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metafísica se coloca, como agente racional e autointeressado, e, por aí, como centro e
fim da natureza.
A natureza desse estado natural onde os indivíduos por serem iguais e livres,
dotados de vontade autônoma, portanto, indivíduos com preferências e interesses que
podem ser opostos e conflitantes, é um estado de guerra. Hobbes estabelece a filosofia
política fundamental do mundo moderno, o realismo da política de poder. A solução
para o problema da paz desse estado de natureza entre unidades de poder que são os
indivíduos racionais e autointeressados, portanto, que se relacionam em termos de
poder, é tanto a construção, pela engenharia dos indivíduos racionais, que constroem um
instrumento de coordenação das vontades livres para transformá-las, de decisões
individuais, em decisões coletivas, aqui, por meio do contrato social, a partir do qual
desenvolve uma tecnologia institucional denominada Estado, ao qual transferem ou
delegam seu direito originário natural de autocomposição, i.e., o recurso à própria força
para a solução de conflitos (Leister, 2005).
A história nos ensina que falhando a classe política, a tecnologia política adotada
para a construção de uma economia de mercado industrial foi aquela da ditadura que a
conduziu de forma top-down, i.e., com investimentos e direção do Estado. Essa
tecnologia política autoritária forçou a transferência de renda do setor agrário para o
desenvolvimento industrial, desenvolveu as primeiras instituições para dinamizar a
indústria que consistia na regulamentação das relações trabalhistas e promoveu o
desenvolvimento das primeiras empresas estatais (Tácito, 1997). O desenvolvimento
mais profundo e dinâmico da economia de mercado, agora com o setor de serviços,
além da agricultura e da indústria, carecia de um sistema financeiro capaz de fomentar o
investimento privado, em particular de uma autoridade monetária, ou seja, de um Banco
Central do qual já tínhamos como modelo o sistema financeiro americano desde 1913.
Novamente, a classe política foi incapaz visualizar a importância de implantar as
instituições do sistema financeiro para a construção de uma economia de mercado
moderna e o Brasil teve que conviver com três autoridades monetárias trazendo consigo
todos os problemas decorrentes da superposição de tarefas e de poder.
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A Amazônia Azul é constituída da soma da Zona Econômica Exclusiva e da Plataforma Continental.
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N
Brasil esboçado por Alberto Torres em sua obra A Organização
Nacional. Seu projeto, segundo nossa análise, antecipou muito daquilo
que se foi implementando desde o advento da República, e ainda que
seus alicerces possam ter sido deitados já no Império, no Brasil, conforme apresentamos
em capítulo prévio. Desta forma, se pode identificar em Torres um dos pioneiros na
construção de um projeto de país, o Brasil, que vem sendo construído até
hodiernamente, qual seja, um país cujo desenvolvimento vem sendo capitaneado e
construído sob a direção do Estado, um Estado centralizado leia-se, antes que um
federalista descentralizado. Este projeto, justamente aquele que vingou no Brasil, opõe-
se ao projeto liberal defendido por Ruy Barbosa, a quem Torres buscou se opor. Para
além de identificar em Torres o projeto que vingou no país, procura-se indicar que o
Brasil tinha e tem seu projeto de país, um projeto que combina Estado, economia de
mercado e democracia, como os demais países do mundo Ocidental, mas, igualmente,
um projeto de caráter eminentemente nacional, e nesse sentido, não uma mera cópia das
idéias e das instituições estrangeiras. Por aí se quer dizer que o que somos hoje não
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pode ser creditado a uma elite sem visão e ao resultado da casuística, antes, que
tínhamos e temos um projeto de país, que, a despeito dos percalços sofridos, não se
deixou de implementar por meio da condução forte do Estado, ainda que nem sempre
democrático, como comentamos anteriormente3.
Republicano como Ruy Barbosa, mas partidário de uma visão mais centralizadora
de poder e de um papel mais proeminente e intervencionista do Estado, Torres
antecipou o projeto que vingou no país, às expensas daquele fomentado por Barbosa.
Nessa perspectiva, Torres pretendia construir um projeto que representasse um meio
termo entre, de um lado, a centralização política extremada que vigeu no Brasil -
Império, e, de outro, a importação do modelo de descentralização federalista
estadunidense que era trazida na bagagem de Ruy Barbosa e que se pretendeu
implementar com nossa primeira constituição republicana. Na construção deste projeto,
Torres precisava realizar uma escolha entre o institucionalismo e o culturalismo. Não
escolhe nenhuma dessas abordagens. Escolher o institucionalismo significaria a
importação de instituições alienígenas, em particular o federalismo descentralizado
americano; escolher o segundo, abrir mão da república em favor de uma combinação
conservadora de centralismo político com coronelismo local. Embora sua leitura nos
permita classificá-lo como institucionalista, Torres não deixa de flertar em seu texto
com alguns aspectos do culturalismo. Essa combinação pouco ortodoxa teoricamente
permitiu na prática a construção de um projeto de país republicano, mas com veios
estritamente nacionalistas. Essa perspectiva Torres a expressa em seus questionamentos,
in verbis:
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Em certo sentido, países que se industrializaram apenas tardiamente, caso do Brasil, em regra passaram
por períodos de ditadura, ditadura esta que permitiu a rápida industrialização por meio de medidas
autoritárias.
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Segundo essas palavras de Torres, podemos vislumbrar sua decepção com a política
vigente, notadamente por não ver nela uma política de cunho nacional. Daí indicar
como seu método o uso da razão como forma de apreender o desenvolvimento natural
de uma sociedade, e neste ponto já podemos vislumbrar seus pontos de contato com o
culturalismo, e como desdobramento desse desenvolvimento, da adequabilidade de suas
instituições políticas a essa sociedade. Para além da inadequabilidade denunciada por
ele, uma outra nos é apresentada: o modelo de economia voltado à exportação. Torres
antecede o que é hodiernamente uma visão, e uma realidade no país com a emergência
da classe C, que nosso mercado interno é nossa maior riqueza, e como pudemos
perceber da última crise econômica global, que este mercado interno funciona como
anteparo e mecanismo estabilizador de nossa economia diante das convulsões
econômicas internacionais. A construção desse mercado interno, que vai desde as
reformas de Getúlio Vargas até o Plano Real de Fernando Henrique Cardoso e as
políticas redistributivas de Luis Inácio Lula da Silva, opõe-se frontalmente ao modelo
de economia para exportação pugnado hodiernamente por muitos de nossos
economistas que defendiam a aplicação, ao Brasil, do modelo econômico dos Tigres
Asiáticos, e por aí, o controle, por parte do Estado, da taxa de câmbio. Esse modelo não
apenas não vingou, como aquele que se tornou hegemônico, como queria Torres, é o
que tem levado o Brasil a se tornar a sétima economia mundial, devendo, ainda neste
ano, ao ultrapassar o Reino Unido, assumir a sexta posição4.
Impende ressaltar que o modelo advogado por Torres, e isso graças ao seu viés
culturalista, deve ser construído na forma botton-up, in verbis:
Esse viés, nada obstante, não compromete sua clara opção pelo institucionalismo:
4
http://economia.ig.com.br/brasil-deve-fechar-2011-como-a-sexta-maior-economia-do-
mundo/n1597344915924.html. Consultado em 03 de novembro de 2011.
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Em sua perspectiva, o Estado tem um claro papel de agente planejador e não pode
deixar de exercê-lo sob o pejo do liberalismo importado. Sua tese central, aquela que
responde pelo seu nacionalismo, cumpre salientar, é a necessidade que vê nas
instituições políticas de serem amoldadas às características físicas e culturais de seu país
(povo, território, recursos naturais, etc). Em seu projeto cumpre ao Estado capitanear o
desenvolvimento do país. Mas cumpre fazê-lo por meio, primeiramente, de sua
identificação à sua população, e para tal, dando condições para que essa população
venha a se constituir, florescer e progredir. Daí sua severa crítica às várias tentativas
governamentais de povoar o território nacional por meio de incentivos e medidas
cambiantes e de curto prazo. Para Torres, sem dar à população condições para se
enraizar, sem dar efetivos meios para promover sua fixação à terra e seu
desenvolvimento econômico, tudo o que poderão fomentar é a implantação de povos
estranhos ao país, povos estes que não se fixam à terra, antes, que vagueiam como
loucos atrás de melhores condições e oportunidades. Para tanto, faz-se necessário a
elaboração de uma política que tome em conta as reais necessidades de sua população
local, que em vez de construir uma economia voltada para a exportação, incapaz esta de
atender às demandas nacionais, pautar sua produção nessas necessidades. E, verdade
seja dita, enquanto se fizeram ouvidos moucos a esses reclamos de Torres, nossa
economia não se desenvolveu de maneira sustentada. A vinculação entre produção e
consumo, lição das mais chãs da teoria econômica, e aqui adiantada por Torres, não foi
aqui seguida senão a partir das duas grandes guerras mundiais do século XX. Uma das
medidas necessárias para proceder a esse modelo econômico segundo Torres – a
reforma agrária – não se deu senão nas duas últimas décadas. Verdade seja dita que o
modelo de produção econômica de Torres era quase fisiocrata, i.e., reconhecia na
agricultura a fonte primeira da riqueza nacional5. Considerando o período em que ele
5
Para Torres o comércio não era atividade geradora de riqueza. Ainda que equivocada, sua crítica não é
sem propósito, particularmente se pensarmos na contratualização e descolamento da economia financeira
da economia real que engendrou a crise financeira de 2008 (Leister, 2011).
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escreveu, quando nossa industrialização era apenas um sonho e uma vaga, sua
fisiocracia não nos parece fora de contexto6.
As medidas pugnadas por Torres devem ser implementadas, ut supra dixit, sob a
direção do Estado, ainda que não na forma top-down. Para tanto, sem buscar a
centralização do Império, Torres parece apontar que o federalismo republicano
estadunidense importado por Ruy Barbosa é inapropriado para o nosso país. Daí sua
defesa de uma reforma política que restrinja a autonomia dos Estados e municípios,
fomentadora que era da corrupção e do coronelismo, em favor de um governo central
mais forte capaz de coordenar e fazer convergir os interesses nacionais, notadamente
quanto aos regimes fiscais, buscando sua homogeneização, haja visto que sua
heterogeneidade é, ainda hoje, uma das fontes primárias das desigualdades regionais.
Sua proposta permite adiantar o modelo de federalismo cooperativo eleito e desenhado
em nossa Constituição Federal de 1988. Não vinga no país, todavia, sua adesão ao
parlamentarismo. De todo modo, como se pode depreender de sua leitura, o
institucionalismo de Torres o leva a confiar nas instituições como forma de
implementação de um projeto de país, nunca em personalidades, haja visto sua
consideração de que o país carece de estadistas. Suas projeções se concretizaram.
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E a ver o peso do agronegócio na produção da riqueza nacional ainda hodiernamente (ainda que agora
altamente tecnologizado), sequer podemos caracterizar sua fisiocracia de ultrapassada. E, em certo
sentido, a visão de Torres pode ainda ser tomada como atual, e isso ao menos por duas razões: (i)
primeiro, porque os países que se desindustrializaram e optaram pelo desenvolvimento econômico pela
via dos serviços, caso da Europa excluindo a Alemanha, sofre hoje de sérios problemas; (ii) segundo
porque os recursos naturais, e em particular os energéticos, são hoje a principal fonte de riqueza de um
país (Leister, 2007).
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casuisticamente, antes, foi racionalmente planejado e construído pelo Estado, graças aos
veios centralizador e intervencionista que Torres pugnava para ele.
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V. BIBLIOGRAFIA
HALL, PETER, TAYLOR ROSEMARY. Political Science and the three New
Institutionalisms. Political Studies. Dec. 1996.