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A necessidade de inovar: um estudo na

indústria de alimentos
Lia Krücken-Pereira*
Aline França de Abreu**
Ariovaldo Bolzan***

Resumo Abstract
O presente artigo tem por objetivo apresentar The aim of this paper is to present market
as tendências de mercado, por meio da análi- trends through na analysis of themacro
se de seus indicadores macro-ambientais e as environmental indicators, and the changes in
mudanças no comportamento dos consumido- the consumer behavior, relating these to
res e respectivos padrões de consumo, relaci- possible innovation strategies for food products.
onando-as com as possíveis estratégias de ino- Key words
vação de produtos da indústria de alimentos. Innovation, food products, market trends,
Palavras chave consumer behavior, food industry
Inovação, alimentos, tendências de merca-
do, comportamento do consumidor, indús-
tria de alimentos

* Doutoranda em Engenharia de Produção


da Universidade Federal de Santa Catarina
- UFSC - E-mail - lia @enq.ufsc.br

**PhD em Engenharia de Produção.


Coordenadora do Núcleo de Estudos em ***Doutor em Engenharia Química. Diretor do
Inovação, Gestão e Tecnologia da Centro Tecnológico da Universidade
Informação — IGTFUFSC. Federal de Santa Catarina — UFSC.
E-mail - aline@esp.ufsc.br E-mail - abolzan@enq.ufsc.br
REVISTA DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO, Florianópolis, v.4, n.6, p.19-2'7, jan./jum.2002 411.A.113.111>
20 Lia Krücken-Pereira, Aline França de Abreu e Ariovaldo Bolzan

1 Introdução gem as inovações?" A resposta a esta pergun-


ta é de importância crucial para compreender
O fator chave para o sucesso de uma o processo de adoção de uma inovação num
empresa é entregar ao consumidor um pro- dado ambiente social.
duto ou serviço com o maior valor agregado A análise de indicadores macro-
possível (relação performance/preço) aten- ambientais, das mudanças no comportamen-
dendo suas necessidades ou, de preferência, to dos consumidores e respectivos padrões
antecipando-se a estas necessidades, antes e de consumo, revela as tendências de merca-
melhor que a concorrência. Este é um dos do que podem ser traduzidas em oportuni-
objetivos da inovação. dades de inovação.
A necessidade de inovar surge, entre ou-
tros fatores, como conseqüência do dinamis- 2 Inovação, inovação tecno-lógica e ino-
mo do mercado, composto por um complexo vação estratégica
conjunto de fatores de ordem econômica, so- Uma inovação traduz-se como a reação
cial, demográfica, política, ambiental, cultural de uma empresa às mudanças do ambiente
e tecnológica (Tornatzky e Fleischer, 1990) externo, para criar ou manter uma vantagem
Sheth e Ram (1987) apontam quatro for- competitiva (Servizi per l'Innovazione
ças responsáveis pelo aumento da importân- Tecnologica, 1999). Pode focar qualquer ati-
cia da inovação em serviços e produtos a par- vidade funcional ou processo organizacional
tir dos anos 80: a) mudanças na regulamenta- da empresa. Considera-se que a inovação
ção/legislação, b) mudanças tecnológicas tecnológica seja um caso particular de inova-
abruptas (ou rupturas tecnológicas), c) novo ção que se baseia na utilização de conheci-
caráter da competição (em relação a mudan- mentos científicos e tecnológicos, cujo con-
ças econômicas políticas, etc), e d) mudanças ceito é a transformação de uma idéia em um
no comportamento dos consumidores. novo produto/serviço ou melhoramento do
Segundo Meltzer (1991), o potencial da mesmo através da tecnologia.
inovação reside na substituição temporária ou Segundo Sheth e Ram (1987), uma ino-
permanente dos produtos atuais por produtos vação deve oferecer funções adicionais ou
novos. Sob este aspecto, a prática da inova- benefícios em um produto ou serviço a um
ção na indústria de alimentos é uma questão mesmo custo, ou as mesmas funções e benefí-
de sobrevivência para uma organização, pois cios a um custo inferior.
grande parte dos produtos alimentícios que Schumpeter (apud Servizi per
serão consumidos na próxima década ainda l'Innovazione Tecnologica, 1999) distingue cinco
não foram inventados (Trunel, 1998). tipologias de inovação: introdução de um novo
Além disso, as empresas que trabalham produto, introdução de um novo método de
freqüentemente com inovações formam uma produção, abertura de um novo mercado, utili-
imagem moderna para seus consumidores, zação de uma nova fonte de aproveitamento de
melhorando ainda mais sua competitividade. matéria-prima ou bens intermediários, e final-
As tendências do mercado podem ser mente, reorganização de um ente econômico.
traduzidas em inovação do produto (intrínse- Já a inovação tecnológica apresenta-se
cas ao mesmo) ou de seu posicionamento, atra- classificada por Tornatzky e Fleischer (1990)
vés de uma estratégia adequada ao segmento como: inovação de produto ou inovação de
consumidor que se deseja atingir. processo, radical ou incremental.
Contudo, esse processo envolve riscos e Diversas definições para processo de ino-
incertezas, e para a empresa inovadora cabe vação tecnológica podem ser encontradas na
então questionar: "Como os consumidores rea- literatura (Valeriano, 1985; Sheth e Ram, 1987;
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Tornatzky e Fleischer, 1990; Markides, 1997, 3 Tendências de mercado: indicadores
dentre outros). Apesar dos diferentes focos de macro-ambientais
abordagem, os diversos autores destacam o
fato de que esse processo envolve mudanças Os indicadores do macro-ambiente po-
que sempre trazem incertezas, dificuldades e dem ser classificados como componentes
riscos, ao mesmo tempo que são vitais para a demográficos, econômicos, políticos, culturais
sobrevivência das organizações. e tecnológicos (Nardin, 1996; Kotler e
Tornatsky e Fleischer (1990) consideram Armstrong, 1999). Apresentam-se alguns
que o processo de inovação tecnológica envol- exemplos de indicadores o Quadro 1.
ve o desenvolvimento e introdução de ferramen- Através da identificação e monitoramento
tas derivadas do conhecimento, através (12s quais de dinâmicas específicas de cada um desses
as pessoas interagem com seu ambiente. componentes pode-se juntar peças, a princí-
Valeriano (1985) define inovação pio isoladas, para formar uma visão a longo
tecnológica sob um ponto de vista funda- prazo, que possibilite criar ou ajustar um pro-
mentalmente econômico, como "o proces- duto (inovação) à tendência de mercado.
so pelo qual uma idéia ou invenção é trans-
posta para a economia". Ou seja, ela per- Quadro 1. Indicadores macro-ambientais de
corre o trajeto que vai desde esta idéia, tendências.
fazendo uso de tecnologias existentes ou
buscadas para tanto, até criar o novo pro- Indicadores demográficos Idade, renda, composição
duto ou serviço e colocá-lo em disponibili- do núcleo familiar, localização
geográfica.
dade para o consumo ou uso.
Markides (1997) apresenta o conceito Indicadores econômicos Dinâmicas e perspectivas do
de inovação estratégica como a forma de uma sistema econômico e de alguns
setores em particular,
organização ser competitiva e liderar o mer- taxa de interesse e apoio do
cado. Neste contexto, o autor define cinco governo, relações cambiais,
maneiras de pensar e desenvolver a inova- utilização da capacidade
produtiva.
ção tecnológica como um processo contínuo,
que podem ser utilizadas pela organização, Indicadores políticos Sistema político, legislação,
isoladas ou combinadas. São elas: redefinir normas fiscais,
posicionamento do governo,
o negócio como um portfolio de core dinâmica de exportação e
competences' ; identificar quem são seus con- importação.
sumidores e como estes se comportam (se-
Indicadores culturais Estilo de vida, moda, opiniões
lecionar o nicho de mercado que se deseja dos formadores de opinião, taxa
atuar) com base nas tendências de mercado de escolaridade, cultura, relação
e comportamento do consumidor; redefinir com a economia de mercado.
quais são os produtos ou serviços, orientan- Indicadores tecnológicos Maturidade tecnológica de
do-se para o consumidor e suas necessida- setores específicos,
des; investir em aprendizado e habilidades desenvolvimento de novas
tecnologias.
organizacionais e do indivíduo para construir
e sustentar core competences que serão in-
corporadas nos produtos; pensar sob pon- Popcorn (1990) considera que o futuro
tos de vista diferentes: de forma pró-ativa e do consumidor surge da confluência de fato-
não reativa, investigar o surgimento de novas res psicológicos, sociais, demográficos e eco-
tendências, antecipar necessidades, aplicar nômicos. Ao se identificar o aparecimento de
core competences para inovar. uma tendência, através do constante
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monitoramento de indicadores, deve-se es- 1991; Manning, 1992; Trunel, 1993; Lambert,
tudar o impacto que esta poderá ter nos ne- 1997; McKenna, 1997; NRLO, 1998).
gócios para direcionar a estratégia de inova- Quanto aos aspectos sócio-econômicos,
ção da organização. políticos e culturais, citam-se: o envelhecimento
Segundo McKenna (1999) a idéia cen- da população e o aumento da perspectiva de
tral do posicionamento de produtos está em vida; o processo de urbanização; a redução
usar o ambiente de maneira eficaz. Ou seja, do tamanho das famílias; a globalização e au-
corrobora a visão de que deve-se avaliar o mento da competitividade de mercado; as os-
ambiente ao se considerar uma estratégia de cilações econômicas; a saída da mulher para o
inovação. A Figura 1 representa a afirmação mercado de trabalho; a diminuição do tempo
do autor: "o ambiente define o produto". disponível para preparo e consumo de refei-
ções; as misturas étnicas; a redução de esfor-
Figura 1.0 ambiente define o produto. ços físicos e aumento do sedentarismo; a pre-
ocupação ecológica; o aumento de exigência
por parte dos consumidores; a intensa
disponibilização de informações ao consumi-
dor via meios de comunicação (inclusive
internet); o poder de escolha atribuído a cri-
anças e adolescentes; a formação de grupos
econômicos (Mercosul, Comunidade Comum
Européia); as políticas de importação e expor-
tação; as inúmeras opções de escolha e varie-
dade de alguns tipos de produto.
Em relação aos aspectos tecnológicos,
pode-se observar: o desenvolvimento de pro-
cessos da indústria de alimentos; o desenvol-
vimento de aditivos, novas matérias-primas e
produtos e novas utilizações para matérias-
Fonte: McKenna (1999, p. 63) primas tradicionais; o desenvolvimento de pro-
cessos de materiais e embalagens; o desen-
Das dinâmicas que podem ser volvimento do sistema logístico; a moderniza-
identificadas e monitoradas destacam-se a ção das técnicas de controle de qualidade; o
competitividade da estratégia tecnológica ado- suporte tecnológico aos meios de comunica-
tada pela organização e seus concorrentes, as ção; desenvolvimento e difusão de equipamen-
tendências que se firmam como estilos de vida, tos em escala apropriada para uso doméstico
a política monetária e fiscal, a estabilidade so- (forno elétrico, freezer, etc); o desenvolvimento
cial, entre outras. de tecnologias "ecologicamente corretas".
Além dos aspectos apresentados, de-
4 Reflexos das tendências de mercado nos vem ser considerados as normas legislativas
hábitos de consumo de produtos alimen- em vigor em cada país. Elas diferem signifi-
tares cativamente, podendo funcionar, muitas ve-
zes, como barreiras à entrada de um produto
Pode-se identificar algumas tendências
em outros mercados.
que influenciam no comportamento do consu-
Um fator importante, que não pode ser
midor, e portanto no seu padrão de consumo
marginalizado, é o fato de que os investimentos
e escolha alimentar (Hicks, 1990; Meltzer, em pesquisa e desenvolvimento de novos pro-
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dutos em um ambiente altamente competitivo (CREDOC). Segundo os critérios utilizados
conduzem a situações de risco se os organis- pelo autor, os consumidores podem ser classi-
mos que controlam e regulamentam esses pro- ficados como: os urbanos modernos, os rurais
dutos não acompanharem estas evoluções. domésticos, os gregários, os idosos tradicionais,
Nota-se gradativo aumento no número os isolados e os "bem-de-vida". O padrão de
de consumidores que buscam maiores infor- consumo difere significativamente entre os tipos,
mações sobre o produto que estão consu- assim como suas reações a inovações.
mindo: origem, composição, processo de fa- Uma pesquisa feita na comunidade ho-
bricação (Trunel, 1998). landesa através do NRLO - National Council
Esta situação é agravada no caso de pro- for Agricultural Research, em 1998, identi-
dutos alimentícios, devido à própria natureza ficou quatro tipos de consumidor: o racional,
do produto. A inquietude e a incerteza relaci- o cooperativo, o competitivo, e o responsá-
onada à procedência dos alimentos, a vel. O racional é previsível e se interessa por
neofobia2 , as freqüentes crises alimentares - produtos eficientes, rápidos e confiáveis. O
como a amplamente discutida "crise da vaca cooperativo se preocupa em adquirir produ-
louca"3 - e a introdução de alimentos geneti- tos tradicionais e regionais. Para o consumi-
camente alterados4 no mercado são alguns fa- dor competitivo o que importa é o quanto um
tores que levam o consumidor atual a buscar produto se adapta as suas necessidades indi-
produtos cuja qualidade e procedência pos- viduais. É imprevisível e volátil. Já o consumi-
sam ser garantidas de alguma forma. O gran- dor responsável possui um forte sentimento de
de número de publicações de massa disponí- responsabilidade em vários aspectos, o que
vel responde à crescente preocupação do con- resulta em um elevado apreço pela
sumidor em relação ao tema. sustentabilidade, seja do produto ou seja da
Algumas conseqüências dos fatores organização que o produziu.
supracitados podem ser observadas nas mu- Outro tipo de classificação é sugerido
danças de comportamento do consumidor e por Meulenberg (apud NRLO, 1998). Segun-
de seus padrões de consumo. do este autor os consumidores podem ser:
5 Comportamento do consumidor: mudan- conscientes-ecológicos, conscientes-saudá-
ças no padrão de consumo veis, práticos, hedonísticos, conscientes do
preço, e procuradores de variedades e novi-
Alguns autores identificam os tipos de dades. Estes seriam os chamados perfis pu-
consumidores e padrões de consumo confor- ros, que usualmente apresentam-se em formas
me seu estilo de vida (Lalhou, 1993; Brunso, combinadas. Através desta pesquisa o autor
1996; Lambert, 1997; Hetzel, 1998; também constatou que as pessoas consomem
Meulenberg, 1998). de formas diferentes, de acordo com as cir-
Ao se analisar os estilos de vida e suas cunstâncias e funções (exemplo: finais-de-se-
características tem-se uma visão das prová- mana, local de trabalho, etc).
veis necessidades dos consumidores e quais Estes tipos de classificação diferem con-
estratégias de inovação de produto serão mais forme os critérios considerados e as caracte-
adequadas para satisfazê-las. rísticas da população analisada.
Lalhou (1993) apresentou em seu traba- Por intermédio de um modelo cognitivo
lho dados estatísticos sobre a evolução de con- desenvolvido para relacionar o padrão de con-
sumo de alimentos e do comportamento do sumo alimentar ao estilo de vida, Bninso (1996)
consumidor na França, obtidos através do estudou a segmentação do mercado consumi-
Centre de Recherche pour l'Étude et dor de produtos alimentícios em quatro países:
l'Observation des Conditions de Vie- Alemanha, França, Inglaterra e Dinamarca. O
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autor identificou alguns perfis de consumidor Busca-se agregar valor através dos atributos
baseando-se nos seguintes aspectos: intrínsecos do produto. A segunda baseia-se
formas de compra—por impulso, atra- nas técnicas de valorização de um produto
vés das informações do rótulo, através de indi- através de seus atributos extrínsecos e intangí-
cações de especialistas, amigos, crianças, etc; veis, de forma a diferenciá-lo e/ou posicioná-
métodos de preparo do alimento — lo em um segmento específico do mercado
devido a sua imagem e identidade.
tempo disponível, ação espontânea ou plane-
Da análise do comportamento do con-
jada, prática ou sofisticada;
sumidor e das tendências de mercado a cur-
aspectos de qualidade — valor atri-
to, médio e longo prazos, pode-se coletar in-
buído ao produto devido a características como
formações importantes para o processo de
natural, fresco, saudável e saboroso;
melhoramento ou de desenvolvimento de no-
situações de consumo — para que tipo vos produtos, bem como para a criação/ajus-
de refeição, qual horário ; te da imagem do produto ao mercado. Algu-
e) motivo de compra— expectativas do mas investigações são apresentadas no rela-
consumidor, aspectos sociais, tradicionais, cul- tório da NRLO - Report 98/3E (1998) e nos
turais, etc. trabalhos apresentados pelos autores Hicks
Hetzel (1998) define as novas formas de (1990), Rakobowchuk (1991), Meltzer
consumo, de forma genérica, através de estudos (1991) e Manning (1992).
sobre o comportamento dos consumidores. Se- As principais características apontadas na
gundo esse autor, o consumidor atual busca: escolha de um produto alimentar são: caracte-
rísticas organolépticas (sabor, aroma, textura,
a expressão de sua personalidade nos aparência visual); relação qualidade/preço;
produtos, o que leva ao ecletismo na oferta de praticidade de uso e de consumo; tamanho da
produtos; embalagem; marca; características nutritivas;
a inovação e as melhorias em relação facilidade de acesso; características especiais
às características do produto (ex: um produto (dietéticos, light, biológicos); segurança ali-
mais saudável, produzido de forma ecologica- mentar e apelo emocional.
mente consciente); Um estudo contínuo e aprofundado na li-
c) a satisfação das necessidades afetivas teratura sobre o comportamento do consumi-
e estéticas. dor, as tendências de mercado e a indústria de
É importante considerar as tendências alimentos permitiu identificar algumas possíveis
observadas nos padrões de consumo ao se inovações na forma de apresentação e no pró-
definir a estratégia de valorização do produto prio perfil dos produtos como potenciais opor-
a ser adotada pela organização. Alguns exem- tunidades de mercado.
plos são discutidos a seguir. O envelhecimento da população e au-
mento da perspectiva de vida implica no au-
6 Inovações nos produtos alimentares mento da demanda de produtos com atributos
apropriados para idosos, ou seja, menores
Distinguem-se duas formas de inovarem porções, sabores específicos, ingredientes de
produtos. A primeira, focada no produto em alta qualidade, produtos mais saudáveis,
si, consiste em desenvolver novos produtos ou dietéticos (com restrição de colesterol, açú-
agregar valor aos produtos tradicionais atra- car, sódio e sal) e enriquecidos (vitaminas, sais
vés de melhoramentos, buscando satisfazer e minerais, oligoelementos).
antecipar as necessidades do consumidor atu- A crescente saída da mulher para o mer-
al ou futuro, e criar novos nichos de mercado. cado de trabalho implica em redução do tem-
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po de preparo das refeições e maior renda fa- O acesso facilitado a informações torna
miliar, o que se traduz em oportunidades de o consumidor cada vez mais informado, cons-
inovação em produtos semi-prontos e pron- ciente e exigente quanto a sua alimentação.
tos, práticos (congelados, para microondas), Desta forma, a qualidade da informação apre-
tradicionais e de alta qualidade. sentada em um produto — relevância, clareza,
A redução no número de pessoas do nú- linguagem — pode diferencia-lo dos demais,
cleo familiar leva a demanda de produtos em inspirando confiança no consumidor.
porções individuais ou embalagens menores. Muitas outras tendências podem ser
A alta competitividade do mercado analisadas com o objetivo de investigar
provoca a redução do timing que uma or- oportunidades de inovação. Basicamente,
ganização tem para oferecer um novo pro- identificou-se uma crescente demanda, por
duto ao mercado, aumentando as opções parte do consumidor final, de: produtos em-
de escolha do consumidor, o que, por sua balados em porções individuais; produtos
vez, eleva os critérios de exigência do mes- com tempo de validade elevado (leite lon-
mo. Surge mercado para os produtos es- ga vida); alimentos semi-processados e
peciais, produtos de origem controlada e prontos para consumo (produtos de terceira
de alta qualidade, além de produtos cuja ou quarta gama); alimentos de fácil prepa-
marca é reconhecida. ro (especiais para microondas, congela-
As preocupações ecológicas fazem com dos); alimentos especiais: variedades étni-
que o consumidor busque mais informações cas, versões light e diet, linha Premium
sobre o produto que está consumindo e sobre (alta qualidade e valor agregado do pro-
a empresa que o produziu. Valoriza-se os pro- duto e da matérias-primas utilizadas em sua
dutos acondicionados em embalagens recicláveis produção); alimentos saudáveis: origem
ou retornáveis, porções menores (que evitem controlada, sem presença de agrotóxicos,
desperdícios), marcas de organizações que pos- sem adição de conservantes ou outros
suam ideologia ecológica e serviço de atendi- aditivos, com teor de colesterol e/ou gor-
mento ao consumidor bem estruturado. dura reduzidos, etc; alimentos enriquecidos
Devido à globalização, o consumidor tem com vitaminas, minerais ou outros elemen-
acesso a produtos de diversos países e regi- tos (também chamados alimentos funcio-
ões e sofre intensa abordagem publicitária. Sob nais); alimentos tradicionais, frescos, am-
este aspecto, surgem como oportunidades para plamente disponíveis devido a desenvolvi-
a indústria de alimentos a imitação e adapta- mentos tecnológicos na área de embalagens
ção ao gosto nacional de produtos estrangei- e processamento (queijos embalados à vá-
ros introduzidos no mercado. cuo); alimentos desenvolvidos especialmen-
O elevado sedentarismo da população te para idosos ou outros grupos sociais
leva ao consumo de alimentos menos identificados (alimentos menos crocantes,
calóricos, elevando a demanda de alimentos com tempero mais leve, etc).
dietéticos e light. Buscando-se a valorização do produto
O poder delegado a crianças e adoles- por meio da imagem, apontam-se como es-
centes cria novos padrões de consumo famili- tratégias: a criação de uma identidade visual
ar, fortemente influenciado por promoções com atualizada, através de embalagens modernas
foco infanto-juvenil, e por campanhas publici- de alto apelo visual, diferenciadas,
tárias. Nesse caso, o grande potencial de ino- direcionadas para um mercado específico; e
vação reside no aspecto visual dos produtos, a valorização de características como tradi-
desde sua forma e apresentação até sua em- ção, qualidade, segurança, origem controla-
balagem e imagem. da do produto - através das denominações
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01111CCAtIllo
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de origem e qualidade', indicação de origem5 ingredientes, informática, etc —essencial para


e certificação de qualidade. a prática da inovação e seu sucesso.
7 Considerações finais Notas
Muito tem se investido em desenvolvi- 'Core competentes: capacidades e compe-
mento de produtos na indústria de alimentos. tências características de uma organização,
Trata-se de um mercado altamente competiti- como por exemplo know-how tecnológico
vo e dinâmico, onde decisores e empresários de processos
devem agir rapidamente para acompanhar as 2 Neofobia: reticência do consumidor em rela-
mudanças no comportamento do consumidor, ção a novidades
confluência de fatores de ordem social, eco- 'Crise da "vaca louca", encefalite
nômica, política, cultural e tecnológica. espongiforme bovina – doença que se ex-
No Brasil, assim como na América La- pandiu na Europa a partir de 1996, tema de
tina como um todo, as oscilações econômi- destaque em jornais europeus e america-
cas, a forte presença de indústrias de alimen- nos e deflagrou no Brasil em 2000.
tos multinacionais, a formação de tratados co- 4' 5 Denominação de origem e indicação ge-
merciais (como o Mercosul, a Nafta e El Pacto
ográfica são modalidades de proprieda-
andino) e as dinâmicas econômicas mundiais
de industrial
têm marcada influência no mercado. Além dis-
so, a América Latina é, cadã vez mais, o alvo Referências
de investimento de organizações de várias na-
cionalidades, as quais contam com agressi- ANDERSON, J.C.; NARUS, J.A. Business
vas campanhas para conquistar o mercado, marketing: understand what customers value.
cujo potencial é enorme. (Industria Harvard Business Review, november-
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inovar tecnologicamente para manter a organi-
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