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O PAPEL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DE UMA FORMAÇÃO

CIDADÃ: VERTENTES REFLEXIVAS A PARTIR DA INTERVENÇÃO


DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO EM MASSA NO QUOTIDIANO DOS
ALUNOS

Camila Rodrigues de la Rocha1 - IFSul

Eixo – Cultura, Currículo e Saberes


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O papel da escola como formadora de cidadãos tem se apresentado falho, principalmente nos
últimos anos. Formar o aluno para o convívio em sociedade tem se tornado uma tarefa muito
difícil. Embora a escola esteja presente em muitos anos das vidas das pessoas, exercendo,
juntamente com a família, o papel de educar o ser humano em formação, as dificuldades
encontradas no meio desse caminho são muitas. Dentre os vários atravessamentos na relação
entre escola e cidadão em formação, está a mídia, que também passou a ocupar um papel de
formadora de opinião, e que, muitas vezes, consegue se sobrepor ao papel da escola, tornando-
se o principal meio de aprendizagem dos alunos. A mídia passou a ter mais força do que a
escola. O acesso cada vez mais facilitado aos meios de comunicação proporcionou aos alunos
o acesso a um número ilimitado de informação, porém, grande parte desses alunos não
desenvolve a capacidade de filtrar tais informações, nem de determinar como utilizá-las em
sociedade. Na realidade do mundo atual, as pessoas passaram a formar opiniões de acordo com
o que é replicado nos meios de comunicação. As opiniões individuais deram lugar às opiniões
em massa, e tornou-se mais fácil aceitar o pronto em vez de criar o novo, aceitar a opinião dos
outros e não formar sua própria. Por isso, a escola precisa mudar para ganhar maoir espaço na
formação do aluno, precisa ensinar cidadania, conceito primordial para o convívio em sociedade
e que é deixado de lado na formação do aluno. A escola precisa aprender a formar cidadãos
críticos e capazes de exercer criticamente seu papel na sociedade. Com uma pesquisa
bibliográfica de autores como Larrosa Bondía, Edgar Morin e Maria da Graça Setton, que
trabalham com o currículo e suas interações com a atualidade, foi possível iniciar esse estudo.

1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Especialista em Direito Público pela
Escola da Magistratura Federal - ESMAFE. Aluna do Curso de Especialização em Educação: Espaços e
Possibilidades para a Formação Continuada a Distância – CPEaD do IFSul Campus Pelotas. Aluna especial do
Mestrado em Educação do IFSul Campus Pelotas. Servidora Pública do IFSul Campus Pelotas. E-mail:
camiladelarocha@gmail.com.

ISSN 2176-1396
20009

Palavras-chave: Aluno. Cidadão. Papel da escola.

Introdução

Vivemos em um mundo globalizado, mas altamente diversificado culturalmente, e o


ambiente escolar vinculado à permanência do aluno e a uma boa formação se apresenta como
um grande desafio para a escola, uma vez que as grandes transformações ocorridas na sociedade
estão desafiando as pessoas a uma nova situação de vida.
A escola encontra dificuldades de se adaptar a uma nova realidade cultural, que tem
modificado as relações pessoais, privilegiando o individualismo, o contato virtual em
detrimento das relações pessoais. O importar-se com o outro é algo que cada vez mais perde
significado, e isso acaba desvirtuando o papel do aluno como cidadão.
A condição de cidadão, segundo a Constituição federal de 1988, só é adquirida mediante
a inscrição da pessoa como eleitor. Somente a partir desse momento os direitos de cidadão, de
votar e ser votado, entre outros, podem ser exercidos. Entretanto, usualmente, fala-se em
cidadania como uma identidade decorrente do convívio social, referindo-se aos direitos e
deveres da pessoa na sociedade.
Embora exista essa dupla interpretação atribuída à palavra cidadão, de alguma forma,
ambos significados se relacionam. Tanto a expressão “cidadão eleitor” como a expressão
“cidadão pessoa” referem-se a pessoas com direitos e deveres necessários ao bom convívio em
sociedade. A formação do “cidadão pessoa” contribui para a formação do “cidadão eleitor”, e
a formação do “cidadão eleitor” é o que pode garantir o bom convívio em sociedade para todos
os “cidadãos pessoas”.
O papel da escola, portanto, é de fundamental importância, já que ela influencia tanto
na formação do “cidadão pessoa” quanto na formação do “cidadão eleitor”. Mas esse papel não
fica restrito à escola. Depende, muito, da educação familiar e é fortemente influenciado, cada
vez mais, pelos meios de comunicação, que tem atuado, crescentemente, como formador de
opinião das pessoas, dos cidadãos, eleitores ou não.
Setton (2002), ao analisar a relação entre família, escola e mídia no mundo
contemporâneo, afirma que

a educação no mundo moderno não conta apenas com a participação da escola e da


família. Outras instituições, como a mídia, despontam como parceiras de uma ação
pedagógica. Para o bem ou para o mal, a cultura de massa está presente em nossas
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vidas, transmitindo valores e padrões de conduta, socializando muitas gerações.


(SETTON, 2002, p. 109)

Diante dessa realidade, uma análise mais aprofundada da formação desses alunos,
enquanto pessoas e enquanto eleitores, se faz necessária, a fim de que o cidadão que formamos
tenha um maior conhecimento do seu papel como parte da sociedade enquanto sujeito de
direitos e deveres.
Faz-se importante, portanto, buscar a todo tempo rever as análises sobre o currículo de
forma a tentar identificar, na contemporaneidade, quais teóricos podem auxiliar na modificação
curricular de forma a alterar o cenário de abandono do papel de cidadão na sociedade atual.

Metodologia

O trabalho foi desenvolvido com base em pesquisas bibliográficas de autores que


estudam a formação do pensamento crítico do aluno, a formação cidadã e a influência dos meios
de comunicação nesses tipos de formação.
Tendo em vista a atualidade do tema pesquisado, foram utilizados autores
contemporâneos para fazer uma abordagem do papel da escola na construção de uma formação
cidadã dos alunos, mais especificamente Larrosa Bondía (2002) e Morin (2000), além de Setton
(2002), que também trata do tema na contemporaneidade.

O curriculo escolar e a formação do cidadão

Historicamente as relações entre alunos e professores tem sido regidas por relações
hierárquicas nas quais o aluno figura como aquele que deve obedecer às regras impostas pela
instituição, e essa situação se mantém até hoje. A escola é imposta ao aluno com um modelo
pré-determinado por parâmetros políticos que privilegiam a manutenção de uma situação de
exclusão, com a manutenção de um currículo que reproduz relações de classes, e isso faz com
que o aluno não encontre seu lugar na escola nem na sociedade.
Esse cenário é típico de um modelo tradicional de currículo, que, embora tenha dado
vez a diversas teorias críticas e pós-críticas ainda mantém fortes características nas escolas
brasileiras. Ainda podemos ver, atualmente, uma escola que traz a idéia de organização e
desenvolvimento e que tem como finalidade única a preparação para o mercado de trabalho,
com base nos modelos de Bobbit e Tyler, (SILVA, 2013), mas que deixa de lado a formação
para a vida.
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Para contrariar esse modelo de reprodução em massa, a escola deve ser compreendida
como integrante do processo de formação do cidadão e da sociedade, e não apenas como uma
mera reprodutora de conhecimentos, mas como uma produtora de conhecimentos
comprometida socialmente. Esse tipo de mudança, embora seja discutida há algumas décadas
entre os teóricos críticos e pós-críticos, leva muito tempo para acontecer, mesmo porque
contraria os interesses de alguns. O que observamos em nossa realidade é uma escola que ainda
espera que digam qual o caminho seguir, o que ensinar e qual projeto cultural e social a ser
desenvolvido, enquanto os meios de comunicação tomam frente na formação de opinião.

A mídia e a formação do aluno

A escola, em regra, permeia grande parta das nossas vidas, aprimorando o ensino e a
aprendizagem, que nos acompanham desde o momento de nosso nascimento. Inicialmente
recebemos o ensino daqueles que nos rodeiam e aprendemos com tudo e todos que estão em
nossa volta. Chegando a idade escolar, iniciamos uma longa trajetória da vida acadêmica. Tanto
nosso aprendizado na escola quanto o nosso aprendizado na vida cotidiana tem o objetivo de
nos tornar capazes de conviver em sociedade, de nos tornar cidadãos. Mas porque o convívio
em sociedade parece cada vez mais difícil? Por que nos parece tão difícil assumirmos o papel
de cidadãos? Por que nos parece tão difícil buscar nossos direitos?
Essas questões não encontram resposta no outro. Essas questões encontram resposta em
nós mesmos. A dificuldade de conviver em sociedade, a dificuldade de ser cidadão, a
dificuldade de buscarmos nossos direitos partem de uma apatia com a qual nos acostumamos,
que tem origem no mundo no qual vivemos hoje, onde tudo depende apenas de um clic, onde a
zona de conforto parece muito mais confortável do que antes.
A liberdade que temos hoje parece nos manter mais cerceados do que em tempos mais
antigos. Em anos de ditadura, o exercício do papel de cidadão se mostrava muito mais forte do
que nos dias de hoje. A vontade de participar da construção do nosso país, de fazer parte da
sociedade, de buscar direitos era tão grande que nem a prisão, nem a tortura eram capazes de
apagá-las. O importar-se com o outro existia, e tinha grande valor. Hoje em dia, essas vontades
se reduziram a sentar na frente da TV ou de um computador para absorvermos verdades prontas,
e nos manifestarmos de acordo com a massa virtual, sem a necessidade de pensar, sem a
necessidade de nos movermos, sem a vontade de olhar para trás e sem a vontade de olhar para
o outro.
20012

A mídia hoje assumiu o papel de formadora de opinião, passando à sociedade


contemporânea uma visão de mundo a partir de um ponto de vista pronto. Informações
veiculadas em jornal, televisão, internet passaram a ser verdades absolutas e incontestáveis, não
porque não podemos contestá-las, mais porque no mundo atual se tornou mais fácil não
contestar nada e aceitar o que é dito. É mais fácil aceitar a verdade pronta do que pensar, e é
nessa nova realidade que a escola perde.
A escola, que outrora era aquela que preparava para a vida, academia ou para o trabalho,
tem perdido campo para a mídia, que se tornou mais interessante e que parece, aos olhos dos
alunos, mais confiável do que a escola.
Jorge Larrosa Bondía (2002), ao falar sobre Walter Benjamin e sua ideia de periodismo,
destaca que

[...] o periodismo não é outra coisa que a aliança perversa entre informação e opinião.
O periodismo é a fabricação da opinião. E quando a informação e a opinião se
sacralizam, quando ocupam todo o espaço do acontecer, então o sujeito individual não
é outra coisa que o suporte informado da opinião individual, e o sujeito coletivo, esse
que teria de fazer história segundo os velhos marxistas, não é outra coisa que o suporte
informado da opinião pública. (BONDÍA, 2002, p.19)

Recebemos informação, a todo momento, e nos manifestamos conforme a massa, mas


nos falta a capacidade crítica, ou, nas palavras de Larrosa Bondía (2002), nos falta viver a
experiência, que não tem lugar em um mundo pronto. E isso se reflete na escola, que, cada vez
mais encontra dificuldades de despertar o interesse dos alunos para o aprendizado, para o
pensamento. Ler um livro se tornou algo raro, pois o resumo da obra já está disponível na
internet, feito por outra pessoa, que leu com outro objetivo, com outra visão, que encontrou
algo diferente do que outros encontrariam, e relatou a sua experiência pessoal com a obra, que
é só sua e não dos outros. Ter ponto de vista próprio se tornou algo raro.
Mas não são apenas os meios de comunicação que mudaram trazendo uma realidade
completamente nova, a família, a sociedade, as pessoas também mudaram. Desta forma, então,
vemos a necessidade da escola, também, mudar, revendo o ensino escolar para adaptá-lo à nova
realidade.
Os alunos são diariamente bombardeados por diversas informações, por multiculturas,
e acabam por se perder na construção de sua identidade, de seu papel na sociedade, de suas
opiniões. Se estamos formando cidadãos, então nos falta falar sobre cidadania. O aluno sai da
escola sem saber o significado dessa palavra e sem entender tudo o que dela decorre, e, ainda
desconhecem seu papel como cidadão dentro do próprio meio escolar.
20013

Morin (2000), ao discorrer sobre “Os sete saberes necessários à educação do futuro”,
fala sobre o que é subestimado, ignorado ou fragmentado na educação. Em parte de seu texto,
cita ele, ao falar da incompreensão, que “Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante
da realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor” (MORIN, 2000, p.
8). Morin não poderia estar mais correto. Essa é a nossa realidade que, em um ciclo vicioso,
vem da educação e se reflete na educação.
Ao dissertar sobre a incerteza, Morin (2000) fala, ainda, sobre a necessidade de estarmos
preparados para o inesperado. Mas como podemos estar preparados para o inesperado se
aprendemos a aceitar o pronto, se aprendemos a não raciocinar? Com a filosofia do mundo
pronto, estamos perdendo a capacidade de pensar, de formar opinião, de resolvermos
imprevistos, portanto não estamos preparados para o inesperado.
Nesse mundo pronto, a escola perde espaço, perde seu objetivo. Seu papel, então,
precisa ser repensado. Formar para o mundo do trabalho certamente é importante, mas antes de
trabalhadores precisamos de cidadãos.

Conclusões

A escola precisa assumir o papel de educar para a vida, de educar para a vivência e
convivência no mundo contemporâneo, e nesse contexto está a educação para a cidadania. Não
se trata de retornar ao modelo grego, no berço da democracia, onde a educação acontecia
totalmente contextualizada para o exercício democrático. Mas se trata de educar os alunos para
que, no mundo contemporâneo, ele possa identificar seu lugar, sua posição como cidadão, seus
direitos e deveres, e para que, principalmente possa respeitar os outros e a opinião dos outros.
A falta desse tipo de educação é facilmente observada no momento político atual, no
qual ofensas e acusações trocadas em nome de ideais e o uso da maquina pública para benefícios
pessoais, desvirtuam completamente o papel do cidadão e o significado da democracia. Mas
como formamos nossa opinião sobre esse assunto? Vemos, nesse momento, que a mídia se
sobrepõe aos ensinamentos da escola, e o resultado para a sociedade está se mostrando, no
mínimo, preocupante.
Esse cenário é resultado de um modelo tradicional de currículo, que se mantém forte
nas escolas brasileiras. E ainda podemos ver, atualmente, uma escola que traz a idéia de
organização e desenvolvimento e que tem como finalidade única a preparação para o mercado
de trabalho, com base nos modelos de Bobbit e Tyler (SILVA, 2013), mas que deixa de lado a
formação para a vida.
20014

Por isso, mais do que nunca, devemos pensar que se a escola prepara o aluno para o
mundo acadêmico, para o mundo do trabalho, então também precisa prepará-lo para conviver
em sociedade.
Não cabe à escola, ou a qualquer pessoa, combater a influência da mídia na vida dos
alunos. Isso já está posto e cada um tem a liberdade de ler, ouvir e assistir ao que quiser. Mas
cabe á escola formar um aluno ciente e crítico, capaz de contestar o que lê, o que ouve e o que
vê, para que ele seja capaz de fazer suas escolhas, de externar suas opiniões e de construir sua
vida da melhor forma possível. Do contrário, estaremos formando pessoas prontas para serem
manipuladas, incapazes de construir uma vida própria.
Cabe à escola ajudar o ser humano a desenvolver a ética, a autonomia pessoal e a
participação social, o que Morin denomina antropo-ética. Isso não significa reformular
completamente o currículo, ou deixar de lado as ciências exatas para privilegiar as humanas.
Mas significa entender que a escola tem o dever de preparar para o mundo social, e isso requer
o ensino, no mínimo, dos direitos mais básicos do ser humano e do cidadão. É necessária a
educação em direitos humanos, em direitos individuais e coletivos, em direitos do cidadão, para
o melhor convívio em sociedade e para a contrução de uma nova realidade social.

REFERÊNCIAS

BONDÍA, Jorge Larrosa, Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista


Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n.19, Jan./Abr. 2002. Disponível em: <
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003>. Acesso em: 20 de janeiro de 2017.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Boletim da SEMTEC-


MEC Informativo Eletrônico da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, ano 1, n.4,
jun./jul. 2000. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/EdgarMorin.pdf>.
Acessado em: 12 de fevereiro de 2017.

SETTON, Maria da Graça Jacinto. Família, escola e mídia: um campo com novas
configurações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, jan./jun. 2002. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
97022002000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em: 17 de fevereiro de 2017.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: Uma introdução às teorias do


currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

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