Patrística - Homilia sobre Lucas 12 | Homilias sobre a origem do homem | Tratado sobre o Espírito Santo - Vol. 14
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Patrística - Homilia sobre Lucas 12 | Homilias sobre a origem do homem | Tratado sobre o Espírito Santo - Vol. 14 - Basílio de Cesareia
Índice
APRESENTAÇÃO
São Basílio Magno
1. Origens, infância e formação acadêmica
2. Pai do monaquismo
3. O episcopado
4. Atividade literária
Bibliografia
Introdução à homilia sobre a palavra do Evangelho segundo Lucas (Lc 12,16-21)
HOMILIA SOBRE A PALAVRA DO EVANGELHO SEGUNDO LUCAS: DESTRUIREI MEUS CELEIROS E CONSTRUIREI MAIORES
E SOBRE A AVAREZA OU O RICO ESTULTO
Introdução às Homilias sobre a origem do homem
1. A autenticidade
2. O tema
Primeira homilia: À imagem
Segunda homilia
Introdução ao tratado sobre o Espírito Santo
1. Origem e ocasião do livro
2. A situação da Igreja
3. O primeiro tratado sobre o Espírito Santo
4. A definição de Basílio
1. Prefácio. Apurem-se até as mínimas parcelas da linguagem teológica
2. Base da tese dos hereges sobre as partículas
3. A tecnologia das partículas se origina da sabedoria profana
4. O uso dessas partículas na Escritura não acarreta distinções
5. Atribui-se também ao Pai a expressão por quem, e ao Fi------lho, de quem. As duas se referem igualmente ao Espírito
6. Réplica àqueles que afirmam não ser o Filho com o Pai, mas depois do Pai. Opinião a respeito da igualdade em honra (homótimos)
7. Contra aqueles que afirmam não convir ao Filho a locução com quem, e sim por quem
8. De quantos modos se usa por quem; quando é preferível com quem. Exposição da maneira como o Filho recebe uma ordem, e como se diz que é enviado
9. Noções bem definidas do Espírito, segundo o ensinamento das Escrituras
10. Contra os que afirmam não ser lícito pôr o Espírito Santo na mesma ordem que o Pai e o Filho
11. É uma transgressão renegar o Espírito
12. Contra os que asseguram ser suficiente o batismo em nome do Senhor
13. Qual o motivo por que Paulo trata conjuntamente dos anjos, do Pai e do Filho
14. Objeção: Em Moisés alguns também foram batizados e nele creram. Resposta: Acerca dos tipos
15. Resposta à réplica: Somos também batizados na água
. O batismo
16. Em qualquer acepção, o Espírito Santo é inseparável do Pai e do Filho, quer se trate da criação dos seres inteligentes, quer da economia relativa aos homens, quer do juízo vindouro
17. Àqueles que afirmam não ser o Espírito Santo co-enumerado
com o Pai e o Filho, mas ser subenumerado
. Neste capítulo se faz também um rápido sumário da fé acerca da piedosa co-enumeração
18. Como se conserva a piedosa doutrina da monarquia
, embora se confesse acreditar nas três hipóstases. Ainda a refutação dos que afirmam a subenumeração
do Espírito
19. Contra os que asseveram que não se deve glorificar o Espírito
20. Contra os que afirmam que o Espírito não é de condição servil, nem de condição senhoril, e sim livre
21. Testemunhos das Escrituras que permitem dar ao Espírito a denominação de Senhor
22. Prova-se possuir o Espírito comunhão de natureza com o Pai e o Filho, por ser tão difícil contemplá-lo quanto ao Pai e ao Filho
23. Enumerar as denominações do Espírito é também glorificá-lo
24. Refutação do absurdo daqueles que não louvam o Espírito, e o equiparam a criaturas que foram glorificadas
25. A Escritura substitui às vezes em por com. A partícula em tem sentido idêntico à partícula com
26. Os diversos sentidos da partícula em podem todos eles ser aplicados ao Espírito Santo
27. Donde deriva a partícula com e qual seu sentido. Também se trata das leis eclesiásticas orais
28. Os nossos contraditores recusam atribuir ao Espírito o que a Escritura declara a respeito dos homens, a saber, que eles reinam com Cristo
29. Catálogo de homens ilustres na Igreja que usaram em seus escritos o termo com
30. Descrição do estado atual das Igrejas
APRESENTAÇÃO
Surgiu, pelos anos 40, na Europa, especialmente na França, um movimento de interesse voltado para os antigos escritores cristãos e suas obras conhecidos, tradicionalmente, como Padres da Igreja
, ou santos Padres
. Esse movimento, liderado por Henri de Lubac e Jean Daniélou, deu origem à coleção Sources Chrétiennes
, hoje com cerca de 300 títulos, alguns dos quais com várias edições. Com o Concílio Vaticano II, ativou-se em toda a Igreja o desejo e a necessidade de renovação da liturgia, da exegese, da espiritualidade e da teologia a partir das fontes primitivas. Surgiu a necessidade de voltar às fontes
do cristianismo.
No Brasil, em termos de publicação das obras destes autores antigos, pouco se fez. Paulus Editora procura, agora, preencher este vazio existente em língua portuguesa. Nunca é tarde ou fora de época para rever as fontes de fé cristã, os fundamentos da doutrina da Igreja, especialmente no sentido de buscar nelas a inspiração atuante, transformadora do presente. Não se propõe uma volta ao passado através da leitura e estudo dos textos primitivos como remédio ao saudosismo. Ao contrário, procura-se oferecer aquilo que constitui as fontes
do cristianismo para que o leitor as examine, as avalie e colha o essencial, o espírito que as produziu. Cabe ao leitor, portanto, a tarefa do discernimento. Paulus Editora quer, assim, oferecer ao público de língua portuguesa, leigos, clérigos, religiosos, aos estudiosos do cristianismo primevo, uma série de títulos, não exaustiva, cuidadosamente traduzidos e preparados, dessa vasta literatura cristã do período patrístico.
Para não sobrecarregar o texto e retornar a leitura, procurou-se evitar anotações excessivas, as longas introduções estabelecendo paralelismos de versões diferentes, com referências aos empréstimos da literatura pagã, filosófica, religiosa, jurídica, às infindas controvérsias sobre determinados textos e sua autenticidade. Procurou-se fazer com que o resultado desta pesquisa original se traduzisse numa ação despojada, porém séria.
Cada autor e cada obra terão uma introdução breve com os dados biográficos essenciais do autor e um comentário sucinto dos aspectos literários e do conteúdo da obra suficientes para uma boa compreensão do texto. O que interessa é pôr o leitor diretamente em contato com o texto. O leitor deverá ter em mente as enormes diferenças de gêneros literários, de estilos em que estas obras foram redigidas: cartas, sermões, comentários bíblicos, paráfrases, exortações, disputas com os heréticos, tratados teológicos vazados em esquemas e categorias filosóficas de tendências diversas, hinos litúrgicos. Tudo isso inclui, necessariamente, uma disparidade de tratamento e de esforço de compreensão a um mesmo tema. As constantes, e por vezes longas, citações bíblicas ou simples transcrições de textos escriturísticos, devem-se ao fato de que os Padres escreviam suas reflexões sempre com a Bíblia numa das mãos.
Julgamos necessário um esclarecimento a respeito dos termos patrologia, patrística e padres ou pais da Igreja. O termo patrologia designa, propriamente, o estudo sobre a vida, as obras e a doutrina dos pais da Igreja. Ela se interessa mais pela história antiga incluindo também obras dos escritores leigos. Por patrística se entende o estudo da doutrina, as origens dessa doutrina, suas dependências e empréstimos do meio cultural, filosófico e pela evolução do pensamento teológico dos pais da Igreja. Foi no século XVII que se criou a expressão teologia patrística
para indicar a doutrina dos padres da Igreja distinguindo-a da teologia bíblica
, da teologia escolástica
, da teologia simbólica
e da teologia especulativa. Finalmente,
Padre ou Pai da Igreja se refere ao escritor leigo, sacerdote ou bispo, da antiguidade cristã, considerado pela tradição posterior como testemunho particularmente autorizado da fé. Na tentativa de eliminar as ambiguidades em torno desta expressão, os estudiosos convencionaram em receber como
Pai da Igreja" quem tivesse estas qualificações: ortodoxia de doutrina, santidade de vida, aprovação eclesiástica e antiguidade. Mas os próprios conceitos de ortodoxia, santidade e antiguidade são ambíguos. Não se espere encontrar neles doutrinas acabadas, buriladas, irrefutáveis. Tudo estava ainda em ebulição, fermentando. O conceito de ortodoxia é, portanto, bastante largo. O mesmo vale para o conceito de santidade. Para o conceito de antiguidade, podemos admitir, sem prejuízo para a compreensão, a opinião de muitos especialistas que estabelece, para o Ocidente, Igreja latina, o período que, a partir da geração apostólica, se estende até Isidoro de Sevilha (560-636). Para o Oriente, Igreja grega, a antiguidade se estende um pouco mais, até a morte de s. João Damasceno (675-749).
Os Pais da Igreja
são, portanto, aqueles que, ao longo dos sete primeiros séculos, foram forjando, construindo e defendendo a fé, a liturgia, a disciplina, os costumes e os dogmas cristãos, decidindo assim os rumos da Igreja. Seus textos se tornaram fontes de discussão, de inspirações, de referências obrigatórias ao longo de toda a tradição posterior. O valor dessas obras que Paulus Editora oferece ao público pode ser avaliado neste texto: Além de sua importância no ambiente eclesiástico, os Padres da Igreja ocupam lugar proeminente na literatura e, particularmente, na literatura greco-romana. São eles os últimos representantes, cuja arte literária, não raras vezes, brilha nitidamente em suas obras, tendo influenciado todas as literaturas posteriores. Formados pelos melhores mestres da Antiguidade clássica, põem suas palavras e seus escritos a serviço do pensamento cristão. Se excetuarmos algumas obras retóricas de caráter apologético, oratório ou apuradamente epistolar, os Padres, por certo, não queriam ser, em primeira linha, literatos, e sim arautos da doutrina e moral cristãs. A arte adquirida, não obstante, vem a ser para eles meio para alcançar este fim. (...) Há de se lhes aproximar o leitor com o coração aberto, cheio de boa vontade e bem disposto à verdade cristã. As obras dos Padres se lhe reverterão, assim, em fonte de luz, alegria e edificação espiritual
(B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia, S. Paulo, Paulus, 1988, pp. 21-22).
A Editora
SÃO BASÍLIO MAGNO
A patrologia grega oriental alcançou seu ponto mais elevado com os chamados Padres capadócios
: Basílio Magno, Gregório de Nissa, seu irmão, e Gregório de Nazianzo. Basílio é, com certeza, o mais importante dos três. Devido à sua personalidade fértil, ativa tanto na reflexão, na produção literária, quanto na organização e na administração das comunidades de sua diocese, a história eclesiástica o consagrou como o Grande
, pai e doutor da Igreja. O que é característico e exemplar nestes Padres capadócios é o fato de provirem da alta aristocracia e não usarem desse privilégio para se impor, mas, desprezando toda glória e riqueza do mundo, dedicaram-se aos necessitados tanto quanto à vida intelectual, à meditação, à oração. De fato, Basílio empenhou todas as suas forças intelectuais e físicas na interpretação da doutrina cristã, na reforma da liturgia, na edificação da vida monástica, na defesa da ortodoxia, sem se descuidar, ao mesmo tempo, dos necessitados.
1. Origens, infância e formação acadêmica
Basílio nasceu e viveu no período conhecido como idade de ouro
da patrística. Nesse período, ocorreram grandes mudanças e transformações sociais, principalmente a ascensão da aristocracia dos grandes latifundiários ao poder, que é de extrema importância para a compreensão de Basílio e sua ação.
Descende de família rica, numerosa e de tradição cristã. Seu pai já vinha de família rica e considerada latifundiária, da região do Ponto. Sua mãe era de família nobre da Capadócia. Macrina, a avó paterna, fora educada sob a orientação de Gregório Taumaturgo, que, por sua vez, fora discípulo de Orígenes. Desde muito cedo, esteve Basílio sob a influência desta sua avó. Em várias cartas, sempre sublinha o papel de educadora da fé ortodoxa junto de seus netos: Que prova mais clara poderia ter em favor de nossa fé, que o fato de ter sido educado por uma avó que era mulher bem-aventurada (…)? Quero falar da ilustre Macrina, que nos ensinou as palavras do bem-aventurado Gregório (o Taumaturgo), todas as que a tradição oral lhe conservara que ela guardara e das quais se servia para educar e formar na piedade os pequeninos que éramos, então
(Epist. 104,6; 110,1; 123,3). O pai, notável retórico, ensinou-lhe os primeiros elementos culturais: Na primeira idade, foi sob a direção do ilustre pai, que o Ponto se propunha então como modelo de virtude, que desde as línguas ele (Basílio) recebeu uma formação eminente e muito pura
(testemunha Gregório de Nazianzo, In Basilio, XII,1).
A família é numerosa. São dez irmãos, entre os quais se destacam a irmã Macrina, a Jovem, os irmãos Gregório, bispo de Nissa, e Pedro, bispo de Sebástia.
Os avós paternos sofreram a última perseguição movida pelo imperador Diocleciano. Alguns anos mais tarde, Constantino dará liberdade de culto através do edito de Milão, mas agora, por volta de 301-303, ao lado de reformas administrativas, fiscais e econômicas, Diocleciano publicou um edito contra a alta dos preços e, talvez instigado por Galeno, desencadeou uma dura perseguição contra os cristãos que se estendeu por quase dez anos. Seus avós paternos tiveram de se refugiar nas florestas do Ponto por 7 anos, tendo os bens confiscados.
Seus anos de juventude foram marcados por frequentes viagens. Depois dos estudos fundamentais em sua cidade, foi enviado a Bizâncio, Antioquia e Atenas para completar os cursos de aperfeiçoamento. Durante os anos de estudo em Antioquia, é preciso sublinhar a figura de Eustácio de Sebástia, importante para a história do monaquismo da Ásia Menor. Filósofo, depois bispo (356-380), foi o propagador do ascetismo na Armênia e no Ponto. Basílio evoca várias vezes a influência dele na conversão (Epist. I; 123,2-3). Estudante em Atenas, sua irmã Macrina lhe interpretava, através de cartas, a filosofia
de Eustácio. Na Carta I, Basílio declara que a reputação de Eustácio o atingiu quando o encontrou na Grécia: Deixei Atenas por causa do renome de tua filosofia
.
Atenas lhe dera tudo o que um jovem como ele podia buscar. Foi ali também que nasceu e se fortificou, entre ele e Gregório de Nazianzo, uma amizade rara e duradoura. Ali completou seus estudos de retórica aprendendo ainda a filologia e a filosofia.
Retornando de Atenas, em 355, estabeleceu-se em Cesareia como retórico. Arrebatado pelo sucesso de seu ensino, dedicou-se cada vez mais à filosofia sofística. Contudo, os desejos de perfeição, as constantes advertências de sua irmã mais velha, Macrina, acabaram dobrando-o aos projetos de vida perfeita concebidos em Atenas. Empreendeu, então, novas viagens, desta vez, visitando os ascetas do Egito, da Palestina, da Síria e Mesopotâmia (cf. Carta 1 e 223). De volta para sua terra, em 358, foi batizado pelo velho bispo de Cesareia, Diânios. Com a morte prematura de seu pai, neste mesmo ano, vendeu os bens recebidos em herança e distribuiu aos pobres o resultado desta venda. Em seguida, retirou-se, na companhia de sua mãe e da irmã Macrina, para Anesi, no Ponto, numa propriedade da família, às margens do Íris, vivendo como eremita. Gregório de Nazianzo vai juntar-se a eles. Juntos, estudam as obras de Orígenes e compõem uma antologia de textos originianos que levará o nome de Filocália.
Há consenso entre a maioria dos autores modernos em fixar Cesareia como lugar de nascimento de Basílio. Cesareia da Capadócia, a mais importante dentre tantas Cesareias espalhadas pelo império romano, na Ásia Menor, na Palestina, na Síria, Mauritânia, fundadas em honra de César Augusto. Hoje, Kayseri, no centro da Turquia atual. O imperador Trajano (98-117) transformou-a na capital da província romana da Capadócia, região que incluía o Ponto e a Armênia. Parece ter sido evangelizada bem cedo, visto que a primeira carta de Pedro escrita, provavelmente um pouco antes da perseguição de Nero, pelo ano 64, se dirige aos cristãos desta região: Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos que vivem dispersos como estrangeiros no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia
(1Pd 1,1).
Embora fosse homem de intensa atividade, sua saúde foi sempre frágil, impedindo-o, talvez, de fazer mais. Suas cartas estão cheias de queixas sobre seu estado de saúde e da oposição que recebe de seus adversários. Aos 40 anos, sentia-se velho: … A fim de que nós, os velhos, recebêssemos de verdadeiro filho as amabilidades que nos são devidas…
(Carta 176). Tinha desde longo tempo respondido às questões que tua piedade nos havia proposto, mas não te enviei a carta, porque estive retido por longa e grave doença…
(Ibidem). Na Carta 200, diz: Conosco as doenças sucedem às doenças, e as ocupações que provêm dos afazeres eclesiásticos, como aquelas que nos criam aqueles que procuram perturbar as igrejas, nos retiveram todo o inverno e até o momento em que escrevemos esta carta. É por isso que não nos foi possível nem enviar alguém, nem ir visitar tua piedade. Supomos que tal é também tua situação para o resto, não o digo pela doença
… Na Carta 201, a mesma queixa: "Mas, porque a mesma causa nos reteve todos os dois, vós a doença que vos sobreveio, e a nós, nossa má saúde que data de mais longo