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FACULDADE CAMPOS ELÍSEOS - FCE

ASSOCIAÇÃO LUSO-BRASILEIRA DE TRANSPESSOAL


ALUBRAT

A DIDÁTICA DA HATHA YOGA


NA ABORDAGEM INTEGRATIVA DA PSICOLOGIA
TRANSPESSOAL

ELISABETE APARECIDA GARCIA PARRA

SÃO PAULO
2012

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Faculdade Campos Elíseos - FCE
ASSOCIAÇÃO LUSO-BRASILEIRA DE TRANSPESSOAL
ALUBRAT

A DIDÁTICA DA HATHA YOGA


NA ABORDAGEM INTEGRATIVA DA PSICOLOGIA
TRANSPESSOAL

Monografia apresentada como exigência para


obtenção do certificado do curso de Pós–
graduação em Psicologia Transpessoal, da
Faculdade Campos Elíseos e Associação Luso-
Brasileira de Transpessoal sob a orientação da
Prof. Myrian Romero - coordenadoria São
Paulo.

ELISABETE APARECIDA GARCIA PARRA

SÃO PAULO
2012

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Dedico esta monografia aos meus alunos de yoga,
pela confiança e amizade, pela oportunidade que
me proporcionaram de realizar este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais que sempre me incentivaram a estudar, aos meus amigos pelo
companheirismo e compreensão, a todos os mestres que de alguma forma contribuíram para
minha evolução em todos os níveis, em especial ao meu saudoso mestre Shotaro Shimada
(1929/2009) por todos os ensinamentos que até hoje reflito e aprendo, e também à doce Vera
Saldanha, por todo seu amor e dedicação nessa arte de ensinar psicologia transpessoal.
Sem esses presentes que a vida me colocou no caminho não teria sido possível essa
caminhada infinita de descobertas transpessoais.

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RESUMO

O presente trabalho traz conceitos fundamentais da Yoga, como filosofia de vida, um breve
resumo do que é a quarta força na Psicologia, denominada Psicologia Transpessoal, e dentro
desse contexto a proposta da Abordagem Integrativa Transpessoal, desenvolvida pela Dra.
Vera Saldanha, aplicada na educação, finalizando com uma sugestão pessoal para aplicação
dessa abordagem na condução dos cursos de formação de professores de yoga.

Palavras-chaves: Vivência, Consciência, Evolução, Plenitude

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ABSTRACT

This study brings fundamental concepts of Yoga as a philosophy of life, a brief summary of
what is the fourth force in psychology, named Transpersonal Psychology, and within this
context the proposal of a Transpersonal Integrative Approach developed by Vera Saldanha,
applied in education, ending with a personal suggestion for application of this approach in the
conduct of training courses for teachers of yoga.

Keywords: Experience, Consciousness, Evolution, Fullness

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................8
1. YOGA...................................................................................................................................10
1.1. O que é Yoga.....................................................................................................................10
1.2. Patanjali e os Yoga-Sutra................................................................................................11
1.3. Astanga Yoga: Oito Passos..............................................................................................12
1.3.1. YAMAS (disciplina).......................................................................................................12
1.3.2. NIYAMAS (autodisciplina)............................................................................................15
1.3.3. ASANAS: postura psico-fisica.......................................................................................17
1.3.4. PRANAYAMA: controle dos impulsos respiratórios.....................................................18
1.3.5. PRATYAHARA: abstração dos sentidos.......................................................................18
1.3.6. DHARANA: Concentração.............................................................................................19
1.3.7. DHYANA: Meditação....................................................................................................19
1.3.8. SAMADHI: Hiperconsciência – o objetivo final do Yoga.............................................19

2. PSICOLOGIA TRANSPESSOAL....................................................................................20
2.1. O que é Psicologia Transpessoal.....................................................................................20

3. PSICOLOGIA TRANSPESSOAL: ABORDAGEM INTEGRATIVA.........................27


3.1. Introdução.........................................................................................................................27
3.2. Sistematização
3.2.1. Aspecto Estrutural
3.2.2. Aspecto Dinâmico: Eixos Evolutivo e Experiencial

4. NEUROCIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE.....................................................................22
4.1. Introdução.........................................................................................................................22
4.1.1. Inteligências Múltiplas....................................................................................................23
4.1.2. Inteligência Espiritual.....................................................................................................25

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................49

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INTRODUÇÃO

O objetivo desta monografia é muito pessoal, é um pouco da minha experiência


como aluna e professora de yoga, antes e depois de participar da pós graduação em psicologia
transpessoal.
Conheci a yoga por volta dos 25 anos, como muitos conhecem, somente
praticando asanas, visando o bem estar físico, e como a maioria das pessoas, eu praticava
algum tempo, parava, recomeçava, “não tinha entrado na veia”, como dizia um professor, mas
sempre aparecia um lugar para praticar próximo de casa ou do trabalho. E assim foi até que
em 2003, conheci o professor Shotaro Shimada, um mestre que me ensinou com sua
simplicidade sábia, o que era yoga, e me levou para a FMU, onde fiz o curso de formação de
professores.
Foi como se um portal se abrisse, e eu descobrisse o significado, a grandeza dessa
filosofia, onde os asanas, são quase que um detalhe que nos prepara para o grande objetivo,
que é a união conosco mesmo, com o universo, com Deus.
É um caminho sem fim, prazeroso, enriquecedor, onde percebemos a nossa
fragilidade, as nossas limitações, e ao mesmo tempo a grandeza, o prazer e o contentamento
de viver essa experiência única.
Comecei a me dedicar, estudar, e percebi também que poderia ser uma segunda
profissão após minha aposentadoria, (sou formada em Ciências Contábeis) tornar-me-ia
professora de yoga, hoje considero mais que uma profissão, um oficio sagrado. Passar esses
ensinamentos me fez não abandonar os estudos, me aprofundar, aumentando a
responsabilidade de estar no mundo para o mundo.
Nessa busca encontrei a Psicologia Transpessoal, mais um presente que recebi,
nem sei explicar como fui parar na Alubrat, mas me tornou mais próxima dos objetivos do
yoga. A cada módulo eu me conhecia mais, despertava um desejo cada vez maior de missão,
de contentamento, repassando os ensinamentos com o coração, com a emoção, com a razão,
deixando fluir a intuição. Essa nova postura nas aulas não foi planejada, foi acontecendo, a
medida que o curso e as aulas fluíam, fui me tornando mais intuitiva, solta, e as alunas da
yoga foram notando. Queria que elas entendessem o sagrado em cada gesto, a cada respiração,
o auto conhecimento através de sensações, emoções, deixando-se relaxar, sem julgamentos,
aprendendo todos os dias, em todos os momentos a se reconhecer, a reconhecer o outro,

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aprendendo o valor do desapego, da não violência, enfim tudo o que está por trás de um
asana, de uma postura, seja ela física ou emocional.
Encontro-me nesse momento nessa busca, e a escolha desse tema “A Didática da
Hatha Yoga na Abordagem Integrativa da Psicologia Transpessoal”, pode materializar essa
percepção e talvez possa inspirar outros professores ou praticantes dessa filosofia a buscar a
felicidade no dia a dia, em pequenos detalhes que fazem a diferença no nosso modo de olhar o
mundo, quando encontramos a espiritualidade, e vivenciamos o sagrado nas nossas vidas.
A humanidade precisa voltar a sonhar, a acreditar mais nas potencialidades do que
nas fraquezas, a confiar no sagrado que habita em nós. A yoga e a psicologia transpessoal,
almejam o mesmo objetivo.

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1. YOGA

1.1. O que é Yoga

Segundo Antonio Blay (2004) a palavra Yoga possui dois sentidos principais:
união e meios ou técnicas para atingir essa união.
Na primeira acepção, Yoga significa qualquer categoria de uniões. Nos sistemas
filosóficos e religiosos da Índia esse termo é usado no sentido de realizar a união do principio
espiritual do homem (Atma) com a Divindade (Brahman), mas significa igualmente a união
consciente do aspecto material do homem com seu aspecto espiritual, e da personalidade
superficial com a personalidade profunda. Noutras palavras, é o estado de integração, de
unificação consciente dos aspectos superficiais, profundos e superiores do homem.
Na segunda acepção, Yoga é o conjunto de técnicas precisas e sistemáticas que
levam ao desenvolvimento de determinados níveis de consciência, não atualizados na maior
parte dos homens, e a integração de tais níveis em uma única unidade de consciência total e
permanente. O Yoga como outras doutrinas de diversas tradições, ensina-nos que o homem
vive de maneira muito limitada em vários aspectos de sua natureza.
Segundo Danucalov e Simões (2009) para responder de fato o que é Yoga e seu
principal objetivo necessitamos de um aprofundamento da literatura especializada. Estima-se
que 40 milhões de pessoas pratiquem Yoga ao redor do mundo, contudo a grande maioria
encara o Yoga como um método de treinamento físico. Principalmente no ocidente o Yoga
está reduzido a um grupo de exercícios musculares, no entanto historicamente o Yoga é uma
tradição espiritual e seus objetivos nem de longe são a aquisição de uma boa forma física,
antes de qualquer coisa, o sistema yoguico foi desenvolvido com o intuito de conceder ao ser
humano sua liberdade interior (kaivalya) com a conseqüente aquisição da paz, da felicidade e
da bem aventurança (ananda). O Yoga enquanto sistema filosófico-religioso, transcende em
muito as simples posturas (asanas). O Yoga é muito mais que treinamento físico, é
treinamento mental destinado à autotransformação.
No prefácio do livro As Sete Leis Espirituais da Ioga, Deepack Chopra (2004)
define Yoga como: “a união do corpo, da mente e do espírito, ou seja, a união da
individualidade com a inteligência divina que coordena o universo”. Segundo ele Yoga “é um
estado de ser no qual os elementos e as forças que compõem o nosso organismo biológico
encontram-se em uma interação harmoniosa com o cosmo”. Ao se estabilizar nesse estado,

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experimentamos um maior bem estar emocional, psicológico e espiritual, além de observar a
realização espontânea dos nossos desejos, sendo que em união com o espírito nossos desejos e
os desejos da natureza são um só. A medida que participamos do processo criativo junto com
o ser infinito, nossos anseios desaparecem e nos sentimos despreocupados e alegres. A
intuição, o discernimento, a imaginação, a criatividade, o significado e o propósito
desabrocham espontaneamente. Fazemos escolhas corretas que beneficiam não apenas nós,
mas também todas as pessoas afetadas por nossas escolhas.
Manohar Laxman Gharote (2002:24) define Yoga como “essencialmente a
integração da personalidade em todos os níveis possíveis: físico, mental, social, intelectual,
emocional e espiritual”.

1.2. Patanjali e os Yoga Sutras

Os Yoga-Sutras são considerados a obra clássica da literatura do Yoga, e é


atribuída a Patanjali a compilação e sistematização de toda essa filosofia, por volta do séc. VI
a.C.
A existência histórica de Patanjali confude-se com a informação lendária, como
costuma acontecer em se tratando de historicidades nas filosofias da Índia. Sabe-se muito
pouco sobre ele. Alguns autores o identificam com um gramático do mesmo nome, outros
afirmam que não se trata da mesma pessoa. (PINTO, 2001:44)
Claudio Azevedo (2007) escreve que para alguns Patanjali pode ter sido um título
usado por um grupo de pessoas (uma escola) que através do tempo, compilaram idéias e
práticas já existentes num sistema próprio. Segundo o mesmo autor, Yoga é um conjunto
sistematizado de técnicas que visam alcançar o estado não condicionado de superconsciência
(samadhi) e auto realização (moksa), e o Yoga-Sutra não foi escrito para debates e
especulações intelectuais, mas para descrever o processo de perceber o invisível sem o uso
dos sentidos, mas, com a mente sob completo controle, usando a percepção espiritual.
Os yogas sutras são um conjunto de 196 aforismos que Patanjali sistematizou, de
uma forma aceitável para o pensamento ortodoxo indiano, conceitos e práticas que já existiam
muito tempo antes dele. Nesse sistema, geralmente o processo do yoga é descrito como
asthanga-yoga, ou os oito passos do yoga, que envolvem prescrições de caráter ético e social,
de preparação física dos aspirantes para obter flexibilidade e boa saúde e, finalmente, de

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interiorização para atingir a meta final, que é a aprimorar-se nas práticas meditativas, capaz de
cessar as atividades involuntárias da mente e chegar à dissolução no absoluto. (DE PAULA;
BINDO, 2002)
Como se vê, Patanjali não inventou o Yoga, mas o codificou e o elaborou em oito
passos distintos, conhecidos como Astanga-Yoga ou ainda Yoga Clássico. É como se ele
tivesse definido as regras de um jogo, pois as raízes do Yoga muito provavelmente são muito
mais profundas do que supõe-se. (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:200)

1.3. Astanga Yoga: Oito Passos

1.3.1. YAMAS (disciplina)

São cinco orientações morais para o bom convívio em sociedade e consigo


mesmo. Tem o propósito de aumentar o bem estar coletivo, além de diminuir os fatores de
causam intranqüilidade e confusão na mente. Yamas são pré requisitos para o trabalho
espiritual, colocando limites à ação do nosso ego para podermos viver em sociedade, ou seja,
requer nossa atenção constante a essas orientações, mais do que a obediência cega. (DE
PAULA; BINDO, 2002)
Os cinco Yamas:

1.3.1.1. Ahimsa: Não Violência

“Se tiveres que subtrair vida da vida, subtraia apenas o necessário. O que tenho
feito?” (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:210)
O propósito é não ferir, tanto verbal quanto fisicamente qualquer ser vivo.
Também abrange o nível mental, pois deve-se evitar, até em pensamentos, desejar o mal à
outras pessoas. Neste preceito estimula-se a compaixão por todas as criaturas. Quanto mais
um indivíduo se esforça para aplicar esse tipo de mentalidade no cotidiano, mais força e
discernimento terá para agir nesse caminho, livrando-se do desejo de vingança que destrói sua
paz mental. Ao agir a partir desse nível da alma, você será incapaz de ser violento porque todo
seu ser se fundamenta na paz. Essa é a essência desse primeiro Yama. Os seus pensamentos
não são violentos, suas palavras não são violentas e as suas ações não são violentas. A

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violência não pode surgir porque o seu coração e a sua mente estão repletos de amor e
compaixão pela condição humana. Nesse aspecto, é interessante notar o yoga como um
conceito transformador. Ou seja, podemos simplesmente agir como espelhos, respondendo ao
ódio com ódio, ou podemos transformar as emoções que nos chegam. O conceito Ahimsa é
frequentemente lembrado também nos exercícios físicos de yoga, quando os alunos são
orientados a evitar danos ao próprio corpo, praticando de forma consciente, com atenção às
próprias limitações.

1.3.1.2. Satya: Verdade

“Tenho agido de forma verdadeira ou dissimulada?” (DANUCALOV; SIMÕES,


2009:210)
Implica a veracidade em pensamentos, palavras e ações. Deve-se evitar a falsidade
tanto nas relações com as outras pessoas quanto consigo mesmo. Esse tipo de atitude ajuda a
manter a mente clara e serena. Quando mentimos, criamos mais obscuridades nas relações e,
consequentemente, mais conflitos. No pensamento ocidental também condenamos a mentira e
valorizamos a verdade, mas a nossa cultura não nos ensina a observar as reações criadas na
mente. O Yoga está mais preocupado com os efeitos que nossas ações produzirão em nossa
consciência do que com as ações em si mesmas. Patanjali descreveu a verdade como a
integridade de pensamento, de palavras e de ação. A veracidade é uma expressão de seu
compromisso com uma vida espiritual. A distorção da verdade, a curto prazo, causam um mal
estar, decorrente de você trair a sua integridade. Quando falamos a verdade não ocupamos
espaço mental com simulações, é algo a menos em que pensar, reduzindo a quantidade de
inutilidades que flutuam em nossa mente.

1.3.1.3. Asteya: Não Roubar

“Tenho me apropriado de algo o qual não tenho merecimento?” (DANUCALOV;


SIMÕES, 2009:211)
Não tomar o que não lhe pertence e não cobiçar ou invejar bens alheios. Mesmo
que a ação não tenha acontecido, só a intenção já traz perturbações mentais. No contexto do

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yoga, apegar-se a bens materiais, e pior, apropriar-se do que não lhe pertence, além de
moralmente reprovável é uma maneira de criar situações mentais que causam distrações e que
desviam o praticante de sua meta. Asteya significa também abandonar a idéia de que coisas
materiais lhe proporcionarão segurança e felicidade, é fixar-se em um estado de desapego. A
falta de honestidade quase sempre deriva do medo da perda, seja de dinheiro, de amor, de uma
posição ou poder. A capacidade de viver uma vida honesta baseia-se em uma profunda
ligação com o espírito. Quando a plenitude interior predomina, você deixa de sentir
necessidade de manipular, encobrir ou enganar. A honestidade é o estado intrínseco da pessoa
que vive uma vida íntegra. Segundo a Yoga, os comportamentos evolucionários, que
favorecem a vida, são a conseqüência natural da consciência expandida.

1.3.1.4. Brahmacharya: Caminhar com Brahman

“Tenho vivido somente para satisfazer os meus sentidos? Tenho vivido de forma
excessivamente sensual?” (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:211)
Em algumas tradições esse preceito tem o sentido restrito de celibato. Linhas
menos radicais sugerem um controle dos impulsos e sentidos, ou seja, a moderação em todos
os hábitos. Algumas escrituras referem-se ao período da juventude em que o estudante deveria
manter-se casto para estudar os Vedas, e com o tempo, bramacharya assumiu a conotação de
voto de castidade para toda a vida. Há muitas linhas de yoga que consideram esse conceito
como a não perversão do sexo, ou seja, acreditam que bramacharya é sexo consciente, feito
com amor. O objetivo maior é evitar dispersões mentais do que criar uma pureza aparente, ou
negar a sexualidade. Segundo Deepack Chopra (2004) o poder criativo essencial do universo
é sexual e nós somos a manifestação amorosa dessa energia. Ao perceber toda a criação como
uma expressão do impulso gerador divino, celebramos as forças criativas. Bramacharya
segundo essa concepção significa alinhar-se com a energia criativa do cosmo. Quando a alma
faz amor com o cosmo, a necessidade de expressar a sexualidade pode ser suplantada por uma
expressão mais expandida do amor.

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1.3.1.5. Aparigraha: Não Cobiçar

“Tenho me alimentado para satisfazer minhas necessidades ou os meus desejos?”


(DANUCALOV; SIMÕES, 2009:211)
Diz respeito ao abandono do sentimento de posse e do desejo pela conquista e
manutenção de bens materiais e desapego aos relacionamentos afetivos. Isto se aplica também
a credos, filosofias e técnicas, ou seja, tudo que aprendemos e não colocamos em prática.
Nesse universo em movimento, só permanece estável o que também se movimenta. Não é a
posse em si, mas o sentimento de posse que traz o sofrimento. O desejo é natural e faz parte
da vida, o problema não está no desejo, mas em condicionar a própria felicidade à realização
desse desejo. Os ensinamentos explicam que a causa do sofrimento está na forma como
encaramos nossos desejos. Encontraremos a paz quando conseguirmos acabar com a
necessidade de realizá-los.
Segundo Deepak Chopra (2004) este Yama, refere-se a generosidade, deixa-se de
se basear no ego e passa a se apoiar no espírito. A percepção contraída reforça as limitações.
A percepção expandida gera a consciência de abundância. Quando estamos alicerçados em
“Aparigraha”, o apego deixa de ter poder sobre nós, isso não significa que não apreciemos as
coisas do mundo, simplesmente não somos prisioneiros dele.

1.3.2. NIYAMAS: autodisciplina

O segundo passo delineado por Patanjali é Niyama, que são práticas que visam
alimentar os yamas. Pode ser como qualidades naturalmente expressadas em uma
personalidade evolucionária. Como você vive quando ninguém está olhando? Também se
dividem em cinco orientações:

1.3.2.1. Saucha: Pureza – de corpo e de pensamentos

Deve ser entendida no plano físico, emocional e mental. Percepção das escolhas
em função da nutrição versus toxidade. Corpo e mente são formados a partir de impressões
que assimilamos do ambiente. Os sons, sensações, imagens, sabores e odores carregam a

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energia e as informações que são metabolizadas por nós. Mais importante ainda do que a
limpeza do corpo é a limpeza da mente e de emoções perturbadoras.

1.3.2.2. Samtosha: Contentamento – diminuição das expectativas do cotidiano

Samtosha é um estado de espírito interior de permanente alegria, independente das


circunstâncias externas. É a bem aventurança, a paz interior. Os mestres sempre dizem:
“Nunca deixe que a felicidade não dependa de você”. Somos totalmente responsáveis por
manter esse estado de felicidade. É a percepção do momento presente. Quando lutamos contra
o momento presente lutamos contra todo o cosmo, diz Deepack Chopra (2004). Satisfação
implica em aceitação sem resignação e ela surge quando abandonamos o apego à necessidade
do controle, do poder e da aprovação. A experiência do momento presente aquieta a
turbulência mental, que perturba nossa satisfação.

1.3.2.3. Tapas: Esforço sobre Si Mesmo – determinação, perseverança e disciplina isentas de


expectativas

É o esforço consciente para alcançar a sua meta, a auto-realização. Consiste em


transcender pela força de vontade as limitações naturais e os próprios limites. Para Patanjali,
“tapas” purifica e fortalece o corpo, aguça os sentidos e conduz à perfeição.

1.3.2.4. Svadhyaya: Estudo – devoção ao autoconhecimento

É a dedicação para entender o verdadeiro “eu”, a busca de si mesmo. Devemos ter


uma percepção mais aguçada sobre as coisas que nos trazem transtornos mentais e meditar
sobre a nossa natureza. Quando Svadhyaya está ativo na consciência, a alegria vem de dentro,
não depende de realizações e aquisições externas.

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1.3.2.5. Ishvara: Consagração à Deus – entregar-se de corpo e alma na busca da reintegração
com o divino

Significa a entrega ao senhor, modelo ideal, entregar-se à sabedoria da incerteza.


Essa entrega implica na renúncia aos frutos das ações, pois cada ato passa a ser dedicado a
uma vontade superior à sua própria. Nessa prática, saímos da estreiteza de enxergarmos o
nosso nariz, como se fossemos uma entidade separada da nossa essência divina.

As sementes da sabedoria são semeadas quando nos entregamos ao


desconhecido. O conhecido é passado. A transformação, a cura e a
criatividade verdadeiras emanam da percepção do momento presente, o que
significa abandonar o apego ao passado e abraçar a incerteza.
(CHOPRA, 2004:45)

1.3.3. ASANAS (postura psico-fisica)

Patanjali define asana dessa forma: “A postura dever ser estável, firme e
confortável”. Aqui ele se refere às posturas adequadas à meditação, nas quais o yogue pode
dar firmeza e estabilidade ao corpo, reduzindo o esforço físico ao mínimo necessário.
Segundo Marcos Rojo em Gulmini (2003:60), as posturas caracterizam-se pela
permanência numa condição de controle e conforto, sugerindo relaxamento e prazer ao
praticante. Portanto, não basta ficar numa posição para que ela seja considerada asana; é
preciso que se adquira uma condição especial de observação e relaxamento do esforço,
relaxando-se as estruturas que não participam do exercício. Num asana, devemos observar os
músculos que podemos relaxar, e não os que temos que contrair, assim asana é o que se sente
não o que se faz. O importante é como se faz, e não o quanto ou o que se faz.
Nunca devemos nos esquecer do principal objetivo do Yoga, que é a “aquietação
da mente”, caso contrário, não estaremos praticando Yoga.
Depack Chopra (2004) nos lembra que em um nível mais profundo, asana
significa a plena expressão da integração entre a mente e o corpo, na qual nos tornamos
conscientes do fluxo de energia vital no corpo. Executar asanas com plena consciência é um
exercício para praticar na vida ações conscientes.

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1.3.4. PRANAYAMA: controle dos impulsos respiratórios

Cada preceito do yoga tem como base o anterior e prepara o praticante para o
seguinte, por esta razão a ordem dos sutras é muito importante. Patanjali define pranayama
como controle dos impulsos respiratórios ou, como pausa nos movimentos respiratórios e
deverão ser precedidos pelas práticas de yamas, niyamas e asanas. (GULMINI, 2003:62-3)
A capacidade de manter a respiração em suspenso, de forma controlada e
equilibrada, é a base técnica dos pranayamas. Os textos de Hatha Yoga, que são mais recentes
que o de Patanjali, referem-se à atividade da mente e da respiração como se estivessem
andando de mãos dadas, ou seja, já que não podemos aquietar a mente por uma interferência
direta, interferimos na respiração, diminuindo seu ritmo, e com isto, indiretamente, a mente se
tranquiliza.
Os pranayamas melhoram as funções respiratórias em geral. Formam também um
dos mais importantes canais de acesso para as emoções, e servem para ampliar a percepção da
consciência e o autoconhecimento.
Segundo Deepack Chopra (2004) o prana é a força vital que percorre a natureza e
o universo. Quando estamos em sintonia com a energia prânica do corpo, nos tornamos
espontaneamente mais sintonizados com o relacionamento entre a nossa individualidade e a
nossa universalidade. Deste modo, o pranayama pode levar de um estado de consciência
contraído para um estado de consciência expandido.

1.3.5. PRATYAHARA: abstração dos sentidos

Percebemos um objeto quando as diversas vibrações que dele emanam atingem


nossos órgãos dos sentidos, e a mente liga-se a estes órgãos assim ativados. Se a mente não
está ligada a esse órgão sensorial, as vibrações mantêm-se despercebidas. Segundo Swami
Bhaskarananda (2005) os órgãos dos sentidos ficam presos aos objetos nos quais encontram
prazer. Pratyahara significa retirar os sentidos dos objetos de cuja satisfação eles dependem.
Esse afastamento é possível quando, por meio de uma enorme força de vontade, a mente é
capaz de controlar os sentidos. Mantê-los sob controle exige muita prática, mas depois de
efetivamente controlados, os sentidos deixam de ir ao encalço dos objetos sentidos e a mente
livra-se das distrações provocadas por eles.

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1.3.6. DHARANA: concentração

É o próximo passo depois de Pratyahara, quando conseguimos controlar os


sentidos fixamos a atenção em um objeto, que pode ser concreto ou abstrato, de modo que a
atenção fique completamente voltada para ele. A concentração pode ter um suporte, como um
mantra, um som, uma palavra ou uma imagem. O importante é manter a mente focalizada no
objeto.

1.3.7. DHYANA: meditação

É o estado acima de Dharana, em que a mente ainda luta para se concentrar em


apenas um objeto. Em Dhyana, a dispersão mental foi vencida e a fixação no objeto é total,
preenche todo o espaço da consciência. Nesse estado não se perde a lucidez e tem-se a
impressão de que estamos ainda mais despertos embora a consciência do mundo externo seja
nula.

1.3.8. SAMADHI: hiperconsciência – o objetivo final do Yoga

É quando o praticante mergulha nas camadas mais profundas da consciência. Os


mestres dizem que a mente não consegue encontrar palavras para descrever esse estado e que,
por isso, a melhor forma de explicá-lo é o silêncio.
Deepack Chopra (2004) define Samadhi como o estado de acomodação em uma
consciência pura e ilimitada, transcendendo o tempo e o espaço, o passado e o futuro, indo
além da individualidade, experimentando a esfera da eternidade e da infinidade.
Esses são resumidamente os oito estágios catalogados por Patanjali, que servem
para ajudar os praticantes dessa filosofia a alcançar uma maior consciência.

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2. PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

2.1. O que é Psicologia Transpessoal

É um ramo da psicologia especializado no estudo dos estados de consciência,


mais especificamente nos estados ampliados de consciência. Esses estados consistem na
entrada numa dimensão fora do espaço tempo, como costuma ser percebida pelos cinco
sentidos. (WEIL apud SALDANHA, 2008)
A Psicologia Transpessoal foi oficializada e anunciada no ano de 1968, por
Abraham Harold Maslow, no prefácio da segunda edição de seu livro Toward a Psychology of
Being, quando era presidente da Americam Psychological Association e presidente do
Conselho do Departamento de Psicologia da Brandeis University (gestão 1968-1969).
(SALDANHA, 2008:43)

Devo dizer que considero a Psicologia Humanista ou Terceira Força de


Psicologia, apenas transitória, uma preparação para a Quarta Psicologia,
ainda mais elevada, transpessoal, transhumana, centrada mais no cosmo do
que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da
identidade, da individuação e quejandos...
(MASLOW,1968:12)

Outro autor significativo foi o psiquiatra italiano Roberto Grecco Assagioli.


Médico, nasceu em Veneza em 27 de fevereiro de 1888 e faleceu em 1974. Realizou sua tese
de Doutorado em Psicanálise no ano de 1910; posteriormente ampliou o conceito de
inconsciente, inserindo a dimensão espiritual. (SALDANHA, 2008:59)
Jacob Ley Moreno (1892-1974) também valorizava o divino e revelava que toda a
inspiração para o seu próprio trabalho veio, direta ou indiretamente, da sua idéia sobre
divindade e do principio de sua gênese.
Segundo Maslow, o homem seria um ser com poderes e capacidades adormecidos,
e não adoecemos somente por aspectos patológicos, mas também por bloquearmos aspectos
saudáveis. Ao não manifestarmos nossa criatividade e nosso potencial como seres humanos
realizados, temos como conseqüência a neurose. (SALDANHA, 2008:63)
“Experiências Culminantes é uma generalização para os melhores momentos do
ser humano, para os momentos mais felizes da vida, para experiências de êxtase, enlevo,
beatitude, de maior felicidade”. (MASLOW apud SALDANHA, 2008)

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Maslow trouxe um diferencial fundamental para se conhecer a Psicologia
Transpessoal. Em suas pesquisas denominou experiências culminantes sentimentos elevados
de êxtase e comunhão com a natureza, deslumbramento, gratidão e unicidade. Nesses
momentos em que nos tornamos profundamente envolvidos e absorvidos no mundo, em
perfeita integração, numa relação harmoniosa com tudo que nos cerca. Pode ser um momento
de experiência profissional, um instante de contemplação da natureza, uma vivência pessoal.
Esses momentos são únicos e especiais. Maslow ao legitimar essas experiências criou um
novo referencial conceitual na Psicologia.
Abrahm Harold Maslow acrescentou e reconheceu na Psicologia, além da pulsão
de vida e de morte, a natureza transcendental, quando explicava que esse impulso à
transcendência é inerente ao ser humano, o qual quando reprimido, adoece. Denominava-o
como um aspecto “instintóide”, que é desejável, curativo, e que, sem o transcendente,
ficaríamos doentes, violentos e niilista, vazios de esperança e apáticos. (MASLOW, 1968:12)
Segundo Vera Saldanha, a transpessoal surge em um momento de transição e
integração do saber, em uma nova etapa da ciência e do conhecimento humano. Parece que,
longe de ser uma teoria concluída, hermética, é ainda uma disciplina jovem e que, sem
dúvida, faz parte das pesquisas de ponta sobre o desenvolvimento da mente humana, com
perspectivas extremamente promissoras.

3. PSICOLOGIA TRANSPESSOAL - ABORDAGEM INTEGRATIVA

3.1. Introdução

Desde o ano de 1978, quando participou do IV Congresso Internacional de


Psicologia Transpessoal, Vera Saldanha, iniciou uma jornada significativa de cursos e estudos
nessa área. Por meio de profunda e extensa aplicação teórica e prática em Psicologia
Transpessoal, passou a construir uma sistematização com os seus principais conceitos,
ampliando-os e apresentando-os de forma estrutural e dinâmica, com a finalidade de facilitar a
aplicação deste referencial na educação, saúde e nas instituições. Denominou a elaboração
desse conhecimento em Psicologia como “Abordagem Integrativa Transpessoal” e sua forma
de ensiná-la de “Didática Transpessoal”.

28
A partir de agora mencionarei resumidamente os principais enfoques dessa
abordagem, e explorarei com mais detalhes os aspectos que poderão ser mais observados
numa educação yoguica, que é o tema desse trabalho, conforme livro de Vera Saldanha –
Abordagem Integrativa: Um conhecimento Emergente em Psicologia da Consciência, (2008).

3.2. Sistematização

Segundo Vera Saldanha a abordagem integrativa da Psicologia Transpessoal está


constituída por dois aspectos: estrutural e dinâmico.

3.2.1. Aspecto Estrutural

O aspecto estrutural é constituído por cinco elementos que formam o Corpo


Teórico da Psicologia Transpessoal: conceito de unidade, conceito de vida, conceito de ego,
estados de consciência e cartografia da consciência.

3.2.1.1. Conceito de Unidade

O conceito de unidade representa o ápice da dimensão superior da consciência, o


aspecto necessário ao desenvolvimento mais pleno: a dimensão transpessoal. Maslow
acrescenta que há mais serenidade nestes estados do que emotividade, além de um aspecto
cognitivo no sentido de testemunhar a realidade, a sensação de certeza. É a possibilidade de
estar em harmonia, em comunhão consigo e com o outro. Estar presente por inteiro em cada
instante, no aqui e agora.
Quando o ser humano ignora que faz parte da unidade, apega-se a tudo que
propicia prazer – objetos, pessoa e idéias. Segundo Pierre Weil o apego é a fantasia da
separatividade. Á medida que vivemos nessa ilusão, buscamos nos apegos uma tábua de
salvação, para nos livrarmos do sentimento de nulidade e falta de sentido, formando um
circulo vicioso, quanto mais apego, mais a ilusão da separatividade. À medida que vamos
aprendendo a amar, nossos temores diminuem gradativamente.

29
“O conhecimento é uma função do ser. Quando há uma mudança no ser do
conhecedor, há uma mudança correspondente na natureza e na totalidade do conhecido”
(HUXLEY, 1973:2)

3.2.1.2. Conceito de Vida

A vida segundo Vera Saldanha, é eterna, ilimitada, sempre existiu. Desconhece-se


sua origem e sequer pode-se imaginar, de forma concreta, o seu fim. É inesgotável, uma fonte
que jorra, incessantemente, nas suas mais diferentes manifestações.
O morrer, sob o enfoque transpessoal, é uma transição. É a passagem de uma
forma para tomar outra, acrescendo elementos de maior alcance na escala universal e
mantendo a essência indivisível do elemento anterior, que consiste na vida em si própria.
A vida brota de outra forma, vem e invade o ser a cada instante. Quando se vence
os apegos, o ego ilusório, vivencia-se toda a plenitude, ressurgindo a vida por detrás da morte.
É uma força que está além das aparências, algo que simplesmente, é, com presença, força e
poder, inerente a todo processo de aprendizagem, inclusive na morte, a qual testemunha
permanentemente o caráter efêmero da existência humana, ao mesmo tempo que nos desperta
a procurar o que não está submetido ao nascimento e à morte.

3.2.1.3. Conceito de Ego

Na Psicologia Transpessoal o ego é uma construção mental, ilusória, que divide o


espaço entre o eu e o outro. O ego é necessário para operacionalizar a vida cotidiana, no
entanto não representa a totalidade das experiências humanas. Para que o indivíduo se torne
uno com o todo, sentindo sua essência, sua natureza de sabedoria e de luz, é preciso muitas
vezes dissolver esse ego.
A proposta da Psicologia Transpessoal é permitir que do ser humano que sofre,
possa renascer um novo ser, mais sábio, que vivencia a unidade cósmica, e se sente parte dela,
percebendo que há uma interdependência entre todas as coisas e seres do Universo. Essa
ruptura com a dualidade permite redimensionar o conceito de ego. A morte do ego é
vivenciada como uma mudança de nível de consciência, de densidade energética, favorecendo

30
um estado de despertar, no qual há conexão com o nosso Ser essencial e gradativamente o
indivíduo torna-se mais saudável, vivendo mais plenamente a totalidade de seu ser.
Um ego rígido, torna o indivíduo robotizado, uma pessoa que se identifica com a
idéia de si mesmo e não com a realidade dos seus sentimentos, experiências e ações. A vida
fica dividida entre o que se pensa que se é e o que se é de fato. Se a mente está sem intenções
rígidas, preconceitos ou ordens, o indivíduo pode estar em contato direto com a experiência
real do mundo, centrado no momento presente do sentir, pensar e agir, numa congruência
saudável entre esses diferentes níveis.

3.2.1.4. Estados e Níveis de Consciência

No livro de Vera Saldanha (2008:172), Stanislav Grof define consciência do


seguinte modo:

É a expressão e reflexo de uma inteligência cósmica que permeia todo o


universo e toda existência. Somos campos ilimitados de consciência
transcendendo tempo, espaço, matéria e causalidade linear. Estados não-
comuns de consciência são manifestações da psique humana. Emergência
desses estados pode ter fins terapêuticos.

A Psicologia Transpessoal prima por trabalhar com diferentes níveis de


consciência e os concebe como parte da natureza da mente humana.
Estado de expansão de consciência é uma ampliação qualitativa, no padrão
comum da atividade da mente, em que o experienciador constata que sua consciência está
radicalmente diferente do seu funcionamento anterior.
Esse estado não é definido por um conteúdo particular de consciência, de
comportamento ou de modificação fisiológica, mas por um padrão total e são facilitadores da
aprendizagem, favorecidos na Didática Transpessoal. O indivíduo percebe a realidade de
acordo com o estado de consciência que está vivenciando, e cada estado de consciência é um
conjunto de eventos energéticos, do qual a percepção da realidade depende.
Vera Saldanha descreve em seu livro seis principais estados de consciência:
(2008:173-6): consciência de vigília, de sonho, de sono profundo, de devaneio, despertar e a
plena consciência.

31
3.2.1.4.1. Estado de consciência de vigília

É o mais conhecido, pois é quando o indivíduo está acordado, trabalhando,


planejando. Predominam as funções do ego, a relação do indivíduo com o ambiente, a mente,
as emoções, os cinco sentidos num mundo tridimensional. Ocorre a separação nítida entre o
eu e o mundo exterior.

3.2.1.4.2. Estado de consciência de devaneio

Pode ser alcançado por meio do relaxamento. Esse estado traz imagens e idéias
desconexas, ou mesmo criativas, literárias, artísticas, científicas, administrativas. A atenção é
difusa e há total receptividade, disponibilidade para o momento presente. Propicia a
associação livre. Tais idéias precisam ser anotadas imediatamente, pois tendem a desaparecer,
por completo, no estado de consciência de vigília.

3.2.1.4.3. Estado de consciência de sonho

Sigmund Freud foi o pioneiro nos estudos sobre sonhos. Recentes pesquisas em
neurologia sugerem que o sonho contribui para a síntese de proteína, responsável pela
transferência da memória à longo prazo, favorecendo a aprendizagem e o comportamento
adaptativo. Permite também a elaboração do conhecimento, sendo períodos de programas
internos que estão sendo sintetizados e poderão ser realizados no ambiente. Além disso,
contribui para a restauração energética e protéica dos neurônios

3.2.1.4.4. Estado de consciência de sono profundo

No senso comum corresponde à inconsciência total, quando um véu separa o


indivíduo do mundo externo. Pesquisas nessa área sugerem que às vezes, pode haver um nível

32
de superconsciência durante esse estado, o ego desaparece totalmente, a consciência retorna a
si mesma, a sua fonte, e o indivíduo é revitalizado.

3.2.1.4.5. Estado de consciência de despertar

Esse estado situa-se entre a consciência individual e a consciência cósmica. É a


saída do automatismo, quando o indivíduo desenvolve gradualmente um nível de reflexão,
consciência e percepção mais ampla de sua própria existência. Ocorre a percepção da
essência, a desidentificação de partes, emoções, mente, papéis, corpo. Promove a expansão do
campo da consciência. Os recursos que podem induzir a tal estado são: relaxamento,
concentração, meditação, exercícios de orientação transpessoal quando são estimuladas a
razão, a emoção, a intuição e a sensação.

3.2.1.4.6. Estado de consciência cósmica ou plena consciência

Ou ainda samadhy como é chamado na yoga. São experiências descritas como


desaparecimento da dimensão tempo-espaço, não projeção da mente sobre os objetos,
superação da dualidade, vivência de uma luz radiante que impregna o espaço, experiência
energética de iluminação interior, descoberta do verdadeiro sentido da vida. Essas mudanças
são acompanhadas de alterações fisiológicas mensuráveis pelo eletroencefalograma:
mudanças circulatórias, respiratórias, eletrocutâneas, entre outras. É a ocorrência do retorno
consciente ao estado de sono profundo, caracteriza a experiência como proveniente do
Criador, e não da criatura.

3.2.1.5. Cartografia da Consciência

Indica e nomeia a experiência vivenciada para um melhor entendimento do


psicoterapeuta, do educador, do socioterapeuta ou da própria pessoa em relação aos passos
que estão sendo revelados pelo inconsciente.

33
Com terminologia distinta, os autores apontam, de forma geral, três níveis ou
dimensões da mente:
 Primeiro Nível – conteúdos autobiográficos – desde o nascimento até o momento
atual.
 Segundo Nível – conteúdos que abrangem vivências intra-uterinas – inclusive o
nascimento
 Terceiro Nível – que antecede o nível intra-uterino e vai além da existência biológica

Na Psicologia Transpessoal, as denominações vão além das citadas anteriormente.


Kenneth Ring elaborou um mapa concêntrico da consciência no qual é possível relacionar os
diferentes conteúdos experienciais a uma ou mais de suas regiões. O seu trabalho foi baseado
em pesquisas de Stanislav Grof, Timoty Leary, Robert More e outros.

Fonte: WEIL et alii (1978:58) apud SALDANHA (2008:181).

Deve-se levar em conta que as linhas não são fronteiras demarcatórias, mas
representações meramente didáticas, pois os distintos conteúdos se interpenetram
mutuamente.

34
3.2.1.5.1. Consciência de vigília

Formada de conteúdos do cotidiano, geralmente regidos pelo tempo linear


passado, presente e futuro lógico. A maioria das pessoas se mantém nesse estado a maior
parte do tempo.

3.2.1.5.2. Pré-consciente

Conteúdos acessados facilmente a partir de uma simples evocação direta, estão


parcialmente ligados à vigília.

3.2.1.5.3. Inconsciente psicodinâmico

Conteúdos ligados a experiências, sentimentos, pulsões, desde o nascimento até o


momento de vida atual. São difíceis de serem acessados, podem vir à tona sob a forma de
sintomas.

3.2.1.5.4. Inconsciente ontogenético

São vivências intra-uterinas representando uma zona de transição do nível pessoal


para o transpessoal, incluindo as experiências de morte/nascimento.

3.2.1.5.5. Inconsciente transindividual

Envolve experiências ancestrais, experiências palingenéticas, experiências


coletivas, raciais e experiências arquetípicas.

35
3.2.1.5.6. Inconsciente filogenético

Envolve experiências além das formas humanas, da própria sequência evolutiva


do planeta, tanto orgânicas quanto inorgânicas.

3.2.1.5.7. Inconsciente extraterreno

Domínio da consciência que se estende para além do nosso planeta: experiências


de estar fora do corpo, encontro com entidades espirituais.

3.2.1.5.8. Supraconsciente ou Superconsciente

Ocorre profundo êxtase existencial. Há uma percepção ampla da realidade,


sentimentos de compaixão, de equanimidade. É um nível diferenciado da consciência, o
indivíduo tem uma apreensão intuitiva do fenômeno da unidade e da relação homem-cosmo.
É um nível sempre disponível, no entanto é acessado somente se estivermos receptivos a ele.

3.2.1.5.9. Vácuo

Estado além de qualquer conteúdo, corresponde ao nirvana na filosofia budista. É


um estado de puro ser. A consciência funde-se à mente universal e não há palavras que
possam expressar esse momento.
A Psicologia Transpessoal diferencia-se das escolas que a antecederam por
integrar esses níveis no contexto clínico e educacional, como pertinentes ao processo de
desenvolvimento natural do ser humano.

3.2.2. Aspecto Dinâmico: Eixos Evolutivo e Experiencial

36
O aspecto dinâmico, constituído pelos eixos evolutivo e experiencial, expressam
os elementos do corpo teórico numa compreensão dinâmica. Há uma inter relação entre eles,
em distintos níveis e graus, que traz suporte teórico às técnicas, à Didática Transpessoal e a
postura do psicoterapeuta, do educador ou facilitador de orientação transpessoal.

Fonte: SALDANHA (2008:184).

O eixo experiencial simboliza uma integração da Razão, Emoção, Intuição,


Sensação (REIS), representado pela linha horizontal sobre outra linha vertical, cruzando-se no
meio.

3.2.2.1. (R) Razão

Representa sentimento e pensamento, indicando um elemento de julgamento, seja


de idéias, conceitos ou atribuição de valor. O indivíduo apreende a realidade interna ou
externa por intermédio de um juízo conceitual, por meio da função pensamento, por exemplo:
claro-escuro, baixo-alto, ou de juízo e valor na função sentimento, tais como: gosto-não gosto,
agradável-desagradável. São aspectos importantes da personalidade que tentam compreender
e organizar o universo por intermédio da reflexão.
Na abordagem transpessoal, razão é uma função muito importante, mas sem uma
supremacia dominante, que deverá estar integrada a outros níveis de percepção da realidade,
tais como emoção, sensação e intuição, necessários à vida do indivíduo para seu
desenvolvimento pleno.

37
3.2.2.2. (E) Emoção

Tem o mesmo significado que o afeto, diferenciando-se do sentimento, que é uma


função valorativa que não apresenta manifestações físicas ou fisiológicas tangíveis, sendo um
meio consciente de discriminar valores. Carl Gustav Jung, diferencia emoção de sentimento,
esclarecendo que os sentimentos requerem a linguagem, porque surgem da reflexão com que
se observa, seja na observação de si próprio ou do outro.
Segundo ainda Jung, a emoção representa um complexo ativado. No referencial
junguiano complexo é um grupo de idéias ou imagens carregadas emocionalmente, uma via
ideal para o inconsciente, arquiteto dos sonhos e dos sintomas. (SALDANHA, 2008:187)
Segundo Humberto R. Maturana (1998), as emoções constituem dinâmicas
corporais específicas em cada instante e expressam os diferentes domínios de relações
possíveis de um organismo. Segundo esse autor todo o sistema racional emerge como um
sistema de coordenação, tendo como base as emoções vividas no instante em que se está
pensando. “Não é a razão que nos leva à ação, mas a emoção”. As emoções constituem o
fundamento de todo o nosso afazer.

Ainda segundo Maturana, o amor torna possível a sociabilidade, esclarecendo que


nem toda convivência é social, só são sociais as relações que se fundam na aceitação do outro,
como legitimando o outro na convivência, constituindo uma conduta de respeito.

O amor é a emoção central da história evolutiva humana desde o início, e


toda ela se da como uma história em que a conservação de um modo de vida
no qual o amor, a aceitação do outro como um legítimo outro na
convivência, é uma condição necessária para o desenvolvimento físico,
comportamental, psíquico, social e espiritual normal da criança, assim como
para a conservação da saúde física, comportamental, psíquica, social e
espiritual do adulto.
(MATURANA, 1998:25)

No referencial da Abordagem Integrativa Transpessoal, apresentada por Vera


Saldanha, o amor constitui uma condição fundamental, biológica e relacional na educação e
na saúde humana. Além disso, a emoção é essencial por conferir à situação o aspecto
experiencial, trazer a energia necessária ao processo do desenvolvimento psíquico, favorecer a
aprendizagem. Somente será danosa, se o indivíduo se mantiver fragmentado e identificado só

38
com a emoção, o que impedirá a manifestação e integração de outras funções psíquicas e
elementos do desenvolvimento humano.
Segundo Maslow, no enfoque da Psicologia Transpessoal, além das emoções
negativas serem reconhecidas e trabalhadas, são importantes as emoções positivas para a auto-
atualização.

3.2.2.3. (I) Intuição

A definição usual desse conceito provém se sua etimologia: in-tueri, ou seja, ver
dentro, tratando-se da percepção imediata de um objeto presente, tomado em sua realidade
individual.
Carl Gustav Jung afirma que a intuição é um tipo de percepção que não passa
pelos sentidos, registra-se ao nível do inconsciente (JUNG, 1972:32). Segundo ele, na
intuição não há julgamento ou reflexão, pois ela capta a realidade mediante a percepção
global imediata, de síntese, um insight, sem que haja estímulo direto, concreto. O conteúdo
apresenta-se como um todo completo sem que se possa explicá-lo ou descobrir como veio à
luz.
Roberto Assagioli (1993), pontua que a intuição se apresenta na consciência de
duas formas:
 como abertura de um “olho” interno, o qual permite ver ou perceber o que a visão normal
não vislumbra;
 comparada a um resplendor, um relâmpago, um raio de luz que incide no campo da
consciência e que é percebido pelo eu (p. 78)

“A intuição é uma percepção, um conhecimento claro, direto, imediato e


espontâneo da verdade sem o auxilio do raciocínio”. (AULETE, 1987:1071)

A intuição pode estar voltada a descobertas da experiência subjetiva, considerada


introspectiva, ou voltada para o mundo exterior, extrospectiva. Um caráter específico da
intuição é a sua autenticidade.

39
Roberto Assagioli (1993) conclui que a intuição mais do que a qualidade do
objeto, capta a essência do que é. Por isso é um dos campos de investigação da nova
psicologia do Ser.
A intuição, sob o olhar transpessoal, tem sua origem no supraconsciente e
caracteriza um dos diferenciais dessa abordagem quando aplicada à educação e à clinica.

3.2.2.4. (S) Sensação

A sensação na abordagem transpessoal, é de extrema relevância. Traz o corpo em


ação, no qual se aprende, cresce e transforma-se. É nele que a espécie humana se evolui e a
cultura se manifesta, é onde o ser se expressa sob vários aspectos: racional, emocional,
intuitivo e experiencial.
O corpo resgata, por meio de suas percepções, toda a história do indivíduo,
trazendo em si não só aspectos ontogenéticos, mas filogenéticos da consciência coletiva, até a
vivência da unidade.
Quando se atenta às dimensões física, psicológica e espiritual, amplia-se a
consciência por meio das experiências corporais, do resgate da unidade, do corpo-espírito.
Christina A. Freire (2000) afirma que à medida que integramos corpo e alma
como uma unidade individual anatômica e fisiológica, concebemos também que processos
biológicos promovam processos psíquicos.
As sensações, em todas as suas manifestações corporais, tornam o corpo território
do Sagrado. Abraham Harold Maslow (1968) lembra que sem corpo não há alma, pois este
necessita daquela para expressar-se e sem alma o corpo biológico não tem animação, em
ambas as hipóteses não é ser humano.
Quando o indivíduo impede a expressão da sensação, da intuição, da emoção, da
razão, ou então identifica-se com uma delas, limita seu foco de percepção e propicia um
estado de fragmentação que o impede de vivenciar sua própria experiência, e sobretudo, ir
além dela, aprimorar seu conhecimento, trazer sentido de sua ação e manifestar sua inteireza.
A fragmentação reduz sua capacidade de aprender, de transformar conteúdos em
saberes com significados, mantém o indivíduo na inconsciência e consciência coletiva,
vulnerável à marca predominante de níveis pré-pessoais, que dificultam a manifestação de sua

40
dimensão superior, ou seja, do supraconsciente, do qual emerge a dimensão do transpessoal
do ser em seus aspectos mais saudáveis, seus valores positivos e construtivos.
Vera Saldanha, ao formular o modelo do eixo experiencial e evolutivo em cruz,
numa representação didática que serve ao propósito de visualizar esses conceitos teóricos,
pois essas fases são extremamente dinâmicas, optou por representá-lo com linhas pontilhadas,
evitando a idéia rígida da separação entre as distintas etapas, configurando quatro quadrantes,
representando quatro estágios:

Fonte: SALDANHA (2008:199).


A primeira fase ou estágio, localizada no primeiro quadrante, é o momento no
qual as funções psíquicas encontram-se dissociadas, fragmentadas e o individuo poderá estar,
em maior ou menor grau, se identificando com uma delas, ou confuso e disperso. Pode estar
ocorrendo numa determinada situação da vida, ou em relação ao todo de uma maneira geral,
inclusive na sua capacidade de aprendizagem.
Essa fase representa o inconsciente e a consciência coletiva, quando o indivíduo é
facilmente influenciado pela massa, pelo coletivo e, também, por aspectos do seu próprio
inconsciente, interferindo no nível de suas motivações.
Nessa fase o indivíduo age de forma robotizada, não há uma congruência entre o
que se pensa, sente, intui e faz. Não há uma interlocução saudável para os aspectos mais
profundos do inconsciente, sejam eles negativos ou positivos, destrutivos ou construtivos.
O estímulo ao eixo experiencial significa integrar com congruência as funções
psíquicas, favorecendo ao indivíduo ter consciência do seu pensamento, sentimento, emoção,
intuição e sensação (REIS). Essa integração permitirá a ampliação da percepção da realidade
favorecendo a emergência do eixo evolutivo, a dimensão do supraconsciente, corroborando
com o processo psíquico em curso.

41
Na educação, diversos autores, apresentam exercícios interessantes que resultam
na estimulação das “inteligências múltiplas”, que podem favorecer o eixo experiencial, se
integradas a um trabalho de orientação transpessoal, pois estimulam as áreas da cognição, do
cinestésico, do artístico, do interpessoal, do intuitivo e outras, denominadas neste referencial
teórico, como razão, emoção, intuição e sensação.
Howard Gardner, autor da teoria das “inteligências múltiplas”, afirma que a
estimulação dessas inteligências não garante a ética ou a direção que a aprendizagem irá
favorecer: se construtiva ou destrutiva. Nesse sentido a Psicologia Transpessoal, além da
estimulação experiencial ressalta a necessidade do eixo evolutivo, que propicia a
manifestação do supraconsciente, a dimensão superior do ser humano, no qual os valores e
ações são éticos e construtivos.
Com a integração do REIS, configura o espaço psíquico do segundo estágio ou
fase, agora num estado de consciência mais desperto, representado pelo eixo evolutivo.
Na Didática Transpessoal, esse espaço é facilitado ou desbloqueado, integrando
distintas áreas da psique e dos níveis de consciência onde há resolução, prontidão e
criatividade. Denomina-se esse eixo evolutivo de “ordem mental superior”, que traz a
possibilidade do terceiro estágio.
Esse estágio é o ponto central nesta abordagem, é a própria manifestação da
ordem mental superior ou supraconsciente.
Nessa instância psíquica o indivíduo apreende a realidade de forma lúcida, sabe
aquilo que é necessário e melhor para o ser humano em sua jornada no processo de
aprendizagem, na cura mental e física. Esse acesso, contudo, não é tão simples ou fácil e, em
geral, precisa ser favorecido.
Nesse sentido, a Didática Transpessoal , pode espelhar a dimensão superior do
indivíduo na medida em que utiliza recursos, que são pontes de ligação com o supraconsciente
e exercícios que favorecem seu desabrochar.
Dessa forma, evidencia-se o caráter naturalmente ético desse enfoque, ao
favorecer a expressão e integração mais elevada dos valores humanos consigo próprio e com
o outro. Promove e integra nas relações sociais uma natureza benevolente, solidária e
cooperativa, completando o quarto estágio ou fase dessa dinâmica psíquica.
“O mundo contemporâneo está mergulhado e imbuído por uma Cultura de Guerra,
ele precisa substituí-lo por uma Cultura de Paz”. (WEIL, 2001)

42
O eixo evolutivo favorece uma outra ordem superior de realidade: a esfera da
supraconsciência, a percepção de um nível mais sutil através e além do pessoal. O eixo
evolutivo traz consigo a apreensão do sentido da experiência no plano pessoal e coletivo.
Promove uma outra qualidade de energia psíquica, do conhecimento que agrega valores. É
possível que a inserção legítima dessa função na área clínica, na educação, nas instituições,
assim como a abertura ao amor e a espiritualidade, possam contribuir para essa cultura de paz,
que vem sendo tão conclamada atualmente.
O resultado da síntese entre o eixo evolutivo e experiencial é integrado na
dimensão existencial do Ser, trazendo-lhe o refinamento da experiência a ser vivenciada,
proporcionando sentido à vivência e à própria vida. Quanto mais o indivíduo estiver
integrado, presente no aqui e agora, mais experienciará por completo a situação em que está e
desfrutará de todas as possibilidades que ela lhe oferece. Ao se conhecer melhor, desenvolve
o potencial que lhe é inerente, dando sentido à existência pessoal e cósmica.

4. NEUROCIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE

4.1. Introdução

Para Danucalov e Simões (2009) até pouco tempo atrás, falar de consciência era
quase proibido nos meios científicos mais ortodoxos, pois sendo tão impalpável, fugia do
escopo acadêmico, e quando muito, era um vago objeto de divagação filosófica.
De uns anos para cá, começou um diálogo sobre aspectos relacionados à mente,
devido à crescente tecnologia direcionada ao estudo do encéfalo. Mesmo assim, a tecnologia
atual não é suficiente para homogeneizar as teorias sobre encéfalo, a mente, a consciência, o
pensamento e a vontade.

O sistema nervoso é um aglomerado de estruturas altamente especializadas,


onde cada parte exerce uma função específica. Entretanto, cada uma das
partes isoladas está intimamente conectada às demais, de forma que, em
muitas ocasiões, a ativação de uma dada região poderá acarretar uma
resposta em outras regiões mais distantes.
43
(DANUCALOV; SIMÕES, 2009:47)

Danucalov e Simões citam no livro Neurofisiologia da Meditação que “o sistema


nervoso é formado por diminutas células conhecidas por neurônios. Cem bilhões de neurônios
habitam o interior do crânio dos seres humanos, dando forma ao sistema nervoso. No entanto,
a complexidade não termina aí. Cada uma desses diminutos neurônios tem como obrigação
dialogar com outros para transmitir informações. Em média, cada célula nervosa conversa
com 10 mil outros neurônios nesse processo, podendo chegar ao incrível numero de 100 mil
diálogos por célula nervosa. Se levarmos em consideração os números descritos acima,
podemos visualizar que as unidades processadoras do sistema nervoso central, ou seja, os
neurônios, estabelecem alguns trilhões de conexões integradoras, conhecidas com o nome de
sinapses, os diminutos contatos entre um neurônio e outro. Quanto maior o numero de
neurônios dentro do encéfalo, e quanto maior o numero de sinapses entre eles, maior será sua
complexidade”. (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:51-2)
Sempre que aprendemos alguma coisa neste mundo, uma alteração física acontece
no encéfalo, pois cada ato aprendido gera alguns milhares de conexões sinápticas em nosso
sistema nervoso. Tudo é gravado em nosso encéfalo através das comunicações entre os
neurônios. Gravamos coisas boas, que nos fazem bem, e gravamos coisas ruins, que nos
incomodam. As coisas ruins se não forem trabalhadas podem ser transformadas em neuroses.
Conceitos complexos como cooperação, companheirismo, amizade, traição e
amargura também são armazenados na biblioteca encefálica. Cada ser humano, com sua
história de vida, adquire conceitos distintos quanto à compreensão da vida em si.
Esses mesmos autores citam que os neurônios podem estar ativos ou inativos,
despolarizados ou polarizados, ou ainda “desligados”. Em inúmeros momentos, determinadas
células nervosas devem perder sua capacidade de emitir correntes elétricas. Agindo dessa
forma, o sistema nervoso passa a funcionar mais adequadamente. No decorrer do dia somos
bombardeados por uma grande quantidade de informações. A maioria delas deve ser
descartada em detrimento de uma melhor focalização de prioridades. Um bom exemplo é a
sensação tátil. Esse “desligamento” é chamado de hiperpolarização. Algumas patologias, entre
elas a epilepsia, são produzidas na medida em que uma grande quantidade de neurônios sai de
seu estado de hiperpolarização para um estado de franca ativação, produzindo convulsões
generalizadas, fruto da falta de sincronia neural. (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:56)

44
De acordo com essa explicação, os autores concluem que é lícito supor que
durante a meditação uma menor quantidade de neurônios esteja sendo ativada. Essa menor
ativação pode ser fruto de uma menor aferência sensorial, ou seja, uma reduzida entrada de
informações advindas do meio ambiente, assim como uma provável hiperpolarização de
determinadas regiões encefálicas. De fato, a quinta etapa do astanga-yoga de Patanjali é o
pratyahara, abstração dos sentidos. Muitos praticantes de meditação afirmam conseguir
“desligar” dos estímulos externos durante suas práticas. As neurociências estão cada vez mais
comprovando essas afirmações, na medida em que desvendam os mecanismos encefálicos
envolvidos nessas práticas. (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:57)
Atualmente nossa compreensão dos aspectos cognitivos é fruto do árduo trabalho
de uma grande quantidade de psicólogos, biólogos, pesquisadores afins, que gradativamente
foram construindo a atual trama de conhecimentos que envolvem a psicologia do saber.

4.1.1. Inteligências Múltiplas

Cientistas cognitivos como Howard Gardner, autor da teoria das Inteligências


Múltiplas, defendem interessantes pontos de vista com relação às estruturas que forjam a
mente humana. Segundo Gardner, o ser humano nasce com determinadas tendências
genéticas, e as mesmas, se potencializadas pelo meio ambiente, podem aflorar produzindo
diferentes inteligências. Para ele, assim como para outros teóricos da cognição, rotular a
inteligência como no velho sistema de testagem de Q.I., é negar veementemente a gigantesca
capacidade do ser humano em resolver problemas através de outras qualidades. Gardner
identificou até o presente, oito inteligências: inteligência lingüística – associada a escritores e
poetas; inteligência musical; inteligência lógico-matemática; inteligência espacial – atribuída
a pessoas que possuem facilidade em trabalhar com coordenadas espaciais, como o arquiteto
Oscar Niemayer; inteligência corporal-cinestésica – associada a grandes nomes do esporte
como Pelé; inteligência pictórica – que facilita a expressão através da arte, como pintores,
cartunistas; inteligência interpessoal – que facilita o contato com outras pessoas, geralmente
associada a grandes professores e políticos; inteligência intrapessoal – relacionada com
pessoas que apresentam um grande equilíbrio interior, mesmo quando estão em situações
difíceis, como exemplo Nelson Mandela (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:64-5)
Atualmente, a teoria das múltiplas inteligências é bem aceita dentro da ciência
acadêmica, e essa aceitação é fruto do rigor científico de Gardner (1994). Segundo ele, para

45
que uma inteligência seja aceita, é necessário que a mesma se assente em seis rigorosos
critérios:
a) – Ter uma base biogenética e neurológica;
b) – Adequar-se a algum suporte psicométrico, ou seja, deve poder ser mensurada;
c) – Apresentar uma história desenvolvimental caracteristicamente definível;
d) – Adequar-se a um sistema de codificação simbólica;
e) – Apresentar indivíduos excepcionalmente aptos dentro de seu escopo;
f) – Ser usada como instrumento de adaptação ao meio.

Com o passar do tempo, outros pesquisadores lançaram hipóteses de que outras


inteligências devam existir, contudo uma coisa é fato: não existem indivíduos que exerçam
todas as inteligências de forma exuberante, pois nosso aparato neuronal não nos permite. Os
seres humanos devem ter tendências genéticas a desenvolver, uma ou duas das citadas
inteligências, sendo que as demais estarão presentes, porém não atingirão grandes escores
quando medidas. (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:66)

4.1.2. Inteligência Espiritual

Inteligência Espiritual segundo Robert Emmons, concede ao ser humano a


possibilidade de estabelecer um íntimo contato com o que as religiões tem
rotulado como divino, além disso os detentores dessa inteligência
estabeleceriam também um delicado contato consigo mesmo, com o mundo
e como os fatos da vida, encarando os problemas cotidianos através de
abordagens mais pragmáticas e serenas.
(DANUCALOV; SIMÕES, 2009:66-7)

O artigo de Robert Emmons causou grande polêmica e foi criteriosamente


analisado por Howard Gardner, que elucidou seis critérios para fundamentar uma inteligência,
e Emmons se esforçou em adequá-los à sua hipótese:
a) – Para Emmons, a inteligência espiritual está alicerçada em uma evolução biogenética do
comportamento e dos sistemas neuronais. O autor ainda afirma haver uma influência genética
hereditária nas atitudes religiosas.
b) – Emmons afirma que inúmeros autores estão trabalhando para validar suportes
psicométricos para avaliar a inteligência espiritual. Dentre eles podemos citar Richard

46
N.Wolman, psicólogo clínico e membro do corpo docente da Faculdade de Medicina de
Harvard.
c) – O terceiro critério exigido por Gardner também pode ser apreciado na suposta
inteligência espiritual, uma vez que existem indícios da compreensão e da evolução temporal
do simbolismo religioso. Esta evolução é algo totalmente relacionado à própria afirmação e
autocompreensão do ser humano enquanto espécie. Através dos tempos, inúmeros pensadores
hipotetizaram que a consciência humana vem evoluindo gradativamente. Alguns deles
chegaram até mesmo a afirmar que o futuro do homem é a aquisição de uma consciência
cósmica.
d) – Como as demais inteligências propostas por Gardner, a inteligência espiritual também
pode ser retratada através de um sistema ritualístico e simbólico.
e) – A inteligência espiritual também pode ser encontrada expressando seus valores de forma
excepcional, aparecendo em indivíduos que poderiam ser classificados como superdotados na
referida inteligência. Emmons destaca como exemplos Santa Tereza de Ávila e São João da
Cruz, ambos místicos do século XVI. Poderíamos ainda citar exemplos contemporâneos como
Irmã Dulce, Chico Xavier, Madre Tereza de Calcutá, Mahatma Gandhi, entre outros.
f) – Por último, para Emmons, a inteligência espiritual ainda concede ao indivíduo uma
grande capacidade de adaptação ao meio, tornando a pessoa mais flexível na busca de um
equilíbrio harmonioso entre auto-conceito, auto-integração e auto-regulação. Supostamente,
os detentores deste tipo de inteligência atingem tais estados por meio de rotineiras práticas
meditativas, contemplativas, além de devotarem-se ardentemente às orações.

Emmons acredita estar lançando as bases científicas para a fundamentação da


espiritualidade humana. Apesar da espiritualidade ainda ser negligenciada dento do escopo
acadêmico, nos últimos anos uma considerada parcela de cientistas tem percebido que o
comportamento virtuoso, assim como a maturidade espiritual, encerram grande potencial na
formação de cidadãos íntegros e produtivos em nossa sociedade. Apesar de sua empolgação
Emmons conclui que uma grande quantidade de pesquisa ainda é necessária para que a
inteligência espiritual seja mais bem compreendida e fundamentada dentro dos preceitos
científicos. (DANUCALOV; SIMÕES, 2009:67-8)
Enfocar as bases neuronais de nossa mente e associá-la ao Yoga, à meditação, e as
mais diversas experiências místico-religiosas talvez seja uma tarefa ainda mais árdua, haja
vista, a aparente contradição entre ciência e fé, razão e espiritualidade.

47
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivenciando a Psicologia Transpessoal Integrativa na Educação Yoguica – Uma experiência


Pessoal

Meu interesse em escrever esta monografia, ocorreu na medida em que eu


experienciava os vários níveis de consciência, através do REIS, durante o curso de Pós
Graduação em Psicologia Transpessoal, sob a coordenação da Dra. Vera Saldanha.
Meu intuito foi abordar resumidamente, os principais objetivos da prática do
yoga, numa linguagem simples, acessível, trazendo na medida do possível, um pouco do
conceito, e os sutras de Patanjali, muito citado, mas às vezes mal compreendidos, pois quase
sempre focamos apenas no conhecimento teórico, sem nos esforçarmos para vivenciá-los na
prática, para entendê-los na sua profundidade.
Encontrei na Didática Transpessoal, na minha experiência pessoal, um enorme elo
entre os objetivos dos propósitos da filosofia da Yoga e da Psicologia Transpessoal. Vivenciar
esse processo me tornou muito mais consciente no processo de ensinar essa milenar filosofia.
Como educadora de yoga e aprendiz venho vivenciando esse processo de
transformação, que ocorre quando somos tocados pelo Transcendente, tanto na prática do
Yoga, como nas vivências da Psicologia Transpessoal.
Na verdade o objetivo de ambas é a evolução integral do homem e o alcance de
níveis superiores de consciência, culminando num estado de absoluta liberdade e felicidade.
“Se o objetivo é a evolução integral do homem, temos aí um assunto multidisciplinar, porque
o ser humano é um conjunto complexo de fenômenos que nossa moderna ciência ainda não
conseguiu desvendar. De um lado temos descrições dos processos físicos e fisiológicos, não
tratando necessariamente de sentimentos e personalidade. De outro lado temos estudos acerca
do homem enquanto ser psicológico, não estabelecendo necessariamente correlações com
processos e sintomas do corpo físico. E por último, temos as religiões cuidando do homem

48
enquanto ser espiritual, embora poucas se preocupando com problemas físicos e psicológicos
desse ser, menos ainda tem se falado e pesquisado que esses processos fisiológicos e mentais
estão ocorrendo sob a testemunha de uma alma.” (GULMINI,2003)
Na cultura indiana antiga, o homem é considerado um complexo que a grosso
modo, pode ser subdividido em corpo físico + corpo psicológico + corpo espiritual. Esses
diferentes elementos que compõem o ser humano interagem entre si e se auto-influenciam
num processo contínuo, numa lenta evolução.
O percurso dessa evolução começa sempre no aqui e agora. Se perseverarmos, o
terceiro Nyama (Tapas) que é o esforço consciente para alcançar a auto-realização,
colheremos os frutos positivos de nossa disciplina, que é mantermos nossa saúde positiva ou
saúde plena.
Saúde positiva não significa apenas estar ausente de doenças, mas, com uma
sensação energética e exultante de bem estar, com uma reserva de resistência e capacidade
geral de facilmente cultivar a imunidade a determinados agentes agressivos. São sinal de má
saúde um desequilíbrio, seja no nível físico, ou no psicológico. Maslow também acreditava
que o homem adoece não só por aspectos patológicos, mas também por bloquear aspectos
saudáveis, segundo ele a neurose seria a conseqüência da não manifestação da nossa
criatividade e de não atualizarmos nosso potencial humano.
A medicina moderna parece inclinada, a concordar com esse antigo conceito do
Yoga, e as tendências recentes tendem ao reconhecimento de uma patodinâmica da doença
que abrange o corpo todo, em lugar de ver a doença em termos da patologia de órgãos tecidos
ou células individuais.
“O terapeuta não se ocupa da doença, mas trabalha com a saúde que há no coração
da doença”. (Jean Yves Leloup, 2003)
A Yoga visa a tranquilização da mente, pois o indivíduo não conseguirá alcançar
o verdadeiro “eu” enquanto sua mente estiver desnorteada, com pensamentos erráticos, sejam
eles afetivos ou não. Segundo a Yoga mente e matéria são manifestações de uma mesma
energia, dois aspectos de uma mesma substância eterna.
A maioria da humanidade não tem conhecimento dessa unidade, e está submetida
à ilusão da separatividade, há um consenso onde nos percebemos como sujeitos sólidos em
contato com objetos exteriores, igualmente sólidos e permanentes. Pierre Weil indaga até que
ponto essa fantasia da separatividade, não constitui a raiz da desumanização da ciência, da
tecnologia, da educação e do declínio ético. A Psicologia Transpessoal, estuda e vivencia a

49
existência de um estado de consciência no qual todo tipo de dualidade desaparece. Essa
experiência transpessoal é encontrada em todas as culturas, de todas as épocas, e é o objetivo
da yoga, o oitavo sutra de Patanjali, o Samadhi, a Supraconsciência.
Estamos num momento crucial de nossa história, se algo não for feito
comprometeremos as gerações futuras. Vivemos uma crise da pequenez da alma, perdemos de
vista a vastidão do projeto humano. A Yoga, a psicologia transpessoal, são conhecimentos
que se aplicados na vida cotidiana, levam-nos a ter uma percepção mais aguçada sobre as
coisas que nos trazem transtornos mentais e meditar sobre nossa natureza. Esse é o quarto
Niyma, o caminho do estudo, da devoção ao autoconhecimento. Quando ativarmos essa
consciência, nossa alegria não dependerá mais de realizações e aquisições externas. Todo
conhecimento torna-se vivo, sem conteúdos estáticos, muitas vezes inúteis na vida.
Vera Saldanha, conclui em seu livro que quando o conhecimento está
fragmentado, seja pela razão, palavra, emoção, intuição ou sensação, ou ainda por uma
situação-problema ou crenças pessoais, o sujeito acaba vivenciando a patologia, a
fragmentação em sua vida e na aprendizagem. Isso ocorre tanto com o educando quanto com
o educador.
É o que ocorre muitas vezes com educadores de Yoga. Marcos Rojo, (GULMINI,
2003) um especialista em Yoga na atualidade, nos fala que por ignorância ou por apelo
comercial, a Yoga chegou ao ocidente trazendo alguns conceitos que não necessariamente
pertencem ao seu universo. Por parte de quem fala ou por quem escuta, já foi confundido com
faquirismo, auto-flagelação, religião, ginástica e prática misteriosa para fanáticos e iniciados
no esoterismo.
Nos dias de hoje, a grande maioria encara o Yoga como um método de
treinamento físico, e principalmente no ocidente está praticamente reduzido a um grupo de
exercícios físicos. O yoga é mais que treinamento físico, é treinamento mental destinado à
autotransformação.
“Na medida em que penetramos profundamente nos ensinamentos filosóficos do
Yoga, percebemos que o ocidente, na grande maioria das vezes, contentou-se com a casca ao
invés do néctar do fruto do Yoga”. (DANUCALOV; SIMÕES, 2009)
Na didática da psicologia transpessoal o educador deverá ter feito a incursão em
seus mundos interiores, descortinando em si próprio a possibilidade de ampliar seus
paradigmas, vivências e percepções, sabendo que esse caminho sempre se alonga e jamais

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termina. É um autodesenvolvimento contínuo e um cuidar-se sempre, colocando qualidade em
si. (SALDANHA, 2008)
Quando o educador de yoga traz não apenas o conhecimento, mas a aplicação dos
métodos que ensina em si mesmo, gera nele próprio um grau de satisfação, de missão, numa
nova proposta de iniciar os alunos na tarefa essencial de se tornar plenamente humano,
facilitando o potencial individual, facilitando a cada um dar a luz a si mesmo, como nos fala
Roberto Crema, quando cita a pedagogia da benção. “Eu o abençôo, você é um ser humano!
Você foi aceito pela vida! Quem sou eu para recusá-lo? Quem sou eu para avaliá-lo? Quem
sou eu para julgá-lo? Eu o abençôo, você é um ser humano único, dotado de um semblante!
Você é um mistério indecifrável. Você é portador de uma chama e pode fazê-la brilhar”
(2003:44)
“Um bom educador é como um bom jardineiro, ele nunca comparará um jasmim a
uma flor de maracujá, e não precisa ser um especialista em botânica, mas um amante das
plantas”. (CREMA)
Segundo Jean Yves Leloup existem duas formas de observar uma flor de lótus:
olhar para ela e dizer que é só lama, ou então ficar maravilhado com o fato de que da lama
pode nascer tão maravilhosa flor. Também há duas maneiras de se olhar para um ser humano:
vê-lo como um ser que se dirige para a morte, ou ver que esse ser humano, mesmo
traumatizado, fragilizado e ferido, é o espaço de onde emerge a consciência. Desse ser que
sofreu e passou por tanta dificuldade, pode surgir um ser de sabedoria e de serenidade.
Depois de compreender a didática transpessoal aplicada ao ensino, fiquei mais
presente, mais receptiva, sinalizando sem confrontos, sem medos, caminhando lado a lado
com os alunos, aprendendo e ensinando, como já ensinava meu saudoso mestre Shotaro
Shimada.
“A primeira idéia que me acompanha ao levantar-me: o que o dia irá acrescentar
ao meu aprendizado?” (SHIMADA)
O trabalho em questão é sempre do próprio professor em si, devendo acrescentar
qualidade em sua vida, a fim de ajudar o outro a fazer o mesmo. Ninguém chega à perfeição,
mas o esforço em direção a esse estado faz toda a diferença, é um caminho que se faz, tendo
sempre o cuidado de não favorecer uma auto-imagem egóica, idealizada, como infelizmente
vemos acontecer com muitos educadores de yoga.
Se o educador persiste no julgamento, mesmo não explicitando verbalmente, seus
sentimentos e postura não passarão despercebidos pelos alunos, interferindo no processo

51
evolutivo da prática. Meu querido mestre Shotaro Shimada, nos legou esses ensinamentos em
seu livro, O Mestre e o Aprendiz: “ Toda e qualquer situação é de ensino e aprendizado. Não
é necessário que o ensino seja passado verbalmente, ou por algum meio de comunicação
apropriado: a mera presença do mestre e do aprendiz, que se confundem, já ensina.” (pag.
224).
Vera Saldanha aborda outros fatores significativos, que fazem toda a diferença em
qualquer aprendizado onde o ser humano está acima da técnica a ser ensinada: o educador não
deve ter expectativas em relação ao educando; corresponde ao samtosha, abandono do apego
à necessidade do controle e da aprovação: não deve emitir opiniões depreciativas ou fazer
comparações; corresponde a Ahimsa, não violência em todos os sentidos, respeito ao outro:
evitar rigidez ou polêmica sobre qualquer assunto, evitando medir forças, seja o aluno adulto,
jovem ou criança, corresponde a Aparigraha, respeito e abandono ao sentimento de posse de
idéias, desapego, isso implica em cultivar Saucha – pureza de pensamentos, evitando acúmulo
de emoções perturbadoras.
É o entendimento dos Yamas e Nyamas na prática, não por acaso colocado por
Patanjali antes de ásanas e pranayamas. Todo educador de yoga deveria não apenas
mencioná-los nas práticas como também esforçar-se para praticá-los.
Cada aprendiz é potencialmente a semente, mas também a árvore. Precisa-se
aprender a enxergar a árvore. (MASLOW)
Recentemente a Revista Época, n.717, de 13.02.2012, fez uma reportagem
abordando o lado perigoso da Yoga, mencionando casos de sérias lesões físicas em
praticantes de Yoga. Isso vai de encontro ao que já foi mencionado, que no ocidente, muitas
vezes, pratica-se somente com o intuito físico, almejando a perfeição apenas do corpo, como
uma ginástica, não levando em consideração cada ensinamento, transformando a yoga num
conjunto de posturas meramente físicas, mecânicas, onde o indivíduo não está presente na
observação de seu próprio corpo, ou pior ainda, nessa cegueira estimula-se a competitividade,
o modismo, como sendo um valor importante.
Nenhum exercício físico poderá contribuir para a harmonia num estado de
agitação emocional. Quando Patanjali estabelece que asana deve ser estável e confortável,
possivelmente se refere a condição de controle e conforto, sugerindo relaxamento e prazer ao
praticante. Portanto não basta ficar numa posição para que ela seja considerada asana, é
preciso que haja uma condição especial de observação e relaxamento do esforço.

52
O principal objetivo do Yoga é a aquietação da mente, por isso Yoga é para os
que almejam um estado especial que a mente humana pode atingir.
A idéia do Yoga é seguir do mais grosseiro para o mais sutil, do físico para o
mental. Os ásanas portanto, deverão ser mantidos em condições de conforto e estabilidade de
acordo com o envolvimento do praticante, respeitando seus limites. O praticante deverá livrar-
se das tensões ou inquietações para que mecanismos sutis de percepção (sensação) possam ser
acionados, colocando-o em contato com ele mesmo, restabelecendo um contato entre corpo e
mente, superando dificuldades não só no plano físico, mas também no mental.
Sempre na permanência do asana o praticante deverá lembrar-se dos yamas e
nyamas, portanto consciente de ahimsa, não violência, evitando ser violento consigo mesmo,
satya, verdade, sendo verdadeiro com seus limites, aceitando-os e respeitando-os, desenvolver
o auto conhecimento, para adquirir paulatinamente um sentimento de confiança e entrega.
Desenvolver um estado de contentamento, sentir a prática, seus efeitos, sem julgamento, fazer
o melhor que puder para se sentir feliz, independente das circunstâncias (Samtosha). Tudo
isso só se consegue com disciplina e perseverança (Tapas). Todo conhecimento está associado
à vivência.
O que vemos hoje nas escolas de yoga, que formam profissionais para ministrar
essa prática milenar, até nas mais tradicionais, é a ênfase nos ásanas e pranayamas, passando
pelos Yamas e Nyamas teoricamente, que é a base do yoga, portanto formamos profissionais
sem essa importante base, sem o entendimento vivencial desses ensinamentos.
Na minha vivência como aluna e educadora percebi que só conseguiremos
resgatar o verdadeiro yoga, muito distante às vezes do seu propósito, dando mais prioridade às
vivências de Yamas e Nyamas.
É necessário um trabalho de despertar da consciência antes e durante o ensino
prático e científico dos benefícios dos ásanas e pranayamas. Um trabalho mais aprofundado
de conscientização do que são Yamas e Nyamas, assim ásanas seriam realizados com o
critério e o objetivo proposto por Patanjali.
Penso que uma didática transpessoal nos cursos de formação de professores de
yoga, trabalhando o eixo experiencial e evolutivo, trabalhando razão, emoção, intuição e
sensação, preparará indivíduos mais íntegros e conscientes da missão que terão a partir da sua
formação. Despertar nesses indivíduos o amor, a compaixão, a solidariedade, respeito pelo
outro, culminando com um entendimento não teórico, mas vivenciado e praticado tanto no

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tapetinho das práticas, na condução das aulas, no relacionamento com os alunos e na vida
como um todo.
Nós ocidentais estamos pulando o início desse grande sistema filosófico que é o
Yoga. Como se fosse representado por uma pirâmide, tendo como base os Yamas e Nyamas,
pulamos essa base e damos prioridade para ásanas e pranayamas, e aí acontece o que está
acontecendo, professores despreparados, induzindo alunos a se machucarem nas práticas.
É muito triste constatar que o Yoga um dos mais belos sistemas que temos acesso
para nos melhorarmos como seres humanos, tornando-nos mais íntegros, saudáveis no sentido
geral, adotando posturas éticas e conscientes, para um mundo melhor, esteja reduzido a um
conjunto de técnicas físicas e respiratórias, que se não fazem mal, também muitas vezes não
atingem o seu objetivo mais sublime, o propósito final, um estado de consciência profundo,
onde nos sintamos mais inteiros, integrados e conscientes de nós mesmos, num estado de
unicidade com o cosmo.
Estamos num momento em que se faz necessário esse despertar, sairmos da
“normose” que esse mundo insano nos leva, e começarmos a prestar mais atenção nesses dois
princípios básicos: yamas e nyamas, o auto conhecimento, a cultura da paz, pela paz interior e
exterior. A mudança de hábitos não saudáveis, por hábitos mais nobres físicos e mentais.
Redescobrir a yoga que muitas vezes permanece adormecida nos livros, levando
esses ensinamentos aos novos educadores e praticantes dessa filosofia, e nessa proposta
vivenciá-los com didáticas da Psicologia Transpessoal.
Os antigos yogues não precisavam desse treinamento, pois já vivenciavam essas
experiências, mas talvez tenhamos nos esquecido de aplicar esses preceitos e precisamos
resgatá-los urgentemente, pois não haverá yoga, não haverá paz interior, não haverá samadhi,
se não entendermos e vivenciarmos os Yamas e Nyamas.

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