Aula 02 (3ºs anos do Ensino Médio) - 2022 Na aula passada: ■ Vimos, com Rousseau, que o ser humano passa por um processo de hominização até que ele possa construir as primeiras civilizações;
■ Um ponto determinante nesse processo é a constituição da noção de
propriedade;
■ Antes disso, os povos eram nômades e sobreviviam da partilha dos
suprimentos de que dispunham;
■ Para Rousseau, portanto, a civilização marca tanto o início de uma
história dos grandes feitos humanos quanto o início do declínio da humanidade, pois que a noção de propriedade é a geradora da desigualdade e da opressão entre os homens. Na aula de hoje:
■ Veremos como o iluminismo, corrente filosófica da qual Rousseau era
partidário, usou a noção de progresso para estabelecer formas de julgar e comparar as diferentes civilizações existente no mundo; tanto as passadas quanto as presentes.
■ Veremos, também, os perigos que envolvem essa noção generalista
de progresso.
■ Por fim, vamos aprender, com o pensamento de Paulo Freire, a como
considerar a experiência de todo e qualquer ser humano, incluindo seus agrupamentos, enquanto potencial de aprendizagem e convívio. O Iluminismo e a noção de Progresso:
■ Contexto:
■ Fim do século VXIII – Processo europeu de “secularização” do
pensamento e do Estado;
■ Avanço científico e “descoberta” de novos povos, antes isolados;
■ Avanço político do liberalismo e formação das primeiras Repúblicas
modernas (EUA e França, principalmente) Trecho do livro “Futuro Passado”, R. Koselleck, 2006 ■ “O conceito de progresso único e universal nutria-se de muitas novas experiências individuais de progressos setoriais, que interferiam com profundidade cada vez maior na vida quotidiana e que antes não existiam. Menciono a revolução copernicana, o lento desenvolvimento da técnica, o descobrimento do globo terrestre e de suas populações vivendo em diferentes fases de desenvolvimento, e por último a dissolução do mundo feudal pela indústria e o capital. [...] O progresso reunia, pois, experiências e expectativas afetadas por um coeficiente de variação temporal. Um grupo, um país, uma classe social tinham consciência de estar a frente dos outros ou então procuravam alcançar os outros ou ultrapassá-los. Aqueles dotados de uma superioridade técnica olhavam de cima para baixo o grau de desenvolvimento dos outros povos, e quem possuísse um nível superior de civilização julgava-se no direito de dirigir esses povos. Na hierarquia dos estamentos, via-se uma classificação estática, que o impulso das classes progressistas deveria ultrapassar (p. 317) Como essa noção de progresso afetou o nosso olhar para a história da humanidade? ■ Criação de marcos para definir o avanço ou atraso dos povos. Esses marcos são tanto técnicos quanto espirituais: Ex.: Povos que já desenvolveram armas de fogo eram tidos como mais avançados do que povos que ainda usavam “armas brancas”. Esse é um critério técnico. Mas um critério espiritual é você considerar que povos politeístas sejam menos avançados do que os monoteístas.
■ O Progresso passou a ser sinônimo de superioridade. Um povo com
maior progresso era uma povo superior aos demais. Por consequência, a história passou a considerar que a linha do tempo seria capaz de registrar e comparar o maior ou menor progresso de todos os povos segundo os critérios já mencionados acima. O caso da “pré-história”
■ A noção de progresso afetou muito a forma como os historiadores
olhavam para o passado. A preocupação de criar critérios para enquadrar diferentes sociedades numa mesma régua de análise e classificação das sociedades levou-os a estabelecer alguns marcos para orientação.
■ Um marco muito abordado é o da “pré-história”. Para os historiadores
preocupados com o progresso, há um momento da humanidade “antes da história”. Isso porque eles acreditavam que a história só seria possível se um povo tivesse um sistema de escrita. Para eles, era impossível fazer a história de uma sociedade que vivesse apenas com base na oralidade. A verdade era garantida pela escrita e, hoje, sabemos que essa é uma afirmação frágil quando se trata de análise histórica. Por que a escrita não é parâmetro para fazer história?
■ Objetos arqueológicos que não são do tipo escrito possuem valor
para explicar questões importantes de qualquer sociedade:
■ “Nos túmulos reais de Ur, na Caldéia, encontraram-se contas de
colar feitas de amazonita. Como as jazidas mais próximas dessa pedra situam-se no coração da Índia ou nos arredores do lago Baikal, parece se impor a conclusão de que, a partir do terceiro milênio antes de nossa era, as cidades do Baixo Eufrates mantinham relações de troca com terras extremamente longínquas”. (BLOCH, p. 72) Outro motivo: ■ A oralidade também funciona como registro de formas de pensar e de se relacionar como sociedade. Uma sociedade marcada pela oralidade possui suas próprias formas de construir e de transmitir sua história.
■ Colocar a escrita num patamar superior à oralidade é, na verdade,
desprezar as formas como outras culturas preservam e contam seu passado.
■ Podemos, para finalizar, fazer uma associação entre a forma
desrespeitosa como a história voltada para o progresso hierarquizou escrita x oralidade e a forma humana e plural com a qual um dos nossos grandes pensadores brasileiros, Paulo Freire, concebeu a cultura como valor e fundamento para a aprendizagem. ■ Continuemos a pensar um pouco sobre a inconclusão do ser que se sabe inconcluso. A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca. Na verdade, seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse em tal movimento. É neste sentido que, para mulheres e homens, estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros. Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível. É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. ■ É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança. Este é um saber fundante da nossa prática educativa, da formação docente, o da nossa inconclusão assumida. O ideal é que, na experiência educativa, educandos, educadoras e educadores, juntos, “convivam” de tal maneira com este como com outros saberes de que falarei que eles vão virando sabedoria. Algo que não é estranho a educadoras e educadores. Quando saio de casa para trabalhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de que, inacabados e conscientes de inacabamento, abertos à procura, curiosos, “programados, mas para, aprender”, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos. (FREIRE, p. 31)