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Riscos Industriais e Emergentes, C. Guedes Soares, C. Jacinto, A.P. Teixeira, P.

Antão (Eds),
Edições Salamandra, Lisboa, 2009, (ISBN 978-972-689-233-5), pp. 1185-1197

PANDEMIA DE GRIPE E ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO

Lúcio Meneses de Almeida

Departamento de Saúde Pública e Planeamento, Administração Regional de Saúde


do Centro, IP, Coimbra, Portugal
lucioalmeida@arscentro.min-saude.pt

Resumo

Em Março de 2009 foram detectados no México os primeiros casos de


infecção humana pelo novo vírus A (H1N1). Face à existência de
transmissão mantida na comunidade em duas regiões de saúde do Mundo
(Região Pan-americana e Região do Pacífico Ocidental), a OMS declara, em
Junho de 2009, a primeira pandemia de gripe do século XXI.
As pandemias são epidemias globais, com origem em vírus completamente
novos, para os quais não existe imunidade prévia (i.e., virtualmente toda a
população mundial é susceptível). Não obstante o seu carácter global, o seu
impacte é essencialmente local.
Atendendo a que, normalmente, uma vacina pandémica só está disponível 4
a 6 meses após a emergência da pandemia, a gestão inicial das pandemias de
gripe assenta em estratégias de mitigação, cuja finalidade consiste em
minimizar a morbilidade e mortalidade associadas e promover a
disseminação dos casos ao longo do tempo.
O autor irá abordar os principais determinantes do impacte de uma pandemia
de gripe (WHO, 2009): características do vírus e da infecção viral,
características da população afectada (proporção de indivíduos com risco
acrescido de complicações) e capacidade de resposta da sociedade –
incluindo a relacionada com o sistema de saúde.

1 Gripe epidémica e gripe pandémica

A gripe é duma doença respiratória aguda provocada por vírus da família


Orthomyxoviridæ e do género influenza. Os primeiros relatos da gripe
sazonal são atribuíveis a Hipócrates (século V a.C.) ao referir-se a “catarros
epidémicos sazonais” (De Jong, 2007).

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O termo italiano influenza (derivado do Latim influentia e adoptado pelo
léxico anglo-saxónico) reflecte a pretensa “influência” causal das estrelas ou
a influência de condições meteorológicas como o frio (“influenza di
freddo”) (Doebbeling, 1998, Steinhoff, 2007, George, s.d.), tendo sido
atribuído a Buonissequi no decurso de uma epidemia no século XIV
(Doebbeling, 1998).
A gripe sazonal traduz-se por surtos de extensão e gravidade variáveis que
resultam em morbilidade significativa na população em geral e por um
excesso de mortalidade em indivíduos pertencentes a grupos com risco
acrescido de complicações, em particular pulmonares (Dolin, 2005).
Apesar de se tratar duma doença frequentemente benigna e auto limitada
com uma letalidade de 1-2 / 2000 casos, em determinados grupos de risco,
como os idosos ou os doentes crónicos, a letalidade pode alcançar os 30%
(Doebbeling, 1998).
As variações dos antigénios de superfície hemaglutinina (HA) e
neuraminidase (NA) são responsáveis por vírus epidémicos, sendo mais
frequentes nos vírus A do que nos vírus B e não tendo sido identificadas nos
vírus C (Doebbeling, 1998).
No hemisfério Norte, a época gripal tem início em meados de Novembro e
dura entre 3-4 meses podendo, no entanto, ocorrer casos esporádicos de
gripe durante o Verão (Doebbeling, 1998).
A um nível comunitário, o impacte das epidemias de gripe traduz-se,
inicialmente, por absentismo escolar e laboral (nomeadamente industrial),
seguido por um aumento da procura dos serviços de saúde e por um aumento
dos internamentos hospitalares (e óbitos) por pneumonia ou gripe (Couch et
al, 1986). Localmente, as epidemias de gripe têm um início súbito, atingem
o pico de incidência pelas 3 semanas e extinguem-se às 8 semanas de
evolução (Steinhoff, 2007).
As epidemias de gripe são responsáveis, todos os anos, por doença
clinicamente aparente em cerca de 5% dos adultos e 20% das crianças (De
Jong, 2007). Estas últimas têm um papel “amplificador” da infecção gripal
na comunidade por exibirem um shedding viral de maior duração e
intensidade (Meneses de Almeida, 2007).
A primeira manifestação de gripe numa comunidade consiste, tipicamente,
num surto explosivo numa escola ou infantário, estimando-se entre 40-60%
ou mais o risco de incidência de gripe em crianças que frequentam
transportes escolares sobrelotados (Doebbeling, 1998). As famílias com
filhos em idade escolar apresentam taxas de infecção mais elevadas do que
as restantes famílias (Chiu, 2002).

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Apesar das taxas de ataque clínica serem mais elevadas nas crianças do que
nos adultos – em resultado da menor probabilidade de imunidade prévia, nas
crianças, decorrente de infecções anteriores ou de vacinação – a frequência
de complicações é menor (Doebbeling, 1998).
O impacte duma epidemia de gripe – em termos de incidência e gravidade -
depende do grau de variação antigénica do novo vírus (i.e., da identidade
antigénica em relação a vírus previamente circulantes), da sua virulência
(relacionada com o número e tipo de tecidos capazes de clivar a HA) e com
o grau de imunidade prévia da população infectada (Steinhoff, 2007).

2 Pandemias de gripe

As pandemias de gripe são epidemias globais provocadas por vírus influenza


do tipo A capazes de infectar o Homem e de provocar doença clinicamente
aparente e grave. Atendendo a que são provocadas por vírus completamente
novos, em resultado de variações major, virtualmente todos os indivíduos
são susceptíveis a estes vírus.
Um pressuposto fundamental para que um vírus apresente potencial
pandémico consiste na capacidade de transmissão interpessoal de forma
eficiente e sustentável (WHO, 2005), traduzida por um número reprodutivo
básico (Ro) superior a 1 (epidemia auto-sustentável).
A primeira pandemia de gripe (a “peste de Atenas”) terá sido reportada por
Tucídides, contemporâneo de Hipócrates (De Jong, 2007). Nos últimos três
séculos verificaram-se 10 pandemias de gripe (Osterholm, 2005).
Durante o século XX houve 3 pandemias de gripe: 1918, 1957 e 1968. A
pandemia de 1918, a mais mortal de toda a História Moderna, terá sido
responsável por mais de 100 milhões de mortes em todo o Mundo (Johnson
& Mueller, 2002, De Jong, 2007). Em 1918, foram registados em Portugal
55 780 óbitos por gripe e 6 730 óbitos por pneumonia (Lacerda Rascoa et
al., 2007).
Atendendo à sua elevada transmissibilidade e ao facto de virtualmente toda a
população ser susceptível à infecção, as pandemias disseminam-se
globalmente com elevada rapidez (i.e., em menos de um ano), causando
doença em pelo menos 25% da população mundial (WHO, 2005).
A emergência dos vírus influenza pandémicos resulta de dois processos
principais: recombinação genética (reassortment) e mutação adaptativa
(WHO, 2005). As pandemias de 1957 e 1968 emergiram de vírus
recombinantes, enquanto que o vírus pandémico de 1918 terá evoluído por
um processo de mutação adaptativa (WHO, 2005, De Jong, 2007, George,
s.d.).

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A elevada letalidade do vírus A(H1N1) responsável pela pandemia de 1918
pode ser explicada pelo facto de se tratar de um vírus aviário que, não
obstante este facto, adquiriu a capacidade de reconhecer os receptores
humanos da hemaglutinina (De Jong, 2007).
A pandemia de 1957 beneficiou da rede global de vigilância da gripe criada
10 anos antes quando da fundação da OMS, facto que aliado à menor
virulência do vírus A(H2N2) teve como consequência um excesso de
mortalidade global estimado em 2 milhões de mortes (WHO, 2005).
Ao contrário da pandemia de 1918 que causou um excesso de mortalidade
fundamentalmente em indivíduos jovens e previamente saudáveis, a maior
parte das mortes associadas ao vírus pandémico H2N2 de 1957 ocorreu em
indivíduos com antecedentes patológicos (WHO, 2005), tendo sido evidente
o papel amplificador da infecção na comunidade pelas crianças em idade
escolar.
Em Portugal, a 1ª onda pandémica verificou-se em Agosto de 1957, tendo
atingido o seu pico em Outubro desse ano (George, s.d.). A taxa de ataque
nacional foi estimada em 20% (George, s.d.), tendo sido substancialmente
superior na cidade de Lisboa, com mais de 41% de afectados (George, s.d.,
George, Rodrigues e Carreira, s.d). As autoridades determinaram a 8 de
Outubro, uma semana após o início do ano lectivo, o encerramento das
escolas com um absentismo superior a 50% (George, Rodrigues e Carreira,
s.d.).
Já a pandemia de 1968, causada pelo vírus recombinante H3N2, teve um
impacte ainda mais moderado, estimando-se em 1 milhão o excesso de
mortes relacionadas observado em todo o Mundo (WHO, 2005).

2.1 Determinantes do impacte das pandemias de gripe

As pandemias são acontecimentos globais cujo impacte é essencialmente


local, reflectindo-se no dia-a-dia dos indivíduos e das comunidades. Assim, a
estratégia de planeamento preconizada a nível internacional assenta na
transectorialidade (“whole of society” approach).
Não obstante o papel central desempenhado pelo sector da saúde, os
restantes sectores da sociedade (nomeadamente, as empresas, as
comunidades e as famílias) têm um papel significativo a desempenhar na
preparação e resposta pandémicas (WHO, 2009).
A instalação das pandemias é um fenómeno abrupto, sendo que as ondas
subsequentes apresentaram, muitas vezes, maior gravidade do que a onda
inicial (WHO, 2005). A 2ª onda da pandemia de 1918, com início em finais

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de Agosto, traduziu-se por uma letalidade 10 vezes superior à da 1ª onda
(WHO, 2005).
Por outro lado, até ser alcançada a imunidade de grupo, várias ondas
pandémicas “varrem” sub-populações diferentes daquela inicialmente
afectada (Steinhoff, 2007).
Ao contrário do observado na gripe sazonal, em que a mortalidade se
concentra nas idades extremas e em indivíduos com patologias prévias, a
maior parte dos óbitos em 1918-20 ocorreu em indivíduos previamente
saudáveis do grupo etário dos 15-35 anos (WHO, 2005).
A gravidade e o impacte em saúde pública das pandemias do século XX
variaram significativamente em função de características locais ou nacionais
(WHO, 2009b).
Além das especificidades geográficas (locais ou nacionais) - relacionadas,
designadamente, com as características demográficas e o estado de saúde da
população afectada - há que considerar a possibilidade da gravidade da
pandemia variar ao longo do seu curso, tornando relevante um sistema de
monitorização em saúde sensível e um sistema de avaliação do impacte
robusto (WHO, 2009b).
Do ponto de vista da saúde pública, o impacte duma pandemia de gripe
depende de três determinantes major (WHO, 2009b): o vírus pandémico e
suas características clínicas, epidemiológicas e intrínsecas (estas últimas
relacionadas com a vigilância laboratorial e incluindo a sensibilidade aos
antivirais); a vulnerabilidade da população afectada (designadamente,
decorrente do grau de imunidade pré-existente e da proporção de indivíduos
com risco acrescido de complicações); capacidade de resposta da sociedade
em geral e do sector da saúde em particular (que deverá considerar a
comunicação do risco e a capacidade de mobilização social) (Meneses de
Almeida, 2009).
A vulnerabilidade da população afectada é um dos principais determinantes
do impacte duma pandemia. Relativamente ao vírus da gripe pandémica
(H1N1) 2009 consideram-se os seguintes grupos com risco acrescido de
complicações decorrentes de infecção: grávidas, crianças (em especial com
idade inferior a 2 anos) e doentes crónicos (designadamente, portadores de
patologia respiratória ou cardiovascular grave, metabolopatias como diabetes
mellitus, deficits imunitários congénitos ou adquiridos, doenças neurológicas
ou neuromusculares e obesidade mórbida) (Nicoll e Coulombier, 2009).
Relativamente às características epidemiológicas associadas ao vírus, a OMS
refere um conjunto de indicadores relevantes que incluem a distribuição dos
casos por sexo e grupo etário e por estado de saúde, a taxa de ataque clínica,

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a letalidade, bem como o período de incubação e o número reprodutivo
(WHO, 2009b).
A caracterização clínica, no que diz respeito à evolução clínica e outcome e
aos indicadores de gravidade como a proporção de casos hospitalizados e
casos requerendo ventilação assistida estão, igualmente, entre as
características associadas ao vírus com relevância no seu impacte societal
(WHO, 2009b).
A acessibilidade a cuidados de saúde de qualidade é um dos determinantes
do impacte duma pandemia: enquanto que nos países com sistemas de saúde
robustos e equitativos o impacte duma pandemia (em termos de morbilidade
e mortalidade) pode ser modesto, em países com sistemas débeis e carentes
em recursos humanos e materiais esse impacte pode ser elevado (WHO,
2009b).
A robustez de um sistema de saúde durante uma pandemia instalada
pressupõe a capacidade de prestar os cuidados usuais de saúde à população
e, simultaneamente, garantir a prestação de cuidados ao elevado número de
doentes com gripe (WHO, 2009b).
Tendo em consideração o aumento exponencial da procura e a redução
significativa da oferta (em resultado do absentismo laboral), a resposta
apropriada poderá implicar a redistribuição de recursos e serviços, visando
assegurar a prestação de cuidados de saúde aos doentes com gripe e a
prestação de cuidados inadiáveis de saúde aos restantes doentes.
No actual contexto demográfico e assistencial, e de acordo com cenários
“pessimistas” (worst case scenario), o excesso de mortalidade atribuível a
uma pandemia de gripe pelo vírus de 1918 na actualidade e no nosso País
seria de 25 100 óbitos (Murray et al, 2006) - i.e., cerca de 2,5 vezes inferior
aos óbitos por gripe e pneumonia registados em 1918.
A elevada mortalidade verificada em 1918 dificilmente se repetirá no nosso
País e no Mundo. De acordo com Francisco George “a participação na
Guerra, um sistema de saúde sem infraestruturas hospitalares, sem
condições, sem médicos, sem enfermeiros preparados, na ausência de
medicamentos para tratar as complicações (os antibióticos não tinham
ainda sido descobertos), com poucos recursos financeiros, com grande parte
da população em extrema pobreza, a situação de Portugal era, na época,
particularmente vulnerável. Os meios disponíveis não permitiam organizar
respostas” (George, s.d.).

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3 Emergência do novo vírus A(H1N1): a pandemia de gripe de 2009

Em Março de 2009 foram capturados pela vigilância epidemiológica casos


de síndrome gripal no México, cujo número aumentou de forma sustentada
durante o mês de Abril (WHO, 2009). A 23 de Abril, foram detectados mais
de 854 casos de pneumonia na capital, dos quais 59 faleceram (WHO,
2009c).
A 24 de Abril a OMS informa que dos 18 casos mexicanos confirmados
laboratorialmente, 12 são geneticamente idênticos aos vírus de origem
porcina influenza A(H1N1) isolados de doentes da Califórnia, EUA (WHO,
2009). Este país notificou à OMS, nesta data, 7 casos confirmados de
infecção humana por este novo vírus (5 casos na Califórnia e 2 casos no
Texas) (WHO, 2009c).
Dos 45 casos fatais ocorridos no México até 20 de Maio, mais de metade
(54%) ocorreram em indivíduos previamente saudáveis, com idades
compreendidas entre os 20 e os 59 anos (WHO, 2009d).
A 27 de Abril é declarada a fase 4 do período de alerta pandémico
(correspondente a um risco médio a elevado de pandemia), tendo sido
notificados 73 casos confirmados por 4 países (Canadá e Espanha, além dos
EUA e México).
Dois dias depois (29 de Abril), em virtude da evidência relativa à
transmissão sustentada na comunidade da infecção nos EUA e México
(Região Pan-Americana de Saúde), a OMS declara a fase 5 do período de
alerta pandémico, correspondente a uma pandemia iminente.
A 11 de Junho, e cumpridos os critérios da OMS relativamente à avaliação
do risco pandémico (transmissão sustentada na comunidade em países de,
pelo menos, duas regiões mundiais de saúde) e perante quase 30 000 casos
confirmados em 74 países, a directora-geral desta agência internacional
decide declarar a fase 6 (pandemia).
De acordo com as orientações da OMS, tal pressupõe a activação dos planos
nacionais de contingência no que diz respeito a esta fase e a transição de um
estado de prontidão (fase 5) a um estado de resposta iminente (WHO, 2009).
O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) prevê que
a 1ª onda pandémica ocorra nos países europeus no Outono de 2009 sem
que, contudo, seja possível prever qual a proporção de infectados nesta onda
nem tão pouco quando a sua instalação ao nível de cada país (Nicoll e
Coulombier, 2009). Mesmo dentro de cada país, será de esperar que esta
onda ocorra de forma assíncrona e heterogénea (i.e., não haverá uma única
onda nacional mas antes um “somatório” de várias ondas locais, de
instalação, intensidade e duração variáveis) (Nicoll e Coulombier, 2009).

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3.1 Estratégia nacional de resposta: da “contenção” à mitigação

A 28 de Abril, a Ministra da Saúde determina a activação do Plano Nacional


de Contingência para a Pandemia de Gripe (PNCPG), documento normativo
elaborado em Março de 2007 na sequência da emergência do vírus aviário de
alta patogenicidade A(H5N1) e do alerta mundial da OMS, em Janeiro de
2005, que se lhe seguiu.
O PNCPG, elaborado pela Direcção-Geral da Saúde num contexto de
incerteza relativamente ao novo vírus pandémico, remete para as
administrações regionais de saúde, na pessoa do seu dirigente máximo, o
planeamento, preparação e resposta à pandemia de gripe no que diz respeito
ao sector da saúde e às respectivas áreas de jurisdição territorial.
Este normativo encontra-se estruturado em 4 áreas funcionais: informação
em saúde; prevenção, contenção e controlo (que inclui os planos específicos
Medidas de saúde pública, Cuidados em ambulatório, Cuidados em
internamento e Vacinas e medicamentos); comunicação; avaliação (Garcia,
2007).
Enquanto que a área funcional da prevenção, contenção e controlo está
relacionada com a resposta (pretendida) dos serviços de saúde, as áreas de
informação e comunicação estão relacionadas com as acções de apoio
necessárias a uma organização e resposta efectivas por parte dos serviços de
saúde, não só no que diz respeito à fase pandémica, mas também a todas as
outras fases de actividade gripal, incluindo a gripe sazonal (Garcia, 2007).
A 29 de Abril de 2009 é confirmado o primeiro caso de gripe A (H1N1)
2009 em Portugal (importado), sendo identificado o primeiro caso
secundário a 4 de Julho e o primeiro cluster a 5 de Julho (George et al.,
2009).
Quanto à evolução do número de casos, verificou-se um aumento
exponencial a partir de 14 de Julho (100 casos confirmados
laboratorialmente até essa data): 1000 casos um mês depois, a 14 de Agosto,
e 2000 casos na semana seguinte, a 21 de Agosto (George et al., 2009).
Em termos de distribuição etária, 78,1% dos casos (confirmados) ocorreram
em indivíduos com idade inferior a 30 anos e, no que diz respeito à sua
gravidade clínica, 95% dos casos apresentaram um quadro ligeiro (84%) ou
moderado (11%), consistente com o facto de que apenas 30% dos doentes ter
sido objecto de terapêutica específica (antiviral) (George et al., 2009).
A estratégia de gestão da pandemia assentou na sua adequação à situação
epidemiológica nacional. Até 20 de Agosto de 2009, data em que a
proporção de casos importados (i.e., de infecção adquirida no estrangeiro) é
ultrapassada pelos casos de infecção adquirida no nosso País (secundários e

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terciários) a estratégia em vigor consistiu na “contenção” mediante a
identificação de casos (e sua confirmação em laboratório de referência) e
quimioprofilaxia dos contactos próximos (a cargo das autoridades de saúde).
A partir dessa data (21 de Agosto), e por determinação da Ministra da Saúde,
a estratégia transitou para a “mitigação” mediante o tratamento e vigilância
de doentes e a gestão clínica dos casos.
A estratégia adoptada pelo nosso País foi semelhante à de outros países
europeus como o Reino Unido: a abordagem inicial - de “contenção” -
consistiu na procura activa de casos (case-finding) e localização de contactos
(contact-tracing), tendo-lhe sucedido a mitigação (gestão de casos e de
surtos na comunidade de forma semelhante à da gripe sazonal). Em
contrapartida, a abordagem nos Estados Unidos foi, ab initio, baseada numa
estratégia de mitigação (Nicoll e Coulombier, 2009).
Enquanto que a finalidade da mitigação consiste em reduzir o impacte duma
pandemia, num contexto de actividade gripal correspondente às fases 5 e 6, a
“contenção” – termo inapropriado porque quando isolado em Abril de 2009
a pandemia não era passível de contenção na fonte - tem como finalidade
prevenir a disseminação da infecção no maior número possível de situações,
mediante uma estratégia vigorosa de vigilância activa (Nicoll e Coulombier,
2009).
Já o retardamento (delaying), ainda que semelhante à “contenção”, tem
como finalidade lentificar a transmissão do agente infeccioso (Nicoll e
Coulombier, 2009), visando “ganhar tempo” - essencial até ao aparecimento
de uma vacina.
O PNCPG previu, no seu plano específico de cuidados em ambulatório, os
serviços de atendimento da gripe (SAG), serviços dedicados que têm como
objectivo prestar cuidados em ambulatório a doentes com sintomatologia
gripal em fase de pandemia instalada, minimizando o risco de transmissão da
infecção ao nível das unidades prestadoras de cuidados de saúde e
maximizando a capacidade de resposta do sistema de saúde (Mendes Nunes
e Soares, 2007).
A Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC), instituto público
responsável pela gestão da pandemia (sector da saúde) na Região Centro,
inaugurou a 13 de Agosto os primeiros SAG tendo, progressivamente,
alargado a sua rede de serviços/consultas dedicadas da gripe a todos os
centros de saúde da Região, numa lógica de prestação de cuidados de saúde
de proximidade, numa região caracterizada por uma elevada dispersão
demográfica (ARSC, 2009).
A estratégia regional deste instituto público baseia-se em três eixos
fundamentais: capacitação em saúde (do público em geral e de públicos

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específicos); maximização da resposta do sistema regional de saúde (através,
designadamente, da prontidão dos serviços de saúde pública e da
constituição da rede de SAG); externalização da preparação pandémica a
sectores relevantes como o sector da educação ou o sector produtivo
(empresas e sectores essenciais) (Meneses de Almeida, 2009b).

4 Discussão e conclusões

As pandemias são acontecimentos globais marcados pela imprevisibilidade


quanto ao agente etiológico e quanto ao seu impacte, uma vez instaladas. As
pandemias do século XX apresentaram grandes diferenças em termos de
mortalidade, gravidade da doença e padrões de disseminação (WHO, 2005).
O impacte destas epidemias globais é tanto maior quanto maior a virulência
do agente infeccioso mas também quanto mais afectados em termos de
gravidade da doença forem os grupos etários tradicionalmente “poupados” à
gripe sazonal - como é o caso dos jovens adultos (WHO, 2005).
Apesar de a gripe ser uma doença tradicionalmente “menorizada” pelos
clínicos e mesmo pelas escolas médicas, face ao seu carácter geralmente
benigno e auto limitado, a OMS estabeleceu, quando da sua fundação em
1947, o mais antigo programa de controlo de doenças, em virtude do impacte
significativo (em termos sociais e económicos) desta doença na comunidade
e ao carácter profundamente disruptor da gripe pandémica.
O impacte da pandemia de gripe (H1N1) 2009 depende de 3 determinantes
fundamentais: características do vírus (em termos clínico-epidemiológicos e
de susceptibilidade aos antivirais); vulnerabilidade da população afectada
(grupos de risco acrescido de complicações versus grupos de risco de
infecção); capacidade de resposta do sistema social, com preponderância
para o sector da saúde.
Independentemente da letalidade dos vírus pandémicos não ser
necessariamente substancialmente superior à dos vírus sazonais, o impacte
duma pandemia é muito superior ao duma epidemia sazonal, atendendo ao
grande número de casos gerados e ao correspondente acréscimo de
hospitalizações e mortes relacionadas (Steinhoff, 2007).
A evolução, aparentemente favorável em termos de gravidade clínica, da
pandemia de gripe (H1N1) 2009 prognostica um impacte global moderado,
porventura semelhante ao da pandemia (H2N2) 1957, não obstante poder ser
substancialmente maior em países e regiões menos desenvolvidos.
Por outro lado, desde Setembro-Outubro do presente ano que o País e o
Mundo dispõem da única arma verdadeiramente eficaz para o controlo da
doença em termos da sua incidência: a vacina pandémica (monovalente).

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A estratégia nacional de “contenção”, que implicou um esforço notável, por
parte das autoridades de saúde, de localização e quimioprofilaxia de
contactos, revelou-se efectivo, tendo permitido “ganhar tempo” e ultimar a
preparação do sistema de saúde nacional, alicerçado num SNS que se
revelou robusto e efectivo.
A capacitação do público em geral relativamente às medidas não-
farmacológicas de saúde pública constantes do Plano Nacional de
Contingência para a Pandemia de Gripe/Plano específico de Medidas de
Saúde Pública – como a higiene das mãos, a etiqueta respiratória ou o
distanciamento social – é um “investimento” a longo prazo pela
inespecificidade das medidas de prevenção e controlo preconizadas (i.e.,
também aplicáveis à gripe sazonal e a outras doenças de transmissão
interpessoal).
Tendo em consideração que a adesão às medidas de prevenção e controlo
assenta na qualidade e adequação da informação veiculada (Pinheiro et al.
2007), a mitigação da pandemia de gripe, uma vez instalada no nosso País,
também depende de uma comunicação efectiva do risco ao público em geral.
Como exemplos de factores prognósticos “positivos” temos a rede global de
vigilância epidemiológica e laboratorial da gripe, as melhores condições de
vida na generalidade dos países, os avanços da tecnologia médica, a
prestação de mais e melhores cuidados de saúde e a preparação global
iniciada em 2005.
Em contrapartida, a maior prevalência de idosos e de imunodeprimidos, as
iniquidades dos sistemas de saúde e a maior facilidade de disseminação dos
agentes infecciosos (viagens aéreas) são factores prognósticos “negativos” a
um âmbito global.
Mais do que uma ameaça à saúde global, a presente pandemia de gripe
constitui uma oportunidade de cooperação internacional, intranacional e
intersectorial.

Referências

Administração Regional de Saúde do Centro, IP (2009), “Abrem hoje 10


serviços de atendimento à gripe A na Região Centro” [em linha]; Disponível
em http://www.arscentro.min-
saude.pt/Institucional/Documents/Comunicado%20SAG%20(Serviço%20de
%20Atendimento%20à%20gripe).pdf [acedido em 2009/10/04]
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