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Experimentações práticas com a cultura corporal na tentativa

de emancipação do sujeito: Uma vivência no estágio


supervisionado da ESEFFEGO.

Aline Telles dos Santos Marques


linytelles@yahoo.com.br
Laís de Oliveira
Laisoliveira_mba@hotmail.com

1 – Introdução

O presente relato pretende fazer breves considerações sobre as


intervenções ocorridas durante a disciplina de estágio supervisionado
obrigatório IV. Em primeiro lugar é necessário entender que o estágio constitui-
se em uma prática decorrente e unificada com a formação, conforme o previsto
no projeto político pedagógico, o estágio não deve ser uma prática
dicotomizada de sua teoria, mas sim, deverá articular-se com os saberes
docentes, advindos de estudos teóricos, reflexões e análises constantes.

Este então, constitui-se num campo onde os saberes serão, de certa


forma, testados pelos estagiários e colocados em prática. Configura-se
portanto, para a maioria, num campo primário de atuação em algum área de
atuação da educação física, visto que o estágio na ESEFFEGO, se subdivide
em 5 (cinco) momentos e da mesma forma 5 (cinco) campos diferenciados de
trabalho.

Nesse contexto, o desenvolvimento de atividades de estágio, possibilita


o contato direto do estudante com a comunidade, com alunos, trazendo uma
oportunidade singular de aplicar seus conhecimentos teóricos bem como de
contribuir no desenvolvimento de habilidades e destrezas nas ações de
professor. Dessa forma, acreditamos que as atividades de estágio são de suma
importância para a formação profissional e por isso devem ser realizadas da
maneira mais organizada, sistematizada e efetiva possível, uma vez que o
estagio é o processo pedagógico de formação profissional que cria um elo
entre teoria e prática, fazendo com que o estudante estabeleça correlações
com as situações do cotidiano.

O objetivo maior deste trabalho é relatar algumas experiências pelas


quais passamos no período em que estagiamos no Instituto de Educação de
Goiás - IEG, experiências essas que tomamos como muito positivas em nossa
formação humana, docente, social e em todos os sentidos. Também não
poderíamos deixar de relatar as dificuldades encontradas, do ponto de vista da
configuração das aulas propriamente ditas e da (des) estruturação em que o
estágio supervisionado da ESEFFEGO se encontra.

Como já dito anteriormente, as aulas foram ministradas na escola de


aplicação do IEG para crianças do 4º ano do ensino básico, faixa etária
aproximada de 8 a 10 anos, a turma era constituída de 25 alunos com
freqüências diárias alternadas para mais ou para menos, as aulas eram
ministradas no horário das 14:00hs às 14:45hs, horário também sujeito a
alteração em decorrência da merenda das crianças que ás vezes acontecia
antes da aula de educação física. A escola é inclusiva, tendo nessa turma, dois
deficientes, um com Síndrome de Dawn e outro com deficiência mental.

As aulas aconteciam na quadra do colégio vizinho o que demandava em


transportar as crianças por um determinado percurso. A quadra é coberta e
possui boa estrutura. A escola dispunha de materiais razoavelmente
satisfatórios para as aulas de educação física como bolas, colchonetes e
cordas.

O trabalho realizado referenciou-se na teoria crítico superadora,


utilizando-se de elementos da cultura corporal no processo de ensina
aprendizagem. Os conteúdos abordados foram os jogos e a ginástica ( o nosso
grande desafio), a princípio elaboramos um plano de ensino e para todas as
aulas foram feito planos de aula. A avaliação foi feita a partir da evolução dos
alunos com relação aos conceitos e movimentos ensinados, critério como
participação e comportamento também foram utilizados.
2 - Experimentações com a cultura corporal, sucessos e
in/sucessos

Começaremos falando sobre a teoria embasadora da nossa prática, a


crítico superadora do Coletivo de autores, que objetiva estudar os temas
inerentes à cultura corporal do povo brasileiro, entendendo o movimento não só
em seus aspectos motores e fisiológicos, mas também como parte de uma
cultura que é histórica e social. Levando o sujeito a compreender esses
elementos e entende-los como parte da sua realidade social complexa. Os
temas que abarcam historicamente a cultura corporal são os jogos, a ginástica,
a dança, as lutas e o esporte esses temas devem ser vistos como decorrentes
de um processo histórico e material do homem, ou seja, como fruto da ação
(trabalho) para atender a necessidades sócio – culturais.

Dessa forma, as atividades devem ser realizadas não só no sentido do


“fazer pelo fazer”, mas de forma consciente e reflexiva sobre aquele fazer. A
partir daí, a educação física deixa de ser o momento do simples “divertir” ou
“treinar” e passa a ser momento de estudo e pesquisa. Essa perspectiva
ampara-se na concepção histórico crítica, entendendo o conhecimento como
mediador entre o aluno e sua compreensão, de forma que ao final seja capaz
de sintetizar aquele conhecimento e relacioná-lo à sua realidade complexa.

Dos temas da cultura corporal, escolhemos dois, a ginástica e os jogos.


A escolha desses temas se deu em função da coerência entre eles e a faixa
etária dos alunos e também pela proximidade da dupla com aquelas temáticas.
O plano de ensino foi feito antes do encontro com a turma e de conhecer a
escola e a princípio não sabíamos que tipo de alunos iríamos encontrar e nem
mesmo o ano ou ciclo ao qual desses alunos, sabíamos apenas que eram
alunos do ensino fundamental de uma escola pública estadual. Resolvemos
então utilizar os dois temas acima mencionados (jogos e ginástica), mas no
primeiro dia em que visitamos a escola e que conhecemos os alunos, ficamos
temerosas em relação ao conteúdo da ginástica, pressupondo que os alunos
não teriam interesse nessa temática e que haveria muita resistência ou até
boicote. Desculpe caro leitor, mas ainda não vou contar o fim da história.

Começamos então a ministrar o conteúdo jogo (Unidade I do plano de


ensino), a turma se mostrou solícita e participativa em relação ao conteúdo,
embora nós achássemos que faltava alguma motivação maior, típica de
crianças daquela idade. Os problemas de disciplina da turma eram muito
grandes e centralizados em um grupo grande de alunos que no decorrer das
aulas, talvez pela maior intimidade conosco, foi aumentando de forma
expressiva. Como dito na introdução, as aulas aconteciam na quadra da escola
anexa que atende a alunos do ensino médio, portanto os alunos tinham que ser
deslocados num percurso razoável até lá. Os deslocamentos eram feitos
através de fila e pela indisciplina dos alunos principalmente dos meninos, nós
os dividíamos inicialmente em duas filas, uma de meninas (que saía primeiro
por serem mais organizadas e comportadas) e outra de meninos (que saía
atrás monitorados por uma de nós).

Diante disso a professora supervisora do estágio, a ultima que tivemos,


(visto que lamentavelmente um único estágio trocou de professora três vezes),
notou que estávamos promovendo mais ainda a segregação de gênero na
turma. Essa idéia de separação de gênero que já é bem presente em crianças
dessa faixa etária estava sendo reforça por uma estratégia de organização
estabelecida por nós. Mudamos então a nossa forma de organizá-los nos
deslocamentos, fazendo a partir de então, fila única.

Falando ainda sobre o conteúdo jogo, ministramos aulas que abordaram


os conteúdos de jogos cooperativos, competitivos e mistos. Essas
experimentações foram a partir de vivências práticas com posteriores
explicações, avaliações e reflexões. O coletivo de autores considera o jogo
como um estimulador do exercício do pensamento e um “simulador” de
vivências que podem ser personificadas e concretizadas.

Quando a criança joga, ela opera com o significado das suas ações,
o que a faz desenvolver sua vontade e ao mesmo tempo tornar-se
consciente das suas escolhas e decisões. Por isso, o jogo apresenta-
se como elemento básico para a mudança das necessidades e da
consciência. (COLETIVO DE AUTORES,1992, p.66)
Chegamos então à ginástica, como já dissemos anteriormente, ao
conhecermos a turma, esse conteúdo nos atemorizou, resolvemos então que
não iríamos trabalha-lho e projetamos mudar o plano de ensino, substituindo a
ginástica pelo esporte, mais precisamente pelo basquete. Quase no fim da
unidade I, informamos à supervisora do estágio que mudaríamos o plano de
ensino, e a partir de sugestões e discussões acerca de como esse conteúdo (a
ginástica) seria interessante e importante para aquele público, fomos incitadas
a aceitar o desafio de ministrar aulas de ginástica para aquela turma tão
indisciplinada.

Enfim, começamos a ginástica, e surpreendentemente e confirmando as


colocações da supervisora, os alunos ficaram muito interessados nas
atividades. Inclusive, o número de alunas que não gostavam e não
participavam das aulas diminuiu a ponto de acabar, houve algumas
resistências por parte de alguns meninos, mas que foram logo superadas.
Realizamos um passeio na ESEFFEGO (Escola Superior de Educação Física e
Fisioterapia) para que os alunos experimentassem aparelhos e espaço
acolchoado para realizar os movimentos o que também foi muito atrativo e
importante para o desenvolvimento de algumas atividades.

Pode-se entender a ginástica como uma forma particular de


exercitação onde, com ou sem uso de aparelhos, abre-se a
possibilidade de atividades que provocam valiosas experiências
corporais, enriquecedora da cultura corporal das crianças, em
particular, e do homem, em geral. (COLETIVO DE AUTORES,1992,
p.77)

Percebemos em ambos os conteúdos que alguns alunos não


participavam das aulas e que principalmente as meninas, não conseguiam
interagir bem dentro das aulas de educação física. Esse problema se
configurava de forma genérica ( a maioria das meninas ficavam intimidadas e
com dificuldades de participação) e de forma pontual uma menina em especial,
não participava de nenhuma aula, sempre com justificativas de doenças como
dor de cabeça ou em alguma parte do corpo. Com relação às meninas,
genericamente falando, resolvemos estabelecer aulas em que ela tivessem
oportunidades iguais de participação e em que não se sentissem intimidadas
pelos meninos (os dominadores até então), além de estimulá-las a reagir,
interagir, aprender, participar efetivamente das aulas. Nesse intento obtivemos
sucesso. Com relação ao fato isolado, esperamos momento oportuno depois
de uma aula e tentamos entender o que a motivava a mentir para não participar
das aulas. Percebemos que pela falta de algumas habilidades motoras
excludentes e hegemônicas, essa aluna ficou à parte no processo de
aprendizagem da educação física. Conversamos com ela e esclarecemos a
importância das aulas na sua formação e passamos a dar maior atenção a ela
no processo. Essa aluna mudou muito nas aulas, passou a participar de forma
ativa e até mesmo coordenando grupos, principalmente nas aulas de ginástica.

3 – Conclusão

Gostaríamos de descrever aqui todas as experiências que tivemos, pois


considero que todas, por menores que pareçam exerceram papel importante
para a nossa formação. A intervenção pontual e embasada da supervisora
também foi um dos fatores cruciais para que essas experiências pudessem ser
potencializadas e contextualizadas com o referencial escolhido.

Consideramos, portanto, o estágio supervisionado, como uma


experiência muito significativa em todos os sentidos, inclusive para os alunos
aos quais ministramos aulas. Percebemos, no decorrer da nossas aulas que
muitos alunos principalmente “alunas” estavam à margem das aulas de
educação física, preferindo às vezes, copiar conteúdos em sala de aula do que
participar das aulas, e somente ao longo de várias aulas, conversas e
proposições de aulas diferenciadas, em que todos tiveram igualdade de
oportunidades, é que esses alunos começaram a ser incluídos no processo
educativo. Essas experiências sem dúvida foram inesquecíveis e marcaram
muito a nossa formação.
4 – Anexo (quadro sintético das regências realizadas)

Data Regente Conteúdo


23/09/2010 Aline Apresentação das professoras
Tempestade de idéias sobre EF
Exposição do conceito de jogos
Vivência de Jogos
28/09/2010 Lais Vivência de Jogos
Reflexão da prática
30/09/2010 Aline Oficina de Futebol e ritmos
05/10/2010 Laís Vivência dos jogos
Reflexão da prática
07/10/2010 Aline Comemoração do dia das crianças
Oficinas de Ritmo, Basquete e Queimada
14/10/2010 Lais Aula expositiva de Educação Física e Saúde
19/10/2010 Aline Experimento da “Queimada”
Reflexão e inserção de novas regras pelos
alunos
21/10/2010 Lais Vivência do jogo modificado por eles
Reflexão da prática
Vivência da “queimada cooperativa”
26/10/2010 Aline Encerramento de Jogos
Vivência de Jogos cooperativos e
competitivos
Reflexão da prática
04/11/2010 Laís Apresentação do conteúdo Ginástica
Vivencia de alguns movimentos
09/11/2010 Aline Visita a ESEFFEGO para conhecer o espaço
de ginástica e vivenciar movimentos
utilizando alguns aparelhos
16/11/2010 Lais Relembrar movimentos de ginástica já
aprendidos
Montar coreografia com os movimentos
aprendidos e criar outros e apresentar
18/11/2010 Aline e Lais Prova e discussão sobre as aulas de
Educação Física do Semestre
5 – Referências

ESEFFEGO. Projeto pedagógico do curso de licenciatura em educação física.


Goiânia: ESEFFEGO/ UEG, 2009.

SHOLTZMETHNER, R; DIEM, L. Ginástica escolar especial. Dijel, SP, RJ, 1975.

AYOUB, Eliana. Ginástica geral e educação física escolar. 2ª Ed. Unicamp, SP.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da educação física.São


Paulo:Cortez,1992.

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