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bqs Biblioteca do Educador Profissional

Bernard Eliade

Livros Horizonte
A Escola Aberta
Freinet no secundário
BEP - BIBLIOTECA DO EDUCADOR PROFISSIONAL

1 A Matemática Moderna no Ensino Primário — Z. P. Dienes


2 Matemática Modema Matemática Viva — André Revuz
3 A Adolescência — W. D. Wall
4 Educação e Educadores — Rui Grdcio
5 A Orientação Escolar e Profissional — Jean Drévillon
6 Temas de Psicopedagogia Escolar — O Professor e os Alunos — M. David,
Roger Gal, Louis François, L. Voeltzet e A. Ferré
7 A Hecatombe Escolar — Georges Bastin
8 Testes Sociométricos — Um Guia para Professores — Mary L. Northway e
Lindsay Well
9-10 A Educação Afectiva e Caracterial da Criança — Georges Mauco
11 Fundamentação Existencial da Pedagogia — Delfim Santos
12 João de Barros — Educador Republicano — Rogério Femandes
13 Pedagogia e Psicologia dos Grupos — A. R. I. P.
14 Introdução à Didáctica na Escola Activa — Francesco de Bartolomeis
15 Ensino Programado e Estudo da sua Didáctica — M. F. M. Rubens
16 As Três Faces da Pedagogia — Maria Amália Borges Medeiros
17 Introdução à Educação Permanente — Paul Lengrand
18 A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas — Bogdan Suchodotski
19 A Educação nas Escolas Mistas — Édouard Breuse
20 Os Professores e a Reforma do Ensino — Rui Grdcio
21 Uma Nova Compreensão da Arte Infantil — Amo Stem
22 Aspectos e Técnicas da Pintura de Crianças — Amo Stem
23 A Inovação do Ensino — Jean Hassenforder
24 O Fim dos Liceus — Robert Brechon
25 As Relações Humanas na Aula — Christine Blouet Chapiro
26 A Adolescência na Escola e na Sociedade — W. D. Wall
27 O Trabalho em Grupo nas Escolas Secundárias — Barrington Kay e Irving
Rogers
28 A Educação Estético-Visual no Ensino Escolar — A. Betâmio de Almeida
29 A Educação, Acto Político — Agostinho dos Reis Monteiro
30 A Nova Escola Infantil — As Crianças dos 3 aos 6 — Francesco de Bartolomeis
31 A Higiene Mental na Escola — André Berge e João dos Santos
32 A Escola na Sociedade de Classes — Ana Benavente
33 Do Ensino da Filosofia — Fernando Gilot
34 Educação sem Selecção Social — Bártolo Paiva Campos
35 Perspectivas Psicopedagógicas — Arquimedes Santos
36 Educação: Uma Frente de Luta — Rogério Femandes
37 Animação Socio-Cultural — Prática e Instrumentos — Edouard Limbos
38 Escola Paralela — Louis Porcher
39 Formação de Professores: Participação na Aprendizagem — Barrington Kaye
40 Educação e Constituição de Abril — Agostinho dos Reis Monteiro
41 Para onde vai a Educação? — Jean Piaget
42 A Escola Aberta — Bernard Eliade
«Sempre pensei que o mundo moderno
pecava contra o espírito de Juventude
e que este crime havia de causar a sua
morte.»
Georges Bernanos

É certo que pensei e escrevi este livro.


Mas devo muito à colaboração de:
minha mulher que, com paciência e cla­
rividência, aceitou discuti-lo comigo e
contribuiu para a sua realização prática;
meus colegas que, isoladamente ou mili­
tantes da Escola Freinet ou dos Cadernos
Pedagógicos, prosseguem trabalhos úteis,
obstinados e desinteressados, muitas ve­
zes vencendo a indiferença, algumas
vezes a hostilidade, mas com uma cora­
gem que impõe a simpatia e o respeito;
meus alunos que, participando na prepa­
ração, na implantação, na crítica dos tra­
balhos aqui descritos, lhes transmitiram
a chama da sua juventude.
A todos os meus agradecimentos.
B. E.
AO LEITOR

O que acaba de abrir não é um Livro-Objecto: é um


Livro-Acção.
Em primeiro lugar, é um resumo de tentativas feitas
efectivamente por um grupo de Professor-Alunos que o
preparou, executou e comentou pormenorizadamente, par­
tindo das necessidades realmente expressas pelos próprios
interessados.
Mas, para responder eficazmente às exigências do
mundo contemporâneo, temos que admitir que findou a
era do trabalho isolado.
Por esta razão, apresento-lhes também Propostas de
acção, convidando-os a construir connosco o que cha­
mamos — porque diz respeito a todos — a ESCOLA
ABERTA.
B. E.
BERNARD ELIADE

A Escola Aberta
Freinet no secundário

LIVROS HORIZONTE
Titulo original: L' École ouverte

Copyright by: Éditions du Seuil. 1970

Tradução de: Noémia Seixas

Capa de: Moura-George

Reservados todos os direitos de publicação


total ou pardal para a língua portuguesa por
LIVROS HORIZONTE, LDA.
Rua das Chagas, 17, l.°-Dto. — Lisboa-2
que reserva a propriedade sobre esta tradução
PONTO 1

ALGUMAS COMPROVAÇÕES

O itinerário que escolhemos traçou-se por si, inflec-


tindo-se e impondo-se a partir de certas comprovações
que pudemos fazer em conjunto ou separadamente. Foi,
portanto, do real que partimos, é sobre o real que nos
apoiamos e apoiaremos ainda a nossa acção futura.
Entre estas demonstrações, algumas são negativas: aju­
dar-nos-ão a descobrir as dificuldades e a ladear os proble­
mas; outras são positivas e utilizá-las-emos como trampolim.
As primeiras são mais numerosas que as segundas, o que
explica não só a nossa própria contestação mas também
a que se levantou em todo o mundo, nos últimos tempos.
Enfim, não nos limitamos a mudar só pelo prazer
de mudar e — como muitas vezes se faz por toda a parte —
a dar um nome diferente à mesma coisa. Para nós:
CONTESTAR = VERIFICAR para CONSTRUIR
razão por que propomos uma pedagogia construtiva.

Comprovações negativas

Com os nossos alunos

Vistos individualmente, estes jovens aprendizes de 15


a 18 anos que estão na idade dos entusiasmos, apresentam,
contudo, um certo número de traços negativos:
— uma passividade espantosa perante os regulamentos,
os hábitos escolares, os acontecimentos contemporâneos, a
10 A ESCOLA ABERTA

disciplina, as ordens recebidas, os cursos impostos, que


acham maçadores mas que aceitam sem reacção. Aliás,
esta passividade está ligada a...
— uma falta quase total de espírito de iniciativa, na
maior parte das actividades escolares ou simplesmente na
sua vida social;
— uma aversão mais ou menos acentuada a todo o
esforço intelectual (e, às vezes, físico — estando, justamente,
na «idade da prática desportiva») que está ligada à perda
da faculdade de admiração que possuíamos na nossa ju­
ventude; faculdade esta que é própria não só da criança,
mas ainda do adolescente ou do adulto que permaneceu
psicologicamente jovem, disposto, assim, a acolher todos
os novos conhecimentos;
— uma falta frequente de entusiasmo, mesmo quando
as actividades propostas servem directamente os seus pró­
prios interesses ou poderiam trazer qualquer melhoria às
suas condições de trabalho ou de vida no interior do esta­
belecimento de ensino;
— um conformismo, certamente copiado dos adultos
mas que, embora na idade da inovação, os faz aceitar a
rotina e temer a mudança; alguns ficam desnorteados com
a ideia de modificar os seus hábitos (um caso extremo:
um dos meus alunos banhou-se em lágrimas à ideia de
tomar a seu cargo a sua própria classificação);
— um desprezo ou uma recusa do mundo dos adultos
que se pode traduzir quer por uma aceitação resignada
da sua autoridade e dos moldes que eles impõem à vida
privada e social, à personalidade e aos caracteres dos
jovens; quer por uma revolta centralizada em objectivos
mesquinhos e egoístas (os alimentos, alguns privilég'os dos
«antigos» sobre os «caloiros», etc.), não tendo esta revolta
a ver com aquela — a verdadeira — que brota dos cora­
ções feridos pela injustiça, e cheios de uma indignação
tanto maior quanto mais ela se sente desiludida e inútil
num mundo que a recusa sistematicamente;
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 11

— uma submissão suspeita à ordem imposta pelas pes­


soas e pelos regulamentos, simbolizada pela frase irritante
e imbecil: «Não procuremos saber». Esta submissão não
exclui as provocações nem as críticas mais ou menos justi­
ficadas. Porque se os nossos alunos têm...
—pouco espírito crítico, isto é, o saber distinguir com
toda a honestidade os prós e os contras, têm o espírito
de crítica que se nutre de rancor e de preconceitos;
— uma recusa das responsabilidades que vai duma sim­
ples fuga, à defesa afincada do «direito», à inércia moral
e intelectual. Enfim...
— uma grande dificuldade em manter um esforço pro­
longado de atenção.
Na qualidade de grupo, eles constituem a classe. Mas
o que é em geral uma classe, senão um amontoado hetero­
géneo de temperamentos, de caracteres, de personalidades,
onde alguns, para o bem ou para o mal, influenciam a
atitude do grupo inteiro?
Aos «bons», aos «maus» (classificados, aliás, segundo
critérios discutíveis), aos lentos, aos rápidos, aos pseudo-
-intelectuais, aos pretensos habilidosos manuais, aos pre­
destinados para a literatura ou para as matemáticas, aos
filhos de camponeses, de operários ou de engenheiros,
tratados como tendo todos o mesmo meio familiar, vão-se
impor horários, condições de trabalho e de vida colectiva,
ritmos diferentes. O que conhecemos deste? O que sabe­
mos da família daquele? Alguém nos preveniu que há
um que adormece na aula porque se levanta às 5 horas
da manhã para vir da quinta, e só regressa às 8 da noite?
Alguém nos disse que um outro perdeu o pai e que a mãe
voltou a casar com um «tipo» que ele não quer ver? Que
na família destes há taras hereditárias, que se um beber
um copo de vinho a mais morrerá e que outro ingere a
sua dose diária de aguardente, sem nada se notar, pelo
menos na ocasião? Sabemos que o castigo colectivo dado
num momento de cólera, de fraqueza portanto, é, para
um, uma promessa de vingança e para o outro um prin­
12 A ESCOLA ABERTA

cípio de desalento capaz de provocar perturbações não só


no trabalho escolar, mas também no equilíbrio psicoló­
gico, físico e afectivo? Temos à nossa frente individuali­
dades que conhecemos mal, que tão depressa se podem
comportar como indivíduos, como sob a forma de grupo
e que, conforme se situem num caso ou noutro, não agem
nem se manifestam da mesma forma. E nós, mal infor­
mados (não podendo ou não querendo sê-lo) enfrentamos
estranhos cuja falta — quase permanente — de contacto
humano connosco fará, alternadamente, segundo uns ou
outros, aliados ou adversários mas, de qualquer forma,
seres ligados ou desligados por relações confusas, frágeis,
artificiais. Segundo as circunstâncias, esta massa que o
vigilante ou o professor, do alto da sua cátedra, julga
amorfa, submissa, sem vida própria, irá dividir-se ou
agrupar-se conforme os critérios psico-sociais, familiares,
sentimentais e, de qualquer forma, formará um bloco
contra o «prof.» — representante da Autoridade — por­
que ele é o inimigo e só há duas soluções: «Dar-lhe graxa»
e comprometer-se; desprezá-lo, sem procurar sequer saber
quem ele é exactamente.
As relações entre a classe e o professor não são pois
apenas delicadas e fluidas, mas assentam sobre bases fal­
sas; alguns saem da massa formada pelo grupo, outros
escondem-se nela para evitarem tomar uma posição ou
a responsabilidade de uma opinião; e o adulto, solitário,
deparará com um sorriso ou um mutismo gerais e sempre
impenetráveis. Não tenhamos ilusões, pois as crianças, e
ainda mais, os adolescentes, só nos revelam de si próprios
— a nós professores, durante uma aula — o que querem
revelar. Só uma corrente de franqueza e simpatia, emanada
dum esforço comum — como tentámos fazer e mais adiante
explicaremos — pode preencher este fosso que se cava não
só devido à diferença de idades (divergência de concepção
e de imagem da vida) mas, igualmente, devido à diferença
entre dois grupos que, entre si, forjam barricadas. Mesmo
no nosso caso, ainda recentemente, há por vezes descarga
de agressividade. Mas na atmosfera que quisemos estabe­
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 13

lecer, de comum acordo, explicamo-nos «entre homens»,


medimos os agravos e, então, a agressividade pode tornar-se
benéfica; de resto, uma das virtudes do método não directo
é pôr em evidência e permitir libertar tensões que não
podem deixar de existir sempre que duas individualidades,
dois grupos se encontram.
Nestas condições, não é de espantar que a impos­
sibilidade de comunicar vá até ao...
Falso contacto
Este pode estabelecer-se entre o professor e os alunos
durante uma semana, um mês e — muitas vezes, infeliz­
mente! — durante um ano inteiro. Por vezes isso deve-se
a uma profunda incompatibilidade natural entre o carácter
das crianças e o do adulto, uma atitude acanhada nos
primeiros, uma incapacidade de as compreender (a menos
que isso não seja uma recusa) no segundo. Mas pode re­
sultar — e é mais corrente e mais difícil de resolver da
linguagem; durante um monólogo estéril, o professor e o
aluno enfrentam-se sem se compreenderem, sem — como
se diz — «estarem ligados ao mesmo comprimento de
onda». Porque têm mentalidades diferentes, falam numa
linguagem desconhecida sem o saberem. Mesmo com a
melhor boa vontade, o curso dado por um licenciado não
decorrerá tão bem como a de um professor primário, sim­
plesmente porque aquele está a tratar com alunos cuja
formação de espírito não corresponde ao nível que lhe
parece elementar. Alguns alunos citaram-me um caso ou
outro, onde a incomunicabilidade dependia da incapaci­
dade que o professor tinha em exprimir conceitos precisos
com frases claras. Os alunos pediam para lhes explicar
de novo; ele fazia-o, evidenciando, por outras palavras,
a demonstração matemática que, mesmo assim, não con­
seguia que os alunos compreendessem. Sem dúvida, nos
C.E.T.1, por exemplo, um professor primário que passou
1 C.E.T. Iniciais de «Colléges d'Enseignement Technque» — Escolas
Técnicas.
14 A ESCOLA ABERTA

a professor do ensino secundário pode ser mais bem com­


preendido pelos alunos do que um futuro assistente. Não
tendo o cuidado suficiente de dar às crianças educadores
capazes de compreenderem e de se colocarem ao nível das
suas estruturas mentais — quando, pelo contrário, se uti­
liza a torto e a direito o critério de competência — os
«falsos contactos» irão multiplicar-se, fazendo perder não
só o ano, durante o qual estes se prolongam, mas ainda
o tempo que será necessário para apagar os conhecimentos
mal compreendidos e adquirir novos, mais sãos. Se os
contactos mestre-alunos são pobres, nunca os segundos
podem dizer ao primeiro que não o compreendem — nunca
ousarão pedir-lhe explicações.
Uma melhor formação psico-pedagógica, um melhor
conhecimento das relações de grupo, um ambiente mais
aberto no seio dum curso e, portanto, comunicações mais
livres e frequentes, o cuidado que o mestre possa ter em
falar uma linguagem adaptada aos alunos (nem demasiado
discreta nem demasiado ousada) tudo isto pode ajudar a
fazer desaparecer o «falso contacto», fenómeno pouco
conhecido, pouco estudado, contudo muito frequente, cujas
consequências, apesar de graves, ainda não foram devida­
mente ponderadas e para o qual a preocupação de diá­
logo, recentemente desenvolvida, pode trazer remédio. Mas,
precisamente neste grupo onde a comunicação é, sem dú­
vida, primordial, quem é...

O mestre ?

Se ele não toma a precaução de se analisar honesta­


mente, sem indulgência portanto, com frequentes e pro­
fundos estudos da sua personalidade, da sua situação
tanto como professor como como homem, arrisca-se a
ser rapidamente corrompido pela rotina. Nem os seus
cursos (preparados duma vez para sempre) nem os seus
métodos (caducos, por nunca serem discutidos) nem a
sua ignorância (por vezes «enciclopédica»!) dos mecanis­
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 15

mos do mundo contemporâneo, das bases da cultura inte­


lectual, da psicologia da criança ou do adolescente, do
grupo, lhe permitem cumprir o papel de animador, de
catalisador que deveria ter. Na nossa profissão, envelhece-
se depressa: porque há um desgaste permanente de nervos
que não é compensado pelas férias, que alguns — na calma
injustiça da ignorância — acham muito longas e frequentes.
A este desgaste físico e neuro-psicológico, acrescenta-se,
é claro, o desgaste intelectual. Adquirem-se hábitos, de­
pressa se recusa a auto-análise, a confrontação com os
outros, recusa-se a contestação e acaba-se por esquecer
que um professor (deveríamos dizer: educador) deve ser
um homem essencialmente honesto consigo próprio, aberto
ao diálogo, capaz de uma mudança, sempre pronto à
renovação e à discussão, aceitando ser tal como é, mas
com um profundo desejo de alargar o campo da sua inte­
ligência, da sua personalidade, dos seus conhecimentos.
Ora, neste mundo onde a informação — tão exigente e,
por vezes, tão falsa — reina como soberana, quantos não
somos verdadeiramente incultos, ignorando tudo o que não
diga respeito «ao seu ramo»?
Temos algumas desculpas, é certo, e não pequenas.
Falta de tempo — que nos é tirado pela preparação dos
cursos e, sobretudo, pelos montes de «redacções», de
«deveres» que há a corrigir às centenas, que pouco adian­
tam ao aluno, mas que arrasam a paciência e os nervos
da pessoa que corrige. Falta de tempo também quando
— por falta de animadores — temos de ajudar ao funcio­
namento do centro socio-educativo. Ainda falta de tempo
quando se tratar de «seguir» a actualidade (uma necessidade
absoluta numa época em que os alunos «sabem» antes de
nós). Falta de dinheiro, quando temos de reunir, à nossa
custa, toda a documentação necessária para o nosso curso,
quando temos de abdicar de um ou outro estágio, indis­
pensável todavia, mas muito caro, quando na nossa cul­
tura geral temos de nos contentar com livros «de bolso»,
porquanto um professor de Letras num C.E.T.1 devia ter
assinaturas de vários jornais, ler revistas, trabalhos de
16 A ESCOLA ABERTA

psicologia e pedagogia, de economia e de geografia hu­


mana ou de sociologia — mesmo que não levemos os
nossos conhecimentos ao nível da licenciatura e do douto­
ramento. Pois não é aceitável que os professores não re­
cebam um abono para a sua preparação — sobretudo no
caso daqueles que se encontram afastados dos Centros
regionais de Documentação pedagógica, não tendo por­
tanto acesso aos materiais que lhes são necessários. Só
lhes resta limitarem-se ao compêndio, gaguejarem do alto
da cátedra, a fazer, portanto, o tipo de ensino tão justa­
mente detestado!...
Estes estímulos — ou antes estes desânimos! — expli­
cam, em parte, a preguiça intelectual que endurece a nossa
mente. Apesar do que se diz, a preguiça profissional é
mais rara: o que faria, aliás, a Educação nacional que,
em certos dias da abertura das aulas e em certos estabeleci­
mentos de ensino, se funciona é devido à boa vontade
das pessoas e não à eficiência da administração que se
«esquece» de preencher um determinado cargo, de nomear
ou pagar, em tempo devido, um certo professor, e decide
a admissão de alguns alunos muito depois do início das
aulas, quando não os deixa na rua!...
Em suma, as relações com os alunos estão, muitas
vezes, sob um autoritarismo que, com frequência, recorda
a conhecida preguiça do espírito de caserna: «Não quero
saber», «Não discuta», o que, impedindo qualquer contes­
tação, não permite o menor esforço de inteligência tanto
ao que manda como ao que obedece. Quer esteja colorido
de imperialismo estúpido e mau ou de paternalismo xaro­
poso, de qualquer forma este autoritarismo corta a inicia­
tiva dos alunos, impedindo-os de tomar atitudes pessoais
e responsáveis. Deste modo, tanto se pode ser culpado de
proibir como de permitir; de resto, os dois extremos to­
cam-se, visto que certos professores, intransigentes até
Abril de 1968, em Maio se rebaixaram perante os alunos
duma forma repugnante.
Há atenuantes, evidentemente, e não quero dar aos
nossos numerosos e maldosos adversários a alegria de pen­
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 17

sarem que todos os professores são atacados pelos males


que acabei de citar. Aliás, esses males tocam a toda a gente
e o nosso mérito é, ao menos, o de os reconhecer sem
indulgência nem demagogia. Quis insistir apenas em certos
pontos que podem — no seio dum grupo que devia ser o
centro de convivência calma e frutuosa — despertar ten­
sões e tomar as proporções de um conflito. No entanto,
tanto os alunos como o professor estão sujeitos a muitas
influências que, para além das interferências que ligam
as suas personalidades, desempenham um papel extrema­
mente importante na sua dificuldade em estabelecerem
relações construtivas.
Apresentamos algumas. Em primeiro lugar:

A sala de aula

Esta também ajuda a desenvolver nos alunos as taras


de que falámos. Exceptuando alguns centros-piloto sabia-
mente distribuídos pelo território que se reservam a visitas
turísticas dos pedagogos estrangeiros, temos em geral,
três tipos de aulas:
— a velha sala, da escola oficial ou do liceu, alta, som­
bria, com janelas de grades ou com redes de arame, cujo
cheiro a desinfectante tem, porém, o encanto da pátina
um pouco nostálgica.
— o pré-fabricado, conjunto pouco seguro de painéis
empenados, onde a pintura mal se agarra e mostra aos
olhares das pessoas as junções, os remendos, enfim toda
a miséria de um casebre, porque, em geral, são locais de
ocasião, de que os estabelecimentos se servem enquanto
esperam as construções «sólidas». Superaquecidas no Ve­
rão, geladas no Inverno, estas salas são chamadas «pro­
visórias»;
— a bela sala nova, enfim, clara, mais alegre que as
outras, mas que, devido à falta de fundos, foi mobilada
com o indispensável e, em cujas paredes, por serem feitas
18 A ESCOLA ABERTA

de betão ou de material rijo, se torna impossível fixar


os mapas e os desenhos dos alunos, que poderiam dar
uma nota mais pessoal ao ambiente.
Certamente que nem sempre se processa assim, mas
o recheio e a decoração de uma aula não podem ser feitos,
na maior parte dos casos, unicamente com os pedidos do
professor, os quais, da forma como são atendidos, leva
a crer que foi ele o beneficiado e não o aluno.
Normalmente, o mobiliário — restrito — está disposto
na forma tradicional: o estrado, a secretária e a cadeira
do professor, tendo por fundo o quadro preto (ou verde,
não importa: a disposição é a mesma) ficam defronte
das carteiras dos alunos, devidamente alinhadas. E em
volta: paredes, em que a única nota de vida são os anún­
cios da S.N.C.F.1 ou os horários obrigatórios. Eis a ima­
gem normal duma sala de aula que coopera nas relações
entre o professor e os seus subordinados, o pastor e o seu
rebanho, e onde a fantasia e a imaginação não parece
que exerçam qualquer influência!...
São preciosos auxiliares estes móveis, estas paredes,
esta matéria morta, esta forma a que nos moldamos, a
que se moldam gerações de falhados, de atrasados, de
cobardes ou de preguiçosos, de servos prontos para todas
as baixezas e sujeições. Está assim assegurada e reforçada
a Ordem que reina nos nossos corações e nas nossas insti­
tuições.
Foi, pelo menos, o que pensámos durante muito
tempo: a nobre semente caía sobre as cabeças debruçadas,
estudiosa e hipocritamente, sobre os cadernos, escrevendo
e reescrevendo as linhas, e, por muito infecunda que fosse,
quem poderia imaginar que iríamos colher uma coisa
diferente da que tínhamos julgado semear? Felizmente,
a flor bela e amarga da revolta cresce em qualquer ter­
reno!... Perante estas considerações devemos destruir esta
tendência opressora, esterilizante, soporífera, inibidora, que

1 Société Nationale des Chemins de Fer (Sociedade Nacional dos


Caminhos de Ferro).
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 19

deve pesar na consciência do professor que faz de polícia


todo poderoso (segundo ele crê), incontestado e até hoje
suportado, que tem contribuído para adormecer e para­
lisar as personalidades, castrando os caracteres, que favo­
rece não só a sua própria indolência como a dos outros,
impedindo qualquer contestação ou iniciativa. É necessá­
rio fazer explodir as paredes deste recinto murado, fechado
para a Vida e abri-lo para o mundo exterior; ele deverá
servir como um meio de aproximação das realidades deste
mundo, deixando que nele penetrem a informação, a con­
testação, a Vida.
Mas quando a campainha toca, quando os liberta
da prisão, que encontram eles?

O Estabelecimento Escolar

A maior parte das vezes, trata-se dum conjunto de


construções heteróclitas ou feitas segundo os moldes da
prefabricação, que servem, indiferentemente, de salas de
aula, de oficinas, de salas de convívio, de cinema... Assim
verifica-se que não há isolamento de som ( e numa ofi­
cina de caldeireiro é grave!); o isolamento térmico é insu­
ficiente (certas aulas estão fechadas por não poderem ser
aquecidas convenientemente; por vezes, através das ja­
nelas sem cortinas o sol fustiga as nucas ou os olhos dos
alunos); falta de ar (classes superlotadas, cujos sistemas de
ventilação não permitem uma oxigenação suficiente); lo­
cais exíguos, que impedem uma colocação mais espaçada
das carteiras dos alunos, uma possibilidade de recantos
para trabalhos práticos ou espaços para exposições, ou um
acesso rápido à documentação; muito poucas salas, utili­
zadas, conforme as necessidades, quer para cursos, quer
para estudo — exigindo este uma pedagogia diferente.
Todos estes edifícios, provisórios ou transformados
para fins imprevistos, muito antigos ou muito pequenos
e pouco funcionais, têm pouca ligação entre si; dispersos
sobre grandes exteriores lamacentos ou aglomerados como
20 A ESCOLA ABERTA

se todos servissem para o mesmo fim, não podem cor­


responder à função múltipla do estabelecimento escolar:
educação, descanso, aprendigazem da vida profissional,
familiar, social, comunitária, etc. Há uma grande falta
de laboratórios, de salas de leitura e de documentação,
de convívio e de jogos; de tudo o que poderia ajudar à
informação e à iniciativa, individual ou colectiva dos
alunos, quer para o seu aperfeiçoamento, quer para a pre­
paração de investigações, cursos ou exposições. (Veremos
que estamos a caminho de realizar este objectivo, pelo
menos em parte, mesmo em locais pouco adaptáveis).
Além da falta de uma sala de reuniões, os alunos
também não têm a possibilidade de descansar nos pátios
ditos de «recreio». Na verdade, a sua exiguidade e a super­
lotação dos efectivos, a que se junta o receio dos acidentes,
limitam as possibilidades do seu alargamento. Por exem­
plo, num estabelecimento os alunos viram o recreio redu­
zido a 5 minutos porque alguns se tinham ferido num
curto espaço de tempo. No entanto, é necessário expandir
a sua energia duma forma ou doutra!... Num outro, as
crianças dos 6 aos 14 anos (duzentos reunidos num pátio
muito pequeno) não podiam correr nem fazer jogos «muito
movimentados» (aos «polícias e ladrões», «o gavião», «à
apanhada», etc.) com medo de se magoarem porque os
mais velhos e os pequenos estavam forçosamente mistu­
rados, por falta de espaço. Também não podiam jogar
à bola nem ao berlinde, com medo de partir as grandes
janelas de vidro; nem gritar no vestíbulo, nem falar nos
corredores e no refeitório, por casa da sonoridade dos
locais; nem arrastar os pés nas escadas que, sendo abertas,
deixavam cair sobre a cabeça dos que vinham atrás, a
poeira ou a lama dum pátio ainda não alcatroado.Se eu
disser que este edifício novo, que custou 450 milhões de
francos antigos, ao fim de um ano e meio apenas, já abria
fendas porque tinha sido construído num antigo atoleiro
— onde tinham preferido edificar uma escola em vez dum
quartel de bombeiros — não deixarei de assinalar que o
director não tinha secretário, apesar de ter também a seu
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 21

cargo as classes primárias e o C.E.G1; permito-me mesmo


sublinhar que os alunos do C.M.l. e do C.M.22 tiveram,
durante dois anos, um substituto que só viu o seu inspector
no dia do Certificado de Aptidão Pedagógica3. Evidente­
mente que nos dois estabelecimentos mencionados (um
na província e o outro nos arredores de Paris) não havia
sala de ginástica nem vestiário. Mas isto é tão frequente...
Assim, sem lugar de descanso, sem tempo de liberdade
suficiente, sob a constante vigilância dos adultos (porque
o regulamento não permite que estes deixem os alunos
sem vigilância — mas, por vezes, alguns textos encorajam
a autodisciplina!) sem meios de libertar a sua energia,
com uma vida enclausurada, apagada e diminuída, os jo­
vens explodem ou encolhem-se — e ainda há quem se
admire!
E o que dizer do internato que, quer queiramos quer
não, tem a responsabilidade de dar aos alunos a contra­
partida da vida social e familiar? É certo que alguns pre­
ferem o primeiro à segunda, pois nela sofrem bastante
e sentem-se como estranhos. Mas muitos aceitam o inter­
nato por não haver, próximo de casa, estabelecimentos
de ensino em número suficiente. Mas fazem-no contra
vontade pois, muitas vezes, «o internato é o internamento»
— como, com justiça, se tem sublinhado. Em primeiro
lugar, dormitórios com camas alinhadas militarmente, todas
juntas umas às outras, amontoadas; refeitórios exíguos,
que exigem serviços ultra-rápidos, o que provoca pertur­
bações gástricas e tardes sonolentas. Os polos do inter­

1 Collège d'enseignement général (6.* e 5.* classes), correspondentes


aos 1." e 2.° anos do ciclo preparatório (Em França Cyele d'observation).
(N. T.)
2 Cours Moyen 1 (8.ª classe), correspondente em Portugal à 4.ª classe
de instrução primária. (N. T.)
Cours Moyen 2 (7.ª classe), correspondente em Portugal à 5.ª classe
de instrução primária. (N. T.)
3 Certificat d’Aptitude Pédagogique, que permite o exercício do
magistério primário. (N. T.)
22 A ESCOLA ABERTA

nato? A sala de estudo e o dormitório, onde o silêncio


é pesado, com uma disciplina cortante porque não há
tempo, nem lugar, nem coragem (nem por parte dos alunos
nem dos vigilantes) para melhorar. E o recreio ao ar livre?
Locais exíguos, como já se disse; quanto ao passeio, é a
maneira de descansar a cabeça e desentorpecer as pernas!
Quanto a distracções? Na falta de uma sala de convívio,
há a sala de estudo que fica «livre» para esse efeito, o
que significa que, democraticamente, alunos e vigilantes
«jogam uma partidinha» ou vêem na televisão o último
desafio de futebol. Os mais aplicados — os «ursos»— es­
tudam; os solitários lêem alfarrábios ou «Satanik», outros
o «Akim» ou o «Comando». Mas, no fundo, onde poderão
repousar livremente, sem terem um adulto permanente­
mente atras deles? Neste reduto fechado onde, sem prazer,
o aluno é alojado, alimentado, lavado, instruído; onde
a Vida pára à porta («Proibida a entrada a todas as pes­
soas estranhas ao estabelecimento»); onde o regulamento
e os guardas proibem qualquer leitura ou informação
vinda do exterior; onde tudo se faz para impedir a «con­
taminação» — como pode uma criança ou um adolescente
encontrar matéria para desenvolver a sua cultura, o ali­
mento para o seu desabrochar, a possibilidade de tomar
iniciativas e assumir responsabilidades, de sentir e saber
que será um elemento importante numa sociedade na qual
deverá participar consciente e eficazmente? Certamente
haverá quem diga: «Ninguém é indispensável» e o que
pode fazer um indivíduo entre milhões de pessoas? Mas
não estamos na escola para fabricar rodas intermutáveis
dum maquinismo gigantesco; estamos, sim. para ajudar a
formar homens, sendo cada um não só indispensável mas
insubstituível.
O estabelecimento escolar já não pode nem deve ser
a corrupção de caracteres e personalidades; pelo contrário,
deve ser um centro que enriqueça o desabrochar dos jovens,
um meio permanente de atender às suas preocupações,
de os preparar para a vida como homens e cidadãos, —
esta vida complexa e tantas vezes cruel que os aguarda à
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 23

saída da escola. Para isso, é necessário que esta consiga


a harmonia indispensável entre o trabalho e as diversões,
no seio duma comunidade verdadeiramente educativa e
activa (os dois termos estão ligados indissoluvelmente),
que forme o Homem em vez de o deixar aniquilar-se, em
todas as classes e em todos os anos, até que ele se vá con­
fundir com os carneiros que vão balindo pelas auto-estra-
das dos fins de semana, nos comboios e autocarros das
férias pré-fabricadas e até nas cabines das repartições
de voto...
E, durante esse tempo, sobre as cabeças dos profes­
sores e alunos, para além dos muros da aula e do estabele­
cimento, na fibra de todos — coisas e pessoas — paira a
sombra incerta e, contudo, omnipotente do...

Regulamento

...que é incarnado por legiões cuidadosamente hierar­


quizadas da administração, esta doença dos povos
civilizados, a que ninguém escapa: nem os Estados, nem
os partidos, nem os sindicatos, nem mesmo as associações
de coleccionadores, de amadores ou de antigos qualquer
coisa. Este ser multiforme, omnipresente e praticamente
invisível que todos vigia, de ouvidos à escuta, e só sabe
exprimir-se oralmente ou por meio de papelada, é uma
abstracção imensa cuja força reside precisamente na sua
inconsistência: está simultaneamente em todos os sítios,
quando não o esperamos e em parte nenhuma, quando
dele precisamos; porque se os peões — isto é, os funcio­
nários, de acima abaixo da escala — se deslocam ou desa­
parecem, os escritos, os Textos sacrossantos (as nossas
Tábuas da Lei) esses ficam e, contradizendo-se, compli­
cando-se ou eliminando-se uns aos outros, nos apertam
irremediavelmente a garganta. Aqui, também, tudo está
demasiadamente centrado nas relações entre superiores e
subordinados, não se esquecendo os primeiros de lembrar
aos outros que estão ali só «pelo interesse das crianças»,
24 A ESCOLA ABERTA

esquecendo-se, porém, que alguém tem de tomar a respon­


sabilidade das faltas e desordens, realidade que o público
pouco conhece, mas que está bem firmada nos factos.
Recentemente, falou-se de autogestão, de autodisci-
plina, de participação livre nos interesses da vida dos esta­
belecimentos, previu-se mesmo a participação de novos
representantes no seio da escola; mas seria necessário que
a imensa confusão de textos que nos impede de agir de
uma forma efectiva e construtiva fosse seleccionada, sa­
neada, clarificada e que soubéssemos o caminho a seguir.
Por exemplo, se quisermos deixar os alunos sós numa
aula, a trabalhar na preparação de um jornal escolar,
de uma exposição ou de uma montagem, entramos no
jogo subtil das circulares e das decisões, das leis e dos
decretos, das recomendações e das discordâncias que, com
tendência para recíprocamente se anularem, agem de tal
forma que, se o seguro nos liberta da responsabilidade
civil, no entanto há sempre o risco administrativo e este
parece paralisar muitas iniciativas — em todos os esca­
lões — que teriam podido fazer avançar os professores de
forma decisiva.
É desta forma que se abafam muitas iniciativas e ino­
vações indispensáveis e que a aplicação severa dum regu­
lamento arcaico — adaptado sem dúvida ao Primeiro Im­
pério ou à escola do século XIX, mas não a este mundo
em constante aceleração — incita à preguiça, à aceitação,
ao desânimo ou à estagnação. Mesmo que tenhamos ma­
terial, mesmo que estejamos nas boas graças dos colegas
e do director do estabelecimento (é o meu caso, mas não
é geral), mesmo que possamos conceber o nosso ensino e
guiar os alunos livremente, o Texto está sempre presente.
Ou melhor ele está escondido na sombra até aparecer a
falta, o erro de apreciação, os «limites que não podem
ser ultrapassados»; surge então, investe, procura os «res­
ponsáveis», tendo em mente que um responsável não é
um indivíduo que tem a noção das responsabilidades, mas
sim aquele que terá de pagar os vasos partidos! Aqui a
hipocrisia, o obscurantismo e — precisamente — a irres­
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 25

ponsabilidade reinam acima de tudo. Temos como exem­


plo os centros socio-educativos, onde devemos deixar a
livre iniciativa aos alunos, sendo, no entanto, o regula­
mento e a disciplina os mesmos que no resto do estabeleci­
mento. Basta uma contradição como esta para fazer abor­
tar qualquer tentativa inteligente. É claro que os liceus
e colégios, que estejam mais libertos dos Textos, podem
favorecer uma maior tomada de responsabilidades sem
que a administração a impeça. Mas quando vierem «as
contrariedades» que se passará então?
No entanto seria inútil ficarmos agarrados aos Textos
e à Administração que não passam, como já disse, de
abstracções. Assim como «só há liberdade de imprensa
quando dela não precisamos» — como diz um jornal sa­
tírico — assim também a liberdade completa, de pensa­
mento, de palavra e de acção, só se toma quando se quer.
Afinal, é por toda a gente achar que é mais fácil obedecer
sem reflectir que somos incapazes de proceder às mudanças
indispensáveis, que se impõem para os espíritos, as estru­
turas, os regulamentos, os hábitos, o conteúdo do ensino
e os métodos. «O interesse dos alunos» não se centra no
imobilismo, no enraizamento e consagração de sistemas
que deram já provas da sua incapacidade; antes tem por
objecto a audácia reflectida, prudente mas resoluta que
deve existir em todos os educadores dignos deste nome.
Mas, por o educador, frequentemente, dar lugar ao fun­
cionário, é que nos encontramos hoje neste estado...
Batendo nas paredes fechadas do mosteiro, ali temos
a Vida: livre, exuberante, perniciosa para as almas frágeis
e inocentes, prisioneiras na escola. Porque esta é ainda
hoje de tal forma que podemos dizer que na base dos seus
muros pára...

O mundo exterior

E, no entanto, é a Vida cintilante e perigosa, foco


de tentações e de solicitações de toda a espécie, a que os
jovens podiam facilmente sucumbir!
26 A ESCOLA ABERTA

E sucumbem de qualquer forma. Não fizeram votos


perpétuos de clausura e é aberrante que se possa sequer
pensar que eles escapem às influências boas ou más do
exterior. Mas há quem o pense e, por isso, se instaurem
tabus escolares, camuflados pela palavra «neutralidade»,
respeitantes à sexualidade ou à política, para só citar dois
exemplos importantes.
Ora é a omnipotência da informação (imprensa, rádio,
publicidade, televisão, cinema) que penetra os indivíduos
por todos os poros, a maior parte das vezes sem que disso
se apercebam e sem que daí possam escapar. Mesmo nós,
adultos, considerados conscientes, livres e responsáveis
(pois parece serem estes os nossos mais nobres atributos!)
uivamos como os lobos, mugimos como as vacas, chora­
mingamos ou indignamo-nos conforme os caprichos duma
informação de que aceitamos — criminosamente — as omis­
sões, as mentiras, os exageros, as pressões, as ameaças e
as lisonjas. Escarneço — e porque não hão-de os jovens
fazê-lo ? — quando vejo adultos refastelarem-se com uma
ementa sempre baseada nas apostas, na vida amorosa dos
príncipes, nos desgostos dos seus ídolos, apimentada de
música electrónica e temperada com inaugurações, recep­
ções e discursos, onde o vazio vem a par da mentira e a
asneira da demagogia. Os milhões de adultos que por
esse mundo fora aceitam todos os massacres — tanto os
da polícia, como os da publicidade, da imprensa, da rá­
dio ou da televisão — não têm senão a informação que
merecem. Mas devemos compreender que os jovens podem
recusar — quanto mais não seja deixando crescer o ca­
belo — uma sociedade que sem lhes pedir opinião, aceitou
a obediência à propaganda e à bomba! E não nos espan­
temos que eles queiram fazer ouvir a sua voz, ainda que
a nossa tremule interminavelmente sobre um passado que
já não volta.
Os alunos cederão aos apelos do mundo, pois ao sairem
da escola imediatamente se submeterão à ditadura das
«massa media» — que já os influencia. Enganados, esma­
gados, poderão censurar-nos, e com razão, por não os
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 27

termos prevenido dos perigos e não os termos prepara­


do. Não se trata de recusar este mundo: nunca se ganha com
uma recusa sistemática, a não ser que a recusa sirva para
construir qualquer coisa de novo, de mais justo — o que
não se pode fazer de um dia para o outro; trata-se de pre­
venir os jovens dos obstáculos e dos riscos desta vida de
que fazemos parte, em cheio. Trata-se de lhes ensinar a
ler o jornal, a ver televisão, a escutar rádio, a desmascarar
a má publicidade, para revelar as falsidades e os exageros,
a ser conscientes e responsáveis. Hoje em dia, não importa
onde nem quando, estão sujeitos — sem os compreender
bem — aos modernos meios de informação: quanto mais
chocante for a imagem (isto é, que produza choque) quanto
mais histérica a música mais elas provocam a violência
interna que há em cada um de nós. Mas o Homem — o
verdadeiro — não é o que é sensato e calmo à priori; é
o que, assumindo plenamente as suas qualidade e as suas
fraquezas, aceita dominar-se, não para se negar mas para
se construir. Razão por que falamos de «pedagogia cons­
trutiva».
Ora, esta construção não pode ser feita no círculo
fechado da escola; a competência do professor — que já
não é o único detentor da informação — é depressa ultra­
passada; não pode satisfazer a curiosidade dos alunos
(quando se manifesta abertamente), não pode responder
às perguntas que lhe fazem e que a si próprios fazem, já
não pode trabalhar sozinho. Mais adiante veremos — nos
Pontos 4 e 5 — que o professor deve recorrre à compe­
tência e conhecimentos de pessoas que até aqui lhe deram
uma colaboração episódica, senão inexistente:
— primeiro os alunos que, graças à diversidade dos
seus gostos, dos seus interesses, da sua origem socio-fami-
liar ou escolar, podem fornecer informações e opiniões
necessariamente úteis e múltipas. É o que explico a partir
do Ponto 2, quando falo da colaboração indispensável no
seio do grupo professor-alunos;
— os outros membros do ensino: um professor de Le­
tras não pode ignorar em que condições trabalham os seus
28 A ESCOLA ABERTA

alunos na oficina, quais os problemas de vocabulário que


surgem em tecnologia — ou de ortografia no desenho in­
dustrial. Alguns assuntos podem ser tratados ao mesmo
tempo pelos professores de Letras e de Ciências (higiene,
acidentes de trabalho, etc.);
— os informadores: empregados, orientador profissio­
nal, enfermeira e assistente social, psicolólogo escolar,
centro de documentação, jornais, livros, revistas, etc.
— os pais, que raramente transpõem o limiar da porta
da aula — só com autorização especial, é claro —, e que
esquecemos deverem ser colaboradores imediatos no seio
da equipa educativa alunos-pais-professor.
Ora, como já dissemos muitas vezes, os alunos são
desconhecidos para nós, porque ignoramos quem são os
pais, qual é o seu meio socio-familiar, o seu comporta­
mento em casa, a opinião do pai ou da mãe. Não que­
remos dizer com isso que os pais se descartam das suas
responsabilidades educativas na escola, nem que os
professores se vão intrometer no que diz respeito só aos
pais; trata-se de estabelecer contactos frequentes entre todos
os educadores.
Ora, estabelecemos muito poucas ligações com o exte­
rior, devido a negligência, falta de tempo, dificuldades
materiais... E cada um trabalha no seu canto, a fabricar
isoladamente o mecanismo de uma personalidade que não
se sabe se, no conjunto, será coerente. Modelada por
mãos diferentes das suas, por outras vontades (que ex­
cluem e ignoram uma e outra) a criança recebe uma edu­
cação coxa, como uma casa edificada por um grupo de
operários que nunca se consultassem. Formamos alunos
à Dubout!...1 Mas isso não tem graça nenhuma.
Portanto, os nossos alunos são tal ou tal; dificilmente
conseguem estabelecer um contacto com o professor, pois
a maior parte das vezes é falseado por influências diversas,

1 Dubout é um conhecido desenhador humorista francês que, usual­


mente, acumula nos seus desenhos uma grande quantidade de elementos
heterogéneos do que resulta um efeito de profusa incoerência. (N. T.).
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 29

a que estão sujeitos tanto uns como outros, sem disso se


aperceberem: os factores pessoais, a família, a sala de aula,
a vida escolar, a administração e um mundo em cons­
tante mudança, cada vez mais rápida, cada vez mais exi­
gente, que necessita de uma revisão permanente dos conhe­
cimentos.
E, perante isto, que propomos nós actualmente?

Um ensino perigosamente caduco

«A nossa maneira de ensinar provém duma concepção


caduca da própria educação... Um esforço contínuo para
impor à criança a lei do adulto! É em face desta situação
que se define a educação como a formação da juventude:
formar, pôr em forma, moldar-se à mesma forma. O ensino
é colectivo, ignora as individualidades. É dado numa
classe como se os elementos que a compõem fossem idên­
ticos e intermutáveis; os professores falam, interrogam;
os alunos escutam, respondem, aprendem, recitam.
A virtude principal do aluno não é a inteligência mas
a submissão».
Ensino caduco: não posso deixar de concordar com
Robert Dottrens, autor das linhas precedentes. No entanto,
desde quando existe a pedagogia Freinet? Desde quando
nos pôs de sobreaviso contra os perigos do ensino tradi­
cional, cujo carácter alienante Robert Bazin sublinha
(«Le Monde» de 11-7-1968):
«Os nossos filhos, com a mesma idade e, sobretudo,
a partir da adolescência, não se parecem nada com o que
nós éramos. Tudo o mais não tem outro fim senão comba­
ter a alienação muito grave de que os nossos filhos sofrem
e contra a qual se batem com vigor». E denuncia as quatro
causas fundamentais desta alienação:
1. A não participação do aluno nas actividades da
classes e na política da sua escola;
30 A ESCOLA ABERTA

2. A não participação do aluno na sua orientação:


«O aluno é duas vezes contrariado: porque lhe impõem
e porque lhe recusam».
3. «Alienação do professor», diz ele também, Quantas
vezes será necessário repetir — e sou eu agora a sublinhá-
-lo — se queremos que o professor ajude a formar futuros
adultos, como é importante tratá-lo também como adulto,
não o submeter a uma hierarquia desumanizante e desu-
manizada, a textos sem sentido, à força de serem contra­
ditórios e indecifráveis, a programas demasiado rígidos que
não tomam em conta uma sociedade em perpétua evolução
e para a qual não se pode realmente preparar os alunos,
se não os pusermos a par do que se passa. Robert Bazin
tem razão: «A libertação do aluno passa pela libertação
do professor».
4. «Alienação devida ao acaso com que se dão notas,
classificações ,médias» que só têm valor num contexto limi­
tado (a classe, a escola) e que fazem com que possa ser
ao mesmo tempo um dos primeiros numa classe medíocre
ou um dos últimos numa classe com melhor nível de inte­
ligência. No entanto, quantos pais aceitam este sistema,
quando se afligem de ver o seu filho passar do primeiro
para o segundo lugar, embora a média tenha aumentado?
Quantos destinos dependentes dum estado de alma, de
saúde, de uma cólica, de um lapso de memória — são
jogados numa simples manhã ou tarde de Junho?
Submissão, alienação, sim! completados pelo ensino
defeituoso e repetidor, estes dois sistemas de um ensino
que forma gerações de atrasados. «Nos países desenvol­
vidos, registamos 25 a 35% de alunos que repetem anos
na escola primária, enquanto que 80 a 90% das crianças
de cada geração são dotadas de uma inteligência normal»
(Robert Dottrens).
Pois o que é uma «escolaridade» senão dias maça­
dores ou fatigantes (os nossos alunos do ensino técnico
têm, por exemplo, 40 horas de cursos e de oficina por
semana); a repetição das mesmas noções por professores
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 31

diferentes, com explicações e termos evidentemente dife­


rentes, que semeiam a confusão nos espíritos (este facto
foi, em tempos, apontado por alguns alunos meus). Quan­
tas horas de aulas perdidas, quantos espíritos ausentes
da classe porque os jovens, que atravessam períodos de
grandes perturbações físicas, intelectuais e morais, vão-se
fatigando cada vez mais à medida que a forma e o con­
teúdo do ensino se tomam mais pesados. Percebe-se que
alguns deixem correr o marfim porque «já não se aguen­
tam na corrida». Seria necessário um dia, depois de uma
noite bem dormida, que valesse a pena ser vivido em
cheio, um dia menos sobrecarregado, melhor doseado, com
exercícios variados sem se ir até à dispersão, que ajudasse
a prender a atenção, não sendo causa de lassidão e de
aceitação resignada de um trabalho detestado e, por con­
sequência, ineficaz e prejudicial. É necessário conhecer
melhor os limites desta atenção, que varia segundo a
idade, a hora do dia, o dia da semana, o estado do tempo,
a personalidade e o temperamento de cada um; esta aten­
ção que precisa de vencer obstáculos e de encorajamentos
permanentes; esta atenção cujos limites podemos alargar
(Freinet já o sublinhou bastante), se soubermos interessar
os alunos. Porque é necessário acabar com o atafulhamento
do cérebro, com o ensino defeituoso, e passar à aquisição
livre e plenamente consentida e assumida, com dados
capazes de originarem um constante enriquecimento de
conhecimentos e da personalidade. Queremos dizer com
isto que esta educação não se faz só na oficina ou nas
aulas, mas a qualquer hora do dia, do ano, da vida — que
nos ensina tantas coisas, ao largo das quais passamos
sem ver nem a sua riqueza nem a sua beleza.
Para isso é preciso que o aluno se sinta o principal
responsável do seu destino e perca o hábito — ajudado
pelos pais e pelo mestre — de acusar os professores dos
seus fracassos e que, pelo contrário, saiba que ninguém
pode fazer tanto como ele. Portanto, não há nada mais
justo do que esta reivindicação dos jovens, que querem
participar na preparação do seu futuro, na vida da comu­
32 A ESCOLA ABERTA

nidade escolar e assumir plenamente a aquisição dos seus


conhecimentos. É certo que antes já outros pensaram nisso
e já há muito aplicaram uma pedagogia realmente rica.
Mas na nossa sociedade é-se mais tagarela para falar nas
coxas de uma vedeta qualquer ou em escândalos de todos
os géneros (sobretudo do estrangeiro) do que para elogiar
os que, entre nós, se têm dedicado incansavelmente a de­
nunciar as falhas do nosso ensino e a propor soluções
cuja eficácia já está provada. É claro, há que observá-lo,
que temos de reconhecer que este ensino tradicional tão
caluniado produziu grandes cabeças; talvez seja exacto...
a não ser que não fosse de propósito e que algumas dessas
cabeças devam o seu génio à recusa das pressões que
sentiam em si, o que as fez rebentar com o padrão que
lhe queriam impôr; por outro lado, não podemos dizer
que os métodos usados há vinte anos tenham hoje grande
eficiência, assim como não sabemos se o que propomos
neste momento é inatacável; estamos longe disso.
Será necessário, igualmente, que abandonemos sem
remorsos esta pedagogia do fracasso que durante tanto
tempo adorámos. Esta religião cujos instrumentos são a
nota, a média — que corta o trabalho do aluno até à
centésima de unidade — a classificação, que mantém, o espí­
rito infame da competição, cujos traços ainda se conser­
vam sobre as auto-estradas, nas bancadas dos estádios
e até no fundo das nossas pantufas. Esta religião cujos
padres são os areópagos de examinadores, fazendo alguns
um interrogatório tão refinado ao ponto de parecerem
querer espancar os alunos, cedendo o educador, muitas
vezes, a palavra ao brigadeiro Pandore.
Mesmo nós, fiéis demasiado devotos, muitas vezes
demasiado cúmplices de pais ajoelhados diante dos «resul­
tados» sacrossantos, não participamos nesta empresa de
mistificação e de alienação, riscando a vermelho, com
zeros, com observações ásperas e irónicas, as cópias dos
nossos alunos em que enterramos a golpes de esferográ­
ficas o complexo de culpa que alguns arrastarão a vida
inteira? Porque se a maior parte das pessoas aceita seja
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 33

o que for — e sobretudo o que os prejudica — não será


porque aprenderam nos bancos da escola e, mais tarde,
no pátio da caserna qtie a obediência é a principal força
dos povos, obrigados a todas as ditaduras? Se o carneiro
(de que dizem tanto mal) escolhe o tufo de erva para pas­
tar, os homens, saídos de tais formas, aceitam qualquer
pastagem e, ainda mais, dizem muito polidamente, obri­
gado. Rompamos — quanto mais não seja para salvar a
honra — com esta mitologia castigadora: conselho disci­
plinar, proibição de saída, zero com o ponto de aumenta-
ção (expressão de uma grande estupidez!) linhas sobre
linhas de cópias suplementares, compreendendo-se que os
castigos corporais estão excluídos deste aparato suficiente­
mente humilhante para uns e para outros. Em vez de
dizer ao aluno o que fez mal, em vez de lhe esfregar o nariz
na asneira, porque não lhe dão possibilidade de fazer me­
lhor, de corrigir os seus próprios erros, mesmo com uma
pequena ajuda, com competência e eficácia, tanto mais
aceitáveis quanto mais benevolentes forem.
No fim de contas, que ganhámos nós com esta peda­
gogia napoleónica? Nada, a não ser aquele repugnante
estado de espírito que, em qualquer regime, revelou menos
competência e inteligência do que aptidões para a manha,
para a batota, para a mentira, não só com os outros como
para consigo próprio.
Porque, depois de uma escolaridade tão degradante
que só pode produzir resignados e revoltados (prefiro os
segundos aos primeiros, evidentemente), perdemos as po­
tencialidades incomensuráveis da nossa infância, a nossa
frescura, a nossa independência, a nossa espontaneidade,
a nossa riqueza de ser novo e fecundo, que nos foram
extorquidas, arrancadas, assassinadas com a cumplicidade
da escola. Desta forma, cheia de complexos, de cara escon­
dida, petrificados por angústias que nos deixaram estragos
irreparáveis, não só esquecemos a maior parte do que
tínhamos aprendido, não só aprendemos mal, como tam­
bém acumulámos mentes limitadas e esclerosadas, submis­
sões suspeitas a uma Ordem que o nosso ser recusa com
34 A ESCOLA ABERTA

horror. Estamos cheios de conhecimentos mal assimilados,


rapidamente desactualizados, revestidos duma consciência
e duma moral à matroca, separados de um mundo que nos
dá vertigens porque não aprendemos a conhecê-lo; torna-
mo-nos — sem nunca poder atingir um pleno rendimento —
adultos aviltados pelas ESCÓRIAS do que julgávamos ser
uma cultura e que não é senão a negação de nós próprios.
Assim, arriscamo-nos a ser, para sempre, uns atrasados
(no pleno sentido da palavra: num estado embrionário
da inteligência e da consciência), porque teremos consu­
mado o nosso próprio divórcio, aceitando separarmo-nos
de nós próprios, esquecermo-nos de nós, recusando a
admirável «concordância da terra e do pé» de que fala
Camus e que consagra a vibração fraternal de todas as
nossas fibras.
Em último caso, a escola faria de nós larvas e idiotas?
Não, isto não pode ser educar!...
Se não tivesse tido a precaução de sublinhar que se
insisto nestas comprovações negativas é para melhor la­
dear as dificuldades e expor os problemas, o quadro seria
muito sombrio e o leitor poderia mostrar-se, com razão,
desencorajado. Acusar-me-iam mesmo de ter uma opi­
nião preconcebida, de pessimismo torpe, se ficássemos pela
verificação de que — dadas as influências nefastas a que
uns e outros estão sujeitos — não é possível qualquer tra­
balho comum no seio da escola, entre mestre e alunos.
Ora, as páginas seguintes descrevem factos, trabalhos
que fizemos juntos, adulto e adolescentes, num espírito
— agrada-me empregar este adjectivo — fraterno.
As comprovações anteriores não foram inventadas por
mim: fi-las eu próprio e outros antes de mim; os meus
próprios alunos as notaram e admitiram mesmo alguns
pontos que se lhes reprovava. Se os adultos reconhecem
com mais dificuldade as suas faltas é, sem dúvida, porque
— como já disse atrás — se esqueceram de si próprios
muito mais que os adolescentes. Creio que é isso o con-
servar-se jovem, aceitar ser contestado, por si, pelos outros,
estar em perpétua renovação. É como sinto... digo-o sem
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 35

orgulho, mas ao mesmo tempo tenho a consciência de que


devo apressar-me, antes de entrar na velhice que pode
surpreender-nos em qualquer altura!...

Comprovações positivas

Dito isto, não percamos a coragem, mesmo se algu­


mas vezes duvidarmos do resultado dos nossos esforços.
Pois há também comprovações positivas, às quais já me
referi como servindo de trampolim e que nos ajudaram
a colocar as primeiras balizas dos trabalhos que juntos
experimentámos.
A primeira comprovação foi feita com os meus alu­
nos. Quando, em Janeiro de 1966, lhes falei dos meus pro-
jectos, reagiram com a máxima espontaneidade; isto é,
não ficaram muito entusiasmados em tentar uma pedagogia
que — segundo pensavam — lhes traria uma sobrecarga de
trabalho e responsabilidades muito aborrecidas, estando
eles habituados à quietude calma da rotina. Um deles
recalcitrou vivamente quando, por exemplo, falámos num
processo de notação colectiva: «Nunca, disse ele, aceitarei
ser julgado por outros. Não o suportaria». Esta resposta
negativa de um adolescente normalmente metido consigo,
digo mesmo desconfiado e, por vezes, hostil, era — mas o
paradoxo é só aparente! — positiva; ela traduzia, com
efeito, uma certa confiança em mim e, portanto, o esboço
de um diálogo. «No entanto, eu julgo-o», respondi-lhe.
«Consigo não é a mesma coisa; o senhor é o professor».
Resposta igualmente eloquente... Um outro que vinha
dum colégio onde tinha tido alguns aborrecimentos (bem
constituído e de voz grossa, «calmeirão», como dizem
entre eles), preveniu-me logo, quando lhe disse que na
minha aula a palavra «disciplina» não existia (a não ser
que os alunos a inventassem) e que havia o hábito de tratar
os assuntos «entre homens», sem ser necessário recorrer às
autoridades nem aos meios exteriores ao grupo — «sim,
36 A ESCOLA ABERTA

disse ele, o senhor é como os outros, diz isso e, depois,


tac!», com um gesto de cutelo com a mão. «Verá», respondi.
Ele viu e convenceu-se. Não houve milagre nem intenções
particulares, mas jogo franco. Desde o princípio ponho as
cartas na mesa e convido-os a fazer o mesmo. Disseram-me
que era demagogia. Não o creio. É muito mais simples e
claro: questão de carácter! Só me sinto na minha pele
quando estou numa atmosfera sincera e descontraída. E
isso ficou-me do tempo em que, como garotos, brincava
em grupos onde considerávamos questão de honra não
trair os camaradas, jogar sempre com as cartas na mesa. Nun­
ca apliquei um único «castigo» desde que estou nas técnicas.
(Antes sim; ainda tinha medo dos alunos!). Digo-lhes
isso mesmo. E quebrar este princípio é uma responsabili­
dade que nem os jovens nem eu queremos assumir porque,
para eles, não seria lisonjeiro serem os primeiros nesse
domínio e, para mim, se fosse a isso obrigado seria um fra­
casso pungente. Acalmemos pois os impacientes: nunca
saí da classe senão pela porta e quando muito bem me
apeteceu!
O apoio veio, portanto, dos alunos, porque aceitaram
jogar o jogo, «experimentar para ver». Nunca é demais
frisar o que uns e outros ganhámos com esta colaboração,
e eu muito particularmente.
Outro apoio: os que antes de mim recusaram a pedago­
gia do fracasso. Durante o serviço militar, um amigo meu,
professor, falou-me de Freinet; fez-me ler os artigos de
O Educador e iniciou-me nos métodos activos. Evidente­
mente que o terreno que eu pisava era favorável a esses
métodos, mas entre as técnicas de Freinet e eu houve uma
forte atracção, isto é, senti imediatamente as largas pers-
pectivas que se abriam. Ao mesmo tempo verificava que,
se o ensino primário — e, em menor escala, o secundário —
delas beneficiavam bastante, no ensino técnico o método
era muito pouco conhecido. Aproveito para dizer que
este método exige uma pedagogia particular, pelo facto
das disciplinas manuais e intelectuais se encontrarem jus­
tapostas (digo bem: justapostas) sem que tenha havido
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 37

o cuidado de tecer elos estreitos entre si... Há também


os grupos dos Cadernos Pedagógicos e dos Círculos de In­
vestigação e de Acção Pedagógica, que têm o mérito de
desejar sair do «ghetto» do ensino e escolheram delibera­
damente a abertura para o mundo exterior — e com a sua
colaboração. Há outros grupos e militantes isolados que
trabalham no mesmo sentido; não os esqueço, mas — para
maior clareza e na preocupação de ser verdadeiro — só
cito aqueles junto dos quais mais experiências colhi. Depois,
a partir daí, fiz a proposta aos meus alunos e juntos ten­
támos a experiência.
Uma outra circunstância favorável: os programas do
ensino técnico, que — caso excepcional — são concebidos
com inteligência (sobretudo no terceiro ano) e que, uma
vez bem compreendidos, permitem tomar muito maiores
liberdades que noutros graus de ensino. Aliás, na fase
experimental foi necessário respeitá-los (Ponto 3) e seria
armar em herói se dissesse que os tinha alterado; devo
também esclarecer que, se pude lançar estas iniciativas,
foi justamente por não ter encontrado oposição categó­
rica da parte do director da escola nem do inspector; este
último, — facto digno de menção — compreendeu-me e
encorajou-me, na condição de que fossem tomadas as
devidas precauções para não alterar muito bruscamente
os hábitos mentais dos alunos; devo dizer que, se assim
não fosse, não teria podido — por natureza — suportar
ter de trabalhar em oposição às minhas convicções pro­
fundas. Tentei, assim, extrair todas as possibilidades que
os programas oficiais nos davam, e se a fase de organiza­
ção (Ponto 4) prevê mais amplas modificações é uma
consequência lógica dos nossos trabalhos, que a revolução
de Maio de 68 enriqueceu com uma nova visão pedagó­
gica. Insisto neste ponto porque nunca devemos esquecer
que as rotinas intelectuais, os hábitos mentais, contraídos
há tantos anos pelos alunos e, também, em certos casos,
pelos educadores e os seus superiores interditam as trans­
formações totais sem tomar precauções; ningu ém se aguen­
taria, seria a confusão geral e seríamos impiedosamente
38 A ESCOLA ABERTA

calcados, sem proveito para ninguém!... Podemos dizer


que o problema seria muito diferente se, desde o ensino
maternal até à Faculdade, sem descontinuidade, a nossa
escola empregasse métodos activos e inteligentes, capazes
de estruturar harmoniosamente os espíritos em vez de fazer
esta amálgama de caracteres que temos citado. A pedagogia
construtiva deve, acima de tudo, ser realista e, para tanto,
deve ter em conta o terreno incerto sobre o qual se cons­
trói. É essa a razão por que mesmo antes de agir (Pontos 3
e 4) se torna necessário estabelecer princípios e um espírito
de trabalho bem definidos, deliberadamente «abertos»
(Ponto 2); e, mesmo antes disso, aproveitar os ensina­
mentos obtidos das comprovações que se puderem fazer.
Há, enfim, o mundo exterior, esse outro mundo que
tanto assusta a escola tradicional e para o qual, contraria-
mente, a escola nova se lança com todas as suas forças.
Porque o nosso papel é preparar as crianças, os adoles­
centes para as dificuldades da vida, nas quais alguns serão
lançados mais depressa do que pensam; dificuldades pe­
rante as quais a maior parte se encontra numa ignorância
inquietante, em especial no domínio da informação pro­
fissional, da educação do cidadão e dos problemas
sexuais.
Seria irreal e perigoso rejeitar em bloco este mundo
que se agita incessantemente e que exige dos indivíduos
uma contínua adaptação, uma formação permanente, uma
amplitude e uma flexibilidade de espírito capazes de faci­
litar a sua reconversão a técnicas e modos de vida em evo­
lução constante. Não é pelo facto de os homens, os regimes,
as ideologias deformarem a sua utilização, não é por o
público aceitar ser vítima disso, que devemos negar a
importância dos meios modernos de informação. Recusá-
-los seria como perder uma oportunidade de defesa, como
seja deles tomar conta para deles se não ser vítima. Se na
escola falamos de cinema, de rádio, de televisão, de publi­
cidade, de imprensa, é para prevenir os alunos dos respec-
tivos perigos e para os preparar para a utilização inteli­
gente e fecunda destes meios de informação que estão na
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 39

base da cultura dos homens do nosso tempo, tendo em


vista os adultos que virão a ser.
No momento em que aos domingos lamentamos as
infelicidades das actrizes e as atitudes dos seus amantes,
e em que não se fala nas atrocidades do Biafra; no mo­
mento em que um jornal lido por milhares de leitores,
exibe na primeira página os divórcios e as preocupações
dos ídolos, e reserva um cantinho da página interior para
falar no aniversário do massacre de Hiroshima; no momento
em que , por um lado, se fala de paz e por outro se exter­
mina, e em que nascem milhares de futuros famintos com
a cumplicidade das autoridades «morais» irresponsáveis;
no momento também, em que o napalm e as granadas
de cloro se sobrepõem à Declaração dos Direitos do Ho­
mem, não é possível que se continui a produzir fornadas
de ignorantes que nem sequer sabem que do mesmo chapéu
se pode tirar uma cenoura ou um cacete...

Foi preciso, enfim, reconhecer alguns dados próprios


do ensino técnico e, particularmente, dos colégios, visto
que foi num deles que tentámos as nossas experiências.
Os colégios do ensino técnico, como se sabe, são os
parentes pobres, não só aos olhos da Educação Nacional
(que nega, claro, e fala constantemente em os desenvol­
ver — com a ajuda dos patrões, por exemplo) mas também
aos olhos de todos, como sejam: doutras ordens de ensino
que acreditam que naqueles se encontra uma maioria de
professores e alunos subdesenvolvidos; dos pais que têm
aversão em deixar entrar os filhos num C.E.T.1 por jul­
garem que, por isso, se tomarão irrecuperáveis, por não
aprenderem o grego nem o latim; dos próprios alunos que,
também por isso, se julgam mais inaptos do que os outros
(tantas boas almas lhes segredam que as cartas de curso
nos C.E.T. equivalem a montes de lixo); dalguns educa­

1 Colégio de Ensino Técnico.


40 A ESCOLA ABERTA

dores que julgam estar exilados entre selvagens e não se


lembram do provérbio: «tal patrão, tal criado», quando
dizem que não há nada a fazer com tal gente; da popula­
ção em geral que equipara estes adolescentes a vagabundos,
só porque aceleram em motorizadas de escape aberto,
enquanto que os colegas das classes abastadas buzinam
nos seus Sunbeam ou nos seus Triumph!... Quantos pre­
conceitos e ideias digeridas — idiotices portanto — a res­
peito destes estabelecimentos, onde justamente pode ser
aplicada uma pedagogia de ponta, a alunos que — uma
vez que se conheçam, uma vez libertos do complexo de
inferioridade que mostram, graças à amável colaboração
de todos — são capazes de levar a bom termo realizações
tanto mais sólidas quanto mais se apoiarem sobre dados
concretos. O que se segue pode comprová-lo.
Outra dificuldade: «o francês é uma perda de tempo»,
dizem muitos alunos e professores. «O que conta é a
oficina e os seus complementos: a tecnologia, o desenho
industrial, as matemáticas, mesmo as ciências». Tudo está
em mostrar que justamente o professor de Letras — que
tem a seu cargo, ao mesmo tempo, o francês, a moral, a
instrução cívica, a geografia, a história e a legislação do
trabalho — é especialmente responsável por uma aproxi­
mação completa e realista do mundo contemporâneo. Aliás,
os outros professores, demasiado envolvidos e amarrados
à sua especialidade, poderão encarar como quereriam
esta abertura para a Vida?
Naturalmente a necessidade de um ensino claro
— mas não simplista — concreto e vivo impõe-se, porque
os nossos alunos não puderam — nem pela sua escolari­
dade anterior, nem pelo meio socio-familiar, nem pela sua
própria mentalidade — ficar preparados para as subtilezas,
aliás vãs por vezes, dum ensino demasiado abstracto, tão
abstracto que até esquece as suas motivações e a que se
destina.
Os acontecimentos recentes têm revelado a dificul­
dade na colocação de estudantes a quem, apesar de anos
de estudo, se não oferece mais do que um destino profis­
ALGUMAS COMPROVAÇÕES 41

sional incerto. Pelo facto de mais rapidamente serem postos


à prova, os alunos devem estar preparados para as difi­
culdades duma vida profissional que, desde o início, se
apresenta arriscada. Sentem-se inseguros, para o que con­
tribui a falta de colocações (sobretudo na mecânica, que
está superlotada). A proximidade do serviço militar que,
por outro lado, atrasa a verdadeira entrada na profissão,
contribui para a desactualização de certos conhecimentos
técnicos e torna reticentes alguns patrões, por verem que
dentro de poucos meses irão perder operários insuficiente­
mente formados para as condições de trabalho das suas
empresas. Há enfim,a dificuldade de obter e fazer valer
um C.A.P.1 que não toma na devida conta os dados econó­
micos e técnicos actuais e cujo valor os patrões discutem,
a não ser que o ensino profissional esteja assegurado pela
empresa, para preparar à sua maneira operários que sejam
tanto mais submissos quanto mais reduzida for a sua for­
mação geral e que não saibam libertar-se das «vantagens»
dadas pela direcção (alojamento, transportes, cantina,
creche, prémios anti-greves) que constituem meios de pres­
são sobre pessoas mal informadas.

São estas as comprovações que pude fazer, que os


meus alunos ajudaram a confirmar, que nos permitiram
conhecer melhor as dificuldades a tomar em consideração,
e lançar as bases experimentais descritas mais adiante.
É claro que se podem considerar outras comprovações
mas, propositadamente, quis limitar-me às que estavam
directamente ligadas aos nossos trabalhos.
No entanto, como não queríamos cair nos erros da
pedagogia do fracasso, foi-nos necessário, antes de mais,
pôr de comum acordo o espírito e os princípios capazes
de determinar eficazmente o nosso trabalho.
É este o objectivo do Ponto 2, que vamos agora
desenvolver.

1 Certificado de Aptidão Profissional.


PONTO 2

ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE

Se fizemos certas comprovações foi — inevitavelmen­


te — para chegar a uma contestação; mas (e insistimos
ainda neste ponto) uma contestação que seja construtiva,
que — recusando ficar no estado negativo — sirva de base
à acção e responda à fórmula já citada:
Contestar = comprovar para construir.
No entanto, não nos podemos lançar na acção às
cegas. Em primeiro lugar porque não estamos só nós com­
prometidos, está também em jogo o destino dos nossos
alunos; os professores em quem eles têm confiança, sabem
como lidar com eles, aproveitando o seu entusiasmo, a
sua candura e a força da sua juventude, seja qual fôr a
causa a servir, que lhes pode ser apresentada sob os aspec­
tos mais nobres e mais exaltantes, sem que eles reparem
e compreendam plenamente os perigos que decorrem de
certas ideologias. Os que suspeitam estarmos a «politisar»
os nossos alunos são muito menos observadores quando
são os governos que brincam aos sargentos instrutores da
recruta. Foi sempre uma honra para a maior parte de
nós — contra a vergonha de alguns — ao recusar o com­
promisso ; é certo que este é o dever fundamental de qual­
quer educador e não há nada de heróico nesta atitude.
Se em qualquer outro domínio da vida se pode falar
cm acção revolucionária, é perigoso fazê-lo quando se
trata de educar. Razão por que, antes de mais nada, é im­
portante advertir, clara e lealmente, os nossos alunos, o
que desejamos realizar com eles, mesmo que as eventuais
44 A ESCOLA ABERTA

consequências nos pareçam benignas. Lançá-los brusca­


mente na acção, sobretudo em pedagogia, seria, em certos
casos, perturbar os seus hábitos mentais, até ao trauma­
tismo psicológico.
Em seguida, se alguns militantes advertidos se per­
mitem tudo negar em bloco ou em pormenor, sem propor,
em troca, outras soluções — o que nunca falta — neste
caso tal não deveria suceder. Se ficássemos pelo Ponto 1
(o das comprovações) que confusão para os nossos alunos!
Ser-lhes-ia demonstrado que não valia a pena consagrar
o seu tempo e as suas forças a tudo o que tivessem apren­
dido e tê-los-iamos abandonado à sua sorte, sem qualquer
recurso. Ou, então, sem qualquer preparação, lançá-los-
-íamos não importa em que acção — o que equivaleria,
a maior parte das vezes, a atirá-los para as garras de qual­
quer ditadura.
Enfim, todos nós que gastámos os fundilhos dos nossos
calções nos bancos da escola, e por vezes também a nossa
vivacidade, ainda hoje medimos a influência de alguns dos
nossos mestres. O nosso trabalho ressentia-se conforme
fôssemos para as aulas de rabo apertado ou de ânimo
leve. Isso, evidentemente, dependia da personalidade dos
mestres. Por outro lado, foi tal a diversidade das suas téc­
nicas, tão variável a sua chamada às nossas profundas
aspirações, que conservamos desses anos pedaços de conhe­
cimentos mais ou menos coerentes, de preferência aos meios,
inteligentes e metódicos, para a aquisição de outros. Isso
dependia, neste caso, dos seus métodos.
Todas estas razões nos incitaram a julgar indispen­
sável uma trama — tão maleável quanto possível — que
assegurasse às nossas experiências o máximo de eficiência
e de segurança.
Para começar, é necessário trabalhar com...

Um espírito «aberto»

Chamo «espírito aberto» a uma mentalidade inteira­


mente diferente daquela que até aqui encontramos. En­
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 45

quanto que na Escola tradicional, mestres, alunos e insta­


lações viviam enclausurados e debruçados sobre eles pró­
prios, respeitando um statu quo instaurado desde Jules
Ferry e, em certos domínios, remontando a Napoleão ou
mesmo a Carlos Magno!... na Escola nova, as barreiras
devem baixar, e a vista estender-se sem limites. Isto exige
um repensar radical da atitude dos educadores, dos alunos,
da concepção dos regulamentos e métodos e da arquitec-
tura das instalações escolares. Seria necessário poder-se
fazer tábua rasa de tudo isto, a fim de que cada um se de­
sembaraçasse das escórias que mancham os seus conheci­
mentos e a sua personalidade. Isto é utópico; e mesmo
que, na maior parte dos casos, fosse possível, seria peri­
goso, pois assistiríamos então a uma verdadeira desincar-
nação, a uma recusa do nosso passado, o que levaria à
negação de uma parte de nós próprios. Nem toda a gente
é capaz de se pôr brutalmente em causa, de se negar até
aos ossos, de fazer a sua autocrítica sem receio nem ro­
deios. Admitindo que conseguíssemos ser sinceros (o que
duvido!), não poderíamos no entanto, ser completamente
lúcidos: em nós estão incrustados muitos preconceitos,
muitos hábitos e ideias, para que possamos raspá-los
suficientemente para deixar aparecer o homem novo,
extraordinário, sublime que esperamos encontrar lá por
baixo... e que não existe!
No entanto como negar que seja necessário pormo-
-nos em causa, já que a sociedade o exige a todo o instante?
É o que esta pode ter de exaltante e de perigoso: nenhum
de nós — ao começar hoje uma vida activa, uma carreira
— poderá dizer o que será daqui a 5, 10 ou 20 anos. É pre­
ciso, portanto, que nos moldemos de forma a suportar
sem demasiado dano — mas, pelo contrário, no sentido
de um progresso contínuo — as mudanças do nosso mundo,
movediço e terrivelmente exigente.
Razão por que prefiro à palavra «revolução» — que
confunde e só pode ser reservada a uma minoria parti­
cularmente educada e activa — a palavra «mutação», a
que está indissoluvelmente ligada a de «assumição», toda­
46 A ESCOLA ABERTA

via com a condição de lhe juntar o sal da acção — como


explicarei a propósito duma atitude «evolucionária», no
Ponto 4. Por vezes a revolução é necessária para a tomada
de consciência de alguns no seio de comunidades cegas
ou deformadas pela propaganda; mas só pode sê-lo como
acto breve e decisivo; se durar, desfia-se sob a dupla
influência dos seus partidários e adversários (vimo-lo em
Maio de 68). No entanto, por muito radical e salutar que
seja, por vezes, a tomada de consciência não é geral
(mostraram-no as eleições contraditórias de Junho de 68);
é um trabalho lento, subterrâneo, com meandros curiosos,
mas inexorável. Razão por que penso que a via mais segura
e frutuosa para a maior parte das pessoas — pois é a todos
nós que a escola se dirige — é a que segue o seguinte
itinerário:

Para muitos, este movimento será lento e exige que


nos assumamos plenamente, isto é: aceitarmos ser exacta-
mente como somos, mas — depois de termos verificado
QUEM somos, com toda a lucidez e honestidade —lan­
çarmos a flecha da acção que segue a tomada de consciência
e guia a nossa própria mutação. Desta forma, partindo
de nós próprios e apoiando-nos sobre nós, teremos mais
probabilidades de nos realizarmos plenamente. Sei que
alguns não gostam muito da expressão «tomada de cons-
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 47

ciência», que parece implicar que o homem só tem uma


consciência sonolenta, cujo despertar é raro e furtivo —
o que é, infelizmente, muitas vezes o caso; mas também
devemos ver nisso a passagem dum estado obscuro para
a luz viva, que ilumina de tal forma os seres e as coisas
que ninguém pode mais fingir que não vê; é então o mo­
mento decisivo do não-retorno, para além do qual já não
se pode mentir nem fechar os olhos. É este o espírito
duma pedagogia que se quer construtiva e cuja principal
qualidade deve ser a de abrir os alunos não só para o
mundo exterior mas também para eles próprios.
Esta preocupação responde à «recusa do desprezo»
de que falava A. Meister (Le Monde, 12 de Julho de 1968)
a propósito dos acontecimentos de Maio. Com efeito, o
nosso objectivo é duplo:
— desabrochar a criança, o adolescente, a partir de
si próprio, dar-lhe do interior a medida das suas próprias
possibilidades e os meios de as desenvolver;
—prepará-la, desde as aulas, para a verdadeira de­
mocracia, isto é, para a compreensão duma sociedade na
qual terá de desempenhar um papel activo e consciente
(sociedade que, aliás, nem sempre está pronta para a
acolher, como é o caso — especialmente — dos meus alu­
nos, que com ela depressa se confrontarão).
Desta forma, recusamos o desprezo, favorecendo as
comunicações de toda a ordem no seio do grupo — certa­
mente com o exterior, mas também entre os seus membros,
actuando de forma a que mestres e alunos colaborem no
mesmo trabalho de pesquisa e acção pedagógicas. Deixa-se,
então, de encontrar a dependência humilhante e esterili-
zante dos alunos que esperam ordens (um docente, falando
da escola-caserna, dizia que uma criança recebia mais de
cem por dia!); deixa-se de sofrer a autoridade mais ou menos
despótica do mestre; só se vêem pessoas que, seja qual for
a idade e as suas competências, trabalham juntas, trazendo
e aceitando cada uma a confrontação das suas informações,
sugestões ou críticas.
48 A ESCOLA ABERTA

Na verdade, é necessário que ambas as partes aceitem


o diálogo, mas há limites. Antes de mais nada, fazer
o jogo: não dissimular nada, não iludir nada, não trair
nada, não mentir; mas também lembrar — o que é edu­
cativo — que as relações dos alunos entre si e com os
adultos devem ser marcadas por uma cortesia recíproca.
Pois seria utópico e demagógico pensar que toda a gente
pode estar no mesmo pé de igualdade: se cada um tem
direito à expressão, o respeito deve ser mútuo Não devem
ser grosseiros com o professor; este não deve ser altivo
nem desabrido com os alunos: só impõe respeito quem
sabe respeitar. Respeito também entre os alunos: em espe­
cial durante as discussões, quanto mais não seja escutando
em silêncio aquele que pediu a palavra; e no, Ponto 3,
veremos que é uma coisa difícil de obter! No entanto,
é também educativo ensinar a tolerância e o respeito pela
opinião dos outros, precisar que a maneira de ver, de
pensar e de compreender é diferente no adulto ou no
adolescente e nos seres humanos em geral; o que não
quer dizer que aquele que é único a ter determinada opi­
nião esteja forçosamente errado.
Aliás, o adulto deve aceitar — dentro dos limites ante-
riormente definidos — ser contraditado, confrontar os seus
conhecimentos e as suas opiniões com as dos seus alunos,
atendendo a que, na nossa época sobretudo, as informações
pertencem a toda a gente e que o mestre não é o seu único
detentor, residindo a única diferença ,neste domínio, entre
os indivíduos, na maneira de as apreender e tratar. Só
neste espírito o grupo mestre-alunos pode participar eficaz­
mente na procura, na compreensão, na assimilação destas
informações.
Mas se o mestre aceita suprimir as barreiras, nem por
isso desce à arena e abdica do seu papel de adulto no seio
do grupo. De resto, é necessário — para que o adolescente
se sinta em segurança — que tenha respeito por uma auto­
ridade em que se possa apoiar com toda a confiança e que
não seja disciplinar (pois seria inibidora), mas moral (por­
tanto aceitável e aceite por todos). Para os jovens não se
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 49

trata de estar sujeito a um domínio, mas sim de aderir


a uma regra sentida por todos como profundamente legí­
tima. É vital que os alunos saibam que, se têm liberdade
de se exprimir, no entanto essa liberdade não pode ser
simples descontracção, familiaridade ou desordem. Deixá-
-los pensar assim seria tão anti-educativo como obrigá-los
a cumprir sob ameaça, esta ou aquela tarefa tradicional;
e seria também privá-los de uma justa apreciação dos
factos — de que terão necessidade constante durante o
curso da sua existência.
Esta cooperação conduzida ao nível dos alunos, deve
poder evitar o falso contacto citado no Ponto 1; pois fala-
-se-lhes, na sua linguagem, de coisas que lhes dizem
respeito, capazes de motivar os seus actos e que respondem
às suas aspirações profundas.
Assim encontra-se sublinhada a importância primordial
das relações humanas no seio do grupo e da sua absoluta
necessidade para que a comunicação se estabeleça clara
e eficazmente.
Comunicar será para alguns uma boa ocasião de
esbater o complexo de inferioridade que existe em muitas
crianças, complexo nascido, é certo, do espírito autoritário
e dos métodos incoerentes do ensino tradicional, mas
favorecido também pelos anos durante os quais se não
puderam desenvolver nem a iniciativa nem o sentido da
responsabilidade, frustrando, assim, o indivíduo nas mo­
tivações indispensáveis ao seu desabrochar. É assim que
a escola muitas vezes — não contente em castrar as per­
sonalidades — as deixa vergonhosamente incultas ou par­
ticipa na sua desintegração.
É evidente que esta cooperação só poderá fazer-se
numa atmosfera descontraída, a única capaz de libertar
a inteligência do medo que paralisa as faculdades, blo­
queando a reflexão, entorpecendo a atenção, empobre­
cendo a memória, nivelando o carácter, até à mais desin­
teressante monotonia. Isso dependerá da atitude encora-
jadora do mestre, da honestidade dos alunos, capazes de
respeitar os acordos estabelecidos entre todos os membros
50 A ESCOLA ABERTA

do grupo e também do quadro em que se vive (isto é,


a sala de aula) que deverá manifestar-se no sentido de
apresentar o máximo de meios materiais susceptíveis de
favorecer um eficaz acesso à vida. Será um trabalho lento,
difícil, com ligeiros toques, por vezes frágeis, dependendo
da atitude de alguns indivíduos, isolados mas influentes,
do ambiente geral do estabelecimento e do momento,
isto é, da hora do dia ou da época do ano; mas não é
isto que acontece com todas as relações humanas?
Seja como for, num grupo assim a disciplina exclui-se
por si própria. Primeiro porque ela falseia a atmosfera
e depois porque reforça os vínculos de dependência dos
alunos perante o mestre. Representa isto uma grande res­
ponsabilidade, como seja a de romper o fio — ainda ténue,
por causa dos hábitos contraídos; e até agora, tal como
já apontado, ninguém quis correr esse risco. Algumas
limitações postas em prática (indispensáveis ao bom fun­
cionamento do grupo) só servem para aumentar a sua
importância, pois todos sabem que, por exemplo, no ser­
viço militar não há qualquer acto que não seja pratica­
mente considerado uma alteração à disciplina — tantas são
as interdições!... Isto é outro ponto que torna difícil o
papel de educador que alguns quereriam confiar ao exér­
cito, cujos princípios são — por definição — o contrário
da educação; e já é bastante que alguns estabelecimentos
e alguns alunos procurem a sua força principal no espírito
de caserna. A disciplina, no final de contas, é para os pre­
guiçosos: os que ordenam e os que obedecem. Pois não
há nada mais fácil no mundo do que submeter-se sem
discutir. E ainda me rio quando vejo alguns pensar que
é batendo que se formam os caracteres; na verdade, dessa
forma só se preparam gerações de lacaios, prontas para
todas as cobardias e infidelidades e que — tendo ainda o
desplante de se queixarem dos regimes que eles, apesar
de tudo, escolheram ou aceitaram — só tem o chicote que
merecem; mas como, infelizmente, o castigo é colectivo,
os que têm ainda algum brio pagam pelos que já nada
têm!...
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 51

Querendo que os meus alunos sejam felizes na NOSSA


classe, durante os NOSSOS cursos — antes de mim já
Freinet o quis; recusando-me a participar no recrutamento
do imenso rebanho de resignados, papel humilhante se
assim fosse, mas trabalhando antes para a expansão das
personalidades e para a aprendizagem de uma vida cons­
ciente e livre; colaborando com os jovens num trabalho
que a todos diz respeito e que não nos sai do pensamento
— eu mais não faço do que os que antes de mim já nesse
sentido se esforçaram. Mas faço-o. E tento estabelecer
o «diálogo» que Maio de 68 trouxe à luz, não porque
se trata duma moda, mas porque marcou o aparecimento
duma exigência profunda e legítima, que milhões de ho­
mens e mulheres, de jovens e adultos sentiram ser vital
para o nosso futuro.
Não é novidade quando se fala em associar estreita­
mente os alunos aos trabalhos de investigação ou à implan­
tação duma pedagogia adaptada ao que eles pedem. Há
já muito tempo que alguns de nós o fazem, por terem
compreendido — antes de toda a gente — que nada de
construtivo se pode fazer no seio da escola, se se não
partir dos próprios alunos. Mas neste caso, é preciso que
se não trate apenas dum pedido de parecer benévolo e
paternalista, dum simples pedido de opinião a ter mais
ou menos em conta; mas, pelo contrário, é preciso querer
que os próprios interessados, jovens portanto, tomem os
seus destinos nas suas mãos. Nada pode melhor convir,
então, do que a equipa de cooperação de que falámos,
a qual não nasceu das lucubrações dum adulto (mesmo)
benevolente, mas que se manifesta sim como a expressão
duma realidade que é vital pôr em prática em toda a parte:
que cada classe seja uma equipa e que cada membro da
equipa saiba que está a levar a cabo, solidariamente, um
trabalho cuja importância recai sobre ele como sobre todos
os que nele participam. Inalteceu-se durante muito tempo
uma gestão de empresas e de conhecimentos que punha
de parte os próprios interessados, alunos ou trabalhado-
res.Toda a fórmula que tenda a descurar a necessidade de
52 A ESCOLA ABERTA

os jovens actuarem como responsáveis, será uma fraude e


um erro trágico, de que mais tarde ou mais cedo se pagarão,
cruelmente, as consequências. A frustração descarada de
milhões de personalidades só podia levar à explosão a
que começamos a assistir há algum tempo, um pouco
por toda a parte no mundo, sejam quais forem os regimes,
as latitudes, os modos de vida e as reacções das autori­
dades locais.
Mais do que nunca é bem evidente que é na escola
que se prepara o equilíbrio — o futuro, portanto — do
nosso mundo; e só uma Escola aberta poderá ajudar à
construção duma sociedade aberta. Senão, mantendo obsti­
nadamente fechada a nossa escola, preparamo-nos para
terríveis convulsões.
Mas pareceu-nos também necessário estabelecer...

Princípios «construtivos»

Este espírito «aberto» que pouco a pouco retiramos


das nossas experiências, é apresentado no começo de cada
ano escolar. Apresento-o, naturalmente, noutros termos
mais simples, mais concretos, menos arrebatados do que
os que utilizei ao longo das páginas precedentes — o que
não quer dizer que os rejeite, é claro! Com efeito, é um
erro vulgarmente divulgado e cuidadosamente mantido
pensar que as opiniões que o educador exprime a título
privado, as irá injectar cuidadosamente nos alunos. Quan­
tos colegas — pertencendo a um partido político — têm
sido acusados de fazer da aula um centro de recruta­
mento!... e estas «denúncias» sem fundamento provado
são nutridas, às vezes, por sentimentos desprezíveis. No
entanto, dir-se-á, não somos santos, temos os nossas fra­
quezas humanas, podemos ceder num momento de paixão...
Não creio que os «neutros» sejam mais virtuosos, nem os
chefes de Estado que actuam como partidários, nem as
autoridades espirituais que satisfazem interesses secretos.
Neste caso, ninguém escapa. É neste ponto que se pode
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 53

sublinhar a vaidade dum ensino que, afirmando-se abso­


lutamente neutro, imunizaria os nossos alunos contra o
bacilo da política ou outros tabus da nossa sociedade.
Trata-se de uma utopia que se arrisca a trazer-nos muitas
contrariedades e que apresenta também muitos perigos
para os alunos: o bacilo será ainda mais virulento, e de
que maneira ele se espalha por toda a parte!...
É por esta razão que estabelecemos, antes de actuar,
princípios de trabalho que queremos sejam «construtivos».
PRINCÍPIOS, porque subtendem a acção, mas são bas­
tante maleáveis para lhe permitirem, a cada momento,
orientar-se nas direcções que forem julgadas úteis e no
interesse de todos. CONSTRUTIVOS, porque favorecem
o desenvolvimento do indivíduo: ajudando-o a desem-
baraçar-se das escórias mentais e psicológicas que o para­
lisam; dando-lhe os meios de alargar a sua personalidade.

1 — Fornecer meios aos alunos

Em primeiro lugar, queremos dar aos alunos os meios


de se defenderem, mas também de compreenderem o mundo
em que vivem. Longe de lhes esconder que existem partidos
políticos, sindicatos, opiniões divergentes, doenças vené­
reas, instintos e relações sexuais, países onde o homem
é rebaixado, regimes que não fazem caso da moral mais
elementar e outros horrores cuja existência a escola tra­
dicional — tão envergonhada, tanto à esquerda como à
direita — lhes quer ocultar, pelo contrário, devemos ter
a lucidez e a honestidade intelectual de reconhecer que
eles já têm disso conhecimento e que (no domínio da
sexualidade em especial) têm a sua própria experiência,
e nem sempre feliz. Em seguida, no seio do grupo coopera­
tivo mestre-alunos, esforçar-nos-emos por estudar com
toda a clareza os aspectos da nossa época, com a qual
todos estão ou virão a estar confrontados. É sempre bom
informar — como veremos nos. Pontos 3 e 4 — mas não
de qualquer forma: é preciso aprender a tratar a informa­
54 A ESCOLA ABERTA

ção e, para isso, dispomos dos nossos painéis e dos exer­


cícios de aproximação dos «mass media». Mas isso tam­
bém não chega: é preciso que os alunos saibam não só
escrever mas também exprimir-se oralmente perante um
auditório; que aprendam a colher informações, a julgá-
-las, a classificá-las, a assimilá-las, a utilizá-las tanto no
seu interesse como no dos seus camaradas. Assim, todo
aquele que fizer uma exposição para os outros membros
do grupo, que conduzir um debate, que participar numa
peça dramática, que apresentar um sarau ou uma sessão
no clube de leitura, que conservar em dia um painel de
documentação, que editar um jornal ou pautar uma mon­
tagem com magnetofone, não só informará os outros como
se informará a si próprio. Nunca é demais estimular este
espírito de solidariedade que deve animar qualquer equipa
verdadeiramente cooperante.
É assim que se verificará, a pouco e pouco, com a
supressão de certas inibições, que se desfazem certos pre­
conceitos e temores acumulados de longa data, por vezes
profundamente gravados nos espíritos. Este trabalho será
demorado, evidentemente; pouco habituado a medir a sua
própria capacidade, o adolescente leva tempo a desenvol-
ver-se, desconfia de si próprio e dos outros, tem como
primeiro reflexo capitular perante o obstáculo e receia
logo de entrada a dificuldade e a novidade. Mas se depois
ele aderir de livre vontade, passa a entregar-se de alma
e coração e a patentear capacidades surpreendentes, como
demonstra a descrição das experiências efectuadas em
conjunto (Ponto 3).

2 — Começar pelos Alunos

Muito naturalmente chegamos ao segundo princípio


construtivo: começar pelos alunos, pelo seu nível, gostos
e aspirações. De entrada, tentar-se-á empregar a sua lin­
guagem, (pois a sua cultura, as suas aptidões, as suas estru­
turas mentais são diferentes das nossas — nunca nos esque­
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 55

çamos disso). Deverão procurar-se explicações claras, que


«falem» ao espírito, para o que os documentos (diaposi­
tivos, fotografias, jornais, discos, etc.), assim como os
aparelhos audio-visuais, nos ajudarão. Como o melhor
meio de aprender uma língua é falar com os que a sabem,
é preciso multiplicar as ocasiões de diálogo, não só para
troca de ideias, mas para nos ensinar, a nós, adultos, a sua
linguagem. Evitaremos assim o «falso contacto» que já
várias vezes referimos.
Em seguida, para facilitar a sua adesão ao trabalho
comum, investigar-se-ão as suas necessidades reais — e não
as que lhes atribuímos com a nossa mentalidade de adultos
(como fazem certos fabricantes de discos e de jornais ditos
«de jovens»). Deste modo poderemos mais facilmente
definir as motivações dos exercícios que iremos efectuar
em conjunto. Nesse ponto, também, o trabalho será longo:
por um lado não estamos preparados para tal tarefa, que
requer conhecimentos psico-pedagógicos e experiência que
em geral nos falta; por outro lado, os jovens nem sempre
se abrem facilmente, pois não sabem exprimir-se por
escrito, muito menos oralmente, não conhecem os seus
próprios recursos e nem sempre sabem o que valem...

3 — Dialogar e cooperar

A atitude do mestre, há quem o duvide, será primor­


dial e tanto mais eficaz, quanto mais for marcada pela
compreensão, paciência, perspicácia e perseverança; são
também condicionantes a confiança que os jovens deposi­
tarem no único adulto do seu grupo e a atmosfera geral
da classe.
Deixando os alunos voltar às suas origens, permi­
te-se-lhes reencontrar o imenso poder de criação da
criança — oculto no adulto por conhecimentos parasitá­
rios —, poder que recentemente se redescobriu ao ser pro­
clamada a tomada do poder da imaginação. Esta afirma­
56 A ESCOLA ABERTA

ção tem consequências pesadas, se for desprezada e é


prometedora de riquezas insuspeitáveis se tomada a sério.
Nós tomamo-la a sério. E, se o trabalho da escola é o de
aperfeiçoar a criação, torna-se criminoso da sua parte
contribuir para a abafar — tal como acontece tantas vezes.
Deixando-nos guiar pela onda juvenil dum grupo em que
os adultos não são, enfim, os mestres todo-poderosos,
estes regressarão às origens, enriquecendo-as com as suas
reflexões e a sua experiência comum; e visto que — assim
Freinet o proclama — «a criança tem a mesma natureza
que nós», cabe-nos a nós dar os primeiros passos. Os
jovens pedem licença para falar com os adultos, desde que es­
tes os tomem a sério e não os enganem — o que a acontecer
seria uma maneira de mostrar a nossa irresponsabilidade.
Se nos mostrarmos acolhedores, compreensivos, numa pa­
lavra: «abertos»; se aceitarmos descer do nosso pedestal,
então os jovens perderão a sua desconfiança e aceitarão
discutir. O facto é que se quis fazer deles uma classe à
parte, um grupo anti-adulto, como se -— quanto mais não
fosse pela força da idade — eles não fossem futuros adultos,
desde já destinados a transpor a barreira. Ora, não exis­
tem barreiras e a distinção entre jovens e adultos é artificial,
porque a juventude — ou a velhice! — não tem idade. Ao
inventar-se «a juventude», quis-se criar uma zona de con­
sumidores sensibilizados por uma publicidade cozinhada
especialmente para eles e teleguiada a maior parte das
vezes por adultos, alguns dos quais — é o menos que se
pode dizer! — são uns velhos... Mas a possibilidade «con­
sumidora» dos jovens é precária, visto que, para muitos
deles está ligada ao poder de compra dos pais. Foi por
isso que se viu, muito antes de Maio de 68, baixar de
forma significativa a venda de discos, e a indústria de
consumos supérfluos que — embora sobrevivendo — anda
de asa caída.
Houve quem quisesse tornar esta juventude numa
força política de dissuasão (segundo a expressão de «Textos
e Documentos para a classe»), e isto desde sempre, em
toda a parte e sob regimes políticos diferentes e mesmo
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 57

opostos — mas o facto é que nada se dissuadiu! Mas isso


não foi mais que outra intrujice: lisonjeiam-se os jovens,
exploram-nos, mas recusam-se a tratá-los como respon­
sáveis. Esta dependência, esta exploração, esta impossi­
bilidade de se poderem fazer ouvir (quantos alunos meus,
por exemplo, se queixaram da pobreza das relações fami­
liares), são outras tantas razões do silêncio dos adoles­
centes que se fecham em copas, quer estejam sós ou em
grupo, na rua, no bairro, na aldeia, no estabelecimento
escolar ou no meio dum grupo deliberadamente inso­
ciável.
Hoje em dia, talvez comecem a estabelecer-se novas
razões entre jovens e adultos. É preciso tê-lo em conta
para que, por medo, se não cave mais o fosso que os
separa. É preciso também reconhecer que são os jovens
que dão o primeiro passo e que seria perigoso decepcioná-
-los, enganando-os ou ameaçando-os. Para já, alguns de
nós — os que precisamente em Maio de 68 se aparentavam
mais calmos — retomando a sua atitude animal, mostram
de novo as presas, batem os dentes, olham de esguelha,
com palavras evasivas. Atenção! eles estarão previamente
batidos, se não aceitarem o diálogo nas condições já defi­
nidas, com aquele espírito aberto que deve gerir as rela­
ções de todos os membros da comunidade escolar.
Mas a boa vontade não chega, são também necessá­
rios os meios. Repetindo uma vez mais, só um grupo
cooperativo mestre-alunos pode tornar efectivo um diá­
logo que não seja só um estado de espírito, mas um mé­
todo de trabalho. Razão por que (como veremos nos
Pontos 3 e 4) preconizamos — a par do trabalho pessoal
indispensável em numerosos casos — a discussão, o estudo
de documentos, o inquérito ou a exposição por pequenas
equipas; o debate recaindo sobre um tema que atraia
diferentes opiniões; a «mesa redonda» para discussão geral
de um problema importante relativo aos próprios alunos,
de um ponto de actualidade, ou de um aspecto importante
do mundo contemporâneo; a «aula-crítica», em sessão
mensal ou trimestral fazendo o ponto das tentativas feitas
58 A ESCOLA ABERTA

em conjunto; a resposta colectiva e espontânea a uma difi­


culdade surgida bruscamente no seio da comunidade; e
outros casos que veremos daqui por diante. Deste modo,
tanto no pensamento, como na acção, a cooperação será
efectiva, em qualquer altura ou circunstância.
Mas isto requer material pedagógico suficiente. Se,
no nosso caso particular, já começamos a dispor de alguns
elementos, é porque já trabalhamos há algum tempo,
tendo adquirido, pouco a pouco, magnetofone e projector,
electrofone, aparelhos de rádio e de televisão, livros e
bibliotecas de trabalho Freinet. O resto foi constituído
pela contribuição dos alunos, e também do professor, ou
resultou dos painéis de informação que, a pouco e pouco,
fomos instalando. Sendo permanente o recurso à do­
cumentação, esta deve ser classificada e arquivada de
forma a ser acessível a todos os alunos. No entanto, nem
sempre se pode realizar este objectivo primordial, e é pena.
Mas deve tentar-se tudo para o conseguir, pois a documen­
tação é a base de todo o trabalho efectivo dos alunos,
quer seja pessoal ou colectivo.
Veremos igualmente a importância duma classe «aber­
ta» que — pelas suas paredes e a sua arrumação — excite
a curiosidade, mantenha o interesse, descontraia os nervos,
liberte os espíritos, quebre a disposição tradicional que
tanto contribue para a alienação dos alunos. Eis por
que razão a nossa sala pouco se parece com o que
habitualmente imaginamos. Mas este novo arranjo não
é um acto gratuito: O cenário também tem a sua impor­
tância.
Encontram-se assim reunidos os princípios de um tra­
balho capaz de atrair a adesão dos alunos. Mas devem
ainda acrescentar-se outras probabilidades de êxito, sem as
quais se arriscaria ao malogro de um espírito e métodos
que, por melhor boa-vontade que apresentem, perderiam
uma boa parte da sua eficácia. Aqui chegamos a outros
princípios a que é preciso dar muita atenção, pois são
mais difíceis de definir claramente e de respeitar em abso­
luto.
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 59

4 — Individualizar o Ensino

Será necessário primeiro ter em conta as diferenças


que existem no interior do grupo e que fazem com que
cada aluno tenha um ritmo próprio. Ora o erro já tantas
vezes referido está em ministrar um ensino sem contem­
plações, como se na classe todos se assemelhassem, tivessem
as mesmas possibilidades e a mesma maneira de adquirir
conhecimentos. É preciso, custe o que custar — e isso
pede um esforço considerável — tentar individualizar ao
máximo o trabalho. Freinet, mais uma vez, dá-nos esses
meios. Mas os obstáculos são enormes: falta-nos tempo,
material, competências, e os nossos alunos estão pouco
preparados. No entanto, devemos aplicar neste ponto todas
as nossas forças e perceber, em qualquer circunstância,
que ficaremos aquém das nossas aspirações se não conse­
guirmos um dia que cada aluno trabalhe consoante os
seus gostos — o que já seria muito! — e segundo o seu
próprio ritmo. Pela nossa parte ainda estamos longe de
o conseguir, e explicaremos (Ponto 5) que isso não se
relaciona só com o grupo, mas com todo um contexto,
em especial com o conceito geral do ensino.
Ao princípio, no entanto, tendo em conta, o mais
possível, as diferenças entre os alunos, a falta de hábito
de que têm de trabalhar de maneira autónoma, a lentidão
ou precipitação estéreis de uns e de outros, tentar-se-á
encontrar um ritmo que não seja nem demasiado rápido
(para evitar aflições e desânimos), nem demasiado lento
(para combater a dispersão e a lassidão). De igual modo,
e preciso ter em conta a travagem, consequente de hábitos
adquiridos e também de outros cursos feitos de forma
tradicional, da oposição de alguns adultos e da apatia
dos alunos. Convém portanto prever um programa mí­
nimo, em que a prudência supere a ambição, mas cuja
finalidade seja a de alargar-se, a pouco e pouco, seguindo
ou precedendo (conforme os casos) a tomada de consciên­
cia e a assimilação de conhecimentos ou de métodos
novos.
60 A ESCOLA ABERTA

Para isso são necessários exercícios que:


— correspondam aos interesses dos alunos;
— não sejam nem muito demorados nem rá­
pidos demais;
— sejam bastante variados.
Mas deve ter-se sempre o cuidado de evitar a mono­
tonia e a dispersão: ambos reduzem o interesse e preju­
dicam consideravelmente o alcance do exercício. Com efeito
importa acima de tudo construir esquemas mentais sólidos,
coerentes, duradouros, que preparem para a educação per­
manente, de que falaremos no Ponto 5. Neste caso será
preciso encontrar trabalhos que não provoquem sonolência
(com uma repetição excessiva) ou confusão (pela acumula­
ção desordenada de exercícios cuja forma seja constante­
mente posta em questão). É esta a razão por que se pode
preconizar uma sucessão de actividades por séries deter­
minadas relativamente curtas (3 ou 4 sessões, por exemplo,
conforme a frequência dos cursos); a série tem a van­
tagem de familiarizar suficientemente o aluno com o modo
de reflexão e de experiência sem se atingir a fadiga.
Poder-se-á desta forma realizar, em Legislação de tra­
balho ou em Clube de Leitura, sucessivos cursos levados
a efeito por alunos, debates a propósito dum aconteci­
mento da actualidade (greve, acidente de trabalho, morte
dum escritor, etc.) ou estudos de casos (doença profissional,
reunião duma comissão de empresa, linhas gerais da
entrada dum assalariado numa empresa, diligências a fazer
junto duma caixa de seguros sociais, etc.). Se, pelo con­
trário, se mudasse de exercício em cada sessão — e com
mais forte razão de hora a hora, como se faz actualmente —
o resultado seria a desintegração das estruturas mentais
em vias de preparação. Entrando a série no quadro do
ano escolar (uma vez que ela requer várias sessões em
geral semanais), será necessário — num momento do dia
ou no decurso da semana — ajudar doutro modo a aten­
ção do aluno:
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 61

— Se o exercício for fácil e apaixonante, não há


problema;
— se exigir uma grande concentração, não deve
ultrapassar 15 a 20 minutos: os «diversos
ruídos» (pequenas tossidelas, arrastar de sapa­
tos, quedas de objectos, etc.), esclarecem-nos
sobre a atenção do grupo!... O exercício poderá
ser interrompido com uma rápida intervenção
sobre qualquer outro assunto; este procedi­
mento, que parece afrouxar a atenção, repousa-a
de facto, quebra a tensão para além da qual
o cérebro roda em vazio, e permite retomar
novo fôlego.
Dentro da hora, poderão variar-se as formas do mesmo
exercício. Por exemplo: apresentação do trabalho a fazer
(5 minutos), trabalho em grupo restrito (10-15 minutos),
exposição dos relatores e discussão dos resultados (30 mi­
nutos), eventual passagem a limpo (5 a 10 minutos) — é
evidente que esta contagem dos minutos não é rigorosa.
Mas devemos tentar tudo para ultrapassar esta pri­
meira fase e — além do trabalho por equipas, e dos rela­
tórios ou debates — chegar ao trabalho individual com
apoio no ritmo próprio do aluno, de que já falámos. Isto
só se conseguirá com a educação da atenção, com melhor
resistência à fadiga escolar, tanto mais efectiva quanto
mais importante for a adesão da criança ou do adolescente.
Verifica-se, portanto, que tudo se relaciona: começar pelos
alunos, favorecer o diálogo, encorajar a atenção, propor­
cionar meios de discussão e de trabalho pessoal ou colec-
tivo e — agora — basear-se na actividade principal dos
alunos.

5 — Começar pela actividade principal dos alunos

Este princípio é, de longe, o mais difícil de pôr em


execução, porquanto tal resulta num não-dirigismo que,
pelo facto de não ser tão radical como o de Rogers, não
62 A ESCOLA ABERTA

deixa nem por isso de requerer uma mutação completa


das mentalidades e das relações dentro do grupo. Só o
conseguiremos quando estivermos impregnados do espí­
rito e dos princípios já desenvolvidos. Mas é preciso frisar
que — tal como para a individualização do ensino — tere­
mos graves dificuldades. As primeiras encontrar-se-ão em
nós, os mestres: há que abolir a ideia de que se pode ensi­
nar ainda alguma coisa de útil sem recorrer a toda a per­
sonalidade do educando. De resto, nesta fase já não con­
virá falar de Educador e de Educando, mas duma equipa
cooperando no mesmo trabalho — equipa para a qual
tendem os nossos esforços e na qual cada individualidade,
com o seu próprio ritmo, tomará as iniciativas e as respon­
sabilidades que lhe parecerem directamente motivadas pelas
suas aspirações profundas. Nada mais será então ordenado,
nem mesmo sugerido, pelo mestre ao dirigir-se ao aluno;
só haverá personalidades que, com toda a autonomia,
decidirão o que devem fazer para se realizarem plenamente.
Não se trata de negar o papel do educador, mas de uma
mutação que dele exigirá o que ele deveria ser já há muito
tempo: o motor, o catalisador, o ponto de apoio e de força
de toda a equipa. Os estudos de casos, de que falaremos
no Ponto 4, tentam responder a esta exigência que — ape­
sar de ainda confusamente expressa — não deixa de ser
a raiz principal que toda a pedagogia verdadeiramente
nova e realista deve ter em conta.

6— Agir com «prudência audaciosa»

O último princípio — que culmina todos os outros —


assenta na necessidade de agir com prudência e lentidão
calculadas, aplicadas a cada um dos exercícios que tive­
mos entre mãos. Aliás, foi assim que procedemos durante
as nossas experiências (ver Ponto 3).
Com efeito, é preciso não esquecer que os nossos
alunos estão formados nos moldes dos métodos tradicio­
nais, e que uma mudança brusca só viria confundi-los,
ESPÍRITO E PRINCÍPIOS DE BASE 63

mesmo traumatizá-los, criando, assim, um sentimento de


insegurança particularmente perigoso, porque eles não vol­
tariam a encontrar as referências mentais a que estavam
acostumados. É necessário partir primeiro dos métodos tra­
dicionais para, etapa por etapa, por cada nova tomada de
consciência, e depois de muitas revisões colectivas, com­
preendendo o estudo comparativo dos aspectos positivos
e negativos de cada exercício, se passar progressivamente
a métodos que deixem mais iniciativa, responsabilidade e
liberdade. Certamente tudo seria diferente se os alunos
tivessem seguido sempre a escola nova. Poderia também
parecer mais prudente não mudar absolutamente nada.
Mas isso seria desconhecer a realidade: a vida que os
jovens terão ao sair da sua escolaridade, exige uma pre­
paração que só a escola cooperativa pode dar; além disso,
a necessidade de mudança é um dos componentes essen­
ciais da pessoa humana; quando esta necessidade se não
manifesta, é porque tem estado adormecida; mas, quando
acorda, pode tornar-se vigorosa e mesmo perigosa — vimo-
-lo recentemente! — e se de todo não acordar é porque
o homem morreu. Mas eu não creio que — e graças aos
jovens do mundo inteiro — tenhamos chegado a esse
ponto...
No entanto, será conveniente que aquela prudência
e lentidão calculadas, de que acabei de falar, não sejam
interpretadas como um incitamento à moleza, ou então,
utilizadas para quebrar as forças vivas da juventude,
para lhe recusar o direito à revolta — cujos sobres­
saltos são por vezes salutares, dado que, em certas circuns­
tâncias preservam o homem da asneira e da cobardia.
Não gostaria que, com a minha cumplicidade, se prepa­
rassem alunos para as delícias sórdidas duma vida de
pequeno burguês, satisfeito consigo próprio e com os outros
e que, calmamente, egoisticamente, ignominiosamente, fe­
chasse os olhos aos crimes deste mundo. Que ninguém
se engane, portanto: quando falo de prudência, é para
respeitar a criança e o adolescente no que têm de mais
profundo e pessoal; mas nunca disse que tínhamos direitos
64 A ESCOLA ABERTA

sobre o que ferve nas suas veias e no seu coração, e muito


menos o direito de julgar os seus ímpetos.

Encontram-se assim estabelecidos o espírito e os


princípios de trabalho, que vão agora guiar a nossa
acção. Foram eles que serviram de base às experiências,
que vamos descrever tal como se deram. Neste primeiro
período, tentámos simplesmente estabelecer os limites duma
actividade consciente e fecunda, capaz de preparar os alunos
para uma educação permanente, completamente eficaz.
PONTO 3

ACÇÃO EXPERIMENTAL

Experiências feitas num colégio de ensino técnico por um


grupo de mestre-alunos

Eis-nos chegados ao momento da verdade e da acção


pura. Em primeiro lugar, significa que vou descrever as
tentativas que os meus alunos e eu fizemos; fá-lo-ei sem
rodeios, sem preparos, tal como decorreram exactamente.
Tenho boa memória! poderão observar. Talvez, mas tam­
bém disponho de dois cadernos onde anotei, dia a dia, o
desenrolar e o resultado de cada experiência, assim como
as observações que ela despertava. Nesta fase, o leitor
não espere nada de espectacular, mas sim FACTOS cujo
mérito principal foi justamente o de acontecerem — dados
os anos de discussão que foram consagrados aos melho­
ramentos, apenas teóricos, dos nossos métodos de ensino.
A via normal da aquisição não é de modo algum a
observação, a explicação e a demonstração, processo essen­
cial da escola, mas o tactear experimental, diligência
natural e universal.
FREINET, Invariant II

Tal como Freinet, utilizámos o tactear experimental,


o que quer dizer que lançámos primeiro o trabalho, e
depois moldámo-lo conforme as reacções e as observações
de cada um de nós. As nossas únicas, mas importantes,
precauções terão sido:
66 A ESCOLA ABERTA

—partir do concreto, baseando-nos nas comprovações


expostas no Ponto 1;
— traçar, antes de qualquer acção, as grandes linhas
do Espírito e dos Princípios de trabalho expostos no Ponto 2,
os quais são evidentemente susceptíveis de evoluir — assim
como o conjunto dos nossos trabalhos.
Não causará espanto o carácter aparentemente menos
construído — mas mais concreto e mais directamente li­
gado à vida — deste Ponto 3. É de lembrar também que
desenrolando-se esta experiência no quadro actual do nosso
ensino (portanto na maior parte ainda tradicional), ela
prepara a acção mais organizada, que desenvolveremos no
Ponto 4, e que tentará participar na implantação dum
ensino verdadeiramente novo quanto ao seu espírito, aos
seus métodos, à sua concepção dos locais escolares e à
organização geral da Educação Nacional no nosso país.
Esta tentativa foi seguida de forma deliberada. Com efeito,
lançámos as nossas experiências a partir de Janeiro de 1966
e concebemo-las de forma a serem realizáveis o mais de­
pressa possível, utilizáveis com o mínimo de meios e de
tempo na maior parte das classes, e acessíveis à maior
parte dos alunos; mesmo que para isso tenhamos de acei­
tar — e mesmo por vezes sofrer — as condições da escola
tradicional. Maio de 68 trouxe à luz do dia as noções
fundamentais de cogestão, autogestão, diálogo, partici­
pação em todos os níveis daqueles a quem o ensino inte­
ressa: os alunos, os pais, os mestres e — além da adminis­
tração que é, afinal, a única a poder tomar decisões — toda
a gente útil à causa da escola nova. Se todos derem provas
de boa vontade — e também de firmeza e determinação,
em certos casos; se forem concedidos os créditos neces­
sários (enfim!); se as competências se puderem exercer
completa e livremente; então talvez vejamos surgir de vez
uma pedagogia verdadeiramente nova e capaz de corres­
ponder à espera e às instruções recentemente manifestadas.
Mas antes de expôr no Ponto 4 as grandes linhas,
tal como as concebemos e propomos, é conveniente dizer,
ACÇÃO EXPERIMENTAL 67

desde já, o que fizemos efectivamente com o pensamento


constante de que — pela força das coisas, certamente, mas
também pela nossa participação activa no esforço de reno­
vação empreendido por alguns — seria muito necessário
prestar atenção a esta vontade de mudança, que, até então
subterrânea e parcelar, recentemente explodiu. Certamente,
Maio de 68 fez avançar os problemas educativos de ma­
neira decisiva; mas todos sabemos, por experiência amarga,
que toda a acção, por muito forte e generosa que seja,
encontra grandes resistências. E como também sei que,
no melhor dos casos, são precisos anos e anos para renovar
a nossa pedagogia, preferi começar já...
Para situar bem o nosso trabalho, é indispensável
precisar...

As condições das nossas experiências

Um estabelecimento vulgar

É bom saber-se que estas tentativas foram efectuadas


num colégio de ensino técnico masculino da província,
com cerca de 250 alunos, sendo a maior parte internos.
Aí obtêm em três anos, ou o Certificado de Aptidão Pro­
fissional de mecânica geral, ou o de Caldeiraria do ferro.
O estabelecimento compõe-se dum edifício central, velho
e usado, se bem que refrescado superficialmente, de ofi­
cinas e salas de aula, na maior parte pré-fabricadas e dis­
persas num vasto terreno acidentado. Apesar de terem
acabado de construir um refeitório novo para substituir
o antigo, que obrigava os alunos a comer em 20 minutos
com três turnos por refeição, são ainda muito insuficientes
as condições de higiene, ventilação e evacuação eventual
das instalações. Não por falta de precauções e de acções
sanitárias, mas por insuficiência das instalações, portanto
de verba. Enfim, como em muitos outros estabelecimentos,
não há uma sala própria para desporto, e o trajecto até
ao estádio, no outro extremo da localidade, prejudica
68 A ESCOLA ABERTA

muito as sessões de educação física... Em contra-partida,


há uma salinha que serve de Salão socio-educativo, que
funciona efectivamente. Estes pormenores servem para
mostrar que o nosso estabelecimento não tem nada de
especial e para acentuar que foi neste quadro tradicional
que, apesar de tudo, pudemos fazer as nossas experiências.

Uma Sala de Aula «Aberta»

A nossa classe é um «pré-fabricado geminado»: uma


sala mais especialmente dedicada ao ensino do Francês,
uma outra para a História e a Geografia (pois esta está
preparada para ser obscurecida para projecções); ambas
separadas por um largo corredor. No Verão, nestes edi­
fícios sumários há muito calor, torna-se mais difícil de
suportar quando o sol bate nas grandes vidraças, devido
ao número insuficiente de cortinas para as tapar. No
Inverno, é difícil aquecê-los porque as divisórias são muito
delgadas e a falta de calafetação das frestas deixa passar
o frio. Assim, poderíamos admitir — ironicamente! — que
a nossa aula estava «aberta»... às correntes de ar! Mas
— falando seriamente — admitimos que o aspecto era de
importância primordial para todos e que a atmosfera geral
e o trabalho disso se ressentiam forçosamente. Certamente,
é bom estabelecer um espírito e princípios de base; mas é
também preciso que o ambiente material ajude a con­
servá-los permanentemente no pensamento, traduzindo o
seu permanente retrato.
Eis a razão por que — desta vez deliberadamente —
quis tirar os alunos do seu meio, quebrando a ordem
tradicional, culpada de manter a oposição entre eles e
o mestre, dado que coloca o mestre num pedestal e os
alunos numa sujeição e tensão constantes, em resumo,
num estado de alienação quase permanente, o que não
serve para facilitar a liberdade de manobra de pensamento,
indispensável a qualquer trabalho eficaz. Além disso, não
era inútil obrigar os alunos — às vezes tão conservadores! —
acçAo experimental 69

a uma mudança de hábitos, dado que para alguns a passi­


vidade é mais repousante do que a actividade. Enfim,
a novos métodos deve corresponder um quadro novo;
era preciso que os alunos, chegando ao Francês, tivessem
a impressão de mudar de ares, de «sair da toca», como eles
dizem; e creio que o conseguimos, porquanto, numa re­
cente sondagem, um deles, por exemplo, reconheceu que:
«Nós aqui encontramo-nos verdadeiramente descontraí­
dos!» Às vezes até estão demais, ultrapassando os limites;
mas seria possível ser doutro modo se os tratarmos im­
pondo o terror? É preferível e mais educativo, que eles
próprios os reconheçam. Pois é esta a finalidade: descon­
trair os alunos e mostrar-lhes que se pode também tra­
balhar sem que por isso se sintam constrangidos, espiados
e em insegurança constante... Temos de reconhecer que
o Francês permite mais liberdades do que outras matérias
e é mais fácil circular sem prejuizo na nossa aula que numa
oficina onde os problemas de segurança estão em jogo.
Mas, uma vez que tínhamos possibilidade de dar aos
alunos algumas horas semanais em que eles, embora tra­
balhando, se sentissem mais livres e descontraídos, estas
horas tinham de ser aproveitadas. Não creio que o ensino
das letras tenha sofrido com isso, pelo contrário. Além
disso, é sempre bom que a tensão acumulada durante
outros exercícios, possa aliviar-se um pouco e alguns
colegas não duvidam do constante serviço que lhes presta
um curso que, servindo de válvula de escape, acalma os
nervos e mesmo a agressividade dos alunos. Mas, repe­
tindo, o ambiente ainda serve para alguma coisa. No
entanto, a nossa classe «aberta», por ora, não pode, de
modo nenhum, funcionar, se não nos locais e no seio dum
ambiente tradicional, cujos arranjos são antiquados e de
estruturas anacrónicas. Com efeito, seria um logro permitir
que se acreditasse que bastaria arranjar uma sala para
que toda a escola se transformasse, ou instalar estabeleci­
mentos pilotos para que toda a Educação Nacional se
renovasse! Ainda se passará muito tempo antes que tudo
esteja profundamente modificado; mas não podemos es­
70 A ESCOLA ABERTA

perar indefinidamente. Razão por que, da nossa parte, ten­


támos renovar um pouco o aspecto da classe a partir de
instalações pré-fabricadas já gastas, remendadas e des­
botadas. Foi desta forma que começámos por quebrar as
linhas geométricas tradicionais, dispondo as carteiras de
forma a que os alunos — frente a frente e dois a dois —
pudessem constituir grupos de quatro, número adequado
para o trabalho de equipa. Este conjunto forma um semi-
-círculo muito aberto, em volta do quadro preto, que
tanto pode ser utilizado de forma tradicional, como para
afixar os documentos das exposições, tomar notas, ou
esquematizar o cenário duma peça de teatro.
Assim, deixa de haver alunos dispostos em filas alinhadas,
sob o olhar agudo do vigilante, que do alto do estrado
espia os menores gestos e metralha as dissidências! Abaixo
o trono monárquico, donde chovem ordens, que espíritos,
moldados à imediata obediência, engolem com a mole
aceitação do dever cumprido! Dum lado muito autori­
tarismo, do outro muita passividade, com este resultado:
cursos cujo rendimento é tão fraco que, se o dos motores
lhe fosse comparável, os fabricantes de automóveis o me­
lhor que teriam a fazer era sumirem-se às escondidas.
É essa a razão por que suprimimos a secretária, que foi
afastada para um canto, sendo o único objecto que não
tem um papel activo! Ficou o estrado, mas muito aumen­
tado; serve para as exposições dos grupos de alunos, ou
de palco para as tentativas de representações dramáticas
feitas pelo grupo «montangens» do Clube e do Jornal,
ou para ilustrar as peças estudadas em Francês.
As duas paredes perpendiculares ao quadro servem
para colocar os painéis de documentos (ensaios e infor­
mações) de que falaremos, largamente, mais adiante.
Num canto, o móvel do aparelho de televisão e ao
lado o conjunto rádio-gira-discos. Ultimamente consegui­
mos que, debaixo dos painéis, fossem colocados armários
fechados com portas corrediças, tendo uma prateleira su­
perior a cerca de um metro de altura, que serve de pran­
cheta de exposição de revistas ou objectos. É aí que se
ACÇÃO EXPERIMENTAL 71

colocam os manuais (que eu próprio pouco utilizo, dado


que se desactualizam rapidamente: é preferível fazer um
curso de geografia a partir de documentos sempre actua-
lizados, permitindo assim tomar a repor o assunto estu­
dado no contexto actual).
Também ali se encontram séries de «clássicos» a que
tesouradas, certamente bem intencionadas, tiraram perso­
nalidade; por exemplo «germinal», reduzido ao estado
lamentável de castrado, cuja paternalidade zola negaria
sem sombra de dúvida...! É preferível arranjar séries de
livros com formato de bolso; mas isso custa caro, e o
número de obras examinadas na aula é relativamente
restrito. No entanto, no pior dos casos (financeiros)
pode-se, pelo menos, comprar exemplares de peças de
teatro em número suficiente — para permitir a sua leitura
por várias pessoas e, quem sabe, a interpretação de certas
passagens pelos alunos — foi o que se deu com três alunos
que tentaram fazê-lo com terror e miséria do iii.°
reich, do qual escolheram algumas cenas para gravar
no quadro duma montagem intitulada guerra ou paz?,
realizada por um grupo do Clube Jornal.
A sala de História e Geografia está disposta e equi­
pada de forma análoga mas, — podendo ser obscurecida —
presta-se à projecção de diapositivos ou de filmes fixos.
Também possuímos um gravador de 9,5 e 19 cm/sg. e um
outro portátil, para as reportagens «ao vivo», mas de pior
qualidade; um projector, algumas séries de bibliotecas de
trabalho Freinet, alguns B. T. sonoros, um número pe­
queno de discos.
Mas no corredor, bastante espaçoso, dispomos por
agora duma série de armários recheados de papelada e
de livros. Esperamos, em breve, vê-los substituídos por
uma pequena sala de Leitura e de Documentação (actual-
mente em arranjo) que, cortando o corredor transversal­
mente, por meio dum tabique de madeira, permitirá arru­
mar os 700 livros da biblioteca e as pastas de documen­
tação preparadas pelos alunos, que eles utilizam nos cursos
ou nas exposições que apresentam aos seus camaradas.
72 A ESCOLA ABERTA

Além da documentação assim arquivada e que pertence


ao estabelecimento, há a que os alunos reuniram, e a do
do professor — de que estou saturado! — acumulada dia
a dia com o seu dinheiro, depois de muitas horas de lei­
tura e recortes de artigos de jornais ou de revistas. Se falo
aqui disto é para sublinhar, sobretudo, que a maior parte
de nós se vê obrigada a arranjar à sua custa matéria para
os seus cursos — o que, afinal, os penalisa em relação
aos que o não fazem! Hoje em dia já se não pode dizer
que repetimos infatigavelmente as mesmas histórias, todos
os anos, durante a nossa carreira. Pelo contrário devemos
passar longas horas a examinar a actualidade, a ler revistas
especializadas ou de ordem geral, obras muitas vezes caras,
difíceis de arranjar grátis, quando se está — como tantas
vezes acontece — longe de um Centro de Documentação
Pedagógico (que aliás, nem sempre pode assegurar um
serviço rápido de empréstimos, por falta de material sufi­
ciente). Não seria um luxo permitir aos educadores arran­
jarem os meios de estarem sempre actualizados sem que
para isso tivessem de afectar o seu orçamento familiar.
As empresas financiam estágios de aperfeiçoamento (para
certas categorias) do seu pessoal, mas o mesmo não acon­
tece com a Educação Nacional, que devia, no entanto,
ser a primeira a fazê-lo...
São estes, portanto, o material de que dispomos e
os locais onde trabalhamos. Segundo a apreciação e a
situação de cada um, pode achar-se que é pouco ou muito.
É bem evidente, também, que é devido à compreensão
e à ajuda financeira do estabelecimento, e graças também
aos agentes de serviço do colégio (que prepararam as ins­
talações) que pudemos aproveitar — nos locais que não
estavam para isso preparados — um conjunto que cons­
titui, dentro do melhor, uma unidade de trabalho capaz
de facilitar a pesquisa pessoal dos alunos com vista à pre­
paração dos seus trabalhos individuais e colectivos.
Desta forma, pela sua disposição, pelas suas paredes
«abertas» para o mundo exterior, graças aos painéis que
se referem constantemente à actualidade, pela atmosfera
ACÇÃO EXPERIMENTAL 73

mais descontraída que lá quisemos instaurar, a nossa classe


facilita a abertura para a vida, para a qual ela se volta
e que ela deixa livremente penetrar.
Ela também permite as trocas de lugar entre os alu­
nos, visto que ninguém — excepto em casos excepcionais —
tem lugar marcado, podendo cada um mudar conforme
lhe aprouver; os grupos de trabalho constituem-se, aliás,
segundo a livre escolha dos seus participantes e provocam
por vezes «movimentos» que não é hábito — certamente! —
encontrar numa classe tradicional.
Verifica-se, no entanto, um obstáculo: esta disposi­
ção e esta atmosfera estimulam a tagarelice. E é facto
que, durante as primeiras semanas, os alunos — e a oca­
sião era muito vantajosa — aproveitaram... e, por vezes,
abusaram mesmo. Mas, pouco a pouco, com sacudidelas
inevitáveis e recaídas imprevisíveis, aprenderam, por si, a
distinguir os momentos de discussão livre e os de escuta
atenta, portanto silenciosa. De qualquer forma, não te­
nhamos ilusões! os alunos — seja qual for a forma do curso
e a habilidade do professor — não prestam uma atenção
constante a um exercício tradicional, mesmo que se oiça
uma mosca a voar: há muito que aprenderam a inventar
uma cara e uma atitude que, sob a aparência dum grande
interesse, permitem todas as evasões. Por outro lado,
deixemo-nos de ingenuidades: durante as discussões, os
alunos não falam só da questão que se lhes pediu para
tratar; eles aproveitam para recordar o baile de domingo,
os encantos de Lisette, as piadas entre amigos, o último
desafio de futebol, ou recente disco do ídolo da moda.
Mas, como além disso têm de prestar contas no fim da dis­
cussão, falam também do que se lhes pediu; e aliás
é bom evitar esta dispersão, limitando a duração das suas
conversas a uns minutos apenas.
Outra dificuldade: devido à falta de espaço, o nosso
local serve igualmente de sala de estudo — o que causa
problemas aos vigilantes, porque a actual concepção do
ensino não permite o exercício da autodisciplina nem a
criação de um corpo de educadores bastante numeroso
74 A ESCOLA ABERTA

que, em vez de sofrer (e fazer sofrer) o papel ingrato de


«peão» sobre o qual chovem todos os ressentimentos,
estaria em condições de formar grupo com os professores,
afim de participar na obra comum de renovação pedagó­
gica. Nem as suas condições de trabalho, nem a menta­
lidade que por vezes daí resulta, lhes permitem compreen­
der a importância — no entanto primordial — que podem
ter num ensino verdadeiramente moderno. A nossa sala
(reconheço-o e regozijo-me secretamente) não facilita o
exercício nem o respeito da disciplina; pois é verdade
que quisemos excluir deliberadamente da nossa pedagogia
essa palavra imbecil e sórdida, bafio de um passado que
tanto mal nos faz e com que alguns ainda nos acusam,
quer seja na escola, na caserna, no sindicato ou no seio
dum partido político. É aberrante que a disciplina cons­
titua ainda, numa sociedade que pretende estar em pro­
gresso constante, a única força capaz de garantir a coesão
interna de qualquer agrupamento humano. Sem ela — pre­
tendem alguns — tudo ficaria em pedaços e deslizaria para
a anarquia universal. Qualquer indivíduo de boa fé sabe,
convenientemente, que este argumento — que contém o
germe de todos os fascismos — não é sustentável. É como
se, nesta hora em que tantos povos sacodem as cadeias
dum sistema obsoleto e aspiram a maiores responsabili­
dades e liberdades, os dirigentes ainda nos seus postos,
pudessem ter a ingenuidade de imaginar que a matraca
impedisse a fatal explosão da Pessoa humana. Razão por
que todo o educador digno deste nome deve recusar parti­
cipar na alienação do indivíduo e banir dos seus actos
e palavras qualquer incitamento à obediência passiva; seria
falhar no seu papel, que é o de ajudar a despertar a cons­
ciência, e não o de se tornar cúmplice de inventores de
apocalipses.
Outro obstáculo, que desta vez vem do professor
— e a que também não escapei: às vezes é difícil ao polícia
que dormita em nós admitir o barulho, a agitação, as
conversas de que ele não é a origem. Não sendo eu melhor
do que os meus semelhantes, por várias vezes tive de racio­
ACÇÃO EXPERIMENTAL 75

cinar e de me afastar desta atitude de defesa, que quebra


as iniciativas, desanima o sentido das responsabilidades
e nem por isso restabelece a ordem e o silêncio.
Enfim, seria falso pretender que a nossa disposição
«aberta» tivesse recolhido de repente uma adesão entu­
siástica. Mas era impossível falar de pedagogia nova, con­
servando um local que se mostrasse a favor da escola
tradicional. O esquema da pág. 76 ajudará a fazer uma ideia
mais nítida do actual aspecto da nossa sala. É certo que
não é forçosamente o ideal e — como tudo de que falo
neste livro — nada apresenta um carácter obrigatório e
definitivo; as soluções podem variar, mas creio que é
desejável fixar alguns princípios importantes:
— supressão da secretária;
— supressão do estrado, na qualidade de suporte da
autoridade; lá diz Freinet: «Ser maior não significa for­
çosamente estar acima dos outros.» (Invariant II);
— disposição das carteiras de forma a quebrar o ali­
nhamento e a facilitar o trabalho em grupo;
— arranjo de painéis documentais, sendo um destinado
à actualidade;
— pôr à disposição directa dos alunos toda a documen­
tação susceptível de lhes ser útil.
Uma organização destas (prevista no nosso caso para
36 alunos) é possível na maior parte das salas de aula,
visto que a nossa tem as dimensões vulgares. Isto não é
uma inovação artificial, mas a resposta à necessidade de
formar uma classe «Aberta» para ela própria e para o
mundo exterior.

É preciso aprender a conhecer os alunos

Depois do quadro apresentado, é a vez dos alunos


que participaram nas nossas experiências. Porque, antes
de mais nada, importa que cada um saiba com quem tem
78 A ESCOLA ABERTA

de lidar. Por isso no princípio de cada ano escolar, começo


primeiro por me apresentar: nome, apelido, situação de
família, e a alcunha — dada pelos alunos —, o que tem
como efeito arrumar logo os mais maldosos! Dou-lhes
esta explicação porque vou, por meu lado, perguntar-lhes
quem eles são. Para isto, utilizo um questionário dito
«psico-social», e uma série de testes cujos padrões só têm
validade para o estabelecimento, mas que me ajuda a situar
os alunos em relação uns aos outros. A contagem das
respostas é muito longa, pelo que me não é possível lem­
brar-me de todas as informações obtidas. Mas, pelo menos,
posso evitar alguns erros, compreender certos problemas
(que por vezes são dramas) perceber reacções e conhecer
o grau de «abertura» psicológica e social assim como o
nível escolar e mental de cada um.

Em apoio do questionário «psico-social»

Deixando de parte o professor — cujo interesse aqui


é apenas anedótico — prestarei mais atenção aos alunos,
dos quais posso falar com alguma precisão, visto que
me baseio nas respostas ao questionário «psico-social» cuja
redacção completa se encontra na pág. 77.
Assim posso não só conhecer cada um dos alunos,
mas também «fotografar» as tendências gerais da classe
e, especialmente, a receptividade às experiências que pla­
neei propor-lhes. Isto quer dizer que, no que se segue,
nada inventei, e que tudo vem deles.
Estes resultados — assim como os que a seguir serão
apresentados — não têm forçosamente um alcance geral
e não podem valer, bem entendido, para cada um dos
educadores, nem para todos os alunos em França. Mas
— acima das estatísticas gerais — o que importa é conhecer
os alunos da nossa classe, pois é com eles que vamos tra­
balhar e não — felizmente para as nossas meninges! —
com os milhões de crianças e adolescentes do nosso país!
ACÇÃO EXPERIMENTAL 79

Trata-se de adolescentes entre os 15 e os 17 anos


(em média: 90 do segundo ano e 80 do terceiro), vindos na
sua maior parte de meios camponeses ou operários, sendo
pouco numerosos os pais funcionários e empregados, e
raríssimos os «quadros». Há um certo número de órfãos;
outros — bastante numerosos — perderam pelo menos um
dos pais.
As famílias são em geral numerosas, mas — sobretudo
nos casos de domicílios rurais — é preciso pensar que
podem coabitar várias gerações. O número de pessoas
vivendo sob o mesmo tecto varia de 2 a 15 pessoas, repar­
tidos da seguinte forma:
Para 2 alunos, o número de pessoas vivendo no domi­
cílio é de 2; para 14 alunos, é de 3; para 33 alunos, 4 pes­
soas; para 37 alunos, 5 pessoas; para 31, 6 pessoas; para
18, 7 pessoas; para 16, 8 pessoas; para 8, 9 pessoas; para 6,
10 pessoas; para 3, 11 pessoas; para uma, 12 pessoas e
também para 1, 15 pessoas. Assim, portanto, em 170 inter­
rogados, 100 alunos vivem em famílias de 4 a 6 pessoas,
c os filhos únicos são pouco numerosos.
Como já disse, a maior parte são internos e moram
cm locais por vezes muito afastados, situados mesmo
noutros concelhos. Os semi-internos utilizam como meio
de transporte, o comboio, o carro, ou a motorizada, ou
então amontoam-se nos veículos de «recolha-escolar» (não
se pode encontrar expressão mais justa!). Os mais raros
são os que habitam a própria localidade onde se encontra
o colégio. Esta dispersão de domicílios apresenta, sem
dúvida, inconvenientes (dificuldades de deslocação para
os alunos e para os pais, sobretudo no inverno; atrasos,
faltas, etc.) mas origina também uma mistura de perso­
nalidades e de mentalidades muito diferentes, cuja riqueza
— logo que revelada — é apreciável; isto ainda que o nível
geral seja médio, ou mesmo fraco e, nalguns casos, anor­
malmente baixo. O facto de eu ter podido, apesar de tudo,
realizar alguns trabalhos com eStes alunos, prova que eles,
muitas vezes, têm possibilidades que eles próprios ignoram.
80 A ESCOLA ABERTA

É aqui que intervém o papel de «revelador» que uma peda­


gogia construtiva exerce no seio duma Escola Aberta!
Deve-se este recrutamento ao facto de nos encontrarmos
situados no centro de zonas de influência de cidades vizi­
nhas, que sobre nós despejam os seus excedentes de efec-
tivos — independentemente dos resultados da orientação
escolar (aliás deficiente na maior parte dos casos).
A maior parte dos alunos — contrariamente a certos
comentários que pude ouvir de alguns deles — declaram-
-se satisfeitos com o seu ofício e os que o não estão — é
porque têm sido mal informados, dizem eles, julgando
andar em mecânica geral, para se orientarem em seguida
para a electricidade, a carroçaria ou a mecânica de auto­
móveis. A escolha tem sido feita por eles próprios ou de
acordo com os pais; raros são aqueles a quem o ofício
tenha sido imposto.
Também é interessante saber quais são os dias e os
momentos de maior fadiga: o rendimento do curso disso
se ressentirá. Assim há um único que nunca se sente fati­
gado! Duma maneira geral, parece que a tarde é a mais
penosa — sobretudo ao princípio, durante as primeiras
fases da digestão. A segunda-feira e depois a sexta-feira
são os dias de maior fadiga; segue-se a quinta-feira à
tarde (mas compensada com o desporto e o passeio); o
dia menos referido é a terça-feira.
O interesse dedicado ao curso é variável; parece que
o Francês é pouco apreciado, mas com uma pequena
variante: no terceiro ano acham-no menos maçador. Devo
dizer, para ser exacto, que os questionários são feitos
ANTES da realização das experiências. De quem ou de
que depende o interesse? Para a maior parte dos alunos:
da matéria dada (70 respostas); depois do professor (64
respostas); a ocasião própria também tem importância
(39 respostas) e os factores pessoais, para uns 40 são
determinantes. Torna-se, portanto, útil saber que, se dese­
jarmos aumentar a eficácia dos cursos, é necessário ter
em conta o dia, e o momento do dia (trabalhar de prefe­
rência de manhã, sobretudo para as matérias que requerem
acção experimental 81

muita atenção e esforço contínuo); é preciso também saber


que, embora a matéria ensinada não deixe de ter impor­
tância, o professor também tem um papel primordial.
«Sobretudo se ele estiver em forma»; disse um dos meus
alunos.
Enfim, para sondar a posição dos alunos perante as
experiências que lhes vou propôr para efectuarem em con­
junto, peço-lhes que respondam às duas perguntas se­
guintes, às quais junto as opiniões que eles expressaram:
28 — Desejam participar mais activamente nos cursos de Letras?
Como? (Ex.° discussões, trabalhos individuais ou em grupos,
exposições, informações, documentação, etc.)
Em 90 alunos do segundo ano, 10, e em 80 alunos do
terceiro ano, 4 não desejam essa participação. A grande maio­
ria — sem dúvida atraida pelos painéis de «informações» e
posta ao corrente por informações dadas pelos colegas — é-lhe
favorável e prefere, de longe, o trabalho em grupo e as dis­
cussões. («Trabalha-se melhor, e aprendemos a compreender­
mo-nos melhor»), A documentação também interessa igual­
mente a uns tantos. Mais adiante veremos as respostas aos
questionários sobre os painéis de documentação. Parece que o
trabalho individual, no sentido tradicional da palavra, atrai
muito pouco; isto não põe em causa o trabalho individuali­
zado, que é uma coisa muito diferente e que facilita a iniciativa
ou o sentido das responsabilidades.

29 — Seria capaz de respeitar uma disciplina instaurada na


classe de Letras, por alunos e professor?
Em 170, 30 admitem que não; 9 «talvez» a respeitassem;
alguns são mais desconfiados («Não posso dizer de antemão,
será necessário experimentar» — «Isso depende dos colegas
que tiver» — «Com a condição dos outros não armarem em
valentes e não tentarem comandar-nos». E um deles, bastante
turbulento: «Talvez isto os surpreenda, mas eu era capaz!»).
A maior parte dos alunos do «terceiro ano» é favorável
à experiência. É facto que eles são menos numerosos; mas
talvez não compreendam bem o interesse nisso, visto que
durante os meses precedentes, aprenderam que só muito rara-
mente se falava de disciplina na classe de Letras. À luz das
reinvindicações de Maio de 68, será talvez útil, aliás, modi­
ficar o teor da questão e pão falar mais de disciplina, mas
sim de «gestão comum da classe».
82 A ESCOLA ABERTA

...Em apoio dos «testes sobre o estado mental»

A estes resultados, que me permitem conhecer melhor


os meus alunos (principalmente a mentalidade e a situação
pessoal), há a acrescentar os de um conjunto de Testes,
cuja interpretação é apenas indicativa, dado que é preciso
esperar anos e centenas de respostas para extrair ensina­
mentos gerais. No entanto, este pequeno começo não é
inútil e permite obter precisões complementares.
Algumas provas baseiam-se na leitura, na ortografia,
na gramática ou no vocabulário, para situar o nível dos
alunos nessas matérias tradicionais. Os resultados, salvo
excepção, são sempre médios.
Uma prova de redacção, com características especiais
precisa de duas sessões para se desenvolver. A primeira:
muito curta, tem como único fim mostrar quatro fotogra­
fias, sem nenhuma explicação nem resposta às perguntas
feitas. As fotografias são escolhidas pela sua simplicidade
e pela sua aparente banalidade (uma rua de aldeia, uma
clareira, um par à contraluz, etc.) Mas, na realidade, um
pormenor permite despertar o interesse e pôr em acção,
entre os observadores, um processo imaginativo. Segunda
sessão: pede-se aos alunos que redijam, numa hora,
um texto com umas dez linhas, inspirando-se nas fotogra­
fias, que lhes foram mostradas alguns dias antes. Podem
combiná-los na ordem, que lhes convier, mas de forma a
construírem uma narrativa coerente e não uma sequência
de frases sem relação umas com as outras. É um pequeno
exercício que exige que intervenha a observação, a memória
visual, a imaginação e a faculdade de construir uma
narrativa, ao mesmo tempo breve, densa e lógica. Natu­
ralmente, as fotografias variam segundo as classes e os
anos.
A este teste juntar-se-á um exercício de elocução,
que exigirá, em primeiro lugar, um trabalho indivudial,
em seguida, colectivo, dentro de um grupo, que apresen­
tará uma exposição perante o resto da turma.
ACÇÃO experimental 83

Completo-o com três outras provas:


1) Um teste de observação e de memória visual:
apresento um conjunto de sete fotos, insólitas ou banais,
e — depois de alguns segundos de exame — peço que res­
pondam a uma pergunta baseada sobre cada uma delas:
2) Um teste de apreciação e de raciocínio: desta vez,
apresento as fotografias e faço as perguntas simultanea­
mente, figurando as respostas sempre nas próprias foto­
grafias. Basta raciocinar.
3) Um teste de conhecimentos gerais: superfície de
um determinado país, a obra de um determinado escritor,
algumas datas importantes, citar um país do Mercado
Comum. Uma matéria prima, uma fonte de energia, etc.
Finalmente, no começo e em seguida, ao longo de
todo o ano, intervém «testes de actualidade» apoiando-se
sobre factos recentes e de tal modo que a maior parte dos
alunos tenha podido facilmente tomar conhecimento deles.
Isto toma, aliás, a forma de um jogo — no qual o leitor
pode ensaiar-se, se quiser, tentando responder às vinte
perguntas, que se seguem e apareceram num número do
jornal dos meus alunos (Fevereiro de 1968).
Vê-se que os resultados são médios e que os alunos
nem sempre estão ao facto da actualidade. Mas o próprio
leitor teria sido capaz de responder às vinte perguntas?
Os comentários deste último teste mostram portanto
que se tem de fazer um grande esforço junto dos alunos
— e talvez do leitor! — para lhes dar os meios de se infor­
marem e para os preparar, desde a escola, para adqui­
rirem um modo inteligente e honesto de tratarem os mo­
dernos meios de informação.
Eis a razão pela qual, depois de ter tido o cuidado
de renovar o quadro das nossas experiências com o fim
de que a sala de aula permita a abertura para a vida, em
relação a si e aos outros, depois de ter tentado conhecer
melhor os membros da equipa professor-alunos, julgamos
ACÇÃO EXPERIMENTAL 85

Eis o exame global das respostas dadas pelos alunos.


Página extraída do número do seu jornal aparecido em
Fevereiro de 1968.
86 A ESCOLA ABERTA

indispensável fazer um esforço especial sobre a informa­


ção, esforço que corresponde às verificações do Ponto 1
e aos princípios de trabalho do Ponto 2, e permite deste
modo pôr os trabalhos em contacto directo com a actua-
lidade e a vida.
É por estas razões que nós planeámos...

Os quadros de informação

Foram lançados em Janeiro de 1966 e tiveram um


brilhantíssimo êxito. Concebidos, em primeiro lugar, para
ilustrarem um curso de legislação, viram a superfície que
lhes era dedicada aumentar rapidamente e as suas rubricas
multiplicarem-se. É que, com efeito, todos os alunos
— mesmo os que não eram do meu curso (os do primeiro
ano por exemplo) lhes têm dedicado um vivo interesse,
o que obrigou a ultrapassar o quadro do curso para abar­
car toda a actualidade e se estender a domínios mais
vastos, É deste modo que, presentemente, nas aulas de
Francês e de História-Geografia, cobrem largos espaços
das paredes e um grande número de sectores da actua­
lidade.
O seu papel é informar os alunos que, de um modo
contrário ao que se julga, se interessam pelo que se passa
em redor deles, mas — na maioria, os internos — não
encontram nos estabelecimentos de ensino as respostas
às suas próprias interrogações. Sabe-se realmente que os
jornais dificilmente entram na escola, que os temas tabus
(política e sexualidade, principalmente) paralisam todos,
que a rádio e a televisão permitidas nem sempre são de
enriquecer muito o espírito. Por outro lado, deve-se na
verdade reconhecer que, em geral, a disciplina é um factor
inibidor. Reprimindo as aspirações dos alunos, iludindo
atabalhoadamente a sua curiosidade, proibindo-lhes ler
um jornal ou ouvir a rádio, quebra-se-lhes o verdadeiro
ACÇÃO EXPERIMENTAL 87

impulso da vontade, mata-se o interesse que poderiam


ter pelo mundo que os rodeia, e eles acabam por ficar
desgostosos e mergulhados numa indiferença mortal por
tudo o que lhes poderia desenvolver a inteligência e a per­
sonalidade. Muito mais, ficam privados da imunização
indispensável contra os efeitos nocivos da imprensa de
sensação, da rádio do hit-parade, da televisão do Palma-
rés das canções e das solicitações, muitas vezes duvi­
dosas, da publicidade. A tal ponto que nunca mais
serão capazes de descobrir sozinhos o jornal honesto,
a emissão de qualidade, a publicidade de bom gosto
(porque não se trata de negar tudo, por junto, o que
seria absurdo e tornaria o nosso trabalho perigosamente
ineficaz).

Correspondem a uma necessidade: Os alunos interessam-se pelo que se


passa em redor deles

Se, ao menos, a vida que lhes é oferecida no inter­


nato, fosse exaltante e lhes desse alguma coisa que os
enriquecesse no corpo ou no espírito! Mas não!
Quantas vezes os esclerosa, numa banalidade dolorosa,
numa monotonia que os castra, que os inutiliza, numa
disciplina que os embrutece. Limitam-lhes os pontos de
vista a reivindicações miseráveis, a recriminações sórdidas.
Privar os jovens da informação é tirar-lhes o direito à ma­
turidade— que nós próprios exigimos e que, bastantes
vezes, somos incapazes de assumir. No domínio da infor­
mação, portanto, como em muitos outros, a escola é um
meio pobre. Ajudar os alunos a iniciarem-se nos aspectos
e nos problemas do mundo contemporâneo é responder,
não só a uma realidade actual, mas também a necessidades
que eles manifestam, por exemplo, nas respostas ao ques­
tionário seguinte (que apareceu no jornal dos meus alunos,
em Junho de 1968):
ACÇÃO EXPERIMENTAL 89

Graças a esta sondagem (que se pode repetir, de


tempos a tempos) podemos determinar quais são os prin­
cipais pólos de interesse dos alunos.
Mas eles são igualmente capazes de se concentrarem
sobre aspectos ainda mais precisos da nossa época, como
o testemunham — sempre no quadro do nosso questio­
nário psico-social — as respostas à seguinte pergunta:

19. Quais os problemas do mundo actual que mais o interessam?

Um único afirma: «Isso não são coisas que me digam


respeito», 7, em 170, declaram não estar interessados em ne­
nhum dos problemas da nossa época. Pelo contrário, 5 dizem-
-se atraídos por tudo (um deles faz mesmo notar: «Muitas
coisas, e especialmente as moças!»)
Os assuntos mais citados são: O Vietname (35 respostas),
depois o racismo, a fome no mundo, e sobretudo a guerra
(31 respostas), incluindo o perigo atómico. É verdade que
alguns consideram «problemas» o desporto, o automóvel ou
o cinema, enquanto outros — em pequeno número contudo —
não se esquecem de mencionar o desemprego, a política, a
juventude «actual dentro de vinte anos», as dificuldades à saída
do colégio. A China, as duas Alemanhas, o problema negro
nos Estados-Unidos, o Médio-Oriente são citados apenas uma
vez cada um, mas deve-se ter em conta a actualidade no momento
em que o questionário foi feito.
Do mesmo modo: para todas as respostas que se referem
à informação devemos recordar-nos de que as perguntas foram
feitas no princípio do ano escolar, o que quer dizer que as
respostas provêm de alunos que acabaram de entrar para
o segundo ano ou para o terceiro e que — principalmente para
o terceiro ano —, só depois abordarão o estudo pormenorizado
desses problemas. As respostas são, portanto, dadas «em bruto».
Os quadros e os nossos métodos ainda não tiveram tempo de
agir sobre os espíritos. Todavia, não sejamos demasiado opti-
mistas. Não devemos estar à espera de que os alunos deixem
o colégio sabendo manejar as informações de uma forma
perfeita. O nosso objectivo é sobretudo por falta de tempo
e de meios suficientes — despertá-los e dar-lhes o gosto por
se informarem com inteligência e lucidez.

Para conhecer a situação dos alunos perante os meios


modernos de informação é do mesmo modo útil saber
90 A ESCOLA ABERTA

quais as respostas que eles dão às perguntas que se seguem


(extraídas, uma vez mais, do questionário psico-social que
utilizo em cada ano):

23. Se tiver à sua disposição um receptor de televisão, quais as


emissões que segue? Até que horas?

Em 170 alunos, 113 declaram ter à sua disposição um apa­


relho de televisão; 17, apenas não o possuem. Os restantes
não dão uma resposta precisa. Isto demonstra a importância
— e a enorme influência! — que pode ter este modo de infor­
mação... que, todas as noites, fala às famílias!
A maior parte segue as emissões até às 22 horas, pelo
menos, e, de preferência, as de sábado e domingo (mas muitos,
sendo internos, estão em casa apenas nessas noites). Em seguida,
o maior número é daqueles que se deitam às 23 horas. Só
oito alunos vão além desta hora. Mas é verdade que 22 aguar­
dam o fim da emissão que os interessa, sem precisarem a hora.
Somente 4 declaram não gostar de televisão.
As emissões mais seguidas são: os filmes (com uma nítida
preferência pelos «policiais»), os desportos e as variedades.
Vêem em seguida as peças de teatro (18 respostas, o que não
é muito mau) e os folhetins (16 respostas). Mas os alunos não
podem, quando não estão em casa, segui-los sempre com
regularidade. Finalmente, as emissões consagradas à informa­
ção propriamente dita só conseguem 41 respostas, e é revela­
dor que seja o Jornal televisivo (25 respostas) que vence o
«Panorama» (3 respostas), «Cinq Colonnes à la une» (5 res­
postas), ou várias reportagens. Não se deve esquecer que são
principalmente os pais que determinam a escolha das emissões,
e é bastante inquietante verificar que preferem o divertimento
à informação e, dentro deste, a parte cuja objectividade e
seriedade são justamente mais discutidas, visto que Zoom e
e «Cinq colonnes à la une», acusadas de exagerada honesti­
dade, desapareceram.

É contudo essencial ter em conta os seguintes factos:


— a televisão existe em numerosos lares;
— as emissões que divertem são preferidas à informação.
— O Jornal televisivo, a respeito do qual foram formuladas
bastantes reservas, de todos os lados, é o mais seguido.
ACÇÃO EXPERIMENTAL 91

Não deixa de ser verdade que, actualmente, o teles­


pectador não tem — para evitar a eventual lavagem de
cérebro — a possibilidade de recorrer, como outrora, aos
magazines que asseguravam ao seu juizo pessoal, bases
mais sólidas. As actuais tentativas de «liberalização» da
informação televisiva são dignas de ser seguidas com
interesse, sem exagerado optimismo quanto às suas pro­
babilidades de duração.
A Escola tem, pois, de desempenhar, perante a televi­
são, como perante todos os outros meios de informação,
um papel importante de preparação, o único que pode
permitir o estudo em profundidade dos «mass media».
Outra influência sobre os alunos é a da Imprensa.
E daí vem o interesse que poderemos encontrar nas res­
postas a esta outra pergunta:

24. Lê um jornal ou uma revista? Quais?

Quinze alunos nunca lêem revistas nem jornais. Outros


cinco não indicam os títulos. 84, pelo contrário, declaram ler
um diário regional (Les Dépêches, Le Progrès, depois L'Indé-
pendant, de Saône-et-Loire, e La Croix du Jura). 2 lêem o Fi-
garo e 3 L'Humanité. Pode-se evidentemente observar que
são os quotidianos regionais que vencem, e que os alunos
que vêm do primeiro ano, lêem mais do que os que vêm do
segundo ano (52 para 32).
Quanto às revistas e jornais ilustrados, só 2 precisam
que lêem pouco, e 10 não indicam nenhum título. Os citados
mais frequentemente são Salut les Copains (mas sem ultra­
passar 18 respostas), as revistas desportivas (e principalmente
Le Miror des Sports), depois 1’Equipe conseguindo estas últi­
mas publicações 26 respostas apenas, no total. As revistas
especializadas fazem pouca concorrência: 8 respostas para o
automóvel (mas muitos interessam-se pela moto). Agri 7 jours,
La Terre, Télé 7 jours, Télépoche, e Paris-Match são citados
simplesmente cinco vezes cada um e Le Pelerin do XX° siêcle,
4 vezes. Há, em seguida, uma dispersão de revistas, jornais
ilustrados, bandas desenhadas, um briquebraque onde cada
título não é citado mais de quatro vezes: Tintin, Mickey, Top
jeunesse, Tout l'Univers, La Vie des bétes, Système D, Le Haut-
-parleur, Science e Vie, Sélection, Air et Cosmos, Nous Deux,
Astérix, L'Humanité-Dimanche. J2 Jeunesse e J2 Magazine,
92 A ESCOLA ABERTA

Coeurs Vaillants, Pif le Chien, Cent Blogues, Rintintin, Le Hé-


risson, Tartine, Clair Foyer, Pilote, Criminal, Akim, Le Fan-
tôme, Maffia, Battler, Britton, La Panthera noire, Jours de France,
Panorama, Record, Rallye, Satanik e Commando.
Se a leitura do quotidiano regional — indubitavelmente o
dos pais, na maioria dos casos — parece prática corrente para
metade dos alunos, os outros jornais pouco penetram na fa­
mília. Quanto às revistas e jornais ilustrados, parecem ser
lidos por «especialistas» (Le Haut-parleur, Miror des Sports,
etc.), ou por alguns isolados que se interessam por assuntos
especiais (La Vie des bêtes, Air et Cosmos, etc.) ou que desejam
realmente documentar-se (Tout l'Univers). Nous Deux, Paris-
-Match, Jours de France, Sélection são citados com certeza
porque essas publicações para adultos são lidas por toda a
família. Os chamados jornais e revistas «para jovens» rivalizam
com as publicações das quais se pode dizer, sem receio, serem
de duvidoso valor educativo, e que vão da simples graçola
até à imensa mixórdia dos álbuns, alguns dos quais cobrem
mostruários inteiros, nos revendedores. Passemos rapidamente
pelas «foto-novelas para adultos», abundantemente lidas, no
entanto, pelos nossos alunos, cujas cenas sádico-eróticas muito
extensas e assuntos racistas não podem ser convenientes para
cérebros e para sensibilidades ainda muito maleáveis. E contudo,
parecem arranjá-los com uma certa facilidade.

Em resumo, deve-se reconhecer realmente que a ati­


tude dos alunos perante a imprensa é essencialmente pas­
siva. Dão a impressão de se entregarem à opinião ou à
iniciativa dos adultos (por exemplo, para a leitura do quo­
tidiano regional) ou — apenas com algumas excepções —
de se entregarem, sem nenhum critério, a qualquer solici­
tação.
Resta saber exactamente que vestígios deixam a tele­
visão e a imprensa nos espíritos. É muito difícil avaliar
este facto e sublinhamos no Ponto 4 — a necessidade de
se realizarem trabalhos precisos e sérios sobre este assunto.
Não deixa de ser menos certo que, no domínio da
informação pessoal, os alunos estão em bruto e que há
muito a fazer para os ensinar a utilizarem convenientemente
os «mass media».
No fim de contas, verificamos pelo menos duas coisas
importantes:
ACÇÃO EXPERIMENTAL 93

— Os jovens interessam-se por um certo número de


temas e, até, por problemas graves, o que traduz uma
certa maturidade de espírito.
— Lêem, sem grande critério, jornais ou revistas que
não correspondem, salvo algumas excepções, às necessi­
dades que exprimiram.
Há pois uma deslocação muito vincada, que torna
indiscutivelmente necessária uma acção especial da escola
no domínio da informação — e vamos fazer algumas pro­
postas a esse respeito, propostas imediatamente aplicá­
veis (Ponto 4). Ora o que faz a escola senão o contrário,
proibindo praticamente toda a informação séria dos alunos
(o que não os impede de introduzir insidiosamente publi­
cações , que lhes são prejudiciais). Deve-se pois encarar
a realidade de frente e pôr em acção um verdadeiro ensino
dos modernos meios de informação — e isto com a ajuda
de pessoas qualificadas cujos princípios de base sejam os
seguintes:
— Informação: introdução de livros, jornais e revistas,
sob certas condições, certamente, mas no espírito mais
aberto que seja possível; uso da rádio e da televisão.
— Educação: como utilizar lucidamente os meios de
informação e defender-se deles, se necessário, com efi­
cácia.
No estado actual dos nossos trabalhos, só estão pla­
neados os primeiros marcos, os quadros de «informa­
ção»...
É tendo em conta observações apresentadas anterior-
mente que quisemos fazer desses quadros qualquer coisa
mais do que simples elementos decorativos. Pelo contrário:
— animam a sala da aula, tornando-lhe as paredes de
certo modo permeáveis ao mundo exterior. É portanto,
literalmente, uma aula aberta para a vida:
— ajudam a compreender melhor a actualidade e a
dar as suas justas proporções às notícias — equilíbrio que
a «grande» imprensa nem sempre respeita;
94 A ESCOLA ABERTA

— excitam e alimentam a curiosidade intelectual;


— constituem o ponto de partida para diversas perguntas
e discussões, dentro do grupo;
— oferecem por si próprios um material educativo útil,
com a condição de nos recordarmos que a sua leitura não
será suficiente. Exigem uma certa preparação: aprender a
seleccionar as informações importantes, separando-as das
informações mais anódinas, discernir o verdadeiro do ine-
xacto, do falso, a detectar uma notícia aumentada ou esca­
moteada pelas necessidades da causa. Necessitam, por vezes,
de um exame em profundidade de alguns factos, difíceis
de interpretar (os alunos, a pouco e pouco, pedem expli­
cações complementares). Exigem uma escolha — por vezes
difícil — de informações honestas e fáceis de compreender.
Finalmente, exigem do professor uma leitura assídua,
longa, clarividente, dos jornais e das revistas (mas é um
esforço que lhe é todavia útil, para ele próprio se actualizar,
um trabalho indispensável na nossa época).
Estas informações, de resto, merecem atenção e exigem
prudência. Atenção, porque é necessário vigiar e utilizar
simplesmente documentos que reflictam a estrita verdade
e prudência, porque nós bem sabemos — digam o que dis-,
serem os biliosos detractores — que não queremos influen­
ciar os alunos, no que quer que seja. Certamente que infor­
mar pode ser influenciar (há quem não se prive disso,
que mais não seja para vender um produto!...). E encon­
tra-se aí a primeira dificuldade. Mas seria tão fácil apre­
sentar apenas informações anódinas, que não compro­
metam a nada, que não ponham nenhum problema, que
não provoquem qualquer reflexão... Porém, acontecem no
Mundo coisas graves: o racismo, a fome, a desigualdade
de recursos e de poderes, a guerra, as crises internacionais,
os problemas sociais ou económicos... Não falar disso?
Mas, quando os alunos se encontrarem em confronto
com elas, ao sairem das aulas, poderão ter uma dupla
reacção:
ACÇÃO EXPERIMENTAL 95

1. Acusar-nos-ão de lhes termos ocultado demasia­


das coisas essenciais.
2. Considerar-nos-ão ignorantes, julgando que os tran­
sístores os esclarecem melhor do que nós (mas em que
sentido ?) e os jornais também (mas o que têm eles em vista) ?
o (novo carro de Johnny ou os desgostos de amor das
princesas?). Deste modo, perante o formidável poder dos
meios de informação, a nossa acção seria não só nula,
mas negativa porque não os ensináramos a informarem-
-se verdadeiramente. Embora o regulamento ignore ainda
os «mass-media», nós não temos já o direito, nós, de os
ignorar, porque isso seria entregar os alunos à sua influên­
cia demasiado nociva e privá-los de uma informação
contudo indispensável.
Tendo em conta tudo isto e igualmente o facto de que
alguns lêem depressa e outros mais lentamente, de que
alguns têm mais tempo do que outros—, lançámos três
espécies de quadros e informações:
1.—QUADRO DE «ACTUALIDADES»: segue as notícias
do dia a dia e, como manejá-las é delicado, é o pro­
fessor que o mantém. A maior parte das vezes os artigos
provêm do Monde e de certos jornais locais, no caso das
notícias regionais. É relativamente pouco ilustrado para
habituar os alunos ao rigor. Cobre rubricas muito variadas:
Vida Económica e Social, Educação Cívica, Legislação do
Trabalho, História, Geografia, Automóvel, Aviação, Trans­
portes, Experiências Espaciais, Ciências, Medicina, Des­
portos, Tempos Livres, Educação, Juventude, Humor,
Viagens, Diversos, Através da França, etc. Algumas são
subdivididas: Artes, Letras-Letras-Espectáculos (canção,
televisão, cinema, rádio, livros e revistas, teatro, artes),
Através do mundo (Biafra, Vietname, Checoslováquia,
U.R.S.S., U.S.A., Médio-Oriente, etc.). Há«Acessórios» que
animam e tornam mais precisas as informações, especial­
mente os «primeiros planos», que insistem nas novidades
mais importantes e permitem aos alunos terem uma opi­
96 A ESCOLA ABERTA

nião mais nítida, oferecendo-lhes o maior número pos­


sível de documentos e de elementos de apreciação. Acres­
centamos a isto, aliás a partir deste ano, sessões — intitu­
ladas «Pontos da Actualidade» — durante as quais exami­
namos em conjunto e de uma forma muito pormenori­
zada, os acontecimentos mais importantes. Por exemplo,
a crise do franco e os problemas monetários internacionais,
o «caso» da Checoslováquia, os aspectos morais das trans­
plantações de coração, as eleições americanas, ou as «ne­
gociações» sobre o Vietname... Igualmente — e para nos
cingir ainda de mais perto à actualidade, dispomos de
alguns títulos adaptados à aceleração de algumas informa­
ções: «À Última hora», «Último minuto», e «Flashes»,
notícias muito breves, mas imediatas. Foi o que fizemos
quando da guerra dos seis dias, utilizando, de resto, o
precioso contributo da rádio.
Mas o «quadro» de actualidades é, apesar de tudo,
um pouco severo e deve-se ter em conta as diferentes
idades dos alunos, as suas faculdades da apreensão e de
informação, os seus interesses. Deste modo, pusemos em
construção um...
2. quadro — «magazine»: renovado de quinze em
quinze dias por uma equipa do Clube-Jornal, é mais
ilustrado do que o anterior, mais atraente, aborda assuntos
de menor gravidade e corresponde aos diversos interesses.
Sendo as informações de que se ocupa mais fáceis de
encontrar, mais acessíveis e exigindo uma preparação me­
nor no focar dos assuntos, a equipa que se encarrga disso,
deve sobretudo ter cuidado com o bom gosto, a apresen­
tação e a clareza, com o valor dos documentos afixados.
Intermitente, mas muito útil, temos finalmente o...
3. QUADRO «EDIÇÃO especial», que trata de um
único assunto, mas de forma muito pormenorizada, e
sem ter uma relação directa com os cursos (exemplos:
o Salão «Automóvel», o Frio, os Jogos de Grenoble ou
do México, etc.). Segundo os casos, é preparado por pro­
fessores ou por alunos voluntários.
ACÇÃO EXPERIMENTAL 97

No ano seguinte, além disso, integrar os quadros no


plano, que proponho do Ponto, de criar um jornal mural
subdividido em duas ou três partes (Actualidades e Infor­
mações e de tempos a tempos — Edição especial), em que
trabalhará permanentemente — uma equipa professor-alu­
nos. Mas eu tornarei a falar nisto no capítulo, que se
segue.
Depois de dois anos e meio de funcionamento — qual
é o balanço ?
Para responder a esta pergunta, empregarei larga­
mente as opiniões expressas pelos alunos por ocasião das
sondagens que fiz periodicamente para avaliar, para tomar
o pulso ao andamento dos trabalhos.
Em primeiro lugar apresentamos as respostas — obti­
das no começo do ano de 1967-1968 — à pergunta:

Aprecia os quadros de «informações» ? Porquê ?

Um único «nada»?, um único «não sei nada disso» e uma


restrição: «somente algumas partes». Quatro alunos não res­
ponderam nada. Mas todos os restantes — ou seja 163 para
170 — disseram «sim», sem equívocos.
Parece, pois, que os quadros são muito apreciados!...
Porquê? Apresentamos algumas respostas, como foram for­
muladas: «É uma distracção — mantêm-nos ao corrente e
aprendemos coisas. — Há lá muitos documentos sobre o que
se passa no mundo. — Muito instrutivo. — Esclarece-nos sobre
a actualidade. — Há lá coisas, que antes não sabíamos. — Mos­
tram-nos, com fotos, o que se passa nos países. — Falam de
tudo. — Encontram-se coisas interessantes. — Gosto de ser
informado das informações (!) — Aprendem-se muitas coisas
novas, de que nunca tínhamos tido ocasião de ouvir falar (!)
— Gosto realmente de saber o que se passa ou passará (?).
Ensina-nos coisas que nunca nos tinham ensinado. — Aquilo
esclarece-me sobre coisas de que tinha um conhecimento insu­
ficiente. — Explicam melhor e compreende-se melhor. — Apren­
dem-se certas coisas que doutra maneira não saberíamos.
— Porque somos internos e o quadro ajuda-nos a seguir melhor
as informações. — Porque não se pode ver o jornal (é ainda
um interno que fala). — Porque gosto realmente de estar em
dia. — Pelos cantores e o desporto. — Por causa das viaturas
automóveis. — É variado, atraente. — Porque não tenho tempo
de ler livros, à noite (é um semi-interno que fala). — Porque,
98 A ESCOLA ABERTA

como sou interno, me dão assuntos novos. Porque é uma


coisa que nos lança na vida e faz de nós homens. — Porque
não se tem muitas distracções. — Completa as informações
que lemos no jornal. — Há rubricas ao gosto de todos. — É-se
informado mais depressa (é no entanto um semi-interno que
fala). — Elucida-nos sobre o que se passa LÁ FORA (um
interno que sublinha a impressão de isolamento). — Porque,
quando se está no C.E.T., não se sabe o que se passa. — Porque,
na aula, faltam as actualidades mundiais. — Só ai nos podemos
informar. — Porque se está mal informado num colégio. — Vi­
vemos na ignorância. — Sim, para a cultura geral — é o único
escape, juntamente com o desporto. — É uma mudança nos
programas. — Sim, porque nem sempre temos documentos
para nos podermos interessar pelos assuntos. — Sim, porque
não estamos muitas vezes em casa para nos esclarecermos
sobre as informações (um semi-interno). — Está-se ao cor­
rente da actualidade ficando no Centro.»

É inútil comentar estas respostas, são suficientemente


eloquentes. Em Junho de 1968 fiz, somente a 36 alunos
(por falta de tempo e para ter em conta os acontecimentos
recentes) que fui procurar em três aulas do segundo ano
— depois de um ano inteiro passado em companhia dos
quadros—, a seguinte pergunta:

Deve-se continuar com os quadros de «informações»? Quais


são as vossas criticas e as vossas sugestões ?

Todos estão de acordo em que se continue. Não vou


repetir as vossas vantagens, que são as mesmas, que referi
anteriormente. Mas apresento algumas sugestões: «Falar mais
dos problemas do mundo e menos dos desportos (outros pedem
o contrário!) — O que está bem, são as fotos. Sem fotos,
é difícil de compreender. — Mudar todos os quadros com mais
frequência. — Dar assuntos mais variados: sobre os ídolos, por
exemplo; rubricas sobre o nosso ofício (futuro, vários enqua­
dramentos e ramos). — Devia haver um grupo de moços para
mudar os documentos. — Seria bom mostrar os acontecimentos
que se desenrolam durante as três semanas de Maio (estudantes,
operários, todos reunidos, no C.R.S.). — Está bem, mas seria
preciso folhear 5 a 6 jornais para nos porem ao corrente do
dia a dia. — Interessante, mas seria necessário mais tempo
para os consultar (observação muito frequente). — Alguns qua­
ACÇÃO EXPERIMENTAL 99

dros nâo têm o encanto suficiente).(!). —Por vezes, explicar


um pouco. — Decorá-los, apresentando documentos sobre os
jovens (ídolos, por exemplo). — Dar mais noticias recentes, e
sobretudo com humor.»

Juntando as respostas às duas perguntas precedentes,


pode-se admitir facilmente o pleno êxito dos quadros, que
são — é o cumprimento empregado com mais frequên­
cia — «instrutivos» e «interessantes». Os inconvenientes re-
lacionam-se com problemas mais materiais:
— O ritmo da passagem dos documentos: com efeito,
alguns lêem mais lentamente do que outros (sobretudo os
externos e, ainda mais, os semi-internos que têm frequente­
mente longos trajectos a fazer e tarefas familiares a cum­
prir). É por esta razão que previmos três quadros, que se
renovam em ritmos diferentes.
— A falta de tempo para os consultar. É uma coisa
que só se pode fazer nos recreios, mas todos sabem que
os alunos não se podem encontrar sem vigilância numa
sala, porque é esse o regulamento. E a experiência prova
que alunos responsáveis encarregados de vigiar as salas,
onde estão expostos os quadros, acabam por abandonar
as suas funções, porque não estão preparados para toma­
rem reais responsabilidades, como os colegas, aliás, não
sabem respeitar uma disciplina livremente aceite e pla­
neada colectivamente. Também aí é necessária uma longa
educação que, sem ser impossível, bem entendido, não
é por isso mais fácil. E há também o tempo!... É claro
que as salas são muito frequentadas de Inverno, porque
os quadros são interessantes, certamente, mas também
porque ali está quente e, lá fora, gela-se! Isto não diminui
nada as verificações anteriores, mas leva-nos a fazer uma
pequena correcção, que nos preserva de uma ingenuidade
em que nos sentiríamos tentados, por vezes, a cair!...
— A dificuldade de compreender algumas informações
afixadas nos quadros. Alguns alunos têm, com efeito,
sublinhado que há temas sobre a actualidade, como a guerra
100 A ESCOLA ABERTA

do Vietname, as eleições em França ou nos E.U.A., as


crises monetárias, os acontecimentos de Maio, que os
interessariam muito mais se compreendessem qualquer
coisa deles. Ora alguns artigos parecem-lhes desincarnados
porque não têm os dados do problema. Deste modo «des­
ligam» muito depressa — o que a maior parte das vezes
a opinião pública também faz e o que explica porque,
jogando com a sua preguiça, um regime tem interesse em
deixá-la na ignorância ou em mergulhá-la na confusão.
Seria portanto necessário chegar-se às sessões unicamente
consagradas a avaliar uma questão complexa e impor­
tante e, deste modo, a permitir aos alunos exprimirem
eles próprios o desejo de discutirem o assunto. Tornaremos
a falar deste caso no Ponto 4, e principalmente através
das «informações pormenorizadas» e dos «temas da actua-
lidade».
Isto é muito importante porque, para que os alunos
— e, de um modo mais geral, o público — se interessem
por um assunto, é necessário que se sintam bem dentro
dele. É necessário:
— atrair o seu interesse, apresentando os factos de
uma forma cativante, viva e clara;
— dar-lhes elementos de apreciação;
— ajudá-los a compreenderem, a dar-lhes informa­
ções — e também meios úteis e suficientes que lhes permi­
tam formar uma opinião pessoal;
—fazê-los sentir que, na nossa época, estamos todos
ligados ao que se passa no mundo: guerra do Vietname,
eleições americanas, acidentes de estrada, violência, ra­
cismo ou explosões nucleares.
A informação tem de deixar de ser uma palavra que
se esquece, um jornal que se amarrota, para se tornar
um facto vivo, de carne e de sangue, que cada um de nós
deve sentir como um bocado de si mesmo. Sabemos,
naturalmente, que se trata de qualquer coisa de muito
ACÇÃO EXPERIMENTAL 101

pessoal para que se possa fazer compreender a milhões


de indivíduos, cuja sensibilidade difere por cambiantes infi­
nitesimais; mas — ao menos isso — é necessário chegar a
que, pelos quadros instalados nas salas da aula, pelas
discussões que provocam, cada um de nós chegue, lenta­
mente, a ter mais consciência. Não me refiro a essa cons­
ciência que pode ser «boa» ou «má», segundo os regimes,
os estados de alma, os habitantes das regiões, as modas,
as religiões, mas à consciência, à verdadeira, à que nos
obriga a encararmo-nos a nós próprios nos olhos.
Eis aí a razão por que, mais uma vez, uma Escola
Aberta e uma pedagogia construtiva são as armas da
nossa época: Não matam, mas obrigam à única coragem
que vale a pena, a de sermos nós próprios num mundo que
nos recusa.
Sempre mais consciência... É esta a razão pela qual
não pode existir simplesmente informação. É necessário
também que haja educação e o seu ponto de partida é a
busca dos documentos, das provas.
Apresentamos, a seguir, como organizamos...

A nossa documentação

Falámos já o suficiente da documentação tradicional


de que dispomos.
Existe uma outra, constituída por nós mesmos e que
tem mais valor, mais alcance, porque foi necessário pro­
curá-la, julgá-la, classificá-la. É a que nos é fornecida
pelas exposições e pelos cursos dos alunos e que eles
devem — na maior parte dos casos — procurar sozinhos.
Voltaremos a falar deste assunto nos parágrafos sobre
alocução. Existe também a que, à saída dos quadros de
informação, «é retomada pela equipa de «documentação»
do Jornal e classificada em «dossiers», que servirão de
novo para os trabalhos da aula ou para as leituras pessoais
de cada aluno. Existem, finalmente, os quadros-documen­
tários. Completam o curso, tornam-no mais vivo, mais
102 A ESCOLA ABERTA

atraente, mais fácil de reter, porque oferecem à memória


uma imagem, não imposta, mas explicada e justificada.
Um quadro sobre Zola não é uma sequência heteróclita
de documentos sobre o autor dos Rougon-Macquart, é
uma pequena exposição subdividida em vários capítulos:
Vida e obra de Zola, Zola, fotógrafo da sua época (ilus­
trações do naturalismo da «fatia de vida»), o caso Dreyfus,
Zola e os impressionistas, a obra de Zola no «livro de
bolso» (uma das raras colecções pecuniariamente acessí­
veis aos alunos). Deste modo, aumentamos as probabili­
dades de Zola ficar na memória — pelos documentos —
e de ser também lido (sendo os livros preferidos: A Taberna.
Germinal, Nana, A Terra, Teresa Raquin). Um quadro
sobre a agricultura e a criação do gado, em França será
subdividido em: generalidades (com a opinião dos agri­
cultores); técnicas e produções agrícolas; criação; indús-
triais alimentares; problema dos circuitos da distribuição
de carne de matadouro; normalização dos frutos e legu­
mes; Mercado Comum; êxodo rural (ilustrado por uma
pequena montagem audio-visual sobre A Montanha, de
Jean Ferrat); reunião de várias parcelas de terreno, sendo
estes dois últimos temas tratados ainda num inquérito
realizado pelos alunos do terceiro ano e que apareceu
no nosso jornal. O curso, o quadro, as discussões e do­
cumentos anexos, constituem um conjunto, que deve deixar
nos espíritos recordações coerentes e numerosas, apoiando-
-se constantemente na actualidade. Estes dois exemplos
apresentam pois os quadros, não como simples elementos
de decoração, mas como utensílios pedagógicos tanto mais
eficazes quanto atraem a atenção e podem, também eles,
ser realizados pelos alunos.
O esforço de nos documentarmos aparece sempre no
nosso trabalho e, consequentemente, está disperso cons­
tantemente, ao longo das realizações descritas nestas pá­
ginas. É, na verdade, necessário reconhecer que estamos
apenas na fase embrionária. Mas veremos, no Ponto 4,
que deveremos necessariamente conduzir, nesse domínio,
um trabalho mais estruturado e mais eficaz. Não o desen­
ACÇÃO EXPERIMENTAL 103

volverei, portanto, mais, antes desse parágrafo, com o


fim de passar a tentativas que se baseiam nas matérias que
vou ensinando. No segundo ano, Francês (redacção, lei­
tura, e ortografia); no terceiro ano, Francês (redacção, lei­
tura e Gramática, História, Geografia e Legislação).
As nossas realizações são ainda esporádicas, são sim­
plesmente balões de ensaio aguardando uma organização
mais vasta e bem articulada. Eu tinha, aliás, prevenido
o leitor de que estávanos a pôr este processo em prática,
às apalpadelas, tacteando experimentalmente e que agía­
mos voluntariamente por pequenos toques dentro de cada
matéria. Contudo, tentámos enriquecer o programa tradi­
cional, até modificá-lo parcialmente, para ir injectando pro­
gressivamente os germes de uma mudança mais radical.
Mas, nesta fase e antes mesmo de abordar o Ponto 4,
que corta deliberadamente ao vivo a tradição, tentámos
mostrar que — mesmo no actual estado de coisas — medo
das mudanças, amor imoderado pela rotina, fracos meios
financeiros e materiais, regulamentos antiquados, menta­
lidades pusilânimes — era necessário, desde já, colocar os
marcos da nova Escola (o que Freinet já fez, para o citar
apenas a ele, há muitos anos).
Para descrever essas tentativas do modo mais claro
que seja possível, vou adoptar o seguinte plano, nas mais
importantes:
— Objectivo;
— Descrição;
— Resultados e comentários; vantagens e inconve­
nientes, na maior parte das vezes postos em evidência
pelos próprios alunos;
— Balanço e futuro da experiência.

Apresentamos, em primeiro lugar...


104 A ESCOLA ABERTA

Um esforço especial:
O melhoramento da expressão escrita e oral

Expressão escrita

objectivo: Este exercício, tradicional, é uma das


bases do nosso ensino e, como tal, temos de lhe preservar
a autoridade no espírito dos alunos, mas é necessário
reconhecer realmente que, demasiadas vezes, os jovens não
sabem escrever. Tem-me acontecido, muitas vezes, tomar
o freio nos dentes, perder as estribeiras à vista de alguns
textos literalmente sem pés nem cabeça, cheios de erros
ortográficos, cortados ao acaso, por uma pontuação in­
coerente. O profano dificilmente imagina as agonias do
corrector. Chega-se por vezes a um tal ponto que pergun­
tamos para que serviram, na verdade, tantos anos de escola­
ridade. E, como as aulas demasiadamente sobrecarregadas,
os horários muito rígidos, os programas apopléticos, im­
pedem que se tenha qualquer conhecimento eficaz sobre
os alunos, é absolutamente necessário tentar variar os exer­
cícios e dar-lhes mais atractivo, mais eficácia. Os estudos
que temos efectuado nesse domínio continuam a ser limi­
tados, mas o nosso objectivo, no segundo ano, é um
melhor manejo da língua (e é um pesado trabalho!), no
terceiro ano, são um cuidado e uma expressão mais pro­
fundos das ideias (e que, por mais espantoso que possa
parecer, é relativamente mais fácil oralmente).
descrição: A maior parte dos exercícios indivi­
duais que realizamos são ainda tradicionais. Mas um deles,
todavia, tem um carácter especial. É a busca, feita por
cada aluno, de uma curiosidade mal conhecida da sua
região. Todos os anos, temos, deste modo, estudos muito
profundos, muito ilustrados e reveladores (lugares pito­
rescos, castelos, paisagens, lendas, costumes, artesanato,
personagens pitorescas, etc.); O conjunto constitui um
«Guia» redigido, ilustrado, paginado e impresso pelos
ACÇÃO EXPERIMENTAL 105

alunos (ver a descrição nos parágrafos sobre o Clube-


-Jornal). Este trabalho, que dura várias semanas — é reser­
vado «aos do segundo ano». Entre os artigos mais conse­
guidos, temos já o retrato de um camponês de Bresse,
um texto e esboços sobre um velho moinho de água,
sobre uma queijaria, sobre os torneiros que trabalham
em madeiras, etc.
Os alunos do terceiro ano orientam eles próprios
as investigações individuais ou colectivas sobre problemas
actuais. É assim que a sua documentação sobre os precon­
ceitos raciais, lhes valeu artigos no Monde, em Dépêches,
Droit et Liberté e dela se falou em Carcassonne, Dijon,
Nice, Besançon, Belfort, Dole, Murat, Paris, Seurre e
Vesoul. Outras investigações, realizadas junto de agricul­
tores, de presidentes das câmaras municipais, conselheiros
municipais, de rapazes e raparigas de todas as idades, le­
varam a um outro documentário sobre os problemas agrí­
colas (e principalmente: a reunião de parcelas de terrenos
divididos, o êxodo rural, os jovens no campo). Além
destes trabalhos especiais e de maior fôlego, o estudo de
um tema de redacção pode encaminhar-se do seguinte
modo: reflexão pessoal sobre a questão posta; apresen­
tação em comum das opiniões e das observações; redacção
rápida de um relatório (como que um plano com os ele­
mentos da resposta); redacção individual ou colectiva.
resultados e comentários: a renovação desta ma­
téria está a ser estudada e por agora procuramos somente
lançar as bases de um trabalho sólido, com condições
para oferecer um ponto de partida simples e claro
ao espírito de todos. É todavia difícil acreditar, de uma
maneira geral, na eficácia do que se chama a «reacção».
Verificam-se tantas lacunas e os alunos estão tão pouco
conscientes dos meios de corrigirem os erros que dão,
que se poderá mesmo temer que se esteja na presença de
um exercício inútil ou mesmo — para alguns — nefasto.
As palavras são ortografadas de uma forma tão bizarra
e empregadas de uma maneira tão estranha, as frases
106 A ESCOLA ABERTA

articulam-se fazendo desvios tão torturados, que se tem


a impressão de assistir à desagregação total de algumas
estruturas mentais. Os passos que se seguem, extraídos
de textos infelizmente bastante numerosos, testemunham-
-no. Foram escritos por jovens de 16 e 17 anos, que já
têm, por detrás de si, uma longa escolaridade. A transcri­
ção que vamos fazer respeita o estilo e a ortografia:
«A maioria dos jovens (tentativa de reprodução dos
erros cometidos pelo aluno em francês) prefere ir ao baile
não grandes despesa não lição a aprender, sem dificul­
dade de encontrar um (mulher) e a noite «arranjada à
pressa». Os jovens são muito criticados pelos seus cabelos
compridos. As raparigas com as minis (tentativa de repro­
dução dos erros cometidos pelo aluno em francês) saias,
não é bonito as minis saias e o que está por baixo? Os
jovens sempre têm tido defeitos e vão tê-los (tentativa de
reprodução dos erros cometidos pelo aluno em francês)
inda muito tempo.»
Outro texto. «Entre os meios modernos de informa­
ções, eu penso que é a televisão que é mais apreciável.
Porque nós vivemos o dias ao qual as feitas são passar
pelas condições isso se faz. Nós vemos o que se passa
no mundo, aténica (tentativa de reprodução dos erros
cometidos pelo aluno em francês) , as cências (tentativa
de reprodução dos erros cometidos pelo aluno em fran­
cês). Extra. Informa-nos mais no ponto de vista no relevo...
Por outro lado, não vemos logo os inconvenientes, pelo
qual o tempo é mais reservado a certas vedeta, a certas
pessoas, depois compromete-nos a diverso disputa pelo que
nós queremos acreditar nas suas disacções passar na tele­
visão réssentemente».
Não me alargo mais, os exemplos são em grande
número e, se aqueles que citei podem ser facilmente encon­
trados na proporção de 5 ou 6 por cada aula, não devemos
por isso regozijar-nos. O nível da maior parte é médio.
Os alunos que escrevem sem erros de ortografia e num
estilo correcto são raros. Não transcrevi estas passagens
para fazer rir o leitor. Pelo contrário, isto é muito alar­
ACÇÃO EXPERIMENTAL 107

mante. E não creio — tentação no entanto fácil — que


deva dizer como o meu capitão, quando os recrutas assen­
taram praça: «Mas o que fazem então os professores de
instrução primária?»
Os professores fazem o que podem, mas é certo que
os resultados seriam melhores em aulas com menos alunos.
Seriam, em todo o caso, menos catastróficos se pudéssemos
ocupar-nos de cada criança, permitindo-lhe trabalhar se­
gundo o seu ritmo e os seus próprios meios — como
Freinet tenta fazer. Mas não! os alunos ficam sujeitos a
anos em que se gastam, evadindo-se não se sabe como,
seja como for, cada vez mais desencorajados por uma
cavalgada desenfreada e destruidora, ou numa repetição
morosa dos mesmos factos, das mesmas datas, sem que
possam dar ao trabalho o melhor e o mais profundo de
si mesmos. Não é aos 12, 15 ou 18 anos que se podem
reparar os desgastes. E há quem deseje, — por preguiça,
por cobardia, por egoísmo — continuar a apoiar um en­
sino que desintegra tão cruelmente a pessoa humana!
Pela nossa parte, por falta de confrontos frequentes
e profundos com outros alunos, ou outros colegas, cingi­
mo-nos a tentar limitar os desgastes. E não é fácil, os
resultados são muito desiguais. Bons, quando se procura
uma investigação sobre a vida dos alunos, a sua aldeia,
medíocres se pretendemos reflexões sobre um pensamento,
um facto, um problema importante.
balançoefuturo: Não estou satisfeito com os
resultados, como já disse. E contudo, estou intimamente
persuadido de que, por um lado, a redacção, sob a forma
actual, é inútil e mesmo prejudicial e que, por outro lado,
o embrião de uma solução não se pode encontrar a não
ser que este assunto volte a ser discutido pelo próprio
aluno, com o seu próprio trabalho. É esta a razão por que
multiplicamos as tentativas para uma expressão clara e
muito simples das ideias, para o desenvolvimento do gosto
pela documentação pessoal, pela leitura... Damos a cada
aluno uma ficha de trabalho'— a tabela de correcção é
108 A ESCOLA ABERTA

apresentada no parágrafo sobre «o fabrico do material


pedagógico» — a partir da qual pode analisar os seus
pontos fortes e as fraquezas, encontrando nela os elementos
de correcção. Mas demora muito tempo e seria necessário
poder conduzir com cada um uma discussão muito pro­
funda cuja eficácia dependeria mais, de resto, da afecti-
vidade que da perícia. O mau emprego da língua francesa,
exactamente como o das matemáticas, ocasiona também
um ambiente psicológico porque, aqui como em toda a
parte, é a comunicação que conta e a qualidade da relação
entre o professor e os alunos. Recordo-me que fui forte
em matemática só num ano, porque tive um professor
que cooperava e tinha paciência. Só não tive bons resul­
tados em francês noutro ano: O professor detestava-me!
Aprender a escrever e aprender a ver o mundo sob outra
claridade, outro aspecto e a lâmpada é a corrente de
simpatia que passa entre os protagonistas. É somente à
custa disso que o aluno se sentirá atraído e dentro do
assunto, dentro da redacção ou de qualquer outra ma­
téria, a respeito da qual sinta dificuldades, portanto reti­
cências. Mas disse há pouco que não estava satisfeito com
os resultados. É que é preciso tanto tacto, tanta compe­
tência e imaginação, que avalio bem — neste domínio mais
do que em qualquer outro, talvez — quanto o trabalho
de equipa é necessário.
Daqui vem a importância que concedemos à elocução,
ao trabalho de grupo, à investigação que exige sínteses
que levam muitas semanas de procura e reflexão e a orde­
nação de numerosas e variadas informações, que exigem
que cada um pague com a sua pessoa. Neste caso, igual­
mente, nada mais útil do que a constituição de um
ficheiro-documentário, de arquivos, de quadros e de
uma organização completa de actividades, como o
Clube-Jornal ou as oficinas de expressão artística ou
dramática.
As ligações entre as diferentes formas de actividade
parecem portanto um bom meio de facilitar e desenvolver
a expressão escrita.
ACÇÃO EXPERIMENTAL 109

Expressão oral

objectivo: O exercício escrito não basta, princi­


palmente para os alunos que tiverem tanta necessidade
de linguagem falada como escrita. Obrigando-os a expri­
mirem-se diante dos camaradas, a exporem-lhes, a expli­
carem-lhes o seu ponto de vista, a apresentarem-lhes argu­
mentos, pode-se afinar, por repercussão, a sua expressão
escrita. Porque escrevem como falam, quer dizer, mal!...
e é necessário ligar indissoluvelmente, no seu espírito, a
necessidade de melhorar os dois modos de expressão.
O adágio «o que se concebe bem enuncia-se claramente»
não é vazio de sentido. O confronto das ideias obriga
os jovens a ordenarem os pensamentos, a mostrarem-se
mais exigentes consigo próprios, mais sólidos, mais segu­
ros nos seus juízos, devem apresentar-se mais convincentes,
respeitar um pouco mais as regras do estilo, porque a
palavra é mais impiedosa do que a caneta. Para o provar,
façamo-los ouvir, no magnetofone, o que acabam de di­
zer!... Para eles, a clareza é uma condição essencial, por­
que a perícia do professor (que, por esse meio, consegue,
por vezes, mascarar o seu embaraço), lhes faz falta. E a
contradição dos camaradas será com certeza mais vigorosa
do que a que poderia suscitar o professor. Os meus alunos,
por exemplo, —futuros operários— terão responsabili­
dades sociais (sindicatos, clubes desportivos, grupos de
recreio, etc.), o que esperam, aliás, segundo um inquérito
efectuado junto dos mais velhos. É pois indispensável
dar-lhes também armas verbais. Afinal, exactamente como
o teatro liberta da timidez ou do amor-próprio demasiado,
paralisante, a expressão oral, na aula, pode ser uma tera­
pêutica para o que se encerra em si mesmo, para o vaidoso
e o complexado. Alguns colegas — muito ligados à disci­
plina— não podem conceber, muitas vezes, que utilidade
pode ter uma aula onde os alunos podem libertar-se do
excesso de tensão que acumulam durante alguns exercí­
cios demasiado coercivos!... Porque a expressão oral
é evidente — é igualmente um escape. Dei por isso
110 A ESCOLA ABERTA

durante uma discussão, mais que agitada, sobre a reunião


das parcelas de terra divididas, onde alguns filhos de
agricultores davam murros na mesa e altercavam! E, como
a História, a Geografia, o próprio Francês lhes parecem
muitas vezes desempenhar um papel que não é funda­
mental, ao lado das matérias referentes à oficina, é pri­
mordial, para toda a gente, que a aula de Letras seja,
ao mesmo tempo, um polo de atracção e um lugar de
descontracção, um meio de livre expressão e a «válvula
de escape» do dia. É inútil dizer que estas belas suposi­
ções, estes miríficos projectos nem sempre são realizados!...
Mas os próprios conflitos devem servir para melhorar e
clarificar as relações dentro do grupo.
descrição: As sessões de elocução completam os
exercícios de expressão escrita. Por vezes, desenrolam-se
também sozinhas: a propósito de um facto da actuali­
dade, de um problema levantado pela atitude ou pelo
trabalho de alguns, etc. E não são essas as menos pro­
veitosas!
No segundo ano, surgem para dar lugar a opiniões
que formulam sobre discos, diapositivos, situações que se
analisam, etc. Podem ser igualmente o fruto de uma inves­
tigação colectiva de documentos sobre um assunto es­
colhido livremente por grupos de 4 ou 5 alunos. Em geral,
cada um apresenta uma parte da exposição, enriquecendo-a
com fotografias, textos, testemunhos pessoais e respon­
dendo às múltiplas perguntas feitas (por vezes perfida­
mente) pelo auditório. Durante os dois últimos anos, os
assuntos tratados foram muito variados. Alguns exemplos,
para formarem o vosso juízo: as experiências espaciais
— a pesca no mar — a pesca no rio — a China — a
S.N.C.F. — o porto de Saint-Nazaire — a vida dos Es­
quimós — o desporto automóvel — a moto — a índia —
os hippies — a educação sexual — o cinema — a guerra
do Vietname — os cães — Renault, desde a origem até
aos nossos dias — Mimoun e Jazy — Thaiti — as transplan­
tações de coração — etc. Estes temas, muito eclécticos
ACÇÃO EXPERIMENTAL 111

como se vê, são alimentados sobretudo pela documenta­


ção pessoal dos alunos ou pelos contributos das biblio­
tecas de trabalho Freinet e pelos «dossiers» de documen­
tação, reunidos por uma equipa do Clube-Jornal. Termi­
nadas estas exposições, constituirão, elas próprias, pro­
cessos depositados na sala de documentação (em vias de
realização). Algumas sessões na aula — raras, infeliz­
mente! — permitem a cada grupo pôr em forma a sua
exposição, trocando ideias e documentos com os outros
grupos e receber — quando pedidas — explicações do pro­
fessor. A classificação é efectuada por toda a aula, numa
maioria relativa, com ajustamentos possíveis segundo o
trabalho apresentado por cada membro do grupo.
Um outro exercício baseia-se na escolha individual
de um texto no quadro de um tema seleccionado por
todos. É deste modo que os melhores textos, animados
por discos, constituíram montagens, inteiramente reali­
zadas, no magnetofone, pelos alunos. Foi possível,
além disso, nessa ocasião, salientar o valor libertador
do micro.
RESULTADOS E comentários: Os resultados são, em
geral, satisfatórios. A preparação é séria, as respostas
com conteúdo. Mas o arrancar é lento, porque a
iniciativa completa constrange os alunos, que não tinham
nenhuma preparação anterior. Mas depois já não querem
voltar ao sistema tradicional. É todavia necessário insistir,
junto deles, sobre o carácter educativo do trabalho, sem
o que ficaríamos completamente abafados pelos desportos
e os discos de cantores iéiés (que se diz que estão mori­
bundos e já há bastantes meses!). Estes últimos temas,
bem explorados, poderiam no entanto trazer elementos
positivos com a condição, contudo, de não constituírem
a parte essencial do trabalho. A grande variedade dos as­
suntes, o atractivo mais vincado do exercício, o jogo das
perguntas e das respostas, pelo qual todos podem parti­
cipar no enriquecimento dos conhecimentos de todos,
permitem a participação da maior parte da aula.
112 A ESCOLA ABERTA

O principal inconveniente é a barulheira que resulta


do facto de os alunos não saberem ouvir atentamente
— e respeitosamente — os que têm a palavra. Mas, se
pensarmos nas reuniões de adultos, compreendemos que
é um problema universal, que só pode ser resolvido com
uma longa e difícil educação! Quem sabe, nesse caso, se
o costume dos diálogos não fará dos alunos adultos capazes
de debater assuntos importantes de um modo muito mais
construtivo do que o dos seus predecessores? Porque se
fica impressionado ao verificar a que ponto — numa reu­
nião sindical, eleitoral, na O.N.U., ou em qualquer outra
parte — se pratica o diálogo de surdos!
balançoefuturo: O balanço é muito nitidamente
positivo e vale a pena continuar a experiência, com a
principal preocupação de se chegar a um diálogo mais
claro e mais ordenado, portanto ainda mais proveitoso,
para cada um e para todo o grupo.
No terceiro ano, todavia, não se procura somente
a expressão. É necessário igualmente reflectir, reunir e
apresentar argumentos, para melhor compreender os gran­
des problemas contemporâneos e fazê-los compreender aos
outros. Eis, para esse efeito, alguns dos exercícios, que
realizámos até hoje:

Legislação de trabalho

objectivo: Alguns cursos são apresentados pelos


alunos, perante os seus colegas, o que pode ser uma exce­
lente preparação, não só para a elocução, dentro do grupo,
mas também para planear os primeiros tópicos de uma
educação sindical, útil, não só para o futuro operário,
mas para os seus camaradas de trabalho. A experiência
prova que este conhecimento da Legislação — concebido
como uma preparação activa para a vida profissional —
não é em vão, inútil. Todos os alunos levam, no fim da
escolaridade, um manual e um caderno, onde se relatam,
ACÇÃO EXPERIMENTAL 113

não só as grandes questões, mas também as soluções


que se podem dar a alguns problemas, que não deixarão
de surgir, por vezes mais cedo do que se julga. Saber
explicar uma lição a outros alunos é preparar-se para
defender os interesses de todos, em termos acessíveis a
todos. Deste modo, a escola penetra directamente na vida
e todos os adolescentes — que façam o curso ou que o
sigam — aprendem a fazer da Legislação um assunto pes­
soal e a tomá-la mais a peito. É igualmente, para eles,
um meio de tomarem responsabilidades para consigo pró­
prios e, do mesmo modo, para com os camaradas a quem
transmitem e explicam as informações.
DESCRIÇÃO: Por equipas de dois (por vezes de
três, se a lição é difícil) os alunos preparam o curso por
escrito, formando um curto documentário, apresentando-o
à aula e apelando muitas vezes para a experiência de
cada um, porque alguns já trabalharam ou conhecem os
problemas através dos pais ou dos amigos. É uma disposi­
ção que vale a pena ser utilizada o maior número possível
de vezes, porque introduz o testemunho directo da vida
ao curso, e permite avaliar o fosso que por vezes separa
o que se ensina do que se passa, na realidade, especial­
mente na vida profissional. Em geral e se bem que o tra­
balho não seja fácil, os alunos tomam consciência das
suas responsabilidades. Deve-se dizer que nesta matéria,
considerada indispensável, a adesão não põe muitos pro­
blemas.
resultados E comentários: Os alunos apreciam a
iniciativa, que lhes deixam. Fazem do curso um assun­
to seu e pesam os riscos, tanto para si como para os
camaradas. Ao contrário de uma lição feita pelo pro­
fessor, a de um adolescente, que fala a adolescentes, põe
todos mais facilmente à vontade para intervirem, teste­
munharem, confrontarem as experiências. No entanto,
permanece a dificuldade de fazer respeitar uma disciplina
de palavra suficientemente eficaz para que a discussão não
114 A ESCOLA ABERTA

se fragmente em pequenos grupos, cujas permutas, certa­


mente vivas, não serão úteis para todo o grupo, o que é
de lamentar e provoca um grande desperdício de infor­
mações.
balanço E FUTURO: O balanço é positivo, apesar
do último facto que apresentámos. Parece pois não
oferecer dúvidas o futuro da experiência. Reticentes no
princípio, porque temiam um acréscimo de trabalho, os
alunos decidiram finalmente continuar. Evidentemente, os
resultados são desiguais, variando com a personalidade
de cada um. Mas raros são os que fazem atabalhoadamente
os cursos. Uma sondagem recente mostrou, de resto, que
se, numa classe onde o curso é feito pelos alunos,
(no primeiro caso), os resultados foram ligeiramente infe­
riores aos que obtêm correntemente os professores, foi
devido muito menos à clareza das explicações dos
alunos do que ao «receio do polícia» (no segundo).
Contudo, pode-se ter esperança de poder «actualizar»,
de um modo mais amplo, o curso, baseando-se ainda
mais nas informações, apelando para competências
exteriores (antigos alunos, sindicalistas, etc.). Pode-se
também jogar com alguns sketches que ilustram cenas
da vida profissional (contrato, carta de licenciamento,
greve, etc.) Porque importa — como para todas as tenta­
tivas, aliás — renovar constantemente o quadro, os pro­
cessos, as técnicas, com o fim de evitar que os nossos mé­
todos soçobrem rapidamente na rotina.

Aspectos e problemas do mundo contemporâneo

Passarei mais rapidamente sobre este ponto porque


tornaremos a falar dele, de um modo bastante extenso,
no capítulo seguinte, do qual constitui de facto uma char­
neira da maior importância. Primitivamente, estes aspectos
e problemas surgiam de certo modo, na sequência da
História. Mas verificou-se muito depressa que não se
ACÇÃO EXPERIMENTAL 115

podia integrá-los num quadro demasiado rígido. São, com


efeito, de tal modo tributários da actualidade, atingem
um tão grande número de domínios em evolução cons­
tante, que não podem serem isolados como a Geografia,
a Redacção ou a Legislação. Os assuntos, que tínhamos
retido desde o princípio, encontram-se, pois, implicitamente
contidos no plano apresentado no Ponto 4: os modernos
meios de informação — o cinema — o teatro — o auto­
móvel e a circulação — a fome no mundo — a habita­
ção — o racismo — a ciência e a técnica — a energia ató­
mica — a juventude actual —, referem-se todos a tantos
assuntos, que não os podemos tratar como exercícios se­
parados.
E depois, é realmente necessário reconhecer que a
falta de experiência dos alunos e a penúria dos documen­
tos, a dificuldade de adquirir rapidamente métodos de
investigação e classificação contribuíram para os fracassos.
Deste modo, eu tinha tentado — durante o segundo ano
das minhas experiências — aplicar esta fórmula a uma
aula cheia de boa vontade, bastante homogénea e de tem­
peramento moderado. Infelizmente, disciplinados, dema­
siado passivos, os alunos apresentaram simplesmente expo­
sições sem força, sem espírito incisivo, mortalmente fas­
tidiosas e insípidas. Resultado praticamente nulo: O apro­
veitamento foi medíocre para todos, orador e auditores,
embora os temas fossem interessantes. A moralidade disto
é múltipla: Não se podem separar os aspectos e os proble­
mas primordiais da nossa época do seu vasto contexto;
não se podem mandar estudar, apreciar, apresentar por
alunos — ou grupos — sem paixões, talvez perfeitos sob
o aspecto disciplinar (que palavra infame!) mas total­
mente ineficientes no domínio da comunicação, porque
não lhes dão um impulso suficiente; para que um assunto
possa chamar a atenção de um público, deve conter uma
carga explosiva suficiente; e a descarga deve ser confiada
a uma personalidade bastante forte e dinâmica para lançar
a corrente. Esta comparação não é exagerada: o conheci­
mento— e portanto o ensino — não é trabalho de me­
116 A ESCOLA ABERTA

nino de coro. Aprender não é beber xarope, é manipular


dinamite! Os patrões, os governantes de todos os tempos
e de toda a espécie bem o sabem, pois tentam constante­
mente deixar o povo na ignorância. Pensemos no formi­
dável poder de Etienne Lantier, no Germinal, que fazia
medo a uns e governava os outros, porque sabia ler, escre­
ver... e falar!
É portanto principalmente sobre a melhoria dos meios
de expressão que se apoiam os nossos esforços, contudo,
no quadro do ensino tradicional e depois de anos de uma
escolaridade que nem sempre deixa libertarem-se as poten­
cialidades do indivíduo.
Mas, além disso, lançamos igualmente...

Algumas tentativas para renovar


o ensino de algumas matérias
Ditado e leitura

Seria fastidioso descrevê-las todas, tanto mais que são


simplesmente algumas tentativas de sondagem, quer se
trate do ditado com auto-correcção e emprego do
dicionário (individualmente ou em pequenos grupos),
ou de tentativas para tornar mais viva e mais atraente
A leitura, variando a sua apresentação e os meios de
realização:
— No caso de uma peça de teatro, escolha de um
texto, que interesse aos alunos (ex. Montserrat, de Emma-
nuel Roblès); leitura a várias vozes (Le Bourgèois Gentil-
homme); execução de algumas cenas pelos membros do
grupo Montagem ou Arte dramática (extractos de Terror
e Miséria do III.° Reich, de Brecht).
— Variações em redor de um tema: o nazismo (Brecht e
Anne Frank); os embaraços de Paris (Boileau, Barjavel);
os problemas agrícolas (La Montagne, de Jean Ferrat, e
L'Espagnol, de Bemard Clavel).
acçAo experimental 117

— Utilização do magnetofone com montagem reali­


zada pelo professor (os poetas da Resistência), pela equipa
professor-alunos (a velhice) ou pelos alunos sozinhos (as
viagens).
— Ilustração das obras apresentadas pelos quadros-
-documentários: Jornal de Hiroshima (de 6 de Agosto
de 1945 até aos nossos dias); As Vinhas da Ira (apresenta­
ção de Steinbeck dos «oakies» de ontem e de hoje, dos
E.U.A., etc.).
— Correlações com outras matérias: geografia (a
mina), legislação (trabalho das mulheres e das crianças),
em Germinal; educação artística (montagem, música e dia­
positivos: La Moldau, de Smetana, A Floresta, sobre o con­
certo de Aranjuez, de Rodrigo).
Podem-se multiplicar até ao infinito as combinações,
contanto que se utilizem todos os meios postos à nossa
disposição e que se tentem criar laços de amizade entre
o autor, a obra e os alunos. Ora, só tornando-a viva,
atraente, actual, se levará os jovens à leitura. E veremos,
no Ponto 4, os meios que apresentamos para desenvolver
esse gosto... tão pouco francês, segundo as estatísticas.
E, para terminar, (provisoriamente) com a leitura,
citarei um anteprojecto dos métodos que tentaremos pôr
em prática, dentro do Clube de leitura, de que torna­
remos a falar igualmente mais tarde. Trata-se de um
sistema de abordar colectivamente a obra Boitelle, de
Maupassant. Todos os alunos têm diante de si o texto
completo do conto, que poderão ler ao mesmo tempo
que eu. Antes mesmo de começar a leitura, escrevo no
quadro duas perguntas baseando-as no conteúdo da nar­
rativa. Por exemplo: 1. Por que sentimentos passam suces­
sivamente os pais de Boitelle? 2. Como apresenta Maupas­
sant o problema dos preconceitos raciais? Depois da lei­
tura, as duas perguntas são discutidas por grupos de 3
ou 4. Li, prevenindo os alunos de que podiam tomar
nota ,de passagem, de todos os pormenores úteis para as
respostas pedidas. Deixo-os discutir o texto cerca de 10 mi­
118 A ESCOLA ABERTA

nutos, depois pergunto-lhes a que conclusão chegaram.


Esta maneira de tratar o texto de um modo colectivo
tem a vantagem de o tornar mais familiar aos jovens lei­
tores. Permite igualmente multiplicar as trocas de im­
pressões e, quando da exposição dos narradores, avalia-se
a riqueza de ideias, a subtileza de reflexão que se podem
encontrar nos alunos, que têm contudo menos experiência
desse género de exercício intelectual do que os seus cama­
radas dos liceus. O principal obstáculo proveio de mim.
Tinha a tendência de os guiar, de os orientar ou mesmo
de sugerir simplesmente (mas já era demasiado!) as res­
postas. De modo que, muitas vezes, levei-os até onde pensei
que era bom que eles fossem. É uma tendência que dificil­
mente se consegue reprimir e contra a qual é todavia
necessário lutar, se se pretende realmente partir da activi-
dade primária dos alunos.

Geografia

É relativamente fácil actualizar a geografia, em­


pregando todos os documentos úteis (diapositivos, filmes,
fotografias), mas também mantendo-se constantemente em
dia, pela leitura assídua dos jornais e das revistas mais
ou menos especializadas (Le Monde, nesse domínio, é
muito útil). Finalmente, é necessário renovar os quadros
documentários que têm o objectivo de ilustrar as lições,
porque não só familiarizam os alunos com a questão,
que se está a estudar, mas lhes dão igualmente o desejo
de procurar outras informações nos seus próprios jornais,
sobretudo se alguns dos problemas abordados lhes dizem
respeito directamente (êxodo rural, emprego, desemprego,
etc.). Porque, no terceiro ano, a geografia é económica
e humana. Não pode deixar de falar na reconversão das
minas de carvão, dos problemas vitícolas, da fraca venda
das pescas e da superprodução da manteiga, da subindus-
trialização do Sudoeste, do Grande Delta, da regionali­
zação das auto-estradas, ou da habitação. Pode-se cons­
ACÇÂO EXPERIMENTAL 119

tantemente, e deve-se, situar a lição de geografia no con­


texto actual e é evidente que a leitura do jornal e dos quadros
só pode favorecer essa experiência.

História

Em história, o trabalho é mais difícil e, temos


de reconhecê-lo, não se consegue sempre manter a atenção
permanentemente desperta. É que nos faltam documentos e
que não se pode partir — como nas outras matérias — da
actualidade e dos próprios conhecimentos dos alunos. As
lições que têm mais êxito são as dedicadas à Primeira e
à Segunda Guerra Mundial, assuntos sobre os quais tenho
a vantagem de possuir documentos da época, duas B.T.
sonoras de Freinet e duas montagens em magnetofone.
Por vezes, é mesmo possível estabelecer um paralelo entre
ontem e hoje, o que fizémos comparando o nascimento
do capitalismo, no século XIX e a crise monetária nacional
e internacional. Mas, apesar da ajuda de alguns quadros,
sente-se que se tem de fazer ainda um grande esforço
nesta matéria.
A própria concepção dos programas oficiais (pelo
menos ao que se refere ao meu domínio) permite estabe­
lecer aproximações entre as diversas matérias, que se ensi­
nam nas aulas de Letras. Aí está a razão por que tento dar
aos alunos, no começo de cada ano escolar, uma ideia
dessas relações. Criei uma lição de conjunto intitulada
«Os maquinismos da economia moderna», que tenta pôr
em evidência as interdependências que o sistema capita­
lista (em que vivemos) estabelece entre as três palavras
chaves: Bens — Necessidades — Rendimentos. Cada ponto
desta síntese será visto no interior de cada matéria — à me­
dida que se for desenrolando o programa. Estas noções e
estas relações são bastante complexas — e, ao mesmo
tempo, essenciais — para que se possa deixar de voltar
ao assunto, de tempos a tempos, por ocasião de um ponto
sobre a actualidade, por exemplo: desvalorização da libra,
120 A ESCOLA ABERTA

crise do franco, conflito do Médio-Oriente ou plano agrí­


cola do Mercado Comum.
Esta lição permite compreender a razão pela qual
— entre diversos assuntos de diversas matérias — sentimos
a necessidade de estabelecer

Correlações

O seu objectivo é assegurar uma coesão mais íntima


entre diferentes matérias e, por vezes, mesmo actividades
escolares ou peri-escolares como o Clube-Jornal ou o
Clube de foto. Temos igualmente a preocupação de esta­
belecer constantemente uma ligação, entre o ensino e o
mundo exterior, para que este lhe dê mais consistência,
mais verdade, mas também para que os alunos sintam
que não se procuram aquisições inúteis, simples jogos de
espírito, mas conhecimentos que têm — que terão — que
utilizar constantemente na vida quotidiana. É também evi­
dente que a

Ligação constante
ENSINO — ACTUALIDADES — DOCUMENTAÇÃO
por meio de
CORRELAÇÕES

esbate — ou, pelo menos, tenta esbater — a sensação que


os alunos têm de estar a perder tempo na Escola... Final­
mente, ajudamo-los a elaborar um ponto de vista sinté­
tico de elementos aparentemente discordantes — que
favorece a abertura entre as matérias, de que voltare­
mos a falar no Ponto 4.
Para concretizar esta concepção, citemos o exemplo
de Germinal que observamos na leitura e que podemos
ACÇÃO EXPERIMENTAL 121

— além do quadro utilizado na aula — ilustrar com o


esquema, que se segue
122 A ESCOLA ABERTA

No caso precedente, o material utilizado é principal­


mente o quadro e o livro. Mas há outras possibilidades,
como o testemunha este
ACÇÃO EXPERIMENTAL 123

Naturalmente existem outros assuntos, ou antes «com­


plexos de interesse» graças aos quais faremos apelo a outras
matérias. Deste modo, «A Segurança»—pode ser estudada
em Legislação do trabalho, em Ciências, em redacção,
em elocução, na oficina, mesmo em História (para com­
parar as épocas e os meios utilizados) «A metalurgia»
participa, ao mesmo tempo, da Geografia, das Ciências,
da oficina, da tecnologia e igualmente da História (apare­
cimento da grande indústria): «A educação sexual» pode
ser tratada em Francês e em Ciências, mas deve poder
abordar-se também no centro socio-educativo, que poderá
ter a colaboração de um médico, de um psicólogo ou de
quaisquer outros adultos competentes. Poder-se-á facil­
mente multiplicar os temas. Mas, para isso, tem de se
admitir uma coesão da equipa docente — o que foi muitas
vezes pedido durante o mês de Maio de 68 — e que deve­
mos conseguir, mais cedo ou mais tarde, de uma forma
efectiva.
No entanto, pode surgir um obstáculo a propósito
do estabelecimento das correlações, que acabo de des­
crever. É o risco de criar nos espíritos uma certa con­
fusão (um resumo de História não é forçosamente cons­
truído como uma redacção, por exemplo). É, pois, útil
marcar, ao mesmo tempo, os limites das matérias e esta­
belecer, de um modo claro e simples, as ligações que as
aproximam, sem por isso lhes tirar as suas características
específicas. O problema será portanto ajudar a desenvolver
o espírito de síntese, sem deixar de respeitar as actividades
do pensamento analítico. É assim que acontece na vida,
mas não é — no entanto — coisa fácil de conseguir numa
aula. Mas, como muitas vezes o indivíduo tem pontos de
vista analíticos ou sintéticos sobre as coisas, compreende-
-se a necessidade de tentar uma investigação e um comen­
tário dentro de uma equipa. Cada um dos membros da
qual dê à colectividade os esclarecimentos das suas pró­
prias possibilidades. Esta necessidade é de tal modo evi­
dente que, cada vez mais, se vem a conceder somente uma
real eficácia ao trabalho de equipa — o que não exclui
124 A ESCOLA ABERTA

total e impiedosamente o trabalho individual. Mas, como


nós próprios o pomos em prática, deve-se saber juntar
as vantagens de todas as formas de actividade dentro de
um grupo onde cada elemento conserve a sua originali­
dade, sem deixar de estabelecer com os outros elos de
ligação cada vez mais sólidos.
Se, pelo menos, no começo, a preparação das correla­
ções estava sob a responsabilidade do professor, há um
domínio ao qual é necessário — quer na aula, quer no
lar — fazer directamente apelo à competência, à inicia­
tiva e ao sentido prático dos alunos; é...

O fabrico de material pedagógico

Ao longo das páginas anteriores, já falámos de reali­


zações efectuadas com êxito pelos próprios alunos: quadros
e processos-documentários, constituídos, na altura do
curso e expostos ou reunidos pela equipa «documenta­
ção», do Clube-Jornal (de que vamos tornar em breve a
falar); documentação «Micron» (teremos nós preconceitos
raciais? — Problemas de vida no campo); montagens no
magnetofone, etc. Para elucidar a nossa maneira de tra­
balhar nesse domínio, vamos dar três exemplos. E, em
primeiro lugar, um fracasso — o que é muito útil — com
a análise das suas causas.

1. Gráfico pessoal de notação

objectivo: Temos tentado substituir, a pouco e pouco,


as notas por uma escala de apreciação. Apesar de todo o
mal que se diz das primeiras, seria inútil suprimi-las em
benefício das segundas — que também têm defeitos — só
pelo prazer de mudarmos. Com o gráfico pessoal, deseja­
ríamos principalmente:
— juntar às avaliações por disciplina outras aprecia­
ções baseadas nas exigências da vida profissional, social,
ACÇÃO EXPERIMENTAL 125

familiar:
espírito de comunidade, iniciativa, perseve­
rança, PERSONALIDADE, ATENÇÃO;

— permitir ao professor e ao aluno (possuindo cada


um uma cópia do gráfico pessoal) discutir em conjunto
os resultados obtidos durante o trimestre, tanto em Letras
como nas outras matérias — mas as nossas investigações
realizaram-se simplesmente para o ensino literário;
— dar ao aluno os meios de ver, num só relance,
graças a esse gráfico, em que ponto vai o seu trabalho,
a todo o instante e em qualquer ocasião;
— favorecer o sentido das responsabilidades no aluno,
mostrando-lhe que, uma vez que em todos os momentos
sabe onde vai, não pode pretender — salvo acidente —
ignorar o que tem a fazer para melhorar a sua situação.

descrição — Propus, portanto, no começo de 1966,


nas minhas aulas, que discutissem o projecto apresentado
na página 126, pedindo-lhes que:
— comentassem o quadro, em pequenos grupos;
— se pronunciassem a favor ou contra as notas, as
classificações e o gráfico apresentado;
— preenchessem eventualmente a parte «notas com­
plementares», reservada às sugestões.
Pudemos então pôr em execução o gráfico apresen­
tado na página 126. Mas nunca tivemos possibilidade de
o empregar. Vejamos porquê:

resultados: A discussão foi muito animada e


— único aspecto positivo — permitiu «libertações» em al­
guns alunos de carácter especialmente difícil. Não se pode,
pois, acusá-los de terem recebido passivamente este tra­
balho. Pelo contrário, rejeitaram-no com todas as suas
forças. E a única aula a aceitar pôr o gráfico em prática,
teve finalmente que abandoná-lo, singularmente constran­
gida (exactamente como eu, aliás) pela dificuldade de apre-
ACÇÃO EXPERIMENTAL 127

ciar justamente as noções de «personalidade» e de «espí­


rito de comunidade». A oposição foi de tal natureza que
renunciei — pelo menos sob essa forma — a lançar um
gráfico que, no fim de contas, só terá interesse se um
grande número de alunos o tiver regular e voluntariamente
em dia. E a concepção democrática da nossa colaboração
dentro de um grupo proibe-nos impor à maioria um tra­
balho recusado por essa maioria com tanta força.
Apesar da liberdade que o sistema lhes dava (e talvez
por causa disso) os alunos puseram-lhe fortíssima resis­
tência: desfasamento perante uma mudança demasiado
brutal nos seus hábitos; repugnância por serem julgados
pelos outros e por se julgarem a si próprios, não vendo
sequer alguns qualquer interesse nisso; incapacidade de
pensar de outro modo a não ser pela apreciação numerada,
cifrada, tendo alguns perdido o pé, literalmente transtor­
nados por essa nova forma de ver). Apresentamos aliás
alguns comentários: «É uma coisa que não traz nada de
novo: sou um zero em matemática e continuarei a sê-lo.
Não é comparando os meus gráficos que poderei melho­
rar!» — «É complicado, altera muito os nossos hábitos.»
— «Não é necessário classificar as matérias e as quali­
dades do mesmo modo (apreciações e notas para umas,
e para as outras somente apreciações)». — «A notação
— sobretudo a das qualidades — feita pelos alunos, arrisca-
-se a não ser tomada a sério.»
Mesmo eu ofereci resistência. Pelo menos compreendi
que não se aprende a democracia num dia e que é precisa
muita paciência e lucidez para ver as coisas e as pessoas
sob um ponto de vista absolutamente indulgente. É ainda
necessário admitir que raramente as pessoas se conseguem
desembaraçar do detestável «espírito de esquerda» (que
não deixa de ser um snobismo como os outros), segundo
o qual podemos considerar-nos grandes almas porque con­
cedemos algumas mesquinhas liberdades, deixamos tomar
algumas iniciativas miseráveis a seres que julgamos, apesar
de tudo — no nosso íntimo — fora do nosso «caminho
certo». Direita, esquerda, meio ateu ou crente, a favor ou
128 A ESCOLA ABERTA

contra o regime que está no poder, que coisa ridícula! Nin­


guém está no «caminho recto». É uma simples concep­
ção do espírito humano, em nome da qual se persegue,
se prende, se injuria, se extermina. Querendo ignorar as
viragens, os obstáculos que se arriscam a contrariar a
construção dessa «linha» tirânica, acabamos por partir
a cara... e todos sabem, que na maioria dos casos, a morte
não é para aquele que está no posto de comando!
Deste modo, apesar da minha «boa vontade» — e se
bem que o assunto apresentado não seja uma ideia de
que possa reivindicar a paternidade, não soube fugir a
um certo constrangimento, até a uma real irritação, pe­
rante os ataques por vezes virulentos que, finalmente, tive
de reconhecer como plenamente justificáveis. Mas foi uma
reacção de defesa quase instintiva (o que não a torna por
isso mais desculpável) contra o qual fui incapaz de lutar
eficazmente nesse momento.
Pouco a pouco, contudo, compreendi as razões do
fracasso. Como disse anteriormente, verifica-se, em pri­
meiro lugar, que a democracia é uma coisa muito difícil
de manejar. É indubitavelmente por isso que é tão rara!
E, numa aula, é a priori impossível explicá-la e fazê-la
compreender a alunos cuja vida escolar foi, para a maioria,
simplesmente uma longa submissão à ditadura do pro­
fessor. Dar às crianças a liberdade absoluta, de um dia
para o outro, concedê-la às crianças, aos adolescentes (ou
até aos adultos!) que não estão seriamente preparados
para isso, é pura e simplesmente, uma impostura. É levá-
-los, a mais longo ou mais breve prazo, a um fracasso,
de que se arriscam a não voltar a si, e, depois desamparados,
azedos, aniquilados, a entregarem-se, com um alívio
cobarde, ao primeiro homem «providencial» que apareça,
contanto que tenha o pulso suficientemente forte para
restabelecer a ordem — religião e expiação dos povos sem
vontade. A democracia, a liberdade de a pessoa dispor
de si, a coragem de ser ela própria, aprendeu-se desde a
infância. E é por aí que se avalia a honestidade de um
regime e a maturidade de um povo! Fazer com que cada
ACÇÃO EXPERIMENTAL 129

cidadão seja capaz de assumir plenamente e lucidamente


o seu destino e o da comunidade a que pertence! É inútil
dizer que, no momento, não há muitos exemplos disso!...
Os paralelos que tento estabelecer entre a vida social
e a vida do cidadão, não são artificiais. São-no tão pouco
que se tem a impressão nitidíssima de que nem os gover­
nos nem os povos estão muito interessados em empregar
essa arma terrivelmente perigosa: a aprendizagem da liber­
dade. Se se compreende essa atitude aos governos, (cujo
interesse é esse, a maior parte das vezes), não se pode
admitir no povo essa atitude, a não ser pressupondo, no
ser humano, uma pronunciada tendência para a preguiça...
Custa a crer, não é verdade?
Seja como for, parece, no entanto, que é ela que
motiva a maior parte das resistências que encontramos no
professor, nos alunos, em alguns membros do ensino ou
da administração (cuja influência — pelo facto de ser exte­
rior— não deixa de ser igualmente efectiva). Habituados
a um sistema escolar que os obriga a obedecer, sem ter
muito que reflectir, e que acaba por lhes embotar o espí­
rito de iniciativa, uns consideram como um atentado into­
lerável à sua tranquilidade qualquer proposta com ten­
dência para lhes dar um pouco mais de trabalho e para
os fazer tomar mais responsabilidades. Os outros, habi­
tuados a não serem postos em causa, têm dificuldade em
se defenderem de uma certa irritação — que pode ir até à
ameaça ou até à violência — se alguém ousar contradi­
zê-los.
Interessa analisar o fracasso do gráfico, porque nos
obriga a respeitar algumas realidades. Fracassámos, por­
que a apresentação material não era clara (ver esboço):
Os pontos e as cruzes, que representavam as apreciações,
atravancavam as colunas e arriscavam-se a arrastar a
abusos ou confusões. Não se pode colocar no mesmo
plano matérias tão diferentes como os trabalhos pessoais,
a leitura, a elocução ou a redacção (o que, no entanto,
se faz no sistema tradicional de classificação, com os
mesmos números — até as mesmas apreciações — que pre­
130 A ESCOLA ABERTA

tendem julgar do mesmo modo matérias tão diferentes e


para as quais os critérios de avaliação são obrigatoriamente
variáveis). Pelo seu lado, os alunos estavam mal prepa­
rados para um trabalho comunitário (estávamos mesmo no
princípio das nossas experiências) e não sabiam que a
primeira condição é o conhecimento preciso, por parte de
todos, de cada um dos elementos do grupo e o estabeleci­
mento de comunicações frequentes, sejam elas favoráveis
ou hostis e que pouco importa neste domínio, pois que
o essencial é que, de facto, se manifestem.
É esta a razão pela qual, no Ponto 2, preconizei
«uma prudência e uma lentidão calculadas». Querendo pre­
cipitar as coisas, desprezando a preparação psicológica
de uns e doutros, estonteando os espíritos há muito habi­
tuados a uma obediência passiva, pretendendo discutir
com os alunos sem se estar realmente preparado para
isso, no seu íntimo, vai cair-se irremediavelmente no fra­
casso. E digo e repito que a pedagogia construtiva, por
definição e por um propósito deliberado, recusa categorica­
mente o fracasso.
Depois desta tentativa, temos — passo a passo, dis­
cussão após discussão, experiência após experiência —
aperfeiçoado as nossas relações dentro do grupo. E é com
certeza por essa razão que nos tem sido possível continuar
os nossos trabalhos, que a atmosfera inicial teria impiedo­
samente condenado, se tivesse persistido. Creio que nunca
insistirei demasiadamente sobre a necessidade de apre­
sentar, antes de qualquer acção, princípios aceites, de
comum acordo, pelos alunos e pelo professor — o que,
pela nossa parte, não deixamos de fazer em todos os
começos de ano e de repetir em todas as ocasiões. Foi
nessas condições, que planeámos a...

2. Tabela de correcção construtiva das redacções

A redacção é um dos exercícios mais difíceis de julgar,


e sabe-se perfeitamente que a sua correcção está subordi­
nada a elementos muito diferentes: qualidades especiais
ACÇÃO EXPERIMENTAL 131

do trabalho, certamente (valor das ideias, estilo, ortogra­


fia, etc.) mas também factores próprios do corrector (tempo
de que dispõe, estado de espírito, fadiga, enervamento,
personalidade, cultura, etc.), dos quais nunca se pode
garantir a constância, mesmo se trabalharmos de uma
forma absolutamente distendida e com uma honestidade
intelectual total — o que é raro. As numerosas contro­
vérsias sobre este assunto provaram — demonstração aces­
sória — que os critérios de avaliação, o temperamento, o
carácter ou a personalidade do corrector faziam variar
as notas de uma forma muito apreciável, na maior parte
dos casos. Certamente que é pouco provável que se dêem
os 20, numa tabela feita à base desse número, a um tra­
balho que mereceria 7, ou inversamente, mas sabemos
perfeitamente que os riscos de erro são muito grandes.
Também estivemos interessados numa experiência de
classificação citada em L'Éducation Nationale por Robert
Duquene, professor de um colégio. Tratava-se de uma
tentativa efectuada por 11 professores do Norte e do
Pas-de-Calais (professores de instrução primária, profes­
sores do liceu ou de um colégio) sendo alguns diplomados
em psicopedagogia pela universidade de Lyon, e todos
titulares e experimentados. Tinham registado, na altura
da correcção de quatro trabalhos, uma forte dispersão
das notas, todas elas marcadas com números como se
fossem apreciações adverbais. Propunham eliminar o zero
— o que nós próprios temos feito — e basearam-se numa
escala de notação reduzida a cinco possibilidades: 1 — a
medíocre; 2 — sofrível; 3 — suficiente; 4 — bom e 5 —
muito bom. Dariam então a nota total (baseada nos 20),
segundo a fórmula:

sendo K uma variável subjectiva. A tabela que apresen­


tamos a seguir é a que eles propunham, sendo reproduzida
no caderno do aluno. Cada casa cortada indicava precisa­
mente que essa qualidade faltava ao trabalho, o que podia
132 A ESCOLA ABERTA

ser corrigida pelo próprio aluno. Ele tinha, ao mesmo


tempo, um importante elemento de resposta, ao ler o seu
conteúdo.
Num quadro negro, especialmente reservado para esse
fim, tornei, pois, a copiar a tabela:

Em seguida, pedi aos alunos que a discutissem, em


pequenos grupos (3 ou 4). Podiam acrescentar, suprimir
casas ou modificar-lhes o conteúdo. Tínhamos, com efeito,
considerado que não podíamos aplicar exactamente a ta­
bela aos trabalhos do C.E.T., cujos objectivos e exigências
são diferentes dos das outras espécies de ensino. É igual­
mente necessário que as anotações contidas nas casas
correspondam, de muito perto, ao nível, às necessidades
e à linguagem que os alunos terão de utilizar. Alguns
termos, aliás, eram demasiado semelhantes uns aos outros
(clareza, nitidez), demasiado difíceis (dominante) ou muito
ACÇÃO EXPERIMENTAL 133

vagos (válidos) para ficarem suficientemente claros no


espírito de todos. Finalmente, para que este meio de cor-
recção fosse realmente útil, era necessário que todos os
interessados tivessem participado na sua elaboração e aper­
feiçoamento. Deste modo, limitei-me a propor a tabela
de partida. Os alunos preencheram as casas e, no caso de
contestação, o conteúdo era votado por maioria relativa.
Foi assim que 160 alunos organizaram finalmente a
tabela seguinte:

Seguem-se as observações que se podem fazer ao


examinar esta nova tabela:
— Cada ponto importante do trabalho (ideias, plano,
estilo, ortografia-gramática) é classificado segundo a es­
cala de 1 a 4, preconizada pela tabela citada em primeiro
lugar, constituindo o total uma nota numérica). Uma das
134 A ESCOLA ABERTA

vantagens é que se divide por 4 o erro de apreciação ante-


riormente citado. A injustiça talvez não seja completa­
mente eliminada, mas é consideravelmente atenuada.
— O conteúdo das casas nunca sublinha uma falta,
mas, pelo contrário, propõe soluções possíveis. É pois
uma classificação construtiva, no sentido em que a enten­
demos ao longo de todo este trabalho. Se a casa está
cortada em cruz, é porque há erro e basta ler o seu con­
teúdo para saber o que se deve fazer. Se a casa está ro­
deada por um círculo, é que a qualidade que aí está men­
cionada se encontra no trabalho. Se eu pretender ainda
«personalizar» um pouco mais a minha opinião a res­
peito do trabalho corrigido, sirvo-me ainda da casa «ob­
servações particulares».
O total é à base de 20. Mas decidimos todos penalizar
ou recompensar a atenção, o cuidado, a escrita, sem que
se possa acrescentar ou subtrair mais de 2 pontos à nota
em conjunto, que figurará no quadro limitado por linhas
mais escuras.
— Ao comparar várias tabelas, o aluno pode, — du­
rante o ano — ver, num relance, quais são os erros que dá
com mais frequência e a curva dos seus sucessivos tra
balhos.
— É provável que o professor consiga ganhar tempo,
servindo-se desta tabela, pois tem muito menos que escre­
ver. As suas observações serão mais fáceis de decifrar
(falo por mim, por exemplo!). E o aluno apreciará, à
primeira vista, o valor do seu trabalho.
Deste modo, sendo preparada pelos alunos, segundo
o seu nível e capacidade de apreciação, reduzindo os riscos
de erro, colocando o erro em lugar secundário em bene­
fício da proposta de solução, esta tabela é um exemplo
de material pedagógico próprio para apoiar os esforços
de uma pedagogia construtiva, tal como a concebemos.
Finalmente, um último exemplo, que ilustra a noção
de Escola Aberta, porque permitiu os contactos dos alunos
entre si e com o exterior. Apela igualmente para o seu
ACÇÃO EXPERIMENTAL 135

espírito de iniciativa e os seus esforços, ao mesmo tempo


individuais e colectivos. Pretendeu servir-se, de uma forma
positiva, dos elementos que o mundo actual oferece.
Trata-se da...

3. Realização duma montagem sobre magnetofone

É um trabalho que só é realizado no segundo ano


e que compreende várias fases.
Em primeiro lugar, depois de algumas rápidas indica­
ções e de alguns exemplos, proponho aos alunos que
escolham um tema a partir de uma lista inscrita no quadro
(proposta, segundo os casos, por eles ou por mim): o mar,
os animais, a juventude, a aventura e as viagens, perfis,
etc. A escolha é feita por maioria absoluta. Os alunos são,
em seguida convidados a apresentar, algumas semanas
mais tarde, um texto em verso ou prosa (poema, extracto
de romance, narrativa de uma viagem, artigo de jornal
ou de revista, etc.). Tornarão a copiá-lo e justificarão,
em algumas linhas, a sua escolha. Será o exercício de re-
dacção. Di-lo-ão, em seguida, de memória, diante dos
colegas, respeitando pelo menos a intonação e tentando
interessar.
Em segundo lugar, toda a gente passa pelo estrado,
apresenta o seu texto, explica a sua escolha, responde às
eventuais perguntas do auditório. De tudo isto depende
a nota.
Em terceiro lugar, depois de eu próprio ter eliminado
os piores, ou os que manifestamente não estão dentro do
tema escolhido, lêem-se os textos, que devem ser seleccio-
nados por toda a aula, por maioria relativa e — em caso
de ex aequo — por maioria absoluta. Observa-se a mesma
prática na escolha dos discos (canção, jazz, folcore, música
clássica). Obtêm-se assim 8 a 10 textos, 9 a 11 discos
(porque se deve pensar na introdução e na conclusão
sonora). Em seguida, afinam-se os encadeamentos, pre-
vêm-se os ruídos, colocam-se, os narradores, o magneto­
fone, o electrofone, de forma a obter as melhores condi­
136 A ESCOLA ABERTA

ções de gravação. As responsabilidades são divididas por


todos os alunos. Não tenho nenhum papel efectivo na
realização da montagem, sendo os aparelhos manejados
pelos próprios alunos.
Em quarto lugar, é a gravação propriamente dita, com
os seus erros e titubeações, os ruídos incongruentes, as
repetições, o fundo musical muito fraco ou muito forte,
as intonações sem sabor, os imprevistos técnicos... e hu­
manos. Mas, como o verifiquei, todos tomam o trabalho
a sério, e todos SE tomam a sério!...
Foi por este processo que se realizaram, no ano
passado, «A Amizade» e «A Aventura e As Viagens»; a
terceira turma, demasiado apática, para trazer os discos
necessários, não realizou a sua montagem sobre «Os Ani­
mais». Em 1969, os assuntos escolhidos foram «A Guerra»,
«O Amor», e «A Juventude Delinquente» — o que não
é fácil.
As duas realizações anteriormente citadas são muito
diferentes. «A Amizade» é um serão de bons camaradas,
que, aparentemente desprevenidos, se convidam mutua­
mente a dizer um texto ou a pôr um disco. Os autores
consideraram eles próprios, tal como os colegas das outras
turmas, que a gravação era muito barulhenta, que se
tornava fatigante mas, era também, no fundo, muito
simpático, por ser muito espontâneo. A segunda mon­
tagem — «A Aventura e As Viagens»—eliminou os ruídos,
e desenrola-se com mais seriedade, mas os autores — tal
como os ouvintes, encontraram-lhe graves erros na audi­
ção. Porque...
Em quinto lugar, cada turma ouve as gravações para
as criticar e melhorar deste modo as futuras realizações.
É um exercício muito interessante (uma boa consoli­
dação para a equipa, iniciação perfeita nas aparelhagens,
boa preparação para a dicção), mas apresenta um incon­
veniente sobretudo, ao quadro dos nossos horários cor­
tados em secções rígidas: É muito longo e ocupa várias
sessões. Mas, em compensação, oferece muitas vantagens
e, especialmente, a de multiplicar os exercícios em diversas
ACÇÃO EXPERIMENTAL 137

matérias: elocução, redacção, recitação, e constitui uma


boa ocasião de desenvolver o juízo crítico (escolha dos
textos e discos), favorecendo também a iniciativa pessoal
(organização dos encadeamentos, manutenção dos apa­
relhos) e espírito de comunidade. Dá ocasião a um tra­
balho ao mesmo tempo individual e colectivo, cria um
bom ambiente de trabalho (sério mas que liberta da tensão
nervosa, dá o prazer de ter realizado qualquer coisa de
útil e de palpável, visto que, no decorrer dos anos seguin­
tes, se podem utilizar essas montagens e fazer mesmo
serões, seguidos de projecções (fotos ou diapositivos rea­
lizados pelo Clube de Foto, por exemplo).
Este pequeno número de exemplos ajuda certamente
a verificar que a fabricação de material pedagógico é
igualmente um trabalho construtivo, que permite, além
do mais, favorecer as possibilidades de comunicação dentro
do grupo e que deixa sempre traços úteis para os que
virão depois, porque é bom insistir na solidariedade que
pode animar realizações desta natureza, preparadas e con­
duzidas com êxito por alguns e para o proveito de todos.
Finalmente, não se pode negar que é esse um meio de
apresentar a vida e a ocasião de criar, num local, no entanto,
escolar, uma atmosfera mais descontraída, condições de
trabalho mais agradáveis, uma abertura mais ampla para
o mundo exterior.
É por esta razão que é inevitável, mesmo para o
dinamismo das nossas experiências, que procuremos, no
seio do estabelecimento, a colaboração do centro socio-
-educativo. Oferecendo, de facto, actividades de carácter
facultativo, favorece o desenvolvimento da turma e per­
mite que os alunos se exprimam mais espontaneamente.
É, nesta óptica, que temos realizado lentamente...

O Clube-Jornal

Num certo número de estabelecimentos escolares exis­


tem jornais realizados por alunos sob a direcção de um
138 A ESCOLA ABERTA

animador (professor, vigilante de internato, vigilante geral,


membro do pessoal, etc.) que, de resto, raramente é «ani­
mador» no pleno sentido da palavra. A sua boa vontade
não está em causa, mas a sua qualificação — no plano
prático, certamente, mas sobretudo no plano psicopeda-
gógico — é forçosamente incompleta, porque os estágios
são raros, o tempo livre, para os seguir, reduzido, os meios
muitas vezes ridículos.Os jornais são o trabalho de um
grupo, que fala em nome da comunidade, sem que por
isso a comunidade participe sempre, com a assiduidade
e o dinamismo desejados. Cada uma destas publicações
tem a sua originalidade, as suas qualidades, as suas fra­
quezas, que dependem frequentemente da forma como são
preparadas.
Em geral, o seu conteúdo é muito variável, consoante
o animador faz sentir ou não o peso do seu cunho pes­
soal; consoante se «vai pedir emprestado» a um lado e a
outro ou se tenta, pelo contrário, fazer um trabalho verda­
deiramente pessoal; consoante a mentalidade dos alunos,
o ambiente do estabelecimento, os meios financeiros e
materiais de que se dispõe.
Foi neste contexto que publicámos «Autour du Mi­
cron— nouvelle formule» com a ideia de fazer dele uma
realização bem precisa, elaborada depois de longa re­
flexão e muito tactear, (por vezes inábeis). Não se pro­
curava somente um novo jornal, com espírito, apresen­
tação, conteúdo novos, mas sim...

Um conjunto com múltiplos aspectos

Voltaremos a falar mais adiante do actual desenvol­


vimento desta ideia — no parágrafo sobre Inter-micron,
no Ponto 4 — mas, desde a fase inicial, temos desejado,
em primeiro lugar, publicar um jornal, que vise os se­
guintes objectivos, como os definia o editorial do n.° 1
do nosso «Nova Fórmula», que apareceu no começo de
1966 (ver a página seguinte):
O QUE É
EM REDOR DO MICRON
Nova fórmula

Este ano, «EM REDOR DO MICRON» faz dez anos. O número 1 data, com
efeito, de 1965. Dez anos de destinos, de condições diferentes, de altos e baixos,
mas, durante esses-dez anos sucederam-se as equipas, os animadores, cujo trabalho
nos permitiu dispor do material necessário para a elaboração de*um jornal apre­
sentável. Contudo, é realmente necessário ,de tempos a tempos, fugir à rotina, à
satisfação de si mesmo e voltar a pôr em questão o que não está certo. Pareceu-nos
útil aproveitar o seu 10.° aniversário para dar ao nosso jornal um sangue novo.
Eis, portanto, a razão deste «Nova Fórmula».
Bem entendido, existiram problemas e crise. Ainda recentemente o n.° 7 da
antiga fórmula — quando mais de metade dos exemplares estavam prontos —
pareceu-nos que não se vendia. Não quisemos sabotar o trabalho do período de
renovação de H. (nome do Animador) nem o dos nossos camaradas do 3.“ ano.
E passámos à realização deste Nova Fórmula, para o qual solicitamos as vossas
criticas, as vossas sugestões e encorajamentos.
Questionários e inquéritos, permitiram-nos apoiar os nossos esforços sobre
os pontos que se seguem e que são igualmente os «princípios» do nosso novo
jornal:

— Composição organizada: variada sucessão de artigos, sobre temas muito


diversos, rubricas especializadas, como às MICRONOTAS, o CORREIO DOS
LEITORES que faz de «EM REDOR DO MICRON» o Jornal que é edificado
por todos os que o lêem.

— Apresentação cuidada e variada: mais desenhos, caça aos erros, ruptura


voluntária com os artigos rigidos, com grandes tiradas, rebarbativas e indigestas.
(Ora, «AUTOUR DU MICRON» não deve ficar como uma coisa que faz peso
no estômago; se alguma coisa lhes desagradar, digam-no, não o guardem para
vocês!)

— Delimitação do nosso domínio: nós não somos membros da imprensa dos


jovens, nem da Imprensa de Informação. Somos — desejamo-lo, pelo menos —
a expressão de uma voz, a da nossa comunidade. É, portanto, normal que toda
a gente possa trabalhar no jornal, donde:

— Jornal de todos, escrito por todos: alguns artigos não são dos membros da
Comissão de Redacção que, longe de se tomar por uma assembleia de pequenos
deuses e de privilegiados, se sujeita a um trabalho, por vezes esmagador, corrige,
selecciona, ilustra, pagina o que todos lhe fazem chegar às mãos. É ela que orga­
niza a Campanha Publicitária e vende o jornal, com a ajuda de alguns externos.
Tudo isto, naturalmente, exige um...

— «Espirito MICRON» que se pretende que não seja estúpido nem mau e
que põe em prática, por vezes, a arrumação dos artigos arrecadados e que é, aliás,
a melhor forma de evitar conservas de... mau humor ou de hipocrisia. François
H... soube compreender e manter esta flor delicada e rara, que se chama o HU­
MOR e que todos — sob pena de envelhecimento acelerado e de violentas dores de
estômago — devem cultivar ou, pelo menos, não o abafar...

E agora, caros leitores, peguem nas canetas, são vocês os porta-vozes!...


Digam-nos o que pensem desta «Nova Fórmula»!
140 A ESCOLA ABERTA

Foi assim que publicámos depois 8 números, cujos


artigos mais significativos são:
— entrevistas com Jean Ferrat, com actores do teatro
de Bourgogne, com Lucien Aimar, com Bernard Clavel;
— inquéritos, reportagens, sondagens, narrativas, etc.;
— Cadernos Micron: em 10 ou 12 páginas, abordamos
um assunto sério, capaz de provocar a reflexão, ou exi­
gindo um trabalho de investigação em profundidade e
grandes iniciativas por parte dos alunos. Foi neste enqua­
dramento que publicámos: «Teremos nós preconceitos
raciais? — «Aspectos e problemas da juventude actual,
vistos pelos jovens» — «Aspectos e problemas da vida no
campo» (conjunto de testemunhos recolhidos junto de agri­
cultores, de presidentes de câmaras e conselheiros muni­
cipais de pequenas comunas, de jovens habitantes das
aldeias, etc.). Cada um dos seus documentários pode ser
utilizado na aula ou, completado e posto em dia, cons­
tituir um dos volumes de uma «pequena biblioteca Micron»,
que temos em projecto.
Todavia, à medida que avançávamos, tanto na aula
de Letras como no Clube-Jornal, ia-se impondo a neces­
sidade de apertar mais os laços que nos ligavam, e favo­
recer as trocas, a comunicação entre os três polos:

Nesta trilogia, o Clube-Jornal permite dar aos outros


dois termos os meios e os métodos necessários para uma
melhor abordagem e uma melhor compreensão da vida,
proporcionando-lhes maior flexibilidade e uma liberdade
maior. Para isso, deve:
ACÇÃO EXPERIMENTAL 141

— ser concebido democraticamente pelos alunos (pelos


quais o animador é o responsável «legal», dentro de um
grupo de trabalho de que é simplesmente um dos mem­
bros);
— ser um lugar de liberdade, mas não de desordem,
onde aprendemos a ser nós próprios, sem constrangi­
mento, mas na plena consciência das responsabilidades
que devemos assumir:
— oferecer uma gama de actividades que mantenham
relações maleáveis e estreitas, ao mesmo tempo, com a
vida e a aula (como indica o esquema que apresen­
támos).
Por outro lado, o jornal em si não pode ocupar senão
um número reduzido de alunos (cerca de dez) e arrisca-se
a ficar um ambiente fechado. Alargámos portanto o Clube,
em 1967, reorganizando-o de modo a que ofereça acti­
vidades mais variadas a um maior número de alunos.
É assim que trabalham conjuntamente:
— a equipa Jornal (que se ocupa exclusivamente da
publicação de que acabamos de falar);
— a equipa «Guia Micron», que selecciona os me­
lhores estudos sobre as curiosidades da região, pouco
conhecidas ou desconhecidas, descobertas e valorizadas
pelos alunos: artistas, paisagens, folclore, moinhos de
água, grutas, castelos, habitat regional, costumes, perfis,
fábricas ou actividades próprias da região. Em seguida
ilustra-os, com frequência por meio de esboços, bilhetes
postais, fotos, que se juntam a cada estudo. Publica um
número por ano, agrupando cerca de 15 artigos muito
variados. O objectivo desta publicação — de que devem
existir poucos exemplares comparáveis — é favorecer nos
jovens um esforço determinante para fazer conhecer a
sua região, mas fora do domínio reservado aos guias tra­
dicionais. É uma fórmula que lembra «Bonjour, M. le
Maire». (Bom dia, sr. Presidente da Câmara), mas encontra
142 A ESCOLA ABERTA

nesta tentativa e nos trabalhos efectuados pelos jovens


um carácter muito especial. No primeiro número, que
apareceu em Junho de 1969, encontram-se especialmente os
seguintes assuntos: — perfil de um camponês — uma quei­
jaria — um velho moinho de água, com esboços pormeno­
rizados — uma fábrica de cadeiras — uma aldeia de tor­
neiros de madeira — a casa típica da região de Bresse —
paisagens pitorescas — castelos — um grupo folclórico —
uma reportagem sobre a arte dramática, feita a partir de
L'Espagnol, de B. Clavel, etc.;
— a equipa «Montagem e Teatro»; os seus membros
ensaiavam cenas de Terror e Miséria do III.° Reich e prepa­
ravam uma montagem sobre Guerra ou Paz, o que foi
interrompido pelos acontecimentos de Maio; em 1969, foi
substituída por um Clube-Teatro, que já não depende do
jornal — mesmo que possam empreender realizações co­
muns;
— a equipa de «Informações» é a que realiza os quadros
«Magazine» e «Edição especial», de que já falámos;
— a equipa «Documentação», que tem múltiplas ta­
refas, organiza e faz funcionar a biblioteca dos alunos,
mantendo os seus trabalhos, assim como os que serão
em breve usados na sala de leitura. Ocupa-se eventual­
mente das revistas depositadas na sala de documentação
e leitura. Constitui cadernos-documentários, coleccionando
principalmente os artigos que saíram dos quadros, com
o fim de proporcionar uma base de trabalho útil para os
alunos que têm cursos ou exposições a preparar, ou que,
muito simplesmente, desejam informar-se pessoalmente.
Deste modo, o Clube-Jornal é, pelas suas diferentes
actividades, uma oportunidade de trabalho, educativo cer­
tamente, mas que beneficia também de uma liberdade
maior e de uma atmosfera menos tensa do que a dos
cursos. É igualmente uma oficina onde se fabricam uten­
sílios pedagógicos (a biblioteca, os documentos, os qua­
dros).
ACÇÃO EXPERIMENTAL 143

Esperamos abrir (brevemente?) uma sala de documen­


tação e de leitura onde alguns alunos virão, com toda a
tranquilidade, preparar trabalhos pessoais, e onde encon­
trarão as obras da biblioteca, os cadernos-documentários,
as revistas, etc. Algumas saías(por exemplo, de Letras)
poderiam estar abertas também para outros leitores.
Era este, em Junho de 68, o estado do jornal que,
como se está a ver, estabelecia (e continua a estabelecer)
apertados laços entre a vida e as aulas. Mas está-se ainda
simplesmente no período de rodagem. Desejamos fazer do
Clube um meio de abertura da aula para a vida e de pene­
tração da vida na aula e mesmo em todo o estabeleci­
mento. Devia constituir também o lugar e a oportunidade
de tempos livres educativos e, do mesmo modo, o fermento
das actividades da escola, de uma forma mais geral. Seria
necessário — é o nosso objectivo — poder igualmente abrir
oficinas de estudo da rádio, da imprensa, da televisão,
da publicidade. O Clube-Jornal poderia também organizar
inquéritos «no próprio terreno» para se compreender me­
lhor as manifestações da sociedade. Finalmente, seria o
animador de serões de tempos livres ou de informação.
Seria assim o embrião do Centro de educação permanente,
de que desejaríamos encontrar um exemplar em cada
estabelecimento escolar, em cada localidade, em cada
bairro. Estes Centros seriam uma porta aberta para a edu­
cação permanente dos adultos, pois se torna cada vez
mais evidente que se não pode fazer nada neste domínio
sem se pôr permanentemente em questão os conhecimentos.
Pelo menos, numa primeira fase (porque isso não bastaria),
a ligação aula-lar (e já: aula de Letras-Clube Jornal!)
oferecem uma solução capaz de abrir a escola à vida e
para a vida. Voltaremos a falar de tudo isto, de um modo
mais pormenorizado, no Ponto 4 e evocaremos aí — por
exemplo — a possibilidade de lançar, desde já, um centro
de educação permanente, citando o exemplo da operação
«Intermicron», que se inscreve na sequência lógica das
tentativas levadas a efeito, até aqui, no quadro do Clube
Jornal.
144 A ESCOLA ABERTA

Um certo espírito: a Liberdade sem constrangimento nem desordem

Constrangimento e desordem são igualmente anti-


-educativos, não formam o juízo crítico nem a persona­
lidade. O primeiro estrangula-os. A segunda deixa perigo­
samente crer que, na vida, tudo é fácil e arrisca-se a dis­
suadir os jovens de realizarem actividades de que sentirão
bem depressa a inutilidade.
Seria utópico querer fazer passar bruscamente os
alunos do constrangimento para a auto-disciplina. A liber­
dade é uma educação e só pode ser o fruto de uma aqui­
sição consciente e reflectida. É, por outro lado, indispen­
sável compreender que a disciplina do estabelecimento não
poderia imperar nas actividades do centro socio-educa-
tivo, o que pressupõe a participação honesta e convicta
dos alunos.
Desde o princípio, o grupo deve aceitar, de comum
acordo, um espírito que faça da autodisciplina a garantia
da liberdade. Sendo os alunos em grande número e o ani­
mador um único para os vigiar, qualquer disciplina exer­
cida unicamente pelo adulto é, não só impossível, mas
de abolir formalmente. Falsearia o livre jogo das permutas
e a expressão espontânea do grupo. Deve-se, portanto,
desde o início, avisar toda a gente de que o bom anda­
mento das actividades e o seu êxito dependem expressa­
mente da atitude de cada um e que, se um conflito rebenta,
são os alunos que têm de o resolver, sem ter de recorrer
— salvo caso grave — ao animador adulto.

Uma gestão democrática

Exige uma estruturação ao mesmo tempo maleável (para


evitar as cargas «administrativas» um grupo essencial­
mente virado para a actividade) e organizada (para que os
responsáveis, colocados a vários níveis, possam travar
— individual ou colectivamente — os possíveis «falhanços»
oposições, preguiça, desordem, diversos obstáculos, etc.)
ACÇÃO EXPERIMENTAL 145

É esta a razão pela qual o Clube Jornal no seu todo é con­


duzido por um secretário geral que, sem ser o chefe, está
encarregado de suscitar e de coordenar as actividades e
de facilitar o modo como vão desenrolar-se. Liberta assim
o animador, que pode dedicar-se a um grupo em dificul­
dades. O secretário geral convoca os membros do Clube
e estabelece as ligações entre as equipas e com o exterior.
O tesoureiro vigia, com o acordo de todos, a distribuição
das despesas e a entrada das receitas, nota as perdas ou
as necessidades de material. Responsáveis pela equipa (2,
em geral) ajudam o bom funcionamento dos grupos de
trabalho. Não se deixam dominar, mas não devem, por
isso, ceder à tentativa da ditadura. Quando surge uma
dificuldade, deve ser possível resolvê-la ao nível da equipa
ou — se é mais grave — durante a assembleia geral do
Clube, isto antes de se recorrer ao animador adulto, o
que virá retirar aos adolescentes a iniciativa e a responsa­
bilidade da decisão final.
É esta a razão por que a gestão democrática não pode
ser senão progressiva. Nem os alunos nem os adultos que
os rodeiam estão preparados para assumir ou para fazer
um uso lúcido e imediato da liberdade. A experiência
prova-o. E nesse caso assiste-se à desintegração do grupo.
Porque muitos anos, de obediência passiva nuns, dema­
siada autoridade indiscutida noutros, tomam dificilmente
admissível uma reviravolta brutal das barreiras. Entregar
os jovens a si mesmos, sem os ter preparado para as res­
ponsabilidades nem avisado dos riscos que correm, seria
pura demagogia, o que poderia levá-los a um fracasso
doloroso e talvez irremediável. Todavia, com maior ou
menor rapidez, segundo as circunstâncias e a atitude de
cada um, mas em qualquer caso com honestidade e cora­
gem da parte do animador adulto, essa gestão democrá­
tica deve instaurar-se e funcionar realmente.
Finalmente, exactamente como na aula, é necessário,
no centro socio-educativo, recusar a pedagogia de fracasso.
A expressão pode parecer um pouco forte mas, no entanto,
como não reconhecer que a escola cultiva ainda o fracasso,
146 A ESCOLA ABERTA

em vez de dar os meios para o êxito (notas, composições,


observações escritas ou verbais, insistem demasiado sobre
a falta e não apresentam soluções práticas para a reparar).
No Clube-Jornal, democraticamente concebido, será neces­
sário que o animador evite o momento em que será obri­
gado a pronunciar a frase, que muitos adultos conservam
(e por vezes sem consciência disso) no seu íntimo:
«Era de prever. Vocês não são capazes de se dirigirem
sozinhos. Eu tinha-os prevenido. » A reacção só poderá
ser uma recusa irritante (e justificada!) de tudo o que
o adulto fará ou irá propor de futuro. Ou então um re­
curso desesperado à sua autoridade, o que equivalerá à
abdicação pura e simples de qualquer iniciativa e à recusa,
mais ou menos consciente, de se formarem a si próprios.
Qualquer dos casos seria igualmente nocivo...

Os problemas que se põem

Compreende-se que, para realizar um conjunto desta


natureza, cuja utilidade pareceu evidente a todos os seus
participantes, apesar de algumas críticas — contidas, em
parte, no que se vai seguir—, compreende-se que seja
necessário dispor de tempo, de pessoal, de meios mate­
riais e financeiros suficientes.
o tempo: É necessário muito!... Com efeito, é
indispensável reunir os alunos, fazê-los discutir a forma
e o fundo do jornal, guiar-lhes as tentativas ou os trabalhos.
É necessário vigiar, apesar de tudo, a execução do tra­
balho. Têm de se corrigir os artigos. Finalmente, é preciso
dactilografar os stencils, porque não seria decente os pedir
a uma secretária do estabelecimento esse enorme acréscimo
de trabalho. Mesmo quando se pode ser ajudado, nesta últi­
ma tarefa, por uma pessoa de boa vontade (a esposa do ani­
mador, neste caso) é necessário contar, pelo menos, com
cinco horas por semana, que se juntam, em geral, ao
horário de um professor de Letras (21 horas oficiais, nos
acçAo experimental 147

colégios técnicos). Compreende-se, portanto, que, mesmo


que um professor faça 3 horas suplementares «reconheci­
das» (quer dizer, com retribuição), precisa de mais, na
realidade. Uma grande parte de benemerência entra, por
conseguinte nestas actividades, o que não é forçosamente
o caso em outras profissões. Mesmo que se queira realizar
alguns trabalhos no próprio local (entrevistas, por exemplo)
ou no seu domicílio, fica-se muito longe do que é neces­
sário! É aqui que se inscreve uma polémica constante­
mente renovada: o que se deve pensar da benemerência?
A minha posição fará ranger os dentes — reacção que,
muitas vezes, tenho provocado. Sei que educadores, pio­
neiros de métodos a que tanto devemos, não se pouparam a
trabalho nem a tempo perdido, sem nada pedir nem rece­
ber em troca, nem sequer reconhecimento e por vezes
também atraindo temíveis inimizades. Devemos prestar-
-lhes indiscutivelmente homenagem e agradecer-lhes o te­
rem-nos aberto o caminho. Mas chega um momento em
que o que eles criaram deve tomar força e ganhar em
eficácia. É, portanto, necessário chegar a que a educação
permanente, as actividades socio-educativas, os clubes de
tempos livres façam, ao mesmo tempo, parte das despesas
públicas e conservem a sua espontaneidade e indepen­
dência. É difícil, certamente! Porque é grande o risco de
sucumbir ao funcionarismo dos animadores, que se tor­
narão talvez lacaios a soldo os deste ou daquele regime,
ou dos mercenários, mais interessados no dinheiro do que
na sua vocação de «pessoas que tem de despertar», de
«estimular» consciências e personalidades. Mas não nos
deixemos enganar. Nesse domínio, o dinheiro e o pessoal
fazem uma falta atroz e a evolução geral da educação
— ligada ela própria à da sociedade — encaminha-nos para
a colocação de professores, que se tomarão os anima­
dores das escolas, onde se distinguirá, cada vez menos, a
aula do centro socio-educativo. Neste caso, não se pode
admitir — com toda a lógica — que as actividades socio-
-educativas sejam guiadas por animadores a que falte a
indispensável competência. Deverá, na verdade, chegar
148 A ESCOLA ABERTA

um dia em que lhes proporcionem os meios — suficientes,


eficazes, gratuitos — de se prepararem para um papel cada
vez mais importante, que muito poucos podem actual-
mente assumir. E depois: é fácil para o Estado pretender
criar centros socio-educativos — úteis à sua própria pu­
blicidade — sem lhes dar o pessoal e os meios indispen­
sáveis para os fazer realmente funcionar. Ou então seria
criar funções ao desbarato, porque não se formam por
esse (baixo) preço, animadores, não se põem a funcionar
conjuntos educativos, apenas no nome, não se instituem
actividades, que estão forçosamente condenadas por falta
de tempo e pessoal.
o pessoal: É evidentemente um problema impor­
tante, porque para realizar essas actividades, é necessário
ter animadores no pleno sentido da palavra — o que nós,
membros do corpo docente, nem sempre somos, facto
este que se dá por culpa nossa ou não, sendo variáveis
até ao infinito os critérios de apreciação. Creio, aliás, que
é difícil, pelo menos no estado actual das coisas e das
mentalidades, ser, ao mesmo tempo, professor e animador.
Poucos, entre nós, aceitam transpor a barreira, destruir
eles próprios os seus privilégios e hábitos, e também poucos
de nós podem arranjar tempo, entusiasmo (e é uma coisa
necessária), liberdade para cumprir esta dupla tarefa. O que
seria necessário era criar, em cada estabelecimento, em
cada unidade de ensino, equipas professor-animador, que
trabalhassem constantemente no mesmo plano, confron­
tando as suas experiências, as suas competências e conhe­
cimentos, e que pudessem assim pôr em execução mé­
todos que se completassem, de forma a oferecerem aos
alunos uma gama muito ampla de actividades, que cobris­
sem todos os problemas e aspectos da nossa época e favo­
recessem o desenvolvimento do carácter e da personali­
dade de cada um, correspondendo às aspirações, às neces­
sidades, aos gostos reais dos jovens. É isto que propomos
no Ponto 4.
ACÇÃO EXPERIMENTAL 149

os alunos: Sendo os regulamentos, as mentali­


dades e os métodos, como são, não se deve esperar estar
sempre satisfeito com o trabalho dos alunos. Em primeiro
lugar, porque eles não vêem os problemas da mesma ma­
neira que nós. É-lhes ainda difícil admitir que possamos
ter ideias ou opiniões diferentes das suas. Pertence-nos a
nós saber se pretendemos qualquer coisa bem definida,
«bem acabada», mas com uma influência demasiada do
adulto, ou , pelo contrário, qualquer coisa mais espon­
tânea e menos de acordo com a nossa concepção pessoal.
Naturalmente, não se deve cair no excesso contrário. Se
deixássemos os alunos à vontade, sem nada combinar
com eles, o jornal seria exclusivamente composto de jogos,
de histórias mais ou menos duvidosas, de «façanhas» de
ídolos e de proezas desportivas. Já tenho dito que não
acredito na eficácia de um clube que funcione com uma
autonomia completa, sem nenhuma direcção — pedagó­
gica e não disciplinar, bem entendido — do animador
adulto. A fórmula mais adaptada actualmente é, na minha
opinião, a equipa animadores-adolescentes trabalhando em
comum. É talvez menos espectacular, é aparentemente
menos democrático, mas é, verdadeiramente, menos dema­
gógico e mais realista do que a completa liberdade de
acção, que não é honesta nem educativa. Por outro lado,
os alunos, pouco habituados ao real exercício da liber­
dade —têm, por vezes, tendência para abusar, quer fazendo
algazarra, quer deixando-se ir atrás da preguiça ou da
indolência, ou ainda tomando o pretexto de actividades
livres para infringir o sacrossanto regulamento. Claro que
a culpa não é exclusivamente deles. Sabe-se muito bem
que a liberdade é uma aprendizagem contínua. Mas eles
também nem sempre são anjos! Conheço-os suficiente­
mente e tenho por eles bastante afecto, para ter o direito
de lhes dizer o que penso, quando ultrapassam certos
limites, que tínhamos, no entanto, fixado de comum
acordo anteriormente. Não deixo de o fazer, quando é
necessário, e, se as minhas cóleras são raras, não deixam
por isso de ser mais eficazes. Isto para dizer que — contra-
150 A ESCOLA ABERTA

riamente ao que alguns se poderiam tentar a imaginar —


gostar dos jovens não é admitir-lhes tudo; e, seguro da
confiança que têm em mim, certo de não abusar dos meus
poderes, julgo que tenho o direito de regular as nossas
contas «entre homens» (como lhes digo) quer dizer, expli­
cando francamente — e por vezes energicamente — o que
podemos ter que nos censurar mutuamente. Não creio
que a atmosfera do Clube-Jornal — nem a da aula, aliás —
tenha sido por isso degradada. As páginas precedentes
mostram que se pode fazer muitas coisas com os alunos.
Mas não se pode fazer tudo. E — é uma realidade que
se deve conhecer — isso exige muita paciência e muita
vontade de parte a parte.
o animador: É difícil de encontrar e pode-se
admitir facilmente que esse trabalho tente muita gente,
visto que mesmo para os animadores qualificados e re­
conhecidos ou retribuídos como tal, as condições de tra­
balho são com frequência difíceis. Nos centros socio-edu-
cativos, os professores ou vigilantes, que a isso se con­
sagram, apesar de tudo, não estão especialmente prepara­
dos para essa pesada tarefa, nem pelos estudos nem pelas
funções. Têm pois de contribuir com um verdadeiro esforço
para transpor as dificuldades. E, mesmo quando o con­
seguem, lá está o regulamento para os paralisar, pois o
centro — associação regida pela lei de 1901—não está
todavia libertado da tutela da administração que rege o
resto do estabelecimento escolar. Decerto que alguns pro­
gressos se têm realizado recentemente, mas ser-nos-á neces­
sário voltar, no Ponto 4. às equipas educadoras compostas
de professores e de animadores, que trabalham em cola­
boração estreita e constante, de que já falámos anterior-
mente. Finalmente...
OS MEIOS MATERIAIS E financeiros: Sabe-se real­
mente que as actividades de um centro não devem
ser conduzidas com um fim lucrativo. São ainda necessá­
rios créditos para assegurar a compra do material indis­
ACÇÃO EXPERIMENTAL 151

pensável e promover actividades, que vão sendo sempre


em maior número e que sejam cada vez mais vantajosas,
do ponto de vista espiritual, para os seus participantes.
Por exemplo, embora o nosso jornal possua duplicador
e material de desenho, o aumento constante do preço
da tinta, do papel, dos stencils, reduz a margem dos seus
benefícios e das suas possibilidades, sobretudo se se consi­
derar que um número de mais de 22 páginas (portanto
de 40 stencils, com as ilustrações) corre o risco de custar
mais caro do que aquilo que rende, mesmo que seja possí­
vel vender todos os exemplares.
Assim é, pois, um jornal dos alunos. São estas as suas
dificuldades. Ora os problemas dos animadores são for­
çosamente os dos alunos. A vida de internato, a con­
cepção de algumas actividades escolares, não são muitas
vezes tão exaltantes nem enriquecem particularmente o
espírito de tal maneira que se possa privar os jovens de
trabalhos susceptíveis de fazer deles homens e mulheres
mais abertos, mais receptivos aos aspectos da nossa época
e mais conscientes, também, dos seus problemas. Isto são
coisas que devemos respeitar neles e não abafar. Mas
não deixa de ser necessário ter meios para isso!...
Assim terminamos — provisoriamente — a descrição
das experiências que, durante mais de dois anos e meio,
o nosso grupo professor-alunos realizou num colégio de
ensino técnico masculino de província. Terminei no Clube-
-Jornal, porque é um elo indispensável da cadeia a que
vamos voltar, no Ponto 4, onde vou apresentar um plano
mais preciso e mais vasto do que estas experiências, decerto
dispersas, mas que constituem, no entanto, um ponto de
partida, na verdade, concreto. Porque — temos de repeti-
-lo — estas tentativas, tão pouco espectaculares, por mais
limitadas que sejam, têm pelo menos a vantagem de ser
bem reais e a sua descrição não é do domínio da teoria,
mas pertence já ao da prática. Sem orgulho, mas para
oferecer desde já um meio de acção, digamos que as nossas
152 A ESCOLA ABERTA

tentativas — como as de tantos outros — fazem da reno­


vação pedagógica uma realidade mais palpável e mais
imediata.
Contudo, não podíamos passar a uma acção mais
organizada sem determinar a posição da fase experimental,
que a precedeu e preparou.
É esta a razão pela qual vamos agora concluir a expo­
sição do período preparatório pelo...

Balanço provisório e crítico


das nossas experiências

Qualquer balanço é, em primeiro lugar, contestação.


Mas, mesmo que ele deva ser negativo numa primeira
fase, é-lhe necessário — para ser verdadeiramente eficaz —
ultrapassar esse estádio e evoluir no sentido que temos
precisado já por várias vezes:

Contestar = criticar para construir

Esta contestação:
— exprime uma crítica, que certamente se exige cons­
trutiva, mas sem complacência. As páginas precedentes dão
conta dos nossos êxitos tal como dos fracassos e as que
se vão seguir conservarão o mesmo espírito;
— deseja ultrapassar a fase negativa — e, no entanto
indispensável, muitas vezes, em virtude do choque psico­
lógico que pode provocar — para fazer dela a base de
propostas construtivas destinadas a lançar a fase de acção,
que se segue, o que estamos já a fazer.
ACÇÃO EXPERIMENTAL

A passagem de uma fase para outra pode ser esquema­


tizada— por exemplo — da seguinte forma:

ACÇÃO EXPERIMENTAL

Propostas

ACÇÃO ORGANIZADA

E é assim que, em pedagogia construtiva como em


todas as circunstâncias da vida, se pode agir de forma
lúcida e eficaz. A contestação total, que formulámos no
Ponto 1 e que apoiámos em todo um conjunto de factos,
aplicamo-la ao nosso próprio trabalho. Antes de ir mais
longe, deve-se pois saber que, mesmo no quadro das
nossas experiências, existem...

Limites

Já citámos alguns, que nos foram impostos pelas pró­


prias condições do trabalho: quadro e ponto de vista tradi­
cionais, pessoas, regulamentos, mentalidades, etc. Bem as
conhecemos desde o princípio.
Mas, durante todas as nossas tentativas, encontrá­
mos outros:
nos alunos: Já falámos (no Ponto 1) da sua
apatia, da sua falta de iniciativa ou de imaginação, etc.,
mas reconhecemos que as responsabilidades se dividiam
por um grande número de instituições e de pessoas. Deve-
-se recordar ainda mais uma vez os hábitos de obediência
154 A ESCOLA ABERTA

passiva: o estado inculto dos seus conhecimentos e da sua


personalidade, em alguns domínios; as «escórias», aquisi­
ções parasitas, que deformam ou paralisam as grandes
funções mentais... Devemos recordar também que a criança,
e sobretudo o adolescente, se fatiga tanto mais, quanto
o exercício, que apresentam, for aborrecido, longo e roti­
neiro. É preciso saber — o que os próprios alunos me dis­
seram no questionário psico-social de que já falei — que
há momentos de maior fadiga, portanto de uma recepci-
vidade mais fraca.
A criança não se fatiga ao fazer um trabalho que está
na linha da sua vida, que é por assim dizer, funcional.

FREINET. Invariant 17

no professor: Mesmo que esteja cheio de boa


vontade, tem muitas vezes de se libertar dos seus hábitos
psicológicos, das obrigações morais ou das ligações ma­
teriais que lhe confere a sua posição social, da dimensão
— muitas vezes artificial, aliás — que lhe dá a sua autori­
dade. Mesmo que não se rebaixe perante os jovens, numa
atitude demagógica e irresponsável, e mesmo que aceite
descer do seu pedestal, é-lhe difícil encontrar a justa me­
dida susceptível de instaurar um diálogo real com os alu­
nos. Tem dificuldade, igualmente, em encontrar uma lin­
guagem acessível a todos, nem obscura nem que os estu-
pidifique. A psicologia do adolescente, o conhecimento
de si mesmo, a dinâmica e a animação dos grupos, não
são suficientemente conhecidos pelo professor actual, para
que possa cumprir o papel de motor da comunidade,
que será realmente necessário que assuma daqui em diante.
Porque o que conta não é tanto a função, é sobretudo o
indivíduo, o que transmite de si mesmo aos alunos,
muito mais do que os conhecimentos técnicos ou peda­
gógicos. Para o futuro, aprender a ensinar é, antes de tudo,
aprender a comunicar, — e temos mostrado que era essa
uma das maiores preocupações das nossas experiências.
ACÇÃO experimental 155

Finalmente, estes métodos põem mais à prova a


capacidade do aluno do que os que se utilizam tradicio­
nalmente. Contrariamente ao que se poderia pensar, é
mais longo e mais difícil trabalhar num curso apresen­
tado pelos alunos do que preparar uma sessão magistral.
É preciso prever os erros, os esquecimentos, as pergun­
tas, cada vez em maior número, as divagações e ensinar
os jovens a serem, ao mesmo tempo, sóbrios e concre­
tos. É, portanto, necessário aprender a «aparar o golpe»
fisicamente, moralmente, psiquicamente e, no entanto,
sobrevêm «bloqueios» devidos ao excesso de trabalho.
E depois existem travões: a administração e os regu­
lamentos, alguns colegas que-não-compreendem, as difi­
culdades de comunicação com os centros de documenta­
ção, a raridade ou a pobreza de contactos com outros
professores (e nós somos, por vezes, os primeiros que
estamos em falta), a escassez de dinheiro (para a documen­
tação pessoal, sempre anacrónica, sempre insuficiente), a
pobreza de créditos concedidos à documentação colectiva,
a falta de tempo tanto do professor como dos alunos,
que têm os horários muito carregados e mal concebidos,
em que a descontracção, e algumas matérias (educação
física ou artística, tempos livres educativos) não ocupam
os espaços suficientes.
Eis, portanto — muito rapidamente — quais são as
coacções ou inconvenientes que, de qualquer modo, ro­
deiam os trabalhos. Mas é necessário que em cada fase
das experiências sobrevenha a atitude crítica capaz de nos
ajudar a guiar ou intensificar a nossa acção, a mudar de
caminho, sendo necessário, quando nos apercebemos de
que não vamos pelo verdadeiro rumo. O balanço de que
o leitor pôde tomar conhecimento, quando da exposição
de cada tentativa, indicou claramente as vantagens e os
inconvenientes, à medida que os fomos descobrindo.
Esta crítica deve ser feita:
— todas as vezes que uma parte ou a totalidade do
grupo o julgue necessário;
156 A ESCOLA ABERTA

— por todo o grupo, tendo evidentemente importância


a opinião de cada um, e sendo essencial (tornemos a recor­
dá-lo) partir das necessidades reais e das reacções dos
alunos;
— no objectivo de eliminar, o mais possível, os riscos
de erro, de vencer as dificuldades, de encontrar o ponto
de partida para novas orientações ou soluções mais satis­
fatórias.
Como procedemos a maior parte do tempo?
Apresento um questionário, pedindo — segundo os
casos, respostas individuais, ou após discussão em peque­
nos grupos. Os alunos respondem e comentamos em con­
junto os resultados, porque é primordial que cada um de
nós faça do ensino um assunto SEU. O meu objectivo é
efectivamente conseguir que deixe de existir o que ensina
e o que é ensinado, mas um grupo de pessoas que colaboram
num trabalho que diz respeito a todos, tanto a título indi­
vidual como colectivo.
Os processos utilizados para avaliar as nossas experiên­
cias são muito variados. Apresentamos alguns exemplos,
que fomos buscar a relatórios redigidos ao longo do nosso
trabalho, (e que se juntam aos meus comentários pessoais):
A. Em Fevereiro de 1966, discussão em grupo, sobre
a autodisciplina. O ponto de partida é um texto que apa­
receu no jornal dos alunos, pedindo que as relações entre
adolescentes e adultos, sejam mais directas e mais con­
fiantes, especialmente no domínio da disciplina. Três alunos
dirigem a sessão: O animador apresenta o texto, faz algu­
mas observações para iniciar o debate e responde às per­
guntas que provocou. A disciplina estabelece-se então e o
presidente regula a disciplina da palavra, concedendo-a
ou recusando-a, com o fim de que todos possam exprimir-
-se na maior calma possível (a autoridade do Presidente
foi reconhecida antecipadamente, na altura da eleição,
na semana precedente); o secretário, pelo seu lado, toma
nota do desenrolar da sessão e de tudo o que os magne-
tofones não podem registar.
ACÇÃO EXPERIMENTAL 157

Muitos alunos tomaram espontaneamente (e isto é


que tem importância) a palavra durante a discussão. Um
deles, muito agressivo, contribuiu muito para lhe dar
interesse. O professor teve apenas intervenção como mem­
bro do grupo. Nenhum lugar preponderante, sendo as
mesas dispostas em quadrado, o que, aliás, não significa
nada, se o adulto ou um dos alunos, confisca, em seu
proveito, a palavra ou domina o desenrolar da sessão.
Esta fórmula será repetida na aula-critica, de que vol­
taremos a falar no Ponto 4.
B. Fim de Março de 1966, sessão colectiva de dis­
cussão dos cursos de legislação feitos pelos alunos.
Em primeiro lugar, as perguntas são apresentadas no
quadro. O que está bem, ou não, nos seguintes domínios:
Elaboração do curso pelos alunos. — Modo de falar, de
explicar e de expor as questões — apresentação material:
no quadro, no caderno; o que se deve escrever, e o que
se deve deixar de lado — Participação da turma: diferenças
entre relações de alunos/professor e de alunos/alunos?
Porquê?
— Esta nova fórmula parece-lhe mais interessante do
que a antiga? Porquê? Mais rentável? Porquê? (memória,
compreensão, etc.). — Como melhorar esta forma de Curso ?
Pode-se estender a outras matérias na aula de Letras?
Como?
Em segundo lugar, discussão em grupos para respon­
derem às perguntas anteriores (4 ou 5 alunos durante
10 a 15 minutos: uma única pergunta por grupo).
Em terceiro lugar, exposições dos narradores e comen­
tários dos outros grupos.
Em último lugar, afinação total dos resultados.
C. Princípios de Novembro de 1966, questionário sobre
o jornal no quadro de um exercício de redacção baseando-
-se nas qualidades e nos defeitos dos números precedentes
(apresentação, conteúdo, ilustrações, interesse, etc.), sobre
158 A ESCOLA ABERTA

os projectos, sobre o que os leitores gostariam de lá en­


contrar.
D. Fim de Outubro de 1967, sondagem sobre os «qua­
dros-informações», com a ajuda das seguintes perguntas:
Vantagens e inconvenientes? Quais são os assuntos mais
importantes? O que é que lhe falta? Quais as rubricas
novas que propõe?
Fim de Janeiro de 1968, sondagem complementar sobre
as rubricas «informações» preferidas pelos alunos, e publi­
cada de forma muito completa, em Junho de 1968, no
seu jornal, sob o título: «O que interessa aos alunos» (ver
atrás o parágrafo que dedicámos aos «painéis de informa­
ção»).
E. Em Fevereiro de 1968, questionário tendo em vista
os métodos de ensino e relativo ao interesse que merecem
aos alunos, à forma que lhes parece mais útil (exposições,
debates, etc.), à nova disposição da aula (ver o nosso
esboço, no princípio do Ponto 3), às questões e matérias
que mais gostariam de ver tratar ou de tratar eles próprios,
à disciplina, e aos seus desejos em matéria de responsa­
bilidades ou de iniciativas.
F. Em Março de 1968, uma das verificações de aqui­
sições que realizo durante o ano, para comparar os resul­
tados obtidos quando:
— o curso é feito pelos alunos: 14 trabalhos sobre
legislação têm de 15 a 19; 10 têm de 10 a 14; e só um
obtem uma nota inferior à média (8);
— o curso é feito pelo professor: todos os alunos têm
de 15 a 20. É evidente que as perguntas feitas eram as
mesmas nos dois casos e que não se pode tomar, como
regra absoluta, o que é apenas um exemplo. Mas, se os
resultados são melhores no segundo caso do que no pri­
meiro, é por que o «medo» do professor desempenha o
seu papel. No primeiro caso, eu tinha voluntariamente
ACÇÃO EXPERIMENTAL 159

abandonado a sala e percebi um ligeiro zunzum!... Mas


nem por isso os resultados são especialmente maus, e pode-
-se ver — por comparação com outras sondagens (que não
citei) — que, em geral, o curso feito pelos alunos é uma
ideia que se pode realizar e não apresenta inconvenientes
de maior.
G. Princípios de Maio de 1968, por ocasião de uma
exposição de alunos, sondagem por escrito, anónima, se se
desejar, baseando-se na educação sexual (numa única
aula):
1. Quem vos deu informações sobre o problema
sexual? Os Pais? (9 sins e 12 nãos). Colegas? (9 respostas
«da mesma idade» ou «mais velhos»). Outras pessoas
(6 respostas).
2. Está constrangido por falar nisto na aula? (21 nãos
e 1 sim. 1 «talvez»).
3. Quem, segundo a sua opinião, lhes deve falar
nisso? Os pais? (11 sins), os professores (1 sim), os dois
(10 sins)).
4. Quais as questões que gostaria de ver tratar, na
aula, sobre este assunto? À frente, vêm as relações rapa­
riga-rapaz (10 respostas) e o desenvolvimento da criança
(5 respostas).
5. Sente-se capaz de discutir seriamente estes pro­
blemas? Respostas: 18 sins, 4 nãos.
Este pequeno número de exemplos — tomados entre
outros — provêm de numerosos relatórios redigidos a partir
de comentários dos alunos ou das minhas observações
pessoais. Mas o seu objectivo é ilustrar, repito-o, os meios
utilizados para conhecer os MEUS alunos (o que qualquer
professor pode fazer em relação aos SEUS alunos). Só
podem ter valor se se encarar essa mostragem limitada e
já bem conhecida do professor. Não são, em todo o caso,
estatísticas!...
160 A ESCOLA ABERTA

Mas pretendi, deste modo, mostrar que é solicitada a


opinião dos alunos:
— em qualquer altura, antes, durante e depois dos
exercícios;
— segundo formas variáveis, podendo mesmo algumas
revestir o aspecto de um trabalho de redacção e constituir
um exercício pedagógico útil, que favorece a reflexão, a
organização das ideias ou a expressão oral;
— sobre todas as formas de actividade, quadros, jornal,
métodos de ensino, estudo da actualidade, etc.;
— num espirito permanentemente construtivo: é-lhes
certamente pedido que critiquem, mas para melhorar, e
não para destruir e permanecer no estado de quem verifica
o fracasso. É por essa razão que solicitamos as suas suges­
tões todas as vezes que isso seja possível.
A crítica é, portanto, também ela um elemento da
pedagogia construtiva. É graças a ela que, passo a passo,
podemos realizar as nossas experiências para interessar
mais o grupo, e prever o seu desenvolvimento eventual.
Deste modo, chegamos ao ponto em que é necessário
fazer a pergunta:

Deve continuar-se?

A resposta será dada — mais uma vez — pelos alunos.


Apresentamos os resultados de uma sondagem que, se
bem que parcial, por falta de tempo, confirma as que a
tinham precedido. Fi-la em Junho de 1968, à luz dos acon­
tecimentos de Maio. Queria saber se, mesmo depois da
explosão pedagógica das semanas anteriores, os nossos
métodos acusariam um envelhecimento catastrófico e pa-
receiam subitamente ultrapassados.
Eis as perguntas apresentadas a 36 alunos do segundo
ano (25 caldeireiros, 11 mecânicos), e as suas respostas,
tal como foram formuladas:
ACÇÃO EXPERIMENTAL 161

A. O que pensa dos métodos utilizados em francês?

Todos, sem excepção, lhes são favoráveis. Eis porquê:


«Prazer de trabalhar, preferência pelo trabalho de grupo
— Tem-se responsabilidade, tem-se mais gosto — As horas de
curso são mal distribuídas, no fim da semana. — É-se menos
tímido — Tem-se mais segurança — Bom ambiente — Tem-se a
impressão de estar sozinho, não há professor. Mas, quando
há aborrecimentos, confiamos nele, estando todos seguros de
ser bem recebidos — As exposições esclarecem sobre o que
se passa no mundo ou na região — É uma coisa que nos obriga
a desembaraçarmo-nos — Ensina-nos a falar diante dos cole­
gas — Contudo toda a gente fala e ninguém compreende o
que se diz — Obriga-nos a reflectir — Interessamo-nos muito pelo
curso—Aprende-se muito mais trabalhando em grupo com o
professor do que quando ele está por detrás da sua secretária a
ditar os textos — Para tratar um assunto, tem-se a opinião de
quatro pessoas, o trabalho assim é mais fácil! — Os quadros
são instrutivos — Ambiente que leva a trabalhar — Há um
ambiente (já não se está numa prisão) — Os alunos interessam-
-se pelo trabalho — Os alunos discutem mais livremente — Em
redacção, os temas não são muito interessantes — Muito bom,
sobretudo as exposições — Eficácia: Permite-nos aprender coisas
que não se tem tempo de ler e elucida os internos — Boas,
porque nos lança na vida actual, permite que nos orientemos
melhor num objectivo preciso — Que sabemos responder a
um patrão, sem nos sentirmos tímidos, e que sabemos defender-
-nos. — Acho estes métodos bastante bons porque os prati­
cava antes de vir para o C.E.T., ensina-nos a ser menos tími­
dos — É uma coisa válida em Francês mas não vejo nas outras
matérias — Trabalha-se muitas vezes em comum, com a livre
escolha do trabalho — A disposição da sala é mais alegre
— Não nos julgamos num curso, estamos menos tensos — Já
não se está sob a direcção do professor e vai-se para a aula
descontraído — Redacções interessantes — (Estes métodos) per­
mitem aos alunos seguir melhor os cursos (muito apreciados
por todos) — O trabalho em comum entusiasma alguns alu­
nos— As exposições deram-me pessoalmente um montão de
coisas novas.»

B. Entre as actividades do segundo ano, quais prefere?

À frente, vêm as EXPOSIÇÕES (26 respostas): «É o aluno


que faz o curso, compreende-se melhor porque fala a nossa
linguagem — Tem-se várias opiniões sobre diversos assuntos
— Ajuda a procurar documentos — Toma-se o trabalho a
162 A ESCOLA ABERTA

sério — Permite entrever alguns problemas (sexualidade. Viet­


name, etc.) — Tem-se mais interesse com um camarada do que
com o professor.»
Em seguida, vêm os INQUÉRITOS (15 respostas): «Aju­
dam a tomarmos uma direcção na vida, perante certos pro­
blemas— Permitem-nos saber o que os adultos pensam dos
problemas actuais.»
Onze alunos, em vinte e cinco, apreciam as MONTAGENS
em magnetofone: «É muito vivo — Fazemos o trabalho diver-
tindo-nos — Para vermos se somos capazes de fazer qualquer
coisa sozinhos — Aprende-se a trabalhar em grupo organi-
zando-nos — Porque foi uma coisa conseguida e feita por
toda a gente.»
O DITADO COM AUTOCORRECÇÃO recolhe 7 votos:
Permite reflectir, prestar atenção, ensina a ver os erros e a
evitá-los.»

C. Deve-se continuar com os quadros «informações»?

Todos, sem excepção, respondem afirmativamente. As res­


postas, em pormenor, foram relatadas quando do estudo dos
«quadros», já neste Ponto 3.

D. Que se deve continuar ou lançar no próximo ano?

Todos os exercicios citados foram explicados aos alunos.


Tomaremos a encontrá-los no Ponto 4, como elos importantes
da cadeia: Informações pormenorizadas (36 respostas em 36)
— Mesas redondas (36 respostas) — Sala de documentação (35)
— Debates a favor ou contra (34) — Aprender a ver televi­
são (32) — Aprender a ler o jornal (31) — Estudo de casos (30)
— Aprender a desmascarar a má publicidade (27) — Sala de
leitura (25) — Aprender a ouvir rádio (22) — Trabalhos em
pequenos grupos (18 respostas) — Exposições ou cursos feitos
pelos alunos (16) — Clube de leitura (8).
Alguns temas não serão explicados ao leitor senão no
Ponto 4, mas quis, desde já, saber se os alunos estavam do
acordo, não só para continuar, mas também para amplificar
a nossa acção.

E. Preferem os novos métodos ou os tradicionais?

Todos preferem os novos (!). Aí vai a razão porquê: «In­


teressamo-nos mais pelo curso — Compreende-se melhor pois
que se participa — Nos outros métodos adormece-se — Porque,
ACÇÃO EXPERIMENTAL 163

se o professor fala sempre, há momentos em que já não o


ouvimos — Participa-se mais e é menos maçador, portanto
mais instrutivo — É-se obrigado a reflectir mais — Ajuda-nos
a trabalhar melhor — Pode-se dar mais a nossa opinião sobre
alguns pontos e não é só o professor que fala — Podemo-nos
desembaraçar sozinhos — Porque cada aluno se interessa e
investiga mais — Porque as ideias que vêm de nós, se retêm
melhor — É menos severo — Porque se participa mais no curso
— É mais vivo.»

F. Desejam mais responsabilidades? Mais iniciativas?

15 desejam mais responsabilidade, 16 mais iniciativas,


mas alguns ambas as coisas, ao mesmo tempo. Um único
comenta: «Tem-se bastante liberdade (subentende-se; no actual
estado de coisas, em Francês), portanto, admite-se a responsa­
bilidade; e a iniciativa igualmente.»

Durante o relato desta sondagem, não quis exprimir


nenhuma opinião. Mas a resposta veio directamente dos
alunos e eu sei, por comparações com outros questionários
apresentados durante os meses precedentes, que estas res­
postas reflectem a opinião geral. Ao longo das páginas
precedentes, o leitor pôde ver por si mesmo que a minha
asserção não é vã.
É portanto sem pensamento preconcebido que agora
se pode responder SIM à pergunta: «Deve-se continuar?»
Mas surgem imediatamente duas outras perguntas:
porquê? Porque — acabamos de vê-lo — alunos e
professor estão de acordo em prosseguir estas experiências
realizadas e comentadas em comum. Todos têm encontrado
nisso vantagens: descontracção ou gosto pela pesquisa e
pelo trabalho; para os alunos, necessidade de se documen­
tarem noutros domínios, além daqueles que dizem respeito
directamente ao ensino literário, contactos mais humanos
com os jovens e outros adultos, progresso da cultura geral
e enriquecimento da personalidade, para o professor.
164 A ESCOLA ABERTA

Estas experiências, realizadas pelo nosso pequeno


grupo, num quadro limitado e segundo condições locais
bem determinadas, ultrapassam no entanto as fronteiras
primitivas. Provam, desde já, que algumas realizações são
possíveis, realizáveis para todos e a sua descrição teve
simplesmente como objectivo fazer penetrar no domínio
do concreto o que é considerado, ainda com demasiada
frequência, como produto da abstracção — ou mesmo da
utopia — pura e simples.
COMO? É o que vamos agora expor no Ponto 4,
que se segue. Apresentaremos aí um plano, de que alguns
elementos se encontram já em embrião nas experiências
que acabamos de descrever, e que permitirá lançar, ainda
mais resolutamente, as bases da Escola Aberta.
PONTO 4

ACÇÃO ORGANIZADA

Propostas para a execução de uma pedagogia construtiva


dentro de uma Escola Aberta

«Deve-se continuar?» Era esta a pergunta que tínha­


mos feito no fim do ponto anterior. Vimos que a resposta
de todos os membros do grupo — alunos e professor —
foi afirmativa.
É, portanto, de pleno acordo que vamos agora lançar
uma fase mais organizada da nossa Acção, sem por isso
abandonarmos, na prática, o tactear experimental, só ele
capaz de nos dar uma maleabilidade e um enriquecimento
constantes.

Tomámos as nossas precauções

É igualmente com todo o conhecimento de causa que


abordamos esta nova fase, porque tomámos todas as pre­
cauções que nos pareceram úteis:
— Partimos de um certo número de verificações, apoia­
das na realidade e da opinião dos interessados (jovens
e adultos); e pretendemos que, positivas ou negativas, elas
nos conduzam, de qualquer modo, a propostas constru­
tivas. Era o objectivo do Ponto 1.
— Propusemos um espírito e princípios de partida
que sejam suficientemente claros e coerentes para cons­
166 A ESCOLA ABERTA

tantemente servirem de suporte à nossa acção. Era este


o conteúdo do Ponto 2.
— Queríamos ser fiéis ao princípio de basear o plano
que se vai seguir numa fase de experimentação suficiente­
mente longa e extensa para fazer entrar as nossas propostas
no domínio do possível pois que algumas foram já reali­
zadas. Foram largamente descritas no decorrer de todo
o Ponto 3.
Mas nem tudo isto bastava ainda. Donde o plano
que se vai seguir...
Contudo, antes de avançarmos, é indispensável de-
morarmo-nos um pouco em algumas...

Observações preliminares

Incertezas do futuro

Não se pode ainda saber o que darão, na realidade,


as belas frases, as nobres promessas e os meios-compro­
missos proferidos em todos os lados. Não se pode dizer
se se estabelecerá um inventário sério e completo das situa­
ções exactas e se as propostas, que se fizeram, as terão em
conta, efectivamente. Ignora-se ainda se os protagonistas
do problema da escola procuram ganhar tempo ou se
trabalham em soluções profundas e honestas. Não se sabe
se os oferecimentos de uns serão aceites (ou aceitáveis)
pelos outros. É difícil prever quanto tempo, de manobras,
de discursos e de controvérsias, será necessário para ver
surgir finalmente uma escola na realidade adaptada às
necessidades e às aspirações de todos, assim como às rea­
lidades do mundo.

Duas respostas inaceitáveis

Perante esta situação, cuja saída parece ainda incerta,


podem encarar-se duas atitudes.
ACÇÃO ORGANIZADA 167

1. SUPORTAR

A mais prudente, na aparência — e na realidade, a


mais desonesta — seria deixar correr absolutamente as
coisas como no passado, conservando o pesado edifício
das ideias e das coisas, esse edifício responsável por uma
grande parte das nossas infelicidades actuais: O imobi­
lismo, num mundo móvel, equivale à morte lenta, cujo
rosto é talvez mais tranquilizante, mas cujo processo é
tão irreversível como o da morte violenta.

2. RECUSAR

É esta morte violenta que espreita os que tudo querem


negar, sem nada apresentarem de construtivo. É uma coisa
que lhes diz respeito a eles — e, com bastante frequência,
a sua atitude obriga ao respeito, contanto que seja generosa,
honesta e corajosa. Mas arriscam-se a arrastar atrás de
si vítimas que nada tinha preparado para esse desastre.
É aí que intervém a pesada responsabilidade que pertence
ao professor. Se pode empenhar a sua pessoa nas ideias
francamente revolucionárias, não lhe é possível imaginar
que, sem perigo, empenhará nissso os seus alunos. O risco
é demasiado grande para ser tomado assim, sem pensar.
Mas pode-se dizer que sustentar um sistema que nos levou
a direito à falência da escola, seja uma atitude mais res­
ponsável? Certamente que não!...

Qual a solução?

Perante este dilema, poderia parecer razoável conten­


tarmo-nos com o que fizemos durante a nossa fase experi­
mental: modificar, lentamente, a atmosfera, o enquadra­
mento e os métodos, para nos encaminharmos suavemente
para uma concepção da escola mais realista e mais bem
adaptada. É, de resto, o itinerário mais seguro — senão
o mais audacioso —, que levará progressivamente o pro­
168 A ESCOLA ABERTA

fessor e os alunos a encararem outras actividades. Será


necessário, naturalmente, respeitar os pontos de partida
que já precisamos: basear-se no real, agir num espírito
e segundo princípios abertos e construtivos.
Contudo, não creio que nos devamos limitar a isso.
Em primeiro lugar, porque — sem que uma exclua a ou­
tra, torno a repeti-lo—a sequência lógica da experimentação
é a organização, a que prolonga e utiliza, ao mesmo tempo.
Em seguida, porque a organização deve ser capaz de ofe­
recer aos alunos os elementos de esquemas mentais cada
vez mais ricos e coerentes e um quadro bastante preciso
para poder ser utilizado pelo maior número possível de
grupos de trabalho semelhantes ao nosso. Porque — de­
vemos igualmente repeti-lo — o que nos propomos não
quer a todo o custo ser original. Outros pensaram nisto
antes de nós e trabalham ao mesmo tempo que nós. Mas,
se o propomos, é porque é a continuação lógica e o desen­
volvimento do que fizemos. E o que nós fizemos apren-
demo-lo com outros.

Três dificuldades:

Bem entendido que, no princípio desta nova fase,


se erguem dificuldades.

1. Encontrar a justa medida entre o tactear e a organização


A primeira é encontrar a justa medida entre o Tactear
e a Organização. É por essa razão que o plano que vamos
apresentar empregará os elementos citados nos Pontos
precedentes e tentará incluí-los num conjunto suficiente­
mente flexível para que beneficie das modificações, que
não deixarão de se dar ao longo do caminho. Poder-se-á
certamente lamentar a liberdade da fase experimental, que
dava livre curso à imaginação e à improvisação. E, se a
fase organizada parece indispensável para melhor estru­
ACÇÃO ORGANIZADA 169

turar as nossas investigações, pode-se recear que nos entor­


peça impondo-nos a disciplina, demasiado rígida e final­
mente estéril, de um burocratismo de que aprendemos a
desconfiar, quaisquer que sejam as suas cores e os seus
aspectos. A dificuldade não é pequena. É necessário con­
ciliar as duas fases, sem nada renegar da primeira e,
muito pelo contrário, empregar os seus elementos dinâ­
micos para permitir à segunda oferecer-nos mais solidez
e eficácia.

2. A escola actual opõe-se à execução do nosso plano

A segunda dificuldade nasce do contexto em que nos


encontramos, decerto que ainda por muito tempo.
Na fase anterior, com efeito, trabalhámos num quadro
tradicional, limitando-nos a adaptar parcialmente (mate­
rial, disposição da aula, documentação, etc.) para nos
permitir lançar mais comodamente as nossas experiências.
Tentámos igualmente favorecer uma mais larga abertura
dos espíritos, em relação a si próprios, aos outros e ao
mundo exterior. Mas não pusemos em causa as estruturas
e as concepções da Educação Nacional no nosso país, o
ensino que aí é ministrado, as mentalidades, os hábitos.
Procuramos simplesmente fazer o nosso ninho, afastando
um pouco os ângulos da rotina sem, por isso, querer
deliberadamente forçá-la. E parece realmente que — sendo
as coisas o que são, como se diz — somos obrigados a
passar por aí, na primeira fase da acção, para que não
nos quebrem as asas às primeiras tentativas. Mas chega
um momento em que não se pode já permanecer na fase
do simples reformismo que, com o tempo, acabará por
nos fazer cúmplices de um sistema que só podemos repro­
var, porque nos fez demasiado mal e continuará a fazê-lo
às gerações futuras, se agora não agirmos. Igualmente,
para ser eficaz e marcar um. progresso real e decisivo,
deve ser possível pôr o nosso plano a funcionar num con­
170 A ESCOLA ABERTA

texto que — longe de o entravar — o favoreça e enrique­


ça. Porém, não é esse o caso, na escola actual. Além das
oposições francas ou larvares que se podem encontrar, ela
não está preparada para receber bem, experiências, como
a nossa, ou como as que outros realizam, ao mesmo tempo
que nós. O que vou apresentar exige mais créditos,
mais material, locais em maior número e mais bem adapta­
dos, estabelecimentos mais bem concebidos, professores
mais qualificados, trabalhando em equipa com os anima­
dores e todas as espécies de educadores, aulas mais bem
preparadas e efectivos mais racionais. Tudo coisas que
reclamamos há muito tempo e para as quais as respostas
que obtivémos até agora são insuficientes. Seria pois vão
ter ilusões, apesar de termos podido realizar algumas ten­
tativas que não exigiam, no fim de contas, senão mo­
dificações de pormenor, apenas uma acção comum nos
poderá permitir procurar e pôr em prática soluções
novas e eficazes para problemas mais importantes da
escola.
Todavia, se ficássemos na fase actual, seríamos muito
rapidamente condenados à inacção, à lenga-lenga ou, pelo
menos, a ficar abafados. O naufrágio seria então ainda mais
grave do que o que tem estado a ocorrer há anos. Não
se pode basear uma pedagogia unicamente em golpes de
sonda os quais, sem por isso serem renegados, devem ser
finalmente ultrapassados. Ora, é no entanto assim que se
procede em França (e certamente noutros lugares!): expe­
riências por um lado, estabelecimentos-piloto por outro,
fora disso a maioria das crianças só encontra a rotina e o
erro erigido em sistema. Quantos de nós e quantos dos
nossos filhos terão podido seguir uma escolaridade verda­
deiramente coerente, desde a infantil até à faculdade? Os
que tiveram mais sorte talvez tenham encontrado no cami­
nho uma professora mais dedicada ainda do que o habi­
tual, um professor a par dos novos métodos, um professor
aberto às realidades do mundo. Mas isso não passa de
uma iluminação súbita, que deixa decerto uma marca
benéfica mas não contribui de uma forma muito efectiva
acçAo organizada 171

para a criação total de uma personalidade ou de uma


inteligência. Que dispersão de energias nos professores!
Que desperdício de vitalidade nas crianças! É mais que
tempo de realizar o plano de uma educação verda­
deiramente nacional, que se preocupe em harmonizar
entre si todas as espécies de ensino, em cada fase da escola­
ridade, e de promover métodos que preparem realmente
para a vida, oferecendo bases sólidas para uma educação
ao mesmo tempo permanente e popular. Isto talvez acon­
teça um dia, mas já dissemos que será decerto necessário
muito tempo!...

Não podemos esperar mais: façamos como se tudo fosse possível...


mesmo que não o seja ainda

E contudo a escola continua a produzir atrasados,


deficientes ou desadaptados que, lançados no mercado do
trabalho, só poderão sofrer e tornar mais pesado o funcio­
namento da sociedade. É uma realidade de tal modo evi­
dente que aqueles cuja tarefa é fazer trabalhar os outros
acabaram por verificar que, se lhes é necessário um certo
contingente de animais para todo o serviço, têm igualmente
necessidade de pessoal bastante qualificado para não fazer
baixar, de um modo perigoso, o rendimento e reduzir os
proveitos. Ora, nós não estamos encarregados de fabricar
autómatos e guardas das galés, mas temos o simples e
difícil dever de ajudar os homens — todos os homens —
a realizarem-se, no interesse de cada um e de toda a comuni­
dade. Não «funcionamos» para servir um sistema de pro­
dução, mas estamos aqui para ajudarmos todas as crianças,
todos os adultos a serem eles próprios. É talvez esgotante,
mas só por esse preço teremos qualquer utilidade.
Nestas condições, parece difícil realizar muito. E, to­
davia, visto que já não temos tempo nem o direito de
esperar, devemos agir como se tudo fosse possível. Cons­
truir a realidade, é essa — entre outras — uma das razões
primordiais do que vamos apresentar.
172 A ESCOLA ABERTA

3. Agir com uma audaciosa prudência


A terceira dificuldade, finalmente, é saber agir com
uma «audaciosa prudência». Avançar com precaução, certa­
mente, assegurando-se do máximo de garantias e multipli­
cando as verificações e reflexões críticas. Mas, por outro
lado, deixar enfraquecer a vontade de forçar a escola tra­
dicional e os seus servidores a ceder o passo.
O alpinista que quer atingir um cume não espera
alcançá-lo numa hora. Sabe que precipitando-se vai correr
grandes riscos e talvez encontre a morte, sem grande van­
tagem para ninguém e poderá arrastar na queda uma
fila inteira de pessoas, agarradas à mesma corda. Pelo
contrário, tomando bases sólidas, utilizando em seu pro­
veito a menor saliência da áspera rocha, doseando eficaz­
mente o menor esforço e com o corpo e o espírito sempre
despertos, subirá sem que por isso a sua resolução seja
diminuída. A nossa atitude é semelhante. Todavia,
não é válida só para um dia, para uma única prova, mas
para toda a vida. É nissso, portanto, que não é «revolucio­
nária», mas sim «revolucionária».

A nossa resposta: a atitude evolucionária

Não emprego esta palavra pelo prazer de alongar


a longa coorte dos fazedores de obscuridades. Mas por­
que quero dar-lhe um conteúdo e uma força. Na palavra
«evolução» há qualquer coisa que se passa, sem que tenha­
mos plenamente consciência disso, sem que participe real­
mente nisso. Quanto a «revolução», ela indica uma pertur­
bação rápida que nos repele se não formos os seus autores,
e que não leva forçosamente à adesão e acção de todos.
De qualquer modo, ambas nos deixam de lado e nos
fogem. Pelo contrário, a atitude evolucionária dirige-se a
todos, oferece-lhes as bases e os meios de dominar o
destino e de o moldar. Todo este livro é uma prova disso,
pois que procura ser, ao mesmo tempo, material e ferra­
ACÇÃO ORGANIZADA 173

menta. Naturalmente, ignoramos os obstáculos que entra­


varão a nossa acção, mas desejamos, para cada um de nós,
mais consciência e determinação. Eis a razão por que, con­
servando absolutamente o dinamismo salutar do adjectivo
«revolucionário», a nossa atitude pretende prolongar os
seus efeitos, com o fim de o insuflar no maior número
possível e durante o maior espaço de tempo igualmente
possível.
Evidentemente, se tivesse sido essa a posição adoptada
até aqui, não estaríamos talvez em condições de aceitar
presentemente uma ordem qualquer, de suportar todos os
sistemas, que nos escravizam, que nos deixam na incerteza
do futuro e nos fazem mesmo entrever um fim que não
foi por nós desejado, mas que nos resignamos a suportar,
no entanto, habituados, como estamos, a descarregarmos
as nossas responsabilidades sobre abstracções. Conside­
rando o que dissemos anteriormente, compreender-se-á,
pois, a influência primordial que pode ter sobre o homem
uma «Escola Aberta» no seio da qual uma pedagogia cons­
trutiva apresente os elementos de uma «atitude evolucio­
nária», que poderá ser a sua durante toda uma vida, em
todo o instante e em todas as circunstâncias. No mesmo
sentido, veremos, no Ponto 5, como a acção cultural pode
igualmente oferecer-nos um contributo decisivo.
Seria vão acreditar que as propostas que se vão seguir
são suficientes para resolver todos os problemas. Ninguém
pode pretender deter a última palavra e inventar sozinho
soluções-milagres. É por essa razão que é necessário dar
a todos os interessados um certo número de...

Indicações gerais para favorecer a participação do maior


número na elaboração e no planeamento das nossas propostas

1. Este plano é um apelo ao trabalho colectivo. Longe


de reivindicar ferozmente a sua paternidade, peço, pelo
contrário, ao leitor — exactamente como aos alunos, que
o discutem e aplicam — que o considerem seu, que se apro­
174 A ESCOLA ABERTA

priem dele, que o desmembrem da melhor forma, que o


critiquem sem indulgência, com toda a impertinência e
astúcia que acharem conveniente, mas com uma condi­
ção — que o façam num espírito construtivo, quer dizer,
com a constante preocupação de formular propostas con­
cretas, claras, honestas e rapidamente aplicáveis. Seja do­
cente, seja qualquer outra pessoa interessada pelos pro­
blemas de educação, o leitor pode agir, pelo menos, de
dois modos, pelo menos, a título individual ou colectiva-
mente, constituindo ou entrando nele em grupos de traba­
lho, que podem encontrar localmente possibilidades de
acção em numerosos domínios. No Ponto 5 e no fim do
livro, darei ainda alguns meios de agir o mais eficazmente
e o mais rapidamente possível. Porque não podemos enga-
nar-nos sobre isto: é o trabalho de cada um de nós que per­
mitirá afinal a escola de toda a gente.

O plano convida o leitor a agir

Investigadores isolados ou organismos trabalham, há


muito tempo, nesse sentido, mas o que eu desejaria era
provocar reacções, tomadas de consciência, actos efectivos,
a favor de uma renovação do ensino. O que quereria também
era que todos — pais, alunos, professores, membros do corpo
docente — fizessem dos problemas da escola um assunto seu
e compreendessem que eles são realmente de toda a gente,
e que toda a gente deve contribuir com o seu concurso
activo. Mas, para favorecer esta atitude, previ igual­
mente...
2. Um quadro bastante maleável para se adaptar às
circunstâncias (que não deixarão de alterar essas propostas
durante o trajecto) e beneficiar dos contributos de todos,
sem que o conjunto se quebre por essa razão. É também
porque tenho medo da esclerose — que espreita as inicia­
tivas mais novas — que quis favorecer a discussão e o
enriquecimento contínuos e isso só poderá nascer de cir­
ACÇÃO ORGANIZADA 175

cunstâncias forçosamente diferentes, segundo os profes­


sores, os alunos e as condições locais.
3. Ter-me-ia sido possível apresentar propostas assom­
brosas e grandiosas, que fizessem devanear e pasmar o
leitor. Mas, como desejo a participação do maior número,
prefiro apresentar um conjunto que, mais ou menos a curto
prazo, seja realizável no todo ou em parte, mesmo num
contexto que — ainda actualmente — não lhe é directa-
mente favorável.

...e lhe dá os meios

4. Tudo o que dissemos anteriormente — ao longo de


todos os pontos precedentes—pode já ajudar o leitor a
estudar e depois a pôr em acção, se o desejar, as propostas,
que se seguem:
— o Ponto 1, para facilitar a arrancada, oferece-lhe
verificações feitas directamente na própria realidade;
— o Ponto 2 lança as bases de um espírito e de prin­
cípios abertos e construtivos, necessários para guiar todas
as fases da acção;
— o Ponto 3 conta com trabalhos efectivamente con­
duzidos, eventualmente úteis para um princípio de experi­
mentação pessoal.
5. A execução deste plano não pode deixar de ser pro­
gressiva, constantemente baseada num tactear experimental,
que temos, até aqui, utilizado, mesma que os nossos tra­
balhos acusem, daqui em diante, mais coesão e se insiram
num conjunto mais vasto. Só ele, com efeito, é capaz de
fazer compreender aos alunos como o ensino é uma ques­
tão que lhes diz respeito. Favorece o desabrochar e o
desenvolvimento da inteligência, do carácter e da persona­
lidade a partir dos seus dados próprios. Evita que sofoque
e sequem, deixando livre curso à iniciativa, ao sentido
das responsabilidade, à imaginação.
176 A ESCOLA ABERTA

6. Se me dedico especialmente ao ensino em colégios


do ensino técnico, isso não significa que este plano não seja
aplicável em outros casos. Só o programa é adaptado
— e pode ainda servir noutros domínios, como se veri­
ficará—, mas os princípios, o espírito, os objectivos, os
métodos, os meios, podem ser utilizados em qualquer parte.
Naturalmente, pertence-nos a nós — a todos nós! — pro­
vá-lo...
O nosso ponto de partida é uma grande preocupa­
ção:
Como encarar as realidades actuais?

É precisamente o que o ensino tradicional não pôde,


não soube ou não quis procurar. E isso, no entanto, devia
construir a própria vocação da escola!...
encarar de frente, com efeito. Não se trata já
de fugir aos problemas, mas de os afrontar com a má­
xima consciência e coragem, sabendo perfeitamente que
«a vida — como diz Maupassant — não é nunca tão boa
nem tão má como se julga». Mas é uma coisa que se deve
conhecer... para pôr em execução todos os meios capazes
de ajudar os alunos a abordarem os problemas com lucidez
suficiente. Trata-se, portanto, de construir — em conjunto
— um ensino que corresponda efectivamente Às...
realidades actuais; quer dizer que a nossa prin­
cipal preocupação será tentar uma forma activa e cons­
tante de abordar o mundo contemporâneo, o que vive em
redor de nós e que tem sobre nós as influências mais di­
versas e mais importantes. Isto não quer dizer que se
deixarão deliberadamente de lado as alusões ao passado,
o que seria absolutamente ingrato e aberrante. Ingrato,
porque lhe devemos muito: Como negar, por exemplo
— a importância das lutas operárias na actual Legislação
do trabalho? Como não reconhecer também que o nosso
amor pelo conforto moral e material nos impele a aceitar
ACÇÃO ORGANIZADA 177

que nos sejam tirados, um a um, os direitos que os nossos


pais e avós arrancaram pelo preço do seu suor e, por
vezes, do seu sangue? Aberrante, porque estamos dema­
siado impregnados da herança das gerações precedentes,
para negar que nos tenha condicionado (para bem ou para
mal) e para admitir que seja necessário condenarmo-nos
nós próprios ao esquecimento e à impotência, visto que,
muito em breve, cairemos também no passado!

Mas quais são essas realidades?


Para evitar as repetições, não voltaremos já a falar
das verificações citadas no Ponto 1. Mas conservá-las-
-emos sempre no espírito. Citaremos outras, à medida que
desenvolvermos as principais articulações desse conjunto,
cuja preocupação constante é apresentar propostas que
sejam respostas imediatas às questões que se põem.
O nosso objectivo é preparar um ensino:
— que ofereça uma preparação activa para todos os
aspectos da vida profissional, social, familiar, pessoal ou
cultural:
— que permita, a partir de si mesmo, a construção
harmoniosa da inteligência e da personalidade.
Para fazer isso, é necessário estabelecer, em primeiro
lugar:
Pontos de esforço

...cujo número e conteúdo podem variar segundo os


tipos de ensino ou as circunstâncias. Os que cito aqui
podem aplicar-se directamente aos nossos próprios tra­
balhos, mas alguns deles — para não dizer todos — podem-
-se utilizar em benefícios doutros domínios. É claro que
nada de decisivo poderá fazer-se, se não se desejar a apli­
cação efectiva e completa dos seguintes pontos:
178 A ESCOLA ABERTA

A organizaçãoda (como a do estabeleci­


aula
mento) deve preparar para as responsabilidades da vida.

Ponto de esforço N.° 1

Isto implica que os alunos possam tomar iniciativas


e responsabilidades, quer para dirigirem o grupo de tra­
balho de que fazem parte, quer para representarem os seus
camaradas dentro dos conselhos encarregados de orga­
nizarem a vida do Estabelecimento.
Trata-se, em primeiro lugar, de eleger e depois
renovar os alunos que terão de assumir — cada um por
sua vez, para que ninguém fuja ou seja afastado — as ta­
refas exigidas para o bom funcionamento da comunidade:
manutenção dos cadernos, registos e outros documentos
de referência; relações com a direcção do estabelecimento;
representação nos diferentes conselhos; funcionamento da
biblioteca, das salas de leitura e documentação; actualiza-
ção dos painéis de informação; vigilância dos exercícios
realizados em autodisciplina; direcção e animação dos
clubes dentro do centro socio-educativo, etc. Os alunos
assim designados pelos colegas não são bodes expiatórios,
criados para todo o serviço sobre quem se descarregam
todas as tarefas que maçam. É esta razão por que é pre­
ciso oferecer duas garantias: a substituição e tomada de
responsabilidades por equipas, dentro das quais cada um
tenha o seu papel bem definido, ficando entendido que
não é sobre eles que devem cair as tarefas materiais que
toda a gente está encarregada de assumir.
Bem entendido, não são essas as únicas ocasiões de
tomar iniciativas e responsabilidades. Todos os actos da
vida comunitária podem concorrer para isso: na oficina,
na aula, no internato, no centro, etc., porque é útil escla­
recer o mais nitidamente possível o espírito de solidarie­
dade indispensável para o bom funcionamento de qualquer
grupo.
ACÇÃO ORGANIZADA 179

Deste modo, lentamente, se irá criando uma cons­


ciência moral, que só será autenticada pelo facto de ter
sido vivida, portanto plenamente compreendida e assumida
pelo adolescente e depois, mais tarde, pelo adulto que ele
virá a ser.

O GRUPO PROFESSOR-ALUNOS É UMA EQUIPA DE INVESTI­


GAÇÃO E DE ACÇÃO PEDAGÓGICAS

Ponto de esforço N.° 2

Aqui é necessário desenvolver a importante noção de


«Encontro». Cruzamo-nos com milhares de indivíduos que,
durante toda a nossa existência, deixam em nós uma
marca mais ou menos profunda. Diz-se que a sua influência
foi fraca ou teve importância no nosso comportamento, no
nosso modo de pensar, nos nossos hábitos e nas nossas
opiniões. Mas essa influência exerce-se num único sentido,
o que vai da pessoa que dá para a que recebe, sendo esta
mais ou menos passiva. Naturalmente, podemos ser mais
receptivos do que outros, mas isso não quer dizer que
tenhamos uma forte personalidade, muito pelo contrário.
Dever-se-ia então fazer uma distinção entre «receptividade»
(que é uma certa permeabilidade às influências externas)
e «disponibilidade» (que traduz uma atitude mais resoluta­
mente aberta para o mundo). A maior parte das vezes,
aliás, as duas tendências coabitam em cada um de nós.
Mas, até aqui, o indivíduo não tomou uma parte activa
na aquisição dos conhecimentos que lhe eram ministrados.
Foi no entanto assim que se passou a nossa escolaridade
e, antes da nossa, a dos nossos pais e a dos nossos avós.
É bem evidente que podiam aproveitar realmente as crian­
ças que se mostravam receptivas de um modo especial.
Seria pois necessário que o terreno fosse já preparado,
pela educação ou pelo ambiente socio-familiar, ou ainda
por um certo gosto pela disciplina, visto que, até aqui,
tratava-se sobretudo de se sujeitar mais do que de pro­
180 A ESCOLA ABERTA

curar, por inclinação natural, os conhecimentos, que a


escola nos oferecia. Resumindo, pode dizer-se que o sis­
tema tradicional se apoiava em relações de docente para
discente, de senhor para subordinado, de superior para o
inferior. Naturalmente, concebe-se que as trocas, nessas
condições, fossem raras e superficiais!...
Porém, desde que o professor não é o único detentor
das informações, desde que os modernos meios de educa­
ção oferecem aos alunos uma escolha de conhecimentos
que cresce constantemente, depois que se fizeram mais
claros e mais imperiosos, no espírito dos homens, o desejo
de independência e o direito às liberdades que uma minoria
lhes tinha, até então, recusado, é cada vez mais evidente
que as relações de docente para discente não têm já razão
de ser. Acabam mesmo por perder qualquer consistência
a partir do momento em que deixam de ter uma justifica­
ção no próprio espírito daqueles que, outrora, se subme­
tiam com uma complacência que — hoje em dia, final­
mente, nos desgosta e nos torna suspeitos não só um sis­
tema escolar, mas todo um conjunto de instituições sociais
ou políticas. Até estes últimos anos, ainda subsistia o velho
edifício que fazia ,da exploração do homem pelo homem,
uma espécie de dever nacional. A escola preparava gera­
ções de funcionários meticulosos, de operários submissos
e respeitosos, de burgueses preocupados com uma ordem
que só perturbavam no momento em que isso servisse
melhor os seus interesses. E todos se encontravam, mer­
gulhando numa glória e numa fraternidade obrigatórias,
nos campos de batalha, que a boa marcha da História e
o brasão da Pátria exigiam.
Actualmente, no entanto e apesar das aparências en­
torpecidas, que mascaram ainda uma realidade cada vez
mais móvel, tudo isso se pulveriza pouco a pouco. Certa­
mente, há o risco de uma guerra nuclear que queimaria
todas as classes da sociedade, todos os povos do mundo,
todas as instituições e todos os sistemas políticos e econó­
micos, sem fazer grande caso das subtis distinções, que
ACÇÃO ORGANIZADA 181

nos opõem ainda e das lutas irrisórias e infantis, cujo


anacronismo seria uma coisa eminentemente digna de
escámeo, se não pusesse em causa a nossa existência! Por­
que— será realmente um lugar comum?—, embora a
técnica esteja na idade do átomo e das viagens interplane-
tárias, o espírito do homem ainda não foi capaz de se
impor de outro modo que não fosse pela moca e pelo
machado de silex!... Existe somente o desenvolvimento
venenoso do que alguns ousam chamar «a arte da guerra».
Há também — pela força das circunstâncias muito mais
do que pela vontade dos homens — a derrocada dos na­
cionalismos e dos blocos e — no interior das nações — a
osmose inevitável entre as classes de uma mesma socie­
dade. A Nobreza, o Clero e o Terceiro Estado tinham
cedido o lugar à Burguesia capitalista e ao Proletariado
dos operários das fábricas e dos camponeses empobrecidos.
Actualmente essas distinções têm tendência para se esfumar,
tentando todos assemelhar-se uns aos outros. E o pro­
gresso das técnicas de fabrico, pondo o objectivo de luxo
ao alcance de todas as bolsas (é, pelo menos, o que se diz),
embota a necessária combatividade dos que, sem mesmo
darem conta disso, se arriscam a ser os eternos explorados
e a eterna carne para canhão. Os nossos antecessores tive­
ram de pagar com o sangue o direito de trabalhar em me­
lhores condições e obtiveram o que não tinham. Hoje, o
sangue dos homens não deixa de correr, perante a indife­
rença geral. A televisão, as pantufas aquecidas, o carro, o
aquecimento central, o óbulo nas grandes subscrições na­
cionais, a boa consciência ao domicílio encerram cada
um de nós na sua pequena célula. Uma nova clivagem
divide a sociedade, de um modo talvez mais grave do que
as que a precederam. Escava um novo fosso, que o egoísmo
e a passividade contribuem ainda para alargar. Ultrapassa
de longe os antagonismos pré-fabricados que, até agora,
nos precipitaram uns contra os outros, com o acordo
dos governos que, publicamente, lançam injúrias à cara
uns dos outros e regulam, nos bastidores, os pormenores
da mascarada.
182 A ESCOLA ABERTA

O mundo, porém, não é estático. Os acontecimentos


sobrevêm cada vez mais rápidos, cada vez mais imprevi­
síveis, ultrapassam as predições dos melhores ordenadores,
as estrategas das cabeças que melhor pensam. Os povos
agitam-se, manobrados por outros povos ou bruscamente
projectados numa tomada de consciência, que derruba a
ordem antiga e espezinha tudo. As autoridades em vigor,
as instituições seculares, os Aparelhos e os Sistemas, tre­
mem até aos alicerces. O chamariz dos guisos e dos amu­
letos já não exerce efeito sobre os espíritos, que despertam,
exactamente como o sangue já não agonia os que a rádio,
a imprensa ou a televisão ensinou a fazerem do horror
o seu alimento quotidiano. E, por cima das fronteiras, as
castas, as ideologias, as idades da vida estendem novos
laços, mais apertados e mais difíceis de romper, porque
vêm das profundidades do inconsciente e tocam os extre­
mos do verdadeiro homem. É aí que intervém o que eu
chamo o «encontro».
«O encontro» dá-se quando as almas e os corações
vibram em uníssono, é Maio de 68 e a explosão de poesia
na rua, são as mãos estendidas por cima das barricadas e
através das grades das fábricas, é a festa da fraternidade.
Porque o encontro é uma festa e é isso que o define verda­
deiramente. Dá-se quando os homens e as mulheres, que
não se conheciam alguns instantes antes, se sentem atraí­
dos uns para os outros, sem mesmo saberem se ficarão
amigos toda a vida. Não o sabem, mas sentem-no e não
podem enganar-se. É assim que encontramos Mozart, Re-
noir ou Maupassant, porque vivem em nós para lá do
tempo. Encontramos Brel, Brassens ou Anne Sylvestre,
porque vibram, ao mesmo tempo que nos fazem vibrar.
Encontra-se um desconhecido, uma noite, na rua, não
importa quando, não importa onde, mas ele já não é um
desconhecido, está em nós, esteve sempre em nós, faz
apelo ao que nós temos de mais secreto, de mais profundo
e, se é verdade que não há quem venda amigos, como diz
a Raposa ao Princepezinho, os amigos estão em toda a
parte, desde que se saiba encontrá-los. Actualmente, os
ACÇÃO ORGANIZADA 183

tempos são sombrios, os rostos alongam-se, o aborreci­


mento e o mau humor atingem aqueles que alcançaram
os mais altos cargos. Como os dias que se seguem aos
dias de festa são tristes para os que não compreendem
nada! Mas, no coração de alguns, uma chama pequenina
continua a viver e é ela que faz que, através das fronteiras,
dos pensamentos e dos actos, que nos são impostos, te­
nhamos todos a mesma voz. Os velhos ídolos continuam
a esganiçar-se, com tremidos na voz, repetindo os mesmos
slogans, as mesmas promessas e as mesmas ameaças. Mas
já — ou finalmente! — somos cada vez mais numerosos os
que não ouvimos as suas lengalengas. Certamente continua
a haver a matraca, a espingarda, o napalm, a fome, a men­
tira. Mas há também a tomada de consciência dessa festa
que arde em todos nós e que, durante muito tempo, dei­
xamos sufocar. Continuarão a matar-nos, com toda a
certeza e talvez até ao último. Porque acreditar na festa
não é acreditar no Paraíso! Demasiadas forças nos são
hostis, forças que nós deixamos, durante muito tempo,
ocupar sozinhas o primeiro plano da cena. Esta demora
talvez nos tenha já condenado. Nós próprios não tornare­
mos a cair no ramerrão da rotina e da estupidez? Tudo
é ainda de temer, ainda não se adquiriu nada. Mas, pelo
menos, hoje sabemo-lo, como sabemos que, em todos os
países, há casas amigas. Isto nada impede, mas faz, apesar
de tudo, bem ao coração, porque, mesmo perseguidos,
mesmo estrangulados, mesmo esmagados, reviveremos,
porque finalmente sabemos que existimos.
Faço questão de estabelecer este paralelo entre a classe
e a vida, quer dizer, a nossa época, para sublimar este
facto novo, que não quer saber para nada das ideologias
e das facções: não se pode agir isoladamente. Só existe
real eficácia no trabalho de um grupo que, unido por um
espírito de colaboração «aberta», sabe vencer as suas diver­
gências, porque só está preocupado com o resultado: uma
obra fraternal, que permita a cada um trabalhar para o
bem comum. E isso também é uma festa!...
184 A ESCOLA ABERTA

A classe deve tornar-se grupo. O seu objectivo deve


ser procurar todos os meios úteis para que todos os seus
membros — e sobretudo os alunos, os primeiros interessa­
dos —façam do ensino uma coisa sua.
Para isso, será necessário estabelecer um calendário
que permita lançar, depois executar e, finalmente, contro­
lar todas as experiências feitas em conjunto.
É assim que, no começo das aulas — depois de ter
tomado conhecimento dos alunos, graças aos testes e ao
questionário psico-social — o professor (devíamos antes
dizer: o animador) lhes apresenta um quadro sobre o
qual figuram, em grandes linhas, o plano de trabalho e a
execução das principais questões a tratar. O lançamento,
a afinação, a execução dos trabalhos — escolhidos pelos
alunos (exposição, inquéritos, debates, cursos, etc.) serão
enquadrados, durante o trimestre, por sondagens, questio­
nários e exercícios-testes destinados a verificar as aqui­
sições, portanto o valor das experiências realizadas.
A verificação dos resultados, realizada em conjunto
também, permitirá vergar a acção em qualquer momento
e evitar, deste modo, que se trilhe um falso caminho.
No fim do trimestre, uma aula-crítica reunirá todo o grupo
em redor de uma Comissão de gestão, que poderá com­
preender o professor (que pode, na ocasião própria, arbi­
trar ou informar), o presidente, (que concede a palavra
e vigia o desenrolar correcto dos debates), o animador
(que provoca e favorece a discussão), o secretário (que
anota todos os pormenores úteis). Esta sessão tem por
objectivo examinar o andamento dos exercícios conduzidos
durante o trimestre, para apresentar uma crítica constru­
tiva e lançar as bases úteis para o prosseguimento da acção.
Bem entendido, podem-se fazer «aulas-críticas» mais fre­
quentemente, mas é provável que a sua periocidade tenha
de ser mensal ou trimestral. No fim do ano, será feito um
balanço geral para preparar a acção do ano seguinte.
Foi deste modo que apresentei, na primeira sessão
— que tivemos em Dezembro de 1968 —, as duas ques­
tões complementares que se seguem:
acçAo organizada 185

1. Critica (positiva ou negativa) dos métodos utilizados em


Francês ? da atitude do professor ? dos alunos ? II. Suges­
tões e propostas de melhoramentos?
Se bem que nos tenha faltado o tempo, foram emitidas
pelos alunos algumas ideias interessantes. A tabela de cor-
recção foi considerada severa mas justa (pode consultar-se
o Ponto 3 («Fabricação de material pedagógico») e a maio­
ria apreciou a sua eficácia. Foram pedidas explicações
mais frequentes de textos, não só para descortiçar textos
literários, mas sobretudo para analisar em profundidade
a forma e o fundo de documentos de uso corrente: artigos
de jornais ou de revistas, textos oficiais, impressos corren­
tes, boletins de informação radiofónica ou televisiva, can­
ção, etc. O trabalho de grupo foi muito apreciado mas
pediram que não se tornasse uma regra geral. No segundo
ano observaram que a divisão das matérias era absurda
e coersiva: é ridículo, disseram os alunos, fazer a ortografia
a uma hora e dar gramática a outra, enquanto a redacção
e a elocução proporcionam constantes oportunidades de
falar nisso. Nesta mesma óptica, a abertura das matérias
tradicionais (redacção, gramática e ortografia), divididas
em três horas por semana, deveria ser feita ao mesmo
tempo, num agrupamento, sob o título geral de «expressão
escrita» ou «expressão oral» que proporcionaria um enri­
quecimento de toda a gama de assuntos abordados (redac­
ção, elocução, Clube de leitura, gramática, vocabulário,
ortografia) seguida de uma maior variedade de exercícios
(documentação, expressão artística ou corporal, jogo dra­
mático, exposições, inquéritos, concursos, etc.)
Tais são as principais propostas formuladas, que con­
firmam o que eu tinha previsto neste plano, mas permitem
adaptá-lo mais intimamente às necessidade e aspirações
dos alunos. Além disso, não podemos deixar de sublinhar
o carácter descontraído e leal dessas conversas, que contri­
buem para o estreitamento dos laços entre os diferentes
membros do grupo e para a remoção da barreira hierár­
quica que, outrora, bloqueava a expressão livre. Pelo con­
186 A ESCOLA ABERTA

trário, neste caso, qualquer pessoa pode intervir e posso


dizer, sem exagero, que nunca uma única observação foi
inútil ou estúpida. Bem entendido, a participação ainda
não é total mas, pelo menos, tem mais importância e, em
todo o caso, é absolutamente espontânea.
Deste modo, em virtude de um comentário em comum
sobre trabalhos efectivamente realizados pelos alunos,
o ensino deixará de ser uma abstracção, para passar a
ser uma realidade admitida, compreendida e assumida
por todos.

A ESTRUTURA DA EQUIPA DEVE SER BASTANTE MALEÁVEL


PARA UTILIZAR TODOS OS RECURSOS DO TRABALHO INDI­
VIDUAL OU COLECTIVO

Ponto de esforço N.° 3

Basta referirmo-nos ao esquema da «aula aberta».


Tal como a propusemos no Ponto 3, para compreender
que é indispensável poder recorrer, segundo as necessidades
do momento, aos:
— trabalhos individuais (investigação pessoal, auto-
correcção, etc.);
— trabalhos em pequenos grupos, de 2 a 6 alunos
(ex. exposições, debates, etc.);
— mesas redondas, que reúnem toda a gente. Funcio­
nam como a «aula-crítica», mas o seu objectivo é antes
discutir uma questão própria da comunidade (relações
entre os seus membros, por exemplo), esclarecer um ponto
da actualidade (Biafra, Vietname, problemas sociais, etc.),
ou estudar um grande problema contemporâneo (o perigo
atómico, a fome no mundo, as agressões da vida mo­
derna, etc.).
É uma mobilidade que permite executar igualmente
trabalhos muito variados, como — além dos que já citamos,
como exemplo: confecção de um quadro documentário,
ACÇÃO ORGANIZADA 187

preparação de um serão de leitura, organização de um


ficheiro, manutenção da biblioteca, estudo de revistas ou
de jornais, exame de casos em Legislação ou de documen­
tos em História-Geografia, fabrico de material pedagógico,
realização de uma montagem em magnetofone, etc.
É naturalmente muito possível variar as formas dos
exercícios dentro do mesmo tema (ver, por exemplo, o
plano para o estudo do racismo, no Ponto 3.)

DEVE-SE FAVORECER A INDIVIDUALIZAÇÃO DO ENSINO

Ponto de esforço N.° 4

É necessário, bem entendido, recordar que a «indivi­


dualização» e o «trabalho de grupo» não são incompa­
tíveis, visto que a primeira consiste em fazer trabalhar
o aluno segundo o seu ritmo próprio, em vez de lhe impor
o ritmo uniforme de toda a aula. Freinet descreveu e expe­
rimentou isto durante muito tempo. Não repetirei tam­
bém o que já disse a este respeito senão para insistir na
necessidade vital de respeitar, por este meio, a originalidade
e o ritmo de cada indivíduo:
— contribuir-se para a construção de estruturas men­
tais coerentes, por meio de trabalhos que estejam de acordo
com as aptidões manuais ou intelectuais, a psicologia ou
a forma de inteligência de cada aluno:
— favorecendo a «criatividade» da criança ou do ado­
lescente, com o fim de lhe permitir não só criar, mas tam­
bém viver a sua criação.
Mas como fazê-lo? Porque, na situação actual, divi­
dida em aulas e com horários sobrecarregados, um mate­
rial insuficiente e professores com pouca experiência neste
domínio, é difícil oferecer a cada um as possibilidades de
se afirmar segundo os seus meios e ritmo pessoais. Po­
demos todavia referir-nos aos trabalhos de Freinet (sempre
ele, claro!) e prever semanas livres, durante as quais o aluno
188 A ESCOLA ABERTA

tem simplesmente a obrigação de conseguir um limitado


número de trabalhos bem determinados, do modo e ao
ritmo que lhe pareça mais conveniente, portanto com toda
a liberdade, contanto que tudo fique terminado nos prazos
previstos. Naturalmente, sendo a velocidade de execução
mais ou menos variável, segundo os casos, podem-se per­
mitir actividades diversificadas para que todos possam tra­
balhar sem se precipitarem ou se dispersarem. Isto tornar-
-se-á tanto mais possível quanto os outros pontos de
esforço tenham sido conseguidos e especialmente os que
se referem à informação, à documentação, aos trabalhos
práticos dentro da aula ou do centro socio-educativo.

A EXPRESSÃO, SOB TODAS AS SUAS FORMAS, DEVE SER


ENCORAJADA E ENRIQUECIDA

Ponto de esforço N.° 5

Uma das coisas que causaram mais perturbação, em


educação, foi a passagem da «impressão» à «expressão».
Passou da fase em que o professor imprimia naqueles que
ensinava não apenas a sua própria marca, mas a de todo
um sistema social, económico, político, para um novo
período, em que se deveria, finalmente, permitir ao indi­
víduo exprimir-se, quer dizer, revelar claramente todas as
suas potencialidades o mais largamente possível, o mais
livremente possível. Porém, esta explosão da pessoa hu­
mana deve dar a oportunidade não só para cada um se
dar a conhecer aos outros, mas também a si mesmo. Existe,
portanto, ao mesmo tempo, afirmação e tomada de cons­
ciência. Isto só poderá fazer-se, bem entendido, se se favo­
recer a expressão primária do indivíduo. É pois primordial
colocá-lo nas melhores condições de «criatividade», quer
dizer, de criação consciente. O aluno deve ser livre de se
exprimir sem nenhum constrangimento (que poderia criar
deformações: mentiras mais ou menos voluntárias, reac-
ções de defesa, etc.) e, numa segunda fase, deve ser capaz
de observar o seu próprio comportamento com toda a
ACÇÃO ORGANIZADA 189

objectividade e com toda a lucidez. Porque o conheci­


mento de si e o conhecimento dos outros estão intimamente
ligados.
Compreende-se que, nestas condições, as relações entre
o professor e o aluno possam ser, não só perturbadas,
mas praticamente anuladas. Com efeito, cada membro do
grupo é, ao mesmo tempo, responsável pela sua própria
criação e informação, e também pelas dos outros. Tece-se
uma rede completa, entre os membros desta equipa, dentro
da qual cada um é, à sua vez, professor e aluno. É, por­
tanto, indispensável envolver todas as realizações colectivas
no espírito e nos princípios que apresentámos no Ponto 2,
visto que a atmosfera é ela própria uma das condições pri­
márias da expressão.
Concebe-se nesse caso que seja difícil — como o subli­
nharam ainda recentemente os alunos (ver ponto de esforço
n.° 2)—conservar a compartimentação tradicionalmente
estabelecida entre matérias. As ocasiões de se exprimirem
são múltiplas; surgem em qualquer altura, não importa
quando nem onde, como não importam as circunstâncias
em que isso se dá. Todavia, poder-se-ia salientar — com
o fim de esclarecer um pouco mais este importante aspecto —
que existem, pelo menos, quatro formas de expressão,
que estão ligadas e se interpenetram constantemente:
1. A expressão escrita — a que até, aqui, se chamou
«redacção» e tenho de me reconhecer bem embaraçado
para lhe arranjar um outro nome! Mas, se a redacção
se deve manter, na medida em que permite a aquisição
de princípios úteis e fundamentais, é absolutamente indis­
pensável enriquecê-la dando-lhe os meios de renovar os
seus métodos e alargar o campo das suas possibilidades,
com o fim de fazer dela um instrumento eficaz para servir
nas diferentes tarefas impostas pela vida quotidiana (dili­
gências administrativas, impressos a preencher, diversas
cartas a redigir, relatórios, etc.). Deve, portanto, permitir
empregar todas as técnicas de que falamos anteriormente
(especialmente, o relato de inquérito ou debate, a exposi­
190 A ESCOLA ABERTA

ção preparada antecipadamente por escrito para facilitar


a expressão oral). Deste modo, poder-se-á recorrer ao
sentido prático, à imaginação, ao juízo crítico, à cultura
geral, assim como à sintaxe e o vigor do raciocínio.
2. A expressão oral é ainda pouco explorada. Limita-
-se essencialmente ao que se chama habitualmente a «lei­
tura» e a «recitação». Veremos no ponto de esforço n.° 6
o que apresentamos para a primeira. E precisaremos em
breve como a segunda se deve ligar à expressão corporal
e artística. É aliás o que tentamos — com meios e ambi­
ções modestas — quando realizamos uma montagem em
magnetofone ou preparamos quaisquer cenas com o grupo
«Teatro», enquadrado no Clube-Jornal. Por outro lado,
evocamos largamente a expressão oral ao propor — no
Ponto 3 — os exemplos da exposição ou do curso apresen­
tados pelos próprios alunos Mas, além das que já citá­
mos, há um grande número de fórmulas: animação de um
debate, apresentação de um filme em cine-clube ou de uma
emissão, num clube de televisão, direcção de uma «aula-
-crítica», preparação de um serão de leitura ou de uma
mesa redonda. Há também a discussão espontânea, como
as que temos tido muitas vezes, os meus alunos e eu,
e que surge de umacontecimento ligado à actualidade, à
vida da aula, ao comentário de um membro do grupo,
etc. —, e não é essa a menos interessante nem a menos
fecunda. Porque, libertos de todo o constrangimento, os
espíritos exprimem-se sem reticências e revelam-se tal como
são — o que não acontece frequentemente na aula tradi­
cional. Está aí o importante papel terapêutico da expressão
oral, que permite aos introvertidos, aos tímidos, aos orgu­
lhosos também, mostrar-se como são, não só aos olhos
dos outros, mas também aos seus próprios olhos. E a
função «reveladora» da expressão, por outro lado, também
enriquece mais o indivíduo e o grupo do que, outrora, a
marca imposta pelo professor ao aluno. Finalmente, se
a expressão oral contribui para purificar a atmosfera da
aula — condição primária da autenticidade das relações
acção organizada 191

entre os membros de um grupo — não se deve também


esquecer que na vida corrente é sobretudo a ela que se
recorrerá, ainda mais do que a expressão escrita, que
exige mais preparação.
Maio de 68 contribuiu para esclarecer e tomar mais
evidente (enfim!) uma profunda aspiração do ser hu­
mano: a necessidade de comunicar, de ser bem recebido
e compreendido, de estabelecer com os outros um diá­
logo mais fraterno. Só isto bastaria para justificar os nossos
esforços neste domínio.
3. A expressão artística deve ser não só reabilitada,
mas enriquecida e posta em primeiro plano. Não se trata
de uma reacção sentimental e um pouco romântica contra
a sociedade chamada «mecanicista», que arranca a todas
as coisas a sua poesia e a sua candura, não estando os dois
termos, aliás, forçosamente ligados. Vimos recentemente
que a poesia não é um passatempo de sonhador delicado,
doce, mas que pode ser uma arma, directa, que fere, eficaz,
ao serviço do povo. Porque o poeta é a voz da comuni­
dade e é, antes de tudo, um homem de combate, mesmo
que seja decididamente pacifista. Porém, a poesia não se
exprime apenas por palavras. Está em toda a parte: na
canção, numa paisagem, nos gestos e nas rugas dos ho­
mens, na noite e nos campos de trigo, nas mãos das crian­
ças e no olhar das raparigas, vibra-nos nas veias, bate-
-nos nas fontes até jorrar por vezes sobre as paredes sujas
ou desinfectadas das cidades. Não é somente a emoção
que nos empolga, é também uma cabeçada na muralha
do conforto e do hábito. Não é por acaso que floresce
nas calçadas, pois é uma subida para a claridade da seiva
o que corre dentro de cada um de nós. É por isso que
brilha com um esplendor muito seu nas grandes festas do
povo, porque corresponde ao que ele revela de mais pro­
fundo e mais verdadeiro. É significativo que os regimes
autoritários — quaisquer que sejam as suas margens —
neguem ou persigam a poesia e é aí que se traem e dão
o flanco à crítica. Um país onde os poetas são amorda­
192 A ESCOLA ABERTA

çados ou condenados a trabalhos forçados e às prisões


não é um país livre e tudo o que disserem os seus gover­
nantes só pode ser má literatura. Que me compreendam
bem: Falo da poesia no sentido mais amplo da palavra
e é quase supérfluo precisar que não estou a pensar no
exercício elegante que consiste em fazer soar frases pom­
posas ou em mergulhar o leitor nos abismos da perplexi­
dade. A verdadeira poesia fala a toda a gente, sem desvios
e revela a cada um de nós ecos multiplicados até ao infi­
nito, porque é, antes de tudo, meio de comunicação e fra­
ternidade na comunicação. É só por esse preço que duas
pessoas de educação ou idade diferentes compreenderão
a beleza da mesma paisagem, da mesma música, do mesmo
gesto ou da mesma palavra.
Portanto, a expressão artística e a poesia são apenas
uma única e profunda vibração, pertencendo à escola
provocá-la e enriquecê-la. É espantoso que se fale de me­
ninos prodígios só porque já sabem, aos 6, aos 8 ou aos
10 anos, escrever poemas como os que se seguem:

O ALUNO DA ESCOLA

Quando sai de casa sem


protecção alguma, ao vento,
Sob o nevoeiro,
Para a escola
No mês de Janeiro, ele
Desenha águias e animais ferozes
Presos, como as palavras numa página,
Uma imagem é mais bela do que
A página. Mas a página é mais Bela que ser sábio.

O BOSQUE

Coberto de folhas
ele está de luto
o lindo bosque de Blois
ACÇÃO ORGANIZADA 193

suas folhas verdes são desprezadas


pela brisa que embala.
Maroto despojo
do bosque de pinhos
acaba o seu reino
porque teve as folhas
na soleira.
O rapazinho, que as escreveu, na aula onde eu era
professor há alguns anos, tinha dez anos nessa altura.
Escreveu mais alguns e não era o único do grupo a fazê-lo.
Na sua simplicidade aparente, estes textos são contudo
profundos e revelam um mundo interior que talvez já
tenha desaparecido. Não estamos na presença de excepções,
mas simplesmente do desabrochar de uma sensibilidade,
latente em muitas crianças. Quem diz que a vida e a es­
cola não contribuem para destruir esta espécie de estado
de graça, de comunicação directa com os seres e as
coisas? Ser poeta, depois, é simplesmente a habilidade,
enquanto, nas primeiras idades da vida, é ainda «saber
viver»... Em toda a parte existem crianças-poetas, sem que
por isso sejam fenómenos. Os meus alunos viviam nos
arredores de uma terra, com todas as condições para
sufocar a poesia: h.l.m., terrenos incultos, cheios de ervas,
com poucas árvores, campos de estrumação. E, no entanto,
havia neles (não em todos, bem entendido) recantos ocultos
de uma frescura ainda selvagem...
Citei este exemplo apenas para definir, o mais concre­
tamente possível, o lugar da expressão artística, na minha
opinião — e não sou eu o único — demasiado desprezada
no nosso ensino, quando constitui ainda um dos raros
domínios onde se pode encontrar uma imagem autêntica
do Ser, tal como ele é e não como se quer mostrar. E,
uma vez que pusemos em evidência a importância da lin­
guagem, não se deve esquecer que a Arte — a que se nos
oferece, tal como a que trazemos em nós — é a única coisa
universal. Em todas as épocas, em todas as latitudes, o
Belo continua a ser o Belo. O mais que podemos recear
194 A ESCOLA ABERTA

é que a fórmula do Principezinho seja derrubada e que


acabemos por só achar «bonito» o que é «verdadeiramente
útil». Ficaríamos então tendo a certeza de que, tragica­
mente, o «funcional» alargou o seu império sobre os
corações e os espíritos, tal como o estende sobre as coisas.

4. A expressão corporal, finalmente, permitir-nos-á


avaliar a medida da nossa individualidade, ensinando-nos
a comportar-nos perante os outros membros do grupo.
Todos sabem que não se pode somente «recitar» um
texto, por mais belo, por mais profundo, por mais forte
que seja; quem se exprime não poderia fazê-lo sem se apoiar
no gesto. Porque o gesto não é simplesmente um suporte
da linguagem, é em si próprio uma linguagem: completa
o que dizemos, afirma-nos em relação aos outros. É tam­
bém por essa razão que é necessário falar de «expressão».
O que se aprende a fazer em cena, deve-se também apren­
der na aula, porque de qualquer forma teremos de fazê-lo
nos actos quotidianos da vida e porque é através do nosso
comportamento que os outros ficarão a saber como somos.
Também não se deve esquecer que a expressão corporal é
um meio para todos se projectarem fora de si mesmos,
para se verem do «exterior» e liquidarem deste modo
alguns recalcamentos, libertarem algumas inibições, que
prejudicam rudemente as nossas potencialidades intelectuais,
psíquicas ou mesmo físicas.
Porque, tendo reconhecido, no princípio deste pará­
grafo, que a «expressão», recobria actividades extrema­
mente ricas e variadas, é importante pôr em evidência
quanto uma escola que a favoreça contribui para lutar
contra a formação de nevroses das quais o ensino tradi­
cional é — em grande parte — responsável. E este papel
primordial, é necessário reconhecê-lo, só pode ser plena­
mente cumprido no seio de uma Escola Aberta que, sem
hipocrisia e sem ingenuidade, coloque o indivíduo perante
as suas responsabilidades, dando-lhe todos os meios de
se afirmar e de se assumir plenamente.
ACÇÃO ORGANIZADA 195

A LEITURA DEVE SER REABILITADA

Ponto de esforço N.º 6

Não é um mistério, para ninguém, que o francês não


gosta de ler! Não me referirei ao grande número de inqué­
ritos que puseram em evidência esta triste realidade. Mas
muito naturalmente, perguntei aos meus alunos o que
pensavam dos livros. As respostas que se seguem, são
extraídas de questionários psico-sociais que lhes fiz e dos
quais já falei (especialmente no Ponto 3).

21. Aprecia a biblioteca? Porquê?


Em 170 respostas, 100 são afirmativas, 49 alunos não apre­
ciam nada. Os outros não se pronunciam. Em ambos os casos,
as razões que apresentam são as seguintes:
«É uma distracção — Não, porque não gosto dos livros
sem gravuras — É muito instrutivo — Porque os livros são
interessantes — Ensinam-nos muitas coisas — Porque gosto de
ler — Porque há passagens interessantes — Não gosto muito
de ler — Não há muitos livros novos — Não há muitos livros
das Séries verde e amarela (?!) — Não ensinam nada — Gosto,
mas não tenho tempo — Porque me distrai muito quando
estou aborrecido do estudo — De alguns livros — Porque isso
nos faz estar actualizados — Melhora-se o francês (!) — Há
livros divertidos — Há belos livros — Interessa-me, mas, quando
tenho um livro, já não posso trabalhar — Ocupa-nos, depois do
trabalho — Aprendem-se algumas coisas que não se saberia
doutro modo — Podemos ler livros que não possuímos — En­
sinam-nos um pouco de ortografia — Os livros, na maioria,
não são interessantes — Porque não tenho tempo de ler, à
noite — Desenvolve a memória — Porque não temos muitas
distracções — Há livros para o gosto de todos — Faz-nos sair
do meio em que vivemos — Podem-se ler livros com algumas
coisas maravilhosas — Em alguns livros há boas ideias — Não
prefiro comprar eu próprio os meus livros — Descontrai e dá-
-nos elementos desconhecidos — Distrai um pouco — Há muito
por onde escolher — Permitem ocupar o tempo «vazio» —
Aprende-se sempre quando se lê — Enche-nos de ideias (!)
— Temos por onde escolher — Fazem mudar, às vezes, de
programa — Não se tem tempo de escolher — Não, por causa
do horário — Há livros que não se poderiam comprar — Para
nos desenvolver o espírito —Não gosto de ler esses livros —
Interesse dos livros na vida — Não há tempo de ler, no colégio.»
196 A ESCOLA ABERTA

Vê-se imediatamente, com um certo espanto, que os


alunos que apreciam a biblioteca são em grande número
— numa proporção muito superior às estatísticas nacionais!
É verdade que, na sua idade, se lê mais do que em adulto
e que o seu estado (muitos são internos) lhes deixa tempo
livre. 19, entre eles (mas talvez entre eles estejam externos
ou os do semi-internato) lamentam-se todavia de não o
ter. Os alunos que vão todas as noites para casa têm por
vezes trajectos muito longos a fazer, têm pouco tempo
livre em casa e empregam-no, muitas vezes, para ajudar
os pais, ou encontrar-se com os amigos. Outros sentem-se
constrangidos porque — dizem eles, com razão — os mo­
mentos de abertura da biblioteca são muito raros e muito
curtos ou mal distribuídos durante o dia. Todavia, tentá­
mos melhorar o sistema de funcionamento do sistema de
empréstimos abrindo a biblioteca duas vezes por dia, nos
recreios, graças a equipas de voluntários, que se revezam
ao longo da semana.
Donde vem, contudo, este interesse pelos livros que
lhes oferecemos? Evidentemente, dispomos de mais de
650 volumes (para cerca de 250 alunos) e a sua escolha
foi determinada por sondagens destinadas a conhecer o
gosto dos jovens leitores. Temos igualmente tomado nota
do título das obras, que saem com mais frequência e pre­
vimos a aquisição de um maior número de exemplares
delas contanto, que apresentem um real valor literário e
educativo. Porque, fora do estabelecimento, as leituras são
um pouco diferentes!... como o testemunham as respostas
à seguinte pergunta:

25. Lêm livros? Quais? Quantos por ano?

Os resultados baseiam-se nos trabalhos lidos FORA do


que lhes damos no colégio. Foi assim que 103 em 170 decla­
raram «Ler livros». É muito mais do que os mais velhos, de­
certo. Mas a que chamam eles «livros»?
À frente vêm os romances policiais (29 respostas), de
espionagem (18 respostas), depois as bandas desenhadas de
acção organizada 197

cowboys (11 respostas), as narrativas de aventuras e de acção


(10 respostas), de guerra (8), de viagens e de exploração (7).
Não são citados mais de 5 vezes: Biblioteca verde ou vermelha
e ouro. Desportos, Automóvel, Ficção-científica, histórias de
caça ou de animais, livros da selva e de vulcões, livros de Bolso
de todas as categorias, livros sobre a natureza, trabalhos ofi-
cinais, caseiros, arqueologia, temas científicos ou históricos,
e romances, sem mais dados precisos. Um único autor é men­
cionado: Emílio Zola.
As respostas mais significativas são: «Leio seja o que for
— Todos os livros ilustrados, não os conto — Um pouco de
todos os estilos.» Um único, que vem do liceu, explica: «Em
geral, os de autores clássicos, verdadeiramente de autores
contemporâneos.»
A frequência das leituras? Vai de 1 volume a... 300, se­
gundo os casos. Mas 15 alunos lêem de 1 a 9 obras por ano,
19 lêem uma dezena, 3 uma dúzia ou quinze. A partir de vinte
livros por ano (lidos por 11 alunos) encontramo-nos na pre­
sença dos «danados pela leitura». 4 lêem 38 a 50, 3 uns sessenta,
um outro vai até aos 100 (exclusivamente de «cow-boys»)
e um último chega aos 300, sem todavia precisar as categorias.
Quais são as leituras destes bibliógrafos? Romances policiais
ou de espionagem e bandas desenhadas. Nunca são citadas
obras de carácter literário ou indiscutivelmente educativo.

Bem entendido, estes resultados são demasiado par­


ciais para que representem um interesse geral. Mas podem
certamente revelar tendências que se encontram em muitos
jovens. Podemos, apesar de tudo, sem grande risco, veri­
ficar que:
— fora da vida escolar os alunos lêem pouco (29 lei­
tores de romances policiais em 103 é, no fim de contas,
pouco); e, quando lêem muito, não é para se lançarem so­
bre uma literatura que os enriqueça muito!
— exactamente como no momento dos resultados sobre
a leitura dos jornais e das revistas, temos de limitar-nos a
verificar — uma vez mais — um estado de incultura inte­
lectual e um desinteresse muito vincado pelos livros, salvo
em relação às colecções de bandas desenhadas, às obras
muito ilustradas, aos romances policiais ou de espionagem,
que não exigem um esforço sobre-humano de reflexão.
198 A ESCOLA ABERTA

Para lerem, como para se informarem, os pequenos


Franceses escolhem a solução da preguiça. «Mas de quem
é a culpa? De toda a gente e dos professores certamente...
Aí está a razão por que insistimos para que a leitura seja
reabilitada no espírito dos jovens e para que a escola os
convide a ler mais e melhor. Acabamos de ver que a biblio­
teca é um primeiro passo útil nesse sentido. As minhas
sondagens revelaram-me que os romances ou as peças
estudadas na aula, com o concurso de meios vivos e atraen­
tes, são em seguida muito mais lidos: Montserrat, de
Emmanuel Roblès, Germinal, de Zola, As vinhas da ira,
de Steinbeck, L'Enfant, de Jules Vallès, têm todos os anos
um franco êxito, tendo o último sido pedido para leitura
pessoal por 2 alunos em 90, sem contar os exemplares —
em número de dez — pedidos emprestados à biblioteca. A
peça de Roblès foi «representada» por mim diante dos alu­
nos. Os romances de Zola e de Steinbeck foram ilustrados
por quadros, que se ligavam aos extractos lidos na aula.
Estes exemplos, mesmo que não sejam muito especta-
culares, encorajam-nos todavia a propor, ao lado da biblio­
teca e em colaboração com ela:
— a criação de uma pequena oficina de arte dramá­
tica, que prepare extractos de peças desempenhadas pelos
alunos, diante dos colegas ou no quadro de uma monta­
gem. Não se trata de constituir um grupo teatral, porque
os meios financeiros, a falta de tempo e de competência
não o permitiriam, na maior parte dos casos. No entanto,
pode-se sempre recorrer a um professor que já tenha um
pouco de teatro, a um actor, a um animador especializado,
que dará a embalagem. As actividades serão, em seguida,
centralizadas sobre a educação da palavra e do gesto, e
facilitarão as libertações psicológicas úteis e, em certos
casos, salutares. Sem ir até à representação diante de um
largo público, podem-se prever exercícios para:
— a representação na aula de extractos de peças, o
que só pode dar aos alunos a dimensão e o relevo novos
ACÇÃO ORGANIZADA 199

que pode tomar uma obra representada e não simplesmente


lida;
— a realização de montagens, de que falámos longa­
mente no parágrafo sobre a confecção de material peda­
gógico. Estas montagens — gravadas por um magnetofone
e, sendo necessário, ilustradas por diapositivos — podem
permitir...
— a animação de serões que reúnam pequenos grupos
de voluntários, que discutirão em seguida uns com os
outros e poderão talvez mesmo convidar alunos ou adultos
doutros estabelecimentos, no quadro das actividades do
centro;
— o clube de leitura, na aula ou no centro, permitirá
a um ou vários alunos a apresentação de obras ou autores
que tenham escolhido livremente recorrendo ao diaposi­
tivo, ao magnetofone, ao quadro documentário ou à arte
dramática. Deste modo, apresentada aos alunos por alunos,
a leitura — e consequentemente a «recitação» — perderão
o carácter poeirento e soporífero que se lhes censura muitas
vezes justamente.
Todavia, é necessário que estes esforços provoquem
nos alunos o gosto de ler. E esta a razão pela qual, se se
conseguir provocar essa reacção, se lhe deve corresponder
oferecendo:
— uma sala de leitura, anexa à biblioteca e na qual
poderão consultar, no próprio local, as obras que não
podem comprar, pelos seus próprios meios, nem pedir
emprestadas ao estabelecimento, assim como jornais, re­
vistas, etc.
A fórmula de exposição itinerante de livros, apresen­
tada pela Federação das obras laicas, é muito boa e suscita
sempre um interesse muito vivo nos jovens. É pensando
nela que é necessário prever muitas vezes no ano...
— apresentação de obras rècentemente adquiridas pela
biblioteca, ou mesmo emprestadas por livrarias da loca­
200 A ESCOLA ABERTA

lidade, que permitirão, deste modo, aos alunos virem a


uma sala livres de qualquer disciplina e numa atmosfera
descontraída, folhear, como lhes apetecer, obras atraentes,
ilustradas certamente, mas com qualidades educativas evi­
dentes, pois que são adaptadas à sua idade. Poder-se-á
pedir-lhes a sua opinião, para saber o seu gosto e escolher
as novas aquisições. Nada impedirá também de decorar
a sala com quadros documentários sobre escritores, obras
célebres, reportagens literárias e tornar a sessão mais agra­
dável com trechos de música clássica ou moderna, transmi­
tidas em surdina por um electrofone.
E, com toda a certeza, será necessário ter organizado...
— Uma biblioteca bem fornecida, acessível aos alunos
o maior número de vezes possível, que possam eles pró­
prios organizar e na qual lhes seja fácil encontrarem-se.
Importa pois que o sistema de classificação seja claro e
— por medida de simplificação — análogo ao da documen­
tação (de que depois voltaremos a falar). A biblioteca
pode conceder duas espécies de empréstimos:
1. as obras que são cedidas por um determinado
tempo (15 dias, por exemplo) e podem, pois, sair da sala
a que pertencem;
2. as obras — mais caras, mais volumosas — que po­
dem ser consultadas na sala de documentação ou na sala
de leitura. Não podem sair do estabelecimento. São sobre­
tudo destinadas aos internos e, entre eles, aos que não
podem sair na tarde de quinta feira nem no domingo.
Bem entendido, biblioteca, salas de leitura e de do­
cumentação podem ser no mesmo local ou — de prefe­
rência — em duas salas vizinhas, com comunicação.
Finalmente, acontece com muita frequência que, no
estudo, se considere que os alunos «não fazem nada»
quando estão a ler obras da biblioteca. Naturalmente,
sabe-se muito bem que as outras matérias devem ser tra­
balhadas a sério (ninguém o contesta), mas o aluno que
lê não deve ser considerado como culpado de se entregar
ACÇÃO ORGANIZADA 201

a uma actividade que não é autorizada senão depois


de se ter feito todo o trabalho. Porque ela é justamente
a forma mais autêntica de cultura pessoal, não é imposta
do exterior, mas corresponde a um pedido interior. É por­
tanto urgente prever — por dia ou por semana, segundo
o emprego do tempo—uma ou várias horas de leitura livre,
dentro dos horários de estudo, por exemplo, ficando en­
tendido que os que não querem ler têm a faculdade de tra­
balhar noutra coisa, mas que os que o querem fazer têm
a certeza de não ser inquietados.
Deste modo, pode-se prever, dentro dos estabeleci­
mentos escolares, algumas medidas susceptíveis de reabili­
tar a leitura, medidas que são facilmente realizáveis. Não
excluem — muito pelo contrário — as ligações com as bi­
bliotecas municipais, as organizações culturais, os anima­
dores de educação popular. É a nós que, no entanto, nos
pertence a pesada tarefa de despertar nos jovens o gosto
pelos livros, que os mais velhos perderam. Mas não con­
seguiremos um resultado positivo, se não tornarmos os
nossos métodos pelo menos tão atraentes como os pode­
rosos meios de que dispõem o disco, a imprensa, o cinema
ou a televisão. Porque é ainda uma preparação para os
modernos meios de informação aprender a empregá-los
para melhor os compreender e, por conseguinte, melhor
se defender deles, sendo necessário.
É assim que chegamos, muito naturalmente, ao ponto
seguinte:

A INFORMAÇÃO DEVE TORNAR-SE


UMA ACTIVIDADE FUNDAMENTAL

Ponto de esforço N.º 7

O desenvolvimento cada vez mais amplo e a influência


cada vez mais acentuada dos modernos meios de comuni­
cação, o sentimento de que se trata de um problema de
grande importância na nossa época (sentimento que é
traduzido pelas reivindicações dos jornalistas e pelas pro­
202 A ESCOLA ABERTA

postas das Comissões de trabalho professores-alunos de


Maio de 1968) obrigam a nossa época a fazer da informa­
ção um dos pólos da sua nova pedagogia, sem o que se
arrisca a passar (mais uma vez!) ao largo das realidades.
Contudo, não se trata de corresponder seja como for
a esta nova necessidade. Imediatamente, os esforços devem
basear-se em dois pontos essenciais:

1. Informação, decerto. No quadro das actividades es­


colares, os alunos devem poder ler jornais e revistas, ouvir
discos ou rádio, ver televisão, assistir a representações
teatrais ou a projecções cinematográficas. Mesmo que isso
necessite de algum controlo (muito diferentes da censura,
de resto), consentido e organizado de comum acordo, a
penetração dos modernos meios de informação dentro dos
estabelecimentos deve ser efectiva, sem o que os alunos
ficarão separados das realidades — força do mundo con­
temporâneo.

2. Mas também, educação. Esta medida deve ser se­


guida de uma verdadeira pedagogia da informação, cujos
caminhos e métodos deverão dar oportunidade a uma
renovação radical. Assim, será necessário desenvolver, ao
mesmo tempo, o sentido prático e o espírito crítico; utilizar
conjuntamente o pensamento e a técnica educativa, favo­
recer o diálogo, enriquecer e aperfeiçoar as relações hu­
manas. Poder-se-á prever um programa mínimo, que se
apoiará ,de uma forma muito concreta, sobre o estudo
da imprensa, da rádio, da televisão, da publicidade. Mas
será igualmente indispensável deixar manipular aparelhos
audiovisuais, editar um jornal, organizar inquéritos, de­
bates, animar sessões de televisão ou de cine-clube, confec-
cionar quadros de informação. Poder-se-á igualmente en­
corajar a constituição de equipas especializadas e compe­
tentes, que permitirão a alguns voluntários aprender a
informar os colegas. As experiências descritas no Ponto 3
provam, desde já, que isto é possível.
ACÇÃO ORGANIZADA 203

Todavia o problema não é tão simples como somos


tentados a imaginar à primeira vista. Teremos de fazer
frente a dificuldades de todas as espécies, que nos fazem
correr o risco — se não tivermos cuidado — de diminuir
consideravelmente a eficácia de toda a pedagogia, neste
domínio.
Em primeiro lugar, será necessário ter em conta o
carácter das relações que se estabelecem entre a informa­
ção e os indivíduos a que se dirige. Estes, com efeito,
exigem geralmente que lhes ensinem à primeira o que eles
já sabem, aceitando deste modo que os confirmem nos
seus estereótipos. Este facto explica que a imprensa, a
publicidade, a moda ou o disco contribuam finalmente
para tornarem mais fixos os conformismos, de preferência
a renovarem as aspirações e as mentalidade. Em tais con­
dições, o indivíduo sente-se impelido para duas atitudes
que apenas na aparência são contraditórias: ou aceitar
por bom tudo o que alimenta os seus hábitos ou então
recusar tudo o que tende para alargar o campo dos seus
actos e dos seus pensamentos. Se a publicidade, por exem­
plo, tem tanta influência no homem, é porque lhe sabe
lisonjear os hábitos rotineiros, evitando abrir-lhe os olhos
para outras possibilidades de compra. Participa, portanto,
na empresa de alienação de uma sociedade completamente
orientada para o consumo e, deste modo, encoraja-a a
fazer de nós consumidores ao serviço de um sistema de
venda, quando deveria ser precisamente o contrário. Os
comentários precedentes fazem avaliar a extensão da nossa
tarefa, no caso de uma verdadeira pedagogia da informa­
ção. Porque é então fácil compreender como os alunos
— e, mais tarde, os adultos — são reticentes a respeito de
tudo o que é concedido por uma pessoa exterior ao seu
mundo pessoal, chegamos mesmo a interrogarmo-nos sobre
qual é a eficácia de todo o ensino tradicional, que, no fim
de contas, não é senão um falso contacto mais ou menos
permanente, visto que nem o professor nem o aluno falam
a mesma linguagem, empregando o primeiro um idioma
estranho, que o outro não está disposto a tomar em con­
204 A ESCOLA ABERTA

sideração. A única solução que oferece garantias suficien­


tes parece ser a realização de exercícios práticos baseando-
-se na actividade primária dos alunos, para que eles consi­
derem que o ensino, tal como essa actividade, lhes diz
respeito.
Em segundo lugar, a informação é um material subtil,
movediço, astucioso, que exige muita atenção, competência,
trabalho e delicadeza, sem o que pode servir a própria
causa que pretende combater e fazer de nós os cúmplices,
mais ou menos conscientes, de um sistema que tentamos
denunciar. Ainda mais do que noutras matérias, será neces­
sário que o professor ou o animador consagre muito
tempo à sua educação pessoal, colabore com especialistas
(e especialmente jornalistas), verifique a assimilação das
aquisições e a formação do juízo crítico, multiplique as
sondagens de verificação. Naturalmente que terá de ser
totalmente imparcial. Isto, mesmo com a melhor boa von­
tade do mundo, ser-lhe-á, por vezes, difícil, porque é exigir
dele que seja constantemente senhor dos seus pensamentos
e consciente dos seus actos. Ainda aí, a garantia mais se­
gura será a actividade primária dos alunos, porque importa
que eles aprendam a integrar por si próprios, como «su­
jeitos», uma informação pela sua própria essência «objec-
tiva», quer dizer, imposta do exterior. É uma coisa que só
se fará sem dificuldades para eles, se lhes ensinaram a
defenderem-se de todas as ideias recebidas e — bem enten­
dido — preconcebidas. Mas vemos então como a peda­
gogia da informação corre o risco de se tornar difícil de
manejar.
Em último lugar — visto que a informação é, em si
mesma, uma renovação contínua — obriga-nos a introdu­
zir no ensino métodos resolutamente novos, dinâmicos, o
mais ACTUAIS possível. A nossa preocupação constante
será evitar, desde já, o perigo da esclerose. É esse risco
— bem real — que A. Raffestin denuncia ao escrever
École des Parents, Março de 1968, p. 35-36): «Será neces­
sário fugir de processos didácticos». Caso contrário, mu­
demos algumas palavras a um texto de Michel Tardy
acçAo organizada 205

referente à iniciação cinematográfica. «No caderno de infor­


mação, os alunos caligrafarão em letra bastarda o nome
de Jean Fourastié e colarão a última fotografia do último
comissário para o Plano (encontrada no último chewing-
-gum). Estabelecer-se-ão cronologias e quadros sinópticos...
O professor convidará toda a aula às alegrias da interro­
gação escrita. Chegará o dia dos exercícios de composi­
ção: Os mais jovens farão narrações ou descrições. Os
mais velhos terão direito às dissertações e, beneficiando
do último aperfeiçoamento em matéria pedagógica, terão
mesmo a possibilidade de escolher entre três assuntos.
E a rubrica informação figurará nos cadernos de notas e,
no fim do ano, no dia do encerramento solene do ano
lectivo, haverá prémios de informação...»
É graças à porta aberta para o ensino da informação
que poderão penetrar na escola métodos novos, formar-se
lentamente mentalidades mais maleáveis, mais receptivas,
capazes de constantemente se adaptarem ao movimento
da sociedade e de fazerem finalmente, que estejamos na
vanguarda e já não na cauda.
Demorará, o que facilmente se admite! Também, para
já pelo menos, propomos que os quadros que funcionam
nas aulas só apresentem informações simples e claras, que
correspondam aos interesses dos alunos e tenham em conta
as suas optidões para os interpretar. Porque — muitos deles
o sublinharam — um facto perde todo o interesse, se não
o compreendem ou não podem colocá-lo no conjunto de
que faz parte. Deste modo, nos casos difíceis, propomos
igualmente:

— Revistas de imprensa que, a partir de variados e


numerosos documentos, permitirão fazer em conjunto a
síntese de um assunto determinado, com o fim de conhecer
todos os seus aspectos e todos os seus prolongamentos.
Isto são exercícios essencialmente práticos, pois que existe
neles manipulação, confronto, discussão, julgamento e con­
clusão dos alunos;
206 A ESCOLA ABERTA

— Sessões chamadas de «informações pormenorizadas»,


durante as quais, desta vez, o professor responderá às per­
guntas dos alunos para lhes permitir adquirirem um conhe­
cimento mais amplo e mais preciso dos assuntos que os
preocupam;
— «pontos de actualidade» que, por meio de um ques­
tionário-sondagem, baseando-se em acontecimentos recen­
tes, permitirão aos alunos pôr em dia os seus conheci­
mentos e aos professores verificar de que maneira se fazem
aquisições ou corrigir (sendo necessário) alguns erros;
— debates a favor ou contra, apresentando dois alunos
os argumentos «a favor» e outros dois os argumentos
«contra», a propósito de uma questão controversa. É um
exercício que obriga a procurar informações, a calcular
o seu valor, a organizá-los, a apresentá-las na aula e a
aceitar a discussão. Permite a participação do maior
número.
Muito rapidamente nos apercebemos então de que
os diferentes meios de aproximação da informação — além
dos quadros que descrevemos no Ponto 3 — são um con­
vite constante a alargar o campo das investigações, a pro­
curar a cooperação das outras matérias e por isso a tomá-
-las mais vivas porque mais actuais. Pode-se, bem enten­
dido, estabelecer relações entre os conflitos sociais e a
legislação do trabalho, mas também explicar a importância
do petróleo nos conflitos do Médio Oriente, evocar os
aspectos morais da guerra do Vietname ou do Biafra,
fazer a ligação do caso da Checoslováquia com os seus
precedentes históricos, pedir ao professor de Ciências que
explique as transplantações de coração, dar instrução cí­
vica a propósito das eleições, estudar a obra de um escritor
na altura em que toda a imprensa fala do Prémio que
lhe foi atribuído (porque se dispõe então de um grande
número de documentos) e porque não? comparar o Con­
certo de Aranjuez com a canção que Richard Anthony
dele extraiu!...
ACÇÃO ORGANIZADA 207

Deste modo se estabelecem trocas cada vez mais fre­


quentes, se criam pouco a pouco condições para um diá­
logo real entre todos os membros do grupo e com o mundo
exterior. Mas, para responder a esta situação...

É INDISPENSÁVEL A CONSTITUIÇÃO
DE UMA DOCUMENTAÇÃO ORGANIZADA

Ponto de esforço N.° 8

Depois de nos termos perdido, durante algum tempo,


com a informação, fica-se impressionado ao verificar com
que rapidez ela prolifera sob a forma de uma papelada
que se torna cada vez mais sufocante. É um risco grave
porque, se se juntar à confusão provocada nos alunos por
tudo o que lêem, vêem ou ouvem no exterior, participa-se
na destruição do seu espírito ou da sua personalidade.
É, portanto, indispensável criar, com o concurso dos alunos,
uma documentação que, para ser eficaz, deve ser sobria­
mente organizada.
Evoquei, no Ponto 3, algumas possibilidades. Freinet
e o Instituto Cooperativo da Escola Moderna, em Carmes,
(cito-os no anexo) previram modos de classificação facil­
mente utilizáveis por todos. Este capítulo está muito li­
gado no Ponto de esforço precedente, podendo os painéis
que nós empregamos ser consagrados à informação ou
servir de documentação para ilustrar os cursos feitos na
aula, pelo que não voltarei a este assunto. Insistirei somente
na necessidade de uma sala de documentação que, organi­
zada e dirigida pelo grupo professor-alunos, deverá per­
mitir a todos encontrar matéria para os seus trabalhos e
enriquecimento pessoais. Dever-se-á pois reunir aí não só
livros, mas também revistas, jornais, bibliotecas de tra­
balho, processos-documentários, assim como discos ou
diapositivos.
Pouco a pouco, ela tornarar-se-á o centro vital de
todo o estabelecimento. Os alunos encontrarão aí a base
da sua actividade primária. Porque, bem entendido...
208 A ESCOLA ABERTA

OS TRABALHOS PRÁTICOS DEVEM


SER MULTIPLICADOS

Ponto de esforço N.° 9

Foram-no durante as experiências que realizámos,


e sê-lo-ão ainda nas que vão seguir-se de futuro. Estão
descritos — ou sente-se a sua implicação — constantemente
neste livro. É a razão pela qual, com o fim de evitar repeti­
ções desnecessárias a propósito do fabrico de material
pedagógico, de relatos, de inquéritos ou de realizações
de quadros, o parágrafo será mais curto. O que não quer
dizer que seja menos importante!...
Todavia, para que os alunos possam agir realmente
por eles próprios, é necessário recuar ainda os limites
da aula.
É a razão por que...

AS ACTIVIDADES DO CENTRO SOCIO-EDUCATIVO


DEVEM SER ALARGADAS

Ponto de esforço N.° 10

Avaliámos anteriormente como os nossos trabalhos


devem recorrer às técnicas e ao espírito dos centros socio-
-educativos. Mas, para conseguir a maior eficácia e abranger
o máximo de pessoas, é necessário que as actividades do
centro sejam alargadas, em várias direcções. Devem ser
suficientemente ricas e variadas para favorecer o exercício
das aptidões em grande número de domínios e permitir
aos alunos cobrir sectores mais amplos do conhecimento
prático e teórico. É necessário, portanto, multiplicar os
clubes, abri-los ao maior número possível, aumentar as
suas possibilidades materiais. Devem igualmente contri­
buir para eliminar a separação entre a aula e a vida, dei­
xando-se penetrar pelo espírito, pelos métodos e pelos meios
dos centros, que são uma porta aberta para o mundo
exterior. Estes princípios estão aliás inscritos nos textos
ACÇÃO ORGANIZADA 209

oficiais, só tem que se lhes dar consistência... Será ainda


necessário, evidentemente, que os créditos e os animadores
sejam suficientes e que os regulamentos abram finalmente,
de forma decisiva, as suas grades esterilizantes!
Todavia, pela sua própria dinâmica, os nossos traba­
lhos alargam-se até ao Centro, tal como este penetra na
aula. E, deste modo,se realiza, pouco a pouco, a osmose
inevitável que nos leva para um dos três pontos do que se
pode chamar...

O triângulo pedagógico

que, apoiando-se nos Pontos de esforço enumerados prece-


dentemente, permite lançar a renovação do ensino nas
três direcções que se seguem:
PRIMEIRA IDEIA CHAVE:
A LIGAÇÃO AULA/CENTRO

Os trabalhos que descrevemos até aqui, são a ilustra­


ção desta ligação, que se faz por si, a partir do momento
em que se tenta abrir a aula para o exterior. Vimos como
a realização de uma montagem, a confecção de um quadro
ou de um processo-documentário, a preparação de uma
exposição, tornam subtil a distinção entre aula e centro.
Os factos falam, pois, por si mesmos, a favor desta liga­
ção, que deve ser constante e permitir o enriquecimento
mútuo desses dois pólos da vida escolar.
É sob um aspecto absolutamente novo que é neces­
sário ver, para o futuro, a escola (o que decidimos delibe­
radamente fazer, quanto a nós). Ora a aula e o Centro,
estreitamente unidos, podem ajudar esta renovação. A aula
continua a ser ainda o meio privilegiado para adquirir
conhecimentos, mas encontra-se apertada nos seus muros,
nos seus métodos e regras demasiado estritos. Dá certa­
mente o rigor intelectual, mas não tem imaginação sufi­
ciente. Mesmo que a tivesse, aliás, não poderia exercê-la
210 A ESCOLA ABERTA

plenamente, porque não tem tempo para isso. O Centro,


pelo contrário, mais rico em possibilidades de todas as
espécies, mais livre, porque menos submetido à disciplina
escolar, (actualmente ainda o está demasiado!) pode tornar-
-se o centro da vida comunitária, especialmente na altura
do descanso, como a sala de documentação o pode ser
na altura do trabalho. Com isso não faria mais do que
corresponder à sua vocação, que é oferecer actividades e
tempos livres socio-educativos: aprendizagem dos modos
de pensar e de acção, decerto, mas também aprendizagem
dos modos de vida em comunidade. Porque também aí,
bem entendido, se toma a encontrar a equipa cooperativa
alunos-adultos, que toma uns e outros mais solidários,
e contribui para preencher o fosso que se esforçam por
escavar entre os jovens e os mais velhos, quando todos
têm interesse em se apoiar nas suas competências e nos
respectivos conhecimentos, reunidos e confrontados no
interesse de todos. Só com esta condição se preparará,
desde a escola, o campo da acção cultural, de que toma­
remos a falar no Ponto 5 e sem a qual qualquer educação
popular e permanente e toda a política verdadeiramente
cultural ficariam no domínio da utopia e mesmo no do
abuso de confiança, porque nem uma nem outra terão
impacto suficiente sobre os espíritos e as personalidades,
se a escola não tiver preparado o terreno, exercendo uma
acção contínua desde a infância.
Todavia, para ultrapassar a fase experimental, é ne­
cessário, apesar de tudo, fazer um certo número de esforços.
Peçamos o primeiro aos alunos, que deverão associar-
-se plenamente às tentativas realizadas nesse sentido, se
querem um dia viver em estabelecimentos Abertos,
onde se sintam livres e felizes. Isto implica evidentemente
que ultrapassem esse espírito pequeno-burguês que leva
uns a negar todo o esforço vindo de outro, pelo menos
a minimizá-lo ou a ridicularizá-lo. Seria útil também que
sacudissem a apatia que mergulha os outros na rotina e na
indolência. Ser-lhes-á necessário dinamismo, boa vontade,
uma real combatividade. Ser-lhes-á necessário aprender a
ACÇÃO ORGANIZADA 211

arriscarem-se ao fracasso, com a vontade constante de


o vencer.
Peçamos o segundo aos adultos, que os enquadram;
e devem aceitar que eles se exprimam e dêm provas de
imaginação, de iniciativa e de sentido de responsabilidades.
Peçamos-lhes que os ajudem, sem os dirigirem, que os
aconselhem sem os cegarem, que os guiem sem acreditarem
antecipadamente no seu fracasso.
E sobretudo, peçamos o terceiro à administração. Que
ofereça, claro, os meios para fazer dos Centros outra coisa
mais do que casas vazias, que vegetam ou, pelo menos,
só vivem aos safanões, por falta de créditos, de material
e de animadores. Mas igualmente que admita que é neces­
sário tirar os Centros — e, por consequência, os estabeleci­
mentos escolares — desse sono profundo em que em grande
parte estão mergulhados devido à passividade dos alunos,
à cumplicidade dos adultos e à imprecisão dos textos.
Será realmente necessário conseguir que se construam
estabelecimentos escolares no seio dos quais se encontrará
a todo o momento, o centro de documentação, a sala de
leitura e o centro socio-educativo. Que se acabe com o
internato-caserna com regulamentos estirilizantes, que
deixe de se aplicar aos tempos livres o constrangimento
que sufoca as salas das aulas e os estudos. É por aí que
a vida deve finalmente penetrar na escola, para que ela se
torne a comunidade educativa de que se vêem ilustrações
no estrangeiro e especialmente na Grã-Bretanha. Em vez
de permanecer fechada a toda a gente, que a escola se
abra, portanto! Que seja o fermento da vida local! Que
acolha todos aqueles de que tem necessidade, todos os que
querem recorrer a ela! Que deixe de ser a prisão que ergue,
em redor dos alunos, as ridículas grades dos regulamentos,
por trás dos quais se entrincheiram a preguiça de espírito
e a irresponsabilidade de um pequeno povo receoso, en­
louquecido à ideia de desarranjar seja o que for no edi­
fício que o ameaça, não com o seu poder, mas com a sua
fragilidade senil! Com efeito, existem tantos vermes na
papelada das secretárias e dos cérebros que ao mínimo
212 A ESCOLA ABERTA

impulso tudo desabará — o que aliás ia acontecendo recen­


temente. A casa está carunchosa. Temos de tornar a fazê-
-la, desde os alicerces, portanto desde os espíritos. Recons­
truir sobre o que está seria ir para o suicídio. Mas quantos
o compreendem? Dou a impressão de estar a enegrecer
o quadro ? Mas é impressionante ver como, depois da pan­
cada anunciadora de Maio de 68, as espinhas se endirei­
taram, como o velho esqueleto se ossificou de novo, como
o medo de alterar fosse o que fosse de uma forma realmente
eficaz e decisiva vence uma audácia que, no entanto, não
seria loucura, mas razão elementar. Sabemos na verdade
que será necessário tempo, que não nos devemos lançar
sem reflectir nesse caminho. Mas, actualmente, tem-se a
impressão de que cada um joga ao rato e ao gato. E como
não se sabe exactamente quem é o gato, quem é o rato
e onde se encontra o refúgio, espera-se. Ah!, é realmente
verdade que o funcionário é de pura cepa gaulesa. Tem
sempre medo de que o céu lhe caia em cima da cabeça!...
E contudo, vimos que os dez pontos precedentes e as
actividades, que realizámos até então, caminham no sentido
de uma abertura mais larga da aula para o Centro e do
estabelecimento para a vida. As tentativas que outros
fizeram no mesmo sentido provam que é mais do que
nunca possível construir finalmente a Escola «aberta»,
que todos reclamam e de que se tem tanta dificuldade
em colocar a primeira pedra. Mas é ainda necessário
querê-lo! E, mesmo que toda a gente a queira, a ligação
da aula e do Centro, essa abertura da escola para a vida
seria um logro, se se desprezasse esta...

SEGUNDA IDEIA CHAVE:


A ACTIVIDADE PRIMÁRIA DOS ALUNOS

Bem sabemos que em Maio de 68, os gritos surgiram


de todos os lados, em todas as direcções e por razões
muitas vezes bem diferentes. Mas, na fábrica como na
ACÇÃO ORGANIZADA 213

escola, todas as vozes se puseram de acordo para pedirem


o direito de se ser como se é, para que cada um possa
agir sobre o seu próprio destino. Não é por acaso que
este grito múltiplo se elevou de todos os pontos, ao mesmo
tempo, em França e fora dela, numa época crucial que
decidirá se vamos cair ou não no abismo, num mundo
onde tudo se passa além de nós. Em todos os tempos,
os homens foram tomados de pânico perante a máscara
vazia dos seus deuses. Têm-se atido a dar-lhes uma apa­
rência que se se aproxima da sua e, de um modo estranho,
têm deste modo conseguido tranquilizar-se. Mas, hoje em
dia, já não são deuses com rosto humano que presidem ao
nosso destino, são homens sem rosto. Com efeito, quem
decide do nosso destino senão alguns indivíduos, que têm
de humano simplesmente a aparência, pois são apenas,
de facto, a incarnação de sistemas, e cujo mecanismo e
verdadeira natureza nos escapam e, por isso mesmo, nos
escravizam? Se uma guerra rebentasse presentemente,
quantos de nós saberiam a razão porquê e contra quem
se bateriam? E quantos, contudo, se recusariam a fazê-
-la?...
Os revoltados de Maio gritaram a sua angústia pe­
rante essa sociedade absurda na qual — a todos os níveis
— ninguém se julga (ou é verdadeiramente) responsável.
Camus denunciou incansavelmente esta coisa absurda,
num tempo ainda próximo, quando ela ainda não tinha
atingido o seu pleno desenvolvimento. Mas Camus morreu...
Os jovens sentiram-no e denunciaram-no também. Mas são
ainda os velhos que conservam os comandos... E que
fazem os velhos? Serão eles ainda capazes de guiar esta
máquina louca, que continua a andar, sem maquinista,
sobre carris que não conduzem a nenhuma parte? Como
Zola tinha razão, quando terminou a Besta humana com
essa imagem tão actual: «Que importavam as vítimas,
que a máquina esmagava no caminho? Não ia ela, apesar
de tudo, para o futuro sem se preocupar com o sangue
derramado? Sem condutor, no meio das trevas, como um
animal cego e surdo solto no meio da morte, rolava, ro­
214 A ESCOLA ABERTA

lava, rolava, carregada de carne para canhão de soldados,


já embrutecidos de fadiga, e ébrios, que cantavam»... E,
se nós estivéssemos nesse comboio?
Estamos muito longe, dir-se-á, da actividade primária
dos alunos! Não creio. Pelo menos por duas razões:
A primeira é que devemos responder ao apelo dos
jovens, que não é somente o grito de um animal que tem
medo, mas que é também uma ameaça para os que se
fazem surdos e querem passar à frente. Saber se essa
ameaça nasceu da angústia ou da lucidez tem menos im­
portância, se se considerar que está em jogo e em evidência:
ou o homem — cada homem — aceita tomar as rédeas
do seu destino e sobreviverá, ou se livra de responsabili­
dades, atirando-as para abstracções e morrerá. Está tudo
no seu lugar, no palco. Pertence aos espectadores represen­
tarem a peça.
A razão por que chegámos a isto, é que, desde a mais
tenra infância e durante todo o tempo em que estiveram
na escola, os nossos pais habituaram-se a aquiescer, obe­
decer, sofrer sem discutir, mas a deixar aos outros o cui­
dado de os manipular, de os moldar, sem que pudessem
incluir algo da sua massa pessoal. E, quer se queira admiti-
-lo, quer não, a cegueira e a servilidade das gerações passa­
das conduziram-nos a esta imagem viva e dura da nossa
condição actual: o divórcio do homem de si mesmo, que
vai ainda mais longe do que um simples conflito entre
os pais e os filhos. É bem possível que, definitivamente,
o problema não seja de ordem económica ou política,
mas educativo, vindo todas as nossas dificuldades
de que não aprendemos a ser verdadeiramente nós pró­
prios.
E, no entanto, é necessário repeti-lo ainda, quantas
vozes se têm elevado para nos acautelar contra esse perigo
que nós não só recusamos ver, mas de que nos tornamos
vergonhosos cúmplices? E, na própria escola, quantos têm
tentado ajudar a construção de verdadeiros homens a
partir de materiais que todos possuem em si? Uma vez
ACÇÃO ORGANIZADA 215

mais, foram necessários gritos, armas e sangue para que


finalmente se compreendesse. Mas até que grau? E por
quanto tempo?... Aí está a razão pela qual, sem esperas,
queremos pôr tudo em acção para que a escola permita
a todos, a cada um, realizar-se por si mesmo, não só no
momento presente mas durante toda a vida. Porém, esta
lucidez, esta plena consciência de si, dos outros e das rea­
lidades do mundo, só se podem adquirir à custa do seu
próprio trabalho. Ninguém pode ensinar seja o que for
a qualquer outro, se não se faz entre os interlocutores, e
em cada um deles, um acordo constante de todas as suas
fibras. O homem morre por não se poder olhar e reconhecer
nos espelhos. Ora todos os espelhos mentem e deformam
a verdade, se é um outro que os segura. A actividade pri­
mária do indivíduo dá-se quando ele actua desde o prin­
cípio, dando-se inteiramente, sem ser como um corpo
estranho, ao acto ou ao pensamento. Se há intervenções
dos «outros», só podem dar-se por colaboração e não
pela ditadura. Porém, mesmo que não se deseje ir tão
longe como Rogers, deve-se contudo admitir, realmente,
que ensinar é impor uma forma permanente a uma perso­
nalidade, a uma inteligência que são, por definição, um
perpétuo devir e só podem existir verdadeiramente na plena
posse de si mesmos. É essa a razão por que nós queremos
favorecer, deste a escola, a individualização do ensino, dos
trabalhos práticos, das actividades, que permitam a todos
exprimirem-se e revelarem-se a si mesmos. Mas deve-se
ir ainda mais longe e desenvolver o trabalho de equipa do
professor e dos alunos (que se tornam colaboradores preo­
cupados com o interesse comum) a um ponto tal que
o professor ponha, a pouco e pouco, os alunos em condi­
ções de passarem sem ele — salvo em dificuldades impor­
tantes— e voar com as suas próprias asas, como terão
de fazer na vida. É essa a razão por que é também pratica­
mente impossível dizer antecipadamente de que métodos,
de que meios nos vamos servir antes de saber o que pensam
deles e como os vêem os alunos.
216 A ESCOLA ABERTA

Ao lado de exercícios como o estudo de casos, que


deixa os interessados conduzir a acção de extremo a ex­
tremo, sem terem ninguém que os ajude, previmos também
perguntar-lhes — no princípio, durante e no fim do ano —
como querem trabalhar, que forma de actividade lhes con­
vém mais, os enriquece e desenvolve mais, o que preconi­
zam para tirar o maior proveito da sua passagem pela
escola. Nada se pode fazer sem que eles sejam consultados
(o que não obriga de modo nenhum, a uma abdicação
completa do adulto, como alguns temem). De facto, sem
uma adesão completa da sua parte, nenhum trabalho tem
valor real, nenhuma aquisição é duradoura, nenhum mé­
todo é eficaz. Mal aceites, desde o princípio, são lenta­
mente recusados — mesmo inconscientemente — e final­
mente rejeitados pelo indivíduo, como corpos estranhos.
Continuar a impor um ensino tradicional, seria consagrar
o divórcio, que anteriormente denunciei e que só nos pode
levar à negação de nós mesmos e à explosão geral, como
aquela a que assistimos actualmente.
Resta saber que conteúdo vamos dar a um ensino
que, apoiando-se na actividade primária dos alunos, no
seio da ligação aula-Centro, tem a principal preocupação
de corresponder às realidades actuais. É o que propõe a...

TERCEIRA IDEIA CHAVE:


A APROXIMAÇÃO DO MUNDO CONTEMPORÂNEO

Deve permitir preencher todos os aspectos da vida,


profissional, social, familiar, pessoal ou cultural. Só pode
ajudar a isso um leque muito amplo de assuntos, que se
refiram a todos os aspectos, a todos os problemas que encon­
tramos no dia a dia. Mas, com o fim de evitar o enciclope-
dismo, que temos censurado ao ensino tradicional, será
necessário deixar aos alunos a possibilidade de escolherem
as matérias ou os assuntos que lhes pareçam mais úteis
ou os seduzam mais, assim que, a partir deste ano, algumas
ACÇÂO ORGANIZADA 217

questões de Geografia e de História foram mantidas, para


serem tratadas a fundo, com o máximo de reflexão, de meios
e com a maior variedade possível de métodos.
Todavia, os alunos consideram menores algumas das
matérias que lhes ensinam correntemente: a ortografia,
a gramática, a história, a «recitação», a moral. A instrução
cívica ou a geografia provocam um entusiasmo muito
fraco. Certamente que a personalidade do professor, o
atractivo dos seus métodos, a extensão dos meios de que
dispõe, têm uma grande importância. Mas há também
— e os meus alunos disseram-no — o sentimento mais ou
menos confuso ou confessado, de que tudo aquilo «não
serve para grande coisa». Sendo o diploma final o
ponto de confluência dos seus interesses, não dão grande
valor a não ser às matérias que lhe servem de pro­
vas. É difícil persuadi-los de que não é necessário pensar
somente no exame, mas na vida futura, e aproveitar justa­
mente a escola para se prepararem para isso. Estas belas
afirmações não têm suporte efectivo porque os jovens têm
a impressão nítida de que tudo o que lhes dizem tem
simplesmente uma remota ligação com as realidades da
existência. O essencial é conseguir fazê-los compreender
que não há uma separação entre a escola e a vida. É ainda
necessário que o contexto geral (o estabelecimento, a aula,
a atmosfera, os métodos, o ensino dispensado), os ajude. Aí
está a razão por que seria «inútilpretender abranger todos os
aspectos da vida» sem tornar a pôr em causa a concepção
tradicional dos programas.
Eu disse que os do ensino literário nos colégios técni­
cos ofereciam um certo número de possibilidades. É pos­
sível pois apoiarmo-nos no seu espírito e no seu conteúdo,
mas tentando adaptá-los às necessidades actuais. Para
isso, é necessário:

1. Alargar o campo do ensino literário para além das


matérias tradicionais (Francês, História, Geografia, Legis­
lação), para permitir uma aproximação mais reflectida dos
218 A ESCOLA ABERTA

fenómenos contemporâneos. Aprendendo a informar-se e


a documentar-se, os alunos deverão poder abordar o estudo
de todos os grandes problemas: o racismo, a fome no
mundo, as relações internacionais, os progressos da téc­
nica, a habitação ou as dificuldades económicas ou so­
ciais. Devem igualmente ser capazes de conseguir realizar
as tarefas que incumbem a todo o cidadão, trabalhador
ou pai de família responsável, desde a carta de pedido
de emprego até à forma de preencher um impresso, de
participar activamente numa reunião sindical, de pais de
alunos ou, sendo necessário, de tomar responsabilidades
dentro de grupos profissionais, sociais ou culturais. Ora,
as matérias próprias do nosso ensino literário já não
chegam.

2. Dar o valor real a matérias erradamente consideradas


dignas de menor atenção. Estou a pensar na educação artís­
tica, que os alunos suportam, em geral, com desprezo e
com grandes suspiros. Todavia, quantas possibilidades
novas, que enriquecem o espírito e são agradáveis, se se lhe
juntarem — entre outros — os meios audiovisuais, ou se
se integrar a Arte no ensino de todos os dias! É deste
modo que cursos de História, de Geografia, de Francês
ou de Legislação e até de Ciências Naturais podem ser
ilustrados com música clássica, jazz, canção ou pintura.
Dei no Ponto 3, alguns exemplos pessoais, para os quais
o acolhimento dos alunos foi favorável. Mas, para aumen­
tar ainda o alcance deste ensino, é necessário fazer parti­
cipar plenamente os jovens na criação artística, mesmo que
seja apenas quando da realização de um quadro ou de
uma montagem, ou durante a repetição de alguns fragmen­
tos de peça teatral. Assim, eles avaliarão como, também
nesse caso, são capazes de assumir responsabilidades e
mostrar — como sublinhou um deles — que podem «fazer
qualquer coisa por si próprios».
Será, pois, importante não limitar o ensino unicamente
à educação, mas favorecer o mais possível e com toda a
ACÇÃO ORGANIZADA 219

liberdade, a «expressão artística». A arte faz parte da vida


e é permitindo-lhe que se manifeste dentro da própria aula
que se contribui para o fazer compreender aos alunos.
Finalmente, não era mau que, nestes tempos de ambiente
soturno, mecanizado, o homem saiba, desde a escola, pro­
curar o refúgio apaziguante dos sons e das cores. É talvez
salvá-lo do tédio e do desespero ensinar-lhe a cultivar a
beleza.
Finalmente, parece igualmente útil...

3. Dar uma nova definição do papel, dos métodos e


dos meios próprios de cada uma das disciplinas que entram
nesta maneira de ver o mundo contemporâneo. É assim
que a Legislação do Trabalho se deve juntar à Instrução
Cívica, para corresponder às exigências da vida profis­
sional ou social. Mas, à Instrução Cívica — que, demasiado
aviltada actualmente, termina como a palavra «trica»!
— eu prefiro: «Educação do cidadão». Porque esta não se
limita a explicar-nos como funcionam os mecanismos da
nação — o que aliás é muito útil — mas consagra-se a
definir qual é o papel activo e consciente que deve ter,
no seio da colectividade, não só o cidadão, mas também
o chefe de família, o eleitor, o trabalhador, vivendo cada
um de nós cada vez mais em relação com todos os outros,
e ninguém tem o direito de se desinteressar disso. Apren­
der isto desde a escola é uma das condições primárias da
democracia. E é essa a razão pela qual preconizamos no
ponto de esforço n.° 1 que a organização do nosso grupo
seja um meio de preparar para as responsabilidades do
indivíduo na aula, no estabelecimento de ensino e, mais
tarde, na cidade.
Ao que dissemos anteriormente, deve-se acrescentar
uma iniciação económica e social, que não se pode eviden­
temente dissociar da Geografia ou da Legislação do Tra­
balho, estando tudo ligado pela necessidade absoluta de
compreender o funcionamento da sociedade e as incidên­
cias que podem ter os «acidentes do percurso» sobre o
220 A ESCOLA ABERTA

destino de cada um. Ainda aí, por meio das exposições


ou dos cursos que farão perante colegas, pelos inquéritos
que realizarão junto das entidades competentes, os alunos
poderão — em virtude do trabalho prático — avaliar a im­
portância e a interdependência de todos esses conheci­
mentos e a saída directa que têm para a vida futura. Uma
vez mais se afirma a necessidade de «pegar» na actualidade
e fazer com que os alunos extraiam dela os elementos das
suas investigações e das suas discussões.
Será certamente fazê-los admitir o papel da História
nos fenómenos contemporâneos porque, em geral, pensam e
vivem principalmente no imediato. Mas não é inútil subli­
nhar que é aos acontecimentos passados que devemos a
sociedade — boa ou má — em que vivemos e da qual em
larga medida, somos evidentemente tributários. Se os alu­
nos (e os mais velhos) se lamentam das injustiças actuais,
não é supérfluo mostrar-lhes que as devemos talvez (pelo
menos uma parte) aos erros dos nossos predecessores e
que, para as gerações futuras, corremos nós próprios o
risco de cometer erros semelhantes. De maneira que a
nossa responsabilidade histórica se encontra comprometida,
e é assim que, pela nossa atitude presente, podemos ser
a causa directa da infelicidade dos nossos filhos. Isto vem
portanto deslocar de certo modo o papel das aulas de
História. Vamos demorar-nos menos nos acontecimentos
passados, em si mesmos, do que as suas consequências
actuais, insistindo na considerável responsabilidade moral
que pesa sobre nós. Também aí se pode avaliar a impor­
tância de uma atitude «evolucionária» que, quebrando o
mito fatalista contido no conceito de «evolução», confere
a cada homem um papel consciente que, qualquer que
seja a sua importância, tem repercussões que ultrapassam
o indivíduo e a sua época.
Acabamos de falar de responsabilidade moral. Não
será, pois, inútil fazer intervir — todas as vezes que os
nossos trabalhos a isso nos convidem — a importância do
juízo moral a propósito dos acontecimentos com os quais
podemos ser confrontados. Não se trata, bem entendido,
ACÇÃO ORGANIZADA 221

da «moral» no sentido em que se entende correntemente,


e que pode variar segundo as épocas, os países e os costu­
mes. É preferível procurar os valores universais, que exis­
tem em todos os tempos, sob todas as latitudes, em todas
as sociedades e que tentam fazer, de cada um de nós,
um homem digno deste nome, em quem todas as raças
e todas as gerações possam reconhecer-se. Ora, especial­
mente nos nossos dias, os valores morais estão tão pertur­
bados, são tão contestados, que por vezes se tornam
mesmo uma irrisão e não podemos ficar surpreendidos de
ver alguns cair no desespero. Naturalmente, são os jovens,
cuja sensibilidade é ainda móvel, que acusam os golpes
mais duros. Mas é também reconfortante que sejam eles
que recusam o conforto moral, em que se instalaram os
mais velhos e que não exclui a cobardia, a ignomínia,
o cinismo, o compromisso, nem sequer a estupidez. Pode-
-se então explicar — mesmo que o não desculpemos —
que os adultos que detêm os poderes defendam os seus
interesses com tanta força, até tanta irritação, usando
sucessivamente da lisonja ou a ameaça, que são, no fim
de contas, o recurso dos fracos. Porém, já o sublinhámos
muitas vezes, a escola tem responsabilidades neste estado
de coisas. E é por essa razão que é necessário procurar
além das «moralidades» que nos segredaram durante toda
a nossa escolaridade e que só contribuíram para nos pre­
parar para a submissão cega e para a cumplicidade crimi­
nosa. Porque a consciência é um pequeno animal fanfarrão,
que esconde a cabeça na areia assim que o vento se levanta.
Doutro modo, teria admitido que se perpetuassem, sob os
seus olhos, o genocídio, a exploração vergonhosa, a tor­
tura, a fome de uns e o desperdício de outros, a bomba
atómica ou os fornos crematórios? Caim, para cada um
de nós, é sempre o «outro»!... É por isso, por exemplo,
que é menos urgente dizer obrigado ou aprender a lavar
regularmente os dentes do que lutar contra todos os pre­
conceitos raciais ou denunciar infatigavelmente os crimes
de uns e o silêncio cúmplice dos outros.
222 A ESCOLA ABERTA

Quanto ao Francês, já tivemos amplamente ocasião


de falar nisso, quer se trate da expressão escrita ou oral
(ponto de esforço no 5), ou da leitura (ponto de esforço
n.° 6) para os quais descrevemos o que, pela nossa parte,
efectivamente realizamos. As propostas, que apresentá­
mos como complemento deveriam contribuir para uma
renovação mais geral e mais decisiva. Quanto à gramática,
à ortografia, ao vocabulário, parece difícil isolá-los, sepa-
rá-los do quadro em que naturalmente se inscrevem (por­
que se utilizam não só quando nos exprimimos por escrito
ou oralmente, mas também na oficina, em tecnologia ou
em matemática). Isso, aliás, contribuiria para acentuar o
seu carácter rebarbativo e para confirmar, no espírito dos
alunos, a ideia de que se trata de jogos puramente intele­
ctuais, reservados a um escol e sem grande ligação com
o real.

Se considerarmos os 10 pontos de esforço e as 3 ideias


chaves, que constituem o ponto de partida das nossas pro­
postas, apercebemo-nos nessa altura de que tudo isto se
inscreve num conjunto, ao mesmo tempo flexível e estru­
turado, que se esforça por dar ao pensamento bases e
apoios suficientemente claros e sólidos, permitindo-lhe
alargar constantemente o tempo das suas investigações.
Estão aí as condições primárias do que podemos chamar
uma «educação total», e não «totalitária»! Porque o que
oferecemos não é uma doutrina, uma religião, um sistema
novo que, mais uma vez, nos encaminharia para uma explo­
ração mais ou menos submissa dos indivíduos. Muito pelo
contrário.

A educação total

— deve ser tomada, verdadeiramente, como um «todo»,


ao mesmo tempo rico e organizado, mas planeado de forma
bastante ampla, para deixar passar todas as possibilidades
ACÇÃO ORGANIZADA 223

de renovação, bastante maleável, para aceitar todas as


sugestões e todas as contestações, bastante aberta, para
imaginar todas as possibilidades e todos os enriquecimentos
oferecidos pelas situações mais diversas. Só o pode conse­
guir, se...
— oferecer um conjunto de propostas que cada um
aceitará ou rejeitará, mas que o ajudarão a responder às
suas motivações mais profundas e a servir-lhe de cataliza-
dores, com o único objectivo de o ajudar a enriquecer,
pelos seus próprios meios, a inteligência e a personalidade.
Esse conjunto é constituído pelas nossas três ideias chaves
e os 10 pontos de esforço, que se limitam a ser um exemplo
e um esboço que se aplica à escola. Mas podem-se encontrar
planos semelhantes para a economia, a política, os tempos
livres, etc. Para isto, todavia, é necessário que a educação
total...
— cubra todos os domínios do conhecimento, aborde
todos os aspectos e todos os problemas do mundo contem­
porâneo; mas deve afastar completamente o desejo de os
esgotar (o que é impossível), pois seria voltar a um «enciclo-
pedismo» ultrapassado, velho e perigoso, que rejeitamos.
O seu fim deve ser ajudar cada um a agarrar o actual em
toda a sua riqueza e espontaneidade, aplicando-lhe o má­
ximo de reflexão crítica. Para isso...
— utiliza todos os meios e métodos de que dispõe para
tratar das realidades actuais.

1. A iniciação, que abre a cada um de nós as portas


do desconhecido e lhe ensina a defini-lo e eventualmente
combatê-lo (ex.: iniciação nos sistemas económicos ou
sociais, no pensamento político ou filosófico, etc.).
2. A formação, que oferece meios de reflexão e de
acção em domínios muito variados (ex. : formação do
consumidor, do cidadão, do pai de família, do trabalha­
dor, etc.).
224 A ESCOLA ABERTA

3. A expressão, que permite ao indivíduo revelar-se


a si próprio e aos outros, exteriorizar as potencialidades
ocultas nas profundezas do ser, possibilitando a sua utili­
zação clara, evidencia ,no seu próprio benefício e no da
comunidade a que pertence (ex.: expressão escrita, oral,
corporal, artística, etc.).
4. A comunicação, elemento fundamental da civiliza­
ção actual, que alcançou um alto grau de eficácia no do­
mínio técnico, mas ainda embrionário no das relações
humanas. As «interacções» que resultam, no entanto, dessas
relações, seriam um factor decisivo de enriquecimento e
de mútua e permanente renovação (ex.: comunicação dentro
do grupo de educação professor-pais-alunos, com as orga­
nizações sindicais ou culturais; entre professores e médicos,
arquitectos, psicólogos, etc.).
É deste modo que a educação total...
— tende a criar, lentamente, uma atitude de disponibili­
dade e receptividade contínuas para tudo o que se apresenta
ao indivíduo, em todos os momentos, em todas as circuns­
tâncias e em todos os domínios. É a «atitude evolucionária»
de que já falei e de que tomarei a falar no Ponto 5.

Esta noção de educação total pode ser, pelo menos


em parte, ilustrada por esta reflexão de Jean Le Veugle que,
sem deixar de lhe sublinhar os méritos indiscutíveis, censura
à educação popular ter-se restringido «às técnicas ensi­
nadas pela expressão artística, ao emprego do livro e do
cinema, da rádio e da televisão, sem desenvolver a formação
económica, social e cívica, assim como a iniciação nas
ciências e nas grandes correntes do pensamento contem­
porâneo; ter-se separado do mundo de trabalho, não esta­
belecendo sólidas relações com os sindicatos, as comissões
de empresas, as cooperativas, e, sobretudo, de não dispor
de uma rede de estabelecimentos...» Veremos, no Ponto5,
as propostas que se podem formular para responder a
esta lacuna.
ACÇÃO ORGANIZADA 225

Mas, desde já, — para citar apenas um exemplo —


tentamos planear, pela nossa parte e na linha de tentativas
que realizamos até aqui, o que eu chamo...

«INTERMICRON»

Estamos ainda apenas na fase embrionária. Mas, como


o nome o indica, «Intermicron» é uma criação do Clube-
-Jornal, que até agora publicava «Em redor do Micron».
Já em 1967 tínhamos várias equipas, que funcionavam
em conjunto e de que apresentei largos exemplos no
Ponto 3. Em 1968, o grupo Montagem decidiu funcionar,
de forma independente e o grupo «Arte dramática» inte­
grou-se num novo Clube de Teatro. Do mesmo modo, a fór­
mula do Clube-Jornal evoluiu. O jornal continua a apa­
recer e o Guia Micron também. Mas daqui em diante,
uma equipa muito maleável vigia a actualidade e, segundo
os acontecimentos internos ou exteriores ao estabeleci­
mento, propõe ou organiza actividades muito variadas,
cujo centro, todavia, é a informação. Foi neste espírito
que se realizou um serão «Intermicron/Cinema» durante
o qual os alunos animaram eles próprios um debate sobre
Cuba 51 perante um auditório de rapazes e raparigas. Qua­
dros especiais de «informação» foram consagrados aos
tempos livres — perto das férias de Natal — e à viagem
do Apolo VIII. Entre os projectos: uma visita a uma
entrevista de Bernard Clavel; outra sessão «Intermicron/
/Cinema» sobre a projecção de Main basse sur la ville;
uma exposição dos livros e revistas oferecidos aos alunos
pela biblioteca; um quadro especial sobre Júlio Verne,
por ocasião da projecção de Aventures fantastiques, de K.
Zeman; um inquérito feito em comum com rapazes e
raparigas sobre as qualidades e defeitos da juventude actual,
com o concurso de Clube de Montagem e do Clube de
Foto. Deste modo, portanto, a noção de «fermento da
vida dentro do estabelecimento» toma-se, pouco a pouco,
precisa, utilizando todos os dados, que a actualidade apre­
senta, e orientando-se num grande número de direcções,
226 A ESCOLA ABERTA

segundo uma fórmula que, respeitando absolutamente uma


certa organização, queira preservar a imaginação e a es­
pontaneidade. «Intermicron» procura responder a per­
guntas formuladas pelos alunos, constituindo um cataliza-
dor de actividades cada vez mais variadas. Estamos apenas
no princípio, mas não quis deixar de citar esta realização
para ilustrar a noção de educação total e pôr em evidência
as possibilidades de alterações de um clube, que só pode
sobreviver, se evoluir constantemente. Bem entendido, é
muito cedo para julgar resultados e prever a extensão
das novas actividades. Mas já não se devem negligenciar
as possibilidades de ligação que apresentam com os exer­
cícios realizados na aula. Se uma montagem pode ser
realizada por uma equipa que trabalhe dentro do centro,
o manejo dos aparelhos audiovisuais pode fazer-se na
própria aula. Se se gostar, na leitura, das cenas de uma
peça lida pelo professor, ainda se gostará mais se essas
cenas puderem ser representadas no Clube de Teatro.
«Intermicron» pode ser também o pretexto para estreitar
os laços entre a aula e o Centro—de que já falámos anterior-
mente e, deste modo, desenvolver a actividade primária dos
alunos, abrindo-a cada vez mais amplamente para a vida.
Tudo o que se acaba de dizer, durante o Ponto 4, é
simplesmente um conjunto de propostas primárias. É o
leitor que, julgando-as, avaliando-as, contestando-as, sendo
necessário, lhes dará vida e os fará passar da fase do pen­
samento para a da acção. Tudo isto não deixa de pôr em
evidência—em qualquer programa e não apenas no nosso —
as correlações e as interpenetrações que se estabelecem (ou
que se podem estabelecer: ver Germinal, no Ponto 3) a
todos os níveis, em todos os momentos, entre todas as
matérias, em todos os domínios, entre indivíduos que apren­
dem pouco a pouco a conhecerem-se e a estimarem-se, por­
que trabalham em conjunto numa obra de interesse geral.
Deste modo, portanto, se se quiser verdadeiramente
corresponder às realidades actuais, abrindo a escola sobre
a vida, fazendo penetrar a vida na escola, deve-se necessa­
riamente admitir...
acçAo organizada 227

Uma consequência inevitável:


A explosão do ensino

Para que este plano tenha êxito, tem de se:

1. Admitir a explosão do ensino.

Já não é possível, para o futuro, separar o trabalho


em tempos divididos, em matérias precisas, catalo­
gadas, etiquetadas, cujo conteúdo e execução são anteci­
padamente fixados. O que se manda fazer aos alunos são
tarefas rígidas, artificiais, impostas do exterior, na sua
forma e duração, quando os indivíduos são todos dife­
rentes uns dos outros, pensam e actuam segundo o seu
ritmo próprio e não podem assimilar favoravelmente o
que não seja aceite, entregando-se a isso plenamente e
livremente. É necessário agora, na aula e na escola, tentar
de preferência recriar as condições reais da vida, que nos
enche de informações, não importa quando nem como,
ou nos leva a comportamentos, com demasiada frequência
irreflectidos, sem que tenhamos podido determinar-nos
antes. É assim que estamos mal preparados para afrontar
situações nas quais acontece que somos rapidamente meti­
dos, de uma forma profunda e, por vezes, irreversível.
E a verdade é que nem sempre sabemos como sair delas,
sem demasiados aborrecimentos. Por consequência, de­
vemos ser capazes de apreender o real, sob qualquer forma
em que se nos apresente e, em qualquer altura, estar
suficientemente dentro da actualidade para transcrever
imediatamente para um comportamento activo e que,
outrora, era apenas uma reacção passiva aos aconteci­
mentos.
Se, para o futuro, a escola nos quiser dar meios de
agir com pleno conhecimento de causa, se deseja verdadei­
ramente cumprir a sua tarefa primordial, que consiste em
ser o suporte permanente dos nossos pensamentos e dos
228 A ESCOLA ABERTA

nossos actos, deve pois admitir o que alguns interpretarão


como uma destruição e que é simplesmente uma explosão,
não anárquica, mas convictamente dinâmica ao nivel:
— das matérias: não afectará somente as que se ins­
crevem no ensino das Letras, mas deverá atingir todas as
disciplinas entre as quais se estabelecem, muito natural­
mente correlações. E transbordará inevitavelmente para a
extraordinária riqueza do mundo que nos rodeia, indo lá
beber uma renovação, um enriquecimento contínuos, e
exprimindo críticas cada vez mais clarividentes e agudas.
Mas, a actividades múltiplas, ricas, móveis, como a
vida, têm de se oferecer...
— horários flexíveis, que não paralisem a discussão,
o trabalho de grupo, o estudo de casos, a preparação de
documentação ou de relatos: que respeitem o ritmo de
cada um e lhe permitam pôr em acção todas as suas possi­
bilidades. Compreende-se que isto exige uma preparação
adaptada...
— de locais, como sublinhámos a propósito da liga­
ção aula-Centro, que facilite a passagem de um para o
outro (e vice-versa) sem dificuldade e no quadro de acti­
vidades, no fim de conta, comuns, tanto no plano dos
métodos como no dos meios.
Porém, isto não é ainda suficiente. É necessário que
se possa também ir livremente para o mundo e fazer
entrar a vida na aula, portanto recorrendo a perso­
nalidades cuja competência enriquecerá o ensino e cujo
valor moral lhe garanta um nível elevado. Isto exige evi­
dentemente...
— regulamentos que aceitem enfim abrir a escola.
Apesar dos textos novos publicados a propósito dos centros
socio-educativos, parece que não estamos ainda a admitir
essa perturbação na própria aula, que, para muitos, deve
continuar um vaso fechado, desinfectado, vacinado contra
os vírus do mundo exterior. Como se pudéssemos acreditar
ainda regionalmente na sua virgindade inalterável!...
ACÇÃO ORGANIZADA 229

Finalmente, insistimos já, várias vezes, na necessidade


de dar à inteligência e à personalidade dos alunos um
ensino que saiba harmonizar os seus métodos para que
ajude a edificação de estruturas mentais coerentes. Sofre­
mos demasiado por ter de tornar a fazer, com eles, um
caminho que já não deveriam ter de percorrer, quer seja,
por exemplo, em ortografia, em redacção ou em leitura.
Todos estes atrasos escolares, todos estes falhanços, lega­
dos por uma escola autoritária, esterilizante e titubeante,
hoje em dia só fazem sujar, enferrujar os mecanismos de
uma economia, de uma sociedade cujos elementos nunca
puderam atingir o pleno rendimento e arrastam grilhetas
que entorpecem o seu desenvolvimento, como o de toda
a comunidade. É por isto que, da infantil à faculdade,
são necessárias finalmente...
— estruturas harmoniosas, que permitam, a todos os
níveis, em todas as idades, em todas as espécies de ensino,
aproveitar o máximo dos recursos proporcionados por uma
educação verdadeiramente democrática.
Mas aí ultrapasso o quadro das minhas possibilidades
e das minhas competências! Se o plano, que propus, é
aplicável, desde já — ao menos, nas suas linhas directrizes
e por escalões ou sectores — nada se poderá fazer, numa
maior escala, se não tivermos em conta um certo número
de...

Necessidades primárias

2. Aceitar algumas necessidades primárias.


Foram tantas vezes postas em evidência que me limi­
tei a recordá-las, o que não é absolutamente inútil, to­
davia, visto que não se vislumbra ainda um começo de
respostas verdadeiramente sérias aos imperativos, no en­
tanto vitais, que subentendem:
230 A ESCOLA ABERTA

— Uma formação de professores, capaz de fazer deles


educadores ao mesmo tempo convencidos e eficazes, para
responderem às realidades da nossa época. Exigem-nos
que tenhamos diplomas a priori — que, parece, garantem
um certo nível de conhecimentos — quando o nosso real
valor só poderá ser apreciado a posteriori, quando tivermos
dado provas das nossas qualidades humanas, do nosso
sentido pedagógico, do nosso afecto pelos alunos, da nossa
compreensão da sua psicologia e dos seus problemas, do
nosso entendimento do mundo actual, da nossa imagina­
ção, da nossa independência de espírito, da honestidade
intelectual e da vontade de ajudar os jovens a desenvol­
verem-se verdadeiramente. Ser-nos-á também necessário
compreender que o docente é um homem que não deve
envelhecer (psicologicamente, claro), que deve estar cons­
tantemente «aberto» para todas as formas de cultura, de
informação, de pensamento, de acção, que deve ser capaz
de tudo receber — constantemente; mas que deve igual­
mente saber escolher e não vir a ser presa das propagandas,
das ideias preconcebidas, das ideologias brumosas, perma­
necendo, sejam quais forem os regimes, antes de tudo,
ele próprio.
— A ligação entre os educadores deve ser constante,
não só entre os que frequentam o mesmo estabelecimento,
mas com todas as pessoas, que estão relacionadas com os
mesmos problemas: pais, alunos, animadores culturais,
assistentes sociais, psicólogos, médicos, arquitectos, soció­
logos, sindicalistas, etc. Citarei, mais demoradamente, no
Ponto 5, o caso das ligações que, a pouco e pouco, esta­
beleci com o teatro de Bourgogne e nunca repetirei sufi­
cientes vezes como essas relações podem ser proveitosas
para mim, para os meus alunos e, indubitavelmente, para
todos os interessados. Mas isto é somente uma primeira
fase. A escola deve tornar-se, cada vez mais, a casa de
toda a gente e o ensino assunto de todos.
A criação de equipas de educação está ligada ao ponto
anterior. Tem de se tornar efectiva a cooperação contínua
ACÇÃO ORGANIZADA 231

entre todas as pessoas interessadas, com o fim de concre­


tizar a ligação aula-Centro de que já falei e abrir permanen­
temente a escola para o mundo exterior. Só reunindo as
nossas competências e as nossas reflexões conseguiremos
pôr a funcionar «unidades de ensino» ricas, coerentes e
eficazes.
Os locais, finalmente, devem ser adaptados às necessi­
dades postas em evidência nos 10 pontos de esforço e nas
3 ideias chaves. Será necessário que aí se possam encontrar
todos os meios materiais necessários para realizar as acti­
vidades que descrevemos Para já, e sem ir até à maleabili­
dade de algumas escolas americanas, onde o mesmo local
é suficientemente polivalente para favorecer o emprego
dos novos métodos, podemos talvez partir do que temos,
quer dizer, dos edifícios préfabricados. O que se segue
é simplesmente um exemplo e não poderia servir de alibi
às carências, que temos sublinhado e que, por todas as
partes, foram explorados sem que nos possamos racional­
mente felicitar pelas respostas que, até aqui, lhes têm sido
dadas!...
(Ver as quatro páginas que se seguem).
Contudo, a primeira das necessidades é que disponha­
mos de pessoal e de créditos suficientes. É uma cantiga
bem conhecida, cujo refrão se tem muita tendência para
esquecer. E depois é necessário desejar igualmente que se
abandone esta política paralisante, que pretende que toda
a decisão venha de cima das altas esferas da administração,
sem forçosamente ter cm conta as realidades locais: a auto­
nomia dos estabelecimentos não é uma palavra vã e de­
mos esperar que a consigam o mais depressa possível sem
que, por isso, o Estado se considere liberto das obrigações
que tem perante a Escola, quer seja à escala da nação,
do departamento ou das Câmaras.
Disse, logo no princípio deste capítulo, que o plano
que propunha era antes de tudo contestável. Isto significa
portanto, que o leitor é convidado a ler com atenção, a
234 A ESCOLA ABERTA

reflectir profundamente, a julgar sem complacências, mas


com toda a boa fé. Encontrará certamente lacunas. Terá,
com certeza, de formular numerosas objecções. Não tenho
a pretensão de ter dado soluções radicais para todos os
problemas que se apresentam. Muitas vezes, precisei que
o trabalho de um só não poderia bastar e que só se ava­
liarão alguns resultados depois de um trabalho de muitas
equipas, pacientes e teimosas. Mas quis somente apresentar
algumas propostas que permitam realizar, o mais depressa
possível, o objecto que deveríamos ter tido há já muitos
anos: fazer da escola um centro de iniciação activa para
a educação permanente.
Resta agora — e é esse o objectivo do Ponto 5 — de­
finir o papel que poderá desempenhar a Escola Aberta na
sociedade que tentamos construir.
Para Cbristiane e Francis Jcanson
e toda a equipa do Estúdio 70,
em Chalon-sur-Saône, com toda a amizade.

PONTO 5

PARA A ACÇÃO GENERALIZADA

A escola aberta e a pedagogia construtiva.


Bases e reservas de uma educação verdadeiramente
permanente e popular
Seria uma pirueta realmente perigosa passar brusca­
mente da acção experimental, ou mesmo organizada, para
a acção generalizada. Isso viria a dar em supor que a
escola aberta e a pedagogia construtiva poderiam ser de
repente adoptadas por toda a gente e seriam capazes de
resolver, de um dia para o outro, todos os problemas.
Alguns o tentaram antes de mim e já há muitos anos.
Outros o fazem e o farão ainda sem que, todos em con­
junto, tenhamos podido ainda abalar, de maneira decisiva,
o pesado edifício dos preconceitos e das rotinas
Antes de mais nada — como já sublinhei e como
tenho tentado fazer constantemente — é necessário sujeitar-
-nos ao fogo que a contestação alimenta. Escola aberta e
pedagogia construtiva devem, em primeiro lugar, dar as
suas provas: não se impondo, mas correspondendo às
preocupações e às aspirações de todos, para que todos
possam fazer disso coisa sua. Deixando a todos a liberdade
de os escolher ou de as repelir, só serão de toda a gente,
se toda a gente o quiser!...
Eis a razão pela qual este capítulo não será muito
longo. Porque está para ser feito. Não por mim sozinho,
mas por todos aqueles, que vierem a aceitar, comigo, com
os que nisso trabalham já há muito tempo, construir final­
mente uma Escola verdadeiramente aberta.
236 A ESCOLA ABERTA

Este capítulo inscreve-se portanto na dinâmica:


— das nossas experiências (Ponto 3) e das nossas pro­
postas de acção organizada (ponto 4);
— destes livros, que se pretende seja uma flecha de
acção, meio real de agir, para todos nós e desde já;
— de toda a acção educativa, porque não se pode já
conceber um ensino, que pare no fim da escolaridade,
no sentido em que actualmente o entendemos. Mesmo
que seja bastante lúcido, bastante eficaz, para corresponder
imediatamente aos dados actuais, mesmo que esteja cons­
ciente da sua evolução rápida e constante, não bastará
para manter a actividade ou o pensamento de uma vida.
É por isto que insistirei num único ponto, mas que
me parece capital: se se fala de escola aberta, é evidente­
mente necessário que o não seja somente para o mundo de
hoje, mas que se prepare, desde já, para compreender o de
amanhã, para se dirigir para ele com absoluto conheci­
mento de causa, portanto com toda a liberdade.
É precisamente o que compreenderam — e quiseram
fazer compreender — os que defendem e tentam planear...

Uma educação verdadeiramente


permanente e popular

Outros, além de mim, falaram dela e têm-na ilustrado


de forma mais brilhante e mais precisa (cito em anexo
alguns organismos e obras sobre este assunto). Não voltarei
a este assunto senão para situar a escola aberta e a peda­
gogia construtiva no conjunto que, mais tarde ou mais
cedo, será realmente necessário pôr a funcionar em todo
o território e em todas as idades da vida.
O nosso objectivo comum é participar numa...
educação permanente, capaz de fazer cessar o
desperdício das energias e das capacidades, a que assis­
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 237

timos presentemente e de dar a todos uma resposta às


exigências, às necessidades, às aspirações, cuja pressão se
faz sentir cada vez mais:
— Evolução acelerada dos factos técnicos, económicos,
sociais, humanos, políticos, culturais... Donde a necessi­
dade de tornar a pôr em questão a de adaptar continua-
mente as aquisições. Nada se pode já fixar daqui para o
futuro, e o Homem deve, no entanto, sobreviver — e mesmo
viver! — numa sociedade extremamente movediça.
— Mobilidade que cresce, precisamente, em todos os
domínios: nos transportes decerto, mas também no tra­
balho, nos tempos livres, a informação, nas técnicas, nos
equipamentos, nas estruturas, nas permutas comerciais ou
culturais, etc. O próprio homem já não é um bloco entor­
pecido — felizmente! — e irá evoluir ainda, tanto no plano
biológico, como no psicológico ou intelectual. Tem de se
poder responder a esta espécie de movimento browniano
— nem sempre anárquico certamente mas, em todo o caso,
difícil de seguir e de compreender para a maior parte de
nós. Há necessidade de preparar o indivíduo para as modi­
ficações radicais susceptíveis de se verificarem no decurso
da sua vida profissional, de lhe permitir adaptar-se a situa­
ções por vezes complexas ou imprevisíveis, oferecendo-lhe
meios e métodos acessíveis a todos, que todos possam
utilizar, em dada instante, em todas as circunstâncias.
— Desproporção cada vez mais trágica entre as neces­
sidades reais do homem e as respostas que a sociedade actual
lhes dá. Têm então de se compreender as razões que impe­
liram os jovens a comunicarem aos mais velhos a angústia
que sentiam perante um mundo cada vez mais irreal ou
irrealista, ilógico e injusto, que sacrifica o homem aos sis­
temas ideológicos, políticos, económicos ou mesmo cultu­
rais. Mas, embaraçados — quaisquer que sejam as suas
opiniões — no seu conforto moral e — qualquer que seja
a classe a que pertencem—'mergulhados na mística e
morna contemplação da situação social que atingiram, os
238 A ESCOLA ABERTA

mais velhos terão compreendido o grito que testemunha


a vertigem que se apoderou dos seus filhos diante deste
vazio que se lhes abre debaixo dos pés ?: Estudos sem saída,
conhecimentos já ultrapassados, impotência para fazerem
ouvir a voz dos oprimidos, impossibilidade de quebrar
a apatia geral perante a ditadura de aparelhos, cada vez
mais perigosos porque cada vez mais irresponsáveis. Con­
flito aberto ou desequilíbrio entre os poderes e o povo,
entre as antigas e novas gerações, ainda mais do que entre
blocos políticos ou económicos, cujos antagonismos de
fachada ocultam antes a vontade secreta de explorar com
a sua plena cumplicidade as riquezas e os habitantes do
planeta.
E precisamente: o papel da escola não é fazer aderir
o homem a uma sociedade, que o explora, mas ensinar-
-lhe a defender-se dela e a viver nela — individualmente
ou colectivamente — com toda a liberdade e com toda a
lucidez. Deve-se realmente admitir que não se pode ficar
mais tempo na fase do reformismo, limitando-nos a pintar
as velhas paredes com cores mais vivas, mas igualmente
enganadores. É esta a razão pela qual apresentei o Ponto 4
que, apoiado numa atitude evolucionária subjacente, quer
ajudar, deliberadamente, o planeamento de uma escola
que não continue a participar na ofensiva geral de aliena­
ção do homem, actualmente empreendida numa escala
cada vez maior.
A escola deve quebrar os seus limites e preparar,
desde já, a educação permanente e popular. Mas não
devemos, todavia, ter em mira simplesmente a libertação
dos alunos, sem os preparar para assumirem a sua liber­
dade — até para a defenderem —, quer dizer, sem pensar
no futuro. Seria entregá-los a um ensino para adultos
que, pelo jogo de influências múltiplas e, a maior parte
das vezes, astuciosas, se aproveitaria disso para de novo
os aprisionar. Nesse caso — e pretendendo absolutamente
corresponder às inúmeras facetas da vida e do ser hu­
mano — a própria educação permanente se arriscaria a
participar na situação do indivíduo, se ficasse na fase da
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 239

promoção (cujo reverso seria antes paternalista!) ou da


cultura geral, não assumida, mas somente concedida do
exterior. Por isso, deve ser igualmente...
educação popular: é deste modo que, por exem­
plo, a define o plano Langevin-Wallon: «Não é somente
a educação para todos, é a possibilidade de todos pros­
seguirem, além da Escola e durante toda a sua exis­
tência, o desenvolvimento da sua cultura intelectual, esté­
tica, profissional, cívica e moral...
«A educação popular não deve ser a simples conti­
nuação da Escola, com o emprego de métodos escolares
para completar uma instrução considerada insuficiente.
Dirigindo-se aos adultos, deve partir dos seus interesses
actuais e empregar as suas aptidões de adultos...»
É inútil voltar a esta definição, suficientemente clara.
Insistimos somente em dois pontos especialmente impor­
tantes:
— A educação popular é feita para o povo, ou seja,
corresponde às suas aspirações, às suas exigências, parte
dele, dirige-se-lhe na sua linguagem, com métodos ou meios
que lhe permitam extrair o máximo de benefícios;
— Mas é feita igualmente pelo povo, exactamente como
o ensino — no plano que apresentamos no Ponto 4 — é
feita por uma equipa na qual os alunos têm um papel
primordial. Partir da actividade dos interessados é a única
razão de ser e a única garantia de eficiência desta educação.
Por isso, não se deve isolar no único domínio dos tempos
livres e da expressão artística — evidentemente indispen­
sáveis — mas preocupar-se também em dar ao eleitor,
ao cidadão, ao operário, ao chefe de família, ao
consumidor, possibilidades de afirmar o seu lugar no seio
da empresa, da cidade, da sociedade. E contudo, se se
fizer tudo isto, sem que ele se possa exprimir, agir por si
mesmo, o objectivo não será atingido, porque a eficácia
de uma educação deste tipo tornar-se-á duvidosa, pelo
240 A ESCOLA ABERTA

simples facto de não poder ser assumida pelo próprio


interessado.
E no entanto!... Pode-se dizer que actualmente a
maior parte dos Franceses — para falar apenas deles, visto
que é em França que estamos — esteja em condições de
assumir plenamente a sua educação? Acreditá-lo seria en­
ganar-se. Os animadores de clubes de jovens, de centros
rurais, de casas de cultura, de centros dramáticos, bem
o sabem. Existe uma grande proporção (a maior com
certeza) de pessoas, que nunca vão ao teatro, ao cine-
-clube, assistir a conferências, participar — mesmo que
fosse só em reuniões de pais de alunos. Apesar do es­
forço de descentralização em que os grupos da pro­
víncia se têm empenhado, é ainda, demasiadas vezes, a
mesma camada da população que tem acesso à cultura
e se sente atraída por ela. A educação das crianças, as
eleições, os acontecimentos de uma extensão já planetária,
os problemas económicos e sociais, o funcionamento da
empresa, a vida cultural escapam ao «grande» público por­
que o «grande» público não se sente em ligação com isso.
Há várias explicações para este facto:
— A maior parte de nós sofreu um ensino tão poei­
rento, tão timorato, tão rígido, que conservamos dele apenas
uma espécie de repugnância pelas coisas que se aprenderam.
Os conhecimentos — impostos do exterior — vieram-se agar­
rar à personalidade, sem a penetrar até às suas fibras mais
profundas. Não houve impregnação e esse verniz foi-se
fendendo ao longo dos anos a tal ponto que, agora, só
restam dele umas migalhas e que se pode dizer, sem exa­
gero nenhum, que somos — na maioria e qualquer que
tenha sido o nosso anterior grau de instrução —no estado
de incultura intelectual, até psicológica.
— Em segundo lugar: o que se faz para atrair o pú­
blico e dar-lhe vontade de se cultivar, dando-lhe as razões
para isso? As reuniões de pais de alunos são bastante fre­
quentes, suficientemente capazes de sensibilizar os adultos
para os problemas de educação, para os deixar exprimirem
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 241

as suas dificuldades ou as suas inquietações? Um debate


de cine-clube, circunscrito a dois ou três especialistas, que
ditam leis não bloqueará a possibilidade de expressão do
público? Uma noite no teatro, a maior parte das vezes
assinalada por um cerimonial desusado e paralisante, fa­
vorecerá um diálogo útil entre os actores e os espectadores,
mesmo entre espectadores uns com os outros? Os monó­
logos soporíferos, enfadonhos, dos conferencistas, as reu­
niões sindicais ou políticas, repisando infatigavelmente os
mesmos temas, sem que vão dar a uma acção concreta,
ajudarão à tomada de consciência das realidades, no
entanto bem presentes? Certamente que não. Porque não
há nunca, entre o que fala e o que ouve, um momento
em que se estabeleça verdadeiramente diálogo.
Mesmo que as pessoas tenham vontade de se aproxi­
mar, de trocar impressões entre si ou com outras pessoas,
de estabelecer lentamente ligações, nunca o fazem, a não
ser com muitas reticências. Não existe, à partida, uma
real identificação entre o Homem-indivíduo e o Homem-
-colectivo. Não sentimos suficientemente a necessidade de
nos reunirmos e sobretudo de actuarmos em conjunto,
para construirmos qualquer coisa de comum e de solidário.
Para fazer isto, é sempre necessário que haja:
— motivações;
— catalizadores.
Os acontecimentos de Maio de 68 provaram-no. Houve
um movimento de massas, não simplesmente pelo instinto
gregário (ainda que grande número de «participantes» nos
acontecimentos, tenham sido simples «espectadores» ou
«acompanhantes») mas porque havia motivos — provoca­
dos por uma tomada de consciência extremamente rápida
e luminosa dos problemas levantados — e catalizadores:
neste caso, personalidades fortes, a que alguns aliás cha­
marão «condutores» e mesmo «aventureiros». Sem chegar
a esse ponto e para falar unicamente do plano local, posso
242 A ESCOLA ABERTA

dizer que a greve — na pequena cidade onde então habi­


tava— não teria dado grande coisa, se a sensibilização
do público não tivesse sido desenvolvida por algumas
pessoas mais activas e que se sentiam mais vivamente
devoradas pela necessidade de «fazer qualquer coisa».
Mas, em seguida, numa localidade no entanto afastada
dos centros de agitação por natureza, pouco inclinada
à acção, viu-se reunirem-se sindicalistas, operários, pro­
fessores, comerciantes, artistas, pais de alunos, com o fim
de empreenderem uma acção comum de informação de
toda a população. Os resultados foram muito satisfatórios,
considerando o contexto local. E todavia, presentemente,
tudo caiu na mesma. Dir-se-ia que não houve Maio de 68!
Citei este exemplo, porque se assiste, um pouco por
toda a parte e em todos os meios, a esta quebra de inte­
resse, a este regresso à passividade anterior. Este ponto
é capital: É difícil sacudir a indiferença e, mesmo quando
se consegue, nada fica definitivamente adquirido. Tudo
pode, de um dia para o outro, tornar a cair no nada. Basta
as motivações desaparecerem, um animador deixar a loca­
lidade e é, de novo, o vazio e o silêncio.
Compreende-se então que se esteja, há já alguns anos,
preocupado em tornar a dar vida a este domínio coberto
de pó e, pouco a pouco, abandonado. Foi por isso que se
lançou a animação cultural. Mas conseguimos completá-la
agora por...

A acção cultural

Para a ilustrar o mais concretamente possível, é pre­


ferível dar a palavra aos que a fazem. É por isso que
— entre outros esforços empregados actualmente — citarei
o trabalho realizado, pelo teatro de Bourgogne, animador
da futura Casa da Cultura de Chalon-sur-Saône. Estando
em relações com alguns dos seus membros, poderei mais
facilmente abordar este ponto através da sua própria
acção.
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 243

No número de Outubro de 1967 de T. B. Actualité, o


teatro de Bourgogne, sublinhava que a a única cultura
que se pode pretender actualmente, é uma cultura que se
está a fazer; e o próprio movimento segundo o qual os
homens tentam apoderar-se, por meio de uma prática,
de um mundo do qual estão cada vez mais ameaçados
de se tornar objectos. A actualidade da cultura deve ser
avaliada pelas tomadas, que nos fornece — sobre a nossa
situação pessoal e sobre a dimensão colectiva da nossa
existência.
«Se o Discurso do Método ou o Cid só servem para
nos encerrar em estruturas ultrapassadas do século XVII,
mais vale que aprendamos a ler correctamente o jornal
quotidiano ou a seguir as emissões da T.V., evitando que
façam de nós mistificados ou drogados. Exactamente como
pouco importa que saibamos o que se passou ontem à
noite em Pequim, se não podemos nada sobre o que
se passa hoje mesmo na nossa cidade ou na nossa aldeia...
A referência ao passado como tradição ou a todo o mundo
como horizonte, enriquecerá somente aqueles que lhes
peçam o esclarecimento de uma empresa efectiva, em
que eles se empenhem NO presente e num sector do real
que lhes seja praticamente acessível.
...Uma cultura viva significa, antes de tudo, uma
cultura que permite pôr os homens em acção no seio
DA CIDADE.
E, para isso, precisa, por sua vez, Francis Jeanson —
que, com Christiane Jeanson, se ocupa da acção cultural,
empreendida pelo teatro de Bourgogne — «devemos preo­
cupar-nos em pôr em prática o mundo como ele se tornou,
e não como poderia ter sido para outros, não para nós.
Esta prática do mundo real, do mundo actual, é o ponto
crucial, é o centro de gravidade da segunda atitude: a que
opta por uma cultura viva, por uma cultura actuante e,
se existe «acção cultural», a animação cultural será eviden­
temente no sentido em que se esforçará por pôr os homens
em condições de praticar o mundo, actualmente, um pouco
melhor de que ontem». Deste modo, prossegue, «a acção
244 A ESCOLA ABERTA

cultural poderia muito bem definir-se como um esforço


para pôr o homem contemporâneo — e nos pôr a nós pró­
prios consequentemente — em condições de fazer que o
mundo seja realmente cada vez mais nosso, que a história
seja realmente cada vez mais a história dos homens.»
Mas como agir? Eis duas respostas, que se completam
uma à outra.
Em primeiro lugar, a que nos deram três actores do
teatro de Bourgogne, que o jornal dos meus alunos inter­
rogou:
EM REDOR DO MICRON: Tem-se falado de demo­
cratização do teatro. Qual é então o seu lugar na
sociedade ?
rémy azzolini: Sim, o teatro é uma coisa viva,
pela reunião de pessoas numa sala, pela presença
dos comediantes, pela confrontação de um texto
em directo. É um meio para uma melhor com­
preensão dos homens entre si, justamente por
se reunirem. É esse o sentido que se quer dar às
Casas da Cultura, cujo centro é o teatro. É a
partir dele que, em geral, as constroem. Verifica-
-se, com efeito, que as que não são construídas
a partir dele, permanecem conchas vazias.
robert PAGES: Actualmente, em França, o tea­
tro procura-se. Há muitos jovens autores, mas
ainda não atingiram, na escrita, o meio de trans­
mitirem a sua mensagem.
rémy azzolini: Sim, e depois procuramos basear-
-nos no texto, procuramos atrair um novo pú­
blico para sairmos do círculo dos frequenta­
dores usuais do teatro (professores, funcionários,
professores liberais...)
robert pages: O problema actual é encontrar e
formar um público.
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 245

Rémy azzolini: É necessário tentar catalogar,


dividir o público em séries para que — por exem­
plo — uns não sejam rejeitados pelo que agrada
aos outros. Vamos tentar lançar uma acção cul­
tural em Saône-et-Loire: fazer justamente coisas di­
ferentes para diferentes categorias do público. Não
se pode falar do mesmo a todos.
EM redor DO MICRON: Quando montaram «O
Terror e a Miséria no 11I.º Reich», veio um
especialista, alguns dias antes, falar de Brecht e
da peça.
rémy azzolini: Sim, foi André Steiger, o en-
cenador. É a verdadeira solução: a preparação
dos espectadores. Mas, ainda aí, há o problema
financeiro, que nos impede — no fim de contas —
de trabalhar correctamente. Porque o nosso tra­
balho não é montar o cenário às 14 horas, repre­
sentar à noite e ir logo embora. O nosso tra­
balho é discutir depois, como se faz presentemente;
poder fazê-lo com todos os espectadores, em gru­
pos de discussões.
EM REDOR DO MICRON: Já o fizeram para o
«Estado de sítio», de Camus. Mas não caminhou
muito bem.
rémy azzolini.- Sim, isso depende do anima­
dor. E, sobretudo, se tem na sua presença inter­
locutores demasiado «intelectuais», que conhecem
bem os problemas, fala para eles e existem, nesse
caso, 70% de pessoas que ficam de fora, porque
ninguém faz perguntas... O que é necessário fazer
pois, é dividir o público em séries, o que é o
objectivo da nossa acção cultural, em que divisão
sociológica (classificação das pessoas por cate­
gorias sociais e profissionais) será provavelmente
246 A ESCOLA ABERTA

feita por Francis Jeanson. Assim, em relação aos


jovens: com os que seguiram uma escolaridade
secundária, pode-se fazer alusões ao teatro clás­
sico; o que já não pode acontecer com os que
deixam a escola aos 14 anos. Do mesmo modo
com os adultos: Um público de operários, de em­
pregados é diferente de um público de estudantes
ou de professores.
EM redor DO MICRON: É o problema da ocupa­
ção dos tempos livres.
rémy azzolini: Sim, não basta atirar com
entretenimentos às pessoas; conferências e teatro
impostos em bruto não adiantam nada.
EM REDOR DO MICRON: Em que vai consistir
a vossa acção cultural em Saône-et-Loire ?
rémy azzolini: Para já, está em estudo... Va­
mos tentar encontrar públicos em toda a parte
onde as pessoas se encontram — além de algumas
centenas de espectadores que vão a Chalon, a
Autun, a Paray-le-Monial: nas aldeias, nas fá­
bricas, nas casas de jovens. Vamos fazer isso de
uma forma mais directa, mais activa do que a
representação propriamente dita. Haverá dis­
cussão, preparação e mesmo sketches escritos espe­
cialmente para serem discutidos: vida quotidiana,
emissões de televisão, jornais. Vamos ensinar,
especialmente aos jovens, a não se deixarem pene­
trar pelas coisas passivamente, mas a serem activos
perante o acontecimento.
EM redor do MICRON: Não costumavam vir aos
estabelecimentos escolares ?
remy azzolini: Sim, mas num plano unica­
mente teatral. Tínhamos actores ou especialistas
que vinham ver as cenas montadas pelos alunos.
PARA A ACÇAO GENERALIZADA 247

Ainda se encontram hoje jovens de 17 ou 18 anos


marcados por esta experiência. É o que se quer
voltar a fazer agora, mas sob uma forma menos
literária, mais activa. Porque a rádio, a televisão,
o cinema — mesmo quando apresentam alguma
coisa válida — deixam as pessoas isoladas, por­
que não podem discutir, como se está a fazer
esta noite. O nosso objectivo é, portanto,—porque
é indispensável — procurar o contacto humano.
(Extractos da entrevista concedida a en re­
dor do MICRON, jornal dos meus alunos,
depois da representação de Violettes, de Geor-
ges Schéhadé, em Fevereiro de 1967. As de­
clarações de Louis Cirefice, que participava
igualmente na conversa, não foram utilizadas
nos extractos precedentes.)
Depois desta entrevista, a acção cultural do teatro
de Bourgogne tomou-se mais precisa. A Casa da Cultura
de Chalon ainda não abriu, simplesmente porque a sua
construção ainda está no início. Contudo, existe já uma
equipa muito activa que — nos locais do «estúdio 70» —
tenta sensibilizar o público de Chalon e da sua região,
num raio de cerca de 40 quilómetros. Uma associação
de apoio (MC 70) está igualmente constituída, e dentro
dela funcionam grupos de trabalho (leitura comum, ani­
mação junto dos trabalhadores, ensino e cultura, etc.),
nos quais o público pode participar gratuitamente. Mas o
teatro de Bourgogne quer evitar cair no erro corrente,
que Francis Jeanson sublinha na segunda resposta que
agora apresentamos: «A pergunta que fazem, com efeito,
muitas pessoas que pensam é se esses enormes edifícios
não virão a ser consagrados, pura e simplesmente, a um
conforto suplementar para pessoas que já eram privile­
giadas, que não tinham necessidade disso para ter acesso
à cultura. Mas o que me interessa nelas é a possibilidade
que oferecem, uma vez que na sua construção está deci-
248 A ESCOLA ABERTA

dida, de determinar aquilo a que se chama fase da «pre­


figuração». Quer dizer que a equipa encarregada de ani­
mar a futura casa dispõe de repente (dois ou três anos
antes da abertura das portas) de créditos especialmente
dedicados a um trabalho de animação local ou regional,
que tem por fim preparar o terreno, formando o seu novo
público, um público activo, dinâmico e que se deseja que
tome cada vez maior parte na empresa em causa.»
Para levar esse público aos lugares capazes de lhe
oferecer meios de verdadeira cultura, de cultura pessoal,
para o preparar para tomar efectivamente parte na acção
cultural, para lhe permitir assumir plenamente a sua pró­
pria educação, é necessário, em primeiro lugar, ir dar
com ele onde ele está. Os «relais» — salienta Francis Jean-
son — permitem-no. São pessoas ou grupos que se encon­
tram, pelas suas funções, profissão e vida pessoal, ligadas
à vida da cidade. São estas ligações que — no caso de
Chalon e dos seus arredores, por exemplo — levarão à
Casa da Cultura o público, que ainda não foi impressio­
nado, que a ajudarão a fazer dela a sua Casa. Deste modo
se faz acção cultural. A partir de um centro extremamente
vivo, alarga-se a pouco e pouco, gradualmente, em virtude
das ligações que vai criando, tende a alcançar uma parte
cada vez maior da população.
Todavia, no actual estado de coisas — e para atingir
um plano mais geral — a acção cultural está ainda sim­
plesmente no princípio. Os meios financeiros de que dispõe
são limitados. Os recursos do ministério de que depende
representam apenas 0,37% do orçamento nacional para
1970.
Apesar de anos de esforços, em que ponto estamos,
actualmente?... quando as Casas de Cultura são desman­
teladas sob vãos pretextos, quando a acção cultural e a
descentralização dramática — lançada há perto de 25 anos
por Jeanne Laurent — estão condenadas a uma pobreza
de que o próprio Estado é o executor, pois parece, cada
vez mais claramente, que se liberta das suas responsabili­
dades em proveito de interesses que nada têm de comum
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 249

com a cultura popular. «Pobreza, pobreza», diz-se de todos


os lados. Aos consumidores, impenitentes esbanjadores dos
dinheiros da França; aos operários, especuladores culpa­
dos, que dispendem no estrangeiro os restos dos seus
esplêndidos salários; aos estudantes, destruidores da «nova
sociedade»; aos contribuintes, maus patriotas, que não
vêem que a cultura do país irradia através da bomba
atómica e do comércio dos engenhos de morte; aos anima­
dores da acção cultural, finalmente, a quem se afirma que
o seu génio se firmará melhor, se oferecerem às massas
trabalhadoras comediantes em farrapos e teatros em ruí­
nas. E, se o bom povo não estiver contente, que veja
televisão. Aí ao menos o espectáculo não é pobre: peças de
boulevard, séries policiais, «gadgets» electrónicos para
adultos atrasados, não têm — louvado seja Deus!—orça­
mentos de miséria!
E, no entanto, que grosseiro e perigoso erro comete
um Estado que não compreende que as necessidades cultu­
rais se tornam, apesar de tudo, cada vez mais agudas.
Parece que há, perante o progresso de uma sociedade
mecanicista e desincarnada, um sobressalto, mesmo visceral,
do homem contra o que pretende escravizá-lo. Vimo-lo
recentemente e vêmo-lo ainda em França e em todo o
mundo. É normal que algumas camadas da população
recusem ser amarradas a uma sociedade que só aceita o
homem no seu papel de consumidor passivo dos bens que
se digna dar-lhe, quer sejam automóveis, aparelhos domés­
ticos, shampoos, cantores ou até produtos culturais. Têm
sido empregados esforços consideráveis para pôr estes pro­
dutos ao alcance do maior número: livros, discos, meios
audiovisuais multiplicam-se e são cada vez mais acessí­
veis— pelo menos financeiramente. Isto é inegável. Mas
não são mais do que produtos, bens de consumo. A «carga»
cultural que transmitem ao espírito dos compradores é
mínima. Como é mínima a influência do ensino tradicional,
das conversas sábias e dos sermões do domingo — sejam
eles políticos, sindicais ou religiosos. A cultura continua
a ser, no fim de contas, exterior ao indivíduo, mal o toca,
250 A ESCOLA ABERTA

mal o impressiona. Raras vezes o homem sente que aquilo


lhe diz respeito, que o apreende para o integrar em si
mesmo, que se trata de um verdadeiro alimento para o
espírito. Se tiver verdadeira fome desse alimento — e deve
ser esse o caso de uma parte da população, mesmo que
seja mínima — não poderá aliviá-la. Sente uma falta cul­
tural, um vazio que nada nem ninguém foi, até agora,
capaz de preencher.
É neste ponto que podemos interrogar-nos sobre qual
será o impacto real da acção cultural, por mais dinâmica
que seja. Há em primeiro lugar,, a concorrência esmaga­
dora dos «mass media». Rejeitá-los totalmente seria, ao
mesmo tempo, irrisório (porque a nossa recusa não lhes
faria grande mal) e perigoso (porque isso seria entregarmo-
-nos — a nós e aos outros — à sua mercê). Parece que
vale mais a pena aprender a combatê-los no seu próprio
terreno, com o fim — evidentemente — de ajudar o ho­
mem a libertar-se e a desenvolver-se. Mas há talvez qual­
quer coisa mais grave ainda. É que a acção cultural se
arrisca, para muitos, a chegar muito tarde. Não que a sua
influência seja nula, mas será consideravelmente entra­
vada pelas camadas de ideias preconcebidas, de hábitos
mentais, de preguiça intelectual, de isolamento psicológico,
de egoismo, acumuladas, ao longo dos anos, em cada um
de nós e marcando a nossa personalidade, o nosso tempera­
mento, o nosso espírito, com um selo difícil de quebrar.
Para que a acção cultural pudesse ser plenamente
eficaz — e isso não afecta em nada os seus esforços e a
sua influência actuais —, seria necessário que fosse aju­
dada por uma escola que, durante a infância e a adoles­
cência, tivesse preparado o homem para se tomar o senhor
e o responsável pela sua cultura. Porém, não foi essa a ac­
ção da escola tradicional, muito ao contrário responsável
ela própria por esta incultura intelectual e por este desprezo,
por vezes muito vincado, pelo que se aprendeu, de que
falei há pouco.
Seria necessário que a escola fosse concebida, ao mesmo
tempo como a preparação para a educação permanente e
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 251

popular, para a acção cultural e como a sua ligação privi­


legiada. Ora, como o faz notar ainda o plano Langevin-
Wallon: «O papel da escola não deve limitar-se a despertar
o gosto pela cultura durante o período da escolaridade
obrigatória, qualquer que seja a sua duração. A nova orga­
nização do ensino deve permitir o aperfeiçoamento con­
tínuo do cidadão e do trabalhador. Em toda a parte, desde
as imensas aglomerações humanas até às pequenas aldeolas,
a escola deve ser o centro de difusão da cultura». Natural-
mente é aqui que intervém...

A Escola Aberta, centro de encontro


e de encontro popular
A escola, continua a dizer o plano Langevin-Wallon,
«deve estar, ao mesmo tempo, representada em todos os
pontos do território e manter o contacto com as institui­
ções e com os homens cuja missão seja o progresso dos
nossos conhecimentos culturais. Exige a colaboração de
todos, seja qual for o nível de ensino a que pertençam:
professores espalhados pelos campos e nas cidades, por
um lado, professores das escolas normais e das universi­
dades, por outro...»
Chegou a hora de escolher e é necessário transpor
agora deliberadamente o fosso: já não pode existir escola,
no sentido tradicional da palavra, quer dizer, um edifício
isolado no meio doutros edifícios, secreto, interdito, vi­
rado para si mesmo. Já não pode existir, dentro da comu­
nidade, este templo surdo, cego e mudo, onde se preparam
futuros enfermos, incapazes de viver plenamente e lucida­
mente no mundo actual!...
Ora, uma escola aberta é, em primeiro lugar:

UM CENTRO DE ENCONTRO

Isto significa que, segundo condições bem precisas,


mas liberais e fixadas de comum acordo, toda a gente
pode entrar e sair sem o risco de ser importunado. Aqui,
252 A ESCOLA ABERTA

afixa-se «Entrada livre», mas não se faz como nesses esta­


belecimentos que, imediatamente, mandam a vendedora
ou o chefe de secção encarregar-se de si. A escola é de toda
a gente, toda a gente participa — financeiramente e em
todos os domínios — na sua manutenção, toda a gente tem
pois o direito de entrar livremente. Não pertence à Edu­
cação Nacional, mas à comunidade nacional — portanto
local, que faz parte integrante daquela.
Mas é a priori difícil de atrair aqueles que foram
excluídos durante tanto tempo. Já há muito tempo que
está separada da população e só lá se penetra com cons­
trangimento e até com inquietação. Tem, portanto, de cha­
mar a si o público, permitindo-lhe que lá encontre o pro­
fessor de instrução primária, outro professor ou qualquer
outra pessoa ligada ao corpo docente, com certeza, mas
também os animadores de centros culturais, sindicalistas,
actores, pessoas do bairro ou da aldeia. Deve ser a Casa
do povo — no verdadeiro sentido da palavra, o lugar onde
se sinta em sua casa e saiba que ali encontrará quem deseja
encontrar. A escola já não deve simplesmente dar, mas tam­
bém receber. Toda a gente lá pode dar a sua opinião, as
suas sugestões, fazer as suas críticas e participar nas rea­
lizações, de todas as espécies, de que a escola é o centro
sempre activo e efervescente de vida. É aí, aliás, que deverão
manter-se permanências de utilidade pública (psicólogos es­
colares, professores, assistentes sociais, pais de alunos,
etc.), que darão esclarecimentos precisos e múltiplos sobre
a vida social, profissional, familiar, económica, cultural...
É aí que se poderá encontrar um local (sala de aula, hall,
vasto corredor, etc.), destinado a apresentar informações
locais, regionais, nacionais ou internacionais, que habi­
tantes da aldeia ou do bairro, ou pessoas qualificadas, po­
derão comentar, a pedido. Deve-se saber que a escola
está aberta em determinadas horas, que determinado dia
é o da permanência de um médico pediatra, de um espe­
cialista da educação ou dos problemas profissionais, do
representante de um grupo teatral ou de uma associação
cultural. Deve-se saber que aí receberão os esclarecimentos
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 253

referentes a todos os assuntos susceptíveis de interessar


a população e em todos os domínios da vida. Deve-se
também saber que determinado serão será consagrado ao
cinema ou a uma discussão com um escritor, um sindica­
lista, um arquitecto, um actor, um educador e que uma
determinada sala pode ser reservada, numa certa noite,
a uma reunião de jovens, a uma sessão de criação artística
animada por um pintor ou um músico. Não será obriga­
tório que tudo se passe na escola; ela não chegaria para tan­
to! Mas será necessário que, ao espírito de cada um, fique
bem claro que é na escola que se encontrará o centro da
vida comunitária, mesmo que existam na localidade vários
centros secundários de actividade. E, se para qualquer
noite não se previr nada de especial, todos os habitantes
saberão que é ainda na escola que poderão discutir, ami­
gavelmente, qualquer assunto com o professor ou as
pessoas da vizinhança. Centro de encontro, a escola de­
verá estar sempre aberta, o mais longamente possível, com
o maior número de pessoas possível.
Mas a quem caberá essa pesada tarefa de dar vida
à escola? Um professor está naturalmente indicado, mas
não sozinho. Todavia, mesmo se modalidades precisas
(horários, retribuição, etc.) podem estar previstas para lhe
permitir assumir plenamente esses encargos, será útil e pre­
ferível que seja assistido por animadores qualificados e
permanentes (pelo menos, um por cada centro) e pessoas
cuja competência, num domínio especial, permitirá manter
e variar as actividades e garantir a sua qualidade.
Isso não é uma coisa impossível. É uma coisa, que já
se faz nalguns países estrangeiros, nas «comunidades edu­
cativas» consagradas ao serviço do povo e nas quais o
povo participa e dá vida.
Mas a escola aberta será também...

UM CENTRO DE EDUCAÇÃO POPULAR.

Isso significa que lá não se dispensará somente um


ensino, que não se realizarão somente actividades reser­
254 A ESCOLA ABERTA

vadas ao período da infância e da adolescência, mas que


se poderá participar numa educação capaz de animar toda
uma existência.
A noção de «escolaridade» deve ser abolida. Quem diz
escolaridade, diz aprendizagem centralizada num reduzido
número de assuntos e perspectivas estreitas, limitado a um
período relativamente curto da existência. Para que servem
os conhecimento empilhados nos resconsos do cérebro?
Esquecem-se, diluem-se pouco a pouco nos meandros de
uma inteligência que volta a um estado em que teria de
ser de novo desbravado. No que se torna uma personali­
dade que a escola poderia ter ajudado a despertar? Torna
a cair na indolência, na indiferença, no nada. Quando a
escola está aberta a todos, aberta para tudo, durante toda
a vida, torna-se o próprio centro da vida em comum,
é a garantia de renovamento, o terreno de um enriqueci­
mento constante, em proveito de todos.
O que se fará nesta escola? Aprender-se-á talvez — no
sentido em que ainda o entendemos hoje em dia — mas
sem que se tenha de sofrer uma autoridade e conhecimentos
impostos de fora. E, sobretudo, participar-se-á numa comu­
nidade de trabalho, que reúne os que sabem e os que querem
aprender, sem que se possa, aliás, classificá-los em duas
categorias distintas. Porque nós temos todos que aprender
uns com os outros. Foi o que quis mostrar ao descrever as
minhas experiências — durante as quais alunos e profes­
sores se foram informando mutuamente, ao apresentar, no
Ponto 4, um plano que se pudesse empregar numa sala
de aula ou num centro de educação popular:
— abertura para o mundo actual;
— actividade primária dos interessados;
— ligação entre as actividades de trabalho e os tempos
livres, tão profunda que se possa passar sem dificuldade
nem reticências de umas para outras. Não há educação
que se dê num sítio preciso, num determinado momento
da manhã, da semana, do ano, da vida. Há apenas informa­
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 255

ções, reflexões, sugestões, confrontos, que surgem não im­


porta quando e que se tem de aprender a descobrir, a com­
preender, a escolher, a organizar, para ir dar a uma acção
útil tanto para o indivíduo como para toda a comunidade.
É realmente verdade que se aprende em todas as
idades seja quando for, seja onde for, de toda a gente e
não importa com quem. Ajudar um homem ou uma mu­
lher a construírem-se, para que estejam sempre em alerta,
que vivam intensamente a sua vida, que estejam virados
para todos para dar e para receber, eis o que igualmente
oferece a pedagogia construtiva. Descrevemo-la ao longo
de todas estas páginas, constantemente impregnadas por
ela. Basta recordar alguns princípios:
— tenta uma maneira consciente de ver a nossa época,
dando a cada um o poder de se aproveitar proveitosamente
dos modernos meios de informação;
— institui e perpetua o diálogo, dentro do grupo;
— constrói a personalidade do aluno ajudando-o a des­
cobrir por si mesmo as suas próprias potencialidades e
não destrói o desabrochar vital da infância;
— recusa o fracasso (ao contrário da pedagogia tra­
dicional, baseada na sanção, na eliminação, no treino);
— não se presta ao espírito de sistema, que esclerosa
os pensamentos e as vontades;
— apresenta meios directa e imediatamente utilizáveis
baseados na libertação do homem por si mesmo;
— está em perpétuo devir, enriquece-se com os contri­
butos de todos e a todo o instante, em todas as circuns­
tâncias.
Em suma é uma pedagogia total. Emprega os dados e
as possibilidades do mundo, o acontecimento, a imagem,
o som, a palavra, em todas os ocasiões. Explora as riquezas
de todos os domínios, por consequência e tira partido de
todas as situações. Olha em todas as direcções, fazendo
recuar cada vez mais os limites da imaginação, aceita os
256 A ESCOLA ABERTA

contributos de todas as proveniências, contanto que sejam


para enriquecer e desenvolver os que a praticam. E, como
se exerce no seio de grupos de trabalho comunitários,
que reúnem solidariamente todos os interessados, é igual­
mente uma pedagogia fraternal.
Naturalmente, isto não passaria de belas palavras se
ficássemos na fase teórica. As experiências descritas ante-
riormente e o plano que propusemos, dão-lhes uma base
mais concreta. Mas é evidente que, futuramente, também
a pedagogia construtiva será o que se quiser que ela seja
e que não cabe simplesmente a mim defini-la.
Os seus objectivos, aliás, não estão de acordo com os
que o colóquio de Amiens marcou para a escola:
1. «Desenvolver, na criança, a aptidão para a mu­
dança»;
2. «Criar as condições favoráveis para a construção
de uma personalidade real, equilibrada, capaz de reunir,
de forma coerente, as múltiplas informações que a assal­
tam»;
3. «Preparar o homem de amanhã para dominar os
condicionamentos económicos e não para se deixar escra­
vizar por eles»;
4. «Ensinar a participação, encorajar o diálogo, for­
mar as crianças para a democracia... ensinar-lhes a frater­
nidade humana, encorajando o interesse pelos problemas
nacionais e internacionais».
Abertura para o mundo, certamente, mas também
para a vida da comunidade — uma não excluindo a outra,
mas permitindo, pelo contrário, estabelecer a ligação entre
esses dois pólos, hoje primordiais.
Quem poderá recusar o arranjo de uma sala de leitura,
de uma sala para biblioteca ou de documentação, a edição
de um jornal encarregado de reflectir a vida local ou de re­
percutir preocupações mais gerais? Quem impedirá a cria­
PARA A ACÇAO GENERALIZADA 257

ção de grupos abertos, que reúnam especialistas ou não


especialistas, para procurar as informações, as soluções
concernentes aos aspectos e aos principais problemas do
nosso tempo ou correspondendo às preocupações imediatas
das pessoas reunidas?—Não se trata sequer já de aprender,
de dar ou de receber, mas de tudo isso ao mesmo tempo,
de forma a que todos beneficiem dos contributos de toda
a gente, de todas as circunstâncias, de todos os instantes
e que esta comunidade, que se cria a partir das aspirações
e das motivações de cada um, se torne finalmente uma comu­
nidade viva e fraterna.
Utopia! Utopia e divagação! É isto o que talvez se
diga. E é verdade, se for eu o único, se formos apenas
alguns a trabalhar nisto. Existem, no entanto, na Grã-
-Bretanha, comunidades educativas, que fazem da escola
um centro de vida, animado pela vontade e o concurso
de todos. Porque não entre nós? Mas talvez lá (é assim
tão longe?) tenham uma mentalidade diferente da nossa...
Temo que seja mais fácil construir casas do que abater
preconceitos. Abrir os espíritos a verdadeira dificuldade
é menos material do que psicológica...
É por isso que a escola aberta e a pedagogia constru­
tiva desejam reunir os seus esforços aos da acção cultural,
servir-lhe de trampolim e de ligação para o estabelecimento
de uma verdadeira educação permanente e popular.
Mas estes esforços serão inúteis se não ajudarmos
todos juntos a...

Favorecer uma atitude «evolucionária»

A atitude evolucionária não é uma doutrina. Não


o pode ser. Assim como a escola aberta e a pedagogia
construtiva também o não são. Tranquilizemos, pois, os
que estão preocupados. Não é mais um movimento direccio-
nal desde os primeiros tempos de vida! Mas é uma luta
de todos os instantes para umà abertura mais larga dos
espíritos, uma necessidade constante de renovação, um
258 A ESCOLA ABERTA

apelo incessante à imaginação — que Camus dizia que


gera a bondade. Esta luta deve pois ter prioridade em
relação a si mesmo, defendendo-se da rigidez, do envelhe­
cimento prematuro e dos dogmas impiedosos. Se assim
não fosse, cairia rapidamente no abismo onde acabam
por ser submergidas todas as ideologias, por mais revolu­
cionárias que sejam: a mais ou menos breve prazo, entor­
pecem no sectarismo e no cerimo nial.
É, portanto, impossível definir o que pode ser a atitude
evolucionária, porque não é imposta do exterior e só pode
sobreviver, se fôr assumida pelo próprio interessado. Não
é fixada a priori, determina-se lentamente, em cada um
de nós, à medida que reflectimos e agimos, sai lentamente
do nada e só se desenha à posteriori. Não é um caminho
a direito. Não há nenhuma capela! Mas, para aquele que
a aceita, é uma flecha de pensamento e de acção que ele pró­
prio dirige. Não é a atitude evolucionária que determina
o homem, mas o homem que determina a atitude evolu­
cionária.
O que se propõe é apenas um plano. Só pode ser isso,
mas suficientemente flexível para se adaptar às circunstân­
cias, segundo a vontade daquele que o aceita, suficiente­
mente sólido para o ajudar a sair de si mesmo, suficiente­
mente largo para permitir que alguém o recuse.
No Ponto 4, eu tinha situado a atitude evolucionária
em relação à evolução e à revolução. Mas é tempo de a
precisar, para que o seu esboço fique mais claro nos espí­
ritos e proporcione — sendo necessário — uma oportu­
nidade mais franca e mais nítida para a contestação. Francis
Jeanson ajuda-nos, quando diz que «as revoluções efectivas
se preparam, dia a dia, por uma acção paciente, que visa
simultaneamente modificar as situações (para as tornar
revolucionárias) e pôr o homem, tanto quanto possível,
em condições de tirar proveito dela na altura própria.
Não é recusando o conjunto do sistema que seremos capazes
de realmente o transformar. E a recusa que pretendemos
opor-lhe num determinado plano torna-se muito suspeita
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 259

pela nossa forma quotidiana de pôr o jogo a funcionar


sobre um certo número de outros».
Não se trata, com efeito, de concedermos a nós pró­
prios títulos que não merecemos. Não posso intitular-me
revolucionário a partir do momento em que participo,
ao volante do meu carro, diante do meu aparelho de tele­
visão, na acção de uma sociedade que pretendo combater.
Não serve de nada tomar atitudes extremistas, se se sabe
que, dentro de 1 ano, de 10 anos, mesmo de 30 anos, as
renegaremos. E, como a maior parte das pessoas estão
numa situação análoga, será com certeza muito difícil
arranjar revolucionários, no sentido em que se entende
habitualmente. «Há muitas pessoas (dentro de uma certa
minoria) que se pretendem revolucionários, mas não resulta
daí que a situação, no nosso país, seja realmente revolucio­
nária», confirma Francis Jeanson. «Não nos podemos,
ainda nesse caso, embalar sempre com ilusões, nem pode­
mos dizer que é amanhã de manhã, pois não é verdade,
não pode ser verdade». E—deve-se realmente dizê-lo—
as condições não estão ainda realizadas. Também não o
estavam em Maio de 68, porque os factos que poderiam
ter feito desencadear a revolução vieram ao encontro de
uma situação e de espíritos que não estavam preparados
para isso, ajudados aliás por uma atmosfera equívoca
e pela atitude mais que indecisa de alguns grupos políticos
ou sindicais.
Só se pode dar uma revolução, lenta e permanente, mas
igualmente decisiva e muito mais irreversível: a dos espí­
ritos, que já está em andamento, mesmo que ainda não
se mostre evidente. A primeira barricada é contra nós
que a temos de levantar. E cortar decididamente até ao
âmago, os nossos hábitos mentais. A atitude evolucio­
nária é a preparação contínua para essa revolução, que
parece muito mais tranquilizante do que as outras, mas
que não deixa de inquietar as pessoas e os sistemas em
vigor, porque abala, no espírito de cada um, a legitimidade
do seu poder. Sem esperar ser surpreendida pela revolução,
a atitude evolucionária prepara-a, enriquece-a, desbas­
260 A ESCOLA ABERTA

tando-a, consolidando-a, tornando-a mais viva, mais aces­


sível, não a uma minoria, mas a todo o povo. É necessário
num enorme trabalho de acesso à consciência, a realizar,
desde já, por pequenos toques, mesmo leves, mesmo frágeis,
mas incansavelmente repetidos. Porque temos de dizê-lo
— por mais contraditório e chocante que possa parecer:
— A revolução é aristocrática, é reservada a um pequeno
número de caracteres de escol, cujos sentimentos exacer­
bados ou requintados não são forçosamente concebíveis
para toda a gente. Não se trata de a vulgarizar a ponto
de a distribuir em brigadas e de afogar nas massas (o que
tem, no entanto, acontecido às que se têm realizado até
aqui). Também não se trata de fazer dela um produto
de consumo corrente, como o desejariam algumas publi­
cidades, que empregam uma linguagem pseudo-revolucio­
nária própria, para dar a entender a M. Dupont de Mes Pan-
toufles que é um guerrilheiro, porque ousou «romper fria­
mente com o hábito», «passar à revolta», «dar-se ao prazer
da rebelião», saboreando «abertamente» um copo de Char-
treuse!... Mas trata-se, antes, de preparar o povo para assu­
mir ele próprio a revolução dos espíritos, ensinando-lhe,
antecipadamente, a compreendê-la e a vivê-la.
Como fazer essa preparação? Tentando resolutamente
respeitar e fazer viver as grandes linhas da atitude evolu­
cionária — que acabamos de completar — mas também os
princípios de base que se seguem e são aplicáveis para
todos nós:
— aceitar o diálogo aberto, claro, sem fugas nem de­
magogias;
— pôr-se constantemente em questão, aceitando reno­
var os nossos conhecimentos, certamente, mas também
a nossa mentalidade;
— voltar-se para o mundo em todas as direcções, ten­
tando compreender a sociedade nos seus aspectos humanos,
económicos, sociais, políticos, culturais, etc. Pôr-se em
estado de receptividade permanente e total;
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 261

— compreender que existe um momento em que é neces­


sário ceder o lugar a alguém mais competente, mais dinâ­
mico ou mais jovem, o que não quer dizer que se aceite
por isso a ingratidão e a negação da obra realizada até aí;
— e, para quem esteja metido nos problemas da escola
(no sentido mais amplo em que viremos a entendê-la no
futuro), saber que «é proibido que os educadores envelheçam»
(psicologicamente claro, no resto, infelizmente!...).
Mas será realmente possível? Certamente, as grandes
linhas propostas são acessíveis a um certo número de nós.
Mas deve-se saber igualmente que há realidades bem nítidas
que podem entravar — até abafar — a iniciativa e que
será necessário ultrapassar. Tomemos nota das duas prin­
cipais:
— a inércia do homem em geral e a sua hostilidade
instintiva, senão reflectida, contra todas as novidades de­
cisivas;
— a rápida falta de fôlego de qualquer iniciativa, que
se limitasse a destruir, sem fazer propostas concretas e pre­
cisas para ajudar a reconstruir.
Os que, em Maio de 68, souberam despertar a apatia
geral e evitar a sufocação, construíram realmente qualquer
coisa de novo e agora — aproveitando esse lançamento —
alguns imitam-nos ou lançam-se mais francamente ainda
na luta que travavam há já tantos anos. Outros, pelo con­
trário, espalham-se em lutas estéreis e constantemente re­
começadas que têm, sem vantagem para ninguém, exaspe­
rado as «pessoas de bem», as boas consciências, os peque­
nos burgueses de todos os lados, permitindo-lhes assim
fazer abortar a revolução.
Para avançar, é necessário:
— quebrar esta inércia (um choque como o de Maio
pode ser salutar — não se pode ainda sabê-lo — se «cris­
talizou» simples veleidades para as transformar em actos
lúcidos e eficazes);
262 A ESCOLA ABERTA

— motivar a acção, tornando-a aceitável e assimilável,


pelo maior número (são estas as condições de uma verda­
deira acção geral), procurando que corresponda a aspira­
ções comuns e verdadeiras (algumas acções chamadas de
«massas» caíram, porque não se apoiavam realmente nessa
necessidade primária);
—propor actos directos, claros e positivos, certamente
contestáveis (quer dizer, criticáveis, com o fim de permitir
propostas construtivas) mas que contenham, em germe,
outros actos ainda mais eficazes e mais importantes. Resu­
mindo: que qualquer acção contenha em germe uma nova
acção;
— Deixar a imaginação tomar o poder e saber que a
imaginação de todos vale realmente mais do que a imagi­
nação de um só. Esta reivindicação não segue uma moda,
mas exprime simplesmente uma aspiração legítima. A ima­
ginação é há tanto tempo abafada, mesmo assassinada,
que é razoável exigir que ocupe o seu verdadeiro lugar
dentro de uma sociedade que a recusa continuamente.

Deste modo, portanto, a atitude evolucionária deveria


poder ajudar-nos a preparar a Revolução dos espíritos
de que falei anteriormente e que, menos espectacular e
menos brutal do que as outras, não deixa de ser a única
condição para os homens obterem um pouco mais de
liberdade e de fraternidade.
Na hora actual, o impulso de Maio passou e parece
desvanecido. Os velhos, tranquilizados por um tempo, vol­
taram à sua sonolência, à sua bem-aventurada auto satis­
fação, mesmo que os seus sonhos sejam, por vezes, pertur­
bados por uma certa inquietação. Os jovens, aparente­
mente mortos, desiludidos, parecem ter perdido —pelo
menos por algum tempo — a esperança de verem na terra
a sociedade com que sonharam, embora tivessem cons­
ciência de quanto seria difícil o seu desabrochar num solo
tão seco e estéril. Contudo, não deixa de ser deles a missão
de fazer germinar as pedras redondas e duras como o
PARA A ACÇÃO GENERALIZADA 263

egoismo e a preguiça dos homens; deles e dos adultos em


quem ainda está acesa a chama do «espírito de juventude»
de que fala Bemanos e que, contra tudo e todos, os impede
de morrer.
É então que a Escola Aberta encontrará — ou talvez
já tenha encontrado — o seu lugar. É ela que deve impedir
uns de adormecer e que deve fazer compreender que há
tempo para tudo; é também ela que deve restituir a espe­
rança aos outros, ajudando-os a construir, pedra por pedra,
grão a grão, a sociedade de que querem ser os verdadeiros
artesãos.
De qualquer modo, quer queiramos quer não, a sorte
está lançada; ganharmos ou perdermos depende de cada
um de nós.

E AGORA ?
...Chegou o momento de o leitor, se o
desejar, participar, quer pela reflexão quer pela
acção individual ou colectiva, na construção da
Escola Aberta.
É para lhe permitir avaliar mais claramente
o papel primordial que irá desempenhar, que
lhe apresento os documentos que se seguem. Isto
não é uma conclusão, pois tal não pode existir
aqui. Pelo contrário, é agora que tudo começa.
ANEXOS

Materiais para servirem de base a uma reflexão e a uma


acção construtivas dentro da Escola Aberta

Este pequeno número de páginas não deseja ser uma simples enume­
ração de esclarecimentos que se percorrem com um olhar mais ou menos
distraído. Se o leitor desejar (mas não é, de modo nenhum, uma obrigação!),
isto pode ser uma verdadeira FICHA DE TRABALHO, que o ajudará
a preparar a sua acção pessoal por meio de uma reflexão mais profunda
sobre os problemas que acabamos de abordar em conjunto. Mas, se deseja
apenas — o que já é muito — documentar-se mais, os esclarecimentos que
se seguem deveriam ser capazes de lhe dar informações suficientemente
claras e eficazes. É, portanto, ao mesmo tempo para «esclarecer» o meu
livro e para alargar o campo da sua utilização, até à acção concreta e ime­
diata, que vou fazer o inventário dos esclarecimentos.
Não são muitos, mas dou-os por prudência e por preocupação de
clareza. Limitei-me aos que conhecia bem, por os ter empregado e ter
apreciado o seu valor, o que não tira nada aos que tive de deixar de lado.
Depois, neste género de trabalhos — e, de uma maneira geral, aliás —
não se apresenta, com muita frequência, o meio de agir por si mesmo,
com toda a lucidez. É essa lacuna que tentei remediar um pouco.

Se o leitor, portanto, deseja reflectir ou agir, individualmente ou em


grupo, creio que o mais simples é tornar a pegar em...

Este Livro
Basta partir do plano geral, que se segue a estes anexos e que é igual­
mente o índice. Depois retomar os capítulos, que intitulei Pontos 1, 2, 3,
4 e 5. Dentro deles, os títulos dos parágrafos mais importantes estão sufi­
cientemente postos em evidência para que se possam encontrar facilmente
e são completados — quando é necessário — por uma nota inscrita à
margem.
Encontrar-se-ão, ao mesmo tempo, TESTEMUNHOS, que provam
que, agora, é desde, já possível. E PROPOSTAS que dão lugar a comen­
266 A ESCOLA ABERTA

tários, que se podem constantemente alargar por um construtivo repor


em causa a que eu chamo «contestação», o que pode ser posto em prática
por meio de discussões em pequenos grupos, os quais, por sua vez, poderão
fazer novas propostas. E para os que desejarem apenas saber qual a situa­
ção actual, no domínio da educação, será útil a utilização como base das
nossas «comprovações».
De qualquer modo e em todos os casos, ir-se-á lentamente tornando
evidente que nos não podemos limitar a isso e que é necessário dirigirmo-
-nos a outras fontes de documentação e de reflexão. Deste modo, surgem
os seguintes...

Artigos e Folhetos do Autor


«Documentation et débats au C.E.T.» em L’Education, de 8 de Fevereiro
de 1968, pp. 16-19.
«Expérience vécue à 1’école», em L'Ecole des parents, Maio de 1968, pp.
64-67.
«Le rapport maitre-élèves et 1’éducation de la parole dans un C.E.T.»,
nos Cahiers pédagogiques, n.° 77, Outubro de 1968, pp. 57-61.
«Ma classe... c’est une équipe» no Le Coopérateur de France n.° 489, de
Setembro de 1969.
Na colecção das «Bibliothèques de Travail, Second degré (BT 2)» publi­
cada pelo I.C.E.M. e os Círculos de Investigação e de Acção pedagó­
gica:
La Publicité n.° 9, de Junho de 1969, por Michelle e Bernard Eliade.
Combien d’Hiroshimas?, Março de 1970, por Bernard Eliade — Introdução
de Jean Ristand — 3 F.

Convém aliás citar toda a colecção que se dirige aos alunos do Se­
gundo Grau (como os B.T. se dirigem aos do Primário). É redigida, expe­
rimentada e controlada pelos professores e pelos alunos. Saíram em 1968-
-1969: A conquista do Far-West—O Vulcanismo em Auvergne—Albert
Camus — A vida — A Revolução de Outubro — Stendhal e a pintura
do coração humano — História da conquista dos direitos sindicais — O
automóvel e os seus mitos — O Caso Dreyfus.

Algumas obras de base

Louis Cros: L’«Explosion» scolaire, comité universitaire d’information


pedagogique, 1961 — 6,65 F.
ANEXOS 267

Le Plan Langevin-Wallon, editado por «L’école et la nation», 19, rue St-


-Georges, Paris 9o — 1,50 F.
Joffre Dumazedier: Vers une civilisation du loisir, Seuil, 1962 —15,40 F.
Mas Media, três obras publicadas por Bloud et Gay, 1966 — 9 F cada.
1. La Presse d'aujourd'hui; 2. Radio, Disque, Chanson; 3. L'Homme
et 1'image.
Mareei Bataillon, André Bergé e François Walter: Rebâtir Pécole, Payot
(Études et Documents), 1967 — 19 F.
VAnimation culturelle, les Editions ouvrières, colecção «Vivre son temps»,
1964 — 8,70 F.
Célestin Freinet: Les Invariants pédagogiques (Um livrinho fundamental)
— Publicado pelo I.C.E.M. (ver sigla) na «Bibliothèque de 1’école
moderne», com o número 25 — 3 F.
R. Belperron: Le Fichier scolaire documentaire, igualmente publicado pelo
I.C.E.M. — B.E.M., n.° 33-34.
Também as obras de bolso, publicadas pelo mesmo I.C.E.M. (número
simples 3 F, número duplo 5 F): Formation de 1'enfance et de la jeu-
nesse, por C. Freinet; 6. La Santé mentale des enfants; 15. LesPlans de
travail, por C. Freinet; 18-19. Les Techniques audio-visuelles, por
C. Freinet; 24. La Part du maitre, por Elise Freinet; 26. Les Maladies
scolaires, por C. Freinet; e finalmente os números especiais (9 F cada):
20-23 e 35-38. Naissance d'une pedagogie populaire (tomo I e 2), por
Élise Freinet; 29-32. Bandes enseignantes et programmation, por C.
Freinet; 42-45. Travail individualisé et programmation, por C. Freinet
e Berteloot.
Sem esquecer as principais obras de C. Freinet publicadas por outros edi­
tores: Essai de psychologie sensible, Delachaux et Niestlé—12 F;
«La construction de la personanlité par le tâtonnement expérimental»,
L'École moderne française, Éditions Rossignol — 6 F; «Une école
à la mesure de notre époque» — Les Dits de Mathieu, Delachaux et
Niestlé — 8 F; «Une pédagogie du bon sens», Les Techniques Freinet
de Pécole moderne, Bourrelier-Armand Colin — 6,50 F; «Un guide
pratique et le contenu de nombreuses expériences», a que se deve
juntar: Le Journal scolaire, à venda no I.C.E.M. — 6 F: «Un guide
pratique mais aussi toute une pédagogie».
Roger Lallemand: Pour tout classer, I.C.E.M., 1966 — 8 F.
Réflexions pour 1985 (publicado por la Documentation française, 16 rue
Lord-Byron, Paris 8o) — 4,65 F: As previsões para 1985 a partir
dos dados actuais: um estilo por vezes obscuro mas um grande nú­
mero de temas para meditar sobre a formação, o consumo, os tempos
livres, a administração, etc.
268 A ESCOLA ABERTA

Que faire de la révolution de mai?, pelo Clube Jean Moulin, Éditions du


Seuil — 6 F. Propostas um pouco concisas mas úteis quanto à econo­
mia, à O.R.T.F., à empresa, à universidade, à administração e à
descentralização.
Edgar Morin, Claude Lefort, Jean-Marc Coudray: Mai 1968: la brèche,
Fayard —10 F. Um estudo sociológico do movimento de Maio.
Thomas Suavet: Dictionnaire économique et social, les Éditions ouvrières
(Economie et humanisme)—19,95 F: um conjunto claro e muito
completo.
P. Ducassé: Formation intellectuelle et méthodes d'expression, t. 1, Dunod,
1972 — 4,50 F.
P. Salles: Initiation économique et sociale, Dunod, 1965. Textos, quadros
e documentos diversos sobre a produção e os seus problemas (t. 1:
16,60 F); O produto nacional, a sua repartição, as trocas, os aspectos
das sociedades industriais (t. 2: 19,60 F).
Marabout Université n.° 125: La Civilisation des loisirs — 6,50 F.
Roger Clausse: Le Journal et l'actualité, Marabout Université n.° 133
— 7,50 F.
Les Lycéens gardent la parole, Éditions du Seuil (colecção «Politique»)
— 4,50 F. Para se saber o que pensam os alunos dos liceus.

E ainda algumas outras

Émile Copfermann: La Génération des blousons noirs (6,15 F)—Problè-


mes de la jeunesse (6,15 F)—Le Théâtre populaire, pourquoi faire?
(6,15 F). Éditados na Petite Collection, Maspéro.

Huguett Bastide: Institutrice de village, Mercure de France, 13,50 F.


André Rouède: Le Lycée impossible, Le Seuil, 1967, 21 F.
Lettre à une maitresse d’école, par les enfants de Barbiana, Mercure de France,
1967 —16,60 F.
Colecção SUP, das Press Universitaires de France (cada volume: entre
8 e 11 F, conforme os casos). Introduction à la Pédagogie— L'Art et
PÉcole— Éducation nouvelle et classes pratiques — Education sans
frontières — Le Pédagogue et les images. Em preparação: La Coopé-
ration à Pécole — La Crise mondiale de 1’éducation — La Créativité
à Pécole —LE DIALOGUE EN PÉDAGOGIE.
ANEXOS 269

Jornais, Revistas e Publicações diversas *


Também são em grande número. Citarei apenas:
Les Cahiers pédagogiques— À venda no S.E.V.P.E.N., 13, rue du Fuor,
Paris 6.°. Director da publicação: Jean Delannoy, 11, avenue de
Tamamès, 64 — Biarritz. Revista muito viva, a que estão ligados os
Círculos de Investigação e de Acção Pedagógicas, de que voltarei
a falar mais adiante. Além de um «Petite bleu» que trata de diversas
questões relativas à Educação, publicam em cada número um estudo
aprofundado de um determinado assunto, para que contribuem os
testemunhos de numerosos educadores. Cito particularmente:

— N.os 19 e 20: L'Enseignement du français — 2,75 cada.


— N.° 42: VAdministration des établissementes (Maio de 63) —
3,75 F.
— N.° 46: La Discipline et 1'Éducation (Fevereiro de 64) — 3,50 F.
— N.° 50: Le Travail dirigi (Outubro de 64) — 3,50 F.
— N.° 52: Problèmes de l'enseignement d'aujourd'hui (Fevereiro de
65) ’ ’3,50 F.
— N.º 55: La Démocratie à l'école (Setembro-Outubro de 65 —
3,75 F.
— N.° 59: L'Êducation sexuelle (Fevereiro de 66)—4,00 F.
— N.º 62: De Pinterrogation au dialogue (Setembro de 66) — 4,00 F.
— N.° 63: Aspects de la reforme à faire (Outubro de 66 — 3,00 F.
— N.° 64: Périscolaire ou enseignement de Pavenir? (Novembro de
66) — 4,00 F.
— N.º 65-66: L'Enseignement de Phistorie (Janeiro, Fevereiro de
67) —3,50 F cada.
— N.° 67: Contenu des études littéraires (Março de 1967) — 4,000 F.
— N.° 68: Les Classes de transition (Maio de 67) — 4,00 F.
— N.° 69: La Télévision, fait social (Setembro de 67) — 4,50 F.
— N.° 70: Le Théâtre (Outubro de 67) — 4,50 F
— N.° 72: L'Art ríest pas um luxe (Dezembrc de 67) — 5,00 F.
— N.° 73: L'Enseignement à temps partiel (Janeiro -• e 68) — 4,50 F.

* Não garantimos os preços indicados: servem apenas para dar uma


ideia aproximada do custo das obras.
270 A ESCOLA ABERTA

— N.” 76: Des lycéens vous parlent (Setembro de 68) — 3,00 F.


— N.° 77: Parler, écrire (Outubro de 68) — 4,50 F.
— N.° 78: Les Classes nouvelles: Avenir ou passé? (Novembro de
68) 5,00 F.
— N.° 79: Propositions pour renouveler l'enseignement et modifier les
structures (Dezembro de 68) — 4,00 F.
— N.º 81: La Relation maitre-élèves (Março de 69) — 4,50 F.
— N.° 83: Notes et Contrôles (Setembro de 69) — 4,00 F.
— N.º 84: 1968-1969, Essai de bilan (Outubro de 1969) —4,00 F.
— N.° 85: 1968-1969, Essai de bilan, suite (Novembro de 1969) —
4,00 F.

A publicar em 1970:

— N.º 87: Programme ou rénovation? (História, Geografia, Instru­


ção Cívica).
— N.° 90: Examens.
— N.º 91: Théâtre, diction.

Números especiais:

— Manifeste pour l'Éducation nationale (Abril de 63).


— Responsabilités actuelles de 1'école (Janeiro de 1964).

L’Educateur, publicado pelo I.C.E.M. (que publica igualmente as Biblio­


tecas de Trabalho); diversas edições para o primeiro e segundo graus.
Numerosos artigos, ideias, sugestões e relatos de experiências. De
notar os Dossiers pédagogiques e, entre eles: 2. Instructions officielles;
5. L’organisation de la classe; 6. Bandes enseignantes; 7. Plus de ma-
nuels, plus de leçons; 9. Exploitation pédagogique des complexes
d
*intérêt; 11. Journal scolaire au second degré; 18. Enquêtes et con-
férences au second degré; 21. L’emploi des moyens audiovisuels.

L'Animateur culturel, «revue des animateurs de 1’Education populaire


laique éditée para la ligue de 1’Enseignement», 3, rue Récamier, Paris 7°.
Assinatura — 8 números: 12 F. Trata-se de um instrumento indispen­
sável para compreender a educação permanente e popular e para
nela trabalhar eficazmente. Todos os números são interessantes, mas
citamos particularmente: N.° 35 (Junho-Julho de 68) consagrado
à educação permanente em geral; N.° 54 Setembro-Outubro de 68)
ANEXOS 271

Maio de 68, revolução cultural ? N.° 55 (Novembro de 68), número


especial sobre a leitura; N.º 56 (Dezembro de 68): A Educação popular
perante os grandes meios de comunicação de massas.

L’École des parents, revista de associação do mesmo nome; assinatura


anual, 10 números: 30 F. — 4, rue Brunel, Paris 17°. Numerosos
artigos, variados e de grande alcance, sobre os problemas e aspectos
da Educação. Não podemos citar nenhum número em particular:
a colecção completa da L'École des parents é uma mina de informa­
ções indispensáveis.

Devo ainda recomendar algumas brochuras da máxima utilidade:

Une expérience d’autodiscipline, por René Nodot, (Journée pédagogique


de 1’Enseignement technique, académie de Lyon, 1963). R. Nodot
escreveu igualmente: La Discipline dans les centres d’apprentissage,
Dunod, 1958 — 2,80 F.

Avant-project d'établissement «experimental» à Mulhouse, distribuído pela


Association pour la modemisation de 1’enseignement, 16, rue Louis
Pasteur, 68 — Mulhose.

Também é natural que se encontrem numerosos artigos sobre os pro­


blemas do ensino em:

L'Éducation (por exemplo): «Éducation nationale»), publicação semanal


à venda no S.E.V.P.E.N., ou por assinatura (conforme os casos:
de 28 a 48 F.)

Le Monde, cujos artigos sobre a educação e a escola têm sempre muita


utilidade, por serem objectivos e profundos.

O leitor que desejar prestar a sua colaboração aos esforços de todos


os que lutam por uma Escola resolutamente moderna e uma Educação
verdadeiramente Permanente e Popular terá possibilidades de obter infor­
mações ou meios de acção junto de

Alguns organismos ou associações


particularmente abertos e dinâmicos:

L'Institut cooperatif de l'école modeme (Instituto cooperativo da escola


moderna — o já citado I.C.E.M.), place Bergia ou B. P. n.° 282, 06-
-Cannes. É aí que funciona a Coopérative de l'enseignement laic (Coope­
rativa do ensino laico), fundada por Céléstin Freinet e que fornece
272 A ESCOLA ABERTA

todo o material utilizado palas técnicas Freinet (imprensa escolar,


material para trabalho individualizado e programação, fichas para
auto-correcção, material de ensino, Biblioteca de trabalho do primeiro
grau (cerca de 700 títulos) e do segundo grau (colecção nova, lançada
este ano em colaboração com os «Cahiers pédagogiques». L'Éduca-
teur (já citado), obras de educação, etc. O melhor é escrever!...

Les Cercles de recherche et d’action pédagogiques (Círculos de investigação


e de acção pedagógicas — C.R.Q.P.) que trabalham em ligação com
os «Cahiers pédagogiques». Agrupam muito livremente todas as
ordens de ensino e todos os educadores — docentes ou outros — sem
se preocuparem com a hierarquia e as profissões; pelo contrário,
desejam abrir-se para o mundo exterior e atrair todas as pessoas
interessadas pelos problemas do Ensino e da Educação em geral.
Em plena expansão, são representados por grupos de importância
variável, muitas vezes espontaneamente constituídos. Facto notável
numa associação de carácter pedagógico: o seu ambiente é descon­
traído e muito simpático. Para todas as informações dirigir-se aos
«Cahiers pédagogiques» ou ao Sr. Aimé Janicot, 1, rue Léon Jor-
nault, 92 — Sèvres.

La Ligue française de l'enseignement et de l'éducation permanente (Liga


francesa do ensino e da educação permanente), 3, rue Récamier,
Paris 7°., muito dinâmica, edita pelo menos três publicações de grande
interesse: L'Animateur culturel (já citado), Image et Son (especializado
em cinema), e Pourquoi? (revista de informação). Mas não podemos
citar todas as iniciativas úteis da Liga do ensino, pois são muitas
(malas para os serões de leitura; diapositivos sobre teatro, cinema,
publicidade, juventude, etc.; documentação sobre a actualidade ou a
economia, etc.). Também neste caso é de escrever!...

Peuple et Culture (Povo e Cultura), 27, rue Cassette, Paris 6°, claro. Tam­
bém aqui, múltiplas actividades e iniciativas felizes (estágios de for­
mação de animadores, grupos de investigação, edições de fichas ou
de livros (no Seuil) documentação diversa, etc.).

Mais especializado, o Laboratoire coopératif d'analyses et de recherches


(Laboratório cooperativo de análises e investigações), 14, avenue
Louís Roche, 92 — Gennevilliers, proporciona um concurso precioso
no domínio da educação e da informação do consumidor; publica
um boletim, que analisa escrupulosamente os produtos postos à
venda; edita brochuras sobre a educação do jovem consumidor, sobre
a maneira de ler os rótulos; fornece séries de diapositivos sobre a pu­
blicidade, etc.

Também embora já citada, a École des parents (Escola de Pais), que publica
uma revista com o mesmo nome e uma outra intitulada Le groupe
ANEXOS 273

familial. Mas organiza também estágios de formação, ciclos de confe­


rências, emissões de rádio e de televisão; proporciona conselhos às
famílias, apresentação de filmes, debates, etc.

Claro que se trata apenas de algumas organizações; há centenas,


cujo trabalho é precioso e eficaz. Só falei daquelas que conhecia... Aliás,
se o leitor desejar criar — ou participar em — algo de novo, pode meditar
nestas

Propostas:
I. Mesas redondas e grupos de trabalho

Sendo a «ESCOLA ABERTA» um livro de acção, é de desejar que


proporcione a ocasião de reunir mesas redondas, durante as quais um
pequeno número de pessoas — que leram e discutiram o livro de uma forma
muito profunda — dê a réplica ao público, avisando com suficiente ante­
cedência para que alguns «espectadores» se tornem espontaneamente
«actores». Se o debate for útil, esboçar-se-á talvez um grupo de trabalho
(pouco numeroso relativamente, de resto, por preocupação de eficácia)
que prolongará pelo seu pensamento e acção, as principais linhas apre­
sentadas pelo trabalho.
As Mesas Redondas deverão ser concebidas não como conferências
bafientas, académicas, maçadoras, mas, pelo contrário, como uma comu­
nicação entre todos os ocupantes da sala. Para criar este ambiente «aberto»
talvez seja interessante realizar aquilo que eu chamo um «invólucro».
Deste modo, antes e depois da discussão, em redor do próprio local da
Mesa Redonda, poder-se-ão preparar salas ou galerias, nas quais o público
— acolhido por uma música que dê ambiente — estudará trabalhos de
alunos, quadros documentários, exemplares de jornais escolares, revistas,
folhetos, livros. Sendo aliás estes documentos reunidos e apresentados por
todas as pessoas que tentam fazer avançar os problemas da escola. A Mesa
Redonda sobre a ESCOLA ABERTA permitiria, portanto, apresentar
o livro e a sua acção de uma forma dinâmica e atraente. Mas, igualmente,
os que trabalham no local, no mesmo sentido, poderiam dar a conhecer
os seus trabalhos. Finalmente, à saída da reunião, poderia constituir-se o
núcleo de pessoas que animariam em seguida o bairro, a aldeia ou a cidade,
onde se teria efectuado a manifestação.
Esta fórmula está, desde já, em estudo em Chalon-sur-Saône e Dijon,
onde estão previstas Mesas Redondas.

II. Criação da revista: «Escola Aberta»

Ainda não existe. Mas pode existir. Tratar-se-ia de uma publicação


mensal ou semanal, que tentaria apresentar ao grande público a síntese
das grandes questões no domínio da escola. Poderiam colaborar, escrevendo.
274 A ESCOLA ABERTA

ou participando nas actividades, que patrocinasse, todas as pessoas interes­


sadas ou que se sentissem abrangidas pelos problemas da escola. Seria
inútil, aliás, confrontar o domínio explorado pela «Educação» ou pela
«Escola de Pais», assim como tomar as iniciativas semelhantes às já toma­
das pelos organismos existentes. Seria preferível que essa nova publicação
se ligasse à actualidade, segundo uma fórmula próxima das revistas de
informação, empregando uma apresentação, uma impressão, um formato
atraentes e vivos, conservando todavia a preocupação de permanecer
honesta, imparcial, equilibrada, sem por isso cair numa neutralidade
insípida e ineficaz. Poder-se-ia aí encontrar rubricas como «dossiers»
de base, sobre um tema importante: relatos de reuniões, de actividades,
de tentativas; uma tribuna livre; notas breves e precisas destinadas a infor­
mar muito rapidamente o leitor; propostas de acção; perfis de personali­
dades, de experiências, de estabelecimentos, de agrupamentos particular­
mente dinâmicos e de devotados à causa da educação. Considerando natu­
ralmente a amplitude dos temas abordados e a flexibilidade da fórmula
proposta, «ESCOLA ABERTA» justificaria o seu título. Estaria aberta
a todos e, bem entendido, aos jovens de profissão, sem especial preocupa­
ção de hierarquia; estaria aberta para tudo o que se refere à escola.
Mas não se faria eco de nenhum partido, de nenhuma ideologia polí­
tica, religiosa ou filosófica. Deixá-los-ia exprimirem-se nas suas colunas,
mas isso não faria com que se responsabilizasse pelas opiniões emitidas;
também não seria o reflexo obrigatório da doutrina do regime em vigor,
fosse ele qual fosse.
Se o leitor está, pois, interessado nesta proposta, pode enviar ao edi­
tor desta obra o questionário que se segue. É o ponto de partida de uma
acção concreta. Que ela tenha êxito depende simplesmente daquele — ou
daquela — que preencher e expedir este primeiro convite para construir
a Escola Aberta...
Questionário para enviar ao Editor mencionando: «Escola Aberta»
Questionário para enviar ao editor mencionando: «Escola Aberta»
ANEXOS 277

Finalmente, se o leitor desejar — pelo menos, por agora — ficar na


fase de meditação solitária, pode sempre saborear este pequeno número de
INDUTORES

São frases — geralmente breves mas que impressionam — que só o


podem levar a alargar ainda o campo de reflexão proposta por esta obra.
Podem também provocar-lhe uma reacção que lhe permitirá descobrir
por si mesmo, por confronto com as páginas precedentes, novos caminhos.
Apresentamos algumas, recolhidas nas paredes, quando dos «aconte­
cimentos» de Maio de 68 (encontrar-se-ão outras em, por exemplo — «Les
Murs ont la Parole».publicado por Tchou). Porque seria pura ingratidão
não reconhecer a fé que dão essas declarações públicas a qualquer pessoa
que deseje ajudar a efectiva renovação da pedagogia e a construção da
Escola Aberta. Mesmo que se deixe de lado o aspecto político, deve -se
reconhecer que têm uma inegável «carga pedagógica»:
— Aqui, é-se espontâneo.
— A imaginação toma o poder.
— Qualquer professor é aluno. Qualquer aluno é professor.
— A Revolução deve fazer-se nos homens antes de se realizar nas
coisas.
— O meu pensamento não é revolucionário se não implicar acções
quotidianas, no quadro educativo, familiar, politico e amoroso.
— Cuidado, que os ouvidos têm pares.
— A acção não deve ser uma reacção mas uma criação.
— Um pensamento que estagna é um pensamento que apodrece.
— As armas da crítica passam pela crítica das armas.
— Falta de imaginação não é imaginar a falta.
— Só pode haver revolução onde houver consciência.
— Em primeiro lugar, contestai-vos a vós próprios.
— Os que tomam os seus desejos por realidades, são os que acreditam
na realidade dos seus desejos.
— O pau educa a indiferença.
— A lucidez é a ferida mais próxima do sol.

Igualmente nestas reflexões de alguns «veteranos»:


— Todos os homens devem inventar o seu caminho (Jean Paul Sartre).
— Deve-se apostar no renascimento. Só nos resta, aliás, renascer ou
morrer (Albert Camus).
— A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em tudo
dar no presente (Albert Camus).
E, finalmente, não é inútil repetir o pensamento de Bernanos, colo­
cando no princípio desta obra:
«Pensei sempre que o mundo moderno
pecava contra o espírito de juventude e
que esse crime o faria morrer.»
Este livro foi composto e impresso
nas oficinas gráficas da
Altagráfica — Mafra
em Maio de 1978
para
LIVROS HORIZONTE
Rua das Chagas, 17, l.°-Dto — Lisboa-2
Em França, como em toda
a parte, o problema peda­
gógico é primordial. Cum­
pre que a escola se torne
problema de todos, que se
abra ao mundo exterior,
que prepare para ele futuras
gerações activas, deixando
penetrar a vida no recinto
escolar.
É este o espírito das experiências realizadas e aqui
descritas por um jovem professor de 31 anos, num
colégio de ensino técnico da província. Mas Ber-
nard Eliade não se limita à enumeração de críticas
desapiedadas e de tentativas que, tendo o mérito
de existir, são tentativas isoladas.
Propõe um plano simples de renovação, realizável
por aproximações sucessivas, mas aplicável em toda
a parte, já, com base em três ideias-chaves: a aber­
tura ao mundo contemporâneo, a actividade prio­
ritária dos alunos e a ligação constante aula/centro
socio-educativo.
A «Escola Aberta» é um livro de acção interventiva.
Não é um ensaio que se abandone depois de lido,
para se não tornar a pensar nisso.
É um apelo directo e preciso a cada um dos leitores
interessados — professores ou não, pais ou alunos —
a favor de uma educação verdadeiramente perma­
nente e popular.

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