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a2020132716
Licenciatura em Filosofia
2º Ano – 1º Semestre
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Introdução
O objeto deste trabalho é uma exposição sobre o Radicalismo Inglês, uma das correntes
políticas que mais influenciou a política portuguesa desde o século XIX. Começando
com uma explicitação do seu contexto histórico e filosófico como uma tradição
emergente de um Liberalismo Clássico maturado, seguir-se-á um sumário do seu
impacto na sociedade britânica do século XIX pelas suas consequências dentro e fora do
parlamento, bem como uma delineação dos seus fundamentos éticos segundo a teoria
normativa do Utilitarismo formulada por Jeremy Bentham e aperfeiçoada por John
Stuart Mill, e finalmente um foco no papel fulcral que o movimento radical teve na
alteração da perspetiva sobre o significado do conceito de liberdade que estes
fundamentos provocaram no pensamento de Thomas Hill Green dos Novos Liberais,
marcando o começo da divergência doutrinal para o Liberalismo Moderno.
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colocou o seu foco na rejeição do autoritarismo e está relacionado com a construção de
nações.
O filosofo político John Gray identificou os ramos comuns deste pensamento político
como sendo: individualista, defendendo a primazia ética do ser humano contra as
pressões do coletivismo social; igualitário, atribuindo o mesmo valor e estatuto moral a
todos os indivíduos; meliorista, afirmando que gerações sucessivas podem melhorar a
sua condição sociopolítica; e universalista, afirmando a unidade moral da espécie
humana e marginalizando diferenças culturais locais.
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O Impacto do Radicalismo no Século XIX Britânico
O movimento liberal radical teve os seus inícios na década de 1790, uma época de
tensão entre as colónias americanas e a Grã-Bretanha, na qual os primeiros radicais,
descontentes com o estado da Câmara dos Comuns, igualmente exigiam melhor
representação parlamentar e rejeitavam a monarquia, aristocracia e todos os modos de
privilégio. Estes conceitos iniciais de reforma democrática igualitária emergiram na
turbulência da Guerra Civil Inglesa e breve instauração da Comunidade de Inglaterra
republicana, mas foram desacreditados com a Restauração Inglesa da monarquia.
Apesar da Revolução Gloriosa ter aumentado o poder parlamentar com uma monarquia
constitucional, pelos finais do século XVIII a monarquia ainda detinha influência
considerável sobre o parlamento, em si dominado pela aristocracia inglesa. Nas eleições
gerais, o voto era restrito a donos de propriedade em círculos eleitorais que não
refletiam a importância das cidades industriais e comerciais, nem alterações de
população, de modo que, em várias ‘burgas podres’, assentos podiam ser comprados.
O primeiro uso do termo ‘radical’ num sentido político é atribuído a Charles James Fox,
um líder da ala esquerda do partido Whig divergente do seu Liberalismo Conservador
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que favorecia as reformas radicais dos republicanos franceses, como o sufrágio
masculino universal. Quando Fox apelou em 1797 a uma reforma ‘radical’ do sistema
eleitoral, o termo passou a ganhar uso corrente para identificar os apoiantes do
movimento por reforma parlamentar.
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Apesar de todo este sucesso político e eleitoral, os radicais falharam na completa toma
de posse de um dos partidos existentes ou na criação de uma nova terceira força devido
a três razões principais: a grande força do poder eleitoral Whig no meio século após a
Lei de 1832, que havia sido expressamente criada para preservar a influencia de
senhorios Whigs nos condados e restantes burgas pequenas; o corpo crescente de
opinião dentro e fora do parlamento sobre outras causas políticas, como Liberalismo
internacional, oposição à escravatura, reformas educacionais, e admissão de não-
anglicanos a posições de poder; e finalmente a falta de estrutura, organização partidária,
liderança formal ou ideologia unificada nos radicais, que levou a oposição interna entre
‘radicais humanitários’ e ‘filosóficos’ sobre as ‘Leis das Fábricas’, entre ‘radicais
políticos’ e ‘intervencionistas benthamistas’ sobre a redução do executivo, e entre
‘sufragistas universais’ e ‘livres-comerciantes’ no que toca a gestão de tempo e
recursos.
Mesmo assim, a partir de 1836, radicais da classe operária unificaram-se à volta de seis
exigências: sufrágio universal, distritos eleitorais de iguais dimensões, o boletim
secreto, o fim de qualificação de propriedade para o parlamento, salário para MPs, e
eleições anuais. Em 1839, líderes radicais como Richard Cobden e John Bright na
‘Anti-Corn Law League’ da classe média emergiram para se opor aos impostos sobre
grão importado que, ao aumentar o preço da comida, ajudavam agricultores e donos de
terras à custa de consumidores e operários. Após o seu sucesso, a procura por sufrágio e
reforma parlamentar lentamente reemergiu através dos radicais parlamentares, os quais,
em 1859, se juntaram aos Whigs e Tories antiprotecionistas para formar oficialmente o
‘Partido Liberal’.
Em 1864, a lei modesta de Earl Russel foi rejeitada tanto por Tories como por Liberais
reformistas, forçando o governo a demitir-se e ser substituído por um governo de
minoria conservador, que, dependendo dos radicais para a sua maioria, teve que aceitar
as suas emendas e introduziram a ‘Lei de Reforma’ de 1867, que quase duplicou o
eleitorado, dando até a homens operários o voto. Pressão radical adicional levou ao
boletim secreto em 1872 e à ‘Lei de Práticas Corruptas e Ilegais’ de 1883, seguida pela
‘Lei de Representação do Povo’ de 1884. Os radicais, tendo sido tão tenazes nos seus
esforços em nome das classes operárias, ganharam um seguimento profundamente leal
de sindicalistas britânicos entre 1874 e 1892, que ao serem eleitos ao parlamento nunca
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se consideraram algo além de ‘radicais’, tendo posteriormente formado a base do
Partido Trabalhista.
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Jeremy Bentham é o filósofo cujo nome é mais associado à era inicial da tradição
utilitarista moderna, tendo desenvolvido a teoria na sua forma reconhecivelmente
secular e sistemática e feito dela uma ferramenta crítica de filosofia moral e legal, bem
como de progresso político e social. Na sua obra “An Introduction to the Principles of
Morals and Legislations” de 1780, Bentham detalhou os elementos básicos da teoria
utilitarista clássica, e em 1823 fundou a ‘Westminster Review’, um jornal para radicais
filosóficos delineando e popularizando essa mesma filosofia.
Algo a notar sobre esta teoria é de que é um modo do Consequencialismo, que afirma
que as consequências de qualquer ação são a única medida do certo e errado. O que
distingue o Utilitarismo de outros modos de Consequencialismo, tais como Egoísmo ou
Altruísmo, é o âmbito das consequências relevantes. Segundo a visão utilitarista, é o
bem geral que deve ser maximizado, ou seja, devemos considerar o bem de todos, tanto
o do agente como o do outro, igualmente.
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utilidade refiro ao princípio que aprova ou desaprova cada ação, seja qual for, de
acordo com a tendência que aparenta possuir a aumentar ou diminuir a felicidade
do grupo cujo interesse está em questão.... Eu digo de cada ação, seja qual for, e,
portanto, não apenas de cada ação de um individuo privado, mas cada medido do
governo.
Este início contém uma importante premissa sobre motivação humana na sua primeira
linha: o que move a ação humana é a busca pelo prazer ou evasão da dor, e nada mais.
Bentham permite que sejamos movidos pelos prazeres e dores de outros, mas estas
considerações por outros só nos movem na medida em que retiramos prazer dos
prazeres dos outros, ou dor das suas dores. Isto faz de Bentham um aderente do
Egoísmo Psicológico, afirmando que a felicidade do próprio agente é e unicamente pode
ser o último objeto dos seus desejos, e como Bentham é um hedonista no que toca a
utilidade ou felicidade, tratando-a como consistindo em prazer, a versão de Egoísmo
Psicológico que adota é uma de Hedonismo Psicológico.
Em seguida, Bentham está a afirmar que utilidade não só descreve motivação humana,
mas também demarca a medida do correto e errado. No entanto, a felicidade em questão
não se limita à do agente, como seria no caso do Egoísmo Ético, pois Bentham oferece a
posição característica do Utilitarismo de que se trata da felicidade de todos. Bentham
diz que a nossa consideração do correto e da obrigação moral deve ser governada por
este princípio da utilidade, significando que uma ação é correta ou obrigatória na
medida em que promove utilidade, logo o ato correto ou obrigatório é aquele que mais
promove a utilidade, ou seja, aquele que a maximiza. Por estas razões, a teoria de
Bentham é entendida como uma combinação de Hedonismo Psicológico e Utilitarismo
Hedonista.
No entanto, esta visão origina um dilema: eticamente, cada um de nós deve visar a
felicidade geral, mas psicologicamente, apenas podemos visar a nossa própria
felicidade. Bentham está consciente desta tensão, abordando-a no que toca a reforma
parlamentar, onde se foca no problema de como podemos conseguir que governadores,
egoístas como todos, governem no interesse dos governados, como o Utilitarismo exige.
A resposta de Bentham é simultaneamente a justificação da sua defesa da democracia
representativa e das reformas eleitorais e parlamentares que definiram a ação radical dos
seus contemporâneos e seguidores:
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Se cada pessoa age apenas para promover os seus próprios interesses, mas o fim correto
do governo são os interesses dos governados, então governadores perseguirão o fim
correto do governo se e apenas se os seus interesses coincidirem com os dos
governados. Como os interesses dos governadores coincidirão sistematicamente com os
dos governados se e apenas se eles forem democraticamente responsabilizados por
estes, então podemos concluir que governadores devem ser democraticamente
responsabilizados pelos governados.
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mais significativas que Mill oferece à tradição utilitarista se relacionam com as suas
teses modificadas acerca da natureza da felicidade e o papel desta na motivação
humana.
Mill também nota que, ao contrário do que os seus críticos possam dizer, não existe
“nenhuma conhecida teoria Epicuriana da vida que não atribua aos prazeres do
intelecto... um valor muito mais alto enquanto prazeres que os da mera sensação”,
apesar de aceitar que isto é normalmente porque os prazeres intelectuais são pensados
como tendo meras vantagens circunstanciais, como “maior permanência, segurança” ou
menor “custo”, enquanto Mill defende que alguns prazeres são intrinsecamente
superiores a outros.
A acusação de que o hedonismo é uma “doutrina digna apenas do suíno” tem uma longa
historia, com a “Ética a Nicómaco” de Aristóteles dizendo já que identificar o bem com
o prazer é preferir uma vida adequada a feras, mas enquanto teólogos possuem a opção
de fundamentar a procura da felicidade na vontade de Deus, hedonistas necessitam de
outras defesas. A abordagem de Mill é argumentar que os prazeres do intelecto são
intrinsecamente superiores aos prazeres físicos:
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vulnerabilidades, ele não pode nunca realmente desejar afundar-se no que sente
ser um grau de existência inferior.... É melhor ser um humano insatisfeito do que
um porco satisfeito; melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. E
se o tolo, ou o porco, são de outra opinião, é porque apenas conhecem o seu lado
da questão...
A partir deste ponto, podemos começar a ver a possibilidade e o apelo em ler Mill como
um perfecionista relativamente à felicidade, afirmando que felicidade consiste no
devido exercício daquelas capacidades essenciais à nossa natureza. Por exemplo, Mill
sugere este tipo de perspetiva perfecionista quando, no começo de “On Liberty”,
descreve o fundamento utilitarista da sua defesa de liberdades individuais como o senso
de dignidade de um ser progressivo devidamente consciente de si que origina uma
preferência categórica por atividades que exercitam as suas capacidades superiores.
Ao afirmar “melhor ser um humano insatisfeito do que um porco satisfeito; melhor ser
Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito”, Mill reconhece as capacidades de
autoexaminação e deliberação prática como estando entre as nossas faculdades
superiores. Crucialmente, é este perfecionismo que planta as sementes que germinam
mais tarde no pensamento de Thomas Hill Green, um colega radical que formulou a
noção de liberdade de um modo distinto do resto da tradição liberal e, ao originar a
noção moderna de ‘liberdade positiva’ no pensamento político, cimentou na tradição
radical a divergência filosófica entre o Liberalismo Clássico e o Liberalismo Moderno.
De todos os seus colegas intelectuais, a influência de Mill teve mais frutos no radical
Thomas Hill Green, que estabeleceu em “Prolegomena to Ethics” de 1884 os
fundamentos principais do que mais tarde se passou a chamar liberdade positiva. Green
rejeitou a noção de que as pessoas são movidas puramente por egoísmo, focando-se em
contraste nas circunstâncias complexas que afetam o desenvolvimento do nosso caráter
moral. Apontando para a sua nova liberdade como ‘liberdade para agir’ em vez de
‘liberdade para evitar sofrer das ações dos outros’, Green escreveu:
Se alguma vez fosse razoável desejar que o uso de palavras fosse diferente do
que é […] desejaria que o termo ‘liberdade’ tivesse sido confinado à […]
capacidade para realização da vontade.
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Com a sua rejeição do egoísmo, Green vê a sociedade como um todo orgânico no qual
todos os indivíduos têm um dever de promover o bem comum, e, num profundo passo
para o futuro do Liberalismo Moderno, também atribuiu à sociedade e instituições
políticas a responsabilidade de fortalecerem a liberdade e desenvolverem o caráter
moral, a vontade, e a razão individuais, devendo o estado criar as condições que
permitem tudo isso, oferecendo oportunidade para genuína escolha. Green defende que
o estado deve fomentar e proteger os ambientes sociais, políticos e económicos nos
quais indivíduos terão a melhor chance de agirem de acordo com as suas consciências,
devendo intervir se e apenas se há uma tendência clara, provada e forte de uma
liberdade escravizar o individuo. Assim sendo, para Green, o estado nacional é legitimo
apenas na medida em que apresenta um sistema de direitos e obrigações que é o mais
provável de fomentar autorrealização individual.
Regressando por um momento a Mill, apesar da sua filosofia económica inicial apoiar
mercados livres e defender que impostos progressivos penalizavam os que trabalhavam
mais, esta também sofreu uma grande mudança gradual ao longo da sua vida. Graças ao
seu caráter perfecionista que aproximava esta noção de liberdade, os seus últimos anos
viram Mill passar além do Liberalismo Moderno e tomar até uma inclinação socialista,
defendendo a proposta de uma restruturação da organização económica da sociedade em
torno de associações cooperativas que adicionariam uma nova dimensão social de
exercício de capacidades intelectuais e deliberativas no trabalho.
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pobreza e desemprego presentes em cidades industriais modernas, bem como pela
agitação de organizações trabalhistas, acelerando a transição popular para os princípios
deste Liberalismo Moderno. Entre 1906 e 1914, após a eleição de mais profissionais,
incluindo académicos e jornalistas, com o Partido Liberal, um conjunto notável de
políticas do Liberalismo Moderno foram implementadas, cujos elementos principais
foram pensões para idosos pobres e seguro de saúde, de doença e de desemprego,
acompanhados de impostos progressivos, particularmente no ‘Orçamento do Povo’ de
1909. Nesta era reformista do início do século XX, os liberais mais identificados com
estas medidas do Liberalismo Moderno foram, além do economista William Beveridge,
o PM H. G. Asquith, o Chanceler de Eschequer David Lloyd George, e o Presidente do
Quadro do Comercio Winston Churchill, que estabeleceram os fundamentos do estado
social no Reino Unido antes da Primeira Guerra Mundial.
O Liberalismo Moderno herdado das ideias e ações destes pensadores acabou por ver as
suas políticas largamente adotadas em grande parte do mundo, acabando por se
considerar, no presente, uma posição politicamente moderada, em contraste com a sua
reputação radical na sua conceção. Um governo Liberal-Moderno é atualmente esperado
de abordar questões económicas e sociais como pobreza, infraestrutura, cuidados de
saúde, educação e o ambiente usando intervenções enquanto enfatiza também os direitos
e autonomia do individuo. A maioria dos partidos social-democráticos na Europa,
incluindo o Partido Trabalhista do Reino Unido, foram fortemente influenciados pela
ideologia do Liberalismo Moderno.
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Conclusão
Em suma, podemos concluir que o Radicalismo, como movimento político histórico,
teve a oportunidade de se desenvolver na Inglaterra do século XIX graças às suas
circunstâncias relativas à tradição do Liberalismo Clássico, alcançando um profundo
impacto na sociedade da nação que reverberou pelo resto do mundo, distinguindo-se no
seu caráter pela distinta fundamentação ética na doutrina utilitarista e fomentando uma
mudança na conceção de liberdade que se mostrou seminal no desenvolvimento do
Liberalismo Moderno. Posteriormente, seria de interesse analisar em maior detalhe não
só as especificidades de como este movimento impactou a política portuguesa dos
séculos XIX e XX, mas também avançar para uma análise da evolução do movimento
liberal após o inicio do século XX e o papel das influencias radicais neste, incluindo a
agravação do intervencionismo do estado durante a segunda guerra mundial, a
reemergência de ideais do Liberalismo Clássico no Neoliberalismo do final do século, e
o impacto deste no campo político como um todo, incluindo a mais recente síntese
destas diversas correntes no pensamento da ‘Terceira Via’ incorporada nas
administrações de Bill Clinton nos EUA e Tony Blair no Reino Unido.
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Bibliografia
Bentham, J. (1789). An Introduction to the Principles of Morals and Legislation. Nova Iorque:
Hafter Publishing Co.
Freeden, M. (1986). The New Liberalism: An Ideology of Social Reform. Oxford: Oxford UP.
Harris, W. (1885). The History of the Radical Party in Parliament. Londres: Kegan Paul, Trench &
Co.
Mill, J. S. (1861). Considerations on Representative Government. Londres: Parker, Son, & Bourn.
Sturgis, A. H. (1994). The Rise, Decline and Reemergence of Classical Liberalism. Nashville:
Belmont University Press.
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Índice
Introdução........................................................................................................................1
Desenvolvimento Temático
4 – Conclusão.................................................................................................................15
5 – Bibliografia...............................................................................................................16
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