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POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS


Curso de Ensino à Distância – 2017

GESTÃO COMUNITÁRIA

Belo Horizonte/2017
SUMÁRIO

MÓDULO 1....................................................................................................................2

1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS...................................................................................2

2 ORIGEM DA GESTÃO COMUNITÁRIA DE PROBLEMAS....................................5

MÓDULO 2....................................................................................................................7

3 OS ELEMENTOS DA GESTÃO COMUNITÁRIA DE PROBLEMAS (POLÍCIA


COMUNITÁRIA).......................................................................................................7

3.1 Gestão comunitária de problemas aplicada a investigação criminal.......15

3.2 Práticas que não refletem o modelo de polícia comunitária.....................17

MÓDULO 3..................................................................................................................20

4 POLÍCIA COMUNITÁRIA E POLICIAMENTO ORIENTADO PARA PROBLEMAS


(POP)......................................................................................................................20

4.1 Método IARA (ou SARA) e sua aplicação na gestão comunitária de


problemas........................................................................................................21

4.1.1 Identificação...........................................................................................22

4.1.2 Análise....................................................................................................24

4.1.3 Resposta.................................................................................................26

4.1.4 Avaliação................................................................................................28

5 CONCLUSÃO.........................................................................................................29

6 REFERÊNCIAS......................................................................................................30
UNIDADE 1

1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Ao longo das últimas décadas a violência urbana cresceu vertiginosamente e


passou, inclusive, a contaminar cidades que antes eram vistas como menos
vulneráveis (aquelas tidas como de médio e pequeno porte). O desenvolvimento
desvirtuado do problema “violência” desencadeou na população um sentimento de
cobrança dos governantes e das autoridades para que tais agentes públicos
melhorassem a eficiência das instituições policiais.
Ocorre que o aperfeiçoamento das ações das polícias depende não só das
autoridades, mas, também, da confiança que a população tem na polícia, isto é, a
crença que as pessoas podem ajudar a polícia com informações e que essas serão
usadas para identificar e punir responsáveis por delitos e não para colocar em risco
a vida daqueles que tentaram ajudar a polícia a cumprir seu papel. A participação e
colaboração da sociedade (população, associações etc.) são fundamentais para a
melhora de rendimento dos órgãos policiais (CARDIA apud ADORNO, CARDIA,
PINHEIRO, 2009, p. 9).
Desta feita, acreditar e confiar na polícia devem ser considerados elementos
essenciais para a completa legitimidade da polícia no cumprimento do seu mister:
aplicar a lei e assegurar direitos fundamentais. Ter legitimidade para aplicar as leis
significa poder contar com o apoio e a colaboração da população para exercer seu
papel.
Esta perspectiva difere absolutamente da falta de reação da população às
ações da polícia, quer por apatia ou por medo, ou ainda, da reação daqueles que
delínquem. Em qualquer um desses casos a reação da população já sugere que há
um déficit de confiança na polícia.
A despeito do problema da violência em franca expansão, o processo de
redemocratização do Brasil, a partir da década de 1980, provocou nas instituições
públicas, notadamente nas corporações policiais, transformações decorrentes do
questionamento da sociedade brasileira sobre a real função pública que devem
assumir diante do paradigma do Estado Democrático de Direito. O descompasso

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entre as mudanças sociais e políticas e a prática policial produziu uma crise nas
polícias brasileiras (que em alguns aspectos ainda persiste), que não foi uma crise
de dentro da corporação para fora, mas sim o inverso, da relação sociedade-Estado,
em consequência da falta de sintonia entre o avanço social e a prática policial,
ampliada pela ausência de um processo dinâmico e otimizado que faça funcionar um
sistema de segurança pública para a realidade brasileira (BENGOCHEA,
GUIMARÃES, GOMES e ABREU, 2004, p. 119).
Em outros termos, as instituições do sistema criminal, como advento formal
do Estado Democrático de Direito, receberam o dever de se reformar para atender
aos princípios democráticos e à crescente participação da sociedade nas questões
anteriormente consideradas somente da competência do Estado.
Nesse caminho de redemocratização, houve a necessidade de uma
adequação das instituições policiais para essa realidade. A árdua tarefa de mudar
ações, posturas e crenças de pessoas (servidores públicos) que fazem parte de uma
instituição na qual, historicamente, agia em defesa do Estado e não da sociedade,
perpassou pelo investimento em um novo modelo de formação desses profissionais.
Desta feita, as instituições policiais brasileiras tiveram que começar a pensar nessa
educação tomando outros modelos e filosofias de policiamento a partir de estados
democráticos do mundo. Esse período fértil da história permitiu que, no Brasil, a
filosofia da Gestão Comunitária de Problemas (Polícia Comunitária), baseados
nos exemplos de países como Inglaterra, Canadá, Estados Unidos e Japão,
ganhasse espaço e aplicação.
Na verdade, houve uma reação da sociedade brasileira que indicou a
necessária mudança no modelo de atuação da polícia, em que a Justiça é morosa, o
sistema prisional é desumano (além de inócuo) e a polícia é enfraquecida,
fracionada, autoritária e afastada das comunidades, despreparada e obsoleta na sua
estrutura, não conseguindo responder às exigências impostas pelo contexto social
atual (BENGOCHEA, GUIMARÃES, GOMES e ABREU, 2004, p. 119).
Nesse cenário de profunda mudança no papel da atuação das policiais,
contingenciada pelas necessidades sociais, é que deve ser pensada a Gestão
Comunitária de Problemas ou, simplesmente, Polícia Comunitária (Polícia de
Proximidade). No modelo tradicional, a força tem sido o primeiro e quase único
instrumento de intervenção, sendo usada frequentemente da forma não profissional,

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desqualificada e inconsequente, não poucas vezes à margem da legalidade. É
possível, portanto, ter um outro modelo de polícia, desde que passe a centrar sua
função na garantia e efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos e na
interação com a comunidade, estabelecendo a mediação e a negociação como
instrumento principal; uma polícia altamente preparada para a eventual utilização da
força e para a decisão de usá-la.
A implementação de fórmulas tradicionais (tais como, sofisticação
tecnológica, uso massivo da força, aumento dos recursos humanos etc.) se revelam
limitadas na inibição do crime e, não rara as vezes, contribuem para o acirramento
dos níveis de tensão e descrença entre policiais e cidadãos. Ademais, factualmente,
a enorme desproporção entre os recursos humanos e materiais disponíveis e o
volume de problemas forçou o Estado a buscar fórmulas alternativas capazes de
maximizar o seu potencial de intervenção. Essa constatação implica na conclusão
de que a gestão da segurança não é responsabilidade exclusiva do Estado, mas da
sociedade como um todo1 (ARAÚJO; BRAGA, 2007, p. 107).
Talvez o traço mais distintivo e inovador da Gestão Comunitária de Problemas
(Polícia Comunitária) é o propósito de afirmar a imprescindibilidade da participação
da sociedade na preservação da ordem pública. Revela-se insuficiente o
comportamento passivo do cidadão em relação aos serviços prestados pela polícia
para solucionar a diversidade de problemas com que se deparam as pessoas
diariamente. Verifica-se, assim, uma extensão significativa do papel do cidadão no
provimento da segurança pública, no trabalho conjunto com a polícia na identificação
dos problemas considerados mais urgentes em cada comunidade e na busca das
estratégias que se mostrem mais eficazes para solucioná-los.
Portanto, a experiência tem demonstrado que a gestão comunitária de
problemas é um caminho seguro para se reconstruir a confiança e credibilidade do

1
E não é só, conforme os autores Marcelo Cunha Araújo e Rosalba Ludmila Alves Braga (2007, p.
98): “É notória a importância dedicada à participação da sociedade pela Constituição Federal
Brasileira, promulgada em 1988, ao dispor que a República Federativa do Brasil constitui-se em
Estado Democrático de Direito, no qual todo o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou
por meio de representantes eleitos. Corroborando a afirmação acima, a Constituição brasileira de
1988 atribui, ainda, a todos os cidadãos o direito e dever de garantir a segurança pública: ‘Art. 144. A
segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...].’ Há necessidade
de se deixar claro que a relevância da participação popular na estrutura política estatal
brasileira se deve, sobretudo, a um histórico de autoritarismo e arbitrariedades vivido pelo
Brasil nos últimos tempos, especificamente com a imposição do regime ditatorial dos
governos militares.” (sem grifos e destaques no original).
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público na polícia. Este curso tem como objetivo apresentar os passos básicos para
se realizar a gestão comunitária de problemas, com foco em sua aplicação à
investigação policial.

2 ORIGEM DA GESTÃO COMUNITÁRIA DE PROBLEMAS

As ideias trazidas pela gestão comunitária de problemas (Polícia Comunitária)


não são novidade. Suas origens remontam ao início do século XX, quando diversos
países procuraram um meio alternativo de alcançar os objetivos do policiamento das
cidades (SKOLNICK; BAYLE, 2002, p. 18). Seu crescimento ocorreu a partir da
concepção de que a polícia poderia responder de modo sensível e apropriado aos
cidadãos e às comunidades.
No contexto norte americano, aventa-se a hipótese de que Arthur Woods,
Comissário de Polícia de Nova York (1914 a 1919), foi o primeiro a propor uma
versão comunitária do policiamento quando apresentou, em uma série de
conferências na Universidade de Yale, a ideia de se incutir em todas as camadas do
policiamento uma percepção da importância social, da dignidade e do valor público
do trabalho do policial. Para o Comissário de Polícia americano, esse
esclarecimento traria maior respeito ao trabalho policial e, consequentemente, o
público estaria disposto a promover recompensas pelo desempenho policial
consciente e eficaz (SKOLNICK; BAYLE, 2002, p. 18). Ao longo desse curso, será
observado que a preocupação do Comissário de Polícia de Nova York corresponde,
em certo ponto, a um dos objetivos da gestão comunitária de problemas (polícia
comunitária) nos dias de hoje, a saber, a aproximação da polícia com a comunidade
a qual presta seus serviços.
Outros autores (BITTNER, 2003, p. 276) reportam as origens da polícia
comunitária ao ano de 1829, na Inglaterra, quando foi publicado o artigo O impacto
das relações entre polícia e a comunidade no sistema policial. Nesse período, o
departamento policial de Londres passou a ser uma força civil que procurava
atender os objetivos da paz, ordem e controle do crime em cooperação com as
pessoas.
O modelo comunitário ganhou força nas polícias norte-americanas, no final
dos anos 1980 e começo dos anos 1990, muito pela atenção dada pela mídia à
violência, às drogas, às atividades das gangues e à brutalidade policial. Devido a
5
isso, os gestores policiais e os políticos sofriam pressões para desenvolver
estratégias de controle do crime e da desordem mais eficazes.
Noutro pórtico, no Japão, em 1891, uma ampla rede de postos policiais,
denominados “Kobans” contribuiu para configuração do sistema de policiamento
comunitário. Os Kobans eram vistos como bases fixas de patrulhamento, ou seja,
recebiam queixas e solicitações de serviço, realizavam o patrulhamento a pé (e,
também, de bicicleta), respondendo, quando fosse viável, a chamadas de serviços
de emergência dando atenção especial para a ligação com a comunidade e para a
prevenção do crime.
Na experiência brasileira, os esforços de aproximação da polícia e
comunidade, em contraponto às políticas de enfrentamento até então aplicadas,
foram introduzidos no estado do Rio de Janeiro como forma de democratização da
polícia militar nos anos 1980. Isso se deu a partir de programas que visavam mudar
o comportamento dos policiais militares em relação ao público e diminuir a
desconfiança e a hostilidade desse público para com a polícia.
Já no final da década de 1990 foram implantados diversos programas de
policiamento comunitário por todo o país (v.g., São Paulo, Espírito Santo, Amapá,
entre outros). Esse movimento passou a fazer parte da pauta de projetos na área de
segurança pública no Brasil, no momento em que percebeu-se evidências do
fracasso da utilização isolada do modelo tradicional de policiamento, bem como a
necessária urgência de medidas que visam promover a consolidação do Estado de
Direito.
É nesse espaço que advém a polícia comunitária, tendo nascido a partir da
concepção de que a polícia poderia responder de modo sensível e apropriado aos
cidadãos e às comunidades. Esta concepção, através da formação educacional do
profissional de segurança pública, do resgate da sua autoestima, da sua dignidade
como pessoa humana, visa à humanização do policial, que é estimulado a refletir
sobre a condição humana, sobre a realidade prática da sua atividade, sobre a
existência de conflitos reais escondidos pelos aparentes. O policial comunitário é
orientado para mediar conflitos, na busca de uma solução resultante da construção
do consenso, incentivando uma iniciativa comunitária de cultura de paz em prol da
defesa dos direitos humanos e do exercício real da cidadania (SALES; FERREIRA;
NUNES, 2004, p. 75).

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UNIDADE 2

3 OS ELEMENTOS DA GESTÃO COMUNITÁRIA DE PROBLEMAS (POLÍCIA


COMUNITÁRIA)

Neste tópico serão discorridos os aspectos do policiamento comunitário, no


tocante à filosofia de trabalho, premissas, características e importância.
A gestão comunitária de problemas (policiamento comunitário) – um tipo de
policiamento que se expandiu durante as décadas de 1970 e 1980 quando as
polícias de vários países introduziram uma série de inovações em suas estruturas e
estratégias para lidar com o problema da criminalidade, apesar de diversas
experiências em diferentes contextos, possui (enquanto filosofia organizacional) um
aspecto comum: a introdução ou o fortalecimento da participação da
comunidade nas questões de segurança.
Isso significa que as pessoas de uma determinada área passaram não só a
participar das discussões sobre segurança e ajudar a estabelecer prioridades e
estratégias de ação como também a compartilhar com a polícia a responsabilidade
pela segurança da sua região. Essas mudanças tiveram como objetivo melhorar as
respostas dadas aos problemas de segurança pública, tornando tanto a polícia mais
eficaz e reconhecida como também a população mais ativa e participativa nesse
processo.
O surgimento da Gestão Comunitária de Problemas, como modelo de policia,
se deu em diversos países, mas foi com a experiência conduzida pelas polícias
norte-americanas ao longo de 40 anos (1950-1990) que seus contornos são
melhores interpretados. A experiência norte-americana demonstrou que o objetivo
da Gestão Comunitária de Problemas é aumentar a efetividade da ação policial em
termos de prevenção do crime no que tange à redução do sentimento de
insegurança e ao aumento da confiança nas organizações policiais. Essas
experiências são iniciadas com o propósito de responder às críticas da população às

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organizações policiais norte-americanas, as quais, na época, estavam
completamente dominadas pelo “modelo profissional”, que enfatiza o respeito pelos
regulamentos previamente estabelecidos como fonte da ação, a hierarquia como
metodologia de tomada de decisão e a distância do polícia em relação à
comunidade policiada para evitar cooptações políticas da polícia.
Nesse contexto, portanto, o policiamento comunitário não pode ser entendido
como um programa ou uma técnica, mas sim como um processo de reforma
organizacional da polícia, uma vez que envolve mudança na estruturação da
instituição, nos fluxos dos processos decisórios, na natureza dos mecanismos
utilizados para diagnóstico dos problemas que suscitam intervenção policial e na
própria forma de controle da ação da polícia, atividade que passa a ser exercida
também pela comunidade.
Como dito acima, a redemocratização do país, cujo símbolo maior foi a
Constituição Cidadã de 1988, provocou a necessária inovação e mudança nas
estruturas das instituições policiais. O Estado Democrático de Direito, modelo eleito
pela Assembleia Constituinte, deve assegurar ao cidadão, por meio da participação
popular, voz e vez no processo de tomada de decisões sobre segurança pública,
dando mais legitimidade à implementação de soluções viáveis.
No atual estágio de desenvolvimento da sociedade, as Polícias não podem
mais trabalhar isoladamente, sem conhecerem e sem serem conhecidas pela
comunidade onde atuam. Esses órgãos estatais devem conhecer a realidade social
das comunidades, sem desconsiderar os seus costumes, seja profissional, religioso,
cultural, esportivo e social.
Como se observa, exige-se que a polícia esteja constantemente atenta aos
problemas que interferem na segurança e bem-estar das pessoas e atenda às
necessidades da população tanto de forma reativa (pronto-atendimento) como
também proativa (prevenção). Os cidadãos, por sua vez, têm o direito e a
responsabilidade de participar no modo como esse policiamento é realizado.
A gestão comunitária de problemas resgata, em sua essência, o caráter
preventivo das polícias e a concepção de que os policiais são verdadeiros agentes
da paz social e de manutenção da ordem, mais do que simplesmente profissionais
treinados para reagir aos delitos praticados, fazendo cumprir a lei penal.
Percebe-se, pelo o que foi dito até aqui, que a premissa central da gestão

8
comunitária de problemas (Polícia Comunitária) é a ideia de que a sociedade deve
exercer seu papel mais ativo e coordenado na obtenção de segurança. A polícia não
consegue arcar sozinha com tal responsabilidade e, isoladamente, nem mesmo o
sistema de justiça criminal pode fazer isso. O policiamento comunitário impõe uma
responsabilidade nova para a polícia, ou seja, criar maneiras apropriadas de
associar o público ao policiamento e à ordem (SKOLNICK; BAYLE, 2002, p. 18).
A gestão comunitária de problemas não visa apenas melhorar a imagem da
polícia, ainda que assim ocorra. Essa filosofia de policiamento expressa um conjunto
de ideias no plano operacional orientado à divisão de responsabilidades entre a
polícia e os cidadãos no planejamento e na implementação das políticas públicas de
segurança.
Imperioso destacar que a filosofia de polícia comunitária não tem o sentido de
impor um serviço policial propriamente dito (assistência policial), mas sim o
significado de participação policial. Por isso, entende-se que todas as pessoas da
comunidade devem assumir um papel relevante na sua própria segurança e nos
demais serviços ligados ao bem-estar social, cumprindo o preceito constitucional de
que a segurança pública é direito e responsabilidade de todos.
Ora, a gestão moderna de segurança pública, sem dúvida, perpassa pelo
diagnóstico e análise sistêmica dos interesses envolvidos em cada área integrada de
segurança pública, na elaboração participativa de estratégias para priorização e
solução dos problemas identificados, potencializando as ações transdisciplinares e
intersetoriais dos vários atores públicos e privados.
Desta feita, a polícia e a comunidade fazem uma parceria no tratamento dos
problemas mais diversos existentes dentro do seio da sua comunidade, como
conflitos interpessoais e intergrupais. O importante é tentar resolver o problema
ainda no seu nascedouro para que não se torne, depois, um problema maior, com o
cometimento de crimes de maior potencial ofensivo.
Os autores Trojanowicz e Bucqueroux (1994, apud Brasil / MJ - Senasp,
2006) relatam que polícia comunitária pode ser descrita como:

Uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporcionam uma nova


parceria entre a população e a Polícia. Baseia-se na premissa de que tanto
a polícia como a comunidade devem trabalhar juntas para identificar,
priorizar e resolver problemas contemporâneos, tais como: crime,
drogas, medo do crime, desordens físicas e morais e, em geral, a
decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade da vida na

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área. (sem grifos e destaques no original)

Ainda sobre a temática, aduz Ferreira (1995, p. 58):

A Polícia Comunitária resgata a essência da arte de polícia, pois apoia e é


apoiada por toda a comunidade, acolhendo expectativas de uma sociedade
democrática e pluralista, onde as responsabilidades, pela mais estreita
observância das leis e da manutenção da paz, não incumbem apenas à
polícia, mas, também a todos os cidadãos.

Referido autor (FERREIRA, 1995, p. 56-57) apresenta conceituações de


alguns Chefes de Polícia que são bastante esclarecedores e corroboram o conceito
já citados por Trojanowicz e Bucqueroux:

Polícia Comunitária é uma atitude, na qual o policial, como cidadão, aparece


a serviço da comunidade e não como uma força. É um serviço público,
antes de ser uma força pública (Chief Mathew Boggot).

Polícia Comunitária é uma filosofia organizacional assentada na ideia de


uma polícia prestadora de serviços, agindo para o bem comum, para junto
com a comunidade criarem uma sociedade pacífica e ordeira. Não é um
programa e, muitos menos, relações públicas (Chief Cornelius J. Behan).

Polícia Comunitária é o policiamento mais sensível aos problemas de sua


área, identificando todos os problemas da comunidade, que não precisam
ser só os da criminalidade. Tudo o que possa afetar as pessoas passa pelo
exame da polícia. É uma grande parceria entre a polícia e a comunidade
(Chief Bob Kerr).

Destarte, a gestão comunitária de problemas (polícia comunitária) é mais que


uma modalidade de policiamento, é uma filosofia de trabalho, em que o órgão
policial trabalha sempre na mesma área (comunidade), passando a conhecê-la por
completo, agindo em parceria preventiva com os cidadãos, para identificar e resolver
problemas, tornando-se um mediador para conflitos interpessoais e intergrupais.
Enfim, essa filosofia de trabalho deve propiciar uma aproximação dos policiais junto
à comunidade em que atuam.
A filosofia de uma polícia de proximidade representa uma alternativa ao
modelo tradicional de polícia. Este último caracteriza-se por uma atitude
eminentemente reativa praticada após os incidentes, uma abordagem focada sobre
os sintomas dos problemas de segurança ao invés de suas causas e pela posição
isolada da polícia, não integrada e distante da população (SANTOS, 2016, p. 2016).
A importância do policiamento comunitário pode ser creditado ao fato de ser
duradouro, considerando que a interatividade da polícia com a comunidade, fora as
situações de emergência, fortalece na definição de políticas públicas de segurança e

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descentraliza o comando. Skolnick e Bayley (2002, p. 93) asseguram que tal
policiamento possibilita melhorar a prevenção do crime (problema), pois os
integrantes das forças policiais passam a ter maior atenção e responsabilidade com
a comunidade onde desenvolve seus trabalhos.
São primorosas as palavras de CARVALHO (2007, p. 23-24):

A prática de Polícia Comunitária está fundada nos princípios do policial


sujeito, reflexivo, que sabe ser cidadão, e respeita a pessoa humana.
Também é capaz de fazer uma leitura da abordagem sociológica do
crime, uma vez que observa o contexto que envolve o fenômeno
criminal, a forma sistêmica e histórica que se desencadeia os conflitos
sociais. Ele é agente de uma prática preventiva, que possibilita o
estreitamento das forças policiais e a comunidade.
(...)
Espera-se de um Policial Comunitário saber agir de forma a atender bem a
demanda trazida pelo público que o procura, ou realizar encaminhamentos
adequados para outras instâncias governamentais, saber trabalhar em
rede, desenvolver estratégias de ação social, mobilizar a comunidade
em que está inserido para uma maior autonomia e auto-gestão de seus
conflitos e carências. Deve ser capaz também de desenvolver projetos
que visem a melhoria na qualidade de vida e bem estar da comunidade a
qual pertence, favorecendo um controle social formal e ao mesmo tempo
informal, por estabelecer vínculo e pertencimento a sociedade civil a qual
serve. (sem destaques no original)

Os primeiros estudiosos sobre policiamento comunitário nos Estados Unidos,


David Bayley e Jerome Skolnick (apud SANTOS, 2016, p. 206) apontam quatro
características fundamentais da filosofia de polícia de proximidade, quais sejam:

a) CONSULTA – a polícia elabora mecanismos para discutir com a população os


problemas que exigem atenção policial, para estabelecer prioridades e tentar
resolvê-los;

b) ADAPTAÇÃO – representa maior flexibilidade dentro da abordagem policial dos


diversos problemas. O policiamento comunitário descentraliza o processo de
tomada de decisões, de maneira a poder desenvolver soluções propícias aos
problemas específicos locais;

c) MOBILIZAÇÃO – envolve as atividades e iniciativas que a polícia empreende para


obter a colaboração da população, buscando a promoção da segurança e o
tratamento dos problemas sociais relacionados com a criminalidade. Aqui estão
inseridos, também, as parcerias e articulações intersetoriais com outros órgãos
públicos e atores sociais;

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d) RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS – na gestão comunitária de problemas a polícia
age de forma proativa e antecipada, de forma a analisar e reagir às causas das
repetidas demandas pela sua intervenção.

Como se observa, o modelo de Polícia Comunitária sedimentou suas bases


em estratégias de parceria (proximidade) com a comunidade, descentralização do
poder e busca pela efetiva solução de problemas com metodologias adequadas. Na
gestão comunitária o trabalho da polícia é resolver problemas e não apenas
responder a incidentes, por meio de trabalho cooperativo com a população
(comunidade) de cada bairro (ou distrito). Por isso, o estudo do tema permite o
reconhecimento de que a segurança e a qualidade de vida não são funções
exclusivamente policiais, mas devem ser construídas em parceria com os habitantes
(e demais entes) locais.
Todavia, não se olvida que a implementação desse modelo de polícia é
permeado de dificuldades. O principal obstáculo à implementação da filosofia de
polícia comunitária no âmbito das policias civis do país é o risco concreto que este
modelo seja incorporado nas instituições como mais uma atividade especializada,
atribuída a unidades e a profissionais especializados, pouco integrados às unidades
responsáveis pela investigação criminal. O policiamento comunitário não pode ser
desenvolvido por projetos ou atividades isoladas e desarticuladas, em que se
destacam apenas policiais “vocacionados” (SANTOS, 2016, p. 209).
A literatura sobre o tema (NETO apud SANTOS, 2016, p. 209) elenca outros
obstáculos à consolidação da polícia comunitária:

a) A cultura tradicional da polícia, centrada na pronta resposta diante do


crime e da desordem e no uso da força para manter a lei e a ordem e
garantir a segurança pública;
b) A expectativa ou a demanda da sociedade por essa polícia tradicional e
reativa;
c) O corporativismo dos policiais, expresso principalmente através das suas
associações profissionais, que temem a erosão do monopólio da polícia na
área da segurança pública e o aumento de responsabilização dos
profissionais perante a sociedade;
d) A limitação de recursos que a polícia dispõe para se dedicar ao
atendimento de ocorrências, a investigação criminal e a organização e
mobilização da comunidade, especialmente se a demanda pelo atendimento
de ocorrência e investigação criminal é grande;
e) A falta de capacidade das organizações policiais de monitorar e avaliar o
próprio trabalho e fazer escolhas entre tipos diferentes de policiamento,
levando em consideração sua eficácia, eficiência e legitimidade;
f) As divisões e conflitos entre os policiais da direção e os da ponta da linha,
entre policiais experientes e os policiais novos e, no caso do Brasil, um
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dificuldade adicional seria o conflito entre policiais civis e militares;
g) As divisões e conflitos entre a polícia e outros setores da administração
pública;
h) As divisões e conflitos entre grupos e classes sociais no interior da
comunidade.

Portanto, primeiro passo a ser dado pelo policial civil na compreensão da


filosofia em estudo é ter em mente que o “policial tradicional” e o “policial
comunitário” são, na verdade, a mesma pessoa. Ocorre que quando o policial não
está realizando repressão ao delito (por conta do acontecimento de um crime, por
exemplo), ele deve ter um comportamento comunitário, valorizando a contribuição
da comunidade e conhecendo-a com bastante proximidade.
Didaticamente será apresentado um quadro comparativo:

Modelos importantes e complementares de polícia


O trabalho
Polícia tradicional Polícia Comunitária

Além da lei e do
A lei e o profissionalismo – os
profissionalismo, acrescenta o
profissionais da polícia têm
Fonte de autoridade aspecto político,
como objetivo principal a
particularmente o referente ao
imposição da lei.
apoio comunitário.
Prioriza a prevenção do crime
A principal função da polícia é por meio da metodologia de
Função
o controlo do crime. resolução de problemas, sem
abandonar o controlo do crime.
Utiliza estratégias
descentralizadas, forças-tarefa
É centralizado, adotando as ou modelo matricial e outras
Planejamento operacional
prescrições do modelo clássico técnicas advindas das
concepções modernas de
administração.
Atender às demandas dos
cidadãos através da central de São oriundas das análises dos
Demandas operações. Todas as problemas que afetam as
chamadas devem ser comunidades.
prontamente atendidas.
Relacionamento com o Impera o relacionamento Consultas à população;
ambiente imparcial, neutro e distante dos atenção às preocupações da
cidadãos comunidade, sem desprezar os
valores da lei e do
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profissionalismo.
Dados sobre a prisão de
Qualidade de vida e satisfação
Medição dos resultados criminosos e do controlo de
dos cidadãos.
crimes.
Executa o trabalho de
investigação policial de Realiza uma abordagem,
determinado fato. É eficaz o investigação e análise ampla
policial (investigador, em de solução de problemas, de
O QUE faz o policial? sentido amplo) que atende com forma cooperada com as
curto tempo de resposta e lideranças comunitárias. Será
prioriza atendimento aos mais eficaz se evitar a
crimes de repercussão e ocorrência de um crime.
graves.

A polícia é o público e o
Um representante da agência
público é a polícia: policiais são
governamental responsável
aqueles cujo dever é prestar
pela aplicação da lei.
QUEM é o policial? atenção integral a cada
Geralmente o policial é
cidadão. O policial conhece e é
anônimo e não conhece a
conhecido pela sua
própria comunidade.
comunidade.

Atua depois do delito, de forma


QUANDO o policial age? reativa e, geralmente, Atua de forma preventiva.
repressiva.

Diante disso, pode-se estabelecer os cinco pilares da polícia comunitária que,


integrados, constituem-se em condição essencial ao seu desenvolvimento:

a) Orientação externa da organização policial: no sentido de que a polícia


encontra-se dentro da sociedade, dela faz parte, e só pode agir eficazmente se
buscar a integração com a comunidade. A polícia deve prestar seus serviços
orientada para as necessidades e as expectativas dos beneficiários de sua
função;

b) Orientação pela resolução de problemas: identificação e análise dos principais


problemas e de suas causas possíveis;

c) Parceria: a segurança e a qualidade de vida são tarefas de todos, através de


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responsabilidades compartilhadas. Destaca-se o caráter integrado de todos os
esforços, dos parceiros externos (poder judiciário e legislativo, gestores públicos,
mídia, organizações sociais etc.) e internos (seções e serviços policiais);

d) Responsabilização: necessidade de a polícia prestar contas de sua autuação


aos atores envolvidos, transformando a população de ator passivo a ativo dentro
da função social de segurança e qualidade de vida do seu local de moradia;

e) Empoderamento, delegação e gestão participativa: significa a criação de


possibilidades, tanto para os policiais quanto para os diversos grupos da
população, de tratar conjuntamente os problemas de segurança e qualidade de
vida. Isso implica tanto na democratização interna da polícia quanto no
empoderamento2 dos diversos grupos da população.

3.1 Gestão comunitária de problemas aplicada a investigação criminal

No contexto de implementação do modelo de Gestão Comunitária de


Problemas (Polícia Comunitária) no Brasil, devido a sua especial importância, três
são os atores principais: a sociedade civil, a polícia civil e a polícia militar.
A polícia civil, em linhas gerais, atua após a ocorrência de um fato tido como
delituoso. Destarte, a Constituição da República encarregou a polícia civil de
investigar (pesquisar) tais fatos. Cuida, dentre outros procedimentos investigatórios,
do inquérito policial, que é presidido por um delegado, onde são reunidos os
elementos informativos (v.g., oitiva de testemunhas, juntada de laudos periciais e
comunicações circunstanciadas etc.) sobre o que aconteceu. Esse inquérito é o
documento enviados pelas autoridades policiais ao Ministério Público para que os
membros deste iniciem ou não os processos judiciais.
A polícia civil, para além do cumprimento do seu dever de investigação, tem
um papel fundamental no modelo polícia comunitária, pois é a instituição que produz
verdadeiro conhecimento3, por meio de método cientifico próprio, quando da
2
Empoderamento é a tradução do termo em inglês empowerment e significa a busca pela
restauração do senso de valor e poder da parte para que esta esteja apta a melhor dirimir futuros
conflitos. Empoderar uma pessoa é fazer com que ela adquira consciência das suas próprias
capacidades e qualidades (BARUCH BUSH; FOLGER, 2006).
3
Conhecimento é a informação avaliada, organizada, contextualizada e com o entendimento de todos
seus significados. É o resultado da interpretação da informação e de sua aplicação em algum fim,
15
apuração de uma infração penal. Esse conhecimento não pode ficar aprisionado no
bojo do inquérito policial, ao reverso deve ser projetado na comunidade para
identificação, análise e elaboração de respostas aos problemas de criminalidade
local.
Em adendo ao acima apresentado, Barreto Junior, Ferreira e Couto (2015),
quando discorrem sobre a tarefa de ordenação do ato investigativo, reforçam a ideia
de que é possível uma gestão comunitária de problemas a partir da investigação
policial:

Trata-se da habilidade de promover uma agregação virtuosa entre os


domínios das ciências humanas e sociais com as ciências naturais,
mobilizando-se os saberes disponíveis no acervo científico, especialmente
no campo da lógica, da linguística, da análise do discurso, sem dizer de
perspectivas gerenciais que, em especial, permitam que a investigação
se projete direta e imediatamente, com ânimo mediador, nos núcleos
interpessoais e comunitários onde se dão os conflitos (e não, como
geralmente ocorre, nos edifícios das delegacias de polícia) (sem destaques
no original)

Por meio dessa perspectiva metodológica de produção, a investigação


criminal contribui sobremaneira para a ações junto à comunidade, permitindo-se
superar o mito da judicialização como único meio de pacificar confrontos e conflitos
sociais. Sendo assim, a investigação não se limita a subsidiar o Estado no seu
proposito punitivo, mas também a construir conhecimento que interessam à gestão
das ações e estratégias de mitigação da violência e do crime local.
Noutro pórtico, a ausência de incorporação do modelo de gestão comunitária
no dia a dia das policias civis acarreta um sério problema: o desconhecimento das
verdadeiras funções e limites de estrutura da polícia civil pelo público, criando
expectativas que não competem à polícia satisfazer. A frustação das expectativas e
a ausência de acolhimento (e encaminhamentos) dos cidadãos nas unidades
policiais nutre um sentimento de revolta e desconfiança no público, esvaziando
ainda mais a crença na instituição.
A proposta de aproximação entre polícia e público realizada pelo policiamento
comunitário toca diretamente nessa questão, pois a troca de informações e as
oportunidades para em conjunto debaterem problemas relacionados à segurança da
comunidade não só promovem, mas exigem que os atores envolvidos conheçam e
reconheçam as funções e realidades de cada um. Nesse trabalho coletivo é que a

especificamente para gerar novas hipóteses, resolver problemas ou tomar decisões.


16
comunidade consegue entender os limites de atuação da polícia e a polícia entender
quais são as demandas que a comunidade tem em relação à segurança. A partir
disso podem dar início à construção de alternativas para solucionar problemas que
não são competência direta de nenhum desses atores.
Por ser uma filosofia e estratégia organizacional, a Gestão Comunitária de
Problemas não é peculiar a um tipo ou outro de polícia (ostensiva ou
judiciária/investigativa). É pertinente a organização Policial como um todo, quando
ela se volta ao bom atendimento do cidadão. Quando o modelo a ser aplicado é o da
Polícia Comunitária (ou Policiamento Comunitário) o departamento (ou a polícia) de
investigação (Polícia Civil) ganha uma importância excepcional, pois são diversas as
ações possíveis junto a comunidade:
a) Bom atendimento ao público no registro de ocorrências;
b) Auxílio humanizado às vítimas (assistência, acompanhamento etc.);
c) Resposta à comunidade de problemas complexos;
d) Orientações quanto a problemas nocivos que prejudicam a comunidade
local;
e) Ações preventivas e de orientação na comunidade;
f) Apoio e participação das lideranças em orientações e informações a
comunidade;
g) Estímulo a iniciativas que promovam a integração social;
h) Elaboração de estratégias de organização e mobilização social;
i) Criação de programas de Resolução Alternativas de Conflitos (por exemplo,
a mediação de conflitos).
Do mesmo modo, problemas como a carência de recursos material e humano
nas polícias, a falta de integração entre elas, disputas hierárquicas e burocracia
excessiva do trabalho são questões que também podem ser tratadas pelos
programas de policiamento comunitário, na medida em que as duas polícias são
chamadas a trabalhar em conjunto e a população passa a conhecer mais os seus
problemas, podendo apoiar as reivindicações das corporações por melhores
condições de trabalho.

3.2 Práticas que não refletem o modelo de polícia comunitária

No caminho percorrido até aqui foi possível verificar os contornos da proposta

17
de gestão comunitária de problemas. Importa agora, mencionar algumas
interpretações que não traduzem essa filosofia, segundo estabelecido no Manual do
Curso Nacional de Multiplicador de Polícia Comunitária (2006, p. 463-466):

a) Policiamento comunitário não é uma tática, nem um programa e nem uma técnica.
Ou seja, não se trata de um esforço limitado para ser tentado e depois
abandonado, mas um novo modo de oferecer o serviço policial à comunidade;

b) Policiamento Comunitário não é apenas relações públicas. Isso quer dizer que a
melhoria das relações com a comunidade é necessária, porém não é o objetivo
principal, pois é absolutamente necessário demonstrar a comunidade seriedade,
técnica e profissionalismo. É preciso, portanto, ser honesto, transparente e
sincero nos seus atos e na praxe policial cotidiana;

c) Policiamento Comunitário não é anti-tecnologia. Ora, o policiamento comunitário


pode se beneficiar de novas tecnologias que podem auxiliar a melhora do serviço
e a segurança dos policiais. Computadores, celulares, sistemas de
monitoramento, veículos com computadores, além de armamento moderno
(inclusive não letal) e coletes protetores fazem parte da relação de equipamentos
disponíveis e utilizáveis pelo policial comunitário. Deve ser rechaçada a ideia do
policial comunitário “desarmado”.

d) Policiamento Comunitário não é condescendente com a infração penal (crime e


contravenções). Os policiais comunitários respondem às chamadas e fazem
prisões como quaisquer outros policiais: são enérgicos e agem dentro da lei com
os marginais e os agressores da sociedade. Contudo atuam próximos a
sociedade orientando o cidadão, os jovens e buscam estabelecer ações
preventivas que busquem melhorar a qualidade de vida no local onde trabalham;

e) Policiamento Comunitário não é espalhafatoso. Na gestão comunitária o policial


não se vangloria de sua posição. Ele deve ser humilde e sincero nos seus
propósitos;

f) Policiamento Comunitário não é paternalista – Em todas as situações deverá


estar ao lado da lei e dos interesses da comunidade. Deve sempre priorizar o
coletivo em detrimento dos interesses pessoais de alguns membros da
18
comunidade local;

g) Policiamento Comunitário não é uma modalidade ou uma ação especializada


isolada dentro da Instituição. Como dito acima, para evitar o pior dos erros, os
policiais tidos como comunitários não devem ser exceção dentro da organização
policial, mas integrados e participantes de todos os processos desenvolvidos na
unidade. São parte sim de uma grande estratégia organizacional, sendo uma
importante referência para todas as ações desenvolvidas pela Polícia Civil. O
perfil desse profissional é também o de aproximação e paciência, com capacidade
de ouvir, orientar e participar das decisões comunitárias, sem perder a qualidade
de policial civil treinado para servir e proteger a sociedade.

h) Policiamento Comunitário não é uma “Perfumaria”. Significa dizer que o policial


comunitário lida com os principais problemas locais: drogas, roubos e crimes
graves que afetam diretamente a sensação de segurança;

i) Policiamento comunitário não pode ser um enfoque de cima para baixo. Como
mencionado antes, uma das premissas da filosofia de polícia comunitária é a
descentralização de poder e autoridade. Contudo o policial comunitário também
adquire mais responsabilidade já que seus atos serão prestigiados ou cobrados
pela comunidade e seus superiores;

j) Policiamento Comunitário não é uma fórmula mágica ou panaceia. O policiamento


comunitário não pode ser visto como a solução para os problemas de insegurança
pública, mas uma forma de facilitar a aproximação da comunidade favorecendo a
participação e demonstrando a sociedade que grande parte da solução dos
problemas de insegurança dependem da própria sociedade;

k) Policiamento Comunitário não deve favorecer ricos e poderosos. A participação


social da polícia deve ser em qualquer nível social: os mais carentes, os mais
humildes, que residem em periferia ou em áreas menos nobres. Talvez nestas
localidades é que está o grande desafio da Polícia Comunitária;

l) Policiamento Comunitário não é uma simples edificação – construir ou reformar


prédios da Polícia não significa implantação de Polícia Comunitária. A Polícia
Comunitária depende diretamente do profissional que acredita e pratica esta
19
filosofia muitas vezes com recursos mínimos e em comunidades carentes;

m)Policiamento Comunitário não pode ser interpretado como um instrumento


político-partidário mas uma estratégia da Corporação (não é uma ação de
governo, mas importante política de segurança pública).

UNIDADE 3

4 POLÍCIA COMUNITÁRIA E POLICIAMENTO ORIENTADO PARA


PROBLEMAS (POP)

O policiamento para (re)solução de problemas, também conhecido como


policiamento orientado para o problema (POP), é uma estratégia que tem como
objetivo principal melhorar o policiamento profissional, acrescentando reflexão e
prevenção criminal. O POP pressupõe que os delitos podem estar sendo causados
por problemas específicos e talvez contínuos na mesma localidade. Conclui-se que
o crime pode ser minimizado através de ações preventivas que vão muito além da
investigação ou ações repressivas.
O policiamento orientado para o problema é uma estratégia de policiamento
moderno, que direciona as atividades policiais para identificar os problemas policiais
repetitivos, analisar suas causas, resolvê-los e avaliar os resultados alcançados. No
contexto do policiamento orientado a problemas, as formas de intervenção devem
ser concebidas de maneira ampla, não se restringindo apenas às ações tradicionais
de polícia, e, por outro lado, o fluxo de trabalho de análise envolve a contínua coleta
e sistematização de novos dados que podem resultar em mudanças radicais nas
ações que já vem sendo executadas.
Como exposto no Manual de Policiamento Comunitário: polícia e comunidade
na construção da segurança (elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo), os autores, de maneira geral associam policiamento
comunitário com policiamento orientado para problemas. O que difere os
doutrinadores é a ênfase que cada autor dá a uma ou outra característica em sua
definição de policiamento comunitário. Enquanto para alguns autores o foco inicial

20
do trabalho é a aproximação da polícia com a comunidade de uma determinada área
para, a partir disso, identificar os problemas e buscar soluções, para outros o
processo é inverso. A partir da identificação de problemas e da busca de soluções é
que ocorre essa aproximação sendo, portanto, um trabalho mais orientado para
problemas4.
Neste curso promovido pela Academia de Polícia Civil, adotar-se-á a ideia de
que a solução de problemas é a estratégia que permite praticar a filosofia do
policiamento comunitário. Assim, o POP e o policiamento comunitário têm uma
relação de complementaridade e não de exclusão, já que apesar das diferentes
origens, essas duas modalidades, quando combinadas, têm melhores resultados do
que quando aplicadas isoladamente (SANTOS; TASCA, 2014, p. 182).
Antes de avançar, uma breve nota. O policiamento orientado para o problema
deve envolver a comunidade para descobrir com mais eficácia e clareza quais são
os problemas que, de fato, perturbam os cidadãos. Muitas unidades policiais
envidam esforços para constituir grupos temporários, como as chamadas “forças
tarefas”, para solucionar os problemas sem ouvir a comunidade. Desta feita, a
polícia utiliza a estratégia do policiamento orientado para o problema, mas não
concretiza a gestão comunitária do problema. Destaque-se que, nessa hipótese, não
é possível afirmar, aprioristicamente, que foi a alternativa certa ou errada, pois, em
algumas situações, é necessário propor uma resposta imediata à comunidade.
Todavia, o certo é que esse tipo de resposta imediata e afastada da comunidade
afigura-se, não rara as vezes, frágil e não definitiva para o problema enfrentado.
Dito isso, importa frisar que solucionar problemas no policiamento não é uma
coisa nova. A diferença é que o policiamento orientado para o problema (POP)
apresenta uma nova ferramenta para que se trabalhem as causas do problema, que
geralmente é utilizada no policiamento comunitário.
A solução de problemas pode ser parte da rotina de trabalho policial e seu
emprego regular pode contribuir para a redução ou solução dos crimes (inclusive, os
de natureza violenta).

4
Alguns estudos apresentam as diferenças entre policiamento orientado para o problema e
policiamento comunitário, sendo que a maioria acredita ser o POP um método a ser utilizado no
policiamento comunitário. Isso porque, o policiamento orientado para o problema permite ser
implementado de duas formas, com o envolvimento comunitário ou isoladamente, enquanto que o
comunitário, essencialmente precisa do envolvimento da comunidade (SENASP, 2009, p. 18).
21
4.1 Método IARA (ou SARA) e sua aplicação na gestão comunitária de
problemas

Esse método foi desenvolvido por policiais e pesquisadores como parte do


Policiamento Orientado para o Problema (POP), na década de 1970, nos Estados
Unidos da América. Ele é um modelo de solução de problemas que pode ser
utilizado para lidar com o problema do crime e da desordem. O método SARA (que
na língua portuguesa é chamado de IARA 5), graficamente, é representado da
seguinte forma:

1ª Fase: IDENTIFICAÇÃO (SCANNING)


2ª Fase: ANÁLISE (ANALYSIS)
3ª Fase: RESPOSTA (RESPONSE)
4ª Fase: AVALIAÇÃO (ASSESSMENT)

O policiamento orientado ao problema oferece, por meio do método I.A.R.A,


uma estratégia que visa aprofundar os conhecimentos acerca de determinado
problema enfrentado pela comunidade, a fim de apresentar soluções ou respostas
focadas nas causas que os geram, com vistas a eliminar ou reduzir tal problema de
forma efetiva.

É importante ressaltar que existem diversas variações dessa metodologia,


detalhando ainda mais cada uma das fases. O método IARA é de simples
5
No Brasil esse modelo foi denominado I.A.R.A. em alusão as letras iniciais de cada uma das etapas
(Identificação, Análise, Resposta e Avaliação).
22
compreensão para os líderes comunitários e, também, para os policiais que atuam
na atividade fim, e não compromete a eficiência e eficácia do serviço apresentada
pelo POP, assim como não contradiz outros métodos, por isso, nesses estudos ela
foi adotada como referência.

4.1.1 Identificação

Como primeiro passo, o policial deve identificar os problemas em sua área e


procurar por um padrão ou ocorrência persistente e repetitiva. Neste ponto, para que
se considere a existência de um problema, Oliveira (apud SANTOS; TASCA, 2014,
p. 183) elenca a necessidade de análise de dois fatores: primeiro, a existência de
incidentes repetidos e relacionados, sendo que tais incidentes devem ter pelo menos
um ponto em comum; segundo, incidentes (ocorrências) devem ser uma
preocupação comum tanto para a comunidade, quanto para a polícia.
A questão que pode ser formulada é: O QUE É O PROBLEMA? Um problema
pode ser definido como um grupo de duas ou mais ocorrências que são similares em
um ou mais aspectos, causando danos e, além disso, sendo uma preocupação para
a polícia e a comunidade (GOLDSTEIN apud OLIVEIRA, 2007).
Na lógica do policiamento comunitário todas as pessoas podem contribuir
para a solução dos problemas locais (comunidade, gestores de polícia, policiais de
ponta etc.). Isso porque as pessoas, no dia a dia, têm experiências, percepções e
conhecimentos sobre as condições locais de segurança que podem auxiliar a ação
da polícia a ser mais eficiente. Por isso, a identificação do problema deve ser um
processo coletivo.
É nisso que o policiamento comunitário se diferencia dos outros tipos de
policiamento: envolve polícia e comunidade, desde a discussão dos problemas, até
a realização e avaliação das ações. É somente através desse processo que é
possível construir uma aproximação e um diálogo de confiança tanto entre a polícia
e a comunidade como também dentro da própria comunidade entre seus diferentes
grupos.
As ocorrências podem ser similares em vários aspectos, incluindo
comportamento, localização, pessoas, tempo, eventos etc.
A identificação do problema busca seus dados de fontes policiais
(estatísticas, dados de ocorrência, disque denúncia, relatórios de inteligência etc.),
23
fontes acadêmicas, fontes institucionais externas, na comunidade (os cidadãos
narram os problemas vivenciados).
O objetivo primário dessa etapa é conduzir um levantamento preliminar para
determinar se o problema realmente existe e se uma análise adicional é necessária.
É preciso ter uma visão de todos os problemas, hierarquiza-los e, no final, de forma
democrática, a própria comunidade e a instituição policial escolherão um problema
para ser solucionado.
Uma forma de priorizar problemas é obtido com a ferramenta denominada
“Matriz GUT” (Gravidade, Urgência e Tendência). Sendo a Gravidade o impacto do
problema sobre as pessoas, coisas, lugar etc.; a Urgência refere-se ao tempo
disponível ou necessário para resolver o problema; e a Tendência é a avaliação de
crescimento, redução ou desaparecimento do problema.

4.1.2 Análise

A análise é o segundo estágio e tem grande importância no esforço para a


solução do problema. Uma vez identificado e priorizado o problema, passa-se à
etapa de análise, que consiste em entender, conhecer o problema de forma que se
possa descobrir a sua causa, sendo esta etapa primordial para a eficácia do método,
consistindo, nas palavras de Goldstein (1990), no centro do processo de resolução
de problemas.
Uma resposta adequada não será possível a menos que se conheça,
24
perfeitamente, a causa do problema. O propósito da análise é aprender, o máximo
possível, sobre o problema para poder identificar suas causas.
Policiais podem reunir informações de fontes da polícia e fora dela,
procurando sobre a natureza, alcance e causas do problema. Uma análise completa
envolve a seriedade do problema, todas as pessoas e grupos envolvidos e afetados
e todas as causas possíveis do problema, avaliando todas as atuais respostas e sua
efetividade.
Assim, analisar um problema de segurança pública significa conhecê-lo de
modo qualificado para que as ações sejam planejadas de modo a serem eficientes:
dirigidas às raízes do problema local. Isso confere maior grau de certeza nas
tomadas de decisão, reduz o custo das ações, aumenta a credibilidade e a
legitimidade dos envolvidos, em particular, da polícia.
Muitas pessoas simplesmente saltam a fase da análise do I.A.R.A.,
acreditando ser óbvia a natureza do problema, sucumbindo ante a pressa para obter
a solução. Solucionadores de problema devem resistir a esta tentação ou então se
arriscam a lidar com um problema irreal, implementando soluções inadequadas.
Geralmente são necessários três elementos para que um problema policial
possa ocorrer: um agressor, uma vítima e um local (ambiente). Esse triângulo
ajuda os policiais (e a comunidade) a visualizar o problema, analisa-lo, sugere onde
são necessárias mais informações e ajuda no controle e na prevenção do crime.
O relacionamento entre esses três elementos pode ser explicado da seguinte
forma: se existe uma vítima e ela não está em um local onde ocorram crimes, não
haverá crime; se existe um agressor e ele está em um local onde os crimes ocorrem,
mas não há nada ou ninguém para ser vitimizado, então não haverá crime. Se um
agressor e uma vítima não estão juntos em um local onde ocorrem crimes, não
haverá crime.
Parte do trabalho de análise do crime consiste em descobrir, o máximo
possível, sobre vítimas, agressores e locais onde existem problemas para que haja
entendimento sobre o que está provocando o problema e o que deve ser feito à
respeito disso.
Os três elementos precisam estar juntos antes que um crime ou
comportamento danoso possa ocorrer: um agressor (alguém que está motivado para
praticar o crime); uma vítima (um desejável e vulnerável alvo deve estar presente); e

25
um local (a vítima e o agressor precisam estar juntos, ao mesmo tempo, no mesmo
local). Se estes três elementos estão presentes repetidamente em um padrão de
incidente e acontecem de forma recorrente, remover um desses três elementos pode
impedir o padrão e prevenir futuros danos.
Os policiais devem, constantemente, procurar maneiras de compreender
como que esses três relacionam-se para gerar o problema. Outrossim, a análise a
partir desse triangulo permite que policiais compreendam um problema e descubram
o que o torna persistente.
Para além do triangulo de análise do problema, outro método de possível
utilização na etapa de análise é o Diagrama de Causa-Efeito, também chamado de
Diagrama Espinha de Peixe (ou Diagrama de Ishikawa ou Diagrama 6-M). Essa
ferramenta foi elaborada pelo químico japonês Karou Ishikawa e possui importante
aplicação no contexto policial, pois nela tem-se uma forma de caracterizar o
problema, resumindo e identificando as causas principais e, também, secundárias.
As causas são as condições que, em conjunto, tornam provável a ocorrência de um
fenômeno. O Diagrama de Ishikawa foi concebido da seguinte forma:

Os policiais e a comunidade, após conferir as informações, estas deverão ser


26
agrupadas por causas. Dessa forma, preenche-se as “espinhas grandes” com as
causas que afetam o problema e preenche-se com as “espinhas menores” com as
causas secundárias que afetam as causas principais.

4.1.3 Resposta

Na terceira etapa do método I.A.R.A, busca-se o estabelecimento da solução


mais adequada ao problema para posterior implementação, trata-se da fase das
respostas. Nessa fase, Oliveira (apud SANTOS; TASCA, 2014, p. 185) destaca a
importância de dimensionar objetivos, os quais podem representar a supressão
completa do problema com ações sobre as causas ou, ainda, a redução de sua
amplitude ou gravidade. Para cumprir essa meta, é necessário buscar respostas
mais amplas do que, aquelas rotineiramente aplicadas, que, em regra, voltam-se
apenas a reprimir um determinado fato delituoso ou prender um infrator ou, ainda,
apenas repassar o problema a outra agência governamental, sem esquecer,
contudo, que as respostas devem ser pautadas por ações adequadas,
preferencialmente, de baixo custo e máximo benefício. E mais, revela-se impositivo
o dimensionamento dos objetivos estratégicos, os quais podem representar a
supressão completa do problema com ações sobre as causas ou, ainda, a redução
de sua amplitude ou gravidade.
Antes de entrar nesta etapa a polícia precisa superar a tentação de
implementar respostas prematuras e certificar-se de que já tenha analisado o
problema. Tentativas de resolver rapidamente o problema são raramente efetivas
em longo prazo. Para desenvolver respostas adequadas, solucionadores de
problema devem rever suas descobertas sobre os três lados do TAP (vítima,
agressor e ambiente/local) e desenvolver soluções criativas que irão lidar com, pelo
menos, dois lados do triângulo.
Importante destacar que a chave para desenvolver respostas adequadas é
certificar-se de que as respostas são bem focalizadas e diretamente ligadas com as
descobertas feitas na fase de análise do problema.
É nesse ponto que se passa da observação para o estágio de ação. Pode-se
dizer que grande parte do sucesso da iniciativa está associada ao planejamento.
Outro ponto importante é que o planejamento deve estar sempre focado na
obtenção de resultados. Para isso, é necessário estabelecer diretrizes, orientações e
27
prioridades.
Existem algumas técnicas aptas a facilitar o desenvolvimento dessas
respostas, dentre elas a ferramenta denominada 5W2H. Resumidamente, nessa
técnica são propostas sete perguntas: What? Why? Who? Where? When? How?
How much? (O que será feito? Por que? Quem vai fazer? Onde será feito? Quando
será feito? Como será feito? e Quanto custará?). Afigura-se como um planejamento
de viabilidade econômica, pois possibilitada uma divisão de tarefas, estabelecimento
de metas, definição de custos, dentre outros. Essa metodologia, também conhecida
nos países de língua portuguesa como 4Q1POC, é frequentemente utilizada por
gestores e administradores quando do gerenciamento de um plano de ação para
criar um serviço ou produto.

4.1.4 Avaliação

Depois da implementação das respostas, se o problema continuar ou mudar


sua forma, será necessário recomeçar todo o ciclo, ir da avaliação para a resposta,
ou, até mesmo, para a fase de análise do problema. Durante toda a aplicação da
metodologia IARA é imprescindível que antes de iniciar cada uma das quatro fases é
realizado uma avaliação rápida e, se necessário, retornar à fase anterior.
Avaliar o trabalho da polícia é verificar se as medidas colocadas em prática
alcançaram sucesso. Frise-se, caso não tenham sido efetivas, as informações
reunidas durante a etapa de análise devem ser revistas.
Na avaliação dos impactos das intervenções implementadas (resultados
alcançados) o estudo pode ter origem em dados estatísticos ou no relato da própria
comunidade. Em ambos, existe comumente um roteiro de medidas utilizado pela
polícia que facilita e direciona o processo. Esse roteiro inclui: número de prisões,
nível de crime, redução de taxas, nível de crime relatado e queixa dos cidadãos,
entre outros.
Quando o plano de ação elaborado na terceira etapa (com o auxílio da
ferramenta 5W2H) é bem objetivo, facilita muito a avaliação (cumprimento de metas)
por todos os envolvidos no processo.
Numa perspectiva mais abrangente, dentro das características da filosofia de
polícia comunitária, a importância dessa fase revela-se em especial por dois
aspectos. Primeiro, possibilita o acompanhamento social do desempenho da polícia
28
e, segundo, permite que a própria instituição policial aprenda sobre a efetividade das
estratégias desenvolvidas para determinados problemas aprimorando-as ou
descartando-as (HIPÓLITO; TASCA apud SANTOS; TASCA, 2014, p. 186).
Sendo assim, verifica-se que a metodologia IARA possui extrema relevância,
não só pelo fato de possibilitar seu emprego na busca para a solução de vários
problemas comuns ao cotidiano policial, sejam eles de desordem, crime ou
contravenção ou medo do crime, mas, ainda, por possibilitar o uso de técnicas e
soluções diversas das tradicionalmente utilizadas pelas instituições policiais.

5 CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que a era de gestão de resolução de


problemas com a comunidade evidencia a realização de experiências de
reestruturação dos departamentos de polícia com foco no relacionamento entre
polícia e comunidade, havendo descentralização do serviço policial em nível de
comunidade e um sistema cooperativo com a finalidade de buscar uma solução
preventiva para os problemas locais (GOLDSTEIN apud SANTOS; TASCA, 2014, p.
182).
Como visto, as propostas em favor da polícia comunitária e do policiamento
orientado para a solução dos problemas partem do pressuposto de que é preciso
procurar o que está acontecendo antes do agravamento da situação. Embora a
polícia comunitária e o policiamento orientado ao problema não constituam
sinônimos, também não se excluem, são, em verdade, complementares um ao
outro.
Com efeito, destaca-se que o policiamento orientado ao problema é uma
estratégia moderna que reúne os preceitos de aproximação da polícia comunitária
com o desenvolvimento de uma metodologia prática, na qual a identificação, análise,
resolução e avaliação dos resultados são etapas a serem rigorosamente seguidas
para que se alcance uma resposta efetiva ao problema.
Buscou-se no decorrer destes escritos, sensibilizar o policial civil para
perceber a necessidade de alteração dos modelos de interação entre polícia e
comunidade e apresentar ao servidor a metodologia IARA de enfrentamento dos
problemas da comunidade. O conteúdo almeja convidar os policiais civis a
estudarem e reconhecerem a natural limitação das forças policiais quando atuam
29
apenas repressivamente, uma vez que “qualquer coisa que a polícia faça na
tentativa de controlar os crimes graves, ela deve reconhecer que muitos de seus
esforços dependem da cooperação e participação dos cidadãos” (GOLDSTEIN,
2003, p. 90).

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