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Brazilian Journal of Development 8810

ISSN: 2525-8761

Análise comparativa do comportamento térmico de construções em


alvenaria: terra crua x blocos cerâmicos

Comparative analysis of the thermal behavior of masonry


constructions: raw ground x ceramic blocks

DOI:10.34117/bjdv7n1-597

Recebimento dos originais: 01/01/2021


Aceitação para publicação: 22/01/2021

Francisca Joana Geslla Silva


Engenheira Civil
Universidade Federal Rural do Semi-Árido
Rua José Maria Bessa, Nº 224, Centro, Iracema, CE – Brasil.
E-mail: joannageslla@live.com

Isabelly Christiny Monteiro Souza Pinto


Mestra em Engenharia Civil
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas.
Av. Alagoas - Palmeira de Fora. 57608180 – Palmeira dos Índios, AL – Brasil.
E-mail: isabellycmsp@gmail.com

Ruan Landolfo da Silva Ferreira


Mestre em Engenharia Civil
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco.
BR 232, Km 208, Prado. 55200000 - Pesqueira, PE – Brasil.
E-mail: ruan.ferreira@pesqueira.ifpe.edu.br

Savanna Cristina Medeiros D’Aguiar


Mestra em Engenharia Civil
Universidade Federal do Ceará
R. Cinco, 100 - Pres. Kennedy, Fortaleza 60355-636 – CE-Brasil.
E-mail: savannacristina@gmail.com

RESUMO
A terra crua é um dos recursos mais antigos e utilizados pelo homem, sendo suas
propriedades consideradas favoráveis em relação ao conforto térmico, durabilidade e
versatilidade. Neste contexto, este trabalho tem como principal finalidade analisar o
desempenho térmico de edificações construídas em terra e compará-lo ao de construções
com alvenaria de blocos cerâmicos. Para tanto, foi realizado um estudo de caso na cidade
de Iracema/CE mediante visitas in loco compostas por: entrevistas, fotografias, medições
de temperatura e umidade. Com base no estudo, foi possível verificar que as construções
em terra exibem propriedades térmicas superiores às demais. Os moradores que residem
em casas de terra relataram em entrevista que suas casas são confortáveis termicamente,
e demonstraram grande satisfação quanto ao material. Já os entrevistados que residem em
alvenarias de blocos cerâmicos, demonstraram insatisfação ao desempenho térmico de
suas residências, e alguns afirmaram que preferiam morar em edificações construídas com
tijolos de terra. Portanto, por ser uma técnica considerada formidável quanto ao

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desempenho térmico, à terra crua é julgada como um material adequado a climas quentes
e secos, como é o caso da área estudada.

Palavras-Chaves: Materiais de Construção, Terra crua, Bloco Cerâmico, Conforto


térmico.

ABSTRACT
Among the most used constructional techniques in the Northeast region are masonry with
ceramic blocks or earth-based bricks. However, raw land is one of the earliest resources
used by man; and its properties are considered favorable in terms of thermal comfort,
durability and versatility. However, this work has the main purpose of analyzing the
thermal performance of buildings built on land and comparing it to the construction of
buildings with masonry of ceramic blocks. A case study was conducted in the city of
Iracema/CE through on - site visits composed of: interviews, photographs, temperature
and humidity measurements. Thus, it was possible to verify that the buildings on earth
exhibit thermal properties superior to the others. Residents of land dwellers reported in an
interview that their homes are thermally comfortable, and have shown great satisfaction
with the material. Already interviewees who live in masonry of ceramic blocks,
demonstrated dissatisfaction with the thermal performance of their residences, and some
affirmed that they preferred to live in buildings built with earth bricks. Therefore, because
it is considered a formidable technique for thermal performance, raw soil is considered as
a suitable material for hot and dry climates, as is the case of the studied area.

Keywords: Construction Materials, Raw ground, Ceramic Block, Thermal comfort.

1 INTRODUÇÃO
As condições habitacionais de uma população são um dos aspectos mais
importantes no que se refere à sua qualidade de vida. Entretanto, o cenário atual mostra
que existe, seja a nível nacional ou mundial uma significativa quantidade de cidadãos que
não possuem moradia adequada.
Estudos recentes apontam que o Brasil enfrenta um déficit habitacional de mais de
5,5 milhões de unidades e quase 11 milhões de residências existentes apresentam
condições de vida inadequadas (TRIANA, LAMBERTS, SASSI, 2015; TURBELO et al.,
2018). As regiões Sudeste e Nordeste respondem por cerca de 70% das necessidades
habitacionais (BENEVIDES, 2014).
Como solução para essa crise, em 2009, o governo brasileiro lançou um programa
de habitação social chamado Minha Casa Minha Vida. Nos anos iniciais, não há dúvidas
de que esse programa social reduziu o déficit habitacional. Entretanto, o número de
unidades construídas atualmente ainda está longe de alcançar a meta de 24 milhões
estabelecida para 2022 pelo programa habitacional, sobretudo porque o número de novas

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unidades residenciais construídas dentro do programa foi desacelerado entre 2015 e 2016
devido à crise econômica e à mudança de governo (TURBELO et al., 2018).
O crescimento das cidades no Brasil ocorre em um cenário de segregação
socioespacial, isto é, as áreas urbanas centrais são, em sua maioria, equipadas com
infraestrutura suficiente de ambiente construído, fator que tende a elevar o valor da terra
e resulta no deslocamento da população de baixa renda. Esse deslocamento geralmente
leva à ocupação de bairros distantes e deteriorados (como periferias, áreas de risco e
preservação permanente ou locais privados de infraestrutura e serviços urbanos)
(MESQUITA, KÓS, 2017), cujo resultado é o comprometimento do conforto e da
qualidade de vida dessas populações.
Torna-se evidente, portanto, a necessidade de buscar soluções e alternativas que
atendam à necessidade das populações menos favorecidas e concomitantemente propicie
um ambiente com conforto, qualidade e, sobretudo, sustentável. Uma das alternativas é a
utilização de materiais que apresentem baixo custo de montagem e manutenção, sendo
possível seu consumo pela população local. Segundo Minke (2005), nos países em
desenvolvimento, não foi possível resolver os problemas relacionados ao déficit
habitações por meio dos materiais industrializados, pois não se existia capacidade
produtiva e financeira para satisfazer tal demanda. Além disso, o uso de materiais mais
sustentáveis representa uma contribuição importante para ecoeficiência da indústria da
construção
De acordo com Niroumand et al. (2013), cerca de 30% da população mundial vive
em construções de terra, principalmente em países menos desenvolvidos. Entretanto, nos
últimos anos tem se observado um aumento substancial do uso de terra em construções
nos EUA, Brasil e Austrália, em grande parte devido à busca pelo desenvolvimento
sustentável, na qual esse tipo de técnica construtiva assume um papel fundamental
(PACHECO-TORGAL, JALALI, 2012).
Entre os materiais de construção mais utilizados atualmente no Brasil estão: os
blocos cerâmicos, blocos estruturais, tijolos à base de terra, paredes de concreto moldadas
in loco. Especificamente na região Nordeste, as técnicas construtivas mais utilizadas são
as de alvenaria de blocos cerâmicos ou tijolos à base de terra.
A respeito da construção em terra, desde os tempos mais antigos se utilizava esse
tipo de técnica construtiva devido a abundância de matéria-prima e a pouca energia
utilizada para fabricação dos componentes (IMANZADEH et al., 2018). Tais vantagens
fazem desse tipo de material de construção natural o mais experimentado e testado,

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podendo ser utilizado para construir edifícios modernos e sustentáveis em combinação


com métodos modernos (MOREIRA, 2009; NIROUMAND et al., 2017).
Outras vantagens da utilização desses materiais em edificações podem ser
destacadas: i) Trata-se de materiais naturais que estão disponíveis em grandes quantidades
a um custo baixo e acessível (IMANZADEH et al., 2018); ii) Em comparação com
materiais de construção industrial como o concreto, o material de terra precisa de
aproximadamente 99% menos energia durante o processo de produção (ZAK et al., 2016);
ii) possuem propriedades térmicas superiores às de tijolos cerâmicos; iii) mantém o
ambiente saudável devido a absorção e liberação de umidade (BARBOSA, GHAVAMI,
2017); iv) São materiais recicláveis, então evitam/reduzem a quantidade de resíduos
(WILLIAMS et al., 2010; ZAK et al., 2016; IMANZADEH et al., 2018).
Do ponto de vista térmico, a terra crua apresenta desempenho superior ao de
muitos outros tipos de materiais, visto que suas propriedades hidrotérmicas permitem que
a edificação respire, sem causar condensações, ocasionando ainda outros benefícios como
a economia de energia em aquecimento ou arrefecimento, o que garante conforto térmico
no verão e no inverno (JALALI, EIRES, 2008).
Neste contexto, esse estudo teve como objetivo avaliar e comparar o desempenho
térmico de edificações construídas com alvenaria de tijolos cerâmicos e de terra crua. Para
tanto, foram investigadas moradias localizadas em Iracema/CE, nas quais foram
identificadas as temperaturas e umidades internas e externas das edificações em dois
períodos diferentes (manhã e tarde-noite).

2 METODOLOGIA
O presente trabalho é um estudo qualitativo, que busca informações mais
aprofundadas a respeito da temática abordada, procurando descrever, compreender e
explicar, o comportamento térmico das edificações da cidade de Iracema/CE quanto às
técnicas construtivas da região.
Em relação à natureza, esta é uma pesquisa aplicada, que requer o maior
conhecimento à cerca das propriedades térmicas dos tijolos em terra e dos blocos
cerâmicos, a fim de propor a utilização do material de melhor desempenho. Para tanto,
foram realizadas pesquisas na literatura, análise da área de estudo, e uma pesquisa de
campo (composta de entrevistas, registros fotográficos e medições de temperatura e
umidade), caracterizando o trabalho como uma pesquisa exploratória. A temperatura do

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ar interior e exterior das edificações foi utilizada para o índice de conforto térmico, pois é
um fator que determina o conforto térmico das edificações (LIU et al., 2010).

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO


Esse estudo foi desenvolvido na cidade de Iracema, interior do Ceará. O município
está localizado na microrregião da serra de Pereiro, no médio Jaguaribe, com uma área de
822,83 quilômetros quadrados. A altitude da cidade é de 140 metros acima do nível do
mar.
Quanto às características ambientais do município, Holanda (2006) classifica o
clima como tropical quente semiárido brando e tropical quente semiárido, com
temperaturas médias anuais entre 26º e 28ºC, e com período chuvoso entre os meses de
janeiro a abril.
Em relação às características térmicas da área em estudo, estas podem ser
analisadas de acordo com a sua respectiva zona bioclimática. As edificações podem ser
classificadas segundo o seu desempenho térmico, a depender das características do local
da obra e da edificação. Os critérios são estabelecidos com base nas Zonas Bioclimáticas
brasileiras ilustradas na Figura 1.
De acordo com Joaquim et al. (2015), esse zoneamento divide o território brasileiro
em oito Zonas Bioclimáticas. Como observado na Figura 1, a área de estudo em análise
está localizada na Zona Bioclimática 7.
De acordo com a NBR 15575 (ABNT, 2013) entre as estratégias de
condicionamento térmico passivo para esta Zona no verão, estão:
• Resfriamento evaporativo e massa térmica para resfriamento;
• Ventilação seletiva (nos períodos em que a temperatura interna excede a
externa).

Ainda segundo a norma de desempenho supracitada, as aberturas para ventilação


devem ser pequenas, com sombreamento; e as paredes e cobertura devem conter vedações
do tipo pesada.

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Figura 1: Zonas Bioclimáticas do Brasil

Fonte: NBR 15575-3 (ABNT, 2013).

2.2 VISITAS IN LOCO


As edificações visitadas estão situadas na área urbana da cidade. Foram escolhidas
uma amostra total de 20 casas, sendo dez (10) edificações construídas em terra crua e dez
(10) residências que utilizaram como método construtivo a alvenaria tradicional em tijolos
cerâmicos. Vale ressaltar que todas as moradias analisadas são construções relativamente
simples, constituídas de apenas um pavimento, providas ou não de revestimento cerâmico
e/ou forro, e de porte médio a baixo.
Foram realizadas visitas in loco com registros fotográficos, entrevistas e coleta de
dados referentes à temperatura e umidade. As medições de temperatura e umidade foram
realizadas tanto na parte interna quanto no ambiente externo de cada uma das residências,
mediante a utilização de um Termo Higrômetro. Os horários escolhidos para a medições
foi dividido em dois períodos: i) de 09 às 11 h e ii) de 17 às 19 h. A escolha desses períodos
se deu em função das prováveis diferenças de temperaturas a serem verificadas.
A oralidade e sua análise foram coletadas por meio de entrevistas realizadas com
os proprietários das residências estudadas, com o intuito de melhor compreender o
conforto térmico possibilitado por cada material em análise; bem como averiguar a
presença de possíveis modificadores do meio, e consequentemente, da temperatura de
cada local.

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3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 EDIFICAÇÕES VISITADAS
As residências visitadas estão situadas em pontos bem distribuídos por toda a
cidade de Iracema/CE, como ilustra a Figura 2, com a finalidade de averiguar a
temperatura e a umidade ao longo de todo o município.
Vale ressaltar que foram analisadas duas edificações em cada rua visitada, sendo
uma construída com tijolos de terra e outra com blocos cerâmicos. A seguir, encontram-
se na Tabela 1 informações sobre a tipologia construtiva de cada residência, assim como
a temperatura e umidade. As dez primeiras residências são as construídas com terra crua
e as demais com bloco cerâmico.

Figura 2: Edificações visitadas na cidade de Iracema/CE

Fonte: Google Earth (2017).

Tabela 1: Temperatura e umidade do ar interno e externo das edificações estudadas


Edificações Tipologia Temperatura (0C) Umidade (%)
construtiva Ambiente Ambiente Ambiente Ambiente
interno externo interno externo
1º P 2º P 1º P 2º P 1º P 2º P 1º P 2º P
C01 Terra crua 29,5 33,4 29,8 33,7 73,0 59,0 74,0 60,0
C02 Terra crua 31,5 33,1 31,7 33,3 69,0 60,0 69,0 60,0
C03 Terra crua 32,6 32,8 33,1 33,2 64,0 56,0 67,0 59,0
C04 Terra crua 32,6 32,5 32,9 32,7 65,0 58,0 65,0 59,0
C05 Terra crua 33,3 32,2 33,7 32,6 61,0 56,0 63,0 58,0
C06 Terra crua 30,8 32,0 31,0 32,2 64,0 59,0 66,0 60,0
C07 Terra crua 31,6 32,1 32,0 32,3 61,0 60,0 61,0 61,0
C08 Terra crua 32,0 31,7 32,2 31,8 60,0 61,0 61,0 61,0
C09 Terra crua 33,5 31,8 33,8 32,0 58,0 60,0 59,0 60,0
C10 Terra crua 32,8 32,0 32,9 32,2 60,0 61,0 60,0 61,0
C11 Tijolo cerâmico 31,1 33,4 31,2 33,6 72,0 59,0 72,0 59,0
C12 Tijolo cerâmico 32,0 33,0 32,2 32,2 68,0 59,0 68,0 59,0

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C13 Tijolo cerâmico 32,2 33,1 32,3 33,2 66,0 58,0 66,0 58,0
C14 Tijolo cerâmico 32,8 32,8 32,9 32,8 66,0 58,0 66,0 58,0
C15 Tijolo cerâmico 33,5 32,6 33,7 32,7 63,0 58,0 63,0 58,0
C16 Tijolo cerâmico 32,4 32,2 32,2 32,3 65,0 60,0 65,0 60,0
C17 Tijolo cerâmico 33,3 32,2 33,1 32,3 61,0 60,0 61,0 60,0
C18 Tijolo cerâmico 33,0 31,7 33,2 31,8 61,0 61,0 61,0 61,0
C19 Tijolo cerâmico 33,0 31,9 33,1 32,0 59,0 61,0 59,0 61,0
C20 Tijolo cerâmico 33,1 31,8 33,3 32,0 59,0 62,0 59,0 63,0

1º P = 1º período de 9 às 11h; 2º P = 2º período de 17 às 19h


Fonte: Autoria Própria.

3.2 TEMPERATURA RELATIVA DO AR


Mediante os dados coletados foi possível verificar o desempenho térmico
proporcionado pelo uso de cada material, bem como compará-los no que se refere à maior
eficiência térmica. As Figuras 3 e 4 mostram um comparativo entre a tipologia construtiva
(tijolo cerâmico e terra crua) e o tipo de ambiente, para o primeiro período analisado (das
9 às 11h) e segundo período (das 17 às 19h) investigado, respectivamente. Pode-se
observar que as maiores temperaturas, sejam elas internas ou externas, foram obtidas
quando as edificações eram construídas de tijolo cerâmico. O mesmo foi observado para
os dois períodos analisados, o que demostra que no período da manhã, onde a temperatura
do ambiente é mais intensa, as edificações construídas com terra crua são mais eficientes
em termos de isolamento térmico.
Os resultados apresentados são consistentes com estudos anteriores (SILVA, 2000;
RODRIGUES, 2006; ARAÚJO, 2009; WILLIAMS et al., 2010) e confirmam que o
desempenho térmico dos tijolos de terra crua é maior que os de tijolos cerâmicos e de
concreto. Em se tratando de uma região de clima quente em todo ano, a utilização de
tijolos de terra crua é importante para proporcionar um ambiente com conforto e qualidade
para os usuários.

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Figura 3: Temperatura média interna e externa das edificações estudadas de acordo com sua tipologia
construtiva e para o período de 9 às 11h
35
Interna
Externa
34

33

Temperatura (0C)
32

31

30

29

28
Terra cura Tijolo cerâmico
Tipologia construtiva
Fonte: Autoria Própria.

Figura 4: Temperatura média interna e externa das edificações estudadas de acordo com sua tipologia
construtiva e para o período de 17 às 19h
35
Interna
Externa
34

33
Temperatura (0C)

32

31

30

29

28
Terra cura Tijolo cerâmico
Tipologia construtiva
Fonte: Autoria Própria.

3.3 UMIDADE RELATIVA DO AR


Outro fator considerado na análise térmica foi à umidade relativa do ar. As Figuras
5 e 6 ilustram as medições referentes à umidade relativa do ar de acordo com a tipologia
construtiva e o período analisado. As umidades observadas nos dois períodos estudados
são semelhantes e possuem pequeno intervalo de variação. Entretanto, as residências
construídas com terra crua possuem umidades relativas mais baixas no ambiente interior,
independente das elevadas temperaturas externas, confirmando os resultados obtidos por
Silva (2000).

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Figura 5: Umidade relativa média interna e externa das edificações estudadas de acordo com sua tipologia
construtiva e para o período de 9 às 11h
74
Interna
72
Externa
70
68

Umidade relativa (%)


66
64
62
60
58
56
54
52
50
Terra cura Tijolo cerâmico
Tipologia construtiva
Fonte: Autoria Própria.

Figura 6: Umidade relativa média interna e externa das edificações estudadas de acordo com sua tipologia
construtiva e para o período de 17 às 19h
74
Interna
72
Externa
70
68
Umidade relativa (%)

66
64
62
60
58
56
54
52
50
Terra cura Tijolo cerâmico
Tipologia construtiva
Fonte: Autoria Própria.

Mike (2005) mostraram que as paredes construídas de terra crua absorvem maior
quantidade de água quando comparada com aquelas construídas de tijolos cerâmicos. Tais
resultados são importantes uma vez que as estruturas de terra equalizam a umidade relativa
do ambiente externo com a dos poros dentro das paredes (ALLINSON; HALL, 2010) e,
por conseguinte, mantêm o ambiente saudável, beneficiando à saúde humana, pois evita o
surgimento de doenças respiratórias, como faringite ou bronquite.
As umidades internas e externas obtidas durante o período de 17 às 19h são
inferiores as obtidas no período de 9 às 11h devido às mudanças climáticas e/ou
movimentações de massas de ar na região.
Por se tratar de uma cidade que ocupa uma pequena área construída, as edificações
são consideradas próximas e, consequentemente, a umidade e a temperatura externa são

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semelhantes. Deste modo, foi possível averiguar o desempenho térmico de cada técnica
construtiva, uma vez que os fatores analisados estão condicionados ao comportamento
térmico de cada material.
Portanto, as construções com terra crua exibem propriedades térmicas superiores
às edificações de blocos cerâmicos, sendo considerada uma técnica adequada a climas
quentes e secos – como o da área estudada.

3.4 PERSPECTIVA DOS USUÁRIOS


Para avaliar o conforto térmico sob ponto de vista dos usuários, utilizou-se como
ferramenta um questionário. Inicialmente, objetivou-se a análise da técnica construtiva de
cada edificação, sendo a primeira pergunta referente ao material de construção de cada
residência. Na sequência, os moradores foram indagados em relação ao conforto de sua
residência – se consideravam sua casa confortável termicamente ou não. A Figura 7
mostra os resultados obtidos.

Figura 7: Conforto térmico segundo os usuários das residências construídas em terra cura e tijolo cerâmico

100
Terra crua
Tijolo cerâmico
80
Percentual (%)

60

40

20

0
SIM NÃO
A residência é confortável termicamente?
Fonte: Autoria Própria.

Nas edificações construídas com terra crua todos os moradores consideram sua
casa confortável termicamente. Já as edificações construídas de alvenarias de tijolos
cerâmicos, 60% dos entrevistados demonstram insatisfação quanto à sensação térmica em
sua residência.
Complementarmente, buscou-se identificar a variação térmica de cada material ao
longo do dia, ou seja, sua capacidade de adaptação a variações de temperaturas. A
abordagem foi direcionada a saber se a temperatura no interior da residência permanecia
constante ao longo do dia. Nas habitações construídas de tijolo cerâmico, 50 % dos

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entrevistados consideraram que a temperatura sofre variações ao longo do dia. Por outro
lado, nas edificações constituídas de tijolos de terra crua, todos os moradores afirmaram
que a temperatura se mantém constante, tal como mostrado na Figura 8.

Figura 8: Variação da temperatura segundo os usuários das edificações


Terra crua
100 Tijolo cerâmico

80
Percentual (%)

60

40

20

0
SIM NÃO
A temperatura é constante ao longo do dia?
Fonte: Autoria Própria.

Na sequência, os entrevistados foram questionados quanto à satisfação com o


material de construção de sua residência, isto é, se gostariam de morar em uma casa
construída de outro material, e se sim, qual. Nenhum dos moradores de construções com
terra crua demonstrou interesse em residir em casas constituídas por outro tipo de material.
Entretanto, 20 % dos ocupantes de alvenaria em bloco cerâmico gostariam de residir em
edificações construídas com outro material. Quanto ao material preferido, os usuários
foram unânimes em escolher os tijolos de terra crua, conforme pode-se observar na Figura
9.
Neste contexto, fica evidente a satisfação dos moradores locais quanto à técnica
construtiva com terra crua, visto que é a opção de sistema construtivo mais adequado ao
tipo de clima no que se refere à melhores níveis de conforto térmico e umidade.

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Figura 9: Satisfação dos usuários quanto ao material de construção utilizado na edificação


Terra crua
100 Tijolo cerâmico

80

Percentual (%)
60

40

20

0
SIM NÃO
Gostaria de residir em uma casa construída com outro tipo de material?
Fonte: Autoria Própria.

4 CONCLUSÕES
A terra crua foi um dos materiais mais utilizados em todo o mundo pelas antigas
civilizações. Porém, com o surgimento de novas tecnologias construtivas, criou-se um
discernimento inadequado entre as técnicas existentes, e a terra passou a ser considerada
como uma técnica menos vantajosa.
Neste contexto, o presente trabalho busca o resgate das construções em terra crua
ressaltando as potencialidades deste tipo de construção. Entre os materiais sustentáveis e
as tecnologias construtivas analisadas, a terra crua tem lugar de destaque devido às suas
propriedades, possibilidade de renovação, pequeno gasto energético em sua fabricação,
facilidade de obtenção e manuseio, maior durabilidade, e desempenho superior ao de
muitos outros tipos de materiais no que se refere ao conforto térmico.
Desta forma, foi realizada a análise do desempenho térmico em edificações
construídas com terra crua, bem como o comparativo desta técnica com o tipo de alvenaria
mais comum à região em estudo, que são os blocos cerâmicos. As médias entre as
diferenças de temperaturas e umidades (externas e internas) nos tijolos de terra crua foram
de, respectivamente: 0,290C e 1% pela manhã, e 0,240C e 0,9% ao anoitecer. Já nos blocos
cerâmicos, as médias correspondem a: 0,080C C pela manhã e 0,120C ao anoitecer, e
nenhuma diferença de umidade em ambos os horários. Logo, pode-se comprovar a maior
eficiência térmica dos tijolos de terra.
Os moradores que residem em casas de terra crua relataram em entrevista que suas
casas são confortáveis em relação à temperatura e umidade, e demonstraram grande
satisfação quanto ao material. Já os entrevistados que residem em alvenarias de blocos

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cerâmicos, demonstraram insatisfação ao conforto térmico de suas residências, e alguns


afirmaram que preferiam morar em edificações de terra crua.
Portanto, por ser uma técnica considerada formidável no que diz respeito ao
desempenho térmico, é julgada adequada a climas quentes e secos, como é o caso da área
estudada. Estas e outras informações referentes ao conforto das habitações são de
fundamental importância para uma construção de maior qualidade, e para o bem-estar do
indivíduo.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.1, p. 8810-8825 Jan. 2021


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