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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA


CENTRO DE ARTES E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

Bárbara Muders

REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DO USO


DO LIVRO DIDÁTICO: O QUE DIZEM ALGUNS PROFESSORES DE
LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL

Santa Maria, RS
2018
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Bárbara Muders

REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DO USO DO LIVRO


DIDÁTICO: O QUE DIZEM ALGUNS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA
DO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Curso de


Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Letras, Área de Concentração em
Estudos Linguísticos, da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Letras.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Vaima Regina Alves Motta

Santa Maria, RS
2018
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Ficha catalográfica elaborada através do Programa de Geração Automática da


Biblioteca Central da UFSM, com os dados fornecidos pelo (a) autor (a).
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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, ao meu irmão e ao meu noivo,


por sempre estarem ao meu lado, me apoiando em todos os momentos.
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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, por iluminar os meus caminhos e dar força para seguir
em busca dos meus sonhos.

Aos meus queridos pais, Davi e Marinita, pelo apoio incondicional, pelas palavras de
incentivo, de ajuda e por sempre acreditarem que conseguiria alcançar este objetivo.
Obrigada pela amizade, pelo companheirismo, pelos ensinamentos e pelos
exemplos de vida. Minha eterna gratidão.

Ao meu querido irmão, Matheus, e à minha querida cunhada, Morgani, pela


confiança, amizade e apoio em todos os momentos, sempre com uma palavra de
incentivo e de ajuda. Obrigada pelo carinho!

Ao meu querido noivo Éverton, por sempre estar ao meu lado, me apoiando em
todos os momentos. O seu companheirismo, a sua ajuda, o seu amor e a sua
paciência foram determinantes para a realização deste sonho. Obrigada por estar ao
meu lado e fazer parte desse momento.

À família do meu noivo Éverton, pelo apoio e carinho.

Aos demais familiares e amigos, pelas palavras de incentivo e de ajuda.

À querida amiga Natiele, pelo carinho e pela ajuda prestada ao longo do mestrado.

Às escolas e aos professores envolvidos na pesquisa, pela recepção e pela


disponibilidade em participar deste estudo.

Aos professores que fizeram parte da banca de qualificação e de defesa da


dissertação, Cristiano Egger Veçossi, Maísa Augusta Borin, Joceli Cargnelutti, Gil
Roberto Costa Negreiros, Ivani Cristina Brito Fernandes, pela leitura e pelas
contribuições feitas a este trabalho.

Um agradecimento especial às Professoras Doutoras Vaima Regina Alves Motta e


Marcia Cristina Corrêa, responsáveis pela realização deste trabalho. Agradeço por
toda a confiança, apoio, incentivo e dedicação. Sobretudo, por todos os
conhecimentos compartilhados e pela oportunidade de desenvolver este trabalho.
Obrigada por acreditarem em mim e por sempre estarem dispostas a me ajudar.
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Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na


ação-reflexão.

(Paulo Freire)
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RESUMO

REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DO USO DO LIVRO


DIDÁTICO: O QUE DIZEM ALGUNS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA
DO ENSINO FUNDAMENTAL

AUTORA: Bárbara Muders


ORIENTADORA: Vaima Regina Alves Motta

O presente trabalho tem como objetivo identificar se o professor de Língua Portuguesa revela que se
apropria do Livro Didático como um instrumento de ensino. Adotamos, neste trabalho, a perspectiva
teórica do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), com referência a Bronckart (2012), Machado (2007,
2009) e Machado e Bronckart (2009). Essa concepção volta-se para um estudo sobre a linguagem
em sua relação com as ações humanas. Os procedimentos metodológicos que orientam esta
pesquisa estão voltados para a análise de textos, com o intuito de compreender as diversas formas
de agir dos seres humanos, em específico o trabalho docente, conforme a perspectiva do ISD
explicitada em Machado e Bronckart (2009). Para atingir nosso objetivo, partimos da situação de
trabalho de duas professoras de escolas públicas de um município do interior do estado do Rio
Grande do Sul. O município possui duas escolas – uma municipal, com Ensino Fundamental
completo, e outra estadual, com Ensino Fundamental e Médio. A partir desse contexto de pesquisa,
realizamos entrevistas com duas professoras de Língua Portuguesa que ministram aulas no 9º ano do
Ensino Fundamental das respectivas escolas. Essas entrevistas foram analisadas a partir dos
pressupostos teóricos de Bronckart (2012) e Machado e Bronckart (2009), no que diz respeito aos
aspectos de produção do texto e dos três níveis de análise, a saber: o organizacional, o enunciativo e
o semântico. Apoiados nesses pressupostos, essa pesquisa possibilitou concluir que as professoras
não revelam com clareza como é feita a utilização do Livro Didático, se há de fato a apropriação
desse material enquanto um instrumento de ensino. Contudo, esse estudo trouxe contribuições para
o trabalho do professor de Língua Portuguesa. A principal contribuição é o fato de termos dado voz
ao professor, pois é ele o principal interlocutor do Livro Didático, o responsável pelo desenvolvimento
de práticas de ensino com o uso desse material. Ademais, essa pesquisa possibilitou uma
compreensão sobre o processo de escolha e distribuição dos Livros Didáticos, apontando para as
dificuldades enfrentadas pelos docentes no âmbito dessa ação. Por fim, revelou as complexidades
que envolvem o trabalho docente, demonstrando que as ações desempenhadas por eles são
resultado da interação com outros fatores - sistema educacional e sistema de ensino - e de outras
atividades sociais – políticas, culturais e econômicas – que acabam influenciando as instituições de
ensino e provocando transformações tanto no ambiente educacional, como em toda a sociedade.

Palavras-chave: Trabalho Docente. Livro Didático. Interacionismo Sociodiscursivo.


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RESUMEN

REPRESENTACIONES DEL TRABAJO DOCENTE A PARTIR DEL USO DEL


LIBRO DIDÁCTICO: LO QUE HABLAN ALGUNOS PROFESORES DE LENGUA
PORTUGUESA DE LA ENSEÑANZA FUNDAMENTAL

AUTORA: Bárbara Muders


ORIENTADORA: Vaima Regina Alves Motta

El presente trabajo tiene como objetivo identificar se el profesor de Lengua Portuguesa revela que se
apropia del Libro Didáctico como un instrumento de enseñanza. Adoptamos, en este trabajo, la
perspectiva teórica del Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), con referencia a Bronckart (2012),
Machado (2007, 2009) y Machado y Bronckart (2009). Esa concepción se vuelve para un estudio
sobre el lenguaje en su relación con las acciones humanas. Los procedimientos metodológicos que
guían esta investigación están orientados para el análisis de textos, con el objetivo de comprender las
diversas formas de actuar de los seres humanos, en específico el trabajo docente, conforme la
perspectiva del ISD explicitada en Machado y Bronckart (2009). Para alcanzar nuestro objetivo,
partimos de la situación de trabajo de dos profesores de escuelas públicas de un municipio del interior
del estado del Rio Grande do Sul. El municipio posee dos escuelas – una municipal, con Enseñanza
Fundamental completa, y otra estadual, con Enseñanza Fundamental y Media. A partir de ese
contexto de pesquisa, realizamos entrevistas con dos profesoras de Lengua Portuguesa que
ministran clases en el 9º año de la Enseñanza Fundamental de las respectivas escuelas. Esas
entrevistas fueron analizadas a partir de los presupuestos teóricos de Bronckart (2012) y Machado y
Bronckart (2009), en lo que dice respecto a los aspectos de producción del texto y de los tres niveles
de análisis, a saber: el organizacional, el enunciativo y el semántico. Apoyados en esos
presupuestos, esta investigación nos posibilitó concluir que las profesoras no revelan con clareza
como es hecha la utilización del Libro Didáctico, si ocurre de hecho la apropiación de ese material
como un instrumento de enseñanza. Sin embargo, el presente estudio ha traído contribuciones para
el trabajo del profesor de Lengua Portuguesa. La principal contribución es el hecho de que hemos
dado voz al profesor, pues es el principal interlocutor del Libro Didáctico, el responsable por el
desarrollo de prácticas de enseñanza con el uso de ese material. Además, esta investigación
posibilitó una comprensión sobre el proceso de elección y distribución de los Libros Didácticos,
apuntando para las dificultades enfrentadas por los docentes en el ámbito de esa acción. Por fin,
reveló las complexidades que envuelven el trabajo docente, demostrando que la acciones
desempeñadas por ellos son resultado de la interacción con otros factores – sistema educacional y
sistema de enseñanza - y de otras actividades sociales - políticas, culturales y económicas – que
acaban influenciando las instituciones de enseñanza y provocando transformaciones tanto en el
ambiente educacional, como en toda la sociedad.

Palabras clave: Trabajo docente. Libro Didáctico. Interacionismo sociodiscursivo.


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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Esquema dos diferentes níveis de atividade educacional ......................... 43


Figura 2 - Esquema da atividade do professor em sala de aula................................ 44
Figura 3 - Esquema dos eixos ................................................................................... 57
Figura 4 - Esquema dos eixos uso e reflexão ........................................................... 57
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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Características do trabalho docente ........................................................ 42


Quadro 2 - Perguntas da entrevista .......................................................................... 71
Quadro 3 - Coordenadas disjunta e conjunta ............................................................ 76
Quadro 4 - Os tipos de discurso ................................................................................ 77
Quadro 5 - Elementos constitutivos do agir ............................................................... 80
Quadro 6 - Figuras do agir ........................................................................................ 80
Quadro 7 - Elementos de análise .............................................................................. 82
Quadro 8 - Tópicos das entrevistas com as professoras .......................................... 85
Quadro 9 - Conteúdo temático do texto .................................................................... 86
Quadro 10 - Actantes da entrevista com a professora Ana ....................................... 87
Quadro 11 - Actantes da entrevista com a professora Patrícia ................................. 89
Quadro 12 - Número de ocorrências dos pronomes pessoais eu e a gente/nós na
entrevista da professora Ana..................................................................................... 95
Quadro 13 - Número de ocorrências dos pronomes eu e a gente/nós na entrevista da
professora Patrícia .................................................................................................... 99
Quadro 14 - Elementos constitutivos do agir ........................................................... 112
Quadro 15 - Figuras do agir .................................................................................... 120
Quadro 16 - Número de ocorrências das figuras do agir na entrevista com a
professora Ana ........................................................................................................ 123
Quadro 17 - Número de ocorrências das figuras do agir na entrevista com a
professora Patrícia .................................................................................................. 127
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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Número de ocorrências dos pronomes pessoais eu e a gente/nós


conforme o conteúdo temático do texto da professora Ana ...................................... 96
Gráfico 2 – Número de ocorrências dos pronomes pessoais eu e a gente/nós
conforme o conteúdo temático do texto da professora Patrícia............................... 100
Gráfico 3 - Modalizadores na entrevista da professora Ana .................................... 105
Gráfico 4 - Modalizadores na entrevista da professora Patrícia .............................. 110
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ISD Interacionismo Sociodiscurso


PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 15
2 O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO: AS ORIGENS DE SEU
DESENVOLVIMENTO .............................................................................................. 23
2.1 INTERACIONISMO SOCIAL – CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY ............ 23
2.2. O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO ................................................ 30
3 TRABALHO DOCENTE: O ISD NO BRASIL .............................................. 38
3.1 A CONSTITUIÇÃO DO TERMO TRABALHO ............................................... 38
3.2 TRABALHO DOCENTE ................................................................................ 41
4 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL ................................. 51
4.1 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: FATORES HISTÓRICOS E
DESENVOLVIMENTO DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL ...................................... 51
4.2 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) ....................... 56
4.3 O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD) ......................... 60
5 METODOLOGIA........................................................................................... 67
5.1 CONTEXTO DE PESQUISA ........................................................................ 67
5.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DOS DADOS: ENTREVISTAS .................. 70
5.3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE: ORGANIZACIONAL, ENUNCIATIVO E
SEMÂNTICO ............................................................................................................. 72
5.3.1 Contexto de produção ................................................................................ 72
5.3.2 Nível organizacional ................................................................................... 74
5.3.3 Nível enunciativo ........................................................................................ 78
5.3.4 Nível semântico .......................................................................................... 79
6 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................................ 82
6.1 ANÁLISE DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO ................................................ 83
6.1.1 Mundo físico ............................................................................................... 83
6.1.2 Mundo sociossubjetivo .............................................................................. 84
6.2 ANÁLISE DO NÍVEL ORGANIZACIONAL.....................................................85
6.2.1 Plano global do texto ................................................................................. 85
6.2.1.1 Tópicos das entrevistas com as professoras................................................. 85
6.2.1.2 Actantes presentes na entrevista com a professora Ana .............................. 87
6.2.1.3 Actantes presentes na entrevista com a professora Patrícia......................... 88
6.2.2 Os tipos de discurso .................................................................................. 89
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6.2.2.1 Entrevista da professora Ana ........................................................................ 90


6.2.2.2 Entrevista da professora Patrícia .................................................................. 91
6.3 ANÁLISE DO NÍVEL ENUNCIATIVO ........................................................... 93
6.3.1 Marcas de pessoa ...................................................................................... 93
6.3.1.1 Professora Ana ............................................................................................. 93
6.3.1.2 Professora Patrícia ....................................................................................... 97
6.3.2 Elementos de modalização ..................................................................... 100
6.3.2.1 Entrevista da professora Ana ...................................................................... 101
6.3.2.2 Entrevista da professora Patrícia ................................................................ 106
6.3.3 Considerações sobre a análise do contexto de produção e dos níveis
organizacional e enunciativo ............................................................................... 111
6.4 ANÁLISE DO NÍVEL SEMÂNTICO ............................................................ 112
6.4.1 Elementos constitutivos do agir ............................................................. 112
6.4.1.1 Entrevista da professora Ana ...................................................................... 113
6.4.1.2 Entrevista da professora Patrícia ................................................................ 116
6.4.2 Figuras do agir ......................................................................................... 120
6.4.2.1 Entrevista da professora Ana ...................................................................... 121
6.4.2.2 Entrevista da professora Patrícia ................................................................ 124
7 CONCLUSÃO ............................................................................................ 129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 135
ANEXOS................................................................................................................. 139
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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é fruto de experiências vivenciadas ao longo da graduação em


Letras – Português e Espanhol, da Universidade Federal da Fronteira Sul, que
possibilitaram um contato maior com o ambiente escolar e, por conseguinte, com as
práticas de ensino desenvolvidas e efetivadas nesse cenário educacional. No
contexto escolar, vivenciamos as primeiras experiências como docente e as
primeiras práticas pedagógicas desenvolvidas com os alunos, percebemos os
primeiros vínculos estabelecidos entre professor, alunos e o processo de
aprendizagem.
Esse primeiro contato com o ambiente escolar ocorreu através de projetos
ofertados pela Universidade, como o Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (PIBID), e através dos Estágios Supervisionados. Durante essas práticas,
desenvolvemos atividades de leitura, escrita e análise linguística de textos de
diferentes gêneros textuais, que tinham como objetivo propiciar a aprendizagem de
conteúdos específicos da Língua Portuguesa, bem como a reflexão e o
posicionamento crítico frente a questões de ordem social. Sendo assim, essas
primeiras experiências como docente em formação inicial contribuíram para um olhar
diferenciado sobre o ambiente escolar enquanto um espaço de convívio social e de
desenvolvimento de práticas de ensino dialógicas e interativas.
Nesse período, o foco esteve centrado no Livro Didático. Esse fato motivou o
desenvolvimento de uma pesquisa que buscou analisar como as atividades de
compreensão e interpretação eram apresentadas no respectivo material: se eram
desenvolvidas enquanto um processo de decodificação ou se levavam em
consideração a produção de sentidos e de novos conhecimentos com base nas
informações apresentadas no texto. A partir desses estudos com o Livro Didático e
das experiências desenvolvidas em sala de aula como docente em formação inicial
surgiram alguns questionamentos: Como o professor de Língua Portuguesa utiliza o
Livro Didático? O Livro Didático auxilia no ensino de Língua Portuguesa?
Ao ingressar no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Letras, área de concentração em Estudos Linguísticos, linha de pesquisa Linguagem
e Interação, o interesse em compreender o trabalho docente a partir do uso do Livro
Didático teve a cada dia uma importância maior. Isto é, a relevância de compreender
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realidade educacional, os diversos fatores que estão presentes no dia a dia de um


professor, que exerce o desafiador e, ao mesmo tempo, riquíssimo papel de
transformar seres humanos, de contribuir com o crescimento pessoal e intelectual de
pessoas que amanhã estarão exercendo as mais diversas funções na sociedade.
Ademais, considerar o trabalho docente implica pensar em materiais que auxiliam
em suas práticas e, nesse caso, o Livro Didático é o material ofertado às escolas, é
o instrumento que se encontra à disposição para que os professores desenvolvam
suas práticas de ensino.
Sendo assim, é a partir desse campo de investigação que desenvolvemos a
presente pesquisa, a fim de refletir sobre a representação do trabalho docente a
partir do uso do Livro Didático. Adotamos, neste trabalho, a perspectiva teórica do
Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD), fundamentado nos estudos de
Bronckart (2012), Machado (2007; 2009) e Machado e Bronckart (2009). Essa
concepção teórica volta-se para o estudo da linguagem em sua relação com as
ações humanas.
Segundo Bronckart (2007), analisar a linguagem é uma das formas de
compreender o comportamento humano. Assim, o foco do ISD é “demonstrar esse
papel central da linguagem no conjunto dos aspectos do desenvolvimento humano
e, portanto, o seu papel central nas orientações explicitamente dadas para esse
desenvolvimento pelas mediações educativas e/ou formativas” (BRONCKART, 2007,
p. 20).
O ISD vincula-se a uma perspectiva em que a linguagem, elemento
constituinte do ser humano, passa a ser integrante das atividades humanas. Por
conseguinte, o objetivo dessa perspectiva teórica é identificar a forma com a qual
essas atividades são incorporadas e desenvolvidas no contexto social. Ao direcionar
o olhar para o contexto escolar, o foco do ISD é no trabalho docente, a fim de
compreender como esse agir humano é representado a partir de textos.
Entendemos que o trabalho docente se faz na interação e é através da
linguagem que são estabelecidos vínculos entre os sujeitos envolvidos nas práticas
de ensino. Conforme Machado (2007), o trabalho docente engloba diversos
aspectos, incluindo planejamento, aula e avaliação, e estes são desenvolvidos com
um objetivo maior, que é o de contribuir para a aprendizagem dos conteúdos
curriculares. Sobretudo, o trabalho docente
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é visto como uma atividade em que um determinado sujeito age sobre o


meio, em interação com diferentes “outros”, servindo-se de artefatos
materiais ou simbólicos, construídos sócio-historicamente, dos quais ele se
apropria transformando-os em instrumentos para seu agir e sendo por eles
transformados (MACHADO, 2007, p. 92; 93).

Dadas essas características que envolvem o trabalho docente, podemos


afirmar que o Livro Didático é um desses artefatos materiais que se encontra
disponível nas escolas. Sendo assim, é possível que o professor se aproprie do
Livro Didático e o transforme em instrumento de ensino, garantindo não só a
mudança do objeto, mas também do contexto social e dos sujeitos que se
encontram envolvidos nesse processo. Desse modo, podemos compreender o
trabalho docente não como algo isolado, competindo exclusivamente ao professor
escolher e organizar as práticas que serão efetuadas em sala de aula, mas, ao
contrário, como algo conjunto, sendo o trabalho do professor o resultado dessa inter-
relação e construção de fatores sócio-históricos que influenciam e organizam esse
agir no espaço escolar.
Diante dessa perspectiva teórica, acreditamos que seja de grande importância
realizar pesquisas sobre a representação do trabalho docente, uma vez que são
muitos posicionamentos e reflexões que norteiam as práticas de ensino de Língua
Portuguesa desenvolvidas pelos professores nas escolas. Uma dessas é o ensino
tendo como referência o Livro Didático. De acordo com Batista, Rojo e Zúñiga (2005,
p. 48),

[...] o manual didático é um dos poucos gêneros de impresso com base nos
quais parcelas expressivas da população brasileira realizam uma primeira –
e muitas vezes a principal – inserção na cultura escrita. É também um dos
poucos materiais didáticos presentes cotidianamente na sala de aula,
constituindo o conjunto de possibilidades a partir do qual a escola seleciona
seus saberes, organiza-os, aborda-os.

Considerando o Livro Didático e a sua presença cotidiana na sala de aula,


Bunzen (2005, p. 12) conceitua que na sala de aula os Livros Didáticos podem ser
“objetos de movimentos de recontextualização e de ressignificação, em que as
concepções dos professores e dos alunos assumem importantes significados nesse
processo” (BUNZEN, 2005, p. 12).
Partindo desses pressupostos teóricos, o objetivo deste trabalho é identificar
se o professor de Língua Portuguesa revela que se apropria do Livro Didático
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como um instrumento de ensino. Para tanto, orientamo-nos a partir dos seguintes


objetivos específicos:
a) Verificar de que forma as prescrições integram o agir do professor.
b) Identificar as intenções dos professores com relação ao uso do Livro
Didático.
c) Avaliar as dificuldades apresentadas pelos professores quanto à
utilização do Livro Didático.
São esses objetivos que buscaremos responder ao longo desta pesquisa para
refletirmos sobre o trabalho docente, tendo como referência o sujeito enquanto um
ser social, resultante de um processo de interação verbal estabelecido entre
interlocutores. Da mesma forma, todo ser humano se constitui a partir da interação,
da compreensão e resposta ativa do outro. É nesse processo de interação verbal
que o sujeito alarga a sua consciência e incorpora novos conhecimentos e novas
visões de mundo. Pelas palavras de Bakhtin (1997, p. 295), “o locutor termina seu
enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão
responsiva ativa do outro”.
Para atingir nosso objetivo, partimos da situação de trabalho de duas
professoras de escolas públicas de um município do interior do estado do Rio
Grande do Sul. O município possui duas escolas: uma municipal, com Ensino
Fundamental completo e outra estadual, com Ensino Fundamental e Médio. A partir
desse contexto de pesquisa, realizamos entrevistas com as professoras de Língua
Portuguesa que ministram aulas no 9º ano do Ensino Fundamental das respectivas
escolas. Como cada escola é composta por uma turma de 9º ano, participaram da
pesquisa duas professoras de Língua Portuguesa.
Parte da escolha por esse contexto de pesquisa se deve à experiência
pessoal vivenciada pela autora deste trabalho na escola estadual indicada
anteriormente. Essa vivência envolveu a trajetória como aluna, na Educação Básica,
e como docente em formação inicial, através dos estágios de Língua Portuguesa e
de Língua Espanhola. Dadas essas circunstâncias, é importante mencionar que ao
escolhermos esse contexto de pesquisa, não estamos levando em consideração
apenas a escola estadual, mas também a municipal, pois buscamos compreender
um pouco mais sobre a realidade educacional desse cenário específico municipal,
19

especialmente as falas de alguns professores desse contexto sobre o seu agir a


partir do uso do Livro Didático.
Diante disso, retornamos para esse contexto levando em consideração a
importância de discutir como o professor caracteriza seu trabalho a partir do uso do
Livro Didático, uma vez que é o instrumento de ensino que se encontra disponível
nas escolas e que é ofertado aos professores para que desenvolvam suas práticas
de ensino. O Livro Didático é o material que faz parte do trabalho do professor e,
por isso, é importante descrevermos e compreendermos como os docentes
representam o seu trabalho a partir do uso desse instrumento, a fim de lançarmos
reflexões sobre esse processo, bem como auxiliarmos na formação dos profissionais
de ensino.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, apresentamos outros estudos
direcionados para a perspectiva do ISD, especificamente aqueles que abordam a
representação do trabalho docente. Nesse viés, observamos posicionamentos
conceituais sobre a representação do trabalho do professor nos estudos de
Guimarães (2007), Lousada, Abreu-Tardelli e Mazzillo (2007) e Machado e Cristóvão
(2009).
O estudo de Guimarães (2007) versa sobre o agir educacional nas
representações de professores de língua materna. Nesse contexto, o objetivo da
pesquisa é apresentar as estratégias discursivas utilizadas pelos professores para a
realização de uma ação que seja compreendida pelos alunos e que esteja de acordo
com o processo de aprendizagem. A autora, ao escolher o discurso representado,
pretende demonstrar possibilidades de ampliar a análise realizada por Bronckart
(2006), que considera o trabalho representado difícil de ser compreendido, uma vez
que os discursos dos professores aproximam-se das orientações apresentadas nos
textos prescritivos, ao invés de descrever como de fato as ações se realizam em
sala de aula. Com a finalidade de ir além aos resultados apresentados por Bronckart
(2006), Guimarães (2007, p. 207) “pretende tornar mais acessível a análise das
representações que os professores fazem sobre o seu agir”, partindo do conteúdo
temático do texto e dos mecanismos enunciativos. Ao realizar a análise, a autora
identifica diferentes formas de agir docente e distintas realidades sociais, o que
demonstra que o trabalho do professor é complexo e é resultado de diversos fatores
que integram o ambiente do profissional.
20

Lousada, Abreu-Tardelli e Mazzillo (2007) discorrem sobre o trabalho docente


na análise do agir representado nos textos. Nesse viés, o objetivo do trabalho é
propor uma discussão sobre o agir do professor, representado em textos sobre o
trabalho docente e no próprio ambiente de trabalho do professor. A análise desses
textos permitiu que as autoras construíssem algumas interpretações sobre o
trabalho docente: i) a necessidade de avaliar de forma passiva os instrumentos
prescritivos que são disponibilizados aos professores, que muitas vezes dizem
apenas o que fazer, não explicando o como fazer; ii) a necessidade de valorizar a
rotina do trabalhador e os diversos elementos que estão envolvidos no agir docente,
como as prescrições e as avaliações (LOUSADA; ABREU-TARDELI; MAZZILO,
2007, p. 253).
Já os estudos de Machado e Cristóvão (2009), referem-se às representações
sobre o professor e sobre o seu trabalho. O objetivo é analisar como o agir do
professor é representado em textos prescritivos. A partir da análise, as autoras
observam que as prescrições incidem sobre todas as atividades do professor, sobre
os seus conhecimentos e sobre seu agir realizado em sala de aula. Outra questão
observada é com relação às tarefas que devem ser desenvolvidas pelo professor em
sala de aula, essas são enumeradas de maneira genérica, ocasionando uma
incompreensão do real trabalho do professor.
Assim, guiados por esses posicionamentos conceituais, consideramos que a
relevância desta pesquisa para a área de Estudos Linguísticos, linha de pesquisa
Linguagem e Interação, consiste na importância de estudar o ensino pelo viés do
trabalho (MACHADO et al., 2004). Nesse caso, trata-se de apresentar
representações sobre o trabalho docente a partir do uso do Livro Didático, o qual
“está presente cotidianamente na sala de aula e constitui um dos elementos básicos
da organização do trabalho docente” (BATISTA, ROJO, ZÚÑIGA, 2005, p. 53).
Partir da representação do agir docente através do uso do Livro Didático
implica deslocar o foco da avaliação para os professores, principais interlocutores do
Livro Didático, a fim de compreender como revelam a sua organização a partir do
uso efetivo desse material. Nesse processo, entendemos que o Livro Didático é o
material ofertado às escolas e, por isso, a necessidade de buscarmos compreender
o uso dessa ferramenta no ensino de Língua Portuguesa, valorizando as vozes dos
professores, as suas experiências e conhecimentos sobre o processo de escolha,
21

distribuição, descrição e utilização do Livro Didático. Assim, as ações descritas e as


reflexões suscitadas nesta pesquisa podem contribuir para o reconhecimento e para
a constituição profissional dos docentes.
Desse modo, o objetivo desta pesquisa é buscar, na interação com os
professores, os fundamentos que norteiam as práticas efetuadas pelo professor a
partir do uso do Livro Didático. De fato, seguimos o que é proposto na teoria do ISD,
uma vez que consideramos a linguagem e sua relação com as atividades humanas,
aqui representadas pelo trabalho docente.
Para fundamentar este trabalho, buscamos, inicialmente, revisar a literatura
sobre a área de pesquisa. Para tanto, no capítulo dois, apresentamos a perspectiva
interacionista de Vygotsky, abordando os principais elementos que compõe essa
área de estudo, bem como os princípios que orientam e contribuem para a
construção da perspectiva do ISD. Na sequência, expomos os conceitos que
compõem a teoria do ISD, tendo como referência Bronckart (2012).
No capítulo três, buscamos, dentro da perspectiva do ISD, apresentar os
princípios teóricos que orientam a concepção de trabalho. Sendo assim,
inicialmente, descrevemos a constituição do termo trabalho. Por fim, expomos os
pressupostos teóricos do ISD que fundamentam e definem o trabalho do professor.
No capítulo quatro, descrevemos os aspectos referentes ao ensino de Língua
Portuguesa no Brasil. Inicialmente, apresentamos os fatores históricos e políticos
que deram origem e desenvolvimento aos manuais didáticos. Em seguida,
realizamos uma contextualização acerca de dois programas criados na década de
90, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e o Programa
Nacional do Livro Didático.
No capítulo cinco, descrevemos os princípios metodológicos que orientam a
pesquisa. Para tanto, apresentamos o contexto e os sujeitos envolvidos na pesquisa,
o procedimento de coleta de dados e o procedimento de análise dos materiais
coletados.
Para finalizar, no capítulo seis, buscamos desenvolver a discussão e a análise
dos dados. Para tanto, descrevemos e analisamos como o professor representa o
seu trabalho a partir do uso do Livro Didático. Em outras palavras, se o professor,
em seu discurso, revela que se apropria desse material enquanto um instrumento de
ensino. Os dados serão descritos e analisados a partir dos pressupostos teóricos do
22

ISD, no que concerne ao contexto de produção e aos três níveis de análise, a saber:
o organizacional, enunciativo e o semântico.
Diante do que foi mencionado, ao realizar esta pesquisa, buscamos refletir
sobre a representação do trabalho docente a partir do uso do Livro Didático. Isso
possibilitará um olhar diferenciado sobre o ensino de língua materna, olhar esse que
considera o trabalho docente, as experiências, as práticas e as opiniões reveladas
pelos professores sobre o ensino de Língua Portuguesa e sobre seus trabalhos
tendo como referência o Livro Didático.
23

2 O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO: AS ORIGENS DE SEU


DESENVOLVIMENTO

Neste capítulo, pretendemos introduzir a perspectiva teórica que fundamenta


este trabalho. Para isso, iniciamos apresentando os pressupostos teóricos do
Interacionismo Social, com referência a Vygotsky.
O Interacionismo Social articula-se a princípios humanos e sociais. É uma
corrente teórica que valoriza o papel do social no quadro de desenvolvimento
humano. Por entendermos o Interacionismo Social como um campo de investigação
contextualizado, é de suma importância ressaltar que os pressupostos dessa
corrente teórica servem de fundamento para o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD),
teoria à qual nosso trabalho encontra-se vinculado.
Assim sendo, para dar continuidade à contextualização teórica,
apresentamos, na sequência, os principais elementos que fundamentam a
perspectiva do ISD, indispensáveis para que compreendamos o objetivo deste
trabalho.

2.1 INTERACIONISMO SOCIAL – CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY

Muitas das percepções que dispomos no campo da interação são oriundas do


Interacionismo Social de Vygotsky que adquire o seu contorno ao longo do século
XX, se constituindo como uma perspectiva de grande importância para o
entendimento do social no campo do desenvolvimento humano. Lev Sémionovich
Vygotsky, pensador russo e soviético, é considerado como um dos fundadores das
ciências do homem, uma vez que realiza investigações com os sujeitos, com o
intuito de compreender e apresentar como ocorre o processo de desenvolvimento
humano.
Os estudos de Vygotsky (1998), sobre a origem social da memória, levaram à
identificação de dois campos de investigação. O primeiro corresponde à memória
natural, que exerce a sua influência sobre o povo iletrado e caracteriza-se por não
desempenhar uma mediação entre os instrumentos materiais. Do mesmo modo,
essa memória é característica de um imediatismo, pois se configura a partir de
elementos de ordem biológica, que condicionam os seres humanos a construir a sua
24

memória apenas pela influência dos elementos ambientais. Em oposição, Vygotsky


(1998) pressupõe que há outros tipos de memória, pertencentes ao segundo campo
de investigação, que contribuem para a construção dos sujeitos e para o
desenvolvimento de capacidades propícias da espécie humana. Para Vygotsky
(1998, p. 52), a memória deve estar “além das dimensões biológicas do sistema
nervoso humano, permitindo incorporar a ele estímulos artificiais, ou autogerados,
que chamamos de signos”.
Para Vygotsky (1998), os elementos biológicos, oriundos da forma elementar
de comportamento, são desenvolvidos a partir de um processo de estímulo e
resposta, tal qual foi desenvolvido pela corrente Behaviorista. Partindo dessa
estrutura, o autor defende uma abordagem que esteja centrada em fatores de
origem sociocultural, apresentando o signo como elemento de ligação entre o
estímulo e a resposta, aquilo que contribui para a coordenação das ações humanas.
Para Vygotsky (1998, p. 54), “o uso de signos conduz os seres humanos a uma
estrutura específica de comportamento, que se destaca do desenvolvimento
biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura”.
Partindo desses pressupostos, estamos diante de dois processos de
desenvolvimento humano. Um desses é de origem biológica, que são os processos
elementares. O outro é de origem sociocultural, caracterizado pelos processos
psicológicos superiores. Para Vygotsky (1998), o desenvolvimento humano nasce
através da relação entre esses elementos biológicos e socioculturais. Assim, não é
possível conceber o desenvolvimento humano sem o auxílio dos elementos de
ordem sociocultural, pois a criança, à medida que é integrada ao contexto social, se
relaciona com outros seres humanos e, a partir disso, vai construindo novos
conhecimentos que contribuem para o seu desenvolvimento enquanto sujeito
pensante e ativo. Em outras palavras, “o homem não é apenas um produto de seu
ambiente, é também um agente ativo no processo de criação deste meio” (LURIA,
2006, p. 25).
Dessa forma, compreendemos que a relação entre os elementos biológicos e
socioculturais inicia na infância. Enquanto a criança cresce, desenvolve novas
habilidades, novas formas de compreender e interagir no meio social. Em um
estágio inicial, as crianças pensam por intermédio da memória. No entanto, ao longo
do seu desenvolvimento, essa prática vai se modificando e, aos poucos, esse sujeito
25

vai construindo novas formas de interação social. Se na fase inicial, “pensar significa
lembrar”, para um estágio mais avançado, durante a adolescência, “lembrar significa
pensar”. Isso é uma evolução que ocorre ao longo do desenvolvimento dos seres
humanos, uma vez que as funções cognitivas passam de um processo de lembrança
de um elemento isolado para um processo complexo, em que são desenvolvidos
conceitos abstratos e novas formas de representar e compreender o mundo
(VYGOTSKY, 1998, p. 67).
Para exemplificar esse processo de memorização, muitas vezes utilizamos
determinados objetos que servirão para outros fins, como para recordar alguma
informação que não poderá ser esquecida em determinado momento. Essa prática é
característica das formas superiores de comportamento, uma vez que “os seres
humanos lembram alguma coisa” (VYGOTSKY, 1998, p. 68) com o auxílio de
instrumentos. Nesse processo, o objeto é ressignificado, recebendo outro sentido e
outra função interna. Apesar disso, o elemento não deixa de ter a sua concretude,
apenas é modificada sua forma de ação.
Considerando esses fatos, o processo de memorização ocorre com o auxílio
dos instrumentos psicológicos, que servem de ligação entre um estímulo e uma
resposta, contribuindo para as atividades psíquicas dos sujeitos. De fato, os
instrumentos psicológicos servem de orientação para os indivíduos. Parece-nos, em
um primeiro momento, que apenas os signos podem ser considerados como
instrumentos psicológicos. No entanto, Vygotsky considera que todos os elementos
da realidade podem se tornar um instrumento. Isto é, os objetos materiais, ao serem
transformados pelo sujeito, podem representar um instrumento psicológico. Friedrich
(2012) pressupõe que o instrumento psicológico é um elemento artificial, apresenta
uma natureza social e está direcionado para o controle do comportamento psíquico
do sujeito.
Com base nisso, Vygotsky (1998) parte de um princípio que considera uma
transição do social para o psíquico. Tendo em vista esse fundamento, o autor
considera as funções psicológicas superiores, que são constituídas com o auxílio
dos instrumentos, como o elemento capaz de propiciar uma interação do sujeito com
o meio social e do mesmo modo contribuir para a transformação do meio e do
próprio sujeito. Com isso, Vygotsky (1998) aponta o papel fundamental do signo,
enquanto instrumento capaz de propiciar essa interação do homem com o meio
26

social. Da mesma forma, quando passa a ser internalizado, o signo contribui para o
pensamento consciente do sujeito, ou seja, para a capacidade do sujeito de
organizar e elaborar suas próprias ações e agir sobre o meio social, modificando o
ambiente externo e a si mesmo.
É nesse processo de mediação, de coordenação das ações humanas, que
ocorre a internalização da linguagem. Essa internalização é fruto da uma mediação
dos signos linguageiros, passando ao sujeito o equilíbrio do seu próprio
comportamento. Luria (2006) ressalta que conforme a criança cresce, vai dispondo
de capacidades que a tornam apta a internalizar as informações. As referências
externas passam a ser internalizadas, contribuindo, assim, para o desenvolvimento
do pensamento consciente do sujeito.
A fim de descrever as origens desses estudos de Vygotsky (2000), partimos
do pressuposto de que a linguagem e o pensamento apresentam inicialmente raízes
genéticas distintas. O que se tem é uma linguagem pré-intelectual e um pensamento
pré-verbal. Esse período envolve as primeiras reações da criança, como choros e
balbucios. Nesse processo, ainda não há uma relação com os signos, por isso o
pensamento e a linguagem são considerados como fatores distintos. Quando os
signos são representados, a linguagem e o pensamento passam a estar
relacionados e isso resulta em uma nova fase de desenvolvimento, em que o
significado da palavra será considerado como a unidade do pensamento e da
linguagem.
Para Vygotsky (2001), o significado da palavra se desenvolve, não
permanece estático e imutável. Em outras palavras, “o significado da palavra é
inconstante. Modifica-se no processo do desenvolvimento da criança. Modifica-se
também sob diferentes modos de funcionamento do pensamento. É antes uma
formação dinâmica que estática” (VYGOTSKY, 2001, p. 408). Como resultado desse
processo, o autor considera que se o significado da palavra se modifica em seu
interior, também ocorre uma modificação entre o pensamento e a palavra. Por sua
vez, o pensamento e a palavra são vistos enquanto processos em desenvolvimento,
pois compreendem diversos estágios e impulsionam diversas transformações nos
seres humanos.
A partir dessas considerações, Vygotsky (2000) atribui uma designação para
a estrutura interna da linguagem. Para compreender essa estrutura, o autor parte do
27

pressuposto de que a linguagem é composta por três fases, a “linguagem exterior,


egocêntrica e interior” (VYGOTSKY, 2000, p. 137). A linguagem exterior acompanha
os diversos estágios de desenvolvimento, uma vez que os meios externos auxiliam
na internalização da linguagem. Já a linguagem egocêntrica precede a interior e, por
isso, compreende a fase inicial da criança, em que os seus pensamentos e as suas
ações são construídos em torno de seus próprios interesses, desconsiderando os
demais sujeitos que estão integrados ao ambiente social.
Vygotsky (2001) questiona os estudos de Piaget sobre a linguagem
egocêntrica. Para Piaget há a exclusão da linguagem egocêntrica, no momento em
que ocorre a inclusão da linguagem interior. Esse fato é criticado por Vygotsky
(2001), uma vez que este entende que a linguagem egocêntrica é vista como um
processo de transição, de transformação para a linguagem interior. Isso não significa
que, durante a fase adulta, em nenhum momento utilizaremos ações que denotem e
caracterizem uma linguagem egocêntrica. Pelo contrário, ao longo das nossas vidas
faremos uso de determinadas atividades condicionadas a características
egocêntricas, pensadas e atribuídas conforme os próprios interesses do sujeito.
Sendo assim, o autor postula que

a linguagem egocêntrica é a chave para a investigação da linguagem


interior. Isto porque ela é uma linguagem vocalizada, sonora, isto é, uma
linguagem exterior pelo modo de sua manifestação e, ao mesmo tempo,
uma linguagem interior por suas funções e estrutura (VYGOTSKY, 2001, p.
427).

A linguagem egocêntrica é vista como a linguagem verbalizada, utilizada pela


criança em um estágio inicial, no qual ela faz uso da vocalização para falar consigo
mesma. Não leva em consideração o auditório, os demais sujeitos que compõe
determinado ambiente social. A criança tem a necessidade de expor de forma
vocalizada tudo o que está pensando. No processo de transformação para a
linguagem interior, a criança não se verá mais obrigada a expor de forma vocalizada
tudo o que está pensando, ela simplesmente organizará as suas ideias em forma de
pensamento e exteriorizará apenas o que julgar necessário.
Sendo assim, a linguagem interior não é um reflexo da linguagem exterior. Na
linguagem interior somos levados a pensar muito mais, a atribuir inúmeros sentidos
e representações que não serão necessariamente exteriorizados. “Assim, a
linguagem interior, mesmo gravada em um fonógrafo, seria abreviada, fragmentária,
28

desconexa, irreconhecível incompreensível em comparação com a linguagem


exterior” (VYGOTSKY, 2001, p. 446).
Disso decorre o fato de Vygotsky (2001) desenvolver investigações sobre o
contexto de predicatividade, com o intuito de apresentar as diferenças que há entre
a linguagem exterior, que compreende a linguagem escrita e a falada, e a linguagem
interior. A predicatividade é caracterizada pela “simplicidade da sintaxe, o mínimo de
desarticulação sintática, o enunciado do pensamento em forma condensada e o
número consideravelmente menor de palavras” (VYGOTSKY, 2001, p. 450). A partir
dessa configuração, o autor postula que a linguagem interior exerce essas
características de predicatividade, pois no seu interior é possível produzir os mais
diversos pensamentos, sem o dever de apresentá-los externamente. Em
contraposição a essa ideia, na linguagem escrita não há a presença de
predicatividade, pois a escrita caracteriza-se como uma forma monológica, como um
elemento complexo que não pressupõe os interlocutores e por esse fato não há
como apresentar abreviações.
Entre a linguagem escrita e a linguagem interior, há a linguagem falada, que
se caracteriza como uma forma dialógica, oriunda da interação entre os sujeitos. A
abreviação estará presente quando o sujeito pressupor a presença dos
interlocutores ou quando estiver ciente de alguns elementos propícios da situação
entre os falantes. No entanto, isso não significa que ela estará presente em todos os
momentos, pois quando não se presumir os interlocutores ou a situação, não haverá
abreviação.
Sendo assim, Vygotsky (2001) considera que a “linguagem interior é o
momento dinâmico, instável, fluido, que se insinua entre os polos extremos melhor
enformados e estáveis do nosso estudo do pensamento verbal: entre a palavra e o
pensamento” (p. 474). O pensamento é exteriorizado através das palavras e essas
devem estar organizadas no sentido de que o sujeito compreenda as expressões
verbalizadas. Muitas vezes, não traduzimos em palavras tudo aquilo que pensamos.
Pensamos em determinados aspectos, porém não conseguimos expor da maneira
desejada. Com isso, estamos diante da ideia de que o pensamento não se exprime
em palavras, mas é a partir delas que se realiza. Nesse processo, o pensamento
não é mediado apenas por signos externos, mas também por significados internos.
Os significados medeiam essa passagem do pensamento para a palavra e isso
29

ocorre de maneira interna e mediatizada. Do mesmo modo, esses significados


internos organizam o pensamento consciente do sujeito e fazem com que as
expressões verbais se desenvolvam de maneira compreensiva, facilitando o
processo de interação social.
Em relação à organização do pensamento consciente, é importante destacar
que esse pensamento se desenvolve no momento em que os sujeitos estão
inseridos no ambiente escolar. Nesse período, passam a ser mobilizados conceitos
científicos, que envolvem um nível de abstração maior, no sentido de que o
processo de interação ocorre através da construção de novos conhecimentos. No
entanto, Friedrich (2012) ressalta que esses conceitos científicos, para serem
desenvolvidos, necessitam de uma interação com os conceitos cotidianos. Os
conceitos cotidianos dizem respeito às informações que são construídas entre os
sujeitos, tendo em vista um processo de interação informal, pois ocorrem no
ambiente em que os sujeitos convivem diariamente e onde passam a estabelecer
vínculos sociais.
Para representar esses conceitos, Vygotsky refere-se ao estudo da linguagem
escrita e da linguagem oral. Para o desenvolvimento da linguagem escrita, é
necessário que, inicialmente, os sujeitos construam conhecimentos acerca da
linguagem oral. Tendo o domínio dessa linguagem, os indivíduos serão capazes de
transformar esses conhecimentos em linguagem escrita. A linguagem oral direciona-
se para os conceitos cotidianos, pois o sujeito, antes mesmo de ingressar na escola,
faz uso desse instrumento de comunicação. Já a linguagem escrita articula-se ao
conceito científico, visto que é no ambiente escolar que o aluno desenvolve essa
habilidade, tornando-se capaz de expor suas ideias e conhecimentos com o uso da
escrita (FRIEDRICH, 2012, p. 101).
Considerando esse processo de aquisição da linguagem escrita, Vygotsky
postula que a criança, antes de ingressar na escola, apresenta algumas noções de
escrita. No entanto, esses fundamentos não são perceptíveis. A criança apenas
compreenderá esse processo ao ingressar no ambiente escolar, através da
mediação do professor. É o docente que apresenta, que demonstra os conteúdos,
os conhecimentos para os alunos. Como resultado, os educandos, valendo-se
dessas orientações, constroem novos conhecimentos, necessários para o
desenvolvimento do pensamento consciente (FRIEDRICH, 2012, p. 114).
30

Esses princípios articulam-se ao que se denomina de Zona de


Desenvolvimento Proximal (FRIEDRICH, 2012, p. 110). Para Vygotsky, o professor é
o mediador do conhecimento, pois, ao valer-se da realidade do aluno e das
informações que esse sujeito já possui, apresenta novos conhecimentos que
auxiliam na construção social e no desenvolvimento de novas habilidades. Segundo
Friedrich (2012), esse processo considera o poder fazer do aluno, isto é, a escola
não apresenta aos alunos as informações prontas e acabadas, cabe a eles, através
da mediação do professor, construir e desenvolver novos conhecimentos.
Tendo em vista esses pressupostos teóricos, que orientam a perspectiva do
Interacionismo Social, buscamos, na seção seguinte, retomar o quadro teórico do
ISD.

2.2. O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

O ISD é uma corrente teórica que está fundamentada nas noções gerais do
Interacionismo Social, construído por Vygotsky. Como já foi anteriormente
mencionado, o Interacionismo Social contraria os princípios teóricos de Piaget,
conforme o qual o comportamento humano é fruto de elementos biológicos, que
auxiliam no seu desenvolvimento. Ainda, opõe-se a Piaget no que concerne à
evolução dos seres humanos, pois o mesmo autor considera que esse processo é
oriundo de um individualismo, ou seja, que só à medida que os sujeitos crescem
desenvolvem princípios de ordem social e cultural (BRONCKART, 2006, p. 100).
Contrariando os princípios teóricos de Piaget, o Interacionismo Social
inscreve-se em uma corrente teórica que valoriza as relações existentes entre os
seres humanos e os aspectos de ordem social. Isto é, passa a se constituir enquanto
uma perspectiva voltada para os aspectos que compõem a ontogênese do
pensamento consciente (BRONCKART, 2006, p. 100), compreendida como a
história dos sujeitos, o processo de desenvolvimento humano e de domínio de seu
comportamento.
Aderindo a esses princípios fundadores do Interacionismo Social, o ISD é
uma corrente teórica que teve seu início na década de 1980, a partir de um grupo de
pesquisadores da Unidade de Didáticas de Línguas da Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Esse grupo de pesquisadores,
31

constituído por Bernard Schneuwly, Daniel Bain, Joaquim Dolz, Itziar Plazaol, sob a
coordenação de Jean-Paul Bronckart, desenvolveram um amplo programa de
pesquisa em que consideraram como referência maior o quadro de desenvolvimento
humano de Vygotsky e Bakhtin, no que concerne ao campo da linguagem. De
acordo com Guimarães e Machado (2007, p. 10), “esses pesquisadores
posicionaram-se a favor da reunificação da Psicologia, atribuindo-lhe uma dimensão
social, com a finalidade de esclarecer as condições da emergência e do
funcionamento do pensamento consciente humano”.
Em um primeiro momento, o ISD esteve voltado para a produção e para o
experimento de sequências didáticas, bem como para a organização de uma
perspectiva teórica que estivesse preocupada em explicar essas práticas de ensino.
Em um segundo momento, o ISD preocupou-se em aprimorar essa perspectiva
inicial e, acima de tudo, voltou-se para as atividades de linguagem, no que concerne
ao quadro de desenvolvimento humano (BRONCKART, 2006, p. 13 -14).
É nesse segundo momento que Jean-Paul Bronckart concebe um movimento
maior, em direção a uma Ciência do Humano, através de princípios teóricos que
estão atrelados à linguagem e sua relação com as atividades humanas. Com isso, é
importante destacar que o ISD parte dos pressupostos teóricos da corrente histórica
do Interacionismo Social e contraria uma possível fragmentação das Ciências
Humanas/Sociais, ou seja, não é uma perspectiva linguística ou psicológica,
tenciona ser reconhecida enquanto uma “Ciência do Humano” (BRONCKART, 2006,
p. 10).
Essa corrente busca compreender as atividades humanas e contribuir com
reflexões e mudanças no cenário social em que os sujeitos vivem e se desenvolvem.
Para compreender esse processo de desenvolvimento humano, o ISD concebe a
linguagem como aspecto determinante, no sentido de que esse elemento exerce
influência na constituição e na identidade dos seres humanos, na construção de
novos conhecimentos e no controle do comportamento humano.
De acordo com Bronckart (2008), o quadro teórico do ISD inspira-se nos
princípios do materialismo, do monismo e do evolucionismo. O materialismo envolve
os aspectos materiais que compõem as atividades humanas, inclusive o
pensamento humano, concebido como uma realidade material. O monismo concebe
todos os objetos, em sua essência, como matéria. Por mais que possa haver alguns
32

objetos físicos e outros psíquicos, isso é apenas uma diferença fenomenológica e


não de essência, como Bronckart explica. Já o evolucionismo inscreve-se em uma
corrente que considera que a matéria, no decorrer da evolução do universo,
propiciou o desenvolvimento de objetos complexos e, nos organismos vivos,
elementos para a sua própria subsistência. Somado a isso, no processo de
evolução, há uma interação entre a organização interna dos objetos com os fatores
externos.
O ISD também se inscreve em uma perspectiva dialética e histórica. As
atividades humanas não são descritas apenas por elementos biológicos; ao
contrário, para a organização dessas atividades humanas, manifesta-se a
linguagem, como instrumento capaz de propiciar o desenvolvimento humano e,
sobretudo, contribuir para ações socialmente contextualizadas.
Levando em consideração esses princípios teóricos, o programa de pesquisa
do ISD segue um método de análise descendente, que abrange três etapas para a
sua constituição:

[...] primeiro, a análise dos principais componentes dos pré-construídos


específicos do ambiente humano; depois, o estudo dos processos de
mediação sociossemióticos, em que se efetua a apropriação, tanto pela
criança quanto pelo adulto, de determinados aspectos desses pré-
construídos e, enfim, a análise dos efeitos dos processos de mediação e de
apropriação na constituição da pessoa dotada de pensamento consciente, e
posteriormente, no seu desenvolvimento ao longo da vida (BRONCKART,
2008, p. 111).

Nessa abordagem descendente, Bronckart (2008) parte de um contexto mais


amplo, dos aspectos que compõem a interação e o desenvolvimento humano, com o
intuito de, ao final, aproximar-se da língua, enquanto elemento necessário para a
construção do pensamento consciente. No entanto, Bronckart (2008) ressalta que o
quadro de desenvolvimento humano não se limita a essa abordagem descendente,
visto que essas três etapas envolvem questões de ordem dialética, nas quais o
processo de mediação contribui para a (re)construção dos coletivos e, do mesmo
modo, para o desenvolvimento das capacidades psicológicas individuais. Assim,
confirma-se a tese retomada por Mazzilo (2004, p. 302), de que “os discursos,
mesmo produzidos apenas por um só indivíduo, em pensamento, por exemplo, ou
em diálogo com o outro, são sempre dialógicos”.
33

Partindo desses princípios, no primeiro nível da abordagem descendente,


Bronckart (2006) apresenta quatro pré-construídos humanos que conduzem o
comportamento humano em sua relação com a linguagem. O primeiro compõe os
diferentes tipos de atividades humanas ou de trabalho. Esse conjunto está presente
no espaço social e, por sua vez, organiza-se através de instituições criadas nesse
mesmo contexto. O segundo constitui-se através das atividades coletivas gerais,
representadas pelo comportamento humano em sua relação com o ambiente social.
O terceiro é constituído pelas atividades de linguagem, que orientam e organizam as
ações efetuadas pelos seres humanos. Por sua vez, essas atividades realizadas por
intermédio da linguagem se realizam através dos textos, que sob diversos elementos
estruturantes, orientam as ações humanas e, por conseguinte, as interações entre
os sujeitos. O quarto é constituído pelos mundos formais, que dizem respeito às
estruturas que organizam e orientam as atividades humanas (BRONCKART, 2006,
pag. 128-129).
Em um segundo nível há os processos de mediação formativa, em que o
adulto integra as crianças nesse conjunto de pré-construídos. Já o terceiro nível está
relacionado aos resultados que “essas mediações formativas exercem sobre os
indivíduos” (BRONCKART, 2006, p. 129). Nesse caso, as interações que os adultos
estabelecem com as crianças auxiliam em seu crescimento e no desenvolvimento de
seu pensamento consciente. Em outras palavras, as crianças passam a realizar
abstrações, a desenvolver estruturas interiores que contribuem para o domínio de
seu comportamento (BRONCKART, 2006, p. 129). Machado (2009) ressalta que,
nessa abordagem descendente, a linguagem assume um papel fundador e,
sobretudo, a atividade discursiva um papel decisivo, visto que essa atividade é
envolvida pelos três níveis acima mencionados, isto é, coordena as atividades
humanas, contribui para que os seres humanos memorizem os pré-construídos e,
por último, auxilia no desenvolvimento do pensamento consciente humano.
Para compreender esse papel central da linguagem, Bronckart (2012)
recupera outros princípios teóricos que explicitam essa ideia e contribuem para uma
visão mais ampla sobre a função da linguagem. O autor considera os pressupostos
teóricos de Habermas (1987), que enaltecem o agir comunicativo e as relações entre
linguagem e atividade humana.
34

De acordo com Bronckart (2012), o agir comunicativo é uma dimensão


constituída, inicialmente, pelo psiquismo humano. Essa dimensão advém do
surgimento da linguagem enquanto um instrumento de negociação humana que
auxilia no desenvolvimento das atividades propícias da espécie humana. É no
âmbito dessas ações que surge o signo, como instrumento representativo do
ambiente em que os sujeitos encontram-se envolvidos. Por outro lado, o agir
comunicativo também é constitutivo do social. Nesse contexto, os signos são
instrumentos que estão disponíveis a todos os indivíduos, contribuindo para o
desenvolvimento de representações individuais. Entretanto, veiculam-se também
representações coletivas sobre o meio, que podem ser concebidas como os mundos
representados.
Para Habermas, a atividade humana é constituinte da representação de três
mundos: mundo objetivo, mundo social e mundo subjetivo. O mundo objetivo diz
respeito às atividades desenvolvidas em um espaço físico. Essa representação
requer certos conhecimentos materiais que possam contribuir para a mobilização da
atividade. Já o mundo social direciona-se para as atividades que são desenvolvidas
por um grupo particular, as quais se organizam a partir de regras e restrições. Os
conhecimentos coletivos oriundos dessas regras de organização contribuem para a
constituição do mundo social. Por fim, as atividades também se desenvolvem
através de pessoas, que além de serem formadas por fatores psíquicos, individuais,
também são fruto de um processo público de conhecimento. O produto desse
processo é característico do mundo subjetivo (BRONCKART, 2008, p. 22).
Bronckart (2012) assegura que, por intermédio do agir comunicativo, “o
homem transforma o meio (ou o mundo em si, que permanecerá eternamente como
um “limite jamais atingido”) nesses mundos representados, que constituem, a partir
daí, o contexto específico1 de suas atividades” (p. 34). Com isso, há a influência do
social sobre o humano, isto é, os conhecimentos humanos passam a envolver
questões de ordem coletiva. Esses supostos aspectos coletivos organizam-se em
um mundo representado, a saber: o mundo social. Por sua vez, o mundo social
orienta os indivíduos quanto aos objetos que se encontram no meio e, por esse fato,
acaba conduzindo a estruturação do mundo objetivo e subjetivo.

1
Grifos do autor.
35

Dessa abordagem, a linguagem assume, inicialmente, “uma produção


interativa associada às atividades sociais” (BRONCKART, 2012, p. 34), é o
instrumento de comunicação, de interação comunicativa no decorrer das atividades
humanas. À sombra dessa dimensão que a linguagem assume, a confrontação do
valor ilocutório das produções interativas se harmoniza com signos. Cada signo
corresponde a uma significação, a uma representação do mundo e, por conseguinte,
a linguagem passa a assumir outra função, que, de acordo com Bronckart (2012), é
da ordem representativa ou declarativa.
Para Bronckart (2012), as interações com o meio social transformam as
representações dos seres humanos. Por sua vez, essas representações passam a
ser concebidas enquanto atividades particulares, já que os signos, por mais que
possam vir a exercer atividades coletivas, desempenham uma função autônoma.
Assim, atribui-se o “nascimento de uma atividade que é propriamente de
linguagem e que se organiza em discursos ou em textos2” (BRONCKART, 2012,
p. 35). Esses textos, por sua vez, se diferenciam em gêneros. É através dos textos,
dos signos, que se “constroem os mundos representados definidores do contexto
das atividades humanas, esses mundos, por sua vez, também se transformam
permanentemente” (BRONCKART, 2012, p. 35).
Sob essa dimensão, compreendemos que a linguagem é o instrumento que
conduz a esse processo de desenvolvimento de atividades humanas. Por intermédio
da linguagem, o indivíduo apropria-se dos três mundos e, com isso, orienta as suas
próprias ações.
De acordo com Bronckart (2012), as atividades de linguagem se realizam
apenas no quadro de uma língua natural particular. Nesse caso, cada língua é
constituída por elementos próprios, por uma semântica que a orienta e organiza. É
através dessa organização semântica, dessa condução própria de significados e
sentidos, que os mundos representados se constituem.
Nesses mundos temos comunidades verbais heterogêneas, com diversos
fatores sociais que interferem em seu processo de organização. São opiniões
divergentes, complexas e com aspectos sócio-históricos que influenciam e
conduzem a uma diversidade linguística. No que concerne a essa dimensão,

2
Grifos do autor.
36

Bronckart (2012) acrescenta que toda comunidade verbal é composta de diversas


formações sociais, cada uma desempenhando as suas atividades com objetivos e
interesses individuais. É no quadro dessas formações sociais que são considerados
os pressupostos teóricos de Foucault (1969), no que tange às formações
discursivas. As formações discursivas, que o ISD conceberá como formações
sociodiscursivas,

[...] são mecanismos que, no próprio movimento que gera modalidades


particulares de organização dos signos que chega a formas variadas de
3
“discurso” (que chamaremos de gêneros de textos ), moldam os
conhecimentos (objetos, conceitos, estratégias, etc.) dos membros de uma
mesma formação social de uma forma particular (BRONCKART, 2012, p.
37).

Bronckart (2012) assegura que toda a língua é heterogênea e, por esse fato,
não deve ser concebida enquanto um produto isolado, homogêneo. Sob esse ponto
de vista, os mundos representados, que contribuem para o desenvolvimento das
atividades humanas, são orientados por pressupostos particulares que advêm dos
gêneros de texto em uso, por características específicas que definem os diversos
tipos de texto, fazendo com que os sujeitos construam representações distintas
sobre objetos que se encontram no espaço social.
Para Bronckart (2012), uma língua natural só se realiza através de produções
verbais, constituídas em situações distintas e em múltiplos contextos sociais. Essas
diversas formas de produção verbal são denominadas de textos, compreendidos
como “toda unidade de produção linguageira situada, acabada e auto-suficiente”
(BRONCKART, 2012, p. 75). Essas unidades, por sua vez, organizam-se através de
diversos conjuntos, denominados de gêneros de texto. Os gêneros desempenham
uma relação de dependência com as atividades humanas e, por isso, Bronckart
(2012) assegura que

os gêneros são múltiplos, e até mesmo em número infinito, os segmentos


que entram em sua composição (segmentos de relato, de argumentação, de
diálogo, etc.) são em número finito, podendo, ao menos parcialmente, ser
identificados por suas características linguísticas específicas (p. 75-76).

3
Grifos do autor.
37

Diante dessa definição, compreendemos que os gêneros desempenham uma


importante função no quadro de desenvolvimento das atividades humanas. Eles
representam o instrumento necessário para que as interações aconteçam e para que
os indivíduos possam desempenhar as suas atividades de forma socialmente
contextualizada.
Como afirma Bronckart (2012), o projeto do ISD parte de princípios teóricos
que consideram “as ações humanas em suas dimensões sociais e discursivas
constitutivas” (p. 31). Com isso, cumpre-nos salientar que as pesquisas que orientam
essa corrente teórica centram-se na análise de textos, sejam orais ou escritos, com
a finalidade de identificar como se desenvolvem as atividades humanas, sejam elas
sobre o ensino ou sobre o trabalho.
Concluída a apresentação da teoria do ISD, buscamos, no capítulo seguinte,
apresentar os princípios teóricos que orientam a perspectiva do trabalho. Para tanto,
inicialmente, discorremos sobre a constituição do termo trabalho, em específico o
trabalho docente, para na sequência, apresentar os pressupostos teóricos do ISD
que fundamentam e definem o trabalho do professor.
38

3 TRABALHO DOCENTE: O ISD NO BRASIL

No Brasil, as pesquisas sobre o trabalho docente, com base no ISD,


originaram-se no Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem (LAEL/PUC-SP), que mantém, desde 1994, um acordo com
a Universidade de Genebra. Ao mesmo tempo, nesse período, foram surgindo nas
universidades do Brasil diversas pesquisas no campo teórico do ISD. Em
decorrência desse fato, em 2005, durante a realização do Congresso Internacional
Linguagem e Interação na UNISINOS, houve a consolidação do grupo ALTER, que
reúne diversos pesquisadores do Brasil, da Universidade Nova de Lisboa, em
Portugal, e também da Argentina. Esse grupo segue os pressupostos teóricos do
ISD e foi criado com o objetivo de promover pesquisas que auxiliem na constituição
dessa perspectiva teórica, uma vez que sempre há novas descobertas e novas
formas de compreender a linguagem em sua relação com as atividades humanas,
em específico sobre o trabalho docente (MACHADO, 2007, p. 11).
Neste capítulo, pretendemos, inicialmente, descrever a constituição do termo
trabalho, a fim de compreender os processos sócio-históricos que originaram as
pesquisas voltadas para o trabalho docente. Na sequência, apresentamos as
pesquisas realizadas no Brasil, no quadro do ISD, tendo como foco o trabalho
docente.

3.1 A CONSTITUIÇÃO DO TERMO TRABALHO

Os estudos de Machado (2007), sobre a origem do termo trabalho,


demonstraram que o primeiro sentido para esse conteúdo tem relação com o que se
manifestou na Bíblia, sendo o trabalho considerado como um agir humano sobre a
natureza, como uma fonte de sobrevivência dos seres humanos. Na Grécia e em
Roma, essas atividades de subsistência eram realizadas apenas pelos escravos.
De acordo com Machado (2007), o termo trabalho só aparece nas línguas
românicas no século XI. A atribuição de um nome e a valoração positiva quanto ao
seu propósito surgem com as Reformas e a ética protestante, que além de pregar a
palavra de Deus e exercer as atividades com a fé, valorizava a participação em
39

atividades sociais e econômicas que fossem contribuir para a sociedade e para as


pessoas em particular.
Contudo, foi no século XVIII que houve a consolidação desse termo, conforme
os discursos que ainda hoje encontramos. Isso foi possível através da organização
do processo de trabalho fabril. Conforme Machado (2007), é nesse período que
surgem algumas denominações, como a divisão entre trabalho produtivo e trabalho
improdutivo. O primeiro referia-se ao trabalho doméstico, já o segundo, ao
intelectual.
Essas denominações para o trabalho se mantêm ao longo do século XIX. No
entanto, nesse período, surgem as ideias de Engels e Marx, que contrariam essa
caracterização. Esses autores conceituam o termo “como atividade universal criativa,
de expressão e de realização do ser humano” (MACHADO, 2007, p. 84). À medida
que o sujeito realiza o seu trabalho, “vai descobrindo e desenvolvendo plenamente a
sua própria realidade” (MACHADO, 2007, p. 84).
Dessa conceptualização, surge uma distinção entre o verdadeiro trabalho e o
trabalho alienado. Conforme Machado (2007, p. 84), “o „verdadeiro trabalho‟ seria
aquele que engaja a totalidade do humano e potencializa o desenvolvimento de suas
capacidades”. Em outras palavras, são as atividades que fazem com que o sujeito
cresça enquanto pessoa e profissional. Já o “trabalho alienado” refere-se “às formas
históricas de sua realização concreta na sociedade capitalista e que [...] seriam
impedimentos para a realização e o desenvolvimento do trabalhador” (MACHADO,
2007, p. 84).
Com relação ao processo de realização do trabalho, foi no século XX que a
organização do trabalho industrial ganha os seus primeiros contornos, a partir dos
estudos de Taylor (1965), que defendia uma ciência do trabalho, a qual seria
composta por técnicas e procedimentos de análise e vistoria do trabalho realizado
nas fábricas, do tempo destinado e utilizado para a atividade. Com essa proposta,
buscava-se adquirir um controle sobre o trabalho, bem como, almejar uma maior
produtividade e lucratividade.
Nos Estados Unidos, até o final da Segunda Guerra Mundial, eram realizados
estudos a fim de selecionar pessoas capazes de desempenhar determinadas
tarefas. Com essa prática, buscava-se uma maior produtividade com foco nas
atividades que os trabalhadores poderiam desempenhar de forma satisfatória. Com
40

o pós-guerra, surgem novos modelos de pensar o trabalho que, de certa forma, se


distanciam das práticas até então desenvolvidas nos Estados Unidos. Nesse
sentido, para os pesquisadores da França “não se tratava mais de adaptar os
indivíduos ao trabalho, mas de melhorar as condições de trabalho para esses
indivíduos” (MACHADO, 2007, p. 86). Sob essa visão, surge a ergonomia de
vertente francesa, que buscava compreender o funcionamento global das atividades
humanas, valorizando as condições de trabalho dos indivíduos.
O que se pode dizer é que a ergonomia francesa surge em resposta aos
protestos e as reinvindicações dos trabalhadores franceses. Esses protestos foram
realizados a fim de que as práticas do taylorismo, até então vigentes, fossem
modificadas, uma vez que sob essa dimensão as tarefas eram prescritas e os
trabalhadores deviam realizá-las sem pensar no trabalho real e em fatores que
pudessem interferir nesse trabalho.
A partir dessa nova visão de trabalho, surgem duas noções oriundas da
ergonomia francesa, que são: o trabalho prescrito e o trabalho realizado. Essas
duas concepções vigoram até hoje, mesmo que reelaboradas, uma vez que hoje
muitas profissões consideram o trabalhador como verdadeiro autor e não como um
reprodutor de tarefas.
Entretanto, a ergonomia francesa e outras tendências que foram surgindo ao
longo dos anos não enfocavam, até o final da década de 90, a questão do trabalho
docente. A partir desse período, surgem novas formas de pensar o trabalho e, com
isso, um novo projeto de estudo, o trabalho docente. De acordo com Machado
(2007), esse processo é objeto, inicialmente, dos órgãos governamentais, através de
programas e documentos que orientam o ensino na escola e auxiliam na formação
dos profissionais de ensino. Para exemplificar, no Brasil, é possível destacar os
Parâmetros Curriculares Nacionais, criados no ano de 1998, a fim de auxiliar as
práticas desenvolvidas pelos professores.
Enquanto emergiam as políticas governamentais, também surgiram
movimentos de oposição a essas propostas, contrários a um trabalho prescritivo e
adeptos a uma concepção que valorizasse o trabalho do professor e práticas de
ensino centradas na realidade do aluno. Para Machado (2007, p. 90), a partir dessas
reações, foi encontrada “na abordagem ergonômica um instrumento adequado para
41

enfocarem a complexidade da atividade educacional enquanto trabalho e o real


funcionamento do professor enquanto trabalhador”.
A ergonomia francesa contribuiu de forma significativa para a reflexão sobre o
trabalho do professor, sobre as reais circunstâncias que envolvem o seu trabalho.
No entanto, essa teoria, assim como outras, passou a apresentar diversas definições
provisórias para o que vem a ser o trabalho docente, sofrendo alterações conforme
as atividades exercidas pelos profissionais de ensino.
Nesse quadro de possíveis definições para o trabalho do professor, o ISD tem
buscado compreendê-lo levando em consideração a realidade dessa atividade e
todos os fatores que estão envolvidos nesse processo. Nesse sentido,
apresentamos, na seção seguinte, as pesquisas realizadas no Brasil, a partir da
perspectiva do ISD, com enfoque no trabalho docente.

3.2 TRABALHO DOCENTE

As pesquisas realizadas no Brasil, na perspectiva do ISD, têm-se voltado,


conforme Machado e Guimarães (2009), para a análise de textos, com o intuito de
compreender as diversas formas de agir dos seres humanos e a influência do
contexto e dos elementos científicos e sociais nesse agir. Partindo desses
pressupostos, os estudos se desenvolveram em dois campos de investigação. O
primeiro, de ordem didática, direciona-se para questões relativas aos gêneros
textuais e para a construção e avaliação de materiais didáticos, bem como a análise
e apreciação de práticas educacionais. Já o segundo, volta-se para a representação
do agir humano a partir dos textos, nesse caso, o agir pensado através do trabalho
docente.
Ao assumir os pressupostos do segundo campo de investigação, Machado e
Guimarães (2009) consideram o trabalho docente em sua relação com a linguagem.
Para compreender essa ligação, é necessário partir do trabalho representado em
diversos textos, sejam eles prescritivos, do contexto de trabalho ou em situação
avaliativa. A partir desse procedimento, é possível compreender como o agir do
professor se configura e se desenvolve no ambiente educacional.
Em primeiro lugar, o ISD parte do trabalho docente, pois são poucas as
pesquisas no Brasil que direcionam o olhar para o ensino pelo viés do trabalho. Em
42

segundo lugar, são diversos posicionamentos que norteiam e definem o agir do


professor. Conforme Machado et al. (2004), o ISD apresenta um posicionamento
contrário a um discurso generalizador, que considera o professor como o sujeito que
necessita de uma melhor formação e de maiores conhecimentos. Por último, o
interesse pelo trabalho do professor é justamente uma forma de compreender esse
processo e os diversos instrumentos que influenciam e organizam esse agir em sala
de aula.
Sendo assim, julgou-se necessário partir de uma definição do trabalho
docente. Para tanto, Machado e Bronckart (2009b) consideram as noções
apresentadas por Clot (1999), Amigues (2004) e Saujat (2002) e, articulados a esses
princípios, buscam representar o trabalho do professor, tendo consciência de que
esse agir está dentro de um contexto social específico que envolve tanto situações
imediatas como situações complexas. Esse trabalho envolve as seguintes
características:

Quadro 1- Características do trabalho docente

Pessoal São os aspectos físicos, mentais, práticos e emocionais que constituem


os seres humanos. Esses elementos contribuem para a completude do
trabalhador enquanto ser humano capacitado a exercer as atividades que
se apresentam no meio social.

O trabalhador age sobre o meio social, modificando o ambiente externo e


Interacional a si mesmo.

O trabalho é mediado por instrumentos materiais ou simbólicos, que são


Instrumentos ofertados e que participam das atividades realizadas pelo trabalhador.

Esse trabalho envolve uma interação com o outro que pode ser direta ou
Interpessoal indireta, dependendo da situação e dos sujeitos envolvidos nesse
processo.

Impessoal As atividades realizadas pelo trabalhador são prescritas por instâncias


superiores, que orientam e coordenam as práticas de ensino.

Nesse trabalho há modelos de agir, que orientam e que dão suporte às


Transpessoal práticas de ensino.
.
Fonte: Adaptado de Machado e Bronckart (2009).
43

Dadas essas circunstâncias, o trabalho docente é fruto de uma relação entre


diversas esferas sociais, sendo que todas influenciam, direta ou indiretamente, o
ensino que é desenvolvido pelo professor em sala de aula. Isto é, a esse trabalho
articulam-se situações de planejamento e de avaliação das aulas, com a finalidade
de desenvolver a aprendizagem dos alunos, tendo em vista os conteúdos propostos
pela disciplina. Por sua vez, esses conteúdos são orientados por órgãos superiores
e são desenvolvidos pelo professor em sala de aula, com o auxílio dos materiais
didáticos (MACHADO, 2007, p. 93).
De fato, devemos compreender o trabalho docente não como algo isolado,
competindo única e exclusivamente ao professor escolher e organizar as práticas
que serão efetuadas em sala de aula. Ao contrário, o trabalho do professor é
resultado da construção de fatores sócio-históricos, que influenciam e organizam
esse agir no contexto escolar.
Machado (2009) considera que a atividade educacional é composta por três
níveis de organização: o sistema educacional, o sistema institucional e o sistema
didático, conforme demonstrado no esquema a seguir:

Figura 1- Esquema dos diferentes níveis de atividade educacional

Fonte: (MACHADO, 2009).

O primeiro nível é representado pelo sistema educacional, que compõe as


diretrizes e as normas que organizam o ensino na escola. Nesse sistema,
encontram-se os PCNs, um dos documentos prescritivos que organizam e
fundamentam o ensino de Língua Portuguesa na escola. O segundo nível é
composto pelo sistema de ensino, que corresponde às instituições escolares, as
propostas das disciplinas e os materiais didáticos que servem de suporte para o
44

professor. Em um terceiro nível, encontramos o sistema didático, esse composto


pelo trabalho do professor, realizado através de uma relação entre os alunos e o
conhecimento.
Dentro desses três níveis de atividade educacional, interferem outras
atividades sociais, sejam elas de ordem política, econômica, científica ou cultural.
Essas atividades influenciam o processo de ensino, uma vez que atuam na
sociedade e provocam alterações no meio social.
De acordo com esse esquema da atividade educacional, o trabalho do
professor se configura no terceiro nível, que corresponde ao sistema didático. Esse
agir do professor é influenciado por diversos fatores que participam e contribuem
para o desenvolvimento da aprendizagem. É importante considerar que o trabalho
do professor “não se encontra isolado, mas em uma rede múltipla de relações
sociais existentes em um determinado contexto sócio-histórico e inserido em um
sistema de ensino, em um sistema educacional” (MACHADO, 2007, p. 92). Isso
pode ser demonstrado no esquema a seguir:

Figura 2 - Esquema da atividade do professor em sala de aula

Fonte: (MACHADO, 2009).

De acordo com esse esquema, Machado e Lousada (2010) reconhecem que


todos os elementos (professor, objeto, artefatos/instrumentos, outrem) interagem
entre si, um influenciando o outro. Em outras palavras, nessa atividade do professor
há uma constante interação com outros actantes, como a direção da escola e os
pais dos alunos, que direta ou indiretamente participam do processo de ensino. Do
mesmo modo, nessas atividades realizadas pelo professor há a presença de
artefatos, materiais ou simbólicos, que se articulam às práticas de ensino. Esses
artefatos são caracterizados por Machado (2009, p. 38) “como toda coisa finalizada
45

de origem humana”. Para ilustrar, os artefatos materiais são os objetos que circulam
no meio social. Já os simbólicos são os signos, as regras, as metodologias de
ensino e os planos de aula que orientam as práticas de aprendizagem.
O professor, para fazer uso desses artefatos, os transforma em instrumentos
de ensino, o que garantirá não só a mudança do objeto, mas também dos sujeitos
envolvidos nesse processo de ensino. Para Machado e Lousada (2010, p. 629), “o
instrumento auxilia a organizar o meio, age sobre o outro e sobre o sujeito professor
e vice-versa, o que pode levar à própria transformação dos artefatos sociais”.
De acordo com esses fatos, para que o professor desenvolva o seu trabalho,
é necessário que ele disponha de artefatos. Entretanto, esses artefatos por si só não
serão o suficiente para garantir a mediação e a transformação do sujeito. É
necessário que o professor se aproprie desse artefato e o transforme em um
instrumento, para que novas representações sejam construídas e, com elas, uma
finalidade, um objetivo para o desenvolvimento de determinada ação. Como
resultado, “a sua atividade pode ser altamente criativa, dado que o professor recria
esses artefatos de acordo com as diferentes situações, necessidades e
capacidades” (MACHADO; LOUSADA, 2010, p. 627).
Esse conceito de instrumento é oriundo de Vygotsky e por esse fato, deve ser
compreendido enquanto algo que é construído ou adaptado pelo próprio sujeito. Em
outras palavras, não como algo pronto, apresentado para o professor utilizar sem
realizar as modificações necessárias. Ao contrário, essa concepção de instrumento
envolve o desenvolvimento de práticas de ensino que, além de provocar
transformações no meio social, provocam transformações nos sujeitos e contribuem
para a aquisição de novos conhecimentos.
Portanto, o professor “mobiliza seu ser integral, em suas diferentes
dimensões (físicas, cognitivas, linguageiras, afetivas etc.)” (MACHADO;
BRONCKART, 2009, p. 39), a fim de contribuir para a aprendizagem dos conteúdos
e para o desenvolvimento de habilidades nos alunos. Essas dimensões são
mobilizadas sob o viés da interação, uma vez que o professor estabelece vínculos
com os alunos, devendo pensar sempre na realidade desses educandos e em seus
conhecimentos prévios. Além disso, o professor estabelece uma relação com a
direção da escola e com os pais dos alunos, que interagem nesse meio social e
contribuem para as práticas de ensino desenvolvidas no ambiente escolar. Ademais,
46

o professor interage com os artefatos, sejam eles materiais ou simbólicos. Ao


apropriar-se desses artefatos, o docente transforma-os em instrumentos de ensino.
De acordo com o Machado (2009), é nos três níveis educacionais - sistema
educacional, sistema de ensino e sistema didático - que se desenvolve a
transposição didática. A autora sinaliza que os precursores da transposição didática
foram os pesquisadores da didática francesa, que a caracterizam como o conjunto
de saberes científicos que sofrem transformações no momento de planejar e
organizar o ensino de uma disciplina. Conforme os mesmos autores, essas
transformações acontecem através de três etapas.
A primeira etapa é o nível educacional, que corresponde à organização e ao
planejamento das diretrizes que orientam as atividades desenvolvidas no ambiente
escolar. Nesse processo de planejamento, os saberes científicos sofrem
transformações antes de serem vinculados às diretrizes que orientam o ensino na
escola. Para Machado (2009, p. 53), essas transformações não acontecem de forma
neutra, mas “sofrem um controle exercido oficialmente pelas autoridades do ensino,
mesmo que não explicitado, e também a influência de múltiplos interesses (políticos,
econômicos, ideológicos e até mesmo acadêmicos)”.
A segunda etapa diz respeito aos conhecimentos a serem ensinados. Esses,
por sua vez, sofrem transformações, o que os caracteriza enquanto conhecimentos
efetivamente ensinados. Os professores adéquam os conteúdos a serem ensinados
conforme a proposta da aula e os conhecimentos prévios dos alunos. Por fim, na
terceira etapa, os conhecimentos a serem ensinados transformam-se em
conhecimentos aprendidos pelos alunos.
Além dessas etapas, Machado (2009) explica que Bronckart apresenta uma
quarta etapa, que corresponde aos conhecimentos de aprendizagem avaliados.
Nesse processo, os conhecimentos aprendidos pelos alunos são avaliados, através
de atividades apresentadas pelo professor ou pelo sistema educacional, como a
prova do ENEM, por exemplo (MACHADO, 2009, p. 54).
São vários os resultados oriundos desse processo de transposição didática.
Um desses condiz com as diretrizes que orientam o ensino de línguas na escola. Os
conteúdos veiculados a esse ensino são complexos e abrangentes, pois envolvem
diversas perspectivas e abordagens teóricas. Sendo assim, para que a transposição
aconteça, é necessário que o professor possua um suporte teórico que o faça
47

compreender e interpretar esses conhecimentos científicos que se apresentam nas


diretrizes educacionais. Se o professor não apresentar esses conhecimentos prévios
sobre o conteúdo, não haverá o processo de transposição e as práticas de ensino
serão reproduzidas tendo em vista as atividades já anteriormente apresentadas.
Essa é uma problemática que condiz com as atividades educacionais, uma vez que
os professores devem apresentar o suporte teórico necessário para compreender as
diretrizes que orientam o ensino na escola e, a partir disso, organizar e planejar as
suas práticas de ensino (MACHADO, 2009, p. 55).
De fato, compreendemos que toda atividade educacional é complexa, pois
envolve as diretrizes que orientam o ensino na escola, as instituições escolares e os
conhecimentos do professor. Para compreender os elementos que compõem a
atividade educacional, Machado et al. (2009, p. 18) consideram que é necessário
analisar “os textos que se desenvolvem, tanto na própria situação de trabalho quanto
os que desenvolvem em outros momentos, sobre essa atividade profissional”. Sendo
assim, é possível analisar os textos produzidos na situação de trabalho, os
prescritivos e os descritivos, esses desenvolvidos após a prática.
Em princípio, têm-se os textos produzidos na própria situação de trabalho,
que, conforme Machado et al. (2009), fazem referência às relações estabelecidas
entre professor e aluno no ambiente da sala de aula. Em segundo lugar,
apresentam-se os textos prescritivos, que segundo Machado et al. (2009) podem ser
descritos como os que organizam e orientam o ensino, tais como: os PCNs, as
diretrizes, o projeto político pedagógico da escola, o plano da disciplina e os
materiais didáticos, como o Livro Didático.
Em um terceiro momento, apresentam-se os textos descritivos, oriundos das
experiências vivenciadas pelos professores em sala de aula. Para Machado et al.
(2009), são característicos desse processo os diários de aula produzidos pelos
alunos e pelos professores, os relatórios de aula e as avaliações dos alunos sobre
as práticas desenvolvidas pelos professores. Em outras palavras, são materiais que
têm como objetivo apresentar uma descrição, uma avaliação sobre as práticas
desenvolvidas pelos professores em sala de aula.
Para que ocorra uma compreensão dos textos produzidos pelos próprios
professores ou sobre as atividades realizadas por esses sujeitos no espaço escolar,
é necessário, segundo Machado et al. (2009), considerar algumas terminologias que
48

contribuem para o entendimento e a interpretação do trabalho docente. Em um


primeiro nível de análise, que corresponde aos dados, a autora apresenta as
seguintes terminologias: agir, actante, trabalho, prescrição, tarefa.
O termo agir está relacionado a qualquer manifestação humana que é
desenvolvida na sociedade. Quando essa manifestação for realizada por um
indivíduo, corresponderá a um agir individual, quando for realizada por vários
indivíduos, corresponderá a um agir coletivo. O termo actante pressupõe um
significado mais geral, se comparado com os termos agente ou ator. Dessa forma, o
termo actante refere-se a qualquer sujeito que realiza determinada intervenção. O
termo trabalho refere-se à representação de um conjunto do agir que é expresso na
sociedade. Tanto as condutas verbais como não verbais são resultantes das
prescrições que organizam e orientam o agir no espaço escolar. A tarefa
corresponde às condutas verbais e não verbais que são prescritas. Nesse caso,
estamos diante do processo de ministrar uma aula. Essa ação exemplifica uma
tarefa que é institucionalmente prescrita. Por sua vez, as tarefas são constituídas por
diferentes tipos de atos. Em princípio, na sala de aula, temos o agir do professor e,
na sequência, podemos ter a intervenção dos alunos (MACHADO et al., 2009, p. 21-
22).
Em um segundo nível de análise, que corresponde à interpretação dos textos,
Machado et al. (2009) apresentam três níveis de análise do agir: as razões, a
intencionalidade e os recursos do agir. As razões para o agir se configuram partindo
de dois elementos, dos externos ou dos motivos. Os determinantes externos dizem
respeito aos fatores sociais que definem como os elementos prescritivos podem
estar organizados. Em contraposição, os motivos são determinados por elementos
internos que condizem com a convicção do professor, que, ao desenvolver
determinada abordagem, contribui para a construção da aprendizagem dos alunos.
Já o segundo elemento diz respeito à intencionalidade do agir. Nesse caso,
estamos diante de um elemento que pode ser designado de duas formas: como
finalidades ou como intenções. A finalidade compreende a representação de um agir
individual ou coletivo que se espera atingir através de um agir coletivo. Já as
intenções correspondem à representação do agir de um indivíduo ou de vários com
relação aos objetivos que se espera alcançar de um agir individual.
49

Os recursos do agir podem ser determinados de duas formas: pelos


instrumentos/ferramentas ou pela capacidade do agente. Os instrumentos dizem
respeito a todo material que é apropriado pelo professor em sala de aula, como é o
caso do Livro Didático. Já a capacidade do agente está relacionada a fatores de
ordem interna, que condizem com os conhecimentos, as informações, os
sentimentos e as opiniões do agente.
Por último, na análise de textos produzidos pelos actantes é possível,
segundo Machado et al. (2009), atribuir a designação de atividade, quando referir-se
a um agir coletivo. Em outras palavras, são as representações de um agir coletivo
que apresentam as razões e as intencionalidades do agir. Quando corresponder a
um agir individual, que é realizado por determinado agente, estar-se-á diante de uma
ação. Nesse caso, são as representações dos motivos e das intenções do próprio
agente.
Ainda, há outros elementos que contribuem para possíveis compreensões
sobre o trabalho docente. Recuperando os pressupostos teóricos de Mazzilo (2006)
e Barricelli (2007), verificou-se que o agir do professor pode ser identificado a partir
das figuras do agir, dos verbos que descrevem o trabalho docente.
Mazzilo (2006) apresenta três categorias de agir, classificadas da seguinte
forma: agir linguageiro, agir com instrumentos e agir mental. O agir linguageiro
refere-se aos “predicados com verbos de dizer que representam o caráter
interacional do agir das professoras” (MAZZILO, 2006, p. 80). Segundo a mesma
autora, esse agir linguageiro encontra-se dividido em três categorias: pode
representar um agir imediato do aluno, uma ação não imediata do aluno ou um agir
linguageiro em reação ao agir do aluno. O agir com instrumentos, por sua vez,
representa um agir individual do professor com o auxílio de instrumentos, materiais
ou simbólicos, enquanto que o agir mental refere-se aos predicados que indicam
uma atividade mental ou capacidades do professor.
Os estudos de Barricelli (2007) apontam para as seguintes formas de agir:
agir afetivo, agir corporal, agir pluridimensional e agir prescritivo. O agir afetivo
refere-se a um agir emocional. O agir corporal refere-se a um agir físico. O agir
pluridimensional envolve mais de uma forma de agir. O agir prescritivo refere-se ao
que é prescrito, orientado por instâncias superiores. (BARRICELLI, 2007, p. 142-
143).
50

Assim, na análise deste trabalho, buscaremos explicitar essas formas de agir


nos discursos das professoras, a fim de identificar como o trabalho docente é
representado a partir do uso do Livro Didático. Finalizada essa contextualização
sobre o trabalho docente, descrevemos, no próximo capítulo, os fatores que
originaram o ensino de Língua Portuguesa no Brasil.
51

4 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

Nesta seção, pretendemos descrever aspectos referentes ao ensino de


Língua Portuguesa no Brasil. Em um primeiro momento, apresentamos os fatores
históricos e políticos que deram origem e desenvolvimento aos manuais didáticos.
Para tanto, consideramos as questões que dizem respeito ao surgimento da
disciplina de Língua Portuguesa, bem como o papel do professor nesse processo de
ensino.
Com o desenvolvimento do ensino de Língua Portuguesa no Brasil, foram
surgindo programas, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que apresentavam estratégias de
ensino e materiais didáticos, contribuindo para o processo de ensino e
aprendizagem. Desse modo, apresentamos, na sequência, os princípios que
orientam os Parâmetros Curriculares Nacionais. Por fim, são apresentadas as
orientações no Programa Nacional do Livro Didático.

4.1 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: FATORES HISTÓRICOS E


DESENVOLVIMENTO DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL

Historicamente, as atividades escolares no século XVI caracterizavam-se pela


tradição oral, ou seja, pelas práticas que eram vivenciadas e estabelecidas entre os
grupos sociais. Com o descobrimento do Brasil, há uma mudança nesse cenário. As
práticas informais, baseadas apenas em uma educação oral, perdem espaço para
as formais. Alguns indígenas e filhos de colonizadores iniciaram um processo de
aprendizagem da religião, como também das três habilidades fundamentais para
aquela época: “ler, escrever e contar”, (BUNZEN, 2011, p. 888).
O Padre Manuel da Nóbrega foi um dos grandes idealizadores desse
processo de aprendizagem. Durante o período de 1549 a 1570, houve uma grande
difusão das ideias pedagógicas dele, visto que o objetivo era conquistar cada vez
mais seguidores para o catolicismo. Para que esse objetivo fosse alcançado, houve
a necessidade do ensino oral do português europeu, bem como de os jesuítas
dominarem a língua dos índios para que pudessem interagir com os povos indígenas
(BUNZEN, 2011, p. 889).
52

Entretanto, com a morte de Padre Manuel da Nóbrega, acontece uma


mudança nesse cenário. O ensino do português europeu, até então difundido, perde
a sua importância e, com isso, surge, em 1599, o Ratio Ataque Instituto Studiorum
Societas Jesu, caracterizado pelo estudo da gramática e das formas de se
comunicar bem. Como o português europeu não era considerado como a língua de
maior ascendência, o que se buscava ensinar era a gramática e a literatura das
línguas clássicas. “O „Ratio Studiorum‟ tinha como um dos principais objetivos o bom
conhecimento dos clássicos e o uso correto das línguas latinas e gregas” (BUNZEN,
2011, p. 889).
Conforme Bunzen (2011), o que se tem nesse período é um ensino voltado
para a leitura de textos clássicos em latim e em grego. Os alunos do ensino
secundário realizavam a leitura de clássicos, como a carta de Cícero; a poesia de
Virgílio. Já o professor deveria falar em latim com seus alunos, visto que era a língua
de maior prestígio e ascendência naquela época.
Esse cenário educacional modifica-se apenas nos séculos XVII e XVIII, com
as reformas pombalinas. O objetivo dessa reforma era implantar a Língua
Portuguesa em Portugal e no Brasil, auxiliando no processo de expansão de
mercadorias e políticas que beneficiariam os portugueses. Com essa mudança, a
educação no Brasil, no século XVIII, passa a incluir o ensino da Língua Portuguesa
“nas disciplinas de Gramática, Retórica e Poética do secundário” (BUNZEN, 2011, p.
892).
Durante esse período, o ensino de Língua Portuguesa ainda se encontrava
subordinado ao latim. Apenas no ano de 1838, esse cenário se modifica, sendo a
Língua Portuguesa considerada o enfoque das aulas de gramática. Desse modo, o
ensino passa a valorizar os textos de escritores portugueses e brasileiros e a
ortografia passa a ser instituída como objeto de ensino. Em decorrência desses
fatos, no ano de 1871, foi instituído o cargo de professor de Língua Portuguesa.
Ainda, a partir desse ano, passou-se a exigir o exame em Língua Portuguesa para a
aprovação e entrada no nível superior (BUNZEN, 2011, p. 894).
É nesse cenário de mudanças no ensino de Língua Portuguesa “que a
Antologia Nacional exerceu seu domínio no ensino de Português nas escolas
secundárias” (SOARES, 2001, p. 35). As antologias nacionais eram manuais
didáticos utilizados para o ensino e aprendizagem do Português. Segundo Soares
53

(2001), essas antologias eram livros didáticos portugueses, que foram utilizados no
Brasil nos séculos XIX e XX. O ensino do português, presente nesses manuais,
estava centrado na gramática.
De acordo com Bezerra (2010), o ensino de Língua Portuguesa manteve-se
subordinado aos manuais de gramática até por volta de 1950. Até então isso era
possível devido ao público que frequentava a escola, uma vez que todos dominavam
a língua padrão e exerciam a prática da leitura e escrita. Esse público apenas
frequentava a escola para aprender as regras gramaticais. A partir de 1950, são
apresentadas mudanças no cenário educacional brasileiro. Em virtude do êxodo
rural, “começaram a se multiplicar explosivamente as matrículas na escola básica”
(FARACO, 2008, p. 188). Com esse crescimento, modifica-se o perfil econômico e
cultural das pessoas que frequentavam a escola.

Não é mais uma escola pública destinada apenas aos filhos das elites, mas
as camadas populares passam a ter acento nas salas de aula. O novo perfil
cultural do alunado, por exemplo, acarreta heterogeneidade nos letramentos
e nas variedades dialetais (BUNZEN; ROJO; 2005, p. 77).

Esse fato ocasionou uma demanda maior por professores, o que acabou
fragilizando a formação docente e culminando na desvalorização do trabalho do
professor. Em decorrência desse processo,

[...] surgem os livros didáticos (com textos, lições de gramática e exercícios)


para suprirem as lacunas de conhecimento desses professores. Agora,
sobretudo a partir da década de 1970, não é mais dada a eles a
responsabilidade de prepararem suas aulas e exercícios, como
antigamente. Isso compete ao autor do livro didático (BEZERRA, 2010, p.
45).

Nesse período, passa-se das antologias nacionais para um novo modelo de


material didático “de apoio à prática docente, que, propositalmente, interfere na
autonomia do professorado” (BUNZEN; ROJO, 2005, p. 79). O papel do professor
era apresentar e ensinar aos alunos os conteúdos propostos no Livro Didático, que
se reduziam a textos, lições de gramática e exercícios. As informações e os
conhecimentos do Livro Didático deveriam ser reproduzidos pelo professor, sem a
adesão de práticas de ensino que priorizassem outros materiais e outras
metodologias de aprendizagem.
54

Como resultado dessa prática, o período de transição dos anos 70 a 80 é


marcado por críticas com relação aos conteúdos propostos pelos Livros Didáticos.
Nesse período, foram realizadas pesquisas tendo como referência o ensino de
Língua Portuguesa, com o intuito de identificar as práticas que estavam sendo
desenvolvidas e, a partir disso, apresentar novas perspectivas e metodologias de
ensino.
Sob esse viés, difunde-se pelo país a proposta do linguista João Wanderley
Geraldi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Essa proposta “se
assentava numa concepção que tomava a língua como uma atividade social e
histórica e se estruturava a partir de três grandes eixos: a leitura de textos, a
produção de textos e a análise linguística” (FARACO, 2008, p. 192). Com isso,
passa-se a priorizar um ensino a partir do texto, atividades de leitura e de análise
linguística que desenvolvessem um processo de compreensão, interpretação e um
raciocínio crítico sobre as esferas sociais, culturais e históricas.
Geraldi (1984) assegurava que, antes de qualquer tomada de decisão sobre
as práticas de ensino a serem desenvolvidas, é necessário refletir sobre o ensino
tendo como referência as seguintes proposições “para que ensinamos o que
ensinamos? – e sua correlata para que as crianças aprendem o que
aprendem4?” (p.42). Esses questionamentos configuram uma nova identidade para
o professor, uma vez que é levada em consideração a linguagem como um processo
de interação e a consequente participação de sujeitos ativos, envolvidos no
processo de aprendizagem, isto é, “a linguagem como o lugar de constituição de
relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos” (GERALDI, 1984, p. 43). Com
essa nova proposta de ensino, as metodologias apresentadas e desenvolvidas pelos
Livros Didáticos passam a ser criticadas, isso por estarem vinculadas a um ensino
gramatical.
Com essas pesquisas sobre a língua, ensino/aprendizagem e letramento,
juntamente com o apoio do Estado, por intermédio de programas instituídos pelo
MEC, a partir da última década do século XX, os Livros Didáticos são orientados a
reformular e reorganizar os conteúdos e as propostas de aprendizagem
apresentadas nesses materiais. Alguns Livros Didáticos apresentaram breves

4
Grifos do autor.
55

reformulações, já outros passaram a imprimir práticas de ensino centradas no texto.


Como afirma Bezerra (2010), o ensino de Língua Portuguesa deve estar organizado
a partir do texto, “de modo a desenvolver competências linguísticas, textuais e
comunicativas dos alunos, possibilitando-lhes uma convivência mais inclusiva no
mundo letrado de hoje” (p. 46).
Ainda, de acordo com Bezzerra (2010, p. 46), “um reflexo dessa renovação
metodológica é a presença de textos da imprensa nos manuais didáticos”. Isso foi
possível através da Lei 5.692, de agosto de 1971, que instituiu o ensino de
comunicação e expressão, tendo como conteúdo específico a Língua Portuguesa.
Com isso, os Livros Didáticos modificam as escolhas textuais, uma vez que
introduzem histórias em quadrinhos e notícias jornalísticas com a finalidade de
apresentar diversas informações aos alunos.
Com o surgimento de teorias linguísticas, como a defendida por Geraldi
(1984), que priorizava o ensino através do texto, os Livros Didáticos realizaram mais
uma seleção textual, valorizando a presença de textos jornalísticos, como notícias,
reportagens, entrevistas, propagandas. O ensino com esses textos jornalísticos
centrava-se na leitura, na análise e na produção textual. De acordo com Bezerra
(2010, p. 48), a importância de se desenvolver práticas de ensino que estejam
centradas nessa esfera textual “é motivada, principalmente, pela ideia de que os
alunos precisariam ler textos mais atuais, mais próximos de sua realidade (não só
jornalísticos, mas também literários), tanto do ponto de vista da temática quanto da
linguagem”.
No final dos anos de 1990, o governo, embasado em uma nova proposta de
concepção de linguagem, reformula programas com o objetivo de apresentar novas
propostas de ensino. São eles: Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Essas políticas públicas

[...] procuraram dar continuidade a três processos inter-relacionados: (i)


avaliação e distribuição do livro didático, no âmbito de uma política pública e
linguística de incentivo à leitura; (ii) normatização/legitimação do ensino que
acompanha o surgimento de propostas curriculares oficiais que procuram
explicitar diretrizes específicas para cada nível de ensino e disciplina
escolar; (iii) estabelecimento sistemático de avaliações em rede da
educação básica (BUNZEN, 2011, p. 904).

De acordo com Bunzen (2011), tanto os PCNS como o PNLD dialogam com
as proposições apresentadas nas Leis de Diretrizes de Bases de Educação Nacional
56

(LDB – 96). Do mesmo modo, são políticas públicas e documentos oficiais que
buscaram organizar o ensino de Língua Portuguesa entre 1970 e 1990, abrangendo
tanto a esfera acadêmica quanto as propostas curriculares estaduais (BUNZEN,
2011, p. 905).
Nas seções seguintes, apresentamos, de forma detalhada, os pressupostos
que envolvem os PCNS e o PNLD. De início, apresentamos a proposta didática dos
PCNs, elencando os principais fundamentos que orientam o ensino de Língua
Portuguesa na escola. Na sequência, apresentamos o PNLD com o intuito de
descrever a função que esse programa exerce, bem como o seu processo de
criação e as propostas de ensino envolvidas no PNLD 2017.

4.2 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram criados com objetivo de


organizar e orientar as práticas de ensino no cenário educacional brasileiro,
elencando metodologias de ensino e estratégias possíveis de serem desenvolvidas
no contexto escolar. “Nesse discurso, os PCN podem ser compreendidos como uma
crítica ao dito „ensino tradicional‟, apostando em um trabalho com a língua(gem)
baseada nas práticas sociais” (BUNZEN, 2011, p. 905). A sua função é “selecionar
e organizar determinados objetivos para a construção de materiais didáticos e
programas de ensino” (BUNZEN, 2011, p. 905).
Para Rojo (2000, p. 27), os PCNs representam “um avanço considerável nas
políticas educacionais brasileiras em geral e, em particular, no que se refere aos
PCNs de Língua Portuguesa, nas políticas linguísticas contra o iletrismo e em favor
da cidadania crítica e consciente”. Conforme a mesma autora, o documento não
apresenta os conteúdos e os objetivos definidos, organizados e estruturados
conforme princípios oriundos de um ensino tradicional. Pelo contrário, a sua função
é
subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios,
dialogando com as propostas e experiências já existentes, incentivando a
discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração de projetos
educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de
professores (BRASIL, 1997, p. 29).

Assim, valendo-se das orientações apresentadas pelos PCNs, as escolas


selecionam as propostas didáticas e os materiais de ensino que servem de
57

fundamento para o trabalho do professor. Para isso, nos PCNs de Língua


Portuguesa, os conteúdos encontram-se divididos em dois eixos: “uso da língua oral
e escrita, e a reflexão sobre a língua e a linguagem” (BRASIL, 1998, p. 34). Na
Figura 3 é possível identificar essa organização.

Figura 3 - Esquema dos eixos

USO REFLEXÃO
de Sobre
LÍNGUA ORAL LÍNGUA
e e
ESCRITA LINGUAGEM

Fonte: (BRASIL, 1998).

Como resultado dessa classificação, no eixo uso, encontram-se elementos


relacionados com “a Prática de escuta e de leitura de textos e Prática de produção
de textos orais e escritos”. Em oposição, no eixo reflexão se encontra “a Prática de
análise linguística” (BRASIL, 1998, p. 35), conforme a Figura 4.

Figura 4 - Esquema dos eixos uso e reflexão

USO
REFLEXÃO

PRÁTICA de PRÁTICA de
PRÁTICA
ESCUTA PRODUÇÃO
de
e de de
ANÁLISE
LEITURA TEXTOS
LINGUÍSTICA
de ORAIS e
TEXTOS ESCRITOS

Fonte: (BRASIL, 1998).

De acordo com o documento, os conteúdos apresentados no eixo uso da


linguagem compreendem os fatores de historicidade da linguagem e da língua,
questões relativas ao contexto de produção e interações sociais, a influência do
contexto de produção no planejamento dos discursos e na construção de sentidos. A
58

partir desses fatores, o texto passa a ser considerado como unidade de ensino e os
gêneros textuais como objetos de ensino (BRASIL, 1998, p. 35). Ao assumir essa
perspectiva, do uso da língua a partir de diferentes gêneros e textos que fazem parte
do contexto social e das relações estabelecidas entre os sujeitos, as orientações
apresentadas no documento afastam-se “de uma visão reducionista de língua(gem)
e da perspectiva técnica ou comunicativa dos anos 70 e 80” (BUNZEN, 2011, p.
906). Além disso, os conteúdos apresentados no eixo reflexão compreendem os
fatores relativos ao funcionamento da linguagem, como as variações linguísticas, as
estruturas responsáveis pela construção e organização dos enunciados, bem como
os processos de construção e produção de sentidos (BRASIL, 1998, p. 36).
De acordo com Faraco (2008), as concepções pedagógicas apontadas no
documento têm como propósito inovar em termos de organização curricular. No
entanto, essas propostas não foram “assimiladas pelas escolas e, por consequência,
pouco ou nada tem significado para o seu cotidiano” (p. 195). Faraco (2008)
reconhece que os Parâmetros apresentam uma sólida fundamentação teórica,
entretanto, as teorizações que fundamentam esse documento fazem sentido para o
universo acadêmico, já para a maioria dos professores da educação básica, essas
orientações são desconhecidas, o que acaba dificultando a sua interpretação e a
abordagem de práticas pedagógicas que priorizem esses princípios teóricos.
Para Machado (2009), essa falta de compreensão é decorrente da
organização das propostas didáticas que fazem parte do documento, uma vez que
nos conhecimentos linguísticos que são transpostos, transformados em
metodologias didáticas para o ensino de Língua Portuguesa, há uma omissão dos
autores e das teorias que fundamentam e orientam a construção do documento.
Com isso, apenas quem domina as perspectivas teóricas identifica os pressupostos
que se encontram por detrás das propostas de aprendizagem.
Para ilustrar esse processo, destacamos que a noção de gênero apresentada
nos PCNs é baseada nas investigações de Schneuwly (1994) e de Dolz &
Schneuwly (1996 e 1998). Esses autores valem-se, por sua vez, das noções de
gênero oriundas de Bakhtin, bem como da psicologia do desenvolvimento humano
sustentada por Vygotsky. Contudo, esses pressupostos teóricos são apenas
compreendidos e identificados pelos docentes que possuem acesso a esses
conhecimentos teóricos. Com isso,
59

[...] o que se evidencia é que o ocultamento das vozes dos autores e das
teorias subjacentes produz modificações de sentido e dificulta o trabalho de
quem quer compreender de forma mais satisfatória os conteúdos que são
prescritos. De certa forma, isso acaba por favorecer a manutenção de
“classes” distintas de trabalhadores do ensino: a dos especialistas ou dos
que têm acesso mais fácil às fontes de informação teórica e a daqueles que
não o têm (MACHADO, 2009, p. 68-69).

Para que haja essa efetiva compreensão, Rojo (2000) considera necessária
uma reformulação dos processos de formação inicial e contínua dos professores. É
necessário discutir a formação dos professores, “garantindo-lhes um bom domínio
das práticas de língua oral e escrita e um saber amplo, consistente e crítico sobre a
língua” (FARACO, 2008, p. 196). De acordo com Faraco (2008), muitos profissionais
de ensino não tiveram em sua formação práticas pedagógicas fundamentadas no
uso da linguagem. Dessa forma, é necessário que os docentes tenham acesso a
essas informações e saibam organizar as metodologias didáticas a partir dos
fundamentos teóricos e das orientações sustentadas pelos PCNs.
Tendo como referência duas experiências de transposição didática dos PCNs
para as práticas de sala de aula, Rojo (2000) aponta os principais problemas que
envolvem a formação de professores em decorrência desse processo de
transposição didática. De acordo com o objeto de ensino, é importante que o
professor compreenda a teoria de enunciação e a teoria dos gêneros discursivos,
uma vez que é por intermédio desses conhecimentos linguísticos que as práticas de
ensino se fundamentam. Do mesmo modo, é importante desenvolver práticas
pedagógicas centradas no eixo da reflexão, isto é, na análise linguística, em
atividades que desenvolvam a compreensão dos fatores estruturantes que compõe e
organizam um enunciado, além de questões relativas à variação linguística e à
produção de sentidos. Atrelados a esses princípios, estão fatores relacionados à
organização de um enunciado, ao contexto de produção e de construção de
sentidos.
Somado a isso, as práticas de sala de aula continuam sendo orientadas e
organizadas a partir do Livro Didático,

[...] por variadas razões que vão desde o número de alunos por sala, até a
falta de tempo remunerado e de formação do professor para a elaboração
de seus próprios materiais didáticos, a elaboração de materiais didáticos
60

que criem condições de viabilidade para a realização do currículo em sala


de aula torna-se um problema crucial (ROJO, 2000, p. 34).

Rojo (2000, p. 34) acredita que os fundamentos que norteiam a elaboração de


um bom material didático vão de encontro com a “seleção e a organização de
objetivos e conteúdos (objetos) de ensino”. Isto é, a elaboração de materiais
didáticos que estejam relacionados aos pressupostos teóricos apresentados nos
PCNs, que priorizam práticas de leitura, escuta e escrita de diversos gêneros
textuais, organizados “em função de sua circulação social, em gêneros literários, de
imprensa, publicitários, de divulgação científica, comumente presentes no universo
escolar” (BRASIL, 1998, p. 53). Do mesmo modo, as atividades didáticas devem
priorizar a análise linguística, entretanto, não enquanto uma nova denominação para
o ensino da gramática, pelo contrário, considerando o texto como unidade de ensino,
com os fatores a serem trabalhados direcionados para a semântica e a pragmática,
para questões relativas à produção de sentidos (BRASIL, 1998, p. 78).
Realizada essa contextualização sobre os PCNS, apresentamos, neste
momento, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

4.3 O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD)

O ensino de Língua Portuguesa sofreu inúmeras mudanças ao longo dos


anos e essas também ocorreram com a reformulação de programas, como o
Programa Nacional do Livro Didático. Esse projeto foi criado com o intuito de auxiliar
o trabalho do professor ao realizar a distribuição de “livros de português para os
alunos de todos os anos do ensino fundamental” (FARACO, 2008, p. 197),
alcançando o Ensino Médio.
A partir de 1995, o MEC começou a participar diretamente na elaboração e
distribuição dos Livros Didáticos. Com isso, passou a efetuar um conjunto de
medidas a fim de “avaliar sistemática e continuamente o livro didático brasileiro e
para debater, com os diferentes setores envolvidos em sua produção e consumo,
um horizonte de expectativas em relação a suas características, funções e
qualidade” (BATISTA, 2001, p. 11).
Até o momento, o MEC vinha participando na elaboração e distribuição dos
Livros Didáticos através “da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) - executor
61

do Programa Nacional do Livro Didático até a extinção do órgão, em 1997”


(BATISTA, 2001, p. 11). Nesse período, não se levava em consideração a qualidade
do Livro Didático, propostas e metodologias de ensino inovadoras, trabalhadas sob o
viés da linguagem. Com isso, foram surgindo críticas às propostas de ensino
apresentadas até então nos Livros Didáticos. Compreendeu-se que o Livro Didático
era o único material de apoio do professor e, por isso, a importância de se modificar
as metodologias de ensino apresentadas nesses exemplares, a fim de contribuir e
auxiliar no trabalho do professor.
Os primeiros movimentos de mudança ocorreram no início dos anos 90,
quando o MEC começou a participar diretamente das discussões sobre a qualidade
dos Livros Didáticos. Inicialmente, a intervenção ocorreu em 1993, por meio do
Plano Decenal de Educação para Todos, que valorizava a capacitação dos
professores para o processo de escolha dos materiais didáticos. Em um segundo
momento, também em 1993, o Ministério criou uma comissão de pesquisadores,
para avaliar a qualidade dos Livros Didáticos e estabelecer critérios para a avaliação
desses exemplares. Em 1994, são apresentados os resultados das pesquisas
realizadas pela comissão, apontando para uma inadequação editorial, conceitual e
metodológica dos Livros Didáticos (BATISTA, 2001, p. 12).
Os resultados da avaliação realizada pelo grupo de pesquisadores são
divulgados em 1995, quando é universalizada a distribuição de Livros Didáticos pelo
PNLD, bem como instituído pelo Ministério o processo de análise e de avaliação dos
Livros Didáticos distribuídos às escolas. A partir desse período, foram definidos
alguns critérios para a avaliação dos Livros Didáticos. Os livros “não poderiam
expressar preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas
de discriminação; não poderiam induzir ao erro ou conter erros graves relativos ao
conteúdo da área, como, por exemplo, erros conceituais” (BATISTA, 2001, p. 13).
Ao longo desse processo, foram surgindo mudanças e avanços na
distribuição e avaliação de Livros Didáticos pelo PNLD, a fim de favorecer a escolha
dos livros e contribuir para o trabalho do professor. Até o PNLD/98, as avaliações
dos Livros Didáticos eram realizadas de 1ª a 4ª série. Pela primeira vez, no
PNLD/99, são realizadas avaliações dos livros designados para as séries finais do
ensino fundamental, de 5ª a 8ª série.
62

A partir da avaliação do PNLD/99, são realizadas novas modificações no


processo de avaliação dos Livros Didáticos. Passou-se a valorizar a escolha “de
livros cuja abordagem metodológica favorecesse apropriadamente o
desenvolvimento das competências cognitivas básicas (como a compreensão, a
memorização, a análise, a síntese, a formulação de hipóteses e o planejamento)”
(BATISTA, 2001, p. 16).
As informações acima mencionadas demonstram as primeiras mudanças e
inovações no processo de universalização do PNLD. Entretanto, houve a
necessidade de mais reformulações, oriundas da atual realidade social e dos
paradigmas sociais enfrentados no período contemporâneo. As novas mudanças
encontram-se respaldadas na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), nº 9394/96, nas novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental,
criadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) (BATISTA, 2001, p. 25).
A LDB passa a promover mudanças no cenário educacional, de um ensino
tecnicista, para uma educação voltada para as práticas sociais. No ensino
fundamental, essa lei tem

o objetivo de promover a formação básica do cidadão (Art. 32); o


desenvolvimento da capacidade de aprender, visando à aquisição de
conhecimentos e habilidades e à formação de valores e atitudes (Art. 32,
Inciso III); a flexibilidade que permite sua organização em ciclos (Art. 32; §
1) e a possibilidade de progressão continuada nas séries/ciclos (Art. 32, §
2o) (BATISTA, 2001, p. 26).

As Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental, criadas pelo Conselho


Nacional de Educação (CNE), em 07 de abril de 1998, orientam as propostas
pedagógicas desenvolvidas nas escolas, valorizando o trabalho coletivo, a fim de
contribuir para a aprendizagem dos alunos (BATISTA, 2001, p. 26).
Já os PCNs, organizados a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) e das Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental, promovem
a criação de novas metodologias para o ensino fundamental. Nesse contexto, o
PNLD exerce a função de avaliar as propostas didáticas apresentadas nos PCNs e
“selecionar e organizar os objetos de ensino” (BUNZEN, 2011, p. 905). Esse
programa orienta-se a partir de práticas didáticas que enfoquem o texto como
63

unidade de ensino e os gêneros como objeto de ensino, tal como sugerem os PCNs
(BUNZEN, 2011, p. 905).
De acordo com Batista (2001), um dos momentos mais significativos no
processo de criação do PNLD foi a instauração do

Decreto-Lei n° 91.542, de 1985, que estabeleceu e fixou parte das


características atuais do PNLD: adoção de livros reutilizáveis (exceto para a
1ª série), escolha do livro pelo conjunto de professores, sua distribuição
gratuita às escolas e sua aquisição com recursos do Governo Federal
(BATISTA, 2001, p. 11).

Sendo assim, a distribuição dos Livros Didáticos é realizada com base na


“escolha dos professores e das escolas, a partir do universo definido pela avaliação”
(BATISTA; ROJO; ZÚÑIGA, 2005, p. 49). O processo de solicitação e de avaliação
dos Livros Didáticos segue um determinado cronograma, “cada atendimento é
identificado por meio do ano em que o livro escolhido passa a ser utilizado nas
escolas” (BATISTA; ROJO; ZÚÑIGA, 2005, p. 51). O mesmo Livro Didático é
utilizado por três anos. No último ano de uso, é realizado um novo processo de
escolha.
Conforme o PNLD de 2017, as coleções didáticas que compõem esse guia
centram-se em um ensino voltado para o trabalho reflexivo e para práticas de
linguagens relacionadas aos seguintes eixos de ensino: leitura, oralidade, produção
textual e conhecimentos linguísticos. Parte-se do ensino de Língua Portuguesa
voltado para a leitura de textos dos mais diversos gêneros textuais, enfocando tanto
os textos escritos como orais.
De acordo com esse guia, os materiais didáticos devem apresentar uma
coletânea de materiais textuais que possam favorecer a leitura e a aprendizagem
dos alunos. Do mesmo modo, as atividades de leitura, de compreensão e
interpretação de um texto, devem propiciar a formação do leitor através da interação
entre o leitor/texto/autor. A produção textual é concebida como um processo em que
se valorizam os fatores de planejamento e revisão do texto. A valorização da
linguagem oral ocorre por meio de interações estabelecidas entre professor e aluno,
bem como o desenvolvimento de habilidades relacionadas aos gêneros orais. Por
último, é explicitado o trabalho com os conhecimentos linguísticos, em que se
objetiva desenvolver competências acerca da linguagem e dos elementos que
organizam e constituem os textos orais e escritos (BRASIL, 2016, p. 19-20).
64

Na edição do PNLD de 2017, 21 coleções foram aprovadas para o ensino de


Língua Portuguesa. O guia prevê que todas as coleções organizem as suas
unidades e capítulos a partir de temáticas sociais. São abordadas diversas
problemáticas sociais que condizem com a realidade dos alunos e com as situações
que são vivenciadas no contexto social, “tais como questões ambientais, a
corrupção e o bullying na esfera escolar e no ciberespaço” (BRASIL, 2016, p. 23).
Por sua vez, essas questões de ordem social são trabalhadas sob o viés da leitura,
da compreensão e interpretação de diversos textos que discutem e conduzem a
possíveis reflexões.
Conforme o mesmo documento didático, algumas coleções apresentam como
objeto de ensino os gêneros textuais. “Desta forma, o aluno é levado a ler, ouvir,
discutir e produzir textos escritos e orais de diferentes gêneros” (BRASIL, 2016, p.
24). São apresentados diversos gêneros textuais e o professor tem a oportunidade
de desenvolver práticas de ensino que levem o aluno a construir e ampliar as
capacidades de linguagem.
Ainda, segundo o guia, os conhecimentos linguísticos são desenvolvidos de
diversas formas. Em grande parte das coleções, há uma seção separada que trata
dos aspectos linguísticos, com ênfase na gramática e na ortografia. Geralmente,
essa seção de conhecimentos linguísticos não está relacionada com uma temática
social ou com o gênero da unidade. Ainda, o documento ressalta que algumas
coleções preocupam-se com o ensino de aspectos linguísticos articulados à leitura e
à produção de textos e os conhecimentos linguísticos são trabalhados a partir de
fragmentos textuais.
De modo geral, as coleções apresentadas no PNLD são compostas por três
abordagens metodológicas, sendo elas: uma abordagem transmissiva, uma
abordagem processual e uma abordagem discursiva (BRASIL, 2016, p. 25). A
abordagem transmissiva diz respeito à transmissão de informações, seja de
aspectos gramaticais ou textuais. A abordagem processual centra-se na reflexão
sobre aspectos linguísticos e na forma de usar a linguagem em ambientes distintos.
Já a abordagem discursiva condiz com uma perspectiva sociointeracionista, em que
o texto e os elementos linguísticos são trabalhados sob o viés da interação, levando-
se em consideração os elementos externos. Conforme o guia didático, todas as
coleções se organizam a partir dessas três abordagens metodológicas.
65

Conforme os eixos que fazem parte do PNLD 2017, a leitura é trabalhada a


partir de diversos gêneros textuais, que compõem as esferas literárias, jornalísticas,
publicitárias da oralidade, das artes gráficas e de divulgação científica. Assim, as
coleções propõem o trabalho com textos clássicos, que fazem parte da esfera
literária, e também com textos de autores contemporâneos, que, supostamente,
fazem parte da realidade dos alunos. Com essa abordagem, busca-se desenvolver
diversas capacidades de leitura, valorizar os conhecimentos prévios dos alunos e
contribuir para a construção de conhecimentos linguísticos e textuais.
Segundo o mesmo documento, na produção textual são desenvolvidas
habilidades de escrita a partir de diversos gêneros textuais. Com isso, espera-se que
os alunos produzam os seus textos pensando em uma situação comunicativa, nos
interlocutores e no contexto ao qual o texto está vinculado. Do mesmo modo, a
escrita será produzida conforme as características de um gênero textual, o que
resultará na compreensão dos elementos de produção e circulação desse
determinado gênero5.
A oralidade é a proposta menos difundida nas coleções didáticas, conforme o
PNLD. As coleções apresentam uma proposta centrada na produção de textos orais
do cotidiano, da esfera escolar e de situações públicas formais: causos, anedotas,
contos de assombração; seminários, discussões orais, júri simulado, discurso de
formatura; entrevista, telejornal - respectivamente (BRASIL, 2016, p. 32). Entretanto,
a compreensão e a escuta desses textos não são desenvolvidas. Somado a isso,
usualmente, as produções desses gêneros orais são propostas no decorrer das
atividades e não ao final.
Por fim, o trabalho com os conhecimentos linguísticos é proposto nas
coleções didáticas sob duas perspectivas metodológicas: a reflexiva e a transmissiva
(BRASIL, 2016, p. 33). A perspectiva reflexiva centra-se em um trabalho a partir de
diversos textos, com o intuito de desenvolver capacidades de leitura e escrita. Os
diversos elementos linguísticos, como “recursos coesivos, uso dos verbos, recursos
de humor, duplo sentido e aspectos da pontuação relacionados à textualidade”
(BRASIL, 2016, p. 33), são desenvolvidos sob o viés da perspectiva reflexiva, que

5
Destacamos que algumas coleções apresentam uma proposta de revisão, em que o próprio aluno
exerce a função de leitor e revisor de seu texto, contribuindo para a compreensão desse processo de
produção escrita.
66

leva em consideração o texto e os elementos que fazem parte desse processo. Já a


perspectiva transmissiva centra-se em uma abordagem que leva em consideração o
trabalho com a gramática tradicional, com a transmissão de conceitos, de elementos
linguísticos que compõe o ensino de Língua Portuguesa. Nesse processo, não há
uma relação com o texto, com os diversos gêneros textuais que auxiliam na
construção de habilidade de leitura e escrita e tampouco na interação entre os
sujeitos. Conforme o guia, algumas coleções apresentam textos curtos a fim de
trabalhar com os aspectos linguísticos. No entanto, o foco é na gramática, não na
compreensão e interpretação do texto.
Finalizada esse capítulo, passamos, neste momento, para a descrição dos
aspectos metodológicos que compõem este trabalho. Na metodologia,
apresentamos o contexto de pesquisa, os procedimentos de coleta e os
procedimentos de análise dos dados.
67

5 METODOLOGIA

Neste capítulo, temos o objetivo de descrever o contexto de pesquisa, os


procedimentos de coleta e de análise dos dados. Sendo assim, inicialmente
apresentamos o contexto de pesquisa, descrevendo o universo de pesquisa e os
sujeitos envolvidos nesse processo. Na sequência, descrevemos o procedimento de
coleta de dados, feito através de entrevistas. Por fim, apresentamos os
procedimentos de análise, que compreendem o contexto de produção e os três
níveis: organizacional, enunciativo e semântico.
A análise dos dados será de ordem qualitativa e quantitativa. A análise
qualitativa “envolve a redução dos dados, a categorização desses dados, sua
interpretação e a redação do relatório” (GIL, 2002, p. 133). Essa atividade possibilita
que o pesquisador construa possíveis indagações e resultados para as informações
apresentadas no texto, pois “o pesquisador participa, compreende e interpreta”
(CHIZZOTTI, s/d, p. 51).
Já a análise quantitativa envolve a apresentação de dados numéricos que
comprovam determinada ação. De acordo com Chizzotti (s/d), identificam-se
determinadas informações, conforme a frequência de incidências apresentadas ao
longo do texto, e “o pesquisador descreve, explica e prediz” (CHIZZOTTI, s/d, p. 51)
as informações apresentadas no texto.
Em síntese, a análise contribuirá para possíveis compreensões e
interpretações sobre o agir do professor a partir do uso do Livro Didático.

5.1 CONTEXTO DE PESQUISA

O contexto de pesquisa é composto por duas escolas públicas de um


município do interior do estado do Rio Grande do Sul, uma municipal, com o Ensino
Fundamental completo e outra estadual, com o Ensino Fundamental e o Ensino
Médio. A escola Municipal localiza-se no interior do município e a escola estadual na
sede do município.
A escolha por esse contexto de pesquisa deveu-se pela busca por
compreender a realidade educacional desse município. Como já mencionado
anteriormente, esta pesquisa é fruto de diversas experiências vivenciadas ao longo
68

da graduação, que contribuíram para um olhar diferenciado sobre a educação e


sobre os diversos fatores que entram em jogo no processo de ensino e
aprendizagem. Essas experiências demonstraram a importância das discussões
sobre a educação e que essas estendam-se para as redes públicas de ensino.
Consciente dessa importância, assumimos a posição de dialogar acerca do ensino
sob o viés do trabalho, a fim de ouvirmos os professores para identificarmos as
representações de seu agir a partir do uso do Livro Didático.
Partindo desses pressupostos, os sujeitos envolvidos na pesquisa são as
professores de Língua Portuguesa, das respectivas escolas, que ministram aulas no
9º ano do Ensino Fundamental. Como cada escola é composta por uma turma de 9º
ano, participaram da pesquisa duas professoras de Língua Portuguesa.
A escolha pelo 9º ano deveu-se ao interesse de compreender a
representação do trabalho docente a partir do uso do Livro Didático nesse nível do
Ensino Fundamental. É de conhecimento geral que houve a criação de uma Lei
Federal em que todas as escolas particulares e públicas passaram a aderir a uma
nova organização educacional, que estipulou um ano a mais nas escolas, passando
de oito para nove anos. Justificamos a escolha desse nível por ser um período de
transição, que compreende a saída do Ensino Fundamental para o Ensino Médio.
Nesse sentido, é interessante observar como o professor representa o seu
trabalho a partir do uso do Livro Didático pensando nesse último ano que
compreende o Ensino Fundamental. Isso se torna mais visível se direcionarmos o
olhar para a escola Municipal, pois é o ano de conclusão, ano preparatório para o
término do ensino fundamental e para a passagem para outra escola, que, na
maioria dos casos, é a própria escola estadual referida anteriormente.
Com relação aos sujeitos envolvidos na pesquisa, passo a denominar a
professora da escola municipal de Ana6 e a professora da escola estadual de
Patrícia7. A professora Ana é formada em Letras – Literatura, com pós-graduação
em Especialização de Aprendizagens Psicológicas. Essa professora possui trinta e
dois anos de experiência não só em sala de aula como também à frente de outros
cargos. A professora Patrícia é formada em Letras – Literatura e Inglês. Atua há sete

6
Utilização de um nome fictício.
7
Utilização de um nome fictício.
69

anos na escola estadual. As duas professoras são responsáveis pelas aulas de


Língua Portuguesa no 9º Ano do Ensino Fundamental.
No que diz respeito ao Livro Didático utilizado nas escolas, é importante
salientar que ambas as professoras trabalham com o livro “Português Linguagens”,
9ª edição, do ano de 2015, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães.
Esse Livro Didático encontra-se organizado em quatro unidades: “as 4 unidades
temáticas em que cada volume da coleção se organiza são compostas, cada uma,
por três capítulos, totalizando 12 capítulos por volume. Além disso, cada unidade
apresenta um projeto de finalização” (BRASIL, 2016, p. 44).
Cada unidade didática, além de apresentar um tema, propõe também uma
página de abertura, de introdução à respectiva unidade. Nesse fragmento inicial, são
apresentadas imagens e um pequeno texto relacionado ao tema da unidade. Além
disso, nessa parte introdutória, é apresentada uma seção intitulada Fique ligado!
Pesquise, em que são sugeridos livros, filmes, sites e músicas relacionados ao
assunto da unidade. As unidades que fazem parte do Livro Didático do 9º Ano são
as seguintes: “Caia na rede”, “Amor”, “Ser jovem” e “Nosso tempo”.
De acordo com o PNLD, o Livro Didático em questão organiza as suas
atividades a partir dos quatro eixos, que são: a leitura, a produção de texto, a
oralidade e os conhecimentos linguísticos. Há uma prioridade no desenvolvimento
de atividades que enfoquem o eixo da leitura e dos conhecimentos linguísticos. Os
eixos da leitura e da produção de texto são relacionados através dos gêneros
textuais. Entretanto, não há evidências que comprovem uma efetiva articulação entre
os conhecimentos linguísticos e os demais eixos, o que indica que as atividades
linguísticas são desenvolvidas de maneira isolada.
No eixo da leitura, encontram-se diversas atividades que “resgatam o
contexto de produção, como o contexto histórico no qual o texto foi produzido, o
gênero, o veículo de publicação, a função social ou a finalidade, as esferas
discursivas ou o suporte, e o público-leitor” (BRASIL, 2016, p. 45). Ainda, são
propostas atividades que enfocam os elementos linguísticos, os sentidos que são
produzidos a partir desses elementos.
A obra oferece aos alunos uma diversificada coletânea de textos, que vai
desde a esfera literária, como contos maravilhosos, poemas, crônicas, até textos da
esfera jornalística, como reportagens, notícias, artigos de opinião. Somado a isso, a
70

obra inclui textos multimodais, como tirinhas e histórias em quadrinhos (BRASIL,


2016, p. 45). Nesse sentido, esta obra tem o objetivo de explorar “variadas
estratégias de leitura, com foco na identificação de informações e na formulação e
verificação de hipóteses, além da análise da materialidade do texto e de sua
linguagem” (BRASIL, 2016, p. 43).
O eixo produção de texto é trabalhado sob o viés de diversos gêneros
textuais. As atividades de produção escrita estão situadas no universo de uso social,
valorizando propostas de trabalho que estão centradas em diversas formas de
letramento. Nesse processo, são contempladas “algumas das diferentes etapas do
processo de produção, como planejamento, revisão e reescrita, mesmo que isso
ocorra de modo pouco reflexivo, geralmente por meio de uma lista de itens a serem
verificados” (BRASIL, 2016, p. 46).
Já as atividades do eixo oralidade “exploram um número reduzido de gêneros
em cada volume, ainda que esses sejam adequados a situações comunicativas na
produção oral” (BRASIL, 2016, p. 46). Na proposta do Livro Didático, há algumas
orientações para a produção do gênero oral.
As atividades que compreendem o eixo conhecimentos linguísticos são
trabalhadas sob o viés de uma análise mais tradicional, transmissiva. Apesar de os
conhecimentos linguísticos serem trabalhados a partir de textos, poucas atividades
exploram os sentidos produzidos por esses aspectos no texto. Sendo assim, não há
uma relação entre os textos trabalhados no eixo leitura e produção de texto com o
eixo conhecimentos linguísticos. Essa última seção é trabalhada de forma isolada.
Finalizada essa parte, passamos para a descrição do procedimento de coleta
de dados: as entrevistas.

5.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DOS DADOS: ENTREVISTAS

Na presente pesquisa, enfocamos o trabalho representado como uma forma


de compreender o agir docente: se o professor revela que se apropria do Livro
Didático enquanto um instrumento de ensino. Para tanto, cumpre-nos salientar que a
entrevista foi o instrumento escolhido para a análise. Foram realizadas entrevistas, a
fim “de identificar o modo como os trabalhadores concebiam e percebiam suas
próprias competências” (BRONCKART, 2008, p. 149). De acordo com Gil
71

(2002), entrevista é a técnica de interlocução que apresenta uma maior flexibilidade,


podendo assumir diversas formas.

8
Pode caracterizar-se como informal , quando se distingue da simples
conversação apenas por ter como objetivo básico a coleta de dados. Pode
ser focalizada quando, embora livre, enfoca tema bem específico, cabendo
ao entrevistador esforçar-se para que o entrevistado retorne ao assunto
após alguma digressão. Pode ser parcialmente estruturada, quando é
guiada por relação de pontos de interesse que o entrevistador vai
explorando ao longo de seu curso. Pode ser, enfim, totalmente estruturada
quando se desenvolve a partir de relação fixa de perguntas. Nesse caso, a
entrevista confunde-se com o formulário (GIL, 2002, p. 117).

É importante considerarmos que o entrevistador, ao realizar a entrevista,


orienta-se através de um roteiro de perguntas, que podem ser memorizadas ou
registradas em um papel (GIL, 2002, p. 117). Na pesquisa em questão, foi realizada
uma entrevista com cada professor, partindo de alguns princípios, como a escolha
do Livro Didático, o uso do Livro Didático em sala de aula e uma avaliação sobre
esse material. Tendo como foco esses princípios, a entrevista centrou-se nas
seguintes perguntas:

Quadro 2- Perguntas da entrevista


1) Inicialmente, gostaria que você falasse sobre: sua idade, formação acadêmica e tempo de
atuação na escola.
2) Com relação ao Livro Didático de Língua Portuguesa, como é realizada a escolha desse
material?
3) Qual é a sua participação na escolha desse material?
4) Que critérios são utilizados para essa escolha?
5) Quanto tempo é destinado para a escolha do Livro Didático?
6) Qual é a sua opinião sobre o modo com que esse material é escolhido?
7) Qual é o Livro Didático de Língua Portuguesa que está sendo utilizado atualmente pela
escola?
8) Esse Livro Didático foi a primeira opção de escolha? Se sim, por que essa escolha?
9) Por quanto tempo o mesmo Livro Didático é utilizado?
10) Qual é a sua opinião sobre o processo de distribuição dos Livros Didáticos nas escolas?
11) Como é apresentado o ensino de Língua Portuguesa no programa da disciplina do 9º Ano?
Quais são os conteúdos que devem ser trabalhados com os alunos?
12) Como você descreve o Livro Didático do 9º Ano?
13) O Livro Didático de Língua Portuguesa sustenta as práticas contempladas no programa da
disciplina do 9º ano?
14) O Livro Didático auxilia na seleção dos conteúdos que são propostos para o ensino de
Língua Portuguesa no 9º Ano?
15) O Livro Didático auxilia no processo de organização e planejamento das aulas?
16) Como você descreve a utilização do Livro Didático para o ensino de Língua Portuguesa no
9º Ano?

8
Grifos do autor.
72

17) Qual é o foco principal ao trabalhar com o Livro Didático?


18) O Livro Didático pode ser trabalhado levando em consideração a realidade do aluno? Se
sim, de que forma isso acontece?
19) Você acredita que o Livro Didático contempla os conteúdos que o aluno deva aprender
durante o ano?
20) Como os alunos correspondem às práticas de ensino efetuadas a partir do uso do Livro
Didático?
21) Para você, o uso do Livro Didático pode provocar transformações nos sujeitos, tanto no
professor como nos alunos? Se sim, de que forma isso acontece?
22) Você busca apresentar outros materiais que possam complementar e dar suporte as ideias
apresentadas no Livro Didático? Se sim, que tipos de materiais você costuma pesquisar e trabalhar
com os alunos?
Fonte: Elaborado pela autora.

As respostas para essas perguntas contribuem para uma compreensão sobre


o agir docente, sobre as práticas de ensino desenvolvidas pelos docentes tendo
como referência o uso do Livro Didático. Do mesmo modo, auxiliam na constituição
profissional dos docentes, uma vez que as ações descritas e as reflexões suscitadas
influenciam na construção e no desenvolvimento da figura do professor.
Concluída essa descrição, partimos para a apresentação dos procedimentos
de análise.

5.3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE: ORGANIZACIONAL, ENUNCIATIVO E


SEMÂNTICO

A representação do agir docente será analisada a partir dos pressupostos


teóricos de Bronckart (2012) e Machado e Bronckart (2009), no que diz respeito aos
aspectos de produção do texto e dos três níveis de análise, a saber: o
organizacional, o enunciativo e o semântico.
De início, partimos para a descrição do contexto de produção, para os
aspectos que compõem e organizam o texto.

5.3.1 Contexto de produção

Considerando esse modelo de análise, primeiramente buscamos analisar e


identificar o contexto de produção ao qual os textos se encontram vinculados.
73

Conforme Bronckart (2012, p. 93), “o contexto de produção9 pode ser definido


como o conjunto dos parâmetros que podem exercer uma influência sobre a forma
como um texto é organizado”. No que diz respeito a esse processo, valoriza-se os
elementos que efetuam uma influência necessária e não mecânica sobre a
organização de um texto. Os elementos ganham visibilidade à medida que são
organizados em dois grupos: o primeiro diz respeito ao mundo físico, o segundo ao
mundo social e subjetivo.
O primeiro fator compreende o contexto físico, é resultado “de um
comportamento10 verbal concreto, desenvolvido por um agente situado nas
coordenadas do espaço e do tempo” (BRONCKART, 2012, p. 93). Conforme
Bronckart (2012), o contexto físico está organizado a partir de quatro elementos:
i) Lugar de produção: É o espaço físico em que o texto é construído.
ii) Momento de produção: Diz respeito ao tempo em que o texto é produzido.
iii) Emissor: É o sujeito que produz o texto. Esse texto pode ser tanto oral como
escrito.
iv) Receptor: É a pessoa que recebe o texto. Nesse contexto, é importante
destacar que quando a produção do texto é oral, o receptor encontra-se no mesmo
espaço que o emissor, o produtor do texto. Já no texto escrito isso não acontece
com tanta frequência, visto que na maioria das vezes o receptor não se encontra no
mesmo local de produção que o emissor.
Já o segundo fator envolve o contexto social e subjetivo. Esse contexto
inscreve-se em uma interação comunicativa11 de ordem social, que diz respeito “as
normas, valores, regras, etc.” (BRONCKART, 2012, p. 94), e de ordem subjetiva, no
que concerne “a imagem que o agente dá de si ao agir” (BRONCKART, 2012, p. 94).
De acordo com Bronckart (2012), esse contexto sociossubjetivo é dividido em quatro
partes:
i) Lugar social: Compreende o espaço social em que o texto é produzido, a
instituição ou o ambiente de formação social, como é caso da escola e da família.
ii) Posição social do emissor (estatuto de enunciador): Diz respeito ao papel

9
Grifos do autor.
10
Grifos do autor.
11
Grifos do autor.
74

social desempenhado pelo produtor do texto, a saber: professor, pai, cliente.


iii) Posição social do receptor (estatuto de destinatário): O papel social que
desempenha o destinatário do texto, a saber: aluno, criança ou amigo.
iv) Objetivo: Os resultados que o enunciador acredita produzir no destinatário.
Atrelado a esse conjunto de fatores que compõe o contexto de produção de
um texto, há o conteúdo temático. De acordo com Bronckart (2012), o conteúdo
temático de um texto “pode ser definido como o conjunto das informações que nele
são explicitamente apresentadas, isto é, que são traduzidas no texto pelas unidades
declarativas da língua natural utilizada” (p. 97). Sendo assim, um texto pode
apresentar como tema elementos que fazem parte do mundo físico, do mundo social
ou mesmo do mundo subjetivo. Também é possível integrar temas que fazem parte
desses três tipos de mundo.
Assim, o mesmo autor considera que os conhecimentos vinculados a esses
conteúdos temáticos são fruto das significações desenvolvidas pelos sujeitos. “Trata-
se de conhecimentos que variam em função da experiência e do nível de
desenvolvimento do agente e que estão estocados e organizados em sua memória,
previamente, antes de desencadear da ação de linguagem” (BRONCKART, 2012, p.
97-98).
Concluída essa apresentação dos aspectos que compõem o contexto de
produção, passamos para os três níveis de análise, propostos por Bronckart (2012)
e Machado e Bronckart (2009b), que são o organizacional, o enunciativo e o
semântico.

5.3.2 Nível organizacional

O nível organizacional é composto pelos elementos que compõem o plano


geral do texto e dos tipos de discurso, isto é, os seus aspectos estruturantes. “O
plano geral refere-se à organização de conjunto do conteúdo temático; mostra-se
visível no processo de leitura e pode ser codificado em um resumo” (BRONCKART,
2012, p. 120). Para a sua identificação, são considerados os fatores de ordem
linguística, que organizam o texto; os elementos peritextuais, que dizem respeito às
mudanças de capítulos, das partes que constituem o texto; os cotextuais, que
condizem com as introduções apresentadas para sinalizar os capítulos que compõe
75

o texto. Além disso, são levados em consideração todos os conhecimentos prévios


sobre os gêneros textuais, sobre os elementos que organizam e estruturam
determinado texto. Somado a isso, também é possível identificar os actantes
principais apresentados nos textos (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 54-55).
Já os tipos de discurso representam as “formas linguísticas12 que são
identificáveis nos textos e que traduzem a criação de mundos discursivos13
específicos [...]” (BRONCKART, 2012, p. 149). Esses mundos discursivos associam-
se a partir de mecanismos textuais e enunciativos que garantem a sequenciação
textual.
De acordo com Bronckart (2012), os mundos discursivos são constituídos por
dois subconjuntos de operações. O primeiro conjunto direciona-se para “a relação
existente entre as coordenadas gerais que organizam o conteúdo temático de um
texto e as coordenadas gerais do mundo ordinário em que se desenvolve a ação de
linguagem de que o texto se origina” (BRONCKART, 2012, p. 152). Já o segundo
conjunto, diz respeito

[...] ao relacionamento entre, de um lado, as diferentes instâncias de


agentividade (personagens, grupos, instituições, etc.) e sua inscrição
espaço-temporal, tais como são mobilizadas em um texto, e, de outro, os
parâmetros físicos da ação de linguagem em curso (agente-produtor,
interlocutor eventual e espaço-tempo de produção) (BRONCKART, 2012, p.
152).

De acordo com Bronckart (2012), as coordenadas gerais que sistematizam o


conteúdo temático de um texto são resultado de uma construção de caráter binário,
ou seja, as coordenadas são apresentadas de forma disjunta ou conjunta. Disjunta,
quando as coordenadas de conteúdo temático são apresentadas separadamente
das coordenadas gerais do mundo ordinário. Quando o distanciamento não ocorre,
as coordenadas temáticas são apresentadas de forma conjunta, unidas às ações de
linguagem. A seguir, são apresentados exemplos que ilustram esses dois tipos de
coordenadas.

12
Grifos do autor.
13
Grifos do autor.
76

Quadro 3 - Coordenadas disjunta e conjunta

Era uma vez um lugar mágico.


Disjunta Referência espaço/temporal distante da ação
de linguagem.

Hoje estudei muito.


Conjunta Referência espaço/temporal coincidente com
a da ação de linguagem.

Fonte: (BARRICELLI, 2007).

Se o conteúdo temático está organizado em um mundo disjunto, as


representações referir-se-ão a fatos passados, a fatos futuros ou imaginários. Nesse
contexto, as disjunções estarão organizadas, segundo Bronckart (2012), em uma
origem espaço-temporal, em que os fatos serão narrados como se fossem algo do
passado. Caso o conteúdo temático esteja organizado em um mundo conjunto, os
fatos não serão mais narrados, mas expostos.
De acordo com Bronckart (2012), a ordem do NARRAR, refere-se a um
mundo discursivo que está localizado em “outro lugar”, mas esse mundo pode ser
interpretado pelos sujeitos que lerão o texto - encontra-se o narrar em romances,
contos, fábulas ou parábolas. Esse mundo pode ser dividido em NARRAR realista,
que se organiza a partir de um conteúdo que pode ser analisado e interpretado
conforme elementos que fazem parte do mundo ordinário, e NARRAR ficcional, em
que o conteúdo pode ser passível de uma avaliação parcial. Já na ordem do
EXPOR, os elementos serão sempre objetos de uma análise de conhecimentos que
fazem parte do mundo ordinário, sendo admissível que alguns elementos sejam
considerados como falsos.
Para Bronckart (2012), ainda é possível que se estabeleça uma oposição
binária, entre os elementos de explicitação de um texto com a ação de linguagem.
Ou o texto, ou o segmento de um texto, “explicita a relação que suas instâncias de
agentividade mantêm com os parâmetros materiais da ação de linguagem (agente-
produtor, interlocutor eventual e sua situação no espaço-tempo); ou essa relação
não é explicitada” (BRONCKART, 2012, p. 154).
No primeiro caso, o texto implica que os parâmetros materiais da ação de
linguagem, através de referências dêiticas, garantam uma relação com o próprio
conteúdo temático. No segundo caso, em que não há uma relação explícita, o texto
77

configura-se de forma autônoma. Com essas distinções, Bronckart (2012) define os


quatro mundos discursivos:
a) Mundo do EXPOR implicado;
b) Mundo do EXPOR autônomo;
c) Mundo do NARRAR implicado;
d) Mundo do NARRAR autônomo.
De acordo com Bronckart (2012), ainda é relevante esclarecer que as
operações psicológicas constitutivas dos mundos são gerais – universais. Já as
marcas linguísticas que traduzem os mundos são propriedades naturais. Por esse
fato, buscou-se uma distinção entre tipo linguístico e tipo psicológico, uma vez que o
tipo linguístico corresponde a propriedades morfossintáticas e semânticas
particulares. Já o tipo psicológico diz respeito a propriedades abstratas ou a tipos de
discurso que se referem a uma propriedade pura, isto é, sem uma semântica
particular que conceba formas específicas. Com relação a isso, no quadro a seguir é
possível identificar os tipos psicológicos que correspondem aos mundos discursivos:

Quadro 4 - Os tipos de discurso

Coordenadas gerais dos mundos

Tipos de Discurso Conjunção Disjunção


EXPOR NARRAR

Implicação Discurso interativo Relato interativo


Relação ao ato de
produção
Autonomia Discurso teórico Narração

Fonte: Bronckart (2012).

O discurso interativo refere-se a um conjunto do mundo ordinário do agente,


em que ocorre a implicação das ações de linguagem, que compreende a interação
entre agentes e o espaço em que a interação acontece. O discurso teórico também
faz parte do conjunto do mundo ordinário do agente. Entretanto, esse conjunto faz
parte do objeto EXPOR e apresenta autonomia com relação às ações de linguagem.
Sendo assim, esse conjunto não requer nenhum conhecimento anterior sobre a
situação de linguagem originária.
78

No relato interativo, são criados mundos disjuntos, de origem espaço-


temporal. Nesses mundos se desenvolve o NARRAR, que implica na apresentação
de personagens e situações que se caracterizam através de “parâmetros físicos de
ação da linguagem” (BRONCKART, 2012, p. 162).
Por fim, na narração são criados mundos disjuntos em que se desenvolve um
NARRAR com a presença de personagens e acontecimentos. Em contraposição ao
relato interativo, esse NARRAR torna-se autônomo no que concerne aos parâmetros
físicos de linguagem.
Dando continuidade, apresentamos o nível enunciativo.

5.3.3 Nível enunciativo

O nível enunciativo contribui para a preservação da coerência pragmática de


um texto. Nesse nível, buscamos analisar as marcas de pessoa e as avaliações
(elementos de modalização).
As marcas de pessoa permitem identificar “como o texto representa o
enunciador no agir representado” (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 59). Em
outras palavras, é possível analisar as atribuições designadas aos pronomes
pessoais que fazem parte de determinado agir. Machado e Bronckart (2009)
exemplificam as marcas de pessoa com os pronomes pessoais eu, nós e a gente.
“Eu trabalho com livros didáticos X nós trabalhamos com livros didáticos X a gente
trabalha com livros didáticos” (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 59). Os dois
últimos enunciados, com os pronomes pessoais nós e a gente, podem ser
identificados, conforme os mesmos autores, como um agir coletivo, que de acordo
com o contexto, designará uma forma mais restrita ou mais ampla.
Com relação aos modalizadores enunciativos, esses são considerados como
“todas as unidades linguísticas que exprimem a posição de uma instância
enunciativa sobre o conteúdo da proposição enunciada” (MACHADO; BRONCKART,
2009, p. 61). De acordo com Bronckart (2012, p. 330), “as modalizações pertencem
à dimensão configuracional14 do texto, contribuindo para o estabelecimento de sua
coerência pragmática ou interativa e orientando o destinatário na interpretação de
seu conteúdo temático”. Com base em múltiplas classificações, Bronckart (2012)

14
Grifo do autor.
79

propõe quatro categorias de modalizadores enunciativos:


i) modalizações lógicas: diz respeito ao valor de verdade das proposições
enunciadas, marcadas como certas, possíveis, prováveis, improváveis.
ii) modalizações deônticas: consiste na avaliação do enunciado tendo em vista
fatores sociais, fatos permitidos, proibidos, desejáveis, necessários.
iii) modalizações apreciativas: refere-se a uma avaliação subjetiva e considera os
fatos como bons ou maus.
iv) modalizações pragmáticas: consiste na realização de julgamentos tendo em vista
os personagens que se enquadram no texto. Nesse caso, considera-se a
capacidade de ação, de intenção e as razões.
Com relação a esse conjunto de modalizadores, identifica-se a sua presença
a partir de unidades linguísticas, nomeadas de modalidades. Nesse conjunto,
enquadram-se “os tempos do verbo no futuro do pretérito, os auxiliares de
modalização (poder, ser preciso, dever, etc.), um subconjunto de advérbios
(certamente, sem dúvida, felizmente, etc.), certas frases impessoais (é evidente
que...; é possível que...)” (BRONCKART, 2012, p. 132).
De acordo com Bronckart (2012), a modalização lógica pode ser observada
nos seguintes exemplos: que... deve ter existido; ... que sem dúvida refletia. A
modalização apreciativa é evidenciada na seguinte proposição: acreditaremos sem
esforço. Já a modalização pragmática é demonstrada nos seguintes exemplos: que
ele poderia abrir; não podia descobrir.
Finalizada essa parte, apresentamos, na sequência, o nível semântico.

5.3.4 Nível semântico

Para a identificação do nível semântico, é necessário, em princípio, recuperar


os elementos constitutivos do agir, que caracterizam o agir, o actante, o trabalho, a
tarefa, as razões para agir, as intencionalidades do agir e os recursos para o agir
(MACHADO; BRONCKART, 2009).
80

Quadro 5 - Elementos constitutivos do agir

Agir Agir: neutro.


(atividade e ação) Ação: um indivíduo.
Atividade: vários indivíduos.

Actante Actante: neutro.


(agente e ator) Ator: características internas.
Agente: características externas.

Condutas verbais (introduzir um texto oralmente).


Trabalho Condutas não verbais (movimentos corporais).

Tarefas Diferentes tipos de atos: tarefa de “dar aula”.

Determinantes externos: razões externas.


Razões para o agir Motivos: ordem interna.

Finalidades: agir coletivo.


Intencionalidade do agir Intenções: agir individual.

Recursos para o agir Instrumentos/ferramentas: recursos externos.


Capacidades do agente: recursos internos.

Fonte: Adaptado de Machado et al. (2009).

Com esses elementos, Machado (2009) considera que é possível identificar


informações que estão vinculadas ao nível macrotextual, organizacional ou
enunciativo de um texto. Entretanto, ainda é possível realizarmos uma análise mais
detalhada, a fim de compreender outros fatores que estão diretamente ligados ao
agir do professor. Para tanto, é possível analisarmos os verbos que descrevem o
trabalho do professor, servindo de fundamento os pressupostos de Mazzillo (2006) e
Barricelli (2007), com relação às figuras do agir.

Quadro 6 - Figuras do agir

Materiais ou simbólicos.
Agir com instrumento Exemplos: Distribuiu mapas; Utiliza o conceito de gênero.

Atividade mental.
Exemplos: a professora se surpreendeu.
Agir mental Capacidade do professor.
Exemplos: Tem mais técnica para ensinar.
81

Agir imediato do aluno.


Exemplos: Solicitou a participação.
Agir linguageiro Ação não imediata do aluno.
Exemplos: Iniciou a aula dando uma explicação.
Agir linguageiro em reação ao agir do aluno.
Exemplo: Voltou atrás e improvisou o restante da aula.

Agir emocional.
Agir afetivo Exemplos: gostar, expressar.

Agir físico.
Agir corporal Exemplos: correr, andar.

Envolve mais de uma forma de agir.


Agir pluridimensional Exemplos: elaborar, traduzir, reconstruir.

Agir prescritivo Exemplos: dever, poder, ser verdade.

Fonte: Mazzillo (2006) e Barricelli, (2007).

Dadas as seguintes informações, no nível semântico é possível observar os


elementos constitutivos do agir e as figuras do agir, resultando em possíveis
compreensões sobre a organização e o desenvolvimento do trabalho do professor.
Finalizada essa parte, partimos para a análise e interpretação dos dados.
82

6 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Neste capítulo, temos o objetivo de apresentar a análise e interpretação dos


dados obtidos nas duas entrevistas, tendo como referência os pressupostos teóricos
de ISD, no que concerne ao contexto de produção e os três níveis de análise –
organizacional, enunciativo e semântico. Como são duas entrevistas, uma realizada
com a professora da escola municipal e outra com a professora da escola estadual,
analisamos cada uma de maneira separada, de acordo com a organização
explicitada no Quadro 7:

Quadro 7 - Elementos de análise


6.1 Contexto de produção
• 6.1.1 Mundo Físico
• 6.1.2 Mundo Sociossubjetivo

6.2 Nível organizacional


• 6.2.1 O plano global do texto
• 6.2.1.1 Tópicos das entrevistas com as professoras
• 6.2.1.2 Actantes presentes na entrevista com a professora Ana
• 6.2.1.3 Actantes presentes no entrevista com a professora Patrícia
• 6.2.2 Os tipos de discurso
• 6.2.2.1 Entrevista da professora Ana
• 6.2.2.2 Entrevista da professora Patrícia

6.3 Nível enunciativo


• 6.3.1 Marcas de pessoa
• 6.3.1.1 Professora Ana
• 6.3.1.2 Professora Patrícia
• 6.3.2 Elementos de modalização
• 6.3.2.1 Entrevista da professora Ana
• 6.3.2.2 Entrevista da professora Patrícia
• 6.3.3 Considerações sobre a análise dos níveis macrotextual, organizacional e
enunciativo

6.3 Nível semântico


• 6.4.1 Elementos constitutivos do agir
• 6.4.1.1 Entrevista da professora Ana
• 6.4.1.2 Entrevista da professora Patrícia
• 6.4.2 As figuras do agir
• 6.4.2.1 Entrevista da professora Ana
• 6.4.2.2 Entrevista da professora Patrícia

Fonte: Elaborado pela autora.


83

Como foi demonstrado no quadro, inicialmente, descrevemos o contexto de


produção, focalizando os elementos físicos e sociossubjetivos. Na sequência,
apresentamos uma análise do nível organizacional, enfocando o plano geral do texto
e os tipos de discurso. Em seguida, o nível enunciativo, em relação às marcas de
pessoa, os posicionamentos enunciativos (as vozes que circulam nos enunciados) e
as avaliações (elementos de modalização). Por fim, analisamos o nível semântico,
tendo em vista os elementos constitutivos do agir e as figuras do agir.
Dando início a esse capítulo, descrevemos o contexto de produção, que se
articula aos fatores do mundo físico, social e subjetivo.

6.1 ANÁLISE DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO

É importante salientar que essa pesquisa tem o objetivo de identificar se os


professores de Língua Portuguesa revelam que se apropriam do Livro Didático
enquanto um instrumento de ensino. A fim de buscar respostas para essa questão,
foram realizadas entrevistas com duas professoras de Língua Portuguesa, que
ministram aulas no 9ª ano do Ensino Fundamental. Essas entrevistas foram
compostas por 22 questões, que enfocavam assuntos ligados à escolha e a
utilização do Livro Didático.
Dadas essas circunstâncias, o contexto de produção, como afirma Bronckart
(2012), refere-se a fatores que exercem uma influência sobre o texto. Dentro desse
contexto de produção, há o mundo físico e o mundo sociossubjetivo. No mundo
físico, identificamos os fatores concretos que fazem parte da produção do texto, o
espaço em que o sujeito participa e no qual são desenvolvidos os textos. Já no
mundo sociossubjetivo, identificamos o lugar social, a posição social dos sujeitos e
os objetivos da interação. De início, buscamos apresentar uma análise dos
elementos que fazem parte do mundo físico.

6.1.1 Mundo físico

Com relação ao primeiro plano, que diz respeito ao contexto físico,


identificamos o espaço escolar como o lugar em que os textos foram produzidos. A
entrevista com a professora Ana foi realizada no laboratório de informática da
84

escola. A entrevista com a professora Patrícia foi realizada na sala da coordenação


pedagógica.
Os enunciadores dos textos são as professoras Ana (nome fictício) e Patrícia
(nome fictício). Ana, mulher, 53 anos. Patrícia, mulher, 41 anos. Já o interlocutor,
que participa diretamente do diálogo, é Bárbara Muders, mulher, no período da
interação contava com a idade de 23 anos. A pesquisadora interage com as
professoras, com a finalidade de compreender as representações que fazem sobre o
seus agires a partir do uso do Livro Didático. Dando continuidade, apresentamos os
elementos que fazem parte do mundo sociossubjetivo.

6.1.2 Mundo sociossubjetivo

No segundo plano, que condiz com o mundo sociossubjetivo, identificamos a


escola municipal e a escola estadual como as instituições, como os lugares em que
os textos foram produzidos. Quanto à posição social dos enunciadores do texto, Ana
é professora de Língua Portuguesa na escola municipal e Patrícia é professora de
Língua Portuguesa na escola estadual. Já a posição social do destinatário do texto
diz respeito à pesquisadora/acadêmica do mestrado em Letras. Ela, no curso do
ensino fundamental e médio, estudou em umas das escolas, e na graduação, teve a
oportunidade de retornar a esta escola e desenvolver os estágios de Língua
Portuguesa e Língua Espanhola.
Durante as entrevistas, é a pesquisadora/acadêmica do mestrado em Letras
que coordena a interação, conforme informações anteriormente organizadas. A
entrevistadora considera que as professoras possuem uma variedade de
conhecimentos e muita experiência no ensino de Língua Portuguesa.
Já as professoras, participantes das entrevistas, tinham conhecimento da
posição social desempenhada pela pesquisadora, de mestranda do curso de Letras.
Com isso, é possível que as docentes tenham construído diversas representações
sobre a entrevistadora, sobre a posição social por ela desempenhada e que talvez
esta questão tenha influenciado a construção de suas respostas.
O objetivo da interação foi que as professoras respondessem as perguntas
propostas ao longo da entrevista, a fim de que pudéssemos identificar de que forma
os seus trabalhos são representados a partir do uso do Livro Didático, se as
85

docentes revelariam que se apropriam desse material, transformando-o em


instrumento de ensino. Exposto o contexto de produção, direcionamo-nos agora
para os três níveis de análise.

6.2 ANÁLISE DO NÍVEL ORGANIZACIONAL

O nível organizacional é composto pelo plano global do texto e pelos tipos de


discurso. De início, analisaremos alguns elementos que fazem parte do plano global
dos textos.

6.2.1 Plano global do texto

Em princípio, focalizamos o plano global do texto, que por estar organizado a


partir de uma entrevista, corresponde a uma estruturação de perguntas e respostas.
Esse gênero textual se define a partir de algumas características, como a presença
do entrevistador, que realiza as perguntas, e do entrevistado, que responde às
perguntas. Do mesmo modo, há uma interação entre os sujeitos, que se define
através da troca de informações e conhecimentos.
A fim de identificarmos mais informações referentes ao plano global do texto,
apresentamos, na sequência, os itens que foram discutidos ao longo das entrevistas
com as professoras.

6.2.1.1 Tópicos das entrevistas com as professoras

Nas entrevistas realizadas com as professoras, identificamos a presença dos


seguintes tópicos:

Quadro 8 - Tópicos das entrevistas com as professoras

TÓPICOS PROFA. ANA PROFA.


PATRÍCIA

1. Pergunta sobre aspectos pessoais. Linhas 1-9 Linhas 1-4

2. Escolha do Livro Didático. Linhas 10-39 Linhas 5-29


86

3. Aspectos do Livro Didático. Linhas 40-59 Linhas 30-51

4. Descrição das partes que compõem o Livro Didático. Linhas 60-84 Linhas 52-70

5. Livro Didático e conteúdos do 9º Ano. Linhas 85-99 Linhas 71-87

6. Uso efetivo do Livro Didático. Linhas 100-159 Linhas 88-149

Fonte: Elaborado pela autora.

Tratando-se dos tópicos que fazem parte das entrevistas, identificamos uma
divisão conforme as temáticas abordadas ao longo dos textos. Realizamos a
fragmentação de seis tópicos, de acordo com os aspectos que dizem respeito a
informações pessoais das entrevistadas e ao processo de escolha, descrição e
utilização do Livro Didático. No quadro a seguir, apresentamos o conteúdo temático
do texto, ou seja, as informações principais que fazem parte de cada tópico das
entrevistas.

Quadro 9 - Conteúdo temático do texto

TÓPICOS INFORMAÇÕES PRINCIPAIS

 Idade.
1. Pergunta sobre aspectos pessoais:  Formação acadêmica.
 Tempo de atuação na escola.

 Participação do professor.
2. Escolha do Livro Didático:  Critérios para escolha do material.
 Tempo destinado para a escolha do material.
 Opinião sobre a escolha do Livro Didático.

 Livro Didático utilizado pela escola.


 Primeira opção de escolha.
3. Aspectos do Livro Didático:  O tempo de utilização do Livro Didático.
 Distribuição do Livro Didático as escolas.

4. Descrição das partes que compõe  Os conteúdos de Língua Portuguesa do 9º Ano.


o Livro Didático:  Descrição do Livro Didático do 9º Ano.

 Relação Livro Didático e programa da disciplina de


Língua Portuguesa do 9º Ano.
87

5. Livro Didático e conteúdos do 9º  Se o Livro Didático contribui no planejamento e na


Ano: organização das aulas.

 Uso do Livro Didático.


 Foco principal ao se trabalhar com o Livro
Didático.
6. Uso efetivo do Livro Didático:  Relação Livro Didático e realidade dos alunos.
 Relação Livro Didático e conteúdos.
 Relação Livro Didático e alunos.
 Utilização de outros materiais de ensino.

Fonte: Elaborado pela autora.

O conteúdo temático diz respeito às informações que serão apresentadas ao


longo do texto. Recuperando os pressupostos de Bronckart (2012), compreendemos
que o conteúdo temático do texto pode apresentar elementos que fazem parte do
mundo físico, do mundo social e do mundo subjetivo. As informações constitutivas
do conteúdo temático do texto dizem respeito aos conhecimentos compartilhados
pelas professoras, a partir de suas experiências com o uso do Livro Didático no
ensino de Língua Portuguesa.
Sendo assim, as entrevistas fazem parte do que Machado et al. (2009)
conceitua como texto descritivo, uma vez que há a descrição das experiências
vivenciadas pelas professoras em seu contexto de trabalho. Nesse caso, as
experiências dizem respeito a representações de seus trabalhos a partir do uso do
Livro Didático.
Ademais, no plano global também é possível identificar, conforme Machado e
Bronckart (2009), os actantes principais que fazem parte do texto. A seguir,
identificamos os actantes envolvidos na entrevista da professora Ana.

6.2.1.2 Actantes presentes na entrevista com a professora Ana

No discurso da professora Ana, identificamos a presença de alguns actantes,


como demonstrado no quadro a seguir:

Quadro 10 - Actantes da entrevista com a professora Ana

 é a gente tem um PLANO um plano de trabalho... que é


elaborado com / a direção da escola e demais professores...
Professores (Texto 1, linhas 62-63)
88

 os professores deviam de ter o livro pra poder seguir e


fazer o seu plano de trabalho... (Texto 1, linhas 95-96).

 todos os alunos tem sei que tem escolas que não tem
livros suficiente 54-55
 tem algumas partes... é:: digamos mais ligada a textos
que a gente consegue aproveitar bem mas no que diz respeito a
Alunos gramática ele é insuficiente para que os alunos possam assimilar
o conteúdo novo que lhes é apresentado... (Texto 1, linha 76-78)

Direção da escola  é a gente tem um PLANO um plano de trabalho...que é


elaborado com / a direção da escola e demais professores...
(Texto 1, linhas 62-63)
Fonte: Elaborado pela autora.

As informações apresentadas no quadro acima demonstram a presença de


alguns actantes que intervêm diretamente na produção do texto. Nesse sentido, são
mencionados os professores em geral, os alunos e a direção da escola. Os
professores ao passo que é descrito o processo de escolha e distribuição dos Livros
Didáticos. Isso vale também para a direção da escola, que é nomeada no instante
em que a professora descreve o processo de elaboração do plano de estudo. Já os
alunos são mencionados no momento em que a professora descreve o processo de
distribuição dos Livros Didáticos, bem como o retorno deles sobre a utilização desse
material de ensino.
É fundamental destacarmos que todos esses actantes fazem parte do espaço
escolar e, por conseguinte, convivem diretamente no processo de ensino e
aprendizagem. Isso nos reporta a Machado (2009), uma vez que pelas palavras da
autora, concebemos os professores em geral, a equipe diretiva e os alunos, como
entidades que são mencionadas no texto e que referenciam uma fonte de agir. Isto
é, cada qual desenvolve as suas funções no espaço escolar.
A seguir, identificamos os actantes que fazem parte da entrevista com a
professora Patrícia.

6.2.1.3 Actantes presentes na entrevista com a professora Patrícia

No discurso da professora Patrícia, identificamos a presença dos seguintes


actantes:
89

Quadro 11 - Actantes da entrevista com a professora Patrícia


 foco principal é:: tentar acho que assim /... na medida do
possível então passar o conteúdo que né os alunos precisam ter
essa noção básica então da:: língua portuguesa né então pra isso a
gente /... coloca também e como material de apoio mais né pra...
(Texto 2, linhas 103-106)
 eles não gostam muito eles querem até coisas diferentes
né assim... (Texto 2, linha 124)
Alunos sim com certeza no sentido de melhorar sim né... se / trás textos /
tipo:: que sejam do interesse deles para despertar o interesse
deles / né / se tem então o conteúdo vamos supor que eles
precisam para a sua formação... (Texto 2, linhas 132-134)

olha nós temos então assim / um plano de trabalho né mais ou


Professores menos unificado a gente vai /... os professores na verdade se
reúnem né e vão distribuindo a gente vai tipo seguindo mais ou
menos o livro né (Texto 2, linhas 54-56)

sim esse sim... é porque né como coloquei antes né os textos MAS


A CARA DELES... né como / adolescentes MEU DEUS / era então
ali que nós estamos passando então /... informática tudo é:: aqui na
nossa escola então é... ele retrata a vida deles... ele é bem a
Adolescentes realidade deles né... (Texto 2, linhas 111-114).
Fonte: Elaborado pela autora.

Ao longo do texto, a professora faz menção aos alunos, professores e


adolescentes. Esses actantes são entidades que fazem parte da atividade
educacional e, por isso, interagem entre si e são protagonistas no processo de
ensino e aprendizagem.
Machado e Lousada (2010) reconhecem que há diversos elementos que
interagem entre si dentro do sistema educacional. Isto é, o trabalho docente está em
constante processo de interação com outros actantes, como é o caso dos demais
professores e dos alunos (adolescentes), revelados no discurso da professora.
Finalizada essa parte, focalizamos, na sequência, os tipos de discurso.

6.2.2 Os tipos de discurso

Nos tipos de discurso, buscamos identificar se os relatos das professoras


apresentam elementos linguísticos que pertençam a algum mundo discursivo.
Bronckart (2012) classifica os mundos discursivos da seguinte forma:
a) Mundo do EXPOR implicado;
b) Mundo do EXPOR autônomo;
c) Mundo do NARRAR implicado;
90

d) Mundo do NARRAR autônomo.


Nesses mundos discursivos, observamos se os relatos das professoras
podem ser classificados como um discurso interativo, um discurso teórico, um relato
interativo ou uma narração.
De início, apresentamos a análise dos tipos de discurso na entrevista da
professora Ana.

6.2.2.1 Entrevista da professora Ana

A entrevista com a professora Ana trata-se de um diálogo gravado na escola,


portanto, um texto pertencente ao gênero conversação oral, tal como referencia
Bronckart (2012). Por ser o gênero conversação oral, esse texto se organiza a partir
de dois agentes que alternam seus turnos de fala, conforme o espaço e a situação
em que a interação acontece.
Neste contexto, identificamos que parte do conteúdo temático do texto está
organizado em um mundo conjunto, referindo-se à ordem do expor implicado. Neste
contexto, as informações remetem ao instante em que ocorre a ação da linguagem.
Isso é possível de ser observado através de unidades que se referem aos agentes
da interação (professora Ana). Assim, o que prevalece é o discurso interativo, pois o
que se tem é uma interação entre os agentes e a situação em que essa troca de
informações acontece. A seguir, apresentamos alguns excertos que comprovam
essa classificação.

olha quanto a escolha é:: eu acho assim que::... ela é muito superficial...
pelo fato de que a gente não consegue visualizar todo todo o livro você vai
fazendo assim uma leitura é:: superficial de alguns tópicos que você de
repente acha interessante mas que para outro professor não é tão
interessante... é:: então eu acho que não deveria ter essa escolha em tão
pouco tempo ela devia ter uma análise digamos assim eu vou analisar um
livro/ no outro momento analiso outro livro e assim sucessivamente mas
com um tempo bem mais amplo do que esse que nos é proporcionado que
é geralmente meio dia (Professora Ana, texto 1, linhas 32 - 39).

vou citar um exemplo para você... é:: quando se tratar de praia... tem aluno
que nem conhece praia mas aí o texto trás elementos/ histórias que falam
sobre sobre personagens lá de um lugar de praia... mas o aluno nem sabe o
que é praia... então eles estão tão longe do/ da realidade do aluno... mas
também não posso descartar todos os textos tem textos que são nacionais
por exemplo que abordam temas como BULLIYNG... como DISCIPLINA...
como RESPEITO... são são temas universais... (Professora Ana, texto 1,
linhas 125-131).
91

As passagens comprovam a presença da primeira pessoa do singular do


presente do indicativo, através dos verbos achar, ir e poder. Esses verbos remetem
diretamente à professora, agente da interação. Ao serem utilizados no texto, fazem
referência a fatos atuais, destinando-se ao instante em que a ação de linguagem
acontece.
Além desse mundo conjunto, que se refere à ordem do expor implicado,
observamos também à presença de um mundo disjunto, referindo-se à ordem do
narrar implicado. Com relação a ordem do narrar implicado, as informações não
remetem ao instante em que ocorre a ação de linguagem, referem-se a fatos
passados ou futuros. Nesse caso, o que prevalece é um relato interativo, em que
são apresentados os personagens e a situação em que ocorre a ação de linguagem.
A seguir, observamos algumas passagens que comprovam essa classificação.

nós temos livros suficientes para cada aluno... todos os alunos tem sei que
tem escolas que não têm livros suficiente... mas a nossa escola está muito
bem contemplada com os livros didáticos eles vêm vieram em tempo hábil
ou seja no primeiro dia de aula eu já tinha o livro didático...é inédito porque
em outros anos a gente levava às vezes dias e meses para começar um
novo livro e esse ano o livro estava disponível para os alunos desde o
primeiro dia de aula (Professora Ana, texto 1, linhas 54 - 59).

eu não participei desta elaboração o meu plano já estava previamente é


pronto eu só peguei ele para é ter um embasamento e para saber o que eu
devo trabalhar... (Professora Ana, texto 1, linhas 63-65).

No primeiro excerto, há a presença de um dêitico temporal, em outros anos,


acompanhado do verbo levava, no pretérito imperfeito do modo indicativo. Já no
segundo exemplo, observamos a presença de dois verbos no pretérito perfeito,
participei e peguei. A utilização de tempos verbais no passado e de dêitico temporal
comprova que os relatos fazem parte da realidade, entretanto, já se sucederam em
um determinado período.
Dando prosseguimento à análise, apresentamos os tipos de discurso que
fazem parte do relato da professora Patrícia.

6.2.2.2 Entrevista da professora Patrícia

No que concerne ao relato da professora Patrícia, observamos que parte do


conteúdo temático do texto organiza-se de maneira conjunta, referindo-se à ordem
do expor implicado. Com relação ao expor implicado, observamos a presença de
92

unidades que remetem ao agente da interação (professora Patrícia). Assim, esses


relatos fazem parte de um discurso interativo, visto que há uma interação entre os
sujeitos e o contexto em que a interação acontece.
Observamos, no discurso da professora, a presença de unidades que
remetem ao expor implicado e, por conseguinte, um discurso interativo.

é como já falei antes né acho que esse é um livro que mais está adequado
né com o que é cobrado e exigido depois dos alunos em outros vestibulares
né em outras provas... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 40 - 42).

olha..dizia assim um livro razoável até:: / eu gosto particularmente assim


dos textos ele traz ele textos assim bem na realidade deles..eles até ai só
podia ser sobre adolescente e sobre / a tecnologia... (Professora Patrícia,
texto 2, linhas 65-67).

SOMENTE o livro / o livro em si como é que vou te dizer de repente... pras


MÍNINAS coisas SIM né mas não assim porque a gente tem que ir atrás tem
que pesquisar em outras... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 73-75).

Como destacado nos exemplos acima, o expor implicado se concretiza pela


descrição de fatos que fazem parte da realidade dos protagonistas da interação,
conduzindo a um discurso interativo, a uma interação entre os sujeitos e o contexto
do qual fazem parte. Nos relatos, são utilizados os verbos achar, gostar e ir, todos
na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, o que nos leva a
compreender que os discursos fazem parte da realidade, referem-se ao instante em
que a ação de linguagem acontece.
Contudo, também identificamos passagens que referenciam um mundo
disjunto, à ordem do narrar implicado. O narrar implicado pode ser observado com a
presença de dêiticos que enaltecem um narrar, a apresentação de personagens e a
situação em que a ação de linguagem acontece. Nesse caso, o que prevalece é um
relato interativo. Nos excertos a seguir, observamos essa classificação.

isso tudo depende como a:: editora manda né... que nem por exemplo esse
ano / nós tínhamos até seis de setembro mas início de setembro daí
alguns ainda enviaram né / mas a maioria é mais ou menos um mês... né...
mas tem uns então que mandam um pouquinho mais tarde que chega
então a dar dez dias se a gente não tem tanto... tanto tempo pra escolher
né. (Professora Patrícia, texto 2, linhas 21 - 25).

até assim as próprias editoras mandaram cds... né pra nós também com /
atividades extras né... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 141-142).
93

Nesses fragmentos, há a utilização de verbos no passado, enviaram,


mandaram e tínhamos, acompanhados também de um dêitico temporal, até seis de
setembro. Essas passagens referenciam fatos pertencentes à realidade, mas que
aconteceram em um determinado período. São fatos passados, que integram a
presença de sujeitos e uma situação de linguagem.
Exposta a análise do nível organizacional, apresentamos, na sequência, a
análise do nível enunciativo.

6.3 ANÁLISE DO NÍVEL ENUNCIATIVO

No nível enunciativo, analisamos as marcas de pessoa, as vozes que


circulam no texto e os elementos de modalização. Essa análise será realizada, com
o objetivo de esclarecer se as representações das professoras são construídas a
partir de uma posição pessoal, ou pensadas em conjunto com os demais sujeitos,
como professores e alunos. De início, apresentamos a análise das marcas de
pessoa.

6.3.1 Marcas de pessoa

Inicialmente, centramo-nos nas marcas de pessoa, nos pronomes pessoais


que circulam nos textos, a fim de identificar as atribuições designadas a
determinados pronomes que fazem parte do agir das professoras. De início,
apresentamos as marcas de pessoas que circulam no discurso da professora Ana,
para na sequência, apresentar os resultados identificados nos relatos da professora
Patrícia.

6.3.1.1 Professora Ana

A entrevista nos permitiu observar a presença de uma posição pessoal da


professora, que é perceptível através do pronome pessoal eu. Sob esse ponto de
vista, a utilização desse pronome reitera a presença de um estatuto individual no
discurso, um posicionamento pessoal da docente frente ao seu agir. Esse pronome
94

pode ser identificado tanto de forma explícita, como implícita. Vejamos alguns
exemplos a seguir.

mas entre os conteúdos que devem ser trabalhados lembro de alguns que
não tenho aqui no momento mas assim ó... é:: a gente tem que fazer uma
revisão das classes gramaticais... temos que fazer estudar o período
composto por coordenação e subordinação... temos que fazer uma
abordagem sobre a regência verbal a regência nominal a crase a ortografia
com destaque a ortografia nova que ainda os alunos não pegaram ela na
íntegra é:: eu trabalho BASTANTE com eles a produção textual trabalho
também bastante com gêneros é:: textuais é:: a hora da leitura eu não
descarto também é uma hora por semana... é:: e você tem que trabalhar as
classes gramaticais em todas as séries de uma forma menos e mais
aprofundada... (Professora Ana, texto 1, linhas 65-74).

para mim ele é apenas um:: um:: / instrumento de suporte eu não utilizo ele
todos os dias... eu me val/ fico/ buscando outras alternativas de xeROX de
livros VElhos mais antigos tem alguns textos que eu não trabalho que eu
considero textos melhores daí eu trabalho outros textos... (Professora Ana,
texto 1, linhas 114-117).

Além disso, também identificamos a presença de um discurso coletivo, que se


sustenta pela utilização dos pronomes nós e a gente. Para exemplificarmos esse
processo, apresentamos uma passagem da entrevista em que se utiliza o pronome
eu e sua relação com os pronomes nós e a gente.

pela experiência que eu tenho na escolha do livro didático... normalmente a


gente se reúne com os professores é faz uma uma análise de cada livro
que nos é apresentado e temos que chegar a um denominador comum que
nem sempre contenta a todos e na verdade a gente não encontra um livro
sem por cento que satisfaça o trabalho do professor...o livro didático ele é
meramente um recurso didático um auxiliador pra que a gente possa ter um
um embasamento naqui/ nos conteúdos que serão trabalhados...
(Professora Ana, texto 1, linhas 18-24).

Ao ser indagada sobre a utilização de alguns critérios para a escolha do Livro


Didático, a professora utiliza, inicialmente, o pronome pessoal eu, no sentido de
esclarecer que a resposta será conforme as suas próprias experiências quanto ao
processo de escolha do material didático. Em seguida, a professora descreve o
processo de escolha do Livro Didático, passando a utilizar os pronomes a gente e
nós, no sentido de elucidar a coletividade, uma atividade que envolve a interação de
todos os professores no processo de escolha de determinado exemplar.
Nesse exemplo, a utilização dos pronomes nós e a gente nos reporta a
Machado e Bronckart (2009), no que concerne à característica interpessoal do
trabalho docente. Essa característica representa a interação com o outro. Com o uso
95

dos pronomes nós e a gente, se explicita a interação da professora Ana com os


demais professores no processo de escolha do Livro Didático.
Dessa forma, além de utilizar os pronomes pessoais a gente/nós no sentido
de elucidar a coletividade, o pronome também é utilizado para fazer referência a
professora Ana e os alunos. Ao descrever o processo de utilização do Livro Didático,
a professora aponta que o ideal seria que este material proporcionasse um espaço
para que os alunos escrevessem as respostas, o que facilitaria o processo de ensino
e o tempo necessário para a realização das atividades.

o ideal seria que o aluno tivesse um livro e que tivesse um espaço para as
suas respostas porque nós teríamos ganhaRÍAMOS TEMPO pra que a
gente não precisasse copiar questão responder a questão envolve muito
tempo perde-se muito tempo nesse copiar... não estou descartando aqui a
necessidade de escrever porque o aluno tem que escrever mas tem
algumas atividades que a gente não precisava tar copiando... poderiam ter
respondido dentro do livro... (Professora Ana , texto 1, linhas 106-112).

Os excertos utilizados como exemplos nesta seção, nos permitem observar


os pronomes pessoais que circulam ao longo da entrevista. Assim, é possível
observarmos a posição pessoal da professora Ana, que é marcada através do
pronome pessoal eu. Além disso, também é possível observarmos uma posição
coletiva, que é marcada através dos pronomes a gente/nós, referindo-se ao grupo
de professores, bem como à Professora Ana e aos alunos. No quadro a seguir,
podemos identificar o número de ocorrências desses pronomes.

Quadro 12 - Número de ocorrências dos pronomes pessoais eu e a gente/nós na


entrevista da professora Ana
FORMAS DE EMPREGO NÚMERO DE OCORRÊNCIAS

1. Eu 47

2. A gente/nós (professores) 24

3. A gente (professora Ana e alunos) 02

Fonte: Elaborado pela autora.

Como podemos observar a opinião da professora Ana é muito presente na


entrevista, são 47 ocorrências que comprovam a presença do pronome pessoal eu.
Somado a isso, por duas vezes, a representação do agir da professora é
96

compartilhada com os alunos, ao ser descrito o processo de utilização do Livro


Didático. Outra posição que identificamos com frequência é a dos professores, que
através dos pronomes pessoais a gente/nós, diz respeito a um discurso coletivo.
Entretanto, os dados comprovam que a fala da professora Ana centrou-se
principalmente no pronome pessoal eu, ao apresentar um número maior de
representações pessoais sobre o seu agir a partir do uso do Livro Didático. Isso nos
reporta a uma característica pessoal, que segundo Machado e Bronckart (2009),
condiz com os aspectos mentais, físicos e emocionais do próprio sujeito.
No gráfico a seguir, apresentamos uma análise desse posicionamento
enunciativo conforme o conteúdo temático do texto.

Gráfico 1 - Número de ocorrências dos pronomes eu e a gente/nós conforme o


conteúdo temático do texto da professora Ana

20
18
16 Eu
14
12
A gente/nós
10 (professores)
8
A gente (professora
6
Ana e alunos)
4
2
0
Aspectos Escolha do Aspectos do Descrição Livro Uso efetivo
pessoais Livro Livro das partes Didático e do Livo
Didático Didático de conteúdos Didático
compõem o do 9º Ano
Livro
Didático

Fonte: Elaborado pela autora.

Como apresentado anteriormente, percebemos que há a predominância do


pronome pessoal eu, que enaltece a presença de posicionamentos pessoais da
professora. Entretanto, é interessante observarmos que em alguns tópicos que
compõem a entrevista há um uso maior dos pronomes a gente e nós. Esses
pronomes são mais utilizados no momento em que são descritos os aspectos de
escolha do Livro Didático, bem como o exemplar que está sendo utilizado. Nesse
97

caso, a professora compartilha com todos os docentes as responsabilidades do agir.


Ainda assim, esse gráfico comprova que na maior parte do conteúdo temático do
texto, as representações estiveram centradas em posicionamentos pessoais da
professora sobre o seu agir a partir do uso do Livro Didático.
Finalizada essa parte, passamos para a análise das marcas de pessoa
presentes na entrevista com a professora Patrícia.

6.3.1.2 Professora Patrícia

A entrevista nos permite, inicialmente, observar a presença de um discurso


coletivo, que é identificado através dos pronomes pessoais nós e a gente. A
professora descreve o processo de escolha do Livro Didático, levando em
consideração a participação de todos os professores:

olha as editoras mandam pra escola... né e daí nós analisamos ele...


primeiro cada um / analisa ele individualmente depois nós fizemos uma
reunião por área... daí/ discutimos analisamos o livro em conjunto... e daí
depois a gente então escolhe o que / a gente então acha que é a melhor
opção que nos enviaram né... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 7-11).

olha:: assim até / nós:: pegamos assim escolhemos então o livro que tem /
mais textos atuais né que está mais de acordo com que é cobrado depois...
né / dos alunos em outras tipo no Enem nos vestibulares né... esses
critérios a gente tenta mais mas mesmo assim tá é difícil né... essa
escolha... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 16-19).

No exemplo acima, é possível perceber a presença dos pronomes nós e a


gente, comprovando que o processo de escolha do Livro Didático depende da
participação de todo o grupo de professores. São realizadas análises e discussões
no grupo, a fim de que um exemplar possa ser escolhido. Na sequência,
percebemos um jogo de relações entre os pronomes eu, nós e a gente. Isso pode
ser observado nos seguintes relatos:

distribuição... olha ali até eu acho que assim não é... às vezes /... no início
do ano então os livros não estão disponíveis ainda na escola ou a gente faz
uma tipo... pede... vamos supor 30 livros pro primeiro ano daí só vem 20 daí
gente tem que ir atrás ver se / não tem em outras escolas né mas... poderia
ser mais organizado... pra que no início do ano todo mundo tivesse o seu
livro... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 47-51).

olha nós temos então assim / um plano de trabalho né mais ou menos


unificado a gente vai /... os professores na verdade se reúnem né e vão
98

distribuindo a gente vai tipo seguindo mais ou menos o livro né / mas a


gente inicia / com orações subordinadas daí vão as orações coordenadas
estrutura e processo de formação de palavras nós já entramos na questão
de / produção textual / textos dissertativo argumentativo... né / daí tem o
debate regrado... trabalhamos vários tipos de textos né inclusive até
gramática gramática em si não tem tanta no 9ª Ano... é mais interpretação
produção textual né e / algumas figuras de linguagem a gente já / porque é
fundamental né a gente vai introduzindo porque depois no ensino médio a
gente vai aprofundando... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 54-63).

No primeiro excerto, a afirmação inicia com a intenção de expor uma posição


pessoal da professora, ao utilizar o pronome pessoal eu. Entretanto, essa possível
posição pessoal perde o seu espaço para a apresentação de um exemplo sobre o
processo de distribuição dos Livros Didáticos. Com isso, a docente utiliza o pronome
a gente, a fim de expor a dificuldade que os docentes enfrentam com a falta de
Livros Didáticos no início do ano letivo. Por fim, a professora retoma a sua posição
pessoal sobre esse processo, afirmando que poderia ser mais organizado, para que
todos os alunos tivessem o seu livro no início do ano letivo. Percebemos que essa
exemplificação foi apresentada, a fim de justificar a posição pessoal da professora e
promover um grau de verdade maior ao seu discurso.
No segundo exemplo, a docente descreve os conteúdos que fazem parte da
disciplina de Língua Portuguesa do 9º ano. Nesse contexto, percebemos
inicialmente um discurso coletivo, ao mesmo tempo que expõe a presença de um
plano de trabalho que orienta o agir dos professores. Na sequência, descreve os
conteúdos que estão sendo trabalhados com os alunos. Para tanto, utiliza os
pronomes nós e a gente. Esses pronomes, ao serem utilizados para essa descrição,
referem-se, em específico, ao trabalho da professora Patrícia em sintonia com os
seus alunos do 9º Ano. Isto é, a professora descreve o trabalho que vem sendo
desenvolvido, de produção textual com textos dissertativos argumentativos, ou seja,
com diversos tipos de textos. Além disso, também sinaliza o trabalho com algumas
figuras de linguagem. No fragmento a seguir é possível observar essa classificação.

nós já entramos na questão de / produção textual / textos dissertativo


argumentativo... né / daí tem o debate regrado... trabalhamos vários tipos
de textos né inclusive até graMÁtica gramática em si não tem tanta no 9ª
Ano... é mais interpretação produção textual né e / algumas figuras de
linguagem a gente já/ porque é fundamental né a gente vai introduzindo
porque depois no ensino médio a gente vai aprofundando... (Professora
Patrícia, texto 2, linhas 58-63).
99

Como destacado no excerto acima, podemos identificar diversas passagens


que comprovam a presença do pronome pessoal eu. A presença desse pronome
ocorre tanto de forma explícita, como de forma implícita. Além disso, há vários
relatos que comprovam a presença dos pronomes a gente/nós, no sentido de
representar a coletividade, todo o grupo de professores. Vale mencionar que o
pronome nós também é apresentado tanto de forma explícita, quanto implícita.
Ainda, identificamos que o uso do pronome a gente/nós pode fazer referência à
professora Ana e aos seus alunos do 9º Ano. Sendo assim, no quadro a seguir,
podemos identificar o número de ocorrências desses pronomes pessoais.

Quadro 13 - Número de ocorrências dos pronomes eu e a gente/nós na entrevista da


professora Patrícia
FORMAS DE EMPREGO NÚMERO DE OCORRÊNCIAS

1. Eu 18

2. A gente/nós (Professores) 41

3. A gente/nós (Professora Patrícia e alunos do 9º Ano) 03

Fonte: Elaborado pela autora.

O quadro acima revela 18 ocorrências que comprovam a presença do


pronome pessoal eu, no sentido de elucidar um posicionamento pessoal da
professora Patrícia. Há três ocorrências que comprovam o uso dos pronomes a
gente e nós, ao fazer referência à professora Patrícia e aos alunos do 9º ano.
Entretanto, o quadro demonstra uma predominância maior do uso dos pronomes a
gente/nós, no sentido de caracterizar todo o grupo de professores. Estamos diante
de um discurso em que o agir é compartilhado com todos os colegas de profissão.
No gráfico a seguir, podemos acompanhar o uso desses pronomes pessoais
conforme o conteúdo temático do texto.
100

Gráfico 2- Número de ocorrências dos pronomes eu e a gente/nós conforme o


conteúdo temático do texto da professora Patrícia

18
16
14
12 Eu

10
8 A gente/nós
(professores)
6
4 A gente/nós
2 (professora Patrícia e
alunos do 9º Ano)
0
Aspectos Escolha Aspectos Descrição Livro Uso
pessoais do Livro do Livro das partes Didático e efetivo do
Didático Didático que conteúdos Livro
compõem do 9º Ano Didático
o Livro
Didático

Fonte: Elaborado pela autora.

Os dados apresentados no gráfico acima comprovam uma predominância


maior do uso dos pronomes a gente/nós no sentido de enunciar todo o grupo de
professores. Com essa demonstração, percebemos que a professora opta por um
discurso coletivo, a fim de compartilhar com todos os professores as práticas de
ensino que são desenvolvidas em sala de aula, eximindo-se de possíveis
responsabilidades sobre o seu agir a partir do uso do Livro Didático.
Finalizada a análise das marcas de pessoa, apresentamos, na sequência, um
estudo sobre as vozes que circulam nos enunciados das professoras.

6.3.2 Elementos de modalização

Analisamos os elementos de modalização, levando em consideração as


categorias de modalizadores elencadas por Bronckart (2012) e Machado e Bronckart
(2009b), a saber: modalizações lógicas, modalizações deônticas, modalizações
apreciativas e modalizações pragmáticas. Buscamos identificar nos relatos das
101

professoras, elementos que condicionam o valor deôntico, que se refere à


necessidade do agente; o valor pragmático, que se direciona para as intenções do
agente; o valor lógico, que condiciona o valor de verdade a um discurso; o valor
apreciativo, que explicita a avaliação subjetiva do agente.
De início, identificamos os elementos de modalização que fazem parte do
discurso da professora Ana.

6.3.2.1 Entrevista da professora Ana

Com relação ao discurso da professora Ana, identificamos a presença dos


quatro tipos de modalização, entretanto, a que se revela com maior frequência é a
modalização lógica. São cinco ocorrências que comprovam a presença desse tipo
de modalização. Em seguida, identificamos a presença de quatro passagens que
comprovam a modalização deôntica. Com três ocorrências cada uma, identificamos
a presença da modalização pragmática e da modalização apreciativa.
Inicialmente, recuperamos informações que comprovam a presença de uma
modalização lógica e de uma modalização deôntica. O advérbio normalmente é
utilizado no sentido de relativizar o discurso, não o tornando em caráter absoluto, o
que comprova a presença de uma modalização lógica. Já a modalização deôntica se
apresenta através do verbo auxiliar ter que, que explicita a necessidade dos
professores de escolher um Livro Didático.

pela experiência que eu tenho na escolha do livro didático... normalmente a


gente se reúne com os professores é faz uma uma análise de cada livro que
nos é apresentado e temos que chegar a um denominador comum que
nem sempre contenta a todos e na verdade a gente não encontra um livro
sem por cento que satisfaça o trabalho do professor...o livro didático ele é
meramente um recurso didático um auxiliador pra que a gente possa ter um
um embasamento naqui/ nos conteúdos que serão trabalhados...
(Professora Ana, texto 1, linhas 18 - 24).

Em seguida, observamos a presença de uma modalização lógica, uma vez


que a professora relata que o tempo destinado para a escolha do Livro Didático é
geralmente de um período. Esse tipo de modalização é explicitada através da
presença do advérbio normalmente, que expõe um grau de probabilidade ao
discurso.
102

normalmente em um período ou seja... manhã ou tarde a gente tem para


fazer a escolha deste livro [...] (Professora Ana, texto 1, linhas 26 - 27).

Na mesma passagem, também identificamos a presença de uma modalização


apreciativa, visto que ao relatar o tempo destinado para a escolha do Livro Didático,
a professora apresenta uma opinião, uma análise subjetiva sobre o processo de
escolha desse material. A professora afirma que o tempo de escolha do Livro
Didático é insuficiente, pois é um material que será utilizado por três anos e, por
esse fato, exigiria uma análise mais detalhada. A presença da expressão o livro
didático é insuficiente comprova essa avaliação subjetiva do sujeito.

então se formos analisar o tempo... uma vez que nós trabalhamos ao longo
de três anos o livro didático é insuficiente para a gente fazer uma uma
escolha adequada... todo mundo está com pressa para fazer a escolha e::
acabamos não fazendo uma escolha minuciosa... (Professora Ana, texto 1,
linhas 27 - 30).

Dando prosseguimento, há um relato que comprova a presença de uma


modalização apreciativa. O verbo acho traduz uma crença do sujeito enunciador,
uma opinião sobre o processo de escolha do Livro Didático.

olha quanto a escolha é:: eu acho assim que::... ela é muito superficial...
pelo fato de que a gente não consegue visualizar todo todo o livro você vai
fazendo assim uma leitura é:: superficial de alguns tópicos que você de
repente acha interessante mas que para outro professor não é tão
interessante [...] (Professora Ana, texto 1, linhas 32 - 35).

No próximo excerto, identificamos a presença de uma modalização deôntica,


visto que a professora explicita que segue um plano de trabalho, elaborado pela
direção da escola e pelos professores, que apresenta os conteúdos que devem ser
trabalhados em sala de aula. Há um caráter instrutivo em seu discurso, uma
necessidade de seguir os conteúdos propostos no plano de trabalho. O verbo dever
explicita esse tipo de modalização.

é a gente tem um PLANO um plano de trabalho... que é elaborado com / a


direção da escola e demais professores... eu não participei desta
elaboração o meu plano já estava previamente é pronto eu só peguei ele
para é ter um embasamento e para saber o que eu devo trabalhar...
(Professora Ana, texto 1, linhas 62 - 65).

Na sequência, identificamos uma modalização pragmática. A professora


revela as suas intenções, de buscar outros materiais que possam dar o suporte e o
103

auxílio necessário. O verbo buscar conduz a essa interpretação. Com isso, estamos
diante de uma modalização pragmática, explicitada no relato a seguir:

... a gente se busca suporte em outros livros é:: busca suporte em:: na
internet é:: nos cadernos antigos que a gente também tem nos diários... pra
que possa assim ter um/ aprendizado melhor em relação ao conteúdo
apresentado... (Professora Ana, texto 1, linhas 81 - 84)

No próximo fragmento, há a presença de uma modalização lógica e de uma


modalização deôntica. A modalização lógica é explicitada através do verbo acredito,
uma vez que a sua utilização reitera uma avaliação do sujeito enunciador sobre a
seleção do Livro Didático, apoiada em condições de possibilidade, de probabilidade.
A modalização deôntica através do verbo deviam, visto que é revelada a
necessidade do professor de ter o livro para organizar o plano de trabalho.

como eu disse para você essa seleção não aconteceu comigo ela já estava
selecionada mas eu acredito que para para fazer isso os professores
deviam de ter o livro pra poder seguir e fazer o seu plano de trabalho...
(Professora Ana, texto 1, linhas 94 - 96).

Na questão seguinte, o verbo achar torna visível a presença de uma


modalização apreciativa. Esse verbo explicita uma avaliação subjetiva da
professora, ao considerar o Livro Didático impróprio para o uso diário. Já o verbo
poder introduz a presença de uma modalização deôntica, visto que a professora
explicita certas restrições, certas regras ao utilizar o Livro Didático.

ele é apenas um instrumento... que o aluno tem digamos assim quando a


gente quer trabalhar é::... com MENOS ESCRITA no quadro ele facilita para
que ele possa usufruir dele e fazer as suas respostas... porém como é um
livro para três anos eu não acho ele ele próprio pra o uso diário em função
de que eu não posso fazer as respostas dentro do livro [...] (Professora
Ana, texto 1, linhas 102 - 106).

Dando prosseguimento, identificamos uma modalização pragmática, pois a


professora, ao ser indagada sobre o foco principal ao se trabalhar com o Livro
Didático, afirma que ele é apenas um instrumento e assegura que busca
informações e atividades em outros materiais que possam dar o suporte necessário
para o ensino de Língua Portuguesa. Com isso, identificamos a intenção da agente,
de buscar outros materiais, outras atividades que possam auxiliar no processo de
aprendizagem. O verbo buscando confirma essas intenções do sujeito enunciador.
104

para mim ele é apenas um:: um:: / instrumento de suporte eu não utilizo ele
todos os dias... eu me val/ fico/ buscando outras alternativas de xeROX de
livros VElhos mais antigos tem alguns textos que eu não trabalho que eu
considero textos melhores daí eu trabalho outros textos... (Professora Ana,
texto 1, linhas 114 - 117).

Em seguida, identificamos um relato que revela a presença de uma


modalização deôntica. Os verbos ter e poder explicitam a necessidade do agente, de
buscar outros materiais didáticos que possam complementar as atividades que se
encontram no Livro Didático.

na sua totalidade não a gente tem que buscar outras ferramentas para
poder dar esse suporte pra atender o programa proposto... (Professora
Ana, texto 1, linhas 134 - 135).

Na sequência, há uma modalização lógica, que é observada através do verbo


acredito. O ator explicita que os alunos não apresentam interesse pelo Livro
Didático, tal como ele é apresentado. Com um grau de conhecimento e de
experiência, a professora considera que os alunos sentiriam um maior interesse pelo
Livro Didático, caso ele fosse organizado como o das séries inicias, com atividades
que pudessem ser respondidas no respectivo material.

...se fosse um livro como te disse anteriormente que tivesse atividades que
pudessem ser respondidas como é o livro das séries iniciais eu acredito sim
que ele ia ter mais/ atração ele ia sentir mais interesse de de trabalhar
porque É no livro não no caderno... (Professora Ana, texto 1, linhas 14 0 -
143).

Na sequência, identificamos a presença de mais uma modalização lógica,


enunciada através do verbo acredito. Esse relato introduz uma condição de
possibilidade ao discurso, de que o Livro Didático, se trabalhado de forma
interacional, pode vir a transformar muitas práticas de ensino.

depende de cada professor e de cada turma... se você consegue


desenvolver um trabalho de de discussão de temas que são apresentados e
levar o aluno a/ também interagir é:: com o texto eu acredito sim que ele
possa transformar muitas práticas que são são colocadas através de
textos... (Professora Ana, texto 1, linhas 146 – 149).

Por fim, identificamos um discurso que apresenta uma modalização


pragmática, visto que a professora busca outros materiais, videoaulas de outros
professores que complementam as suas atividades. Nesse caso, revela-se a
105

intenção do sujeito enunciador de buscar outros recursos, outras metodologias de


ensino que contribuam para a construção de novos conhecimentos. Os verbos ouvir
e levar explicitam as intenções do agente.
[...] sempre primeiro assisto a aula pra ver se de fato é porque nós como
professores é:: não somos perfeitos e pra não haver é:: divergências de
interpretação então eu prefiro ouvir a aula para levar para os alunos o
mesmo pensamento que o professor da videoaula apresentou... (Professora
Ana, texto 1, linhas 156 - 159).

Com essa análise, observamos a presença dos quatro tipos de modalização,


algumas com maior frequência, como é o caso das modalizações lógicas e
deônticas, já outras, com menor frequência, como as modalizações pragmáticas e
apreciativas, conforme explicitado no Gráfico 3.

Gráfico 3 - Modalizadores na entrevista da professora Ana

Modalizadores na entrevista da
professora Ana

20%
33% Lógica
Deôntica
Pragmática
20%
Apreciativa

27%

Fonte: Elaborado pela autora.

Com esse gráfico, é possível observamos que os modalizadores mais


utilizados explicitam uma avaliação do sujeito enunciador, apoiada em condições de
verdade, de possibilidade ou de probabilidade aos fatos. Nesse sentido, ao mobilizar
os seus conhecimentos, a professora faz uso do verbo acreditar, a fim de
proporcionar uma certeza maior ao discurso. O advérbio normalmente é utilizado
duas vezes, no sentido de expor um grau de possibilidade maior ao discurso,
apresentando informações que são habituais na prática docente.
A essas informações, articulamos os princípios teóricos de Bronckart (2008),
que conceituam a modalização lógica como pertencente ao mundo objetivo. Essas
106

atividades, que fazem parte do mundo objetivo, são desenvolvidas em um espaço


físico e exigem dos sujeitos certos conhecimentos materiais para o desenvolvimento
das atividades. A professora, ao realizar avaliações que estão apoiadas no mundo
objetivo, expõe certos conhecimentos sobre o processo de escolha, distribuição e
utilização do Livro Didático, que a fazem considerar esse exemplar apenas como um
guia, como um material de apoio para as suas práticas de ensino.
Também, é possível observamos uma frequência maior de modalizações
deônticas, que exprimem um caráter de necessidade ao agir que é representado
pelas professoras. Por diversos momentos, há a influência de instâncias
institucionais, de normas prescritivas que orientam o ensino na escola e,
consequentemente, o trabalho do professor. No discurso da docente, os verbos ter e
dever comprovam a necessidade de seguir certas orientações no processo de
escolha e utilização do Livro Didático.
Exposta essa contextualização, analisamos, na sequência, os elementos de
modalização na entrevista da professora Patrícia.

6.3.2.2 Entrevista da professora Patrícia

Com relação ao discurso da professora Patrícia, identificamos a presença dos


quatro tipos de modalização, entretanto, a que se apresenta em número maior é a
modalização apreciativa. São seis ocorrências que revelam esse tipo de
modalização. Em seguida, identificamos quatro passagens que explicitam a
modalização deôntica. A modalização lógica aparece com duas ocorrências e, por
último, a modalização pragmática, com uma ocorrência.
De início, identificamos indícios que corroboram a presença de uma
modalização deôntica. Isso se inscreve pelo fato da informante fazer uso do verbo
tínhamos, que nesse contexto explicita uma ideia de dever, de instrução.

isso tudo depende como a:: editora manda né... que nem por exemplo esse
ano / nós tínhamos até seis de setembro mas início de setembro daí alguns
ainda enviaram né / mas a maioria é mais ou menos um mês... né... mas
tem uns então que mandam um pouquinho mais tarde que chega então a
dar dez dias se a gente não tem tanto... tanto tempo pra escolher né...
(Professora Patrícia, texto 2, linhas 21 - 25).
107

Na sequência, identificamos a presença de uma modalização apreciativa,


visto que a professora, utilizando o verbo acho, apresenta uma posição subjetiva,
que é mobilizada através de seus conhecimentos sobre o processo de escolha do
Livro Didático.
é como já falei antes né acho que esse é um livro que mais está adequado
né com o que é cobrado e exigido depois dos alunos em outros vestibulares
né em outras provas... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 40 - 42).

Em seguida, observamos a presença de mais uma modalização apreciativa,


que se comprova através de um relato subjetivo da professora. Por ser uma visão
subjetiva, a professora articula os seus conhecimentos e apresenta uma opinião
sobre o processo de distribuição do Livro Didático, informando que esse processo
poderia ser mais organizado, a fim de que no início do ano letivo todos os alunos
tivessem o seu Livro Didático. O verbo acho explicita esse tipo de modalização.

distribuição... olha ali até eu acho que assim não é... às vezes /... no início
do ano então os livros não estão disponíveis ainda na escola ou a gente faz
uma tipo... pede... vamos supor 30 livros pro primeiro ano daí só vem 20 daí
gente tem que ir atrás ver se / não tem em outras escolas né mas... poderia
ser mais organizado... pra que no início do ano todo mundo tivesse o seu
livro... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 47 - 51).

No próximo excerto, identificamos a presença de uma modalização


apreciativa. A professora explicita a sua posição sobre o Livro Didático, afirmando
que os textos estão adequados à realidade dos alunos. O advérbio particularmente
explicita a posição subjetiva do agente.

olha..dizia assim um livro razoável até:: / eu gosto particularmente assim


dos textos ele trás ele textos assim bem na realidade deles..eles até ai só
podia ser sobre adolescente e sobre / a tecnologia... né trata bem assim
sempre digo assim é descreve os TEXTOS descrevem realmente como eles
são e as vidas que eles levam né... eles as vezes resmungam de novo né
mas é a vida deles... e textos bem bons de trabalhar... (Professora Patrícia,
texto 2, linhas 65 - 70).

Na sequência, observamos, inicialmente, a presença de uma modalização


deôntica, visto que a utilização do verbo ter aponta para uma necessidade do
agente, de buscar outros materiais de ensino. Em um segundo momento,
identificamos a presença de uma modalização pragmática, visto que o sujeito
enunciador faz uso do verbo pesquisar, explicitando essa busca por outros materiais
didáticos.
108

...porque a gente tem que ir atrás tem que pesquisar em outras... na


internet tem que ir atrás de outros livros né mas assim o MÍnimo sim... o
mínimo ele... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 74 - 76).

Dando prosseguimento, há uma modalização deôntica. A utilização do verbo


ter revela a necessidade do sujeito enunciador, de buscar suporte em outros
materiais didáticos.

sim... auxilia aham...mas assim como é que vou te dizer / como já diz
AUXILIA né a gente tem que ir atrás de outros né... mas / pelo pelo plano
de trabalho que a gente tem ele... auxilia bastante... (Professora Patrícia,
texto 2, linhas 79 - 81).

A seguir, identificamos uma modalização apreciativa, no momento em que o


sujeito enunciador faz uso do verbo achar. Nesse fragmento, a professora explicita a
sua posição contrária sobre o conteúdo gramatical que se apresenta no Livro
Didático, afirmando que seria necessário um aprofundamento maior nos tópicos
linguísticos. No mesmo excerto, observamos a presença de uma modalização
deôntica, que, através do verbo ter, evidencia uma necessidade do agente, de
recorrer a outros materiais de ensino.

não trás / é gramática aplicado ao texto assim mas é insuficiente ainda pra
eles compreender como é que realmente né as vezes tem uma ou outra
questão só acho que deveria ser mais aprofundado deveria ter mais
questões... assim pra / esclarecer... primeiro de repente umas atividades
mais acessíveis depois vão aprofundando né mas ele trás logo direto muito
né aprofundado então poderia ter um pouquinho mais poderia ser um
pouquinho mais acessível primeiro então uma explicação melhor né...
alguns exemplos... que eles tem muitas vezes dúvidas... a gente tem que
recorrer a outros exemplos... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 94 – 101).

Dando continuidade, identificamos mais uma modalização apreciativa, no que


se refere ao uso do Livro Didático. A professora mobiliza os seus conhecimentos e
afirma que esse material serve de apoio, de suporte para o ensino da Língua
Portuguesa. O verbo acho explicita esse tipo de modalização.

foco principal é:: tentar acho que assim /... na medida do possível então
passar o conteúdo que né os alunos precisam ter essa noção básica então
da:: língua portuguesa né então pra isso a gente /... coloca também e como
material de apoio mais né pra... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 103 -
106).
109

Na sequência, a fala da professora apresenta mais uma modalização


apreciativa. Isso se evidencia pela utilização do verbo achar, no sentido de explicitar
uma posição pessoal sobre o Livro Didático que é utilizado na escola.

em parte sim se É esse do::... que nós escolhe do William Cereja eu acho
que sim mas como tipo esse ano já não teve a opção de escolher esse livro
os outros acho que não... não contemplam todo o conteúdo tem que ir atrás
de[ (Professora Patrícia, texto 2, linhas 117 - 119).

No próximo fragmento, identificamos uma modalização lógica, visto que a


professora afirma, com um grau de verdade e de certeza, que o Livro Didático pode
provocar transformações nos sujeitos, tanto no professor como nos alunos. A
locução adverbial com certeza caracteriza essa posição objetiva da professora.
Atrelada a essa classificação, há a presença do verbo acredito, que também faz
parte de uma modalização lógica, entretanto o seu caráter não é de uma certeza
absoluta, mas de uma possibilidade.

sim com certeza no sentido de melhorar sim né... se / trás textos / tipo:: que
sejam do interesse deles para despertar o interesse deles / né / se tem
então o conteúdo vamos supor que eles precisam para a sua formação... eu
acredito que sim... TODOS com certeza sempre contribuem pra alguma
coisa né mas tem uns que realmente são muito bons outros já não né...
(Professora Patrícia, texto 2, linhas 132 - 136).

Com essa análise, observamos a presença dos quatro tipos de modalização,


algumas com maior frequência, como é o caso da modalização apreciativa, já
outras, com menor frequência, como as modalizações deônticas, lógicas e
pragmáticas. O gráfico a seguir explicita essa classificação:
110

Gráfico 4 - Modalizadores na entrevista da professora Patrícia

Modalizadores na entrevista da
professora Patrícia

9%
Apreciativas
15%
46% Deônticas
Lógicas

30% Pragmáticas

Fonte: Elaborado pela autora.

Os modalizadores que mais aparecem ao longo da entrevista representam


fatores ligados a um posicionamento subjetivo, à mobilização de conhecimentos por
parte do sujeito enunciador, apresentando possíveis opiniões sobre o seu trabalho a
partir do uso do Livro Didático. O uso do verbo achar explicita essa visão subjetiva,
expondo, na maioria dos casos, um caráter de contrariedade ao uso do Livro
Didático.
Essa classificação nos reporta a Machado (2009), no que concerne aos
elementos que fazem parte da atividade educacional. Conforme a autora, dentro
desses três níveis que compõe a atividade educacional, há outros fatores que
participam desse processo, sejam de ordem política, econômica, científica ou
cultural. Todos esses elementos fazem parte do contexto social e, por conseguinte,
das atividades humanas. Logo, as possíveis opiniões apresentadas pela professora
apontam para essa influência de diversos fatores sociais, que direta ou
indiretamente integram o agir docente e contribuem para o desenvolvimento de
novas ações.
Além dos modalizadores apreciativos, também identificamos uma presença
maior de modalizações deônticas, comprovando que no processo de escolha dos
Livros Didáticos, há a presença de elementos prescritivos que acabam influenciando
esse processo e, por conseguinte, o agir da professora. Somado a isso, o agir da
docente envolve um caráter de necessidade, pois revela o dever de buscar suporte
em outros materiais para o desenvolvimento de suas práticas de ensino.
111

6.3.3 Considerações sobre a análise do contexto de produção e dos níveis


organizacional e enunciativo

A análise dos níveis macrotextual, organizacional e enunciativo nos permitiu


obter inúmeras informações sobre as representações do agir das professoras.
Desde elementos que fazem parte do contexto de produção, como o mundo físico e
o mundo sociossubjetivo dos sujeitos envolvidos nessa pesquisa, até questões de
nível organizacional, que nos possibilitaram compreender que a fala das professoras
se organiza a partir de um discurso interativo, quando há uma interação entre os
agentes e a situação em que essa troca de informações acontece, bem como por
um relato interativo, quando diz respeito a fatos passados ou futuros.
Além disso, essa análise nos possibilitou compreender os posicionamentos
enunciativos dos sujeitos, demonstrando que nos discursos da professora Ana há
uma predominância da posição pessoal da docente, identificada através do uso do
pronome pessoal eu. Já a professora Patrícia opta por posições que valorizam o
coletivo, inserindo-se no grupo de professores e compartilhando com todos as
responsabilidades do agir.
A análise do nível organizacional também nos permitiu observar uma
diferenciação entre as posições enunciativas das professoras. A professora Ana
utiliza com maior frequência os modalizadores lógicos, que exprimem um caráter de
verdade, de certeza ao discurso. Já o discurso da professora Patrícia organiza-se
através de modalizadores apreciativos, que revelam uma posição subjetiva do
sujeito.
Como é possível observarmos, com essa análise, já construímos diversas
informações sobre o trabalho docente. Essas informações já analisadas servem de
suporte para buscarmos respostas a outras questões, como as seguintes:

Quais são os elementos do trabalho do professor que são mais tematizados


no texto (o próprio professor? os outros com os quais interage? os
instrumentos? os artefatos?) quais são os papéis semântico-sintáticos que
esses elementos desempenham nos enunciados? quais são as categorias
da semiologia do agir atribuídas (razões, objetivos, motivos, capacidades
etc.) aos actantes centrais? Quais são as diferentes formas de agir
atribuídas a esses actantes? Quais de suas dimensões individuais (físicas,
psicológicas etc.) são tematizadas? (MACHADO; BRONCKART, 2009, p.
65).
112

Questões como essas serão respondidas na próxima seção, em que


buscamos apresentar uma análise do nível semântico, enfocando, primeiramente, os
elementos constitutivos do agir e, na sequência, as figuras do agir.

6.4 ANÁLISE DO NÍVEL SEMÂNTICO

No nível semântico, primeiramente, analisamos os elementos constitutivos do


agir, que caracterizam o agir, o actante, o trabalho, a tarefa, as razões para agir, as
intencionalidades do agir e os recursos para o agir (MACHADO et al., 2009). Na
sequência, buscamos analisar os verbos que descrevem o trabalho do professor,
servindo de fundamentos os pressupostos de Mazzillo (2006) e Barricelli (2007),
com relação às figuras do agir.

6.4.1 Elementos constitutivos do agir

Nesta seção, temos o objetivo de apresentar a análise dos elementos


constitutivos do agir que fazem parte do agir das professoras. Para tanto, é
necessário recuperarmos os seguintes elementos:

Quadro 14 - Elementos constitutivos do agir

Agir (atividade e ação)

Actante (agente e ator)

Trabalho

Tarefas

Razões para o agir

Intencionalidade do agir

Recursos para o agir

Fonte: (MACHADO et al., 2009).


113

Com esses elementos, poderemos observar como o agir do professor é


representado, isto é, quais actantes se encontram envolvidos nesse processo, quais
os recursos utilizados, quais as tarefas e quais as intenções do sujeito enunciador.
De início, apresentamos uma análise dos elementos constitutivos do agir
revelados no discurso da professora Ana.

6.4.1.1 Entrevista da professora Ana

No discurso da professora Ana, percebemos, inicialmente, a representação do


processo de escolha do Livro Didático. Essa intervenção se caracteriza enquanto
uma atividade, pois compete a um agir coletivo, realizado por vários agentes, aqui
representados pelos professores que fazem parte do ambiente escolar.

...normalmente a gente se reúne com os professores é faz uma uma


análise de cada livro que nos é apresentado e temos que chegar a um
denominador comum que nem sempre contenta a todos e na verdade a
gente não encontra um livro cem por cento que satisfaça o trabalho do
professor... (Professora Ana, texto 1, linhas 19 - 22).

Na sequência, percebemos que o trabalho do professor sofre coerções


institucionais, uma vez que é destinado um determinado tempo para a escolha do
Livro Didático.

normalmente em um período ou seja... manhã ou tarde a gente tem para


fazer a escolha deste livro... então se formos analisar o tempo... uma vez
que nós trabalhamos ao longo de três anos o livro didático é insuficiente
para a gente fazer uma uma escolha adequada... todo mundo está com
pressa para fazer a escolha e:: acabamos não fazendo uma escolha
minuciosa... (Professora Ana, texto 1, linhas 26 - 30).

Dando continuidade, percebemos a presença de uma atividade, no instante


em que a professora informa qual o Livro Didático que está sendo utilizado pela
escola. Essa atividade envolve um agir coletivo, realizado por vários agentes que
fazem parte do respectivo educandário.

nós estamos utilizando o livro português linguagens de do william


cereja e da thereza cochar... mas não é um livro que completa minhas
atividades... ele é apenas serve como um guia... (Professora Ana, texto 1,
linhas 42 - 44).
114

Em seguida, percebemos mais um relato que comprova que o trabalho do


professor sofre a influência de instâncias institucionais, responsáveis pela
distribuição dos Livros Didáticos.

nós temos livros suficientes para cada aluno... todos os alunos tem sei
que tem escolas que não tem livros suficiente... mas a nossa escola está
muito bem contemplada com os livros didáticos eles vem vieram em tempo
hábil ou seja no primeiro dia de aula eu já tinha o livro didático...é inédito
porque em outros anos a gente levava às vezes dias e meses para
começar um novo livro e esse ano o livro estava disponível para os
alunos desde o primeiro dia de aula... (Professora Ana, texto 1, linhas 54
- 59).

O agir docente também está representado por tarefas, que dizem respeito às
condutas verbais e não verbais que são prescritas aos professores. Identificamos a
representação de diversos conteúdos que são organizados no plano de trabalho e
seguidos pela professora.

é a gente tem um PLANO um plano de trabalho... que é elaborado com /


a direção da escola e demais professores... eu não participei desta
elaboração o meu plano já estava previamente é pronto eu só peguei ele
para é ter um embasamento e para saber o que eu devo trabalhar... mas
entre os conteúdos que devem ser trabalhados lembro de alguns que não
tenho aqui no momento mas assim ó... é:: a gente tem que fazer uma
revisão das classes gramaticais... temos que fazer estudar o período
composto por coordenação e subordinação... temos que fazer uma
abordagem sobre a regência verbal a regência nominal a crase a
ortografia com destaque a ortografia nova que ainda os alunos não
pegaram ela na íntegra é:: (Professora Ana, texto 1, linhas 62 - 71).

Juntamente com essas tarefas, também identificamos, no relato seguinte,


uma ação (individual) da professora, representada enquanto o ator que conduz o
processo de aprendizagem, apresentando intenções, razões para determinado agir.
Esse agir da professora também é motivado por questões internas, os motivos que
influenciam a ação. No relato da professora, o trabalho com a produção textual, com
os gêneros textuais e com a hora da leitura, explicita que ela está convencida da
importância de se trabalhar com esses conteúdos.

é a gente tem um PLANO um plano de trabalho... que é elaborado com / a


direção da escola e demais professores... eu não participei desta
elaboração o meu plano já estava previamente é pronto eu só peguei ele
para é ter um embasamento e para saber o que eu devo trabalhar... mas
entre os conteúdos que devem ser trabalhados lembro de alguns que não
tenho aqui no momento mas assim ó... é:: a gente tem que fazer uma
revisão das classes gramaticais... temos que fazer estudar o período
composto por coordenação e subordinação... temos que fazer uma
115

abordagem sobre a regência verbal a regência nominal a crase a ortografia


com destaque a ortografia nova que ainda os alunos não pegaram ela na
íntegra é:: eu trabalho BASTANTE com eles a produção textual trabalho
também bastante com gêneros é:: textuais é:: a hora da leitura eu não
descarto também é uma hora por semana... é:: e você tem que trabalhar
as classes gramaticais em todas as séries de uma forma menos e mais
aprofundada... (Professora Ana, texto 1, linhas 62 - 74).

Na sequência, também observamos que a professora representa o seu agir


através de algumas intenções. Nesse caso, o ator explicita que não trabalhará com
alguns textos que fazem parte do Livro Didático, por não estar de acordo com a
realidade dos alunos. É uma ação (individual) do sujeito enunciador, a fim de que a
aprendizagem ocorra em sintonia com a realidade dos alunos.

eu vou acaba o ano sem trabalhar alguns textos no livro por considerar
ele não tão real a nossa realidade não tão adequado e os textos são
bastante direcionados para outras regiões eles não são direcionados para
nós aqui do sul... então nem/ não tem nenhum texto que pudesse falar
sobre a nossa região... (Professora Ana, texto 1, linhas 117 - 121).

Por fim, o discurso é marcado por passagens que comprovam a presença de


outros materiais, além do Livro Didático. Livros mais antigos, internet e videoaulas
são instrumentos utilizados pela professora, que auxiliam em seu trabalho.

livros mais antigos dos quais a gente usou durante todo o nosso período
de magistério... é:: internet é outro recurso também... eu uso bastante
vídeos aula mas as vídeos aulas de professores que que eu pesquisei
que sei que posso posso aproveitar do conhecimento deles... sempre
primeiro assisto a aula pra ver se de fato é porque nós como professores é::
não somos perfeitos e pra não haver é:: divergências de interpretação então
eu prefiro ouvir à aula para levar para os alunos o mesmo pensamento que
o professor da videoaula apresentou... (Professora Ana, texto 1, linhas 153 -
159).

No excerto acima, também percebemos que o agir da professora se efetiva


pela presença de determinantes externos que orientam e auxiliam seu trabalho. As
videoaulas de outros professores são um exemplo desse processo, uma vez que os
docentes que organizam essas videoaulas são os determinantes externos que
auxiliam no agir da professora.
Essa análise dos elementos constitutivos do agir nos permitiu observar como
o agir da professora é representado a partir do texto. Percebemos que a professora
revela tanto uma posição de agente como de ator. No processo de escolha do Livro
Didático, a posição atribuída à professora é de agente, uma vez que não são
116

explicitadas as capacidades internas do sujeito enunciador. Entretanto, nos tópicos


seguintes, que enfocam aspectos de descrição do Livro Didático e de uso desse
material, identificamos que há uma predominância da posição de ator, de
protagonista das suas práticas de ensino. Isso se deve ao fato de encontrarmos
representações que apresentam os motivos e intenções para determinado agir.
Se focalizarmos as intenções da professora, veremos que a sua opção é de
não trabalhar com alguns textos que se encontram no Livro Didático, por não
estarem direcionados à realidade dos alunos. Sendo assim, torna-se visível que a
professora busca trabalhar com outros textos, que estejam presentes em outros
materiais e que se direcionam ao contexto dos educandos. O que se observa nesse
discurso da professora é uma oposição às ideias defendidas pelo PNLD, uma vez
que o guia prevê que os Livros Didáticos trabalhem com diversas temáticas sociais,
direcionadas à realidade dos alunos.
Ainda, com relação às intenções do ator principal, percebemos que a
professora explicita um trabalho com os gêneros textuais, com diversos textos que
fazem parte do contexto social. Com essa prática, identificamos uma relação com o
que é explicitado nos PCNs, uma vez que esse documento prevê um ensino a partir
de textos de diferentes gêneros textuais. Isso no reporta a Machado (2009), no que
concerne o sistema educacional, pois os PCNs são considerados um dos elementos
prescritivos que orienta o agir do professor em sala de aula, em interação com os
alunos e com o conhecimento.
A atividade se evidencia no processo de escolha do Livro Didático, composta
por um agir coletivo, motivado por diversos agentes. Entretanto, durante os relatos,
percebemos diversas passagens que condicionam a uma ação, motivada por um
agir individual, pelas intenções do ator principal do texto, a professora. Nesses
excertos, identificamos que a professora não segue todas as propostas que são
apresentadas no Livro Didático, uma vez que faz uso de outros materiais que podem
dar o suporte necessário.
Exposta essa análise, apresentamos, na sequência, os elementos do agir que
fazem parte do discurso da professora Patrícia.

6.4.1.2 Entrevista da professora Patrícia


117

No discurso da professora Patrícia, observamos, inicialmente, a descrição do


processo de escolha do Livro Didático. Ao realizar essa descrição, percebemos que
esse processo é composto, inicialmente, por uma ação (individual), cada agente
realiza uma análise individual do Livro Didático. Realizada essa análise, observamos
a presença de uma atividade, pois todos os agentes se reúnem para a escolha de
um determinado exemplar.

olha as editoras mandam pra escola... né e daí nós analisamos ele...


primeiro cada um / analisa ele individualmente depois nós fizemos uma
reunião por área... daí/ discutimos analisamos o livro em conjunto... e
daí depois a gente então escolhe o que / a gente então acha que é a
melhor opção que nos enviaram né... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 7 -
11).

sim:: nós né sempre tentamos reunir todos os professores... marcar um


dia onde todos possam estar... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 13 - 14).

Na representação da professora, também identificamos a presença de


determinantes externos que se configuram como razões externas que influenciam
e orientam o processo de escolha dos Livros Didáticos. No relato, o Livro Didático é
escolhido levando em consideração a presença de textos atuais e propostas
didáticas que estejam direcionadas para o que é exigido no Enem e em outros
vestibulares. Nesse sentido, há a presença de determinantes externos de ordem
social, os textos atuais, e institucionais, Enem e vestibulares, que acabam
orientando o agir do professor.

olha:: assim até / nós:: pegamos assim escolhemos então o livro que tem
/ mais textos atuais né que está mais de acordo com que é cobrado
depois... né / dos alunos em outras tipo no Enem nos vestibulares né...
esses critérios a gente tenta mais mas mesmo assim tá é difícil né... essa
escolha... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 16 - 19).

Dando continuidade, identificamos que o trabalho do professor sofre a


influência de instâncias institucionais, que organizam e orientam o agir docente. Isso
se comprova no processo de escolha do Livro Didático, uma vez que a agente
informa que há um tempo determinado para a escolha desse material. Do mesmo
modo, no processo de distribuição dos Livros Didáticos, percebemos que, em alguns
momentos, ocorre a falta de exemplares, pois a agente menciona que é necessário
buscar livros em outras escolas, para que todos os alunos possam ser
contemplados.
118

isso tudo depende como a:: editora manda né... que nem por exemplo esse
ano / nós tínhamos até seis de setembro mas início de setembro daí
alguns ainda enviaram né / mas a maioria é mais ou menos um mês...
né... mas tem uns então que mandam um pouquinho mais tarde que chega
então a dar dez dias se a gente não tem tanto... tanto tempo pra escolher
né... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 21 - 25).

olha ali até eu acho que assim não é... às vezes /... no início do ano então
os livros não estão disponíveis ainda na escola ou a gente faz uma
tipo... pede... vamos supor 30 livros pro primeiro ano daí só vem 20 daí
gente tem que ir atrás ver se / não tem em outras escolas né mas...
poderia ser mais organizado... pra que no início do ano todo mundo tivesse
o seu livro... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 47 - 51).

Na entrevista, também percebemos a presença de diversas tarefas que


envolvem o agir docente. Essas tarefas dizem respeito às condutas, tanto verbais
quanto não-verbais, que são prescritas à professora. A tarefa de dar aula é
constituída por diversos atos, por diversos conteúdos e processos que fazem parte
do ensino de Língua Portuguesa. No discurso da agente, identificamos essa
descrição da tarefa de dar aula, de diversos atos que fazem parte de seu agir
enquanto docente.

olha nós temos então assim / um plano de trabalho né mais ou menos


unificado a gente vai /... os professores na verdade se reúnem né e vão
distribuindo a gente vai tipo seguindo mais ou menos o livro né / mas a
gente inicia / com orações subordinadas daí vão as orações
coordenadas estrutura e processo de formação de palavras nós já
entramos na questão de / produção textual / textos dissertativo
argumentativo... né / daí tem o debate regrado... trabalhamos vários
tipos de textos né inclusive até graMÁtica gramática em si não tem tanta
no 9ª Ano... é mais interpretação produção textual né e / algumas
figuras de linguagem a gente já / porque é fundamental né a gente vai
introduzindo porque depois no ensino médio a gente vai aprofundando...
(Professora Patrícia, texto 2, linhas 54 - 63)

Na sequência, percebemos as intenções da professora, ao revelar que


trabalha com os textos que se encontram no Livro Didático. O ator desenvolve um
trabalho com os textos, por acreditar que eles se direcionam para a realidade dos
alunos, para temáticas que se aproximem de sua faixa etária e de seu contexto
social.

olha..dizia assim um livro razoável até:: / eu gosto particularmente assim


dos textos ele traz ele textos assim bem na realidade deles..eles até ai
só podia ser sobre adolescente e sobre / a tecnologia... né trata bem
assim sempre digo assim é descreve os TEXTOS descrevem realmente
como eles são e as vidas que eles levam né... eles as vezes resmungam
de novo né mas é a vida deles... e textos bem bons de trabalhar...
(Professora Patrícia, texto 2, linhas 65 – 70).
119

olha / nós:: / trabalhamos bastante então os textos né assim... a


gramática em si ela não... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 93 - 94).

No discurso da professora, também identificamos a presença de diversos


instrumentos que fazem parte de seu agir. A agente revela, em diversas
passagens, que busca suporte em outros materiais, em outras atividades que
possam complementar os conteúdos apresentados no Livro Didático.

SOMENTE o livro / o livro em si como é que vou te dizer de repente... pras


MÍNINAS coisas SIM né mas não assim porque a gente tem que ir atrás
tem que pesquisar em outras... na internet tem que ir atrás de outros
livros né mas assim o MÍnimo sim... o mínimo ele... (Professora Patrícia,
texto 2, linhas 73 - 76).

até assim as próprias editoras mandaram cds... né pra nós também com /
atividades extras né... então essas a gente pega a gente imprime né/ na
internet/ sites então que quando a gente faz cursos eles recomendam “ó
tal site tem atividades assim” então/ daí eu pego o/ computador é meu
aliado praticamente né então nós temos retroprojetor eu projeto as
atividades no quadro daí tem muitas vezes vídeos também que explicam
o conteúdo as vezes de uma se eles veem de uma outra forma eles
entendem melhor né... mas/ mais a internet então esses meios que a gente
usa mas também a gente pesquisa e faz curso onde eles indicam
bastante material né que usamos na sala de aula... (Professora Patrícia,
texto 2, linhas 141 - 149).

Nesse contexto, percebemos que a professora utiliza outros instrumentos


além do Livro Didático. A busca de materiais na internet e em outros livros auxilia na
seleção dos conteúdos e nas atividades propostas pelo Livro Didático.
A partir dessa análise, compreendemos como o agir da professora é
representado a partir de textos. No momento em que são explicitadas as intenções
do sujeito enunciador, a posição atribuída à professora é de ator. No restante do
discurso, a posição é de agente, por não explicitar capacidades internas do sujeito.
Percebemos uma preocupação com a realidade do aluno, uma vez que a
intenção da professora é de trabalhar com os textos que se apresentam no Livro
Didático, por acreditar que eles se aproximam do contexto em que os alunos vivem e
se relacionam. Nesse sentido, há uma relação com o que é explicitado no Programa
Nacional do Livro Didático, uma vez que esse guia prevê que as unidades que
compõem os livros trabalhem com diversas temáticas sociais, que se direcionem à
realidade dos alunos.
A professora, ao revelar que trabalha com diversos textos que se apresentam
no livro Português Linguagens, poderá estar desenvolvendo diversas estratégias de
120

leitura, uma vez que esse exemplar valoriza, no eixo leitura, a identificação de
informações e a elaboração de hipóteses a partir das informações apresentadas no
texto. Do mesmo modo, esse livro oferece uma diversificada coletânea de textos - da
esfera literária e jornalística – sendo possível que os alunos produzam diversos
sentidos e um posicionamento crítico a partir das informações apresentadas no
texto.
Já ao mencionar a gramática, o ator explicita que busca suporte em outros
materiais de ensino, por acreditar que os conteúdos apresentados no Livro Didático
são insuficientes para que os alunos compreendam os aspectos linguísticos. De
acordo com o PNLD, o Livro Didático “Português Linguagens” centra-se na
gramática, em questões objetivas e estruturais. O guia prevê que há uma
abordagem de textos curtos para trabalhar com os elementos linguísticos,
entretanto, o foco continua sendo na gramática. A professora não explicita como os
aspectos linguísticos são trabalhados, se sob o viés da gramática ou com relação
aos sentidos que os elementos linguísticos produzem nos textos, mas acreditamos
que essa abordagem do Livro Didático possa ter influenciado a busca por outros
materiais, a fim de auxiliar e dar um suporte as práticas de ensino da professora.
Com relação ao processo de escolha e de distribuição do Livro Didático,
percebemos que o trabalho do professor é influenciado por instâncias institucionais.
Nesse contexto, há a influência do sistema educacional e demais atividades sociais
(MACHADO, 2009), que acabam interagindo e organizando o processo de escolha e
distribuição dos Livros Didáticos nas escolas.
Dadas essas informações, analisamos, na sequência, as figuras do agir que
se apresentam nos discursos das professoras.

6.4.2 Figuras do agir

Dando continuidade, analisamos os verbos que descrevem o trabalho do


professor, servindo de fundamento para isso os pressupostos de Mazzillo (2006) e
Barricelli (2007), com relação às figuras do agir. No quadro a seguir, recuperamos as
figuras do agir.

Quadro 15 - Figuras do agir


121

Agir com instrumento

Agir mental

Agir linguageiro

Agir afetivo

Agir corporal

Agir pluridimensional

Agir prescritivo

Fonte: Mazzillo (2006) e Barricelli (2007).

Para dar início à análise, centramo-nos nas figuras do agir que fazem parte do
trabalho da professora Ana.

6.4.2.1 Entrevista da professora Ana

Ao analisarmos as figuras do agir que fazem parte do trabalho da professora


Ana, percebemos, inicialmente, a presença do agir prescritivo, no que concerne ao
processo de escolha do Livro Didático. Esse agir é identificado através de verbos
que enaltecem uma prescrição, um agir influenciado e orientado por instâncias
institucionais.
[...] normalmente a gente se reúne com os professores é faz uma uma
análise de cada livro que nos é apresentado e temos que chegar a um
denominador comum que nem sempre contenta a todos e na verdade a
gente não encontra um livro sem por cento que satisfaça o trabalho do
professor... (Professora Ana, texto 1, linhas 19 - 22).

normalmente em um período ou seja... manhã ou tarde a gente tem para


fazer a escolha deste livro... então se formos analisar o tempo... uma vez
que nós trabalhamos ao longo de três anos o livro didático é insuficiente
para a gente fazer uma uma escolha adequada... todo mundo está com
pressa para fazer a escolha e:: acabamos não fazendo uma escolha
minuciosa... (Professora Ana, texto 1, linhas 26 – 30).

é a gente tem um PLANO um plano de trabalho... que é elaborado com / a


direção da escola e demais professores... eu não participei desta
elaboração o meu plano já estava previamente é pronto eu só peguei ele
para é ter um embasamento e para saber o que eu devo trabalhar... mas
entre os conteúdos que devem ser trabalhados lembro de alguns que não
tenho aqui no momento mas assim ó... é:: a gente tem que fazer uma
revisão das classes gramaticais... temos que fazer estudar o período
composto por coordenação e subordinação... temos que fazer uma
122

abordagem sobre a regência verbal a regência nominal a crase a ortografia


com destaque a ortografia nova que ainda os alunos não pegaram ela na
íntegra é::. (Professora Ana, texto 1, linhas 62 – 71)

Podemos observar, no primeiro relato, a presença do verbo ter, que indica a


necessidade dos professores de escolherem um determinado exemplar. Na
passagem seguinte, o verbo ter indica que os professores possuem um determinado
tempo para a escolha do Livro Didático, que é de geralmente um período. No
segundo excerto, há a presença dos verbos ter e dever, que se aproximam dessa
ideia de prescrição, uma vez que as práticas da docente são orientadas a partir dos
conteúdos propostos pelo plano de trabalho.
Além do agir prescritivo, também percebemos a presença do agir com
instrumentos. Representa um agir do sujeito com a utilização de materiais, de
instrumentos propícios ao processo de aprendizagem.

livros mais antigos dos quais a gente usou durante todo o nosso período de
magistério... é:: internet é outro recurso também... eu uso bastante vídeos
aula mas as vídeos aulas de professores que que eu pesquisei que sei que
posso posso aproveitar do conhecimento deles... sempre primeiro assisto à
aula pra ver se de fato é porque nós como professores é:: não somos
perfeitos e pra não haver é:: divergências de interpretação então eu prefiro
ouvir a aula para levar para os alunos o mesmo pensamento que o
professor da videoaula apresentou... (Professora Ana, texto 1, linhas 153-
159).

Nesse excerto, a professora revela que faz uso de instrumentos, que possam
auxiliar e contribuir para o processo de aprendizagem. Utiliza videoaulas de outros
professores, com o intuito de que sejam compartilhados novos conhecimentos. Os
verbos usar, pesquisar e assistir explicitam essa ideia.
O agir pluridimensional também é identificado no discurso da professora. O
verbo trabalhar se aproxima dessa classificação, pois envolve mais de uma forma de
agir. Esse verbo compreende um conjunto de atividades possíveis de serem
realizadas pelo professor.

é a gente tem um PLANO um plano de trabalho... que é elaborado com / a


direção da escola e demais professores... eu não participei desta
elaboração o meu plano já estava previamente é pronto eu só peguei ele
para é ter um embasamento e para saber o que eu devo trabalhar... mas
entre os conteúdos que devem ser trabalhados lembro de alguns que não
tenho aqui no momento mas assim ó... é:: a gente tem que fazer uma
revisão das classes gramaticais... temos que fazer estudar o período
composto por coordenação e subordinação... temos que fazer uma
abordagem sobre a regência verbal a regência nominal a crase a ortografia
123

com destaque a ortografia nova que ainda os alunos não pegaram ela na
íntegra é:: eu trabalho BASTANTE com eles a produção textual trabalho
também bastante com gêneros é:: textuais é:: a hora da leitura eu não
descarto também é uma hora por semana... (Professora Ana, texto 1, linhas
71 – 73).

para mim ele é apenas um:: um:: / instrumento de suporte eu não utilizo ele
todos os dias... eu me val/ fico/ buscando outras alternativas de xeROX de
livros VElhos mais antigos tem alguns textos que eu não trabalho que eu
considero textos melhores daí eu trabalho outros textos... eu vou acaba o
ano sem trabalhar alguns textos no livro por considerar ele não tão real a
nossa realidade não tão adequado e os textos são bastante direcionados
para outras regiões eles não são direcionados para nós aqui do sul... então
nem/ não tem nenhum texto que pudesse falar sobre a nossa região...
(Professora Ana, texto 1, linhas 114 – 121).

Como demonstrado nos exemplos, a professora valoriza o trabalho com os


textos, com atividades que estejam centradas na produção textual. Além disso,
valoriza também a hora da leitura. Esses excertos demonstram que o trabalho da
professora envolve diversas formas de agir, diversas atividades que fazem parte de
seu agir e, por conseguinte, do processo de ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa.
Sendo assim, essa análise nos permitiu observar quais os tipos de agir que
fazem parte do trabalho da professora Ana. No quadro a seguir é possível observar
o número de ocorrências das figuras do agir.

Quadro 16 - Número de ocorrências das figuras do agir na entrevista com a


professora Ana

FIGURAS DO AGIR VERBOS NÚMERO DE OCORRÊNCIAS

Ter 06
Agir prescritivo Dever 02

Usar 01
Agir com instrumento Pesquisar 01
Assistir 01
Trabalhar 05
Agir pluridimensional Estudar 01
Fonte: Elaborado pela autora.
Os dados apresentados no quadro acima demonstram a presença de
algumas figuras do agir. Podemos dizer, então, que as informações apresentadas
124

revelam que o trabalho do professor é complexo, pois envolve um agir


pluridimensional, que é resultado de diversas formas de agir, de diversas ações
que são possíveis de serem realizadas pelo docente. Esse agir pluridimensional
demonstra que o trabalho da professora não se limita a sala de aula, pois há outras
atividades que estruturam e intervém na prática docente, como o processo de
planejamento e de avaliação (MACHADO, 2007, p. 93).
Somado a isso, o seu trabalho também envolve um agir prescritivo, que se
caracteriza pela presença de normas que orientam o ensino na escola. Os verbos
que representam o agir prescritivo estão relacionados ao processo de escolha do
Livro Didático e aos conteúdos que devem ser trabalhados em sala de aula. Em
outras palavras, dizem respeito ao material que é disponibilizado ao professor, para
que ele desenvolva as suas práticas de ensino, bem como a organização dos
conteúdos para o ensino de Língua Portuguesa. A principal dificuldade enfrentada
pelos professores é em relação à escolha do Livro Didático, daí a importância de
propor reformulações nesse processo, a fim de contribuir e facilitar a atividade
docente.
Por fim, o trabalho da professora também envolve um agir com
instrumentos, isto é, o uso de materiais, como videoaulas de outros professores,
com a finalidade de facilitar e contribuir para a aprendizagem dos alunos. Para
Machado (2007, p. 94), o professor desenvolverá de forma completa o seu trabalho,
se souber, entre outras características, “selecionar instrumentos adequados a cada
situação”. Dessa forma, é importante que o professor trabalhe com diversos
instrumentos, além do Livro Didático, mas que acima de tudo, desenvolva-os a partir
da situação e das necessidades dos alunos, obtendo efeitos positivos sobre si
mesmo e sobre o processo de aprendizagem.
Na sequência, observamos os tipos de agir que fazem parte do trabalho da
professora Patrícia.
6.4.2.2 Entrevista da professora Patrícia

Nos relatos da professora Patrícia, percebemos, inicialmente, a presença do


agir prescritivo. Esse agir é identificado através do verbo ter.

isso tudo depende como a:: editora manda né... que nem por exemplo esse
ano / nós tínhamos até seis de setembro mas início de setembro daí
125

alguns ainda enviaram né / mas a maioria é mais ou menos um mês... né...


mas tem uns então que mandam um pouquinho mais tarde que chega
então a dar dez dias se a gente não tem tanto... tanto tempo pra escolher
né... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 21 -25).

olha nós temos então assim / um plano de trabalho né mais ou menos


unificado a gente vai /... os professores na verdade se reúnem né e vão
distribuindo a gente vai tipo seguindo mais ou menos o livro né / mas a
gente inicia / com orações subordinadas daí vão as orações coordenadas
estrutura e processo de formação de palavras nós já entramos na questão
de / produção textual / textos dissertativo argumentativo...

No primeiro excerto, a professora afirma que há um determinado período para


a escolha do Livro Didático. O segundo fragmento nos mostra que a professora
dispõe de um plano de trabalho, que a orienta nas atividades que devem ser
desenvolvidas em sala de aula. Esses dois exemplos explicitam a presença de um
agir prescritivo, uma vez que há certas orientações que devem ser seguidas pelos
professores.
O agir afetivo também é identificado no discurso da professora. Esse agir
representa uma espécie de posição emocional, uma posição afetiva frente a
determinado assunto. A professora utiliza o verbo gostar, a fim de expressar o seu
interesse particular pelos textos apresentados no Livro Didático.

olha..dizia assim um livro razoável até:: / eu gosto particularmente assim


dos textos ele trás ele textos assim bem na realidade deles..eles até ai só
podia ser sobre adolescente e sobre / a tecnologia... né trata bem assim
sempre digo assim é descreve os TEXTOS descrevem realmente como eles
são e as vidas que eles levam né... eles as vezes resmungam de novo né
mas é a vida deles... e textos bem bons de trabalhar... (Professora Patrícia,
texto 2, linhas 65 – 70).

O agir pluridimensional também é observado ao longo do texto. A seguir,


identificamos algumas passagens que representam esse elemento.

trabalhamos vários tipos de textos né inclusive até graMÁtica gramática em


si não tem tanta no 9ª Ano... é mais interpretação produção textual né e /
algumas figuras de linguagem a gente já / porque é fundamental né a gente
vai introduzindo porque depois no ensino médio a gente vai aprofundando...
(Professora Patrícia, texto 2, linhas 59-63).

eles as vezes resmungam de novo né mas é a vida deles... e textos bem


bons de trabalhar... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 69-70).

olha / nós:: / trabalhamos bastante então os textos né assim... a gramática


em si ela não... não trás / é gramática aplicado ao texto assim mas é
insuficiente ainda pra eles compreender como é que realmente né as vezes
126

tem uma ou outra questão só acho que deveria ser mais aprofundado
deveria ter mais questões... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 93-97).

eles não gostam muito eles querem até coisas diferentes né assim...
atividades a gente então faz usa outras metodologias também muitas vezes
pra ensinar o conteúdo né / eles o:: livro assim pra eles então é um guia
mas eles não realmente não gostam muito do livro didático né... (Professora
Patrícia, texto 2, linhas 124 - 127).

Como demonstrado nos exemplos, há vários trechos com a presença do


verbo trabalhar. Esse verbo representa uma variedade de ações, de atividades que
podem ser realizadas pela professora. O trabalho com diversos tipos de textos e
com a gramática comprovam o desenvolvimento de várias atividades, de um
conjunto de ações que possa contribuir para o processo de aprendizagem. O mesmo
é possível de ser caracterizado a partir do verbo ensinar, que envolve os
conhecimentos sobre a Língua Portuguesa e sobre metodologias de ensino que
contribuam para o processo de aprendizagem.
Por fim, identificamos o agir com instrumentos. Esse agir é explicitado, no
momento em que a professora explicita que utiliza outros materiais, outras
metodologias de ensino.

SOMENTE o livro / o livro em si como é que vou te dizer de repente... pras


MÍNINAS coisas SIM né mas não assim porque a gente tem que ir atrás tem
que pesquisar em outras... na internet tem que ir atrás de outros livros né
mas assim o MÍnimo sim... o mínimo ele... (Professora Patrícia, texto 2,
linhas 73-76).

eles não gostam muito eles querem até coisas diferentes né assim...
atividades a gente então faz usa outras metodologias também muitas vezes
pra ensinar o conteúdo né / eles o:: livro assim pra eles então é um guia
mas eles não realmente não gostam muito do livro didático né... (Professora
Patrícia, texto 2, linhas 124 - 127).

até assim as próprias editoras mandaram cds... né pra nós também com /
atividades extras né... então essas a gente pega a gente imprime né/ na
internet/ sites então que quando a gente faz cursos eles recomendam “ó tal
site tem atividades assim” então/ daí eu pego o/ computador é meu aliado
praticamente né então nós temos retroprojetor eu projeto as atividades no
quadro daí tem muitas vezes vídeos também que explicam o conteúdo as
vezes de uma se eles vem de uma outra forma eles entendem melhor né...
mas/ mais a internet então esses meios que a gente usa mas também a
gente pesquisa e faz curso onde eles indicam bastante material né que
usamos na sala de aula... (Professora Patrícia, texto 2, linhas 141 – 149).

O agir com instrumentos é identificado através dos verbos pesquisar, usar,


pegar, imprimir, projetar, que indicam que a professora faz uso de outros materiais,
de atividades oriundas da internet ou disponíveis em sites que são apresentados nos
127

cursos de formação. No Quadro 17, podemos observar o número de ocorrências das


figuras do agir.

Quadro 17 - Número de ocorrências das figuras do agir na entrevista com a


professora Patrícia

FIGURAS DO AGIR VERBOS NÚMERO DE OCORRÊNCIAS

Agir prescritivo Ter 02

Agir afetivo Gostar 01

Agir pluridimensional Trabalhar 03


Ensinar 01
Pesquisar 02
Usar 02
Agir com instrumentos Pegar 02
Imprimir 01
Projetar 01
Fonte: Elaborado pela autora.

Analisando as informações apresentadas no quadro acima, percebemos que


há uma predominância do agir com instrumentos, seguida do agir
pluridimensional. Com um número menor, identificamos o agir prescritivo e, por
último, o agir afetivo. A essas informações, articulamos os princípios teóricos de
Machado (2007), que conceituam o trabalho do professor não enquanto algo isolado,
mas enquanto um processo que se desenvolve através de interações sociais que se
concretizam em um ambiente sócio-histórico e que são introduzidas no espaço
escolar. Nesse caso, a professora, ao representar o seu trabalho, leva em
consideração os conhecimentos que foram construídos no exercício de sua
profissão e em interação com os alunos, com o conhecimento, com os materiais de
ensino, com os demais professores, com os pais dos alunos, a equipe diretiva e os
elementos prescritivos que orientam o ensino na escola.
Sendo assim, a análise dos diferentes tipos de agir nos ajudou a compreender
e a construir uma visão sobre a representação do trabalho do professor a partir do
128

uso do Livro Didático. De início, essa análise nos permitiu identificar que o trabalho
do professor é complexo, pois envolve diversas instâncias, sejam elas de ordem
social ou institucional. É um agir que envolve desde o sistema educacional, que são
as prescrições que orientam o ensino na escola, perpassando o sistema de ensino,
que compõe as escolas, os planos de trabalho, os materiais didáticos, até culminar
no trabalho do professor, em sintonia com os alunos e com o conhecimento. É uma
rede de relações que o professor estabelece em seu agir, com a finalidade de
garantir a aprendizagem dos alunos.
Essa análise também nos permitiu verificar a presença da posição de ator,
que diz respeito aos recursos de ordem interna, as intenções, os motivos e as
capacidades do sujeito ao desenvolver as suas práticas de ensino. Os discursos
também revelam a posição de agente, que se refere a questões de ordem externa,
determinantes externos e instrumentos/ferramentas que estão à disposição do
sujeito para a realização de seu agir. Nesses recursos de ordem externa, há a
presença do Livro Didático, enquanto uma ferramenta que está à disposição do
professor para o desenvolvimento de suas práticas de ensino. A presença desses
elementos de ordem interna e externa nos permite dizer que o agir das professoras
é interacional, é resultado da união de diversos elementos que estão disponíveis
para elas agirem ou não. Cabe às docentes optarem pelos elementos que possam
auxiliar e contribuir para as suas práticas de ensino e, por conseguinte, para a
aprendizagem dos alunos.
Concluída essa etapa de análise, apresentamos, na sequência, as conclusões
desse trabalho, buscando relacionar os objetivos da pesquisa aos resultados obtidos
na análise.
129

7 CONCLUSÃO

Esta pesquisa assumiu o objetivo de compreender a representação do


trabalho docente a partir do uso do Livro Didático, isto é, se o professor revela que
se apropria desse material enquanto um instrumento de ensino. O Livro Didático é o
material que se encontra disponível nas escolas e, portanto, é de fundamental
importância que sejam realizadas discussões, a fim de compreender e refletir sobre
o trabalho do professor a partir do uso desse material.
Para tanto, apoiamo-nos em um conjunto de aspectos teóricos que
contempla, inicialmente, o Interacionismo Social de Vygotsky, enquanto uma
corrente que serve de fundamento para o Interacionismo Sociodiscursivo, teoria à
qual nosso trabalho encontra-se vinculado. Essa pesquisa, ao fundamentar-se no
ISD, passa a considerar a linguagem e sua relação com as ações humanas, nesse
caso, o agir pensado através do trabalho docente. Nesse sentido, seguimos os
pressupostos teóricos de Machado e Bronckart (2009), que consideram o trabalho
do professor o resultado da inter-relação de diversos fatores. Considerando que
esse agir envolve questões de ordem pessoal, aspectos de ordem interacional, o
trabalhador age sobre o meio, modificando o contexto e a si mesmo, envolvendo
também a presença de artefatos que podem ser transformados em instrumentos,
compreendendo a interação com o outro e a presença de elementos prescritivos, de
instâncias superiores que orientam o ensino na escola.
Com base nesse conjunto de aspectos teóricos, apresentamos, neste
momento, alguns resultados sobre esta pesquisa. O primeiro objetivo deste trabalho
era verificar de que forma as prescrições integram o agir do professor. Esse
primeiro objetivo demonstrou que o trabalho docente orienta-se por um projeto de
ensino que é prescrito por diversas instâncias superiores, tal como afirma Machado
(2007). Aproximando-se das representações das professoras, verificamos que as
prescrições se manifestam no processo de escolha e de distribuição dos Livros
Didáticos, bem como nos conteúdos que são propostos para o ensino de Língua
Portuguesa no 9º ano.
Quanto à participação do professor na escolha do Livro Didático, percebemos
uma aproximação entre as respostas das docentes. Para elas, esse processo não
ocorre da forma desejada, uma vez que o tempo é insuficiente para que seja feita
130

uma escolha adequada. Nesse caso, há a presença do agir prescritivo, uma vez que
os professores agem de acordo com que é prescrito por instâncias superiores. De
certa forma, essa ação confirma a presença dos mundos formais, que segundo
Bronckart (2006), são as estruturas que organizam e orientam o agir do professor.
No que diz respeito ao processo de distribuição dos Livros Didáticos, em
alguns momentos ocorre atraso ou falta de exemplares, não havendo livros
suficientes para todos os alunos. Isso acaba dificultando o trabalho do professor,
uma vez que o Livro Didático é o material ofertado às escolas e, muitas vezes, pela
falta de recursos, é o único suporte disponível para que o professor desenvolva as
suas práticas de ensino.
O segundo objetivo consistia em identificar as intenções dos professores com
relação ao uso do Livro Didático. O que observamos com isso é que cada professora
revela intenções distintas ao utilizar o Livro Didático. Essa diferenciação entre o agir
das professoras se aproxima do que Machado e Bronckart (2009) caracterizam
como o trabalho docente, uma vez que, para os autores, o professor mobiliza
dimensões físicas, emocionais, linguageiras e afetivas, todas características próprias
do sujeito, que contribuem para o seu agir e para o desenvolvimento de
conhecimentos e habilidades nos alunos. Daí essa diferenciação entre as intenções
das professoras, pois cada uma mobilizará diferentes características, que farão com
que suas práticas de ensino sejam elaboradas conforme os seus conhecimentos e
suas experiências com relação ao ensino de Língua Portuguesa.
Ademais, esse segundo objetivo demonstrou que não há uma relação muito
próxima entre o agir docente e o Livro Didático, pois as professoras revelam a
preferência pelo uso de outros materiais, outras atividades de ensino buscadas na
internet, em cadernos e livros antigos. A professora Ana opta por atividades que
estejam presentes em cadernos, livros mais antigos e em vídeo aulas de outros
professores. Já a professora Patrícia opta por materiais que se encontram na
internet, em atividades propostas pelas próprias editoras dos livros e em vídeos que
explicam determinado conteúdo.
Dadas essas circunstâncias, acreditamos que há certo distanciamento entre o
que as professoras acreditam e o que é proposto e defendido nos Livros Didáticos.
Ana, professora da rede municipal, diverge de alguns textos que são apresentados
no referido exemplar, uma vez que considera que eles não se direcionam para a
131

realidade dos alunos. Nesse viés, a intenção da professora é trabalhar apenas com
os textos do Livro Didático que remetem ao contexto dos alunos ou a temáticas que
merecem uma discussão, como Bullying e respeito. Já Patrícia, professora da rede
estadual, revela que a sua intenção é trabalhar com os textos que se apresentam no
livro, por acreditar que estão diretamente ligados ao contexto em que os alunos
vivem e se relacionam. Contudo, diverge dos conteúdos gramaticais que se
encontram disponíveis no Livro Didático, pois acredita que seja necessário um
aprofundamento maior, a fim de que os alunos compreendam os aspectos
linguísticos.
Essas intenções das professoras acerca do uso ou não dos textos que se
encontram disponíveis no Livro Didático nos permitiram identificar a presença de
diferentes realidades sociais. Como Ana é professora da escola municipal, que se
localiza no interior do município, é possível que muitos alunos desconheçam
algumas temáticas sociais que são contextualizadas no Livro Didático, como a
temática praia, que é exposta pela professora. Já Patrícia é professora da escola
estadual, que se localiza na sede do município. Por se localizar na cidade e
abranger alunos que vivem nesse espaço, as temáticas que se apresentam no Livro
Didático podem estar mais direcionadas à realidade desses alunos.
A terceira questão partiu do interesse de avaliar as dificuldades apresentadas
pelas professoras quanto à utilização do Livro Didático. Inicialmente, os relatos das
docentes apontam para as dificuldades oriundas do processo de escolha e
distribuição dos Livros Didáticos. Essa questão envolve o tempo destinado para a
escolha dos materiais, o atraso em sua distribuição ou a falta de exemplares para
todos os alunos. Nesse contexto, há uma influência prescritiva, que acaba
dificultando o planejamento e a organização das atividades desenvolvidas pelo
docente. Isto é, na organização das práticas pedagógicas, o professor, além dos
conhecimentos e das experiências vivenciadas com o ensino de Língua Portuguesa,
leva em consideração as atividades propostas em outros materiais, como é o caso
do Livro Didático. O atraso na distribuição desses materiais ou a falta de exemplaras
acaba dificultando o trabalho do professor.
Em um segundo momento, é importante destacar as dificuldades reveladas
pelas professoras em trabalhar com alguns textos que se apresentam no Livro
Didático, por não estarem direcionados à realidade dos alunos, bem como as
132

dificuldades oriundas das questões de ordem gramatical, uma vez que as atividades
apresentadas no referido material são insuficientes para a aprendizagem dos alunos.
Nesse caso, é necessário que o professor amplie essas propostas de ensino com
outros exercícios, com outros materiais que possam complementar e fundamentar as
atividades propostas no Livro Didático.
Essas informações nos permitiram identificar que as professoras apresentam
um envolvimento e uma preocupação com práticas de ensino que estejam
direcionadas para a realidade do aluno. Nesse caso, a voz do aluno é levada em
consideração, apontando para as dificuldades dos alunos oriundas do trabalho com
o Livro Didático e do uso de outros materiais, de outras atividades que possam
auxiliar e contribuir para a aprendizagem deles. Para Machado (2009), o trabalho do
professor é interpessoal, pois envolve sempre uma interação com o outro, seja o
indivíduo envolvido de maneira direta ou indireta. É essa interação que permite ao
docente “escolher, manter ou reorientar o seu agir de acordo com as necessidades
de cada momento” (MACHADO, 2007, p. 93).
Esses princípios articulam-se ao que se denomina de Zona de
Desenvolvimento Proximal (FRIEDRICH, 2012, p. 110). Para Vygotsky, o professor,
ao valer-se da realidade do aluno e das informações que esse sujeito já possui,
compartilha novos conhecimentos e saberes necessários para o desenvolvimento de
novas habilidades e para construção pessoal e social do indivíduo. Valoriza-se o
poder fazer do aluno, isto é, cabe a eles, através da mediação do professor,
construir e desenvolver novos conhecimentos.
O que observamos com essa investigação é a presença de relatos que
demonstram a utilização do Livro Didático como um recurso auxiliar, como um
material destinado para as tarefas de casa e para a leitura de textos que estão
direcionados para as necessidades e a realidade dos alunos. A partir disso, não foi
possível identificarmos com clareza se há a apropriação desse material enquanto
um instrumento de ensino. Se recuperarmos o conceito de instrumento, oriundo de
Vygotsky e retomado pelo ISD, veremos que todos os elementos da realidade
podem se tornar um instrumento. Logo, qualquer objeto material, como é o caso do
Livro Didático, ao ser transformado pelo sujeito, poderia se tornar um instrumento de
ensino. Nesse caso, o instrumento seria o resultado de atividades recriadas pelo
professor, de acordo com as diversas situações e as necessidades dos alunos.
133

Assim, parece-nos que na fala das professoras há a influência de um discurso


dominante, que é cercado por diversas críticas com relação ao uso do Livro Didático.
Uma dessas pode partir do pressuposto de que o professor deixa de ter a sua
autonomia ao utilizar o Livro Didático em sala de aula. Para Bunzen (2005, p. 12), o
docente não “deixa de ser autor de suas aulas porque utiliza um ou vários livros
didáticos”. Cada professor mobiliza diferentes características, conforme os seus
interesses, seus conhecimentos e suas experiências em sala de aula, o que implica
que um mesmo Livro Didático poderá ser utilizado de maneiras distintas. Nesse
contexto, Marcuschi e Cavalcante (2005, p. 238) consideram que mesmo havendo
discursos de resistência ao Livro Didático, ele “permanece como um dos materiais
básicos na organização da prática pedagógica”.
Sendo assim, por mais que o Livro Didático apresente propostas de ensino
que possam ser melhoradas e reorganizadas, como é o caso dos conhecimentos
linguísticos, que segundo o PNLD, são trabalhados de maneira isolada, sem uma
articulação com os demais eixos, ainda assim é o material ofertado às escolas e, por
isso, a importância de ser integrado às práticas docentes. É importante que o
professor compreenda o Livro Didático não enquanto algo pronto, acabado, mas
como um instrumento de ensino, que o professor, ao fazer uso, transforma conforme
os interesses e as necessidades dos alunos.
Levando em consideração as reflexões apresentadas, podemos destacar que
esse estudo trouxe contribuições para o trabalho do professor de Língua
Portuguesa. A principal é o fato de termos dado voz ao professor, pois é ele o
principal interlocutor do Livro Didático, o responsável pelo desenvolvimento de
práticas de ensino com o uso desse material. Levar em consideração a voz do
professor é compreender que a educação se faz em sala de aula e que ninguém
melhor do que o professor para expor os seus conhecimentos e suas experiências
vivenciadas enquanto profissional de ensino. De fato, seguimos o que é proposto
pelo ISD, uma vez que consideramos as atividades humanas, aqui representadas
através do trabalho docente.
Essa pesquisa possibilitou também uma compreensão sobre o processo de
escolha e distribuição dos Livros Didáticos, apontando para as dificuldades
enfrentadas pelos docentes no âmbito dessa ação. Diante da complexidade que
envolve a escolha e distribuição dos Livros Didáticos, entendemos que esse
134

processo não está sujeito apenas às escolhas dos professores, pois depende de
diversos fatores, sejam eles de ordem social, cultural, histórica ou política, que direta
ou indiretamente estão envolvidos no andamento dessa ação. Portanto, é
necessário propor atividades que envolvam todos os professores, a fim de discutir
novas alternativas que possam facilitar o processo de escolha e distribuição dos
Livros Didáticos e como resultado contribuir para o agir do professor e para o ensino
como um todo.
Com a realização desse trabalho, esperamos ter contribuído com algumas
reflexões a respeito do trabalho do professor a partir do uso do Livro Didático.
Embora tenhamos permanecido apenas em dados coletados a partir de entrevistas,
esse estudo nos permitiu identificar algumas questões, como a forma com que as
prescrições integram o agir docente, as intenções dos professores ao utilizar o Livro
Didático, bem como as dificuldades enfrentadas pelos docentes ao fazer uso desse
material. Acreditamos que futuras investigações poderiam considerar a observação
em sala de aula, a fim de construirmos mais respostas sobre o agir docente a partir
do uso do Livro Didático.
Para finalizar, essa pesquisa nos permitiu ter um conhecimento sobre as
diversas situações que permeiam a atividade do trabalhador com o uso do Livro
Didático – o processo de escolha, distribuição e utilização desse material de ensino.
Para além disso, apontou as complexidades que envolvem o trabalho docente,
demonstrando que as ações desempenhadas pelos professores são resultado da
interação com outros fatores - sistema educacional e sistema de ensino - e de outras
atividades sociais – políticas, culturais e econômicas – que acabam influenciando as
instituições de ensino e provocando transformações tanto no ambiente educacional,
como em toda a sociedade. A importância desse tema nos faz perceber que ainda
há muitas pesquisas a serem realizadas, a fim de refletir sobre esse campo de
investigação e contribuir de maneira significativa para o trabalho do professor.
135

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em diários de aprendizagem. 2006. 189 f. Tese (Doutorado em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem) – Programa de Estudos Pós-Graduados em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2006.

ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Modos de transposição dos PCNs às práticas de


sala de aula: progressão curricular e projetos. In: A Prática de Linguagem em Sala
de Aula: praticando os PCNs. São Paulo : EDUC; Campinas : Mercado de Letras,
2000. (Coleção As faces da Lingüística Aplicada) (pp. 27-38).

SOARES, Magda. O Livro Didático como fonte para a história da Leitura e da


formação do Professor – Leitor. In: Ler e navegar: espaços e percursos da leitura /
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______. Pensamento e Palavra. In: VYGOTSKY, Lev Semenovich. A construção


do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
139

ANEXOS
140

Anexo A - Transcrição completa da entrevista realizada com a Professora Ana


TEXTO 01 - Entrevista realizada em 07 de novembro de 2017
Duração: 14 minutos e 08 segundos

1 E: inicialmente gostaria que você falasse sobre sua idade formação acadêmica e
2 tempo de atuação na escola...
3 Profa. Ana: é:: eu tenho 53 anos... é estou aposentada a um ano no ((nome de um
4 município)) com 32 anos de de experiência não só em sala de aula mas na área
5 administrativa também fui secretária da educação fui da é:: secretária da
6 administração é:: sou formada em é:: literatura aliás letras e:: literatura brasileira...
7 é:: eu tenho pós-graduação na/ especialização de aprendizagens PSICOLÓGICAS
8 na universidade... era um curso novo que se instalou no ((nome da universidade)) e
9 foi única turma que fez esse curso...
10 E: e com relação ao livro didático de língua portuguesa com é realizada a escolha
11 desse material?
12 Profa. Ana: eu não participei da escolha DESTA edição do livro didático.. porque
13 quando eu vim para cá o livro já tinha sido escolhido é o primeiro ano que estou aqui
14 então não poderia lhe dizer como foi feita ESTA escolha NESTE livro que eu estou
15 trabalhando neste ano...
16 E: / a senhora tem conhecimento sobre alguns critérios que são utilizadas para a
17 escolha?
18 Profa. Ana: pela experiência que eu tenho na escolha do livro didático...
19 normalmente a gente se reúne com os professores é faz uma uma análise de cada
20 livro que nos é apresentado e temos que chegar a um denominador comum que
21 nem sempre contenta a todos e na verdade a gente não encontra um livro sem por
22 cento que satisfaça o trabalho do professor...o livro didático ele é meramente um
23 recurso didático um auxiliador pra que a gente possa ter um um embasamento
24 naqui/ nos conteúdos que serão trabalhados...
25 E: quanto tempo é destinado para a escolha desse livro didático?
26 Profa. Ana: normalmente em um período ou seja... manhã ou tarde a gente tem
27 para fazer a escolha deste livro... então se formos analisar o tempo... uma vez que
28 nós trabalhamos ao longo de três anos o livro didático é insuficiente para a gente
141

29 fazer uma uma escolha adequada... todo mundo está com pressa para fazer a
30 escolha e:: acabamos não fazendo uma escolha minuciosa...
31 E: qual é sua opinião sobre o modo com que esse material é escolhido?
32 Profa. Ana: olha quanto a escolha é:: eu acho assim que::... ela é muito superficial...
33 pelo fato de que a gente não consegue visualizar todo todo o livro você vai fazendo
34 assim uma leitura é:: superficial de alguns tópicos que você de repente acha
35 interessante mas que para outro professor não é tão interessante... é:: então eu
36 acho que não deveria ter essa escolha em tão pouco tempo ela devia ter uma
37 análise digamos assim eu vou analisar um livro/ no outro momento analiso outro livro
38 e assim sucessivamente mas com um tempo bem mais amplo do que esse que nos
39 é proporcionado que é geralmente meio dia...
40 E: qual é o livro didático de língua portuguesa que está sendo utilizado atualmente
41 pela escola?
42 Profa. Ana: nós estamos utilizando o livro português linguagens de do william cereja
43 e da thereza cochar... mas não é um livro que completa minhas atividades... ele é
44 apenas serve como um guia...
45 E: esse livro didático foi a primeira opção de escolha?
46 Profa. Ana: eu não saberia te informar sobre ele porque eu não participei DESTA
47 escolha...
48 E: por quanto tempo o mesmo livro didático é utilizado?
49 Profa. Ana: três anos...
50 E: qual é a sua opinião sobre o processo de distribuição dos livros didáticos nas
51 escolas?
52 Profa. Ana: é como processo de distribuição?
53 E: como eles são distribuídos nas escolas disponibilizados...
54 Profa. Ana: nós temos livros suficientes para cada aluno... todos os alunos tem sei
55 que tem escolas que não tem livros suficiente... mas a nossa escola está muito bem
56 contemplada com os livros didáticos eles vem vieram em tempo hábil ou seja no
57 primeiro dia de aula eu já tinha o livro didático...é inédito porque em outros anos a
58 gente levava às vezes dias e meses para começar um novo livro e esse ano o livro
59 estava disponível para os alunos desde o primeiro dia de aula...
60 E: como é apresentado o ensino de língua portuguesa no programa da disciplina do
61 9º ano? quais são os conteúdos que devem ser trabalhados com os alunos?
142

62 Profa. Ana: é a gente tem um PLANO um plano de trabalho... que é elaborado com
63 / a direção da escola e demais professores... eu não participei desta elaboração o
64 meu plano já estava previamente é pronto eu só peguei ele para é ter um
65 embasamento e para saber o que eu devo trabalhar... mas entre os conteúdos que
66 devem ser trabalhados lembro de alguns que não tenho aqui no momento mas
67 assim ó... é:: a gente tem que fazer uma revisão das classes gramaticais... temos
68 que fazer estudar o período composto por coordenação e subordinação... temos que
69 fazer uma abordagem sobre a regência verbal a regência nominal a crase a
70 ortografia com destaque a ortografia nova que ainda os alunos não pegaram ela na
71 íntegra é:: eu trabalho BASTANTE com eles a produção textual trabalho também
72 bastante com gêneros é:: textuais é:: a hora da leitura eu não descarto também é
73 uma hora por semana... é:: e você tem que trabalhar as classes gramaticais em
74 todas as séries de uma forma menos e mais aprofundada...
75 E: como você descreve o livro didático do 9º ano?
76 Profa. Ana: tem algumas partes... é:: digamos mais ligada a textos que a gente
77 consegue aproveitar bem mas no que diz respeito a gramática ele é insuficiente para
78 que os alunos possam assimilar o conteúdo novo que lhes é apresentado... ele só
79 tem uma mera explicação do que que é esse conteúdo a gramática e:: uma questão
80 e termina o assunto aí já parte para outro assunto o aluno não consegue captar
81 essas informações se fosse levar em conta só o livro didático... a gente se busca
82 suporte em outros livros é:: busca suporte em:: na internet é:: nos cadernos antigos
83 que a gente também tem nos diários... pra que possa assim ter um/ aprendizado
84 melhor em relação ao conteúdo apresentado...
85 E: o livro didático de língua portuguesa sustenta as práticas contempladas no
86 programa da disciplina do 9º ano?
87 Profa. Ana: não necessariamente ele é insuficiente para poder/ digamos assim
88 atender a todas as necessidades... uma pela... pela pelo curto pela curta
89 apresentação do conteúdo e outra que ele não está dentro do padrão...
90 E: o livro didático auxilia na seleção dos conteúdos que são propostos para o ensino
91 de língua portuguesa no 9º ano?
92 Profa. Ana: ... eu não sei como tu queres dizer na seleção da escolha?
93 E: dos conteúdos que são propostos para o ensino do 9º ano...
143

94 Profa. Ana: como eu disse para você essa seleção não aconteceu comigo ela já
95 estava selecionada mas eu acredito que para para fazer isso os professores deviam
96 de ter o livro pra poder seguir e fazer o seu plano de trabalho...
97 E: o livro didático auxilia no processo de plane/ organização e planejamento das
98 aulas?
99 Profa. Ana: auxilia... ele é um recurso auxiliador...
100 E: como você descreve a utilização do livro didático para o ensino de língua
101 portuguesa no 9º ano?
102 Profa. Ana: ... ele é apenas um instrumento... que o aluno tem digamos assim
103 quando a gente quer trabalhar é::... com MENOS ESCRITA no quadro ele facilita
104 para que ele possa usufruir dele e fazer as suas respostas... porém como é um livro
105 para três anos eu não acho ele ele próprio pra o uso diário em função de que eu não
106 posso fazer as respostas dentro do livro... o ideal seria que o aluno tivesse um livro e
107 que tivesse um espaço para as suas respostas porque nós teríamos ganhaRÍAMOS
108 TEMPO pra que a gente não precisasse copiar questão responder a questão
109 envolve muito tempo perde-se muito tempo nesse copiar... não estou descartando
110 aqui a necessidade de escrever porque o aluno tem que escrever mas tem algumas
111 atividades que a gente não precisava tar copiando... poderiam ter respondido dentro
112 do livro...
113 E: qual é o foco principal ao trabalhar com o livro didático?
114 Profa. Ana: para mim ele é apenas um:: um:: / instrumento de suporte eu não utilizo
115 ele todos os dias... eu me val/ fico/ buscando outras alternativas de xeROX de livros
116 VElhos mais antigos tem alguns textos que eu não trabalho que eu considero textos
117 melhores daí eu trabalho outros textos... eu vou acaba o ano sem trabalhar alguns
118 textos no livro por considerar ele não tão real a nossa realidade não tão adequado e
119 os textos são bastante direcionados para outras regiões eles não são direcionados
120 para nós aqui do sul... então nem/ não tem nenhum texto que pudesse falar sobre a
121 nossa região...
122 E: o livro didático pode ser trabalhado levando em consideração a realidade do
123 aluno?
124 Profa. Ana: o nosso não... porque os textos como dizia já anteriormente eles tão
125 fogem muito do... da realidade do aluno... vou citar um exemplo para você... é::
126 quando se tratar de praia... tem aluno que nem conhece praia mas aí o texto trás
144

127 elementos/ histórias que falam sobre sobre personagens lá de um lugar de praia...
128 mas o aluno nem sabe o que é praia... então eles estão tão longe do/ da realidade
129 do aluno... mas também não posso descartar todos os textos tem textos que são
130 nacionais por exemplo que abordam temas como BULLIYNG... como DISCIPLINA...
131 como RESPEITO... são são temas universais...
132 E: você acredita que o livro didático contempla os conteúdos que o aluno deva
133 aprender durante o ano?
134 Profa. Ana: na sua totalidade não a gente tem que buscar outras ferramentas para
135 poder dar esse suporte pra atender o programa proposto...
136 E: como os alunos correspondem as práticas de ensino efetuadas a partir do uso do
137 livro didático?
138 Profa. Ana: ele é um facilitador na verdade que não precisa copiar textos do
139 quadro... isso para ele é bom mas não que seja assim algo atrativo pro aluno... o
140 aluno não sente atração no livro no livro como ele é apresentado... se fosse um livro
141 como te disse anteriormente que tivesse atividades que pudessem ser respondidas
142 como é o livro das séries iniciais eu acredito sim que ele ia ter mais/ atração ele ia
143 sentir mais interesse de de trabalhar porque É no livro não no caderno...
144 E: para você o uso do livro didático pode provocar transformações nos sujeitos,
145 tanto no professor como nos alunos?
146 Profa. Ana: depende de cada professor e de cada turma... se você consegue
147 desenvolver um trabalho de de discussão de temas que são apresentados e levar o
148 aluno a/ também interagir é:: com o texto eu acredito sim que ele possa transformar
149 muitas práticas que são são colocadas através de textos...
150 E: você havia comentado anteriormente que busca outros materiais/ que possam
151 contemplar e dar suporte as ideias apresentadas no livro didático QUE TIPOS de
152 materiais você costuma pesquisar e trabalhar com os alunos?
153 Profa. Ana: livros mais antigos dos quais a gente usou durante todo o nosso
154 período de magistério... é:: internet é outro recurso também... eu uso bastante
155 vídeos aula mas as vídeos aulas de professores que que eu pesquisei que sei que
156 posso posso aproveitar do conhecimento deles... sempre primeiro assisto a aula pra
157 ver se de fato é porque nós como professores é:: não somos perfeitos e pra não
158 haver é:: divergências de interpretação então eu prefiro ouvir a aula para levar para
159 os alunos o mesmo pensamento que o professor da videoaula apresentou...
145

160 E: seriam essas as perguntas muito obrigada...


146

Anexo B - Transcrição completa da entrevista realizada com a Professora


Patrícia
TEXTO 02 - Entrevista realizada em 06 de novembro de 2017
Duração: 12 minutos e 28 segundos

1 E: bom... então inicialmente gostaria que você falasse sobre: sua idade, formação
2 acadêmica e tempo de atuação na escola...
3 Profa. Patrícia: bem eu tenho 41 anos... sou formada em letras literatura ...é e::
4 inglês... e atuo nessa escola a sete anos...
5 E: com relação ao livro didático de língua portuguesa com é realizada a escolha
6 desse material?
7 Profa. Patrícia: olha as editoras mandam pra escola... né e daí nós analisamos
8 ele... primeiro cada um / analisa ele individualmente depois nós fizemos uma reunião
9 por área... daí/ discutimos analisamos o livro em conjunto... e daí depois a gente
10 então escolhe o que / a gente então acha que é a melhor opção que nos enviaram
11 né...
12 E: então todos os professores participam da escolha desse material?
13 Profa. Patrícia: sim:: nós né sempre tentamos reunir todos os professores... marcar
14 um dia onde todos possam estar...
15 E: que critérios são utilizados para essa escolha?
16 Profa. Patrícia: olha:: assim até / nós:: pegamos assim escolhemos então o livro
17 que tem / mais textos atuais né que está mais de acordo com que é cobrado
18 depois... né / dos alunos em outras tipo no Enem nos vestibulares né... esses
19 critérios a gente tenta mais mas mesmo assim tá é difícil né... essa escolha...
20 E: quanto tempo é destinado para a escolha do livro didático?
21 Profa. Patrícia: isso tudo depende como a:: editora manda né... que nem por
22 exemplo esse ano / nós tínhamos até seis de setembro mas início de setembro daí
23 alguns ainda enviaram né / mas a maioria é mais ou menos um mês... né... mas tem
24 uns então que mandam um pouquinho mais tarde que chega então a dar dez dias
25 se a gente não tem tanto... tanto tempo pra escolher né...
26 E: qual é a sua opinião sobre o modo com que esse material é escolhido?
147

27 Profa. Patrícia: ...olha:: / né nós não temos muita opção... né não tem muita
28 opção... a gente até não tem muito o que escolher a gente vai pelo que a gente
29 achar que é melhor... livro (algum)... o melhor livro pra nós não tem...
30 E: qual é o livro didático de língua portuguesa que está sendo utilizado atualmente
31 pela escola?
32 Profa. Patrícia: novas palavras né... do william cereja
33 E: .../ português linguagens?
34 Profa. Patrícia: é... isso
35 E: português linguagens
36 Profa. Patrícia: (...) linguagens...isto...
37 E: esse livro didático foi a primeira opção de escolha?
38 Profa. Patrícia: foi.
39 E: por que essa escolha?
40 Profa. Patrícia: é como já falei antes né acho que esse é um livro que mais está
41 adequado né com o que é cobrado e exigido depois dos alunos em outros
42 vestibulares né em outras provas...
43 E: por quanto tempo o mesmo livro didático é utilizado?
44 Profa. Patrícia: três anos...
45 E: qual é a sua opinião sobre o processo de distribuição dos Livros Didáticos nas
46 escolas?
47 Profa. Patrícia: distribuição... olha ali até eu acho que assim não é... às vezes /... no
48 início do ano então os livros não estão disponíveis ainda na escola ou a gente faz
49 uma tipo... pede... vamos supor 30 livros pro primeiro ano daí só vem 20 daí gente
50 tem que ir atrás ver se / não tem em outras escolas né mas... poderia ser mais
51 organizado... pra que no início do ano todo mundo tivesse o seu livro...
52 E: como é apresentado o ensino de Língua Portuguesa no programa da disciplina do
53 9º Ano? Quais são os conteúdos que devem ser trabalhados com os alunos?
54 Profa. Patrícia: olha nós temos então assim / um plano de trabalho né mais ou
55 menos unificado a gente vai /... os professores na verdade se reúnem né e vão
56 distribuindo a gente vai tipo seguindo mais ou menos o livro né / mas a gente inicia /
57 com orações subordinadas daí vão as orações coordenadas estrutura e processo de
58 formação de palavras nós já entramos na questão de / produção textual / textos
59 dissertativo argumentativo... né / daí tem o debate regrado... trabalhamos vários
148

60 tipos de textos né inclusive até graMÁtica gramática em si não tem tanta no 9ª Ano...
61 é mais interpretação produção textual né e / algumas figuras de linguagem a gente
62 já / porque é fundamental né a gente vai introduzindo porque depois no ensino
63 médio a gente vai aprofundando...
64 E: como você descreve o livro didático do 9º ano?
65 Profa. Patrícia: olha..dizia assim um livro razoável até:: / eu gosto particularmente
66 assim dos textos ele trás ele textos assim bem na realidade deles..eles até ai só
67 podia ser sobre adolescente e sobre / a tecnologia... né trata bem assim sempre
68 digo assim é descreve os TEXTOS descrevem realmente como eles são e as vidas
69 que eles levam né... eles as vezes resmungam de novo né mas é a vida deles... e
70 textos bem bons de trabalhar...
71 E: o livro didático de língua portuguesa sustenta as práticas contempladas no
72 programa da disciplina do 9º ano?
73 Profa. Patrícia: SOMENTE o livro / o livro em si como é que vou te dizer de
74 repente... pras MÍNINAS coisas SIM né mas não assim porque a gente tem que ir
75 atrás tem que pesquisar em outras... na internet tem que ir atrás de outros livros né
76 mas assim o MÍnimo sim... o mínimo ele...
77 E: o livro didático auxilia na seleção dos conteúdos que são propostos para o ensino
78 de língua portuguesa no 9º ano?
79 Profa. Patrícia: sim... auxilia aham...mas assim como é que vou te dizer / como já
80 diz AUXILIA né a gente tem que ir atrás de outros né... mas / pelo pelo plano de
81 trabalho que a gente tem ele... auxilia bastante...
82 E: o livro didático auxilia no processo de organização e planejamento das aulas?
83 Profa. Patrícia: sim até porque assim ó / por exemplo o tema né... como a gente
84 não tem muito acesso a xerox... né e se você projeta no quadro escreve no quadro
85 isso deMOra então a gente costuma mais o tema né deixar para o livro didático... e
86 dando a aula então as outras atividades então a gente passa projeta no quadro
87 escreve mas o livro didático então é mais para esse fim né...
88 E: como você descreve a utilização do livro didático para o ensino de língua
89 portuguesa no 9º ano?
90 Profa. Patrícia: poderia repetir...como?
91 E: como você descreve a utilização do livro didático para o ensino de língua
92 portuguesa no 9º ano? como é utilizado? como o livro didático é utilizado?
149

93 Profa. Patrícia: olha / nós:: / trabalhamos bastante então os textos né assim... a


94 gramática em si ela não... não trás / é gramática aplicado ao texto assim mas é
95 insuficiente ainda pra eles compreender como é que realmente né as vezes tem uma
96 ou outra questão só acho que deveria ser mais aprofundado deveria ter mais
97 questões... assim pra / esclarecer... primeiro de repente umas atividades mais
98 acessíveis depois vão aprofundando né mas ele trás logo direto muito né
99 aprofundado então poderia ter um pouquinho mais poderia ser um pouquinho mais
100 acessível primeiro então uma explicação melhor né... alguns exemplos... que eles
101 tem muitas vezes dúvidas... a gente tem que recorrer a outros exemplos...
102 E: e qual é o foco principal ao trabalhar com o livro didático?
103 Profa. Patrícia: foco principal é:: tentar acho que assim /... na medida do possível
104 então passar o conteúdo que né os alunos precisam ter essa noção básica então
105 da:: língua portuguesa né então pra isso a gente /... coloca também e como material
106 de apoio mais né pra... / né a gente não consegue então passar tudo tudo assim né
107 mas esse já mais vamos supor um guia né (guiando) mas a gente vai ter que
108 procurando mais ainda...
109 E: e o livro didático pode ser trabalhado levando em consideração a realidade do
110 aluno?
111 Profa. Patrícia: sim esse sim... é porque né como coloquei antes né os textos MAS
112 A CARA DELES... né como / adolescentes MEU DEUS / era então ali que nós
113 estamos passando então /... informática tudo é:: aqui na nossa escola então é... ele
114 retrata a vida deles... ele é bem a realidade deles né...
115 E: você acredita que o livro didático contempla os conteúdos que o aluno deva
116 aprender durante o ano?
117 Profa. Patrícia: em parte sim se É esse do::... que nós escolhe do William Cereja eu
118 acho que sim mas como tipo esse ano já não teve a opção de escolher esse livro os
119 outros acho que não... não contemplam todo o conteúdo tem que ir atrás de[
120 E: de outros materiais[
121 Profa. Patrícia: é de outros materiais...
122 E: como os alunos correspondem as práticas de ensino efetuadas a partir do uso do
123 Livro Didático?
124 Profa. Patrícia: eles não gostam muito eles querem até coisas diferentes né assim...
125 atividades a gente então faz usa outras metodologias também muitas vezes pra
150

126 ensinar o conteúdo né / eles o:: livro assim pra eles então é um guia mas eles não
127 realmente não gostam muito do livro didático né...
128 E: para você o uso do Livro Didático pode provocar transformações nos sujeitos,
129 tanto no professor como nos alunos?
130 Profa. Patrícia: em que sentido você acha no sentido de melhoRAR?
131 E: isso
132 Profa. Patrícia: sim com certeza no sentido de melhorar sim né... se / trás textos /
133 tipo:: que sejam do interesse deles para despertar o interesse deles / né / se tem
134 então o conteúdo vamos supor que eles precisam para a sua formação... eu acredito
135 que sim... TODOS com certeza sempre contribuem pra alguma coisa né mas tem
136 uns que realmente são muito bons outros já não né...
137 E: como já havia então comentado você busca então utilizar outros materiais né
138 Profa. Patrícia: (...) sim
139 E: (...) que possam complementar e dar suporte as ideias apresentadas no livro
140 didático que tipos de materiais você costuma pesquisar e trabalhar com os alunos?
141 Profa. Patrícia: até assim as próprias editoras mandaram cds... né pra nós também
142 com / atividades extras né... então essas a gente pega a gente imprime né/ na
143 internet/ sites então que quando a gente faz cursos eles recomendam “ó tal site tem
144 atividades assim” então/ daí eu pego o/ computador é meu aliado praticamente né
145 então nós temos retroprojetor eu projeto as atividades no quadro daí tem muitas
146 vezes vídeos também que explicam o conteúdo as vezes de uma se eles vem de
147 uma outra forma eles entendem melhor né... mas/ mais a internet então esses meios
148 que a gente usa mas também a gente pesquisa e faz curso onde eles indicam
149 bastante material né que usamos na sala de aula...
150 E: seriam essas as perguntas... muito obrigada...
151 Profa. Patrícia: de nada...
151

ANEXO C: AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL

Eu______________________, abaixo assinado, responsável pelo


_____________________________________, autorizo a realização do estudo A
REPRESENTAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DO USO DO LIVRO
DIDÁTICO, a ser conduzido pelos pesquisadores Prof. Dra. Vaima Regina Alves
Motta (PPGL - UFSM) e a aluna do curso de Mestrado em Letras – Estudos
Linguísticos (PPGL - UFSM) Bárbara Muders. Fui informado, pelo responsável do
estudo, sobre as características e objetivos da pesquisa, bem como das atividades
que serão realizadas na instituição a qual represento.
Esta instituição está ciente de suas responsabilidades como instituição co-
participante do presente projeto de pesquisa e de seu compromisso no resguardo da
segurança e bem-estar dos sujeitos de pesquisa nela recrutados, dispondo de infra-
estrutura necessária para a garantia de tal segurança e bem-estar.

Data: _________

Assinatura e carimbo do responsável institucional


________________________________
152

ANEXO D: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


153
154

Anexo E: Normas para transcrição de entrevista gravada – Projeto NURC/SP

Ocorrências Sinais Exemplificação


Incompreensão de palavras ou () Do nível de renda ( ) nível de renda
segmentos nominal
Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o
gravador)
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento / E comé/e reinicia
indicativo da tônica e/ou timbre)
Entonação enfática Maiúscula Porque as pessoas reTÊM moeda
::
Prolongamento de vogal ou podendo Ao emprestarmos éh::: ... dinheiro
consoante (como s, r) aumentar para
::::: ou mais
Silabação - Por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? E o Banco... Central... certo?
Qualquer pausa São três motivos... ou três razoes...
... que fazem com que se retenha
moeda... existe uma... retenção
Comentários descritivos do ((minúscula)) ((tossiu))
transcritor
Comentários que quebram a ... a demanda de moeda - - vamos
sequência temática da exposição: ---- dar casa essa notação - - demanda
desvio temático de
moeda por motivo ...
a. na casa de sua irmã
Superposição, simultaneidade de Ligando as b. [sexta-feira?
vozes linhas a. fazem LÁ
b. [cozinham lá
Indicação de que a fala foi tomada
ou interrompida em determinado (...) nós vimos que existem...
ponto. Não no seu início, por (...)
exemplo.
Pedro Lima ... ah escreve na
Citações literais de textos, durante ocasião..
a gravação “entre aspas” “ O cinema falado em língua
estrangeira não precisa de nenhuma
baRREIra entre nós”...

Observações:
1. Iniciais maiúsculas : só para nomes próprios ou para siglas (USP etc)
2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? Você está brava?)
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa)
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa)
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicas da língua escrita, como ponto e vírgula, ponto
final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.

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