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Química dos Produtos Naturais

Flavonóides

Compostos de biogénese mista

Flavonóides

Na natureza os flavonóides actuam como sinais químicos na floração e polinização das plantas. São
os responsáveis pelas cores de plantas e frutos e também pelo sabor adstringente e cor de muitas
bebidas e alimentos. Têm acção protectora dos raios UV e funcionam como um ecrã natural na
defesa das plantas contra esta radiação. Funcionam como agentes de defesa contra
microorganismos patogénicos (são fitoalexinas) ou na infestação por pestes (acção “anti feedant”).
Têm acção sobre a fertilidade e germinação do pólen, na regulação do crescimento da planta e na
actividade enzimática. O facto de terem uma acção antioxidante potente contra os radicais livres e
as espécies reactivas de oxigénio, uma potencial acção estrogénica e anti proliferativa,
promoverem a diferenciação celular e a apoptose, fez atrair sobre eles a atenção dos cientistas e,
actualmente, a pesquisa e identificação da bioactividade destes compostos é um grande campo de
investigação.
Os flavonóides constituem uma grande família de metabolitos secundários que têm em comum
possuírem dois anéis aromáticos unidos por uma cadeia de 3 átomos de carbono que pode, ou não,
ter condensado formando um terceiro anel. Do ponto de vista biossintético os flavonóides são
formados pela união de duas subunidades, uma proveniente do ácido xiquímico e outra da via do
acetato (Figura 10.1). A substrutura proveniente do ácido xiquímico está desenhada a azul e a
proveniente da via do acetato a vermelho.

Figura 10.1 Estrutura geral de um flavonóide

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O anel A possui um padrão de hidroxilação como está indicado e o anel B pode possuir um
hidroxilo na posição 4, ou dois, nas posições em 3 e 4 ou três nas posições em 3, 4 e 5.
O primeiro passo da biossíntese destes compostos é a introdução de um grupo hidroxilo na posição
4 do ácido cinâmico, dando origem ao ácido p-cumárico (Figura 10.2):

Figura 10.2 – Biossíntese do ácido p-cumárico

O ácido p-cumárico vai condensar com uma cadeia policetónica resultante da condensação de 3
unidades de acetilcoenzima A dando origem a uma calcona por acção do enzima calcona sintase.
Esta pode ciclizar dando origem ás flavanonas ou isoflavanonas a partir das quais se formam os
restantes flavonóides (Figura 10.3)1:

1
Gert Forkmann, Stefan Martens, Metabolic engineering and applications of flavonoids, Current Opinion in
Biotechnology 2001, 12,155–160
Shin-ichi Ayabe, Tomoyoshi Akashi, Cytochrome P450s in flavonoid metabolism, Phytochem Rev 2006, 5, 271–282

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Figura 10.3 – Biossíntese dos diversos flavonóides

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Actualmente, uma sub-classes dos isoflavonóides, as isoflavonas, desperta um grande interesse não
só na comunidade científica como também na população, devido ao facto de haver evidência de
que muitos compostos desta família química possuem actividade fitoestrogénica.

Fitoestrogéneos
Os fitoestrogéneos são compostos presentes nos vegetais e que têm acção estrogénea sobre o
sistema nervoso central2, induzem a ovulação e estimulam, nos animais, o crescimento do tracto
genital feminino. Embora a quantidade absorvida através da dieta alimentar possa ser baixa, a
concentração circulante no sangue pode atingir valores entre 100 a 500 vezes superior à do b-
estradiol que ocorre naturalmente. Os fitoestrogéneos podem afectar o ciclo menstrual e a
quantidade de hormonas presentes no sangue das mulheres pré-menopáusicas, embora este efeito
seja menos acentuado em mulheres pós-menopáusicas.
As isoflavonas, das quais a genisteína e a daidzeína são as mais estudadas, têm actividade
estrógénica. A actividade é fraca, cerca de 100 vezes inferior á do 17-beta-estradiol

Figura 10.4 – Comparação entre as estruturas da genisteína, 17 beta-estradiol e equol

À semelhança do 17-beta estradiol e do equol (outro estrogénio) a molécula da genisteína tem uma
estrutura planar rígida com um grupo hidroxilo em C-7 e outro em C-4 (Figura 10.4).
2
M. E. Shils, J. A. Olsen, M. Shike, A. C. Ross, Tratado de Nutrição Moderna na \Saúde e na Doença, Ed. Manole Lda, 1º
edição (tradução da 9ª edição de Modern Nutrition in Health and Disease), Tamboré, 2003
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A genisteína é um dos fitoestrogéneos mais abundante. Provoca o aumento de cálcio ósseo (na
rata), e estimula a mineralização 3. Efeitos similares são observados em pacientes (humanos) que
consomem proteína de soja onde ainda estejam presentes fitoestrogéneos.
A genisteína inibe a proteína tirosina cinase (PTK) que está envolvida na proliferação de células
tumorais. Aumenta também a actividade de enzimas antioxidantes tais como o superóxido
dismutase, o glutatião peroxidase, o glutatião redutase e o cumeno peroxidase hepática. Deste
modo a genisteína poderá, conjuntamente com outras substâncias de origem vegetal, promover
uma defesa mais ampla das células contra a acção dos radicais livres e o dano oxidativo.
A ingestão de soja (que é uma fonte de duas isoflavonas, genistaína e daidzeína) pode revelar-se
benéfica para o ser humano, tanto para as mulheres como para os homens, impedindo o
aparecimento do cancro da mama ou o cancro da próstata respectivamente. No entanto estudos
recentes sugerem que este efeito é essencialmente preventivo e caso a pessoa já tenha
desenvolvido um tumor a ingestão de isoflavonas como suplemento só fará agravar a situação 4.
Vários produtos obtidos a partir do fejão de soja, e muito comuns na alimentação vegetariana, caso
do tofu (queijo de soja) e as bebidas á base de soja impropriamente chamadas de “leite de soja”
são alimentos funcionais que fornecem estas isoflavonas. Estas mesmas substâncias existem
também no comércio em diversas apresentações como seja o caso de granulados solúveis ou
cápsulas sendo portanto nutracêuticos.

Actividade semelhante à benzodiazepina


As flavonas têm actividade ansiolítica, depressora do sistema nervoso central, uma vez que
apresentam uma estrutura electrónica dos anéis A e B que permite que estes se liguem aos
receptores GABA (Figura 10.5).
Estes locais são os mesmos onde se ligam as benzodiazepinas e portanto é corrente dizer que estas
flavonas têm uma actividade benzodiazepine-like (semelhante à benzodiazepina) dado que se
comportam da mesma forma.

3
Stephen Barnes, Helen Kim, Victor Darley-Usmar, Rakesh Patel, Jun Xu, Brenda Boersma and Ming Luo , Beyond ER
and ERß: Estrogen Receptor Binding Is Only Part of the Isoflavone Story, Journal of Nutrition 2000, 130, 656S-657S

4
Health effects of isoflavones and breast cancer, Women's Health News, Published: Sunday, 20-May-
2007 (http://www.news-medical.net/?id=25273)
Large-scale Japanese study finds soy protective against localized prostate cancer, but not advanced,
Medical Studies/Trials, Published: Thursday, 15-Mar-2007 (http://www.news-medical.net/?id=22602)

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Figura 10.5 –Esquema simplificado da interacção entre uma flavona e o receptor GABA

A Erva cidreira (Melissa officinalis L.) contém as flavonas luteolina e apigenina que são compostos
que têm actividade “benzodiazepine-like” (Figura 10.6)

luteolina apigenina

Figura 10.6 – Estruturas da luteolina e da apigenina

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