Você está na página 1de 9

Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI

ISSN 1809-1636

DESAFIOS METODOLÓGICOS NA INCUBAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS


ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS

Methodological challenges in solidarity incubating businesses

Alan Ferreira de FREITAS1


Alair Ferreira de FREITAS2
Marcelo Miná DIAS3

RESUMO
Este trabalho tem o objetivo de descrever e analisar a metodologia de incubação utilizada pela
Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal de Viçosa
(ITCP/UFV) em Minas Gerais, sinalizando para os desafios metodológicos e as contingências do
processo de incubação. A metodologia de incubação consiste em três eixos básicos, a pré-incubação
que busca levantar quais são as condições sócio-econômicas e culturais das pessoas e dos grupos
envolvidos; a incubação, caracterizando-se por um acompanhamento mais próximo por parte da
incubadora junto aos grupos incubados, e por fim a desincubação como momento em que o coletivo
trabalhado começa a se emancipar da necessidade contínua de assessoria, buscando se formalizar.
Alguns desafios identificados podem ser caracterizados como diretamente relacionados à
Incubadora, que dizem respeito a técnicas e instrumentos utilizados nos processos de incubação.
Plano de negócio, diagnósticos participativos, seleção de formadores e os espaços formação foram
apontados neste aspecto. Há também os desafios diretamente relacionados aos empreendimentos, a
exemplo da formação do empreendimento incubado e do grupo responsável e a formalização como
etapa mais crítica do processo. O aprimoramento sobre os fins e os objetivos dos diversos
instrumentos metodológicos foi crucial para que os envolvidos com a incubação pudessem se
apropriar do processo de intervenção. O primeiro passo para superação dos desafios da incubação é
que os técnicos tenham clareza do seu papel como mediadores do processo e das atribuições de uma
ITCP na viabilização de negócios coletivos.

Palavras-Chave: Metodologia, Intervenção, Economia Solidária

ABSTRACT
This work aims to describe and analyse incubation methodology used by the technology incubator
of popular cooperative of Federal universities Viçosa (ITCP/UFV) in Minas Gerais, signaling for
methodological challenges and incubation process contingencies. Incubation methodology consists
of three keystones, hatching seeking to raise what are the socio-economic conditions and cultural
rights of individuals and groups involved; the hatching, characterised by a closer follow-up on the
part of the incubator incubated with groups and finally the exit incubation as soon as the collective
worked begins if emancipate itself from the continuing need for advice, fetching if formalize. Some
challenges identified may be characterised as directly related to incubator, which relate to
techniques and instruments used in the process of incubation. Business plan, participatory
diagnosis, selection of trainers and training areas were stationed here. There are also related directly
challenges related to joint ventures, like in incubation venture training and the group responsible
and more formalized as critical step. Improvement on the purposes and objectives of the various
methodological instruments was crucial for those involved with incubation could take ownership of
1
Mestrando em Extensão Rural-UFV. Bolsista do CNPq; freitasalan@yahoo.com.br.
2
Mestrando em Extensão Rural-UFV. Bolsista do CNPq.
3
Prof. do Departamento de Economia Rural – UFV e Coordenador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas
Populares (ITCP/UFV).

Vivências. Vol.5, N.8: p.53-61, Outubro/2009 53


Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636

the intervention process. The first step towards overcoming the challenges of hatching is that the
technicians have clarity of his role as mediators of roles ITCP collective in equipping business.

Key words: Popular cooperative; Technology incubator; Solidarity economy

1. Introdução compreender que a metodologia que deu origem


às demais - também foi instituída pela
Com a crescente massa de desempregados ITCP/UFRJ que, na fundação da primeira
e o agravamento da problemática da exclusão incubadora, tentou uma adaptação de partes da
social, surgiu no Brasil, a partir das décadas de metodologia das incubadoras tecnológicas de
80 e 90, uma economia baseada na estruturação empresas. A grande questão a prevalecer era:
de empreendimentos econômicos solidários como adequar a tecnologia que até então era
(EES), também denominados por Singer (2000) apropriada pelas empresas de base tecnológicas
de Economia Solidária, que em geral, tomam a a grupos populares? Deste modo à metodologia
forma de cooperativas, associações de apropriada até então se acresceu de métodos
produtores, empreendimentos autogestionários, participativos e primou-se por uma educação
recuperação de fábricas falidas pelos seus popular baseada nos preceitos de Paulo Freire.
trabalhadores, clubes de troca, entre outras Ao se espelharem fortemente nas
organizações populares, urbanas ou rurais. Com incubadoras de empresas, as ITCPs se deparam
o aparecimento dessas formas diversificadas de com diversos problemas que se expandiram ao
“economia solidária”, passou-se a ter uma longo dos anos e foram sendo modificados
cobrança maior das universidades quanto ao seu através das constantes discussões que se
papel de ante das problemáticas da sociedade instaurarão na rede nacional.
em geral, o que de certo modo levou estas Oliveira & Dagnino (2003) apontam que
instituições a tomar uma posição em relação à uma primeira fragilidade decorrente desta
sua função social. corrente inspiradora é a forma como as
Neste contexto, e na tentativa de incubadoras de cooperativas foram concebidas.
consolidar uma interação maior entre A concepção desse arranjo institucional se
universidade e sociedade, surge como produto baseia fundamente do lado da oferta de
da preocupação e dedicação de alguns conhecimento, acreditando que este
professores e alunos com a questão da miséria e (conhecimento) germinado até então na
da exclusão social as Incubadoras Tecnológicas universidade será transferido para uma
de Cooperativas Populares (ITCPs). cooperativa que o transformará em bens e
As Incubadoras têm como objetivo serviços e no final do processo o ofertará à
promover o desenvolvimento local sustentável sociedade. Segundo estes autores essa
através da assessoria sistemática às concepção é denominada modelo ofertista-linear
organizações e empreendimentos populares e vem causando algumas necessidades básicas
solidários. Com a intenção de “dar condições que devem ser consideradas pelas incubadoras:
aos grupos ou empreendimentos para que • As ITCPs necessitam de uma
possam ter oportunidades melhores de trabalho tecnologia adaptada ao tamanho físico
e renda através da cooperação e da e financeiro pequeno.
solidariedade, resgatando a cidadania e • As ITCPs necessitam de uma
permitindo que os envolvidos se sintam capazes tecnologia voltada para o mercado
de tornarem atores do próprio desenvolvimento” interno de massa;
(PEREIRA, 2003). • As ITCPs necessitam de uma
As diferentes incubadoras existentes hoje tecnologia adaptada ao contexto
dentro da rede nacional de incubadoras socioeconômico de seu público-alvo.
populares ligadas a universidades têm diferentes Outra questão apontada é a adequação
metodologias de incubação, mas pode-se sócio-técnica. O desenvolvimento científico e

Freitas, A.F.; Freitas, A.F. e Dias, M.M. 54


Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636

tecnológico gerado pela universidade está formado por estudantes e por professores. De
focado na “alta qualidade” e na “pesquisa de acordo com Freitas (2008), a intenção da
ponta” dos países centrais, quando tentamos ITCP/UFV é promover os princípios do
transmitir a tecnologia que é produzida na cooperativismo e do associativismo nos grupos
universidade à realidade dos grupos menos trabalhados a fim de que esses
favorecidos nos esbarramos em impasses e empreendimentos construam suas próprias
fracassos, deste modo promover a adequação formas de trabalho, baseados na autogestão de
sócio-ténica se transforma no melhor caminho seus próprios empreendimentos, promovendo o
para se superar estes impasses. Por adequação desenvolvimento sustentável local e os
sócio-técnica Dagnino explicita que está princípios da economia popular solidária.
relacionado com: A coordenação, os grupos incubados
[...] o processo que busca promover uma (projetos) e os setores de atividades compõem a
adaptação do conhecimento científico e base da estrutura organizativa. A formatação
tecnológico, utilizando não apenas critérios de
caráter técnicos, mas sim um conjunto de
organizacional sob a qual a ITCP/UFV se
aspectos de natureza socioeconômica e estrutura para executar o processo de incubação
ambiental. (DAGNINO e NOVAESS 2002:12). consiste na divisão de sua equipe executora em
Deste modo, com o objetivo de descrever uma coordenação executiva geral, um conselho
e analisar os desafios metodológicos de consultivo e três setores de trabalho organizados
incubação, este artigo busca nas experiências da por temas gerais (educação, produção e
ITCP/UFV seu escopo de análise. Esta comercialização). O papel dos setores é o
Incubadora desenvolve seus trabalhos com acompanhamento sistemático e o suporte
cinco grupos de trabalhadores (as) localizados técnico ao processo de incubação dos grupos,
no município de Viçosa, bem como em outras buscando desenvolver e pôr em prática, novas
cidades da região da Zona da Mata Norte de tecnologias sociais. Os setores também
Minas Gerais. Orienta-se pelo pressuposto de funcionam como unidades de sistematização das
que o associativismo e o cooperativismo podem atividades, além de serem responsáveis por
ser referenciais importantes para a oferta de sanarem as demandas esporádicas que surgem
alternativas aos problemas políticos, sociais e do trabalho direto com os grupos e promover
econômicos vivenciados pelos grupos sociais pesquisas sobre temas que podem contribuir
que têm inserção precária nos mercados com o processo metodológico de incubação, a
convencionais. Como afirma Pereira, estes partir de suas especialidades (educação,
referenciais, aplicados a situações concretas, produção e comercialização) e o aprendizado
devem pautar iniciativas populares nas quais construído coletivamente com os diversos
estejam presentes a gestão democrática, os grupos populares incubados pela ITCP/UFV.
princípios éticos de igualdade e respeito mútuo A sistemática de acompanhamento das
e a possibilidade de emancipação social intervenções realizadas pela ITCP/UFV, inclui
(PEREIRA, 2003). reuniões semanais nos quatro primeiros meses,
e, posteriormente, a cada quinze dias. Estes
encontros semanais com os grupos serão
2. METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO precedidos de reuniões preparatórias para o
planejamento de cada intervenção. Após a
A Incubadora Tecnológica de realização de cada intervenção, faz-se uma
Cooperativas Populares da Universidade avaliação das atividades com os grupos, com o
Federal de Viçosa se organiza de modo a intuito de levantar elementos que possam
vivenciar no cerne de suas atividades o processo subsidiar a intervenção seguinte.
de autogestão, tendo em vista que a melhor No que tange a metodologia as ITCP’s,
compreensão deste modo de administrar se dá em sua maioria adotam como metodologia
na vivência dela propriamente dita. O projeto básica de trabalho a pesquisa-ação. Isto faz com
tem como instância máxima deliberativa o que professores, técnicos e estudantes se
“coletivo”, ou seja, o grupo geral que o compõe, dediquem a atividades de incubação, numa

Vivências. Vol.5, N.8: p.53-61, Outubro/2009 55


Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636

perspectiva de, ao mesmo tempo, serem vai além de um simples diagnóstico, tem como
assessores e atores dos processos de objetivo também o empoderamento do grupo,
desenvolvimento das cooperativas populares ou permitindo que eles busquem a sua própria
dos coletivos econômicos e solidários que emancipação através da participação ativa.
incubam. No segundo eixo, o coletivo sob
Na metodologia utilizada pela ITCP/UFV, incubação capacita-se na busca de mercados
antecipando o processo de incubação de um potenciais para seus produtos e/ou atividades,
grupo, acontece a capacitação dos próprios aperfeiçoando suas práticas por meio de cursos
formadores da incubadora. Este processo de capacitação oferecidos ou assessorados pela
assumiu, na trajetória da ITCP/UFV, uma ação ITCP/UFV. Este eixo caracteriza-se por um
de formação continuada, que ocorre por meio de acompanhamento mais próximo por parte da
cursos, debates e grupos de estudos. O objetivo incubadora junto aos grupos, de modo que suas
é que o formador esteja preparado para as atividades e sua organização possam se tornar
“intervenções”, que são efetuadas com uma sólidas o bastante para se concretizarem como
equipe da ITCP/UFV formada por três pessoas possibilidades de geração de renda e inclusão
de cursos diferentes, garantindo a social.
transdisciplinaridade das equipes. O processo de No último eixo, inicia-se o processo de
“intervenção” em si é também um ambiente desincubação do grupo e a sua formalização, ou
propício à formação e ao aprendizado; dando seja, nesse momento o coletivo de trabalhado
ênfase a um trabalho que tenha o caráter começa a se emancipar da necessidade contínua
dialógico, promovendo a valorização do de assessoria e é certificado como cooperativa
conhecimento, extrapolando os limites das ou associação autêntica, cumprindo as etapas
grades curriculares da academia e burocráticas com a sua formalização e
proporcionando tanto para os formadores quanto legalização.
para os grupos, a consolidação de princípios que
norteiem o processo.
O processo de incubação propriamente 3. RESULTADOS: AS METODOLOGIAS
dito envolve três eixos. No primeiro, por meio DE INCUBAÇÃO E SEUS DESAFIOS
de metodologias participativas, dinâmicas de
grupo e entrevistas semi-estruturadas, busca-se Um primeiro aspecto metodológico na
levantar quais são as condições sócio- processo de incubação a ser abordado de acordo
econômicas e culturais das pessoas e grupos com Cruz (2004), diz respeito ao tipo de
envolvidos. Procura-se investigar também os trabalho que as ITCP’s exercem junto aos
motivos que levaram os indivíduos à empreendimentos. Em praticamente todas elas
participação no grupo. Neste sentido, são feitas existem dois tipos de ações vinculadas ao
discussões para confirmar a opção pela processo de incubação, e que podem ocorrer em
organização coletiva do trabalho como saída fases distintas ou paralelamente, dependendo da
mais apropriada para atender as necessidades de metodologia adotada: assessoria & consultoria,
todos. de um lado, e formação & qualificação, de
Ainda no primeiro eixo de trabalho junto outro. O objetivo básico da primeira ação é
aos grupos incubados, promovem-se discussões ajudar as cooperativas a estruturar-se e
de temas relacionados à cidadania e às viabilizar-se economicamente; a segunda ação
possibilidades de inclusão social, assim como visa garantir que a cooperativa continue
são ministrados cursos básicos sobre os funcionando e crescendo depois de completada
princípios que regem a Economia Popular a incubação.
Solidária, o cooperativismo e o associativismo. É provável, a partir das análises sobre
Por fim, realiza-se junto aos grupos incubados adequação sócio-técnica, que as incubadoras de
um diagnóstico participativo, objetivando cooperativas populares estão encontrando uma
identificar suas potencialidades e limitações. série de desafios para colocar o saber técnico da
Neste eixo o uso de metodologias participativas universidade a disposição dos empreendimentos

Freitas, A.F.; Freitas, A.F. e Dias, M.M. 56


Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636

populares, o que faz crer que a inadequação sofreram varias modificações ao longo dos anos,
sócio-técnica é ainda um problema decorrente a isso fruto aos constantes desafios impostos. Os
ser superado por estes projetos. diversos questionamentos sobre os resultados
Alguns outros desafios também são das incubadoras e a dificuldade de formalizar
colocados por Cruz (2004), sendo os desafios (emancipar) um grupo foram os fatores
econômicos, pedagógicos e os desafios sócio- fundamentais que levantaram e instigaram os
políticos. formadores à repensarem o processo de
- Os desafios econômicos dizem incubação.
respeito a: Como organizar, nessas As mudanças e as inovações fruto de
condições, um processo produtivo questionamentos, são o resultado do esforço
com a eficácia e a eficiência coletivo na resolução dos desafios encontrados
necessárias que lhes permitisse ao para “incubar” um grupo popular, no entanto,
mesmo tempo viabilizar deve-se entender que as mudanças estruturais e
economicamente a empresa (preservar metodológicas podem não surtir efeito à medida
o meio ambiente) e garantir a que as estratégias não são modificadas, ou seja,
autogestão/solidariedade? Como a estratégia e a estrutura devem ser congruentes.
acessar créditos para financiamento e À medida que há reflexão para a mudança da
mercados para comercialização? estrutura e dá estratégia a ITCP, enquanto um
- Os desafios pedagógicos estão coletivo que busca objetivos comuns deve
relacionados a: Como fazer que esses amadurecer seu ideal em torno da incubação.
trabalhadores, coletivamente, sejam
capazes de acessar e manejar Desafios encontrados pela ITCP/UFV na
conhecimentos de gestão econômica, incubação
de qualidade do produto, de
mecanismos de decisão democrática, Ao longo das diversas transformações
de permanente busca de tecnologias ocorridas na Incubadora pode-se observar que
alternativas, e de preservação da saúde uma de suas maiores problemáticas se refere aos
e do meio ambiente? desafios metodológicos do processo de
- Os desafios sócio-políticos são: Como incubação. Pensando nesta questão formou-se,
intervir de maneira que os grupos no início de 2007, a comissão de analise da
preservem sua autonomia em relação à metodologia de incubação, que ficou
incubadora e a autogestão seja responsável por estudar os seus processos
construída de forma permanente? metodológicos.
Como intervir de maneira que a Cabe ressaltar que as dificuldades
viabilização do empreendimento se enfrentadas na incubação não tem suas causas
transforme num processo de atribuídas somente por erros na execução da
potencialização da cidadania dos metodologia de incubação, existem fatores
grupos e das pessoas? externos e internos que influenciam diretamente
De modo geral, diversos dos desafios neste processo. A falta de recursos financeiros,
supracitados podem ser apontados em diversas as necessidades imediatas do grupo, a falta de
incubadoras, pois são decorrentes dos processos formação (tanto dos formadores quanto das
de incubação, e independe da forma pessoas que compõem os grupos incubados) e
metodológica aplicada. Especificamente na etc. acabam por se tornarem desafios que devem
ITCP/UFV alguns outros desafios da ser entendidos e superados na medida do
metodologia de incubação dizem respeito a: possível.
como se estruturar internamente para conseguir Neste sentido, foi necessário que a
executar da melhor forma possível os trabalhos ITCP/UFV clareasse a definição de alguns
e as demandas dos grupos? Tanto a forma de se conceitos-chave inerentes ao processo de
organizar internamente quanto os métodos incubação e que orientassem as análises dos
empregados nos trabalhos junto aos grupos desafios. Desta forma, relaciona-se abaixo os

Vivências. Vol.5, N.8: p.53-61, Outubro/2009 57


Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636

resultados dessa definição, feita pelos próprios da carência de entidades de apoio e de


formadores da Incubadora: padrões gerenciais adequados. Diante de
- Incubar → Premeditar, planejar, todos estes problemas não se pode encarar
planear, projetar. Praticar ações que visem os empreendimentos com uma visão
a crescimento. romântica, somente como um grupo social
- Incubadora → Aparelho destinado a que não necessita de instrumentos de
manter temperatura constante e apropriada gestão nem de retorno. Que buscam
para o desenvolvimento de células vivas promover economicamente o sócio e não a
(Dicionário Aurélio). E, como consta no maximização do lucro, também se deve
dicionário, a incubadora tem a função de considerar que estes empreendimentos
manter a “temperatura” para que o grupo buscam alcançar objetivos sociais além da
se desenvolva. Deste modo, é essencial promoção econômica. “Temos que
termos ciência do que é preciso para enxergá-los enquanto atividade econômica
garantir as condições apropriadas para que e como tal devem apresentar retorno
os grupos se emancipem. monetário para o grupo”.
- Incubação → Elaboração, preparação. Considerando ainda as análises feitas
O processo de incubação em si deve ser pelos formadores destaca-se as etapas
visto como uma fase na qual o grupo se metodológicas como um todo. A falta de
prepara para atingir as condições compreensão, por parte dos próprios
necessárias para que, após este processo, formadores, sobre a metodologia e o como
consiga enfrentar todos os desafios que o aplicar os instrumentos nela contidos foi um
mundo globalizado coloca. fator muito apontado. É importante que a
- Solidariedade → É o fator fundamental formação dos formadores garanta a apropriação
que move e traz motivação ao grupo – No profunda dos processos que os grupos passam
entanto, não se pode entendê-la como a na incubação, para que cada um tenha condições
garantia da viabilidade econômica-social de opinar e construir as melhores alternativas.
do empreendimento. Pois, de acordo com No que tange a estrutura de incubação
Gaiger (1996), as cooperativas, entre existem alguns elementos prioritários que foram
outras formas de empreendimento relevados como resultados, sendo:
solidário, que “nascem da necessidade
imperiosa de encontrar uma solução a) Diretamente relacionados à Incubadora
geram solidariedade como imposição da
necessidade”. A relação entre Plano de negócios  Dentro da
solidariedade e necessidade assim como perspectiva do plano de negócios insere-se
aponta o autor deve ser analisado para que também as dificuldades de comercialização e da
o processo não se instaure somente na elaboração de um estudo de viabilidade do
formação das relações de cooperação do empreendimento. Estes instrumentos gerenciais
grupo. são mais necessários na fase de incubação, onde
- Empreendimento Populares de a equipe de incubação já deve buscar
Autogestão → São organizações alternativas de escoamento da produção, canais
econômicas. Lisboa (1999) aponta neste de comercialização, mercados potenciais e
sentido, que nos empreendimentos muitas formas de inserção em rede.
são as debilidades e os problemas DRP  O diagnóstico rápido
constantes no cotidiano destas participativo é um método que sempre esteve na
organizações, tais como, carência de metodologia de incubação, mas recentemente
capital de giro; acesso ao crédito; controle seu uso foi bem questionado na incubadora,
de qualidade, comercialização e Para que serve e por que motivo aplicar o DRP?
tecnologia e ambigüidade da propriedade Será mesmo que ele vem dando um resultado
dos meios de produção; além dos satisfatório ou só está “cumprindo tabela?”
problemas decorrentes de barreiras legais, Antecipando esta metodologia já temos alguma

Freitas, A.F.; Freitas, A.F. e Dias, M.M. 58


Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636

visão do que fazer ou do que queremos? E após equipes de incubação devem proporcionar as
ele, o que conseguimos? Porém, no DRP, é condições para a que o trabalhador se reconheça
necessário que os membros tenham habilidades no coletivo.
comunicativas no sentido pedagógico, Formalização  Deve resultar de um
percepção crítica das situações e habilidade para processo de incubação que envolva a formação
descrevê-las de forma sintética e compreensível, dos trabalhadores para a gestão democrática
caso contrário os resultados serão mesmo (autogestão). Deve ser uma conseqüência do
frustrantes. Ele deve ser entendido enquanto negócio e não um fim por si só. O grupo já
instrumento que permite conhecer a realidade, amadureceu, necessita de uma identidade
conhecendo-a para desenvolvimento formas de formal, alcançou a sustentábilidade. Então está
ação. pronto para se formalizar.
Seleção  O processo de seleção dos
novos formadores foi questionado por eles
próprios. A seleção pode prejudicar a incubação 4. CONCLUSÃO
ao ponto que seleciona pessoas nas quais os
perfis não se encaixem na ITCP/UFV, ou na Os desafios encontrados na metodologia
qual a sua motivação para o trabalho de nos permitiram avaliar que, apesar de muitos
extensão universitária e com grupos populares resultados negativos, as constantes modificações
seja baixa. Neste sentido, as propostas giraram deram margem para que a incubadora
entorno de: Fazer uma seleção que seja mais incorporasse a cultura da reflexão, que levou em
direcionada, ou seja, a partir do perfil que esteja tempos atuais a absorção da necessidade de
demandando no momento. Os critérios de flexibilizar e refletir sobre cada processo de
seleção também deveriam ser revistos. Outro incubação e sobre a execução da metodologia.
problema decorrente da seleção e da incubadora Conclui-se, deste modo, que as mudanças
como um todo é a predominância de formadores originadas de constantes questionamentos foram
das áreas de ciências humanas, isso por sua fez, empregadas para melhorar à incubação. O
dá um outro foco aos trabalhos da ITCP. aprendizado determinado destas mudanças foi
Formação A formação foi colocada essencial para que os mesmos erros não
como a base do trabalho da incubadora e deve pudessem ser cometidos sucessivamente em
primar uma formação de qualidade para evitar grupos diferentes. Nota-se também que as
posteriormente implicações negativas no mudanças não ocorreram apenas na forma, mas
processo de incubação. A formação deve ser também no conteúdo, por exemplo, o plano de
continuada e não baseada somente em negócios, a análise de viabilidade ou o DRP,
discussões teóricas sobre economia solidária, eram simplesmente incorporados à metodologia,
mas, construir a formação a partir dos desafios mas não havia claridade dos formadores quanto
práticos, da realidade e das necessidades de à utilização exata destes “instrumentos
cada grupo. Deve-se consolidar e esclarecer os técnicos”, o que de certa forma, ocasionava seu
objetivos, metas, missão e visão futura da ITCP uso inadequado. O aprimoramento sobre os fins
e/ou do processo de incubação. e os objetivos dos diversos instrumentos
metodológicos foi crucial para que os
b) Diretamente relacionados os envolvidos com a incubação pudessem se
empreendimentos apropriar do processo de intervenção. Essas
reformulações da metodologia de incubação
Formação do empreendimento proporcionaram um acúmulo sobre as
incubado  Deve-se haver uma coerência necessidades prioritárias dos empreendimentos
entre os métodos utilizados e os conteúdos, de economia solidária, além de garantir que os
onde as práticas de gestão dos grupos sejam formadores pudessem refletir sobre a
explicadas e construídas a partir de práticas sustentabilidade econômica de um
educativas. A identidade do grupo é fator empreendimento coletivo.
fundamental para o seu desenvolvimento, as

Vivências. Vol.5, N.8: p.53-61, Outubro/2009 59


Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636

A avaliação da metodologia de incubação REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


se faz necessária em todas as formações de
formadores4, pois a possibilidade de criticar e
tentar mudar é um princípio básico para a CRUZ, Antonio . Diferentes Metodologias das
apreensão de todos os métodos empregados e Incubadoras Tecnológicas de
sua qualificação e adequação às contingências Cooperativas Populares no Brasil. In:
inerentes aos processos. III Encuentro de Investigadores
Nesta conclusão cabe ressaltar a Latinoamericanos - Comité Regional
importância da incubadora para a formação Latinoamericano de Investigación,
profissional, acadêmica e humana de seus Alianza Cooperativa Internacional, 2004,
estagiários. A oportunidade de conhecer a São Leopoldo, RS (Brasil). III Encuentro
realidade da sociedade brasileira em seus de Investigadores Latinoamericanos -
aspectos mais precários leva a uma ação de Comité Regional Latinoamericano de
reflexão fundamental para que os formadores Investigación, Alianza Cooperativa
tenham consciência da importância do trabalho Internacional, 2004.
que está sendo realizado. DAGNINO, R. NOVAES, H. Sobre
A apropriação dos diversos instrumentos e Adequação Sócio-Técnica e sua
metodologias os quais se tem contado nos importância para Economia Solidária.
trabalhos desenvolvidos são fundamentais para DPCT – Unicamp. 2002 .
o sucesso do processo de incubação. Todos os FREITAS, A. F. BARBOSA, J. C; FREITAS,
desafios apontados anteriormente realmente são V. P; DIAS, M. M. e ALCANTARA
impasses no processo de incubação no entanto, FILHO, J.L. “DRP: uma metodologia
unir forças para superá-los, criar e pensar em participativa no processo de incubação
alternativas são a grande conquista que a da ITCP/UFV”, In: 1° Congresso
ITCP/UFV e outras incubadoras terão que Nacional da Rede de Incubadoras
buscar. Tecnológicas de Cooperativa Populares,
O processo de intervenção e incubação 2006, Itamaracá/PE. Anais do 1°
deve ser pensado frente às limitações do grupo Congresso Nacional da Rede de ITCP´s.
incubado e frente às limitações da própria
GAIGER, L. “Empreendimentos solidários:
incubadora. Não pode ser – a metodologia –
uma alternativa para a economia
algo imposto ou engessado uma vez que a
popular?” In: GAIGER, L. (Org.) Formas
flexibilidade torna-se fator fundamental. Os
de combate à pobreza. São Leopoldo:
desafios da incubação necessitam do
UNISINOS, 1996, p. 101-126.
envolvimento sinérgico dos atores em questão e
de mediadores (formadores) qualificados e GUIMARAES, Gonçalo. Incubadora
inseridos no ambiente do grupo, com tecnológica de cooperativas populares:
capacidade de adequação social e técnica dos contribuição para um modelo alternativo
instrumentos necessários à superação dos de geração de trabalho e renda. In:
desafios. O primeiro passo para superação dos SINGER, Paul e SOUZA, André Ricardo
desafios da incubação é que os formadores de (Orgs). A Economia solidária no
tenham clareza do seu papel como mediadores Brasil: a autogestão como resposta ao
do processo e das atribuições de uma ITCP na desemprego. São Paulo: Contexto 2000
viabilização de negócios coletivos. p.111 – 22.
LISBOA, Armando de Melo. Economia
Solidária: Similia, similibus curentur.
1999. Disponível em:
www.ecosol.org.br/txt/similia.doc. Acesso
em: 21 de janeiro de 2009.
4
OLIVEIRA, L. J. R. de. DAGNINO, R. P. As
Espaços promovidos pela Incubadora para garantir a
formação dos estudantes que a compõem.
fragilidades das incubadoras

Freitas, A.F.; Freitas, A.F. e Dias, M.M. 60


Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI
ISSN 1809-1636

universitárias de cooperativas no Sociedade – ESOCITE. Tocuba - México.


Brasil. V Jornada Latino-americana de 2003.
Ciência Tecnológica e Sociedade – SINGER, P.I. Souza, A. R. (org.). A economia
ESOCITE. Anais da V Jornada Latino- solidária no Brasil: a autogestão como
americana de Ciência Tecnológica e resposta ao desemprego. São Paulo:
Contexto, 2000. (Coleção Economia).

Recebido em agosto de 2009 e aprovado em outubro de 2009.

Vivências. Vol.5, N.8: p.53-61, Outubro/2009 61

Você também pode gostar