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DIMENSÕES MORFOLÓGICAS DOS LUGARES

A DIMENSÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA

Maria Elaine Kohlsdorf


&
Gunter Kohlsdorf

Brasília, setembro de 2004


3. A DIMENSÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA

Observa características
configurativas dos espaços quanto
a seus custos de produção
(gênese, implantação) e utilização
(manutenção, substituição).

CONSUMO DE RECURSOS

A dimensão econômico-financeira observa o espaço arquitetônico em termos de consumo de


recursos materiais e energéticos. Estes são quantificados em moeda e, portanto, representativos
de custos necessários à materialização de bens e serviços de natureza espacial. A abordagem
econômico-financeira é eminentemente pragmática; observa a relação entre sujeitos e lugares
quanto à quantidade de pessoas envolvidas e o tempo investido na materialização dos espaços.
Atributos morfológicos incidentes nesta dimensão referem-se ao consumo de recursos tendo em
vista quantitativo populacional e gastos, embora por vezes indiretamente relacionados.

CUSTO X BENEFÍCIO

Espaços socialmente utilizados são bens e serviços gerados por investimentos que resultam em
benefícios. Neste sentido, esta dimensão define os sujeitos beneficiados direta ou indiretamente
pelos investimentos, assim como aqueles sobre os quais recaem ônus econômicos e financeiros.

PRODUÇÃO E CONSUMO

A materialização de espaços envolve sua produção e consumo, mas o desempenho morfológico


nem sempre atende igualmente a ambos. Importa ao enfoque econômico-financeiro a relação
entre custos e benefícios de produção e consumo dos lugares. Produção significa formação ou
gênese do espaço e compreende pré-construção (valor do solo, capital financeiro, despesas com
planejamento e projeto) e construção (implicações topográficas, custos provenientes dos materiais
empregados, despesas para administração e produção do espaço). Consumo significa
funcionamento ou utilização dos espaços, implicando desgaste e conseqüente manutenção e
substituição de infra-estrutura e de superestrutura; compreende manutenção, reforma ou
substituição, gerenciamento ou administração e amortização (valorização ou desvalorização do
bem) dos diversos elementos de infra-estrutura e superestrutura. Interessa especialmente ao
processo projetual examinar o desempenho econômico-financeiro dos espaços em termos de
custos de infra-estrutura e de superestrutura, ambos como produção e consumo.
.
A) CUSTOS DE INFRA-ESTRUTURA

Refere-se ao atendimento da relação entre custo e benefício da produção e do consumo dos


lugares por meio de elementos de suporte ao espaço arquitetônico. Estes compõem sistemas que
podem assumir tipos e despesas diversos e geralmente dividem-se em arcabouço viário e
estrutura de redes. O primeiro será tratado no item B - SUPERESTRUTURA, concentrando-se aqui a
atenção nos sistemas sanitário, energético e de comunicações. O desempenho morfológico dos
lugares para custos de infra-estrutura observa certas características da forma espacial dos
mesmos que têm relevância nas despesas com os referidos sistemas. Tais dispêndios devem ser
examinados nos momentos de produção e de utilização das redes, e não raro seus valores são
bastante discrepantes.

Categorias Analíticas Morfológicas

Analisa-se o desempenho econômico-financeiro dos lugares, para produção e consumo dos


elementos de infra-estrutura, por meio das seguintes categorias:

a 1) custos dos sistemas: define tais despesas a partir das funções dos sistemas (sanitário,
energético e de comunicações), de sua localização no espaço urbano (aéreos, de superfície do
terreno e subterrâneos) e de seus princípios de funcionamento (segundo dependam ou não da
força de gravidade para operarem). Estes três itens determinam o tipo de sistema; seus custos são
estabelecidos por unidade de área, através da quantidade de metros quadrados da superfície de
cada sistema e do preço unitário do mesmo, a saber:

- custos do sistema sanitário:


ƒ tipo de sistema de abastecimento de água;
ƒ tipo de sistema de esgotamento sanitário;
ƒ tipo de sistema de esgotamento de águas pluviais.

- custos do sistema energético:


ƒ tipo de sistema de eletricidade;
ƒ tipo de sistema de gás canalizado;
ƒ tipos de outros sistemas energéticos.

- custos do sistema de comunicações:


ƒ tipo de sistema de telefonia;
ƒ tipo de sistema de televisão a cabo;
ƒ tipo de sistema de computação;
ƒ tipos de outros sistemas de comunicações.

a 2) custos provenientes de características morfológicas dos lugares: estabelece despesas


com infra-estrutura a partir de atributos da forma dos lugares que incidem nos custos de
implantação e utilização (manutenção e substituição) das redes dos sistemas anteriormente
citados. Analisam-se principalmente as seguintes características espaciais:

- densidade demográfica: diferenças quantitativas de pessoas por unidade de área (metro


quadrado, quilômetro quadrado ou hectare) implicam variações nos custos de infra-estrutura
urbana, mas estes também dependem do tipo de concentração ou dispersão populacional. A
densidade demográfica deve ser observada como:
ƒ concentração demográfica em certos pontos ou corredores;
ƒ concentração demográfica em núcleos interligados com áreas desocupadas intermediárias;
ƒ influência das áreas livres públicas nos custos de infraestrutura.

- densidade construtiva: significa a proporção entre área livre pública e área privatizada,
acrescida da intensidade de utilização do solo privado. Trazem variações nos custos de redes:
ƒ predomínio de áreas privadas ou públicas;
ƒ taxas de ocupação dos lotes;
ƒ índices de aproveitamento dos lotes;
ƒ altura dos edifícios;
ƒ quantidade de unidades imobiliárias por edifício.

- configuração do sistema viário: refere-se à quantidade de áreas destinadas à circulação


veicular, pedestre e cicloviária, assim como a estacionamentos. Custos de sistema viário
variam com a densidade demográfica e seus tipos de concentração, mas também dependem
de certas características morfológicas do mesmo:
ƒ tipo de malha, esta entendida como composição de linhas obtida da planta por demarcação
dos eixos dos canais de circulação (independentes da largura das vias). Incidem nos
custos de infra-estrutura o tamanho e a forma dos segmentos, a quantidade de nós e a
quantidade de ângulos por nó;
ƒ perfil longitudinal das vias destinadas à circulação veicular, pedestre e cicloviária,
entendido como relação com o relevo do solo. A posição das vias nas características
topográficas da área considerada traz variações de custos de infra-estrutura principalmente
nos sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem de águas
pluviais, mas também em sistemas energéticos que funcionam sob força de gravidade;
ƒ tipos de pavimentação, em termos de flexíveis, semi-flexíveis e rígidos. Estes tipos têm
conseqüências significativas principalmente nos custos de manutenção de redes
subterrâneas de infraestrutura.

- configuração das microparcelas: trata da forma dos lotes, terrenos ou projeções em que se
divide o solo urbanizado. Trazem variações aos custos de infraestrutura:
ƒ tamanhos dos lotes pois, quanto menores, maior aproveitamento dos coletores tronco;
ƒ proporções das microparcelas que, se foram alongadas, possibilitam maior aproveitamento
dos coletores tronco, desde que se cumpra o próximo item;
ƒ tamanhos das faces dos lotes voltadas à área onde se localizam coletores tronco. Estes
terão maior aproveitamento sempre que abasteçam lotes por sua menor face;

- configuração de elementos externos dos sistemas de infra-estrutura: observa elementos


localizados na superfície do solo e necessários ao funcionamento das redes sanitária,
energética e de comunicações, quanto a sua participação direta e indireta nos custos de infra-
estrutura:
ƒ estações;
ƒ caixas de inspeção;
ƒ postes;
ƒ luminárias;
ƒ outros.

B) CUSTOS DE SUPER ESTRUTURA

Refere-se ao atendimento da relação entre custo e benefício da produção e do consumo dos


espaços por meio de elementos que organizam diretamente a configuração dos lugares. Na
dimensão econômico-financeira, a superestrutura urbana pode ser observada por meio de três
grupos que possuem desempenhos específicos, mas cujos custos são articulados: os edifícios, o
sistema viário e as demais áreas livres públicas. O desempenho morfológico de lugares para
custos de superestrutura aborda determinados atributos da forma desses três elementos
relevantes às despesas com os mesmos, tanto em sua produção, quanto provenientes de sua
utilização. Entretanto, importa discernir preliminarmente a proporção de custos provenientes de
espaços privados (geralmente microparcelas e edifícios particulares) e de espaços públicos
(formado quase sempre e majoritariamente pelo conjunto de sistema viário e demais áreas livres
abertas), pois sua incidência em gastos públicos é distinta, assim como prováveis repercussões
tributárias e nos valores fundiários.

Categorias Analíticas Morfológicas

Observa-se o desempenho econômico-financeiro dos lugares, para produção e consumo dos


elementos de superestrutura, por meio das seguintes categorias:

b 1) relação entre quantidade de área livre pública e de área privada: analisa custos gerais de
urbanização através do predomínio de solo público (sob encargo direto do governo) ou privado (de
responsabilidade particular).

b 2) custos do edifício: aborda determinados custos dos edifícios e dos lotes onde se localizam,
na medida em que impliquem desempenho morfológico da área considerada para a dimensão
econômico-financeira:
ƒ taxas de ocupação dos lotes;
ƒ índices de aproveitamento dos lotes;
ƒ altura dos edifícios;
ƒ quantidade de unidades imobiliárias por edifício.

b 3) custos do sistema viário: examina custos dos espaços na área considerada destinados à
circulação veicular, pedestre e cicloviária, assim como a estacionamentos, a partir de certas
características morfológicas:
ƒ proporção entre superfície destinada ao sistema circulatório da área considerada e as
áreas privadas;
ƒ tipo de malha, observando-se a composição de linhas formada pelos eixos dos canais de
circulação (independentes da largura das vias). O custo da rede viária varia conforme
tamanho e a forma dos segmentos, a quantidade de nós e a quantidade de ângulos por nó
na malha;
ƒ perfil longitudinal das vias destinadas à circulação veicular, pedestre e cicloviária. Significa
a relação do sistema circulatório com a declividade natural do terreno; incidem em custos
da rede circulatória os movimentos de terra para receber a malha e para sua manutenção,
devendo-se observar os graus de declividade envolvidos ;
ƒ largura das vias destinadas à circulação veicular, pedestre e cicloviária;
ƒ quantidade de área destinada a estacionamentos na superfície do solo;
ƒ tipos de pavimentação das áreas veiculares, pedestres e cicloviárias, em termos de seus
tipos (flexíveis, semi-flexíveis e rígidos), espessura e capacidade do solo.

b 4) custos das demais áreas livres públicas: observa custos de praças, parques, largos, áreas
verdes e espaços residuais da área considerada, através de:
ƒ proporção entre áreas privadas e superfície destinada a praças, parques, largos, áreas
verdes etc. na área considerada;
ƒ configuração das áreas livres públicas (tamanho, tipos de relevo do solo, pavimentação,
vegetação, águas de superfície, mobiliário urbano etc;);
ƒ modelo de disposição das áreas livres públicas (unitário ou nucleado, concentrado ou
disperso, localização no tecido urbanizado em relação a densidades populacionais e
construtivas etc.).

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