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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Resumo da Aula do Prof. Hailton Pinheiro


Tema:

Fontes do Direito

Por “fonte do direito” designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras
jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto
de uma estrutura normativa.
Em outras palavras, as fontes do direito representam as diversas formas a partir das
quais a norma jurídica se manifesta e adquire validade (formal e material) no interior de um
sistema jurídico.
São fontes do direito: o processo legislativo (lei), o processo jurisdicional
(jurisprudência), os costumes jurídicos, o ato negocial, os princípios gerais de direito, a
analogia e a doutrina.

Espécies de Fontes do Direito:

a) Processo Legislativo (lei): a partir de uma concepção provisória, a ser complexificada em


discussões posteriores, a lei corresponde a uma diretriz de comportamento e/ou modelo de
organização legalmente produzida pelo Poder Legislativo. É nesse sentido que podemos
compreender a lei como fonte do direito, e não a partir da mera noção de “norma escrita” pois,
como vimos no exemplo da Lei das XII Tábuas, costumes jurídicos também podem ser escritos,
sem com isso deixarem de ser costumes, enquanto fontes do direito. O que caracteriza a lei
como fonte do direito não é, portanto, o caráter escrito, mas o fato de ser produto do processo
legislativo, em que os parlamentos “criam” o direito abstratamente e impõem sua vigência.

b) Processo Jurisdicional (jurisprudência): forma de revelação do direito que se processa


através do exercício da jurisdição, ou seja, de uma sucessão de decisões dos tribunais. Nos
estados de tradição anglo-americana, é a principal fonte do direito, consolidando-se nos
chamados precedentes judiciais. Na Inglaterra, por exemplo, quando é necessário saber o que é
lícito em matéria civil ou comercial, não se consulta um Código Civil ou Comercial, mas
buscam-se os precedentes judiciais – ou seja, séries de decisões anteriores sobre casos similares,
baseadas nos usos e costumes vigentes.

c) Costumes jurídicos: práticas jurídicas consagradas pelo uso, distinguem-se da lei por uma
série de características, como por a) não possuirem origem certa ou determinada, nem órgão
específico para dar-lhes vigência; b) não serem elaborados obedecendo a trâmites prefixados, ao
contrário da lei que é estabelecida de acordo com o processo legislativo; c) serem, em regra,
particulares, destinados a casos bem específicos, ao contrário da lei, que é genérica e universal
(em geral); d) em geral, não serem escritos (mas também podem sê-lo); e) tornarem-se eficazes
(aplicáveis aos casos concretos), para depois tornarem-se vigentes (quando sua validade formal
é conferida por um juiz, por exemplo), ao contrário da lei, que primeiro é posta em vigor, para
depois tornar-se (ou não) adequada e eficaz à vida social. Os costumes jurídicos aparecem como
fonte supletiva de acordo com o art. 4º. da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC).

d) Ato negocial ou fonte negocial: corresponde às normas que resultam da celebração dos
negócios jurídicos, que obrigam às partes envolvidas; as cláusulas contratuais são exemplos de
fonte negocial, em que o direito se estabelece a partir dos interesses das partes contratantes,
desde que estes manifestem a autonomia de suas vontades em torno de um objeto lícito e sem
contrariarem a forma prevista na lei.

e) Princípios Gerais de Direito: são enunciações normativas de valor genérico, ou premissas


maiores organizativas do sistema jurídico, que condicionam e orientam a compreensão do
ordenamento jurídico. O princípio da intangibilidade da pessoa humana, ou da boa fé como
pressuposto da conduta jurídica, são exemplos de princípios gerais de direito. A maioria destes
princípios não consta de textos legais, mas alguns deles, por seu especial valor para a
manutenção da ordem jurídica, são positivados em diplomas legais como a própria Constituição
Federal. Como os costumes, os princípios gerais são considerados fontes supletivas do direito,
na ausência de norma legal, conforme o art. 4º. da LICC.

f) Analogia: a analogia corresponde a um raciocínio jurídico pelo qual se estende a um fato


jurídico, não previsto pela norma, uma norma que, apesar de definida para outro fato jurídico
semelhante, seja adequada ao julgamento deste fato não previsto. Por muitos autores não é vista
como uma fonte, mas como técnica de integração das leis (um modo de interpretação para
suprimento de lacunas) mas, a despeito disso, é prevista como fonte suplementar pelo art. 4º. da
LICC.

g) Doutrina: por fim, assinalamos a doutrina como uma das fontes de direito, na medida em que
consiste na produção de modelos jurídicos teóricos que orientam e estruturam a produção da
norma jurídica e sua respectiva interpretação. Tal percepção não é pacífica no interior do saber
jurídico, já que diversos autores (como o próprio Miguel Reale) não a consideram como fonte
do direito.

Modelos de Ordenação das Fontes:


Esclarecido o conceito de fonte do direito, cumpre observar que qualquer hierarquia
assumida por estas fontes em determinado sistema jurídico não diz respeito a uma
“superioridade lógica” de determinada fonte em relação à outra, pois a prevalência desta ou
daquela fonte em diferentes épocas ou países decorre, exclusivamente, de circunstâncias sociais
e históricas.
Neste sentido, dentre os diversos países, podemos distinguir dois grandes tipos de
ordenamento jurídico, ou modelos de organização e hierarquização das fontes do direito: o de
tradição romanística e o de tradição anglo-americana.

a) Tradição romanística (nações latinas e germânicas): também identificado pela expressão civil
law, corresponde ao modelo característico do ordenamento jurídico brasileiro e das demais
nações latinas ou germânicas, onde há uma prevalência do processo legislativo – das leis,
grosso modo – como fonte do direito. Neste modelo, o processo de produção do direito tem
como locus principal o Poder Legislativo, decorrendo da atividade legislativa a maior parte das
normas jurídicas.

b) Tradição anglo-americana (nações anglo-saxônicas): tradição característica de países como


Inglaterra ou Estados Unidos, também identificada pela expressão common law, corresponde ao
modelo em que o direito se revela mais através do chamado processo jurisdicional – ou seja, da
jurisprudência – e menos através do processo legislativo. Como salienta Miguel Reale, nos
países desta tradição o direito não é formulado “genericamente” pelo legislativo, mas
principalmente pelo próprio Poder Judiciário, através dos chamados precedentes judiciais,
decisões judiciais proferidas em casos concretos, que passam a ser invocadas para demonstrar os
usos e costumes vigentes em relação aos casos de mesma natureza.

Não é possível advogar que um dos sistemas seja mais “perfeito” em relação ao outro.
A relevância possuída pela “lei” no ordenamento jurídico brasileiro não significa que esta seja,
em geral, uma fonte “mais importante” ou “superior” a outras fontes como a “jurisprudência”,
mas apenas conseqüência de circunstâncias sociais e históricas que caracterizam nosso
ordenamento, como veremos a seguir.

As Fontes do Direito através da História


Como já vimos em nossas aulas anteriores, o Direito é antes de tudo um “fato social”,
fenômeno que manifesta-se na sociedade desde o próprio surgimento desta – como assevera o
brocardo latino “ubi societas, ibi jus”. Nem sempre a norma jurídica se impôs, contudo, a partir
de fontes específicas como, por exemplo, a lei ou a jurisprudência; nas sociedades primitivas, o
Direito confundia-se com outras manifestações de autoridade, poder ou determinações de
conduta, como a religião.
As “sociedades primitivas” eram fortemente caracterizadas por costumes, não apenas
jurídicos, mas morais, higiênicos, religiosos etc. As “normas de conduta” eram em geral,
“aprendidas” pelo indivíduo no próprio processo de “socialização” e por ele reproduzidas;
eventualmente, tais normas poderiam ser “asseguradas” por uma autoridade – um chefe tribal,
um líder mágico ou religioso –, incumbida, ao mesmo tempo, de aplicar as leis morais,
religiosas, jurídicas etc.
Portanto, por longo período da história o Direito foi vivido “anonimamente” pelo
homem, até que progressivamente veio a estabelecer-se como fato ou fenômeno social
específico, passando a emanar de fontes igualmente específicas.
Um dos marcos que sinalizam o surgimento do Direito Romano, como o conhecemos –
a chamada Lei das XII Tábuas – caracterizava-se, justamente, como uma consolidação de usos e
costumes jurídicos do povo romano, sem emanar de qualquer forma de Poder Legislativo,
apesar do nome “lei”. Nesse momento, o direito ainda não brotava da própria “lei”, cabendo a
esta tão somente registrar os costumes – estes sim, “fontes” das normas de conduta – e com isso
levar estes costumes ao conhecimento de todos.
É também neste momento histórico que verificamos o surgimento da jurisdição, ou seja,
de um órgão especificamente incumbido de “dizer o direito” em relação aos casos concretos –
processo que, mais tarde, irá caracterizar o ordenamento jurídico das nações anglo-americanas.
O chamado “Direito Romano Clássico” era profundamente caracterizado pela atuação dos juízes
e pretores, julgadores especificamente responsáveis por definir as regras de direito a serem
aplicadas aos mais diversos fenômenos jurídicos.
Jamais, em Roma, a lei – como pura abstração racional formulada especificamente para
reger condutas – representou papel decisivo no sistema geral do Direito (exceção: Corpus Juris
Civilis que, de qualquer forma, surge apenas no último período do história romana,
principalmente como trabalho de consolidação). Eram os costumes e a doutrina, formulada a
partir das reflexões dos jurisconsultos, que fornecia aos pretores as diretivas teórico-práticas
essenciais à decisão dos litígios.
Com a invasão dos “bárbaros”, desintegrou-se a civilização romana, dando início a um
amálgama de costumes germânicos e romanos que, sob a influência do Cristianismo,
culminaram na formação do Direito Medieval. O Sistema Jurídico Medieval também era um
direito fortemente caracterizado pelos costumes locais, exceção feita ao Direito Canônico
(Sagrado); como vimos, contudo, o advento da época moderna assinala uma ruptura com este
sistema e, pelos processos de racionalização e positivação, que acompanham a formação dos
chamados estados nacionais, impõe-se aos reis absolutistas a necessidade de coordenação das
“leis” dispersas e regras costumeiras vigentes. Surgem assim as primeiras consolidações de leis
e normas consuetudinárias, que tomam o nome de Ordenações.
O período do Iluminismo marca o surgimento das grandes teorias que sustentam a
possibilidade de atingir o direito através de um trabalho abstrato de elaboração de normas como
expressão racional da “vontade coletiva”, concepção que marca profundamente a obra de
Rousseau e, posteriormente, animará o surgimento do marco fundamental da codificação,
que daria supremacia à lei sobre todas as demais fontes nos estados de tradição romanística: o
Código Napoleônico, Código Civil Francês de 1804.
É a partir de então que a lei, em acepção estrita, adquire o papel hoje desempenhado nos
estados de tradição romanística, como o Brasil.

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