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A ideia de lei em Roma, é diferente da ideia de lei que temos atualmente.

Hoje em dia, as leis


apresentam um caráter abstrato de modo a que possam dar resposta a todos os casos futuros,
enquanto que em Roma, as leis republicanas costumavam ter uma motivação específica e eram
maioritariamente utilizadas para a resolução de um caso concreto.

Comecemos por dar uma definição de lei. Sabemos que lex é toda a declaração solene com
valor normativo, baseada num acordo entre quem a emite e o destinatário. É, portanto, o que o
povo romano estabelecia através de uma proposta de um magistrado.

Considera-se que a primeira lei que existiu foi a Lei das XII Tábuas. Esta, surge no âmbito da
luta entre patrícios e plebeus resultante da aplicação e interpretação dos mores maiorum, os
quais privilegiavam notoriamente os patrícios em relação à classe plebeia. No entanto, será no
Principado quando a lex começa a ter um papel preponderante, com a Lex Rogata (leis pedidas),
a qual era proposta por um magistrado e aprovada pela Assembleia Popular.

Como supramencionado, após o estudo da racionalização da jurisprudência pudemos constatar


que a lei das XII Tábuas foi o início das fontes de produção legislativa. Até então, tudo existia
num plano meramente religioso e de tradição imposta. O ius certum resultante da auctoritas
dos jurisprudentes criadores de normas para os casos concretos gerava uma certa tensão entre
ius e leges, ius controversum e ius receptum e não garantia a certeza do direito. Foi a busca por
esta certeza que gerou a supremacia da lex sobre o ius e originou a hierarquização política das
opiniões dos jurisprudentes por meio de uma lei que a fixava e impunha aos juízes. Neste
sentido, a Lei das Citações foi de grande importância, uma vez que fixou os critérios pelos
quais se hierarquizavam os juristas citados nas alegações das partes em litígio. O juiz julgava
iuxta alligata et probata, tendo de conhecer as constituições imperiais. O iudex ficava,
portanto, subordinado à lei e à opinião jurisprudencial mais alta na hierarquia fixada por lei.
Não se permitia, no entanto, que o juiz julgasse com base na sua própria opinião. O mesmo
tinha somente a faculdade de escolher e, posteriormente, indicar que prudente iria seguir.

O ius controversum não garantia a certeza do Direito, uma vez que apenas seguia um método
no qual os juízes encontravam as regras para solucionar casos nos quais a opinião dos
jurisprudentes fosse contraditória. A consideração da lei foi-se alterando no decorrer do
processo histórico de consolidação jurídica da norma legal como certissima regula até à
completa estagnação do ius civile e ao supremo prestígio do legislador e da sua lex. Ao longo
deste processo mencionado, a relação entre lex e ius (sendo ambas formas distintas de produção
jurídica) denota a vontade de modificar e revogar o ius civile pela lex. De acordo com Cícero,
não é a “lex-fonte” mas sim a “lex- ordenamento” que, facultando actio como concretização
do "ius", proporciona a certeza como valor do Direito. A lex, em sentido estrito, está mais
relacionada com a ideia de securitas que com a ideia de certeza. A propagação das leis em
Roma passou a valorizar mais a segurança do “Estado” do que propriamente a certeza do
Direito.

Ao falar de lex é necessário fazer uma distinção entre lex publica e lex privata, bem como leis
propriamente ditas e plebiscitos. A lex privata é a que surge primeiro e deriva de uma
declaração solene com valor normativo que tem por base um negócio privado. Contrariamente,
a lex publica consiste consiste numa declaração com valor normativo, feita pelo povo, através
da aprovação de uma proposta do magistrado. É também fundamental referir que o plebiscitum
é uma deliberação da plebe que reunida em assembleia própria aprova ou não a proposta do
Tribuno da Plebe. Neste âmbito, a lex Valeria Horatia de plebiscitis vem atribuir força
vinculativa geral a algumas deliberações votadas nos concilia plebis. No entanto, e apesar de
haver alguma divergência nesta matéria, esta lei não impôs eficácia vinculativa geral e plena
abrangendo também os patrícios. Só mais tarde, com a Lex Hortentia de plebiscitis é que os
plebiscitos passaram a ser equiparados às leis comiciais, tendo como destinatários também os
patrícios. E, como resultado, alguns plebiscitos passam a ser designados como leges.

A lex é um conjunto de comandos solenes com valor normativo que deriva da reunião do
Populus nos comitia, através da aprovação de uma proposta que o magistrado detentor do ius
agendi cum populo lhe apresentava e, posteriormente confirmada pelo Senado por meio da sua
auctoritas patrum. O procedimento legislativo (inframencionado com maior detalhe) tem início
com a proposta do magistrado às assembleias populares, as quais aprovavam ou rejeitavam o
projeto de lei. Se a proposta fosse aceite, dava-se o nome de lex rogata. Em alternativa, a lex
data era emanada diretamente do magistrado, por delegação de competência legislativa, para
vigorar entre os povos. A lex que verdadeiramente nos importa e sobre a qual nos debruçaremos
é a lex rogata uma vez que a lex data é a base do regime municipal de Roma e a nós nos
interessa a lei pública que vincula os cidadãos romanos.

Vejamos, então, como era o procedimento legislativo das leges rogatae. Este era um processo
fechado, o que significa que a partir do momento em que o projeto de lei fosse apresentado
pelo magistrado na promulgatio, o mesmo não podia ser alterado. Se por algum motivo fosse
necessário efetuar qualquer alteração, o procedimento teria de ser reiniciado. O processo
legislativo estava composto por 6 etapas: a “promulgatio”, as “conciones”, a “rogatio”, a
votação, a aprovação e a afixação. A “promulgatio” compreendia o ato de afixação do projeto
em público. Desta forma, era afixado o texto do projeto a apresentar à Assembleia pelo
Magistrado, o qual detinha o poder para convocar os comícios, num local público, por 3 dias
prévios à votação para que, deste modo, todos conhecessem o projeto. Tal como
supramencionado, o texto do projeto não permitia nenhuma alteração após a sua fixação. Para
que esta regra fosse cumprida, surge a “lex Licinia Iunia”, a qual obriga a entregar uma cópia
do projeto no “aerarium”, sob pena de ser submetido a iudicium publicum. As “conciones”
consistem numa reunião informal, também realizada num local público e decorriam entre a fase
da “promulgatio” e a convocação dos comícios para dar espaço a uma discussão sobre o projeto
apresentado. Desta discussão pública surgiam as “suasiones” e as “dissuasiones”. As
primeiras tratavam-se dos discursos favoráveis nos quais se sublinhavam as vantagens do
projeto, enquanto as segundas eram o oposto, tratando-se dos discursos discordantes abordando
as desvantagens da proposta. A “rogatio” abrangia o pedido de aprovação (feito pelo
magistrado) do projeto ao Comício. Nesta fase, o magistrado lia o seu projeto e defendia os
motivos pelos quais estava a pedir a sua aprovação. Este pedido era o que se entendia por
“rogatio”. O passo seguinte era a votação. Inicialmente, era feita oralmente e de braço no ar.
Contudo, a partir de 131 a.C., com a “lex Papiria Tabellaria” passou a ser feito por escrito,
garantindo o voto secreto. Posteriormente era feita a aprovação por parte do Senado, através
do referendo da deliberação dos “comitia”. Os senadores concediam a sua aprovação por meio
da “auctoritas patrum”. Finalmente, procedia-se à afixação da “lex”. A proposta do
magistrado era deliberada pelos “comitia”, referendada pelo Senado, convertida em “lex” e
afixada no “Forum” como forma de publicidade. Esta afixação da lei marcava o início da sua
vigência. A “lex” pode ser “rogata” (quando proposta pelo magistrado aos comícios) ou “data”
(quando dada pelo magistrado no exercício da delegação recebida do comício).A lex rogata
estava constituída por 3 partes: “praescriptio”, “rogatio” e “sanctio”. A “praescriptio” era a
apresentação da lei, na qual se apresentavam os elementos identificadores da lei (como por
exemplo o nome do magistrado proponente e a data de votação). A “rogatio” era o texto
propriamente dito, a sua parte normativa/dispositiva. No entanto, a “rogatio” não eram somente
comandos legislativos integrados. A “sanctio” era a etapa final da “lex”. É nesta fase que o
legislador deixa claro que a nova “lex” não revoga o “ius” anterior e dá a conhecer os castigos
(sanções) decorrentes do incumprimento das normas. Nesta etapa, o magistrado integrava as
normas da lei nova com as preexistentes, suprimindo as contradições e impondo concordância.
A “sanctio” era parte fundamental da lei de modo que esta tivesse perfeição formal (validade)
e funcionalidade (eficácia). Na “sanctio” encontravam-se regras sobre a aplicação da lei no
tempo, estabelecendo que o cidadão não podia ser sancionado quando violava uma lei anterior
com o objetivo de obedecer à nova lei. Como referi anteriormente, uma lei que não tivesse
“sanctio” era uma lei imperfeita, ou seja, uma lei que não penaliza os atos resultantes do
desrespeito pelas normas nem os declara nulos. Deixamos de encontrar uma diferenciação entre
“lex perfecta” e “lex imperfecta” quando os pretores começam a utilizar as “leges imperfectae”
na sua intervenção. Os efeitos de ambas as leis, bem como o seu alcance protetivo passam a
ser exatamente os mesmos. E, por fim, em 438 Teodósio II estabeleceu a nulidade de atos que
contrariem a lei.

Numa primeira fase, os “senatus consultum” eram uma consulta feita ao Senado, passando,
mais tarde, a ser uma decisão do Senado. Durante a República, os magistrados eram obrigados
a consultar este órgão para determinadas questões, não tendo, no entanto, que seguir a sua
decisão obrigatoriamente. Nesta época, o Senado era meramente um órgão consultivo, pelo que
as suas deliberações eram feitas como forma de pareceres limitados à pessoa ou entidade que
as solicitava. Os senadores concediam ou não a “auctoritas patrum” às “leges rogatae” que
eram votadas nos comícios e aconselhavam os magistrados com “ius agendi cum populo”
relativamente aos seus projetos normativos apresentados aos comícios. Com a “lex Aebutia de
formulis” (130 a.C.), quando o pretor passa a ter o poder de criar ações próprias, passando a
criar direito, o Senado passa a ser fonte mediata de Direito, passando a sugerir e indicar as
matérias para os editos dos pretores. As deliberações do Senado passam a ter valor de lei pelo
que só após os magistrados receberem a aprovação do “senatus consultum”, a proposta dos
mesmos era apresentada e aprovada pelos comícios. Com a “lex Ovinia” (312 a.C.) o Senado
passou a ser constituído pelos melhores homens de qualquer das classes sociais (isto é, patrícios
ou plebeus), aumentando assim o número de senadores plebeus.

Os “senatus consultum” estavam compostos por: um “Praefatio” onde figurava o nome do


magistrado que convocou o senado bem como os senadores que intervieram na redação do
texto, a data e o local; e uma “Relatio” na qual eram revelados os motivos da deliberação, o
texto proposto pelo magistrado e a resolução votada. A partir do momento em que era registado
no “aerarium”, o "senatus consultum" adquiria força de lei. Relativamente às formas como se
designavam os senatus consultos, estas podiam ser: pelo seu conteúdo; pelo nome adjetivado
do magistrado que o propunha; pelo “princeps” que governava; pela pessoa que havia motivado
a deliberação do Senado.

Com o início do Principado, o poder legislativo deixa de estar na posse dos comitia e é
transferido para o Senado. Todavia, o Senado tem a sua intervenção muito limitada pela
vontade do princeps, tendo de acolher as suas propostas escritas e orais. À medida que o poder
do Imperador se vai afirmando, o senatusconsulto passa a ser a mera expressão da vontade do
princeps, passando a denominar-se oratio principis. É neste âmbito que surgem as
Constituições Imperiais, como a lex onde se manifesta a vontade do Imperador. As mesmas
passaram por um longo processo evolutivo até que finalmente se tornaram fonte única do
Direito. Como supracitado, numa primeira fase (até Adriano) o poder legislativo do Senado
vai-se transformando numa mera formalidade, ao mesmo tempo que se vão extinguindo outras
fontes de Direito. Após Adriano, o princeps começa a ter uma maior intervenção até que, no
Dominado, o Imperador passa a ser o único legislador e intérprete.
Existem 4 tipos de Constituições Imperiais: o edictum, o decretum, o rescriptum e o
“mandatum”. O “edictum” é um ato normativo que produz normas de caráter geral e que
representa a transferência do ius edicendi do magistrado para o imperador. Estes eram os atos
legislativos mais frequentes do Princeps, procedentes do seu imperium proconsulare maius.
Geralmente não continham inovações legislativas, sistematizando apenas as práticas já
observadas anteriormente e as regras vigentes. No entanto, quando adicionava novas regras
fazia-o como recomendação (ou seja, sem força de lei). Inicialmente os edicta eram vigentes
somente durante a vida do imperador que os colocava em vigor. O decretum, em sentido estrito,
correspondia às sentenças do princeps nos processos extra ordinem julgados em primeira
instância e apelação. A sentença era válida para situações iguais e posteriores. Após o século
II as instâncias permanentes foram sendo substituídas pelo novo sistema processual baseado
na intervenção do imperador e da sua administração. Foi desta forma que a intervenção do
princeps na aplicação do direito aos conflitos levados a juízo passou a ser direta, ocupando ele
o lugar de magistrado e juiz. Era ele quem organizava o processo, quem apreciava as provas e
ditava sentença. As principais características da cognitio extra ordinem (processo perante o
imperador) tinham o princeps no centro. Eram estes: a Avocação pelo princeps do poder do
tribunal por sua iniciativa ou a pedido das partes; o Recurso da sentença para revogação das
decisões judiciais para o princeps, como forma deste ver a actividade dos seus delegados e
funcionários; e a Delegação de funções e competências de jurisdição nos funcionários e
delegados. O rescriptum dizia respeito às respostas dadas pelo imperador, por escrito, às
questões jurídicas a si dirigidas. Estes podiam ser: epistulae, que correspondiam a perguntas
feitas ao imperador por uma entidade oficial, normalmente juiz. As suas respostas eram apenas
relativas ao direito; e as subscriptiones que eram as perguntas feitas pelas partes do processo.
Estas baseiam-se, também, em matéria de direito e eram apreciadas por colaboradores do
imperador, os quais davam o seu parecer e posteriormente o princeps concordava ou não. O
mandatum contém as instruções do imperador em matéria administrativa, principalmente
dirigidas aos governantes das províncias. O princeps baseava-se no imperium proconsulare
para emitir estas instruções, as quais eram de caráter fundamental para o governo uniforme do
império e para a igualdade de procedimentos de todos os administrativos. Inicialmente, os
mandata tinham vigência apenas durante a vida do imperador, passando, posteriormente, a ser
translatícios. Estes continham inovações normativas uma vez que respondiam a questões
concretas da atividade administrativa. Mais tarde, os mandata acabaram por ser substituídos
por leges generales.

As Constituições Imperiais eram, ainda, constituídas por três partes: a inscriptio (parte inicial
que contém o nome do imperador, os autores da Constituição e a quem a mesma é dirigida), o
corpus (era a parte dispositiva, onde era apresentado o conteúdo material do comando
normativo) e a subscriptio (a parte final, onde constava a data e local em que foi escrita).

Tendo por base tudo o supramencionado e, recordando a distinção entre lei pública e lei
privada, resta afirmar que a frase que deu início a esta exposição é veraz. A lex publica, a lei
que marca todo este comentário, é uma declaração solene com valor normativo (sponsio), feita
pelo povo (populi), por meio do aprovamento comum (communis) da proposta do magistrado
(rogatio). Resume-se a um acordo entre o magistrado, quem propõe a norma, e o povo, quem
a aprova, responsabilizando-se num “sponsio communis”.

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