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Os caminhos da Física: O Eletromagnetismo de Cardano a

Maxwell.1
*Adriano José Ortiz¹ e Irinéa de Lourdes Batista².
¹Departamento de Física, Universidade Estadual de Londrina, Londrina –PR,
e-mail: adrianorcc@bol.com.br
²Departamento de Física, Universidade Estadual de Londrina, Londrina –PR,
e-mail: irinea@uel.br

Resumo:
A História e a Filosofia da Ciência tem se mostrado cada dia mais como um importante
instrumento no ensino de Física. Não é raro encontrarmos dificuldades em apresentar
conceitos físicos em sala de aula, seja em função de um alto grau de abstração do assunto
ou à opção do professor em utilizar um método simplesmente matemático na explicação de
um determinado conteúdo .
Entretanto, conforme temos visto nos resultados de pesquisa na área, essa abordagem
pode tornar-se prejudicial ao aluno que não tem um contato mais profundo com a
matemática, além de gerar uma visão distorcida da ciência, ou seja, como algo bem definido
e sem evolução, que deve apenas ser assimilado sem maiores questionamentos.
Em nossa pesquisa, partimos de estudos na História da Ciência por meio dos quais
percebemos que essa visão se mostra equivocada. Temos na história do Eletromagnetismo
um claro exemplo disso: o que começou com a investigação da capacidade do âmbar de
atrair pequenos objetos quando atritado, do esclarecimento da diferenciação entre
eletricidade e magnetismo, atingindo a unificação do eletromagnetismo, demonstra a riqueza
e profusão de discussões de idéias no desenvolvimento teórico-conceitual da Física através
dos tempos.
Apresentamos um breve relato histórico no qual pode-se notar que o Eletromagnetismo
como é conhecido hoje foi fruto de uma diversidade de discussões. Esse resultado é a
primeira etapa de uma pesquisa em andamento a respeito da construção de conjunturas
didático-epistemológicas elaboradas a partir de uma fundamentação histórica, com a função
futura de ser aproveitada na formação inicial de professores de Física.

Palavras chave: Ensino de Física; História da Ciência; História do Eletromagnetismo;


formação de professores.

Introdução

A Física é uma das ciências que estudam a natureza. Com teorias,


equacionamentos e experimentos, ela busca expor e explicar o comportamento dos
fenômenos.
Podemos dizer que o eletromagnetismo é uma das bases mais importantes
para o “funcionamento” do mundo contemporâneo. Toda a tecnologia com a qual
estamos acostumados a viver no dia-a-dia tem as bases de sua explicação no
eletromagnetismo. Entretanto, é normal aos professores encontrarem dificuldades
em expor uma abordagem conceitual para esse assunto. Isso os leva a se apegarem
a uma explicação apenas matemática da situação, o que pode tornar-se um tanto
quanto prejudicial ao aluno que não tem um contato maior com a matemática, além
do fato de afastar o mesmo da realidade científica, passando a idéia de que a
ciência é algo exato e determinado e não fruto de discussões e desafios a serem
enfrentados.
1
Apoio: CNPq
Esta é uma visão equivocada da ciência. Como afirma William Berkson:
“The history of science is like a saga, but instead of many adventures
connected by one hero there are many heroes and one adventure.” (BERKSON, 1974 , p.126) 1

Alguns professores apresentam alguns conceitos históric os sobre o tema,


mas acabam fazendo-o de maneira vaga e dispersa dando a entender que as
descobertas foram surgindo de maneira livre e sem uma ligação direta entre si.
Assim, o intuito central deste trabalho é apresentar elementos
epistemológicos identificados na história da Física que entendemos possuir potencial
explicativo no auxílio da construção de uma compreensão que complemente as
abordagens matematizadoras usadas na teoria do eletromagnetismo. Para a etapa
atual desta pesquisa, apresentamos um estu do teórico a partir da história do
eletromagnetismo de modo que se possa analisar o desenvolvimento das idéias que
originalmente levaram aos atuais conceitos de eletromagnetismo, enfatizando nesse
estudo, os momentos de discussão e analogias conceituais, bem como de dilemas
teóricos encontrados na reconstrução histórica do tema.
A seguir, apresentamos nos dois próximos itens uma síntese histórica
baseada principalmente nos autores José Fernando Moura Rocha (2002) e Armando
Gilbert (1982).

1. Os primeiros e studos sobre Eletricidade

Inicialmente os fenômenos de eletricidade e magnetismo eram tratados de


maneira is olada, por diferentes áreas da Física. Mas sabe-se que foi em 1550 que o
matemático G. Cardano diferenciou claramente os fenômenos elétricos dos
fenômenos magnéticos. Em seus estudos ele estabeleceu a diferença entre as
propriedades do âmbar e do ímã.
Entretanto, já haviam descrições isoladas na época da Grécia, embora o que
se soubesse sobre o assunto era que, ao ser friccionado com um pedaço de lã , o
âmbar podia atrair pequenos corpos. Como âmbar em grego se diz electros, deu-se
a esse fenômeno a denominação eletricidade. Esse termo é normalmente atribuído a
Willian Gilbert, que a partir do final do século XVI contribuiu de forma significativa
para o estudo dos fenômenos elétricos. Ele percebeu que outras substâncias se
comportavam de maneira semelhante ao âmbar. E ainda afirmou que estes corpos
emitiam um effluvium, de natureza material que seria liberado pelo calor produzido
no corpo por fricção. Es te effluvium expandia-se em todas as direções e agia sobre
os corpos vizinhos atraindo-os. Podemos notar nas concepções de Gilbert uma
primitiva semelhança à teoria de campos.
O que Gilbert não notou é que depois de algum tempo que as partículas se
atraíam, elas passavam a se repelir. Este fenômeno foi descrito por Otto von
Guerricke.
Nicolo Cabeo, na mesma época, também se ocupou desse último fenômeno
e chegou à conclusão de que estavam incorretas as hipóteses de Gilbert, sobre a
origem do comportamento dos “elétricos” defina o que são esses elétricos, das quais
se extraia que a presença do ar era essencial para que ocorresse a atração elétrica.
Cabeo deduzia que esta atração também ocorreria no vácuo.

1
A história da ciência é como uma saga, mas em vez de muitas aventuras conectadas a um herói, há muitos
heróis conectados a uma aventura. (trad. dos autores).
Pouco se evoluiu no estudo da eletricidade durante o século XVII após
Gilbert. Somente no início do século XVIII que a eletricidade deixou de ser tratada
como “uma curiosidade de laboratório”, sendo retomada como assunto de pesquisa
a partir dos fenômenos da condução e indução elétrica, estudados por Stephen
Gray. Uma das primeiras experiências de Gray sobre o assunto é tão interessante
que vale a pena ser brevemente explicada, pois ela mostra o contexto em que se
iniciaram os grandes desenvolvimentos da eletricidade neste século:
Gray observava a condução de eletricidade de uma garrafa de vidro atritada
a uma rolha por meio de uma corda. Certa vez, Gray não ligou a rolha ao tubo por
meio de uma corda estendida verticalmente, mas sim, com uma corda estendida
horizontalmente, pendurada ao teto por meio de fitas de seda. Uma das fitas se
partiu e de improviso foi substituída por um fio de cobre. Gray verificou, então, que a
corda já não transmitia eletricidade à rolha e interpretou o fenômeno da seguinte
forma: utilizou uma analogia ao que aconteceria a um tubo levando água se fosse
feito um furo nele. A água deixaria de correr até a outra extremidade do tubo. Dessa
analogia surgiu à idéia de que a eletricidade deveria ser um fluído.

Figura -1 Representação do experimento de Gray


Em 1734, Du Fay estabeleceu a existência de duas eletricidades, a vítrea e
a resinosa (hoje positiva e negativa), o que se refletiu na teoria dos dois fluídos. Na
mesma época Musschenbroek construiu o primeiro condensador de eletricidade,
conhecida como garrafa de Leyden.
Datam também desta época as experiências de Benjamin Franklin e Aepinus
sobre a eletrização por influência. Em contraposição a teoria dos dois fluídos,
Franklin, em 1747, criou a teoria do fluído único. Segundo essa teoria, existia um
fluído elétrico que poderia estar em excesso ou em falta nos corpos eletrizados.
Quando em excesso, o corpo estaria eletrizado positivamente e quando em falta,
negativamente. Já para Euler, com outra interpretação, a matéria elétrica é o Éter,
fluído mais sutil e elástico que o ar.
Entretanto, foi com base na teoria dos dois fluídos que Coulomb publicou
seus estudos. Segundo ele:
1º) Os corpos eletrizados com o mesmo fluído repelem -se e por fluidos
diferentes atraem-se.
2º) Essas atrações ou repulsões produzem-se na razão direta das
densidades ou forças do fluído elétrico e na razão inversa do qu adrado de suas
distâncias.
Deduziu-se a equação
1 Qq
F =
ε d²
em que ε é uma constante designada como permissividade dielétrica.
3º) Num corpo condutor eletrizado o fluído elétrico espalha-se na superfície,
mas não penetra no interior do corpo.
Foi graças aos trabalhos de Coulomb que se chegou a importantes
conceitos matemáticos como o de potencial, devido a Gauss. Dele foi-se abrindo
caminho à noção fundamental de campo elétrico.
Em 1746, Le Moumnier mostrou a existência de uma corrente elétrica
descarregando uma garrafa de Leyden, mas foi Volta o responsável pelo primeiro
gerador de corrente elétrica – a pilha.
A ciência que estudava as correntes elétricas era denominada galvanismo.
Foi nessa área que Ohm realizou os estudos que chegaram as suas conhecidas leis .
Ele também introduziu os conceitos de intensidade elétrica e resistência elétrica.
Neumann, baseando-se na teoria das forças amperianas para indução de correntes,
deduziu uma função matemática, a força eletromotriz (fem), que foi introduzida para
explicar a idéia de tensão, usada por Franklin. Essa função acabou mostrando-se
c omo o elo de ligação entre os estudos de eletrostática e de galvanismo.
Um fato interessante é que a famosa relação matemática V= RI foi escrita
nessa forma pela primeira vez, não por Ohm, mas pelo físico Gustavo R. Kirchhoff.
Joule foi quem demonstrou que o calor dissipado por um fio condutor era
proporcional ao produto de sua resistência pelo quadrado da intensidade da
corrente.

2. O Magnetismo

Da mesma forma primária que o estudo da eletricidade, tem-se também a


investigação do magnetismo, relacionada à magnetita. Até o século XVIII pouco se
sabia sobre o assunto. As primeiras observações relacionadas à capacidade do ímã
de se direcionar sempre de determinada maneira foram realizadas na China.
No ocidente foram os estudos de Petrus Peregrinus (Pierre de Maricourt:
1220 - 1270/90) que descreveram muitas propriedades das agulhas magnéticas,
publicadas em seu tratado “De Magnete”, que evidenciaram fenômenos como dos
monopólos magnéticos. Peregrinus tratou também da inclinação e declinação das
agulhas magnéticas.
Havia na época, igualmente, os estudos de Gilbert, que coordenou todos os
fatos conhecidos até então sobre o magnetismo. Sobre a atração entre o ímã e o
ferro, Gilbert acreditava que as propriedades magnéticas do ímã, embora de
natureza imaterial, sempre ocupavam o espaço em sua volta, ou seja, os ímãs
criavam uma “esfera de influência” em torno deles, o que novamente nos induz a
noção de campo. Gilbert também explicou o significado das observações com
relação à declinação das agulhas magnéticas, adiantando a hipótese de a Terra ser
um ímã. Contudo já existiam observações semelhantes em um dicionário chinês, do
fim do século I da nossa era.
3. A descoberta de Oersted: Os caminhos se cruzam.
Para discutirmos as contribuições de Oersted, iremos nos fundamentar nos
artigos de Martins (1986,1988).
A descoberta de Oersted foi o marco de uma nova era na história da Física.
Graças a sua descoberta, foi possível unificar os conceitos de eletricidade e
magnetismo em um conceito, o de eletromagnetismo. Porém, muitas pessoas
costumam considerar acidental esta descoberta e seu trabalho é minimizado.
Desde o século XVIII já se acreditava em uma relação entre eletricidade e
magnetismo. Documentou-s e no “Philosophical Transactions of the Royal Society of
London” que descargas elétricas oriundas da atmosfera terrestre eram capazes de
imantar ferro, mesmo sem atingir os objetos. (MARTINS, 1986)
Benjamin Franklin começou a desenvolver um estudo entre esta relação e
realizou vários experimentos sobre o assunto. Por fim, ele chegou à conclusão de
que o fenômeno de relação entre eletricidade e magnetismo era puramente
acidental. O que os estudos mostram é que, no início do século XIX, o conceito que
se tinha entre os físicos é que havia uma relação entre eletricidade e magnetismo,
mas não se sabia exatamente qual.
Oersted também tinha motivos filosóficos para acreditar na unidade das
forças naturais. Ele acreditava que o Universo era um todo orgânico, como um ser
vivo, e dotado de uma alma ativa, geradora das forças naturais. Porém, o que
diferenciava Oersted dos outros físicos que também buscavam a unificação era a
visão que ele tinha do fenômeno.
Enquanto a maioria dos físicos empenhados nesta pesquisa concentrava
sua visão na eletrostática, Oersted voltava-se para a corrente elétrica. Além disso,
ele era adepto da teoria dos dois fluídos, já citada anteriormente.
Segundo esta teoria (MARTINS, 1986), a corrente transportaria cargas
opostas em sentidos opostos. Isto geraria um “conflito elétrico”, pois haveria pontos
de atração e repulsão entre estas cargas e, em conseqüência, um movimento
oscilatório.
Dessa forma, esse tipo de “conflito elétrico” que ocorre em um fio fino
poderia produzir luz e calor. Então, porque não admitir que também o magnetismo
estaria relacionado com es te “conflito elétrico”?
Baseado nisso, havia duas hipóteses mais plausíveis sobre o que Oersted
poderia encontrar neste estudo:
1) O fio, percorrido por uma corrente, se tornaria algo semelhante a uma
agulha magnetizada;
2) O fio se comportaria como um pólo magnético.
Com estas opções podemos imaginar quais experiências seriam mais
convenientes para Oersted.
A primeira possibilidade era colocar um fio condutor acima da agulha
magnetizada móvel, perpendicular a ela, em um plano horizontal. Neste caso se a
agulha desviasse para um lado ou para outro, ter-s e-ia evidenciado a primeira
hipótese.
A outra possibilidade era colocar um fio condutor vertical próximo a uma das
extremidades de uma agulha magnética e observar se o pólo magnético é atraído ou
repelido pelo fio. Dessa forma haveria base experimental para comprovar a segunda
hipótese2.
Aqui podemos observar que Oersted buscava uma relação entre as
grandezas elétricas e magnéticas, e sua descoberta não foi fruto do acaso, como se
costuma difundir, baseando-se em uma carta de Hansteen a Faraday, escrita muito
após a experiência crucial.
Há grandes motivos para duvidar das afirmações de Hansteen (MARTINS,
1986). Segundo o próprio Oersted, ele tinha a intenção de realizar o experimento no
qual faria uma corrente elétrica passar através de um fio de platina muito fino,
colocado sobre uma bússola coberta com vidro, mas como acidentalmente não pôde
testá-lo antes da aula, decidiu adiá-lo para outra oportunidade. Porém, a
probabilidade de sucesso pareceu ser maior e Oersted realizou o experimento
perante os observadores.
Neste primeiro experimento teste, a agulha sofreu apenas uma pequena
deflexão. Depois de algum tempo, Oersted realizou experiências continuadas
durante alguns dias, chegando à lei fundamental do eletromagnetismo: O efeito
magnético da corrente elétrica tem um movimento circular em torno dela.
(MARTINS,1986, p.99 )
Essa definição representou grandes problemas na época, devido ao fato de
que isso representaria uma quebra de simetria do sistema. Essa questão só foi
esclarecida com os estudos de Pierre Curie “Sur La Symetrie dans les phenomènes
physiques, symetrie d’un champ electrique e d’un champ magnetique”, em que ele
apresentou novos conceitos sobre formas de simetria.3
Um exemplo da repercussão do trabalho de Oersted é que Ampère tentou
banir da F ísica o conceito de campos magnéticos, buscando reduzir o
eletromagnetismo à eletrodinâmica.
Em 1820, Ampère apresentou um aparelho capaz de medir a corrente
elétrica utilizando o efeito eletromagnético. Depois, ele demonstrou a existência de
uma interação entre correntes elétricas, e sugeriu que o efeito magnético fosse um
efeito secundário e que na superfície dos ímãs existiriam correntes elétricas
fechadas, responsáveis por seus efeitos. Essas correntes foram mais tardes
chamadas “correntes amperianas”. Para Ampère essa abordagem parecia mais
conveniente, pois resolvia o desafio da quebra de simetria.
Em setembro do mesmo ano, Arago constatou que o fio percorrido pela
corrente elétrica atua como ímã, sobre a limalha de ferro e sobre agulhas de ferro
não imantadas.
Outros físicos aceitaram a idéia de Oersted. Isto acabou gerando uma
discussão por certo tempo no meio científico sobre quem estaria correto, Oersted ou
Ampère? Com o tempo, chegou-se à conclusão que as duas abordagens eram
igualmente possíveis e explicavam todos os fenômenos envolvidos .

2
Para maiores informações, ver Martins – 1986
3
Para maiores informações, ver MARTINS, Roberto de Andrade (1988), BATISTA, Irinéa de Lourdes(1999) e
SILVA, Cibelle Celestino(2006).
No mesmo contexto histórico, com os estudos de Biot e Savart, Laplace
chegou à lei que fornece a expressão geral do campo magnético criado pela
passagem de uma corrente elétrica.

4. Faraday e os campos

Este item faz um breve relato sobre os estudos de Faraday baseados em


Dias (2004).
Faraday nasceu em uma família humilde e em 1804, com 13 anos, começou
a trabalhar em uma livraria. Ali teve a oportunidade de assistir a uma série de
conferências do químico Humphry Davy, com quem conseguiu um emprego um ano
depois. Em 1821, começou a publicar trabalhos independentes.
Na década de 1830, Faraday voltou seu olhar para possibilidade de gerar
correntes elétricas por meio da indução magnética. Ele realizou experimentos sobre
o assunto e depois de dedicação e várias tentativas, conseguiu chegar à indução
eletromagnética. Uma conseqüência prática desta descoberta foi a possibilidade de
se construir máquinas elétricas geradoras de corrente.
Faraday percebeu que a palavra para descrever este fenômeno era
variação, e sintetizou seus resultados utilizando o conceito de linhas de força. Mais
tarde ele utilizou o termo campo para se referir à disposição e à intensidade das
linhas de força no espaço.
Para entender o conceito de campo, imagine inicialmente o espaço vazio. Se
colocarmos em um ponto uma carga elétrica, aquela região do espaço irá adquirir
algumas propriedades especiais. A carga irá gerar uma área de influência em torno
de si e qualquer outra partícula que se aproximar desta área sofrerá sua influência.
Matematicamente falando, a força que age entre estas partículas segue a
1 Qq
determinação de Coulomb: F = , em que Q e q são as cargas das partículas e
ε d²
ε é a mesma constante citada anteriormente. Agora vamos analisar esta equação
com base nas afirmações acima. Podemos separar a equação da seguinte forma:
1 Q 
F =  q. A primeira parte da equação representa o campo elétrico E.
ε d² 
Note que ele existe independentemente de haver outra carga ou não por perto,
entretanto só podemos detectá-lo se houver esta outra carga, a carga de prova.
1 Q
Dessa forma, obtemos que E =   . Em alguns casos podemos até
ε d²
atribuir um potencial V a esse campo cujo valor é:
V = Ed.
Podemos aplicar o mesmo raciocino ao campo magnético (H) em um ímã.
Neste caso a equação da atração entre os ímãs ficará:
1 Mm
F= , em que µ0 é uma constante denominada permeabilidade
µ d²
magnética, M e m são as massas magnéticas dos ímãs.
1M
Assim, por analogia, nosso campo H será: H = µ d ² .

Em um campo uniforme, um ímã estará sujeito a um binário, já que um de


seus pólos é atraído e o outro é repelido. Desse modo, se um ímã puder rotacionar
em seu eixo, ele vai orientar-se sob a ação do binário, tomando uma direção
paralela à do campo. A equação que define o binário que se exerce sobre um ímã,
formando um ângulo ? com o campo é simples. Ela é dada por B = MHsen?, em que
M é o momento magnético do ímã e H o campo magnético gerado por este. Note
que isto explica o movimento da agulha da bússola no experimento de Oersted.
Em uma observação importante, devemos notar que Faraday não recebeu
uma formação regular em Ciências ou Matemática. Ele explicou os fenômenos
eletromagnéticos qualitativamente. Coube a Maxwell apresentar uma teoria
matemática clara sobre as idéias de campo.

5. O culminar do eletromagnetismo : Maxwell e suas quatro equações

James Clerk Maxwell mostrou em uma clara e precisa forma matemática o


que Faraday já havia apresentado de maneira qualitativa sobre campos. Porém,
para chegar às suas descobertas , Maxwell trilhou um grande caminho e envolveu-se
em um profundo desafio. Fundamentaremo-nos em Berkson (1974) para a
elaboração histórica da descrição desse caminhar.
Na época dos estudos de Maxwell, a eletricidade já havia se tornado um
problema central na Física. Muitos pontos de vista surgiam sobre o assunto e essa
discussão foi acalorada com os trabalhos de Faraday sobre a teoria de campos
elétricos e magnéticos .
Várias questões ainda não apresentavam respostas plausíveis, como a
explicação das propriedades dos dielétricos, diamagnéticos e paramagnéticos, além
da rotação do plano de polarização da luz por um campo magnético.
Porém, no eletromagnetismo, dois problemas em especial apresentaram a
necessidade da aceitação da teoria de campos. O primeiro era a necessidade de
unificar as teorias de eletricidade estática, correntes constantes e indução
eletromagnética. O segundo era descobrir a relação existente entre o
eletromagnetismo e a luz.
O primeiro dos fatores para Maxwell chegar às suas conclusões foi a busca
por uma teoria do eletromagnetismo baseada em linhas newtonianas. Para se ter
uma idéia, os adeptos da teoria da ação à distância, como Neumann e Weber,
dominavam as teorizações sobre a eletricidade no continente Europeu, até que
Hertz realizou seu importante experimento, com suporte nas teorias de Maxwell.
Isto gerou um conflito de opiniões entre os newtonianos que defendiam a
ação à distância com aqueles que defendiam a teoria de campos. Hoje sabemos que
nenhuma das duas é capaz de prever isoladamente todos os fenômenos
relacionados ao eletromagnetismo.
Defendendo as linhas newtonianas temos, além da já citada teoria da fem, a
teoria das correntes de Fechner, que assume que a corrente elétrica consiste em
partículas de carga positiva e negativa cada uma se movendo em direções opostas
do fio. Com base nisso, Weber afirmou que os efeitos da eletricidade estática,
dinâmica e induzida podiam ser explicados por uma lei matemática que relacionasse
as forças com a velocidade relativa e a aceleração destas partículas carregadas.
Segundo ele, a parte estátic a era expressa pela lei de Coulomb, enquanto a atração
e repulsão entre correntes são explicadas em termos da velocidade relativa das
partículas e os efeitos de indução pela aceleração das mesmas. O problema é que
essa teoria desrespeitava um princípio fundamental da Física, a conservação de
energia. E aí surge o segundo dos fatores que direcionaram Maxwell.
Bem, o problema com relação à conservação de energia é que para uma
força ser considerada conservativa ela deve depender apenas da posição em um
dado percurso. Podemos notar isto como um problema na teoria da ação à distância ,
considerando a afirmação de Weber, segundo a qual as forças dependem da
velocidade e da aceleração das partículas carregadas. A chave para este problema
foi apresentada por Joule com sua já citada relação entre a intensidade da corrente
e o calor dissipado por esta. Outros cientistas trataram do assunto também, tendo
importante contribuição, como Mayer e Grove.
O outro fator da situação problema de Maxwell foi o trabalho de William
Thomson, que tentou explicar as idéias de Faraday. Thomson, entretanto, não
sustentou a visão de materialização da força e em geral as partes mais radicais do
trabalho de Faraday, ao passo que Maxwell sim.
Juntamente com Maxwell, Stokes e outros associados à Cambridge usaram
uma combinação da metafísica cartesiana e a mecânica Newtoniana e chegaram ao
seguinte conceito: o espaço deve ser tomado como uma substância material, o Éter,
e os campos seriam modificações desta substância. Isto obedece às leis
Newtonianas.
Na interpretação de Thomson sobre os campos de Faraday e o éter, é vista
uma analogia mecânica às linhas de força. Ele utilizou uma analogia entre
eletricidade e calor, e outra analogia entre os efeitos elétricos e magnéticos. Todas
estas analogias baseadas nas idéias de Faraday se transformaram em física
matemática nas mãos de Maxwell.
Maxwell baseou sua pesquisa no trabalho de Faraday “Pesquisas
experimentais sobre eletricidade”. Ele não gostava da teoria de Weber,
provavelmente por esta envolver complicados efeitos de ação à distância, porém
gostava da opinião de Thomson. Depois de um dedicado trabalho, chegou as suas
expressões matemáticas, que tiveram grande sucesso, mesmo tendo que enfrentar
problemas com as analogia às leis mecânicas.

6. As conjunturas histórico-epistemológicas no Ensino de Física

Para finalizar este trabalho, gostaría mos de retomar algo já dito


anteriormente, a Ciência se faz por meio de discussões e, por isso, pontos de vista
diferentes são muito importantes para a sua evolução. Analisar a História da Ciência ,
em nosso caso a da Física, propicia condições de facilitação da compreensão das
atuais teorias por apresentar as analogias ou as idéias utilizadas originalmente para
se chegar a essas teorizações .
As pesquisas na área de interface Ensino de Física/História da Física tem
fornecido elementos histórico-pedagógicos demonstrando essa facilitação, dentre
outros resultados, pela conjuntura didático-epistemológica fornecida pelo
conhecimento do processo de resolução de problemas. Aproveitando-se dessas
conjunturas, ricas de analogias, de exemplos do bom entendimento do erro
científico, de processos epistemológicos diversos que alcançam resultados
unificados , podemos adaptá-las (ou transpô-las) para uso em sala de aula. Com
elas , podemos incentivar o estudante de Física a deixar de ser um espectador e
tornar-se um participante ativo no desenvolvimento dessa história, apresentando
opiniões e desenvolvendo idéias, com base na reconstrução das idéias científicas
originais.
O process o histórico do desenvolvimento do eletromagnetismo que
apresentamos, em uma breve síntese, é o que consideramos o primeiro passo
necessário para a obtenção dessas conjunturas que poderão possuir potencial
pedagógico para uso e aplicação para a sala de aula. O tema centrado no
eletromagnetismo é uma demonstração de que podemos nos alicerçar nessa
discussão com base histórica para alimentar uma discussão conceitual que vá além
de enunciados somente baseados em algoritmos durante o Ensino de Física,
incentivando os alunos a serem mais do que espectadores. Com suas opiniões e
idéias desenvolvidas sobre o assunto, esse processo busca torná-los participantes
desta história.
Referências bibliográficas:
BATISTA, Irinéa de Lourdes; A Teoria Universal de Fermi: De sua Formulação
Inicial até a Formulação V-A (Tese); 1999.
BERKSON, William; Fields of Force – The development of a Word view from
Faraday to Einstein; New York; Halsted Press; 1974.
DIAS, Valéria Silva; Michael Faraday: O Caminho da Livraria à Descoberta da
Indução Eletromagnética. Ciência & Educação (10)nº3: 517 – 530; 2004.
GILBERT, Armando; Origens Históricas da Física Moderna; Lisboa; Ed. Fundação
Calouste Gubenkian;1982
MARTINS, Roberto de Andrade; Oersted e a descoberta do eletromagnetismo.
Cadernos de História e Filosofia da Ciência (10): 89 –114; 1986.
____________________________; Contribuição do Conhecimento Histórico ao
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NUSSENZVEIG, H Moysés; Curso de Física Básica 3 – Eletromagnetismo; São
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ROCHA, José Fernando Moura (org.), Origens e Evolução das Idéias da Física;
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SILVA, Cibelle Celestino (org .); Estudos de história e filosofia das ciências:
subsídios para aplicação no ensino; São Paulo; Livraria da Física; 2006.

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