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Capitulo 3
COMO E POR QUE TEORIZAR
O PORTUGUES: RECURSO
COMUNICATIVO EM SOCIEDADES
POROSAS E EM TEMPOS HIBRIDOS
DE GLOBALIZAÇAO CULTURAL'
Luiz Roulo da Moita Lopes
como uma reação ao que tem sido teorização ampla e não situada, na maior parte do século
uma
1. Introdução
noticiário
Pouco antes de começar a escrever este capitulo, ouvi no
Linguajar é um termo que Mignolo (2000: 226) usa para se umiato jcons
conceilo yuer desconstruir a ndeia
de que a lingua é
atavessando linguas diferentes. O é um modo de
que 1aliar e
escrever
enfatizar dea noção
utuido por regras sintáticas, fonéticas etc.) e
3.Super diversidade é um construto cunhado por Vertovec (2007) para dar conta da exploso n nu
mero de
migraçóes en relaçao u nacionalidades, linguas, etnias e
Telativas à força de trabalho, religiao, aletando politicas soCiais
bem os IInigrantes fver tmbém
moradia, educaçüo ete. como eleito da global1zaça em paises que tece
Blommacrl e Rampton, 2011
COMO E POR QUE TEORIZAD O
PORTH UES 10
precisamos avaliar.
Para abordar a questão, inicio discutindo o significado de teorias
argumentando na direção de uma teorização de língua como rizoma para
dar conta de um mundo de fluxos, diferentemente de teorizações da
estrutura interior de uma língua como um sistema autônomo, nas quais
as pessoas e suas vidas sociais são apagadas. Tais teorizações não tazem
sentido quando as pessoas passam a ser entendidas como vivendo em
"zonas de contato" ou "de fronteira". A seguir, discuto como essa visão
de lingua está associada a uma linguistica modernistae seu ideal de uma
lingua pura, colaborando na construção de um estado-nação. Esse sen-
tido de pureza linguística foi e é usado para sedimentar desigualdades
sociais de classe social, gênero, raciais etc.
A seguir, discuto como e por que uma série de construtos teórico
linguísticos tradicionais vem sendo reconfigurada com base em uma crí
tica a essa linguistica modernista, levando em consideração as mutaçõesS
comunicativas que presenciamos em um mundo desterritorializado. Tal
mundo faz surgir usos transidiomáticos do português em meio a frontei-
ras físicase cibernéticas, nas quais linguas, textos e pessoas estão em mo
vimento. Para finalizar, defendo a necessidade da construção de peque-
nas teorizações situadas do português e da relevância de compreender as
ideologias linguísticas dos falantes, escritores etc., indo ao encontro de
abordagens epistemológicas pós-estruturalistas, pós-modernistas e inter
pretativistas. Empreendo, assim, um esforço para compreender
que as o
novas gerações de falantes, escritores etc. estão fazendo com essa língua
ao usá-la transidiomaticamente nas práticas linguísticas como um recur-
So comunicativo. Ao concluir, ilustro meu argumento com usos transidio-
máticos do português no mundo da comunicação digital, na construção
se referir ao que é
uma lingua:
metáfora do rizoma para
de por meio de raízes
cebola. Desenvolve-se
Uma língua tem a forma uma
trilhos de trem; espalha-se
vales c o m rios ou
subterrâneas e fluxos, entre termos de seus
desmontar uma língua em
c o m o óleo. E sempre possível
não é diferente de
um empreendimento que
elementos estruturais internos,
sob uma árvore. Isso
u m a procura por
raízes. Há sempre algo genealógico
método do tipo do rizoma,
conta de pessoas. Um
não é um método para dar descentrá-la em outras
ao contrário, pode analisar língua, somente ao
uma
está fechada sobre si pró-
dimensões e outros registros. Uma língua nunca
1987: 8).
exceto de uma forma impotente (Deleuze e Guattari,
pria,
mais adequada para pensar as
A metáfora do rizoma parece ser muito
fechados que apagam as pessoas
linguas, não como sistemas autônomos
mas como trama
instável de fluxos
e os usos que elas fazem das línguas,
e histórias
e suas subjetividades
que só ganha vida quando as pessoas
situadas de construção
são consideradas nas práticas sociais múltiplas e
de significado em que atuam.
Essa visão é especialmente iluminadora em tempos de globalizaçãoo
cultural, caracterizados por sociedades porosas e em permanente pro-
como os
cesso de vir a ser (Appadurai, 2001) em que tanto as linguas
textos e as pessoas est o em movimento, muitas vezes sem que saiam
de casa, nas redes sociais digitais. Vou teorizar o que chamamos de por-
realizado
deveriamos ignorar
todo o trabalho
dizer
4, Seguindo Pennycook (2010:
6), isso
quernao que
nmus que
muito de tal
tra
XX sob a égide do estruturalismo, e talaclo,
do século de lalar do que
na naior parle "o ato
por linguistas já que nao parece
s e r possivel separar
e Dalio fem apagudo as pessoas,
***..
LUIZ PAUL0 DA MOITA LOPES
106
.Da mesrna forma, nao deve nos surpreende a quantidade de "purificalores da lngua", por assin
z e , yue aluam enu tcolunas jornalisticus, cuja lunçao primorlial é dar conselhos subre como talar
e escever
COMO E POR QUE TEORIZAR O PORTUGUES
107
.
mulheres, os ho-
levam a padronizações e a essencializações do tipo: as
mens, os homossexuais
etc. falam de determinada forma generalizável.
Tais posicionamentos dindamuitos campos dos estudos
prevalecem em
tica, tal visäo parte de umna teorização inadequada (ou, de tato, nenhu-
de s e n s o comum) para dar conta do genero
e
ma teoIzação, mas visoes
. ***.
poliglotismo).
a usa para entender o gènero
ea
7. A noção de performance aqui é emprestada de Butler (1990), que
Sexualidade como performance no sentido de que são construídos no aqui e no agora, não preexistin
um lazer que procduz
certos eleitos
Butler entende que o gënero e a sexualidade são
do ao discurso. do se enuncia que uma
discursivos e que é a repetição de tais performances, a purtir que
momento
Crlança é menino ou menina, que dá sentido de estabilidade e sedimentaçäo parao que e, ia verdade
:******
Original Message---
From: [Pablo)
To: 1João
Sent: Monday, May o8, 2000 10:40 AM
Mi queridinho,
That will be wonderful to meet you at the airport, you bighead, and I'll be delighted to
have breakfast with you at the hotel.
Besos y hasta mañana.
[Pablo
-Original Message-
From:loão]
To: [Pablo]
Sent: Saturday, May 20, 2006 5:57 PM
Subject: Re: Enviando email:
Abraços e beijos,
João]
*********
*********************************" **************************** -
vadoras, principalmente por que os dois homens, como se pode ler nos
textos, se referem a suas mulheres, o que performativamente os constrói
aqui nessa prática social situada como heterossexuais. E notável também
o uso de um inglês de contato ou de fronteira por Pablo (That will be
wonderful..."), o que não corresponde ao chamado inglês padrão. O uso
da estratégia de tradução por João ("guests (visitas|"), também
qualifica
seu linguajar como uma lingua de fronteira.
Mbohapy frontera12
Ninja itél3 del mato se vé desde la selva aponderandóme de las rimas llegando hacia la cima na
ninha área minha indentidade brazukureparagua4 minha realidade
peligro paro los yanqui-cueral5 Bin Laden está en la Triple Frontera tirando cañonazos cuidandóse
de Añgls que no nos choreen" todo el agua que hoy acá y es así emergiendo está jipjopi misturado
verdadero yopará
para ofrás como cola de yaguá° como lo perciben tus oídos mis frases no tiernen un idioma definido
no creo en las naciones sólo en las regiones original purahero de Misiones.
11.Sou grato a Carlos Montiel, um dos participantes do grupo Payé, por ter me disponibilizado acesso
as letras dos raps do grupo.
12. Mbohapy frontera Iguarani): triplice fronteira.
13. Jté lguurani): mesmo, de vercdade.
14. Brazukureparagua: o sujeito da triple fronteira, brusileiro (brazucal, argentino kurepa: pele de
porco) e paraguaio (paragua).
15. Cuera
lguarani): gente, povo.
16. Aná (guarani): divindude quc representa o mal na
mitologi guarani
17. Cihoreen lyuarani): roubem
MOCO07
FAIVE
ESTAR Be LIN
TODOS FONTE
SMBRDO
Figura 3: Disponível em Google images; acesso em 5 ago.2011
típica do inglês (por exemplo, a "five star" hotel) com base na estrutura
fonética dessa língua para qualificar um item lexical da cultura
gastro-
nômica popular brasileira ("'mocotó"), valorizando-o como mercadoria.
Trata-se de uma apropriação transidiomática, que é de interesse das prá-
ticas locais na periferia, bem distante, dessa forma, de interesses
impe-
rialistas do inglês.
O gue entendemos por inglês é, por assim dizer, virado de cabeça
para baixo para atender a construções semióticas locais. Tal hibridismo
identifica o desempenho de uma performance identitária de comerciante
contemporâneo que vive em zonas de contato ou de fronteira, o que é
de fato também indexicalizado pelo anúncio de que o bar ou restaurante
oferece serviços de LAN.
10.Palavra final
A teorização sobre os usos transidiomáticos do que chamamos de por-
tugues ao posicioná-lo como uma língua de fronteira/contato é importan-
te se queremos dar conta do que muitos dos novos falantes, escritores
etc. dessa lingua estäão fazendo em tempos de hibridização cultural e em
um mundo desterritorializado que a metáfora do rizoma bem ilustra.
Isso é especialmente relevante se entendermos como uma língua se
es
palha rizomaticamente como uma poça de óleo, nos usos que as pessoas
dão a ela na construção de significados nas práticas linguísticas em que
estão situadas, em vez de apagarmos tais usos como a linguística moder-
nista tem tradicionalmente feito, ao focar somente em.seus elementos
estruturais internos, idealizadose deslocados dos que as pessoas fazem
em suas ações linguísticas.
Os ganhos políticos e éticos dessa visão são evidentes, já que é colo-
cado como foco de estudo o que muitas pessoas estão fazendo com o que
entendemos por lingua portuguesa nas práticas locais nas quais vivem,
sofrem, amam, defendem posições politicas, trabalham, constroem suas
vidas sociais etc. Essa visão é bem diferente da defesa de um ideal de
lingua pura, autônoma, transparente e representacional, separada das
práticas situadas em que as pessoas a usam e, performativamente, cons
troem suas identidades sociais. Além disso, essa perspectiva envolve a
necessidade de estudos das ideologias linguisticas dos falantes, escrito-
res etc. que possibilitam entender as escolhas metapragmáticas (fruto de
Teflexividade linguística) que fazem do que chamamos de lingua portu-
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