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Niterói
2015
PATRÍCIA DA SILVA TRASMONTANO
Niterói
2015
PATRÍCIA DA SILVA TRASMONTANO
COMISSÃO JULGADORA
__________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Eliane Ramos Pereira – UFF
Orientadora (Presidente)
__________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Aline Miranda da Fonseca Marins – UFRJ
(1ª Examinadora)
__________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rose Mary Costa Rosa Andrade Silva – UFF
Coorientadora (2ª Examinadora)
__________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Martha Sauthier – UFRJ
(1º Suplente)
__________________________________________________________
Prof. Dr. Enéas Rangel Teixeira – UFF
(2º Suplente)
Agradeço a Deus, O Excelso Criador, por minha vida ser obra de Suas Poderosas
Mãos. A Jesus Cristo, Seu Filho, por ser Autor e Consumador da minha Fé. E ao Espírito
Santo, por ser Consolador e Companheiro em minha peregrinação nesta Terra.
Aos meus pais Paulo Cesar e Iari, não há palavras que possam expressar o quão
grande é o meu amor por vocês.
A minha avó Iracy, sou eternamente grata pelas intercessões para me ver crescer e
vencer em mais uma jornada.
A minha querida irmã Priscila, o meu carinho, por ser ombro amigo, mão estendida
e sorriso que me contagia.
Aos meus familiares e verdadeiros amigos, a minha gratidão é por vocês lançarem
tons e cores no meu viver.
A Profª Eliane Ramos, o meu esmero, pelos ensinamentos, orientações, conselhos
cordiais, oportunidades e amor fraternal, e por me fazer crer ainda mais que “Deus é Fiel!”.
A Profª Rose Rosa, o meu zelo é fruto de sua coorientação, auxílio e amizade, e por
conduzir-me a compreender o “Efatá!” do Senhor Jesus Cristo.
A Universidade Federal Fluminense (UFF), a Escola de Enfermagem Aurora de
Afonso Costa (EEAAC) e a todos os Docentes e Discentes do Curso de Mestrado
Acadêmico em Ciências do Cuidado em Saúde (MACCS), a minha gratidão, por serem
portais do saber, que me possibilitaram o aprimoramento acadêmico, científico e
profissional.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por me
oportunizar a ser bolsista, nestes dois anos de pesquisa científica.
Ao Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP/ UFF), e a todos os funcionários
dos setores da CAIDS e DIP, que contribuíram para o êxito desta pesquisa.
E aos queridos participantes que vivenciam o HIV e AIDS, o meu cuidado e
atenção, na certeza que arde em meu coração, de que são mais que vencedores!
“E ainda que tivesse o dom de profecia,
e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência
e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal
que transportasse os montes,
e não tivesse amor, nada seria”.
(I Coríntios 13:2)
Percepções acerca da espiritualidade articulada à biblioterapia enquanto
experiência vivenciada no cuidado integral aos pacientes com HIV e
AIDS: uma perspectiva fenomenológica
RESUMO
Decifrar a dimensão espiritual que há no encontro das artes de ler e cuidar no acolhimento
ao paciente vivenciando o HIV/AIDS exigirá do seu artista, o locutor/ provedor de cuidado,
e do seu apreciador, o receptor/ paciente vivenciando o HIV/AIDS, essencialmente, de três
elementos: significado, propósito e transcendência. Para tanto, a pesquisa teve por objetivo
geral compreender as percepções de pacientes com HIV/AIDS no que se refere à sua
espiritualidade e entrelaçamentos com a experiência da intervenção biblioterápica. E por
objetivos específicos descrever, numa perspectiva fenomenológica, a dimensão espiritual
experimentada no cuidado mediante a aplicação da leitura narrada como terapia; e, discutir
as repercussões da prática da arte de ler associada à arte de cuidar, na humanização aos
pacientes que vivenciam o HIV/AIDS. E abrangeu por questões norteadoras: Quais as
percepções de pacientes com o HIV/AIDS no que se refere à sua espiritualidade e
entrelaçamentos com a experiência da intervenção biblioterápica? Como é percebida a
dimensão espiritual experimentada no cuidado, mediante a aplicação da leitura narrada
enquanto terapia? Quais as repercussões da prática da biblioterapia associada à arte de
cuidar, na humanização aos pacientes que vivenciam o HIV/AIDS? Trata-se de uma
pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, por meio de um levantamento em campo.
O cenário da pesquisa foi o Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), da
Universidade Federal Fluminense (UFF), cujos participantes caracterizaram homens e
mulheres vivendo o HIV e AIDS, maiores de dezoito anos, lúcidos, ouvintes, pacientes
ambulatoriais da Coordenação de AIDS (CAIDS) e pacientes hospitalizados no setor de
Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP). A estratégia de coleta de dados incluiu duas fases:
1ª – observação do ambiente terapêutico, identificação dos recursos terapêuticos
disponíveis, busca de participantes, aplicação dos formulários, e entrevista (1º Momento);
2ª – intervenção biblioterapêutica, diálogo e entrevista (2º Momento). Optou-se pelo
método fenomenológico, segundo Merleau-Ponty, para a análise, categorização e
interpretação dos dados. Os resultados demonstraram-se satisfatórios e corresponderam as
questões levantadas pela pesquisa, de tal modo que a biblioterapia foi capaz de promover o
suporte espiritual e emocional dos participantes, ante a vivência do diagnóstico. Há
diversos meios, sejam eles científicos, culturais ou artísticos, que poderiam ser explorados
no sentido de promover a saúde e o bem-estar integral das pessoas vivendo o HIV/AIDS
(PVHA), entre eles, destaca-se a arte de ler associada à arte do cuidar, sugerida para o
desenvolver desta obra-prima.
ABSTRACT
Decipher the spiritual dimension in the meeting of the arts of reading and take care in
greeting the patient living with HIV/AIDS, will require your artist, announcer/ care
provider, and its fancier, the receiver/ patient experiencing HIV/AIDS, essentially three
elements: meaning, purpose and transcendence. To this end, the research had as general
objective to understand the perceptions of patients with HIV/AIDS as regards his
spirituality and interlacements of bibliotherapy intervention. And by specifics objectives
describe, in a phenomenological perspective, the spiritual dimension experienced in care
through the application of reading narrated as therapy; and, discuss the repercussions of the
practice of the art of reading associated with the art of caring, on humanization of patients
who experience HIV/AIDS. And covered by guiding questions: What are the perceptions of
patients with HIV/AIDS as regards his spirituality and entanglements with the experience
of bibliotherapeutic intervention? How is perceived the spiritual dimension experienced in
care, through the application of reading narrated as therapy? What are the effects of
bibliotherapy’s practice related the care’s art, on humanization of patients who experience
HIV/AIDS? It is a descriptive research, with a qualitative approach, through a survey in the
field. The scenario of research was the Antony Peter Hospital Academic (HUAP), of the
Federal Fluminense University (UFF), whose participants characterized men and women
living with HIV and AIDS, age of eighteen years, lucid, listeners, ambulatories patients of
AIDS Coordination (CAIDS) and hospitalizations patients in the sector of Infectious and
Parasitic Disease (DIP). The data collection strategy included two phases: 1st – observation
of the therapeutic environment, identification of therapeutic resources available, search for
participants, application forms, and interview (1st Moment); 2nd – bibliotherapy
intervention, dialogue and interview (2nd Moment). We opted for the phenomenological
method, according to Merleau-Ponty, for analysis, categorization and data interpretation.
The results demonstrated if satisfactory and matched the issues raised by research, in such a
way that the bibliotherapy was able to promote the spiritual and emotional support of
participants, front of the diagnostic experience. There are various means, be they scientific,
cultural or artistic, that could be exploited in order to promote the health and well-being of
people living with HIV/AIDS (PVHA), among them, we highlight the art of reading
associated with the art of caring, suggested for the developing of this masterpiece.
AA Alcoólicos Anônimos
ABAP Ação Beneficente Amor ao Próximo
ABEFM Ação Beneficente Educacional Favos de Mel
a.C. Antes de Cristo
AEBH Associação de Espinha Bífida e Hidrocefalia
AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome [Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida]
BRAPCI Base de Dados Referencial de Artigos de Periódicos em Ciência da
Informação
BVS Biblioteca Virtual em Saúde
© Copyright [direitos autorais]
CAIDS Coordenação de AIDS
CAPES Periódicos – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Periódicos
CCBT Terapia Cognitivo-Comportamental Computadorizada
CD4 Linfócito T
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CNS Conselho Nacional de Saúde
COCHRANE The Cochrane Library
d.C. Depois de Cristo
DECS Descritores de Ciência da Saúde
DIP Setor de Doenças Infecciosas e Parasitárias
DMS Distrofia Muscular Duchene
DUREL Duke Religion Index
EWB Existential Well-Being Subscale
FACE Plano Avançado de Cuidado à Família
FACIT-Sp Functional Assessment of Chronic Illness Therapy - Spiritual Well-Being
[Medida Funcional para Terapia de Doenças Crônicas - Bem-Estar Espiritual
– 12 itens]
FACIT-Sp- Fuctional Assessment of Chronic Illness Therapy-Spiritual Well-Being-
Ex Expanded [Avaliação Funcional de Terapia em Doença Crônica e Bem-estar
Espiritual-Expandido]
FSEH Núcleo de Pesquisa Filosofia, Saúde e Educação Humanizada
GWB Escala de Bem-Estar Geral
HIV Human Imunodeficiency Virus [Vírus da Imunodeficiência Humana]
HUAP Hospital Universitário Antônio Pedro
IBAS Instituição Beneficente Amigos Solidários
LILACS Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde
MEDLINE Pubmed U.S. National Library of Medicine
N= Amostra de Participantes
NANDA-I North American Nursing Diagnosis Association International [Associação
Internacional Norte Americana de Diagnósticos de Enfermagem]
nd Second [segundo]
NIC Nurse Intervation Classification [Classificação das Intervenções de
Enfermagem]
NOC Nursing Outcomes Classification [Classificação dos Resultados de
Enfermagem]
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG’s Organizações Não-Governamentais
PIL Teste de Propósito na Vida
PNH Política Nacional de Humanização
PVHA Pessoa(s) Vivendo o HIV e AIDS
QUALITEES Núcleo de Pesquisa Qualitativa Translacional em Emoções e Espiritualidade
na Saúde
® Marca registrada
RBB Religious Background and Behavior Instrument [Instrumento de Fundo
Religioso e Comportamento
RCI-10 Religious Commitment Inventory-10
RCOPE Escala de Coping Religioso Breve
REBEN Revista Brasileira de Enfermagem
RJ Estado do Rio de Janeiro
RWB Religious Well-Being Subscale
SAE Serviço de Assistência Especializada
SCIELO Scientific Electronic Library Online
SCOPUS SciVerse Scopus
SIBS-R Spiritual Involvement and Beliefs Scale [Escala de Envolvimento e Crença
Espiritual]
SICLOM Sistema de Controle Logístico de Medicamentos
SIDA Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
SIM Sistema de Informação de Mortalidade
SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SISCEL Sistema de Controle de Exames Laboratoriais
SRI Ironson – Woods Spirituality/Religiousness Index
SRPB Spirituality, Religiousness and Personal Beliefs [Domínio Espiritualidade,
Religiosidade e Crenças Pessoais]
st first [primeiro]
SUS Sistema Único de Saúde
SWBS Spiritual Well-Being Scale [Escala de Bem-Estar Espiritual]
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TM Trademark [marca registrada]
UF Unidade Federativa
UFF Universidade Federal Fluminense
WHOQOL World Health Organization's Quality of Life Measure [Medida de Qualidade
de Vida pela Organização Mundial de Saúde] / World Health Organization
Quality of Life Assessment
WHOQOL - World Health Organization's Quality of Life Measure [Medida de Qualidade
100 de Vida pela Organização Mundial de Saúde – 100 questões]
WHOQOL World Health Organization Quality of Life Assessment HIV/AIDS Module
HIV/AIDS [Medida de Qualidade de Vida pela Organização Mundial de Saúde - Módulo
Module ou HIV/AIDS]
WHOQOL-
HIV-Bref
CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................................... 16
CAPÍTULO IV – RESULTADOS............................................................................... 94
CONCLUSÃO............................................................................................................... 186
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 190
APÊNDICE................................................................................................................... 203
ANEXOS........................................................................................................................ 209
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
para “um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social” (FLECK,
2000, p.37).
Além de incluir o “bem-estar espiritual” no conceito de saúde, ressalta-se também
que a dimensão espiritual foi destacada pela OMS como um dos domínios de avaliação de
qualidade de vida, no instrumento World Health Organization's Quality of Life Measure –
WHOQOL [Medida de Qualidade de Vida pela Organização Mundial de Saúde] sob o
domínio Spirituality/Religiousness/Personal Beliefs – SRPB [Espiritualidade, Religiosidade e
Crenças Pessoais] (PENHA, SILVA, 2012, n.p).
O destaque atribuído ao domínio espiritualidade, desde a versão inicial do
instrumento WHOQOL, assim como na versão de cem questões WHOQOL-100, e na
abreviada em 26 questões WHOQOL-Bref, despertou interesse em estudos nessa vertente,
principalmente a partir da versão mais específica, a WHOQOL-SRPB, desenvolvida pelo
Grupo WHOQOL, com o propósito de avaliar a espiritualidade, religião e crenças pessoais,
que estão relacionadas à qualidade de vida na saúde e na assistência à saúde (WHOQOL
SRPB GROUP, 2006; FLECK, SKEVINGTON, 2007). Convém destacar ainda, outra versão
voltada ao contexto da AIDS, a WHOQOL HIV/AIDS module [módulo HIV/AIDS], a qual
também contempla um domínio acerca da espiritualidade. Assim, despontam-se estudos
científicos mundiais, a respeito da influência da espiritualidade na qualidade de vida, bem-
estar e saúde das populações humanas.
Na promoção da saúde, o cuidado não se reduz a um nível de atenção do sistema de
saúde ou de um procedimento técnico simplificado, mas pode se expandir em âmbito integral.
Desde os investimentos na tecnologia leve – relações com pessoas e consumo; na tecnologia
leve-dura – conhecimentos e saberes; e na tecnologia dura – máquinas e equipamentos; que
podem compor o processo saúde-doença e reabilitação, a fim de conferir ao cuidado, um
tratamento digno e respeitoso. Assim, o cuidado em saúde deve tanto tratar, respeitar, acolher,
como atender o ser humano em seu sofrimento, e proporcionar qualidade e resolutividade de
seus problemas (PINHEIRO, 2009, n.p). Nisto, assinala-se desde as tensões de seu campo
físico, psicológico, social, como o espiritual. É conveniente perceber os aspectos que
transcendem o ser humano, no intuito de fomentar as formas pelas quais interagimos com os
seres e o universo, e pelas quais agimos no cuidado uns com os outros.
O ser humano carece de saúde espiritual e bem-estar para sobreviver, assim como é
identificado na maior parte da literatura científica, que reporta o bem-estar espiritual com
enfoque na qualidade de vida tanto na velhice, quanto às pessoas com doenças terminais,
como por exemplo, em casos de câncer e AIDS (FISHER, 1999, p.57, tradução nossa).
19
Ressalta-se que ainda há dificuldades, por parte dos provedores de cuidado, para identificar
estes aspectos na vida de seus clientes. A ciência junto à habilidade dos pesquisadores tem
avançado nesta questão, a ponto de criarem escalas e outros instrumentos para avaliar a
espiritualidade, a saúde espiritual e bem-estar das pessoas, e assim, contribuir com
intervenções destinadas a este fim.
Os provedores de cuidado, que almejam proporcionar um cuidado integral aos seus
pacientes, devem se dispor, sensivelmente, para identificar as necessidades que permeiam as
esferas biológicas, psicossociais, e espirituais de seus clientes, através da observância de
quatro domínios, que tem como base as experiências e existências humanas em relação ao: 1-
Self/ pessoal – auto-relação, significado, propósito e valores na vida, busca de identidade e
autoestima; 2- os outros/ comunhão – relações interpessoais, entre si e aos outros, relativos à
moralidade, cultura e religião, expressas em amor, perdão, confiança, esperança e fé na
humanidade; 3- a natureza/ ambiente – a um sentimento de temor e maravilha, para alguns,
a noção de unidade com o meio ambiente; e 4- transcendência/ Ser Transcendente – auto-
relação com alguma coisa ou para além do nível humano, isto é, força cósmica, realidade
transcendente ou Deus, fé para adoração e culto, a fonte do mistério do universo (FISHER,
BRUMLEY, s.d, p.51, tradução nossa ).
Inicialmente, os primeiros casos foram identificados nos Estados Unidos, Haiti e África
Central. No Brasil, o primeiro caso identificado foi na década de 80. Anteriormente, não havia
uma compreensão abrangente por parte dos pesquisadores, profissionais de saúde e
população, do que se tratava esta nova e misteriosa doença, e suas implicações.
Dentro de uma concepção enfaticamente biológica na saúde, surge a Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida – AIDS, epidemia que desafia a sociedade,
representando uma ameaça peculiar para a humanidade, e exige dos profissionais
uma prática imbuída do espírito de compaixão, compreensão e de amor. Com ampla
divulgação, associada ao homossexualismo e à prostituição, propagam-se imagens
preconcebidas de práticas estigmatizadoras ou marginalizadoras, marcadas pelo
medo, pelo preconceito e pela injustiça, uma síndrome de culpabilidade e acusação
(SOARES; NÓBREGA; GARCIA, 2007, p.187).
Primeiramente, a AIDS era conhecida como a Doença dos 5H, devido à associação
do conceito ao grupo de risco que mais manifestavam a doença, no caso, os homossexuais,
hemofílicos, haitianos, heroinômanos – usuários de heroína injetável, e hookers –
profissionais do sexo. Tardiamente, descobriu-se a transmissão por contato sexual, uso de
drogas e exposição a sangue e derivados. Apenas em 1982 foi classificada como síndrome, e
passou a ser o alvo de preocupação das autoridades de saúde pública e dos governos globais
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, [online], s.d.).
O HIV e AIDS são temáticas importantes de serem abordadas sob a ótica dos cuidados
paliativos e do cuidado integral na saúde, uma vez que nos levantamentos científicos e relatos
dos indivíduos infectados pelo vírus, foi apontado ser imperativo suprir as necessidades
advindas do diagnóstico, como: Físicas – ações de conforto (higiene, alimentação, carinho),
controle da dor e de outros sintomas; Emocionais – por apresentarem sentimentos de rejeição,
isolamento, raiva, culpa, perdas pessoais, medo da morte, confusão mental e depressão;
Sociais – falta de suporte financeiro, familiar e convívio social; e Espirituais – medo da
morte real e social, medo do castigo divino, falta de fé e esperança, vivência de lutos, busca
de sacramentos e sentido de viver (SOUZA, SOUZA, 2009, n.p.).
Realidades estas que aludem os complexos existenciais humanos, e que demandam
algum tipo de atenção e cuidado integrais próprios ou de outras pessoas, a fim de que um
indivíduo se restabeleça e sobreviva as experiências do processo saúde-doença. Destarte,
podem ser compreendidos por meio do ideal da assistência em saúde integral, posto que
desenvolve-se desde um nível pessoal, provedor de cuidado e usuário, como em níveis mais
complexos, por sistemas articulados, que formam redes de serviços e suporte. E que é
otimizada através da organização do sistema, da acessibilidade, da satisfação de usuários e
profissionais, e principalmente a relação interpessoal e a qualidade do cuidado. Assim sendo,
“[...] quando o enfoque é direcionado ao indivíduo, ganham centralidade as relações que se
21
A biblioterapia contempla não apenas a leitura, mas também o comentário que lhe é
adicional. Assim, as palavras se seguem umas às outras – texto escrito e oralidade, o
dito e o desdito, a afirmação e a negação, o fazer e o desfazer, o ler e o falar – em
uma imbricação que conduz à reflexão, ao encontro das múltiplas verdades, em que
o curar se configura como o abrir-se a uma outra dimensão (CALDIN, 2001, n.p.).
MOTIVAÇÃO
[...] Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que
conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que
acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é
o que dá sentido à vida (BRETAS, s.d. apud TRASMONTANO [online], 2012).
Muito mais do que ver é preciso viver, Muito mais do que ouvir é preciso sentir [...]
Muito mais que viver é preciso se dar, Muito mais que sentir é preciso lutar, repartir
o pão, estender a mão, transformando a fé numa grande missão (SILVEIRA, 1994,
n.p.).
Hoje, reconheço-me como uma eterna aprendiz da vida, mas também que é ser viva e
humana, filha, discípula de Jesus, agente religiosa, e voluntária em ONG’s do Estado do Rio
de Janeiro (IBAS – Instituição Beneficente Amigos Solidários, ABAP – Ação Beneficente
Amor ao Próximo, ABEFM – Ação Beneficente Educacional Favos de Mel), que age através
do cuidado, do amor, do afeto, da responsabilização, da atenção, do relacionamento
interpessoal, e da consideração ao suprimento de necessidades identificadas; em solidariedade
pelo próximo e ao todo que ele constitui, ou seja, suas dimensões biopsicossociais e
espirituais.
Em relação à carreira profissional e acadêmica, estou enfermeira, especialista em
Saúde da Família, e discente do Curso de Mestrado Acadêmico em Ciências do Cuidado em
Saúde, sob a linha de pesquisa “O cuidado nos ciclos vitais humanos – tecnologias e
subjetividades na enfermagem e saúde”, e integro dois núcleos de pesquisa: Núcleo de
Pesquisa Qualitativa Translacional em Emoções e Espiritualidade na Saúde/ QUALITEES e
Núcleo de Pesquisa Filosofia, Saúde e Educação Humanizada/ FSEH.
Em busca de descobrir e redescobrir novos horizontes da espiritualidade, despertou-
me o desejo desta compreensão, a partir da percepção de pessoas com HIV e AIDS,
vislumbrando-a em meio a um cuidado sensível às necessidades espirituais e personalizado,
através de uma intervenção biblioterápica pertinente. Neste percurso, o foco que me
impulsiona é a própria existência. Creio que a transcendência possibilitada pelo vivenciar da
dimensão espiritual, permite-nos ir além de nossas expectativas, religam os seres no universo
e simplesmente, toca e acaricia o próprio interior e o do outro. Como um instrumento
potencial de valorização humana, e em consideração aos dissabores existenciais, e para o
despertamento do amor, da paz e da fé em Algo Superior, proponho este breve diálogo.
27
PROBLEMATIZAÇÃO DO ESTUDO
Percebo o cuidado humano como uma forma ética e estética de viver, que inicia pelo
amor à natureza e passa pela apreciação do belo. Consiste no respeito à dignidade
humana, na sensibilidade para com o sofrimento e na ajuda para superá-lo, para
enfrentá-lo e para aceitar o inevitável. Esse processo envolve crescimento e
aprimoramento (WALDOW, 2001, p.14).
que tentam cumprir com tantas horas de trabalho; atender uma demanda expressiva de
necessidades; ter que suportar, cotidianamente, a dor, a perda, o sofrimento, as dúvidas e o
luto de seus clientes e de si próprio; prestar atendimento em ambientes muitas vezes
insalubres e carentes de recursos diversos (financeiros, humanos, políticos, educacionais,
tecnológicos e etc.); e não terem recebido substancialmente, a qualificação e a formação
humanista, psicológica e espiritual devidas, para perceber e atender as necessidades
biopsicossociais e espirituais de seus clientes.
Valorizar as tecnologias relacionais e ressignificar a atenção em saúde devem ser os
objetivos a serem atingidos, e implicarão também na ressignificação do papel dos
trabalhadores e usuários deste segmento, dando vazão à subjetividade de ambos os
agentes (MARTINS, ALBUQUERQUE, 2007, p. 355).
Com base nas considerações levantadas, o estudo será conduzido pelas seguintes
questões norteadoras: Quais as percepções de pacientes com o HIV/AIDS no que se refere à
sua espiritualidade e entrelaçamentos com a experiência da intervenção biblioterápica? Como
é percebida a dimensão espiritual experimentada no cuidado, mediante a aplicação da leitura
narrada enquanto terapia? Quais as repercussões da prática da biblioterapia associada à arte de
cuidar, na humanização aos pacientes que vivenciam o HIV/AIDS?
Acredita-se que não apenas os medicamentos são capazes de reabilitar a saúde de uma
pessoa, mas também o contato com outras pessoas, e com atividades culturais e artísticas. É
possível interiorizar nos ambientes de cuidado, principalmente aqueles destinados a acolher
um paciente vivenciando HIV/AIDS, intervenções como as que estimulam o crescimento
espiritual ou a reconciliação com pessoas e o universo, como: o ouvir ativamente; transmissão
de zelo, respeito e aceitação; a utilização de técnicas de comunicação terapêutica para
incentivar a expressão; a sugestão do uso da prece, meditação ou imaginação (SMELTZER,
2011, p.103). A biblioterapia, por meio da arte de leitura narrada, associada à arte do cuidar,
tem o potencial de viabilizar este encontro de significado, propósito e transcendência na
assistência em saúde, para o cuidado integral do paciente vivenciando o HIV/AIDS.
OBJETO DE ESTUDO
da assistência prestada, além de ser considerada como uma variável da integralidade. À vista
disso, tem-se por objeto de estudo as percepções do paciente com HIV e AIDS acerca da sua
espiritualidade articulada à biblioterapia enquanto experiência vivenciada no cuidado integral.
OBJETIVOS
O estudo justifica-se uma vez que a pessoa, independente de estar enferma, e os seus
provedores de cuidado, necessitam de apoio do elemento que os inspire a transcender, para
um cuidado integral tanto na promoção da saúde quanto na prevenção, proteção e reabilitação
de enfermidades. O paciente é uma pessoa única com necessidades físicas, psicológicas,
sociais e espirituais que devem ser respeitadas se for para potencializar o trabalho médico e
tratar a pessoa inteira (KOENIG, 2012, p.160). As investigações científicas e tecnológicas
podem contribuir, a este respeito, ao descobrir, compreender, e explicar meios de gerar
esperança e qualidade de vida à saúde humana.
A Contribuição da Enfermagem
A dimensão espiritual pode ser compreendida nos cuidados em saúde aos indivíduos,
nas pesquisas clínicas e no processo de enfermagem, a partir da interseção da NANDA, NIC e
NOC. Deste modo, associam-se diagnósticos, intervenções e resultados possíveis, que
viabilizariam tratar esta dimensão na assistência, especificamente, se voltada ao paciente
vivendo o HIV e AIDS. O profissional de saúde, ao atender uma clientela específica como
esta, e ao aliar estes recursos à sua prática laboral, poderá ser capaz de identificar reais
necessidades, pensar criticamente na elaboração dos diagnósticos, intervir conforme o
contexto de saúde e estado clínico do paciente, e avaliar os resultados que apontem a eficácia
das intervenções ou a necessidade de novas implementações.
Segundo a NANDA-I, a dimensão espiritual pode ser classificada sob os diagnósticos
de enfermagem: “Disposição para aumento da Esperança”, “Disposição para bem-estar
Espiritual aumentado”, “Risco de Sofrimento Espiritual” e “Sofrimento Espiritual” (Quadro
1). De acordo com a NIC, encontra-se classificada pelas intervenções e respectivos códigos:
“Apoio Espiritual (5420)” e “Facilitação do Crescimento Espiritual (5426)”. Configuram a
Especialidade “Enfermagem Holística”; referente ao Nível 1 – I Domínio Funcional, que
inclui diagnósticos, resultados e intervenções para a promoção de necessidades básicas; e
Nível 2 – Classes, que remetem aos valores e crenças, ideias, metas, percepções e crenças
espirituais ou outras crenças que influenciam escolhas e decisões (DOCHTERMAN,
BULECHECK, 2008, p. 880; 916).
34
Quadro 1- Classificação dos Diagnósticos de Enfermagem para dimensão espiritual, por definição e
características definidoras. 2013.
DIAGNÓSTICO DEFINIÇÃO CARACTERISTICAS DEFINIDORAS
Disposição para Padrão de expectativas de desejos Expressa o desejo de intensificar: a capacidade de estabelecer metas alcançáveis; a
aumento da que é suficiente para mobilizar crença nas possibilidades; a esperança; a interconexão com os outros; a solução dos
Esperança energias em benefício próprio e que problemas para alcançar as metas; o sentido do significado da vida; e espiritualidade.
pode ser fortalecido.
Disposição para Capacidade de experimentar e Em ‘Ligação consigo mesmo’, expressa desejo de aumentar: a coragem; o autoperdão;
bem-estar integrar significado e objetivo à a esperança; a alegria; o amor; o significado da vida; uma filosofia de vida satisfatória;
Espiritual vida por meio de uma conexão a entrega; a serenidade (p.ex.paz); meditação. Em ‘Ligação com outros’, presta
aumentado consigo mesmo, com os outros, com serviços a outros; pede para se integrar com pessoas significativas, com líderes
a arte, a música, a literatura, a espirituais, perdão e outros. Em ‘Ligação com arte, música, literatura, natureza:
natureza e/ou com um ser maior que demonstra energia criativa (p.ex., escrever, fazer poemas, cantar); ouve música; lê
pode ser aumentada. literatura espiritual; passa tempo ao ar livre. Em ‘Ligação com um Ser Maior’,
expressa admiração; reverência. Participa de atividades religiosas; reza; relata
experiências místicas. ‘Fatores Relacionados’: Comportamentos de busca da saúde;
empatia; autocuidado; autoconsciência; desejo de interligação harmoniosa; desejo de
encontrar o significado e propósito na vida.
Risco de Risco de apresentar prejuízo em sua ‘Desenvolvimentais’: Mudanças na vida. ‘Ambientais’: Mudanças no meio ambiente;
Sofrimento capacidade de experimentar e desastres naturais. ‘Físicos’: Doença crônica; doença física; abuso de substâncias.
Espiritual integrar significado e objetivo à ‘Psicossociais’: Ansiedade; bloqueios para experimentar amor; mudança nos ritos
vida por meio de uma conexão religiosos; mudanças nas práticas espirituais; conflito cultural; depressão; incapacidade
consigo mesmo, com os outros, com de perdoar; perda; baixa autoestima; relacionamentos não satisfatórios; conflito racial;
a arte, a música, a literatura, a separação dos sistemas de apoio; estresse.
natureza e/ou com um ser maior.
Sofrimento Capacidade prejudicada de Em ‘Ligação consigo mesmo’: raiva. Expressa a falta de: coragem; autoperdão;
Espiritual experimentar e integrar o esperança; amor; significado da vida; finalidade; serenidade (p.ex.paz); culpa;
significado e o objetivo à vida por enfrentamento insatisfatório. Em ‘Ligação com outros’, expressa alienação; recusa a
meio de uma de uma conexão integrar-se com pessoas significativas; recusa a integrar-se com líderes espirituais;
consigo mesmo, com os outros, com verbaliza estar separado de seu sistema de suporte. Em ‘Ligações com arte, música,
a arte, a música, a literatura, a literatura, natureza: não se interessa pela natureza; não se interessa por literatura
natureza e/ou com um ser maior. espiritual; é incapaz de expressar estado de criatividade anterior (p.ex. cantar/ ouvir
música/ escrever). Em ‘Ligações com um Ser Maior’, expressa: ter sido abandonado;
raiva de Deus; desesperança; sofrimento; incapacidade de introspecção; é incapaz de
experimentar o transcendente; é incapaz de participar de atividades religiosas; é
incapaz de rezar; solicita conversar com um líder religioso; mudanças repentinas nas
práticas espirituais. ‘Fatores Relacionados’: Autoalienação; solidão/ isolamento social;
ansiedade; privação sociocultural; morte e a fase terminal de si próprio ou de outros;
dor; mudança na vida; doença crônica própria ou de outros.
Fonte: MOSBY Guia de Diagnósticos de Enfermagem (2012, p.78; 449 - 457).
vidas. Pode ser efetuada por um enfermeiro assistencial, e ter duração de 31 a 45 minutos de
intervenção. É formada por 14 atividades, pelas quais se sobressaltam:
- As cinco línguas mais comuns nas publicações eram, em ordem decrescente: Inglês
(11.183), Francês (220), Português (150), Alemão (146) e Espanhol (132).
- Os cinco autores que mais publicaram sobre a temática: Koenig, H.G. (122);
Hodge, D.R. (69); Pargament, K.I. (51); Wright, S. (35); Puchalski, C.M. (34).
- Os cincos tipos de documentos mais predominantes: Artigo (8.694), Revisão
(2.058), Conferência (287), Editorial (269), Notas (239).
- As cinco fontes de publicação mais recorrentes: Journal of Religion and Health
(277), International Journal of Children S Spirituality (259), Journal of Pastoral Care
Counseling JPCC (146), Southern Medical Journal (132), Mental Health Religion and Culture
(110).
- As cinco instituições que mais publicaram sobre a temática: Duke University
School of Medicine (160), VA Medical Center (159), University of Pennsylvania (96), The
University of British Columbia (75), University of Texas at Austin (72).
- Conforme a SCOPUS, as pesquisas científicas sobre espiritualidade, de acordo
com o filtro para todos os anos, compreendem os anos de 1862 até o presente momento de
2013 (Figura 1). Observou-se, ao analisar os resultados que, as primeiras produções de
documentos sobre o tema foram sutis, considerando os anos de 1862 a 1989, totalizando em
106 publicações. Seguido por um crescimento na década de 90, com 860 publicações. E
obteve maior expressividade, a partir do ano de 2000 em diante, com 11.064 publicações.
Destaca-se o ápice das publicações no ano de 2011, com 1.190 publicações, e que
apresentaram decréscimo após o ano de 2012, com 1.152 publicações.
- Ao examinar os cinco países que mais produziram sobre a temática (Figura 3),
detectou-se a concentração de aproximadamente 43,8% das publicações pelos Estados
Unidos, 7,7% pelo Reino Unido, 4,5% pelo Canadá, 3,7% pela Austrália e 1,5% pelo Brasil.
Nas organizações, cujos trabalhos centram-se nos cuidados ao doente, devem compor
gerentes capacitados para considerar as sensibilidades culturais, a espiritualidade e as
condições mais específicas dos pacientes e do pessoal que constituem a força de trabalho.
Uma vez que a Espiritualidade na saúde gera a paz, concentração e senso de carinho no
cuidado aos pacientes. Ao integrar a espiritualidade nos serviços de saúde, tanto horizontaliza
a hierarquia organizacional, quanto promove o sentido de participação na sociedade [tradução
nossa].
3. Monod, S., Brennan, M., Rochat, E., Martin, E., Rochat, S., Büla, C.J.
Instruments measuring spirituality in clinical research: A systematic review.
(2011) Journal of General Internal Medicine, 26 (11), pp. 1345-1357. Cited 10 times.
Document Type: Review. Source: Scopus.
41
4. Cook, C.C.H. Addiction and spirituality. (2004) Addiction, 99 (5), pp. 539-
551. Cited 56 times. Document Type: Review. Source: Scopus.
5. Sinclair, S., Raffin, S., Pereira, J., Guebert, N. Collective soul: the spirituality of an
interdisciplinary palliative care team. (2006) Palliative & supportive
care, 4 (1), pp. 13-24. Cited 18 times. Document Type: Article. Source: Scopus
42
Apesar de a espiritualidade estar ganhando cada vez mais atenção, no que se refere aos
cuidados à pacientes, menos é conhecida como cuidados de saúde profissionais e como
experiência pessoal e/ou coletiva, no local de trabalho. Este estudo explora a espiritualidade
coletiva de uma equipe interdisciplinar de cuidados paliativos, ao investigar como os
indivíduos se sentiam sobre sua própria espiritualidade, e se havia um sentimento comum de
equipe e espiritualidade, e se os cuidados fornecidos pela equipe poderiam ser considerados
cuidados espirituais [tradução nossa].
Emergiram os seguintes conceitos de espiritualidade: integridade, inteireza,
significado e jornada pessoal. Para muitos, a espiritualidade é inerentemente relacional. Os
outros reconheceram a transcendência como um elemento de espiritualidade. E a
espiritualidade foi descrita como sendo envolvido no cuidado e muitas vezes, se manifesta em
pequenos atos diários de bondade e de amor, incorporada nos rotineiros atos de carinho.
Cuidados paliativos serviram como um catalisador para viagens espirituais dos próprios
membros. Para alguns participantes, cuidados paliativos representava uma vocação espiritual.
A cultura de cuidados paliativos parece favorecer a reflexão espiritual entre os profissionais
de saúde, como indivíduos e como um todo. Enquanto a espiritualidade era difícil de
descrever, foi uma experiência compartilhada, frequentemente e tangivelmente presente na
prestação de cuidados em todos os níveis [tradução nossa].
6. Kashdan, T.B., Nezlek, J.B. Whether, When, and How Is Spirituality Related to
Well-Being? Moving Beyond Single Occasion Questionnaires to Understanding
Daily Process. (2012) Personality and Social Psychology Bulletin, 38 (11), pp. 1523-
1535. Cited 1 time. Document Type: Article. Source: Scopus.
7. Sinclair, S., Pereira, J., Raffin, S. A thematic review of the spirituality literature
within palliative care. (2006) Journal of Palliative Medicine, 9 (2), pp. 464-
479. Cited 50 times. Document Type: Review. Source: Scopus
43
A "educação espiritual" das crianças tem ganhado mais preocupação nos últimos anos,
mas há uma falta de consenso para o seu significado. Algumas literaturas consideram
educação e espiritualidade como educação religiosa, enquanto muitas literaturas têm
demonstrado uma estreita relação entre educação espiritual e educação humanística, que
poderiam estar relacionados com educação religiosa. Há indícios de que a "educação
espiritual" tem uma conexão mais estreita com a educação humanística e educação holística,
do que com educação religiosa. É vital esclarecer o significado de "educação espiritual" para
promover a reforma do ensino atual na primeira infância [tradução nossa].
10. Wallace, M., O'Shea, E. Perceptions of spirituality and spiritual care among older
nursing home residents at the end of life. (2007) Holistic Nursing Practice 21 (6) ,
pp. 285-289, 2007. Document Type: Article. Source: Scopus.
Para efeito desta pesquisa, foi realizada uma revisão do estado da arte, por meio de
um levantamento bibliográfico e pesquisa eletrônica, nos ambientes virtuais científicos
CAPES Periódicos (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),
utilizada como via de acesso à base SCOPUS (SciVerse Scopus). E complementado pela BVS
(Biblioteca Virtual em Saúde), que permitiu acessar as bases científicas LILACS (Centro
Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), MEDLINE (Pubmed –
U.S. National Library of Medicine), SCIELO (Scientific Electronic Library Online) e
COCHRANE (The Cochrane Library).
Efetuaram-se as buscas, através dos descritores (DECS) em português:
Espiritualidade; Biblioterapia; AIDS; Assistência Integral À Saúde. E no DECS e MESH em
inglês: Spirituality, Bibliotherapy, AIDS, Comprehensive Health Care. De forma
complementar, empregou-se como palavra-chave, em português, Cuidado, e em inglês, Care.
Foram utilizados como critérios de inclusão: texto completo disponível na web; artigos
e revistas; descritor exato e/ ou palavra-chave, no título, resumo ou assunto principal; idiomas
em português, espanhol e inglês; período de publicação compreendido entre os anos 2000 a
2013; de acordo com os descritores associados.
Como critérios de exclusão: textos que não versassem a temática estudada; que não
atendessem aos objetivos do estudo; em que a biblioterapia e a espiritualidade não fossem
relevadas às terapias propostas; publicações em períodos inferiores ao ano de 2000; que não
pertencessem ao campo de saúde e educação; e textos que se repetiam nos ambientes e bases.
Não foram utilizados todos os textos, pois devido à repetição de assuntos, os selecionados
foram suficientes para a pesquisa.
Obtiveram-se os seguintes resultados de busca, no mês de setembro de 2013, ao
associar de modo alternado e agrupado, os 4 descritores “espiritualidade, biblioterapia, AIDS,
assistência integral à saúde” e 1 palavra-chave “cuidado” (Tabela 1):
46
Tabela 1- Distribuição dos estudos selecionados na revisão literária, segundo descritores e palavra-chave associados,
por ambiente e bases de dados. Niterói/ RJ. 2013.
DESCRITORES E PALAVRA- BVS LILACS SCIELO MEDLINE COCHRANE CAPES SCOPUS SUBTOTAL TOTAL
CHAVE ASSOCIADOS/ ARTIGOS ARTIGOS
AMBIENTE E BASE DE DADOS ACHADOS ÚTEIS
espiritualidade AND biblioterapia 02 0 0 01 01 02 01 07 02
biblioterapia AND AIDS 01 0 0 0 01 0 03 05 02
espiritualidade AND AIDS 04 01 06 25 11 16 96 159 16
espiritualidade AND biblioterapia 0 0 0 0 0 0 01 01 01
AND cuidado
espiritualidade AND 0 0 0 0 0 0 0 0 0
biblioterapia AND cuidado AND
AIDS
espiritualidade AND 0 0 0 0 0 0 0 0 0
biblioterapia AND assistência
integral à saúde AND AIDS
TOTAL 07 01 06 26 13 18 101 172 21
Fonte: Elaborado pela Autora, 2013.
Quadro 2- Caracterização dos estudos nacionais e internacionais incluídos na revisão literária (N=21). 2013.
ARTIGO AUTOR BASE PERIÓDICO MÉTODO CONCLUSÃO
1 Storybook-based KOPPENHAVER, SCOP Disability and Estudo O estudo sugere que através da literatura,
communication intervention D.A.; ERICKSON, US Rehabilitation. Experiment especificamente, das leituras dos contos de fadas
for girls with Rett syndrome K.A.; HARRIS, B.; 2001; 23 (3-4): al. entre pais-filhos, educador-aluno, entre outros,
and their mothers MCLELLAN, J.; 149-159. Exploratóri pode facilitar a comunicação simbólica e
SKOTKO, B.G.; o. linguagem espontânea precoce de meninas
NEWTON, R.A. portadoras da Síndrome de Rett.
2 Lectura de cuentos infantiles ALBANO, MAS; CAPE Investigación y Estudo A estratégia de humanização do cuidado com a
como estrategia de CORREA, I. S Educación en Qualitativo. ajuda da leitura de contos infantis teve um impacto
humanizacion en el cuidado Enfermeria. Dec positivo na internação da criança.
del nino encamado en 2011; 29(3):
ambiente hospitalario 370.
3 Criterios para evaluar la LAGOS, CM; CAPE Psicología. Jun Análise O artigo explora os critérios para avaliar a
eficiencia: hablan FUENTE, XS de la. S 2006; 24(2): qualitativa eficiência de tratamentos psicoterápicos individuais
psicoterapeutas 223. dos dados. com adultos, na perspectiva de quarenta
psicoanaliticos, conductuales Análise profissionais, dos quatro tipos representativos de
cognitivos, racionales estatísitca intervenção clínica: cognitivo-comportamental,
emotivos y psicoanalistas descritiva e psicanalítica e racional-emotivo, psicoterapia e
de psicanálise. As diferenças encontradas entre os
correspond quatro grupos se relacionam com a natureza da
ência. terapêutica de cada trabalho e o paradigma teórico
que define-os. Psicanalistas e psicoterapeutas
cognitivos comportamentais constituem grupos que
mais diferem entre si.
4 Computerized Cognitive KALTENTHALER, SCOP Behavioural and Revisão Sugerem-se cinco áreas-chave e posicionamentos
Behaviour Therapy: E; PARRY, G; US Cognitive Sistemática que requerem futuras investigações, referente a
A Systematic Review BEVERLEY.C. Psychotherapy. . eficácia de custo do CCBT, tendo em conta os
2004; 32. p.31– custos dos pacotes comerciais, bem como o custo
55. do suporte profissional necessário. Isto pode ajudar
a estabelecer o nível de envolvimento do terapeuta,
necessário para produzir ótimos resultados ao usar
programas CCBT. Entre eles, a comparação do
CCBT com outras terapias que reduzem o tempo do
terapeuta, em particular biblioterapia.
47
5 Spirituality in Recovery: A KELLY, JF. ; STOUT, BVS, Alcohol Clin Estudo Práticas e conceitos espirituais continuam a
Lagged Mediational Analysis RL. ; MAGILL, M ; COCH Exp Res. March randomizad desempenhar um papel em conceituações e
of Alcoholics Anonymous’ TONIGAN, JS ; ARAN 2011; 35(3): o e tratamentos para vícios comuns. Achados sugerem
Principal Theoretical PAGANO, ME. E 454–463. controlado. que a AA obtém êxito nos resultados do uso de
Mechanism of Behavior álcool, em parte, devido pelo reforço das práticas
Change espirituais individuais, que fornecem suporte para
facilitar a recuperação do transtorno de uso do
álcool.
6 Longitudinal Pediatric DALLAS, RH.; BVS Contemp. Clin Estudo Este estudo é o primeiro estudo longitudinal de um
Palliative Care: Quality of WILKINS, M L.; Trials. Sep. experiment modelo de ajudas específicas do ACP (Plano
Life & Spiritual WANG, J; GARCIA, 2012; 33(5): al Avançado de Cuidados) com adolescentes. O
Struggle (FACE): Design and A; LYON, ME. 1033–1043 randomizad modelo FACE (Plano Avançado de Cuidado à
Methods . o e Família) irá determinar o impacto de uma conversa
controlado. facilitada sobre EOL (Fim de Vida) e ACP, entre
adolescentes com AIDS e sua família, e na
qualidade de vida do paciente adolescente. A
intervenção deve provar ser benéfica para
adolescentes e suas famílias, e o impacto potencial
sobre cuidados paliativos do adolescente seria
significativo.
7 An Exploratory Study of LYON, ME.; BVS, J. Adolesc Estudo Prover suporte amigável a família, facilita e reforça
Spirituality in HIV Infected GARVIE, PA; KAO, COCH Health. June randomizad um ambiente espiritualizado aos adolescentes. Ao
Adolescents E; BRIGGS, L; HE, J; RANE, 2011; 48(6): o. facilitar as conversas de família, pode gerar um
and their Families: FAmily MALOW, R; SCOP 633–636. efeito positivo nos comportamentos dos
CEntered Advance Care D’ANGELO, LJ; US adolescentes infectados, especialmente, na
Planning and MCCARTER, R. aderência da medicação e de crenças espirituais.
Medication Adherence
8 Spiritual and Mind–Body KREMER, H; BVS AIDS Método Os participantes acreditaram que a espiritualidade
Beliefs as Barriers IRONSON, G; PORR, PATIENT qualitativo ajuda a lidar com os efeitos colaterais dos
and Motivators to HIV- M. CARE and e tratamentos, e relataram uma melhora significativa
Treatment Decision-Making STDs. 2009; quantitativo do quadro clínico, ao aderi-la, além da amenização
and Medication Adherence? 23(2). . dos sintomas. Crenças espirituais mente-corpo
A Qualitative Study contribuem para a adesão dos tratamentos, e são
importantes, pois podem afetar a sobrevivência e a
qualidade de vida das pessoas HIV-positivas.
9 Qualidade de Vida e Bem- CALVETTI, PÜ; LILAC Psicol. Estud. Quantitativ Obtiveram-se correlações altamente significativas
Estar Espiritual em Pessoas MULLER, MC; S, Jul.-set. 2008. a. Estudo entre os domínios da qualidade de vida física,
Vivendo com HIV/AIDS NUNES, MLT. SCIEL 13(3): 523-530. transversal relações sociais e espiritualidade, religiosidade e
O, descritivo, crenças pessoais, e os do bem-estar religioso, bem-
CAPE correlacion estar existencial e bem-estar espiritual no grupo
S al e de sintomático/Aids. Discute-se a importância das
diferença variáveis religiosidade e espiritualidade no
entre processo de resiliência e de proteção à saúde
grupos.
10 Religión y Espiritualidad, MORA, LA; MIRA, SCIEL Revista Fac. Revisão de A literatura mostra que as crenças religiosas podem
Una Mirada del Estigma SPÁ. O, Med. 2012; 20 Literatura. ser parte das estratégias para reduzir o estigma e a
Frente al VIH/SIDA: CAPE (1): 52-61. discriminação contra o HIV / AIDS. Mas a maior
Revisión Literaria S limitação das pessoas que vivem com o vírus da
imunodeficiência humana, é que podem sentir-se
alheios quanto as instituições religiosas, devido
existir muitas limitações no que diz respeito à
abordagem das pessoas infectadas, ainda mais que
em algumas ocasiões, são inflexíveis aos estilos de
vida deles, inclusive o conhecimento da doença.
11 Qualidade de vida de GASPAR, J; REIS SCIEL Rev. Esc. Estudo de Evidenciou-se que os fatores baixo nível
mulheres vivendo com o , RK O, Enferm USP. corte socioeconômico e educacional tiveram associação
HIV/AIDS de um município ; PEREIRA, FMV ; CAPE 2011; transversal, com diferentes domínios, denotando a relação entre
do interior paulista NEVES, LAS; S 45(1):230-6 com qualidade de vida e condições de vida. Concluiu-se
CASTRIGHINI, CC; abordagem que persistem os desafios no âmbito das relações
GIR, E. quantitativa sociais, afetivas, financeiras, requerendo
. intervenções efetivas focando o empoderamento
das mulheres com HIV/AIDS.
12 O instrumento de avaliação FLECK, MPA. SCIEL Ciência & Revisão de A necessidade de um instrumento mais curto para
de qualidade O Saúde Coletiva. Literatura. uso em extensos estudos epidemiológicos fez com
de vida da Organização 2000; 5(1):33- que a OMS desenvolvesse a versão abreviada com
Mundial da Saúde 38. 26 questões (o WHOQOL-Bref). Além de um
(WHOQOL-100): específico para avaliar qualidade de vida em
características e perspectivas pacientes com HIV/Aids e outro para avaliar
espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais.
13 An Exploration of the TUCK, I; COCH Issues Ment. Estudo Existem efeitos espirituais positivos. A
Meaning of Spirituality THINGANJANA,W. RANE Health Nurs. randomizad espiritualidade é um componente do holismo,
Voiced February 2007; o. fundamental da experiência humana, e é um
by Persons Living with HIV 28(2): 151–166. processo de desenvolvimento que requer nutrição e
Disease and Healthy Adults crescimento espiritual.. Embora estes resultados
48
Espiritualidade
questionamentos acerca da vida, seu valor, sua expressão e a correlação com o sagrado, que é
dado pela experiência enquanto funcional, dinâmica, pessoal, e subjetiva. Neste ponto, a
espiritualidade se converte em fator importante na vida dos indivíduos, gerando um
significado ou propósito, levando a um conforto em seu quadro de crenças, ao mesmo tempo
está associada com uma percepção de melhoria na vida, de sensação de bem-estar (MORA,
MIRA, 2012, p.53-54), força e muitas bênçãos (MOLZAHN et al, 2012, p.2349).
A Organização Mundial de Saúde (Grupo WHOQOL-SRPB) identificou as seguintes
dimensões de espiritualidade: conexão espiritual, significado e propósito na vida, experiências
de surpresa e admiração, inteireza e integração, força espiritual, a esperança, paz interior,
otimismo e fé (MOLZAHN et al, 2012, p.2349). Algo que foi comprovado em uma pesquisa,
que considerou a dimensão espiritual estreitamente relacionada com a melhora da qualidade
de vida de pacientes com doenças crônicas, pois tem sido documentada em diversos estudos
como tendo um efeito positivo na progressão da doença crônica (TUCK, THINGANJANA,
2007, p.1). E incluir as variáveis positivas relacionadas aos aspectos sadios do
desenvolvimento humano como a esperança, otimismo, resiliência, e espiritualidade
(CALVETTI; MULLER; NUNES, 2008, p.524-25). Bem como, é um dos cinco domínios
pertinentes aos cuidados, principalmente àqueles ao fim de vida, que abrangem os domínios
psicológicos, sociais, culturais, éticos, e também espirituais (DALLAS et al, 2012, p.9).
Quanto ao domínio espiritual, tem-se a Espiritualidade, que pode ser desvelada através
de atitudes como o diálogo, presença, compromisso, compartilhar experiências e o sentir-se
amado, que são ingredientes básicos para a humanização dos cuidados com os seres humanos
(ALBANO, CORREA, 2011, p. 372). E através de ações como orar, meditar e ir à igreja, por
arquétipo. Ademais de transparecer em uma crença em Deus (um Poder Superior ou religião),
que está presente e que se doa; e em uma conexão com a natureza. Além de ser como um
canal que ajuda, uma fonte (de paz, conforto, força, inspiração e equilíbrio), essência ou
centro. Logo, é um processo de desenvolvimento ou jornada que exige crescimento espiritual
e nutrição (TUCK, THINGANJANA, 2007, p.1-9).
A variável espiritualidade é uma estrutura básica inata, que é ou não desenvolvida. O
espírito controla a mente, e a mente consciente ou inconscientemente, controla o corpo. É
afetada pelas condições e efeitos interativos de outras variáveis, tais como tristeza ou perda,
que podem prender, diminuir, iniciar, ou aumentar a espiritualidade. Intervenções
intencionais, que suportam a espiritualidade, pode catalisar uma fonte de energia, que é útil
para alcançar a mudança e a estabilidade do sistema ideal (COBB, 2012, p.348).
53
Religiosidade
Crenças Pessoais
As crenças pessoais são definidas como valores que a pessoa sustenta e que formam a
base de seu estilo de vida e de comportamento. A utilização de recursos internos, enquanto
estratégias de enfrentamento diante das dificuldades impulsionam a manutenção e a
reestruturação do bem-estar psicológico, indicando que formas de enfrentamento à doença são
também preditos por fatores de diferenças individuais e experiências de vida (SALDANHA;
ARAÚJO; SOUSA, 2009, p.329). Em complemento, as crenças religiosas e espirituais têm
demonstrado ser um recurso auxiliar no enfrentamento de eventos estressores, como o
processo saúde-doença e o tratamento da saúde na Psicologia da Saúde. (CALVETTI;
MULLER; NUNES, 2008, p.524-25).
As crenças espirituais ligadas à saúde podem ser conceitualizadas como crenças
específicas mente-corpo (GASPAR et al, 2011, p.233-34). Crenças mente-corpo referem-se a
crenças em geral, sob relação entre a mente/ processos mentais e estados corporais/processos
corporais (KREMER; IRONSON; PORR, 2009, p.127). Por exemplo, as pessoas com crença
espiritual, tendem a demonstrar positividade na adversidade, como enfrentamento da doença e
tratamento da saúde. E a fé pode ser um modo de lidar com o estresse, estando associada a
melhores índices de qualidade de vida (CALVETTI; MULLER; NUNES, 2008, p.524-25).
Este capítulo trata do referencial teórico e conceitual abordado por esta pesquisa, para
fundamentar os estudos acerca do entrelaçamento da espiritualidade e biblioterapia no
cuidado do ser. “Até hoje inúmeros estudiosos, religiosos ou não, sentem a necessidade de
atribuir a grandeza da humanidade à nossa relação especial com o divino” (CHOPRA,
MLODNOW, 2012, p.60). De tal modo, que é permitido nesta abordagem, uma nova
possibilidade de refletir o cuidado, a partir de uma relação com o Transcendente. A facilitação
do crescimento espiritual, regida através da biblioterapia para o cuidado integral do paciente
vivenciando o HIV/AIDS, à luz do método fenomenológico, é um horizonte sem fim a ser
explorado.
Prontamente, a fundamentação conceitual multirreferencial utilizada é relevante para a
compreensão da temática espiritualidade, no contexto dos cuidados em saúde. E também,
permite refletir com mais clareza, a problemática levantada, ou seja, a resistência de alguns
dos provedores de cuidado, estabelecer pontes relacionais com as pessoas que cuidam, no
sentido de lidar compassivamente e sensivelmente com as questões extremas e dramáticas da
condição humana, frente a um sistema de saúde precário de recursos, que dificultam ações
solidárias e práticas de saúde transformadoras.
Sentir-se espírito não consiste em saber estas coisas. Mas, em vivenciá-las e fazer
delas conteúdo de experiência. Quando isso ocorre, emerge a não-dualidade e a
profunda sintonia com todas as coisas. A partir da experiência tudo se transfigura.
Tudo vem carregado de veneração e sacralidade. Não estamos mais sós, centrados
em nosso antropocentrismo ou em nossa visão utilitarista das coisas. Fazemos parte
da imensa comunidade cósmica. Sentimo-nos mergulhados no fluxo de energia e de
vida que empapa todo o universo e a natureza à nossa volta (BOFF, s.d., n.p.).
responsabilidade, compaixão, presença, altruísmo, toque, afeto e outros aspectos que movem
e sustentam aquele que está sob cuidados, o que cuida, e a própria vida. O cuidado
funcionalmente previne danos futuros e regenera dados passados (BOFF, 2003a, n.p.). Assim,
reforça a vida, zela pelas condições físico-químicas, ecológicas, sociais e espirituais, como
também, permite a reprodução da vida e sua evolução.
A espiritualidade pode ser definida como ecologia profunda, um mistério que tudo
penetra e tudo sustenta. É essencial ao ser humano e um elemento do próprio cuidado. Para
vivenciá-la, exige o ser dotado de espírito, que permite conectar com o tudo e todos. Há três
concepções acerca do espírito: clássica, moderna e contemporânea (BOFF, 2003d, n.p.)
Classicamente, por uma visão dualista, refere-se a um princípio substancial, ao lado do outro/
material/ corpo. É imortal, inteligente e capaz de transcender. Convive com o corpo, mas ao
contrário dele, não vira pó, mas eternidade. Modernamente, é o modo de ser do humano e
liberdade. Mas, não é exclusivo a ele, pois pertence ao quadro cosmológico, uma expressão
mais alta da vida, sustentada pelo todo. Contemporaneamente, é a capacidade de inter-relação,
por teias relacionais complexas. Possui a mesma ancestralidade que o universo.
O espírito é o que faz o humano se sentir inserido no Todo. É vida e relação. Logo, o
Homem é um corpo animado e consciente, dotado de uma subjetividade que se abre ao outro,
se comunica e autotranscende. É marcado tanto pelo amor como pelo cuidado. Oposto ao
espírito, é morte e ausência de relação. Em meio às considerações, tem-se a espiritualidade
como toda atitude e atividade que favoreça relação, subjetividade, comunhão, a vida e
transcendência. Por isso, a necessidade de considerá-lo em saúde, pois ao facilitar o seu
crescimento, é possível que seja um suporte às terapias e seiva vivificante ao corpo enfermo, à
alma abatida e ao espírito sofredor.
66
A psiquiatria, apenas valeria, se este pudesse ser não apenas para um organismo
psicofísico, mas ser para a pessoa espiritual. Posto que se a pessoa espiritual fosse perturbada
pela morbidez e mortalidade do psicofísico, ela seria imune a ele, desde que houvesse alguém
que a ‘libertasse’. É possível que esta pessoa seja poupada dos malefícios e destruição
advindos destas dimensões psicológica e física, mas caberia ao médico, considere-se aqui o
cuidador, para auxiliá-la de ser afligida, através da consolação a quem sofre. Pois “O corpo
não pode ser construído, mas o mal-estar físico pode ser mitigado. A alma não pode ser
consertada, mas o distúrbio psíquico pode ser curado. O espírito não pode ser produzido, mas
a dimensão espiritual pode ser despertada” (FRANKL [190?] apud LUKAS, EBERLLE 1993,
n.p.).
O Homem é um ser que está no mundo, diante dos fatos que lhe são próprios, como os
complexos existenciais de vida-morte, saúde-doença, prazer-desventura, bem como o vazio e
limitações. Porém, ele é constituído por grandiosidade, dinamismo e essências, que são os que
subsidiam as diferentes situações impostas pela vida. Dentre uma de suas essências, encontra-
se a dimensão noética, que “é a dimensão espiritual do homem, uma instância que jamais
adoece e que não se corrompe, por mais intenso que seja o sofrimento” (ASSOCIAÇÃO DE
LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, n.p.). Neste sentido, translaciona-se a
experiência vivida por Frankl, nos campos de concentração nazistas, para refletir a vivência
do ser diagnosticado com o HIV e AIDS, que compartilham semelhanças existenciais, ainda
que situadas para além das fronteiras territoriais e de compreensão.
provedor de cuidado, o observador, que não vivencia com o HIV/AIDS, possivelmente, terá
uma visão ingênua acerca do que é experienciado durante toda a vida, por aquele que tem que
lidar com o vírus, e ainda, que não se posicione sensivelmente para perceber as reais
necessidades desta especificidade.
Muitas vezes, é preciso se colocar no lugar de quem sente ou se inserir na realidade do
indivíduo, para se aproximar do status de ‘conhecido’. Mas apenas vivendo, de fato, o
fenômeno, para compreender o que realmente ele representa e como é percebido. O
observador “Imagina a vida lá dentro de modo sentimental, simplifica a realidade e não tem a
menor idéia da feroz luta pela existência” (FRANKL, 2013, p.16). Semelhantemente, o
provedor de cuidado, ao prestar assistência ao paciente vivendo com o HIV/ AIDS, às vezes
não percebe, considera ou ignora a globalidade deste ser sob cuidados. Por isso, torna-se
imperativo pensar sobre a integralidade do cuidado em saúde no contexto de uma pessoa com
um diagnóstico ainda incurável.
(...) Alguns dos argumentos para defender a afirmação de que teorias científicas não
podem ser conclusivamente provadas ou desaprovadas se baseiam amplamente em
considerações filosóficas e lógicas. (...) a escolha entre teorias se reduz a opções
determinadas por valores subjetivos e desejos dos indivíduos. (...) não existe um
conceito universal e atemporal de ciência ou do método científico. (...) Não temos os
recursos para chegar a tais noções e defendê-las. Não podemos defender ou rejeitar
legitimamente itens de conhecimento por eles se conformarem ou não a algum
critério pronto e acabado de cientificidade (CHALMERS, 1993, p.14; 15; 200; 201).
Os pacientes são pessoas que lutam pela busca de significado e o propósito na vida,
por terem que confrontar as dramáticas mudanças advindas pela doença, que afetam
a qualidade de vida, a independência e o bem-estar, fazendo-os encarar sua própria
mortalidade. Para muitos pacientes, estas questões são misturadas com preocupações
existenciais e espirituais, e podem impactar diretamente a aceitação aos cuidados
médicos e ao processo de recuperação (KOENIG, 2004, p. 1199).
Uma arte milenar, que atravessa épocas e muitos povos, além do tempo e lugar, é a da
literatura. Como se diria em uma linguagem merleau-pontyana: implica em aceitar a
encarnação do pensamento na palavra, a espontaneidade ensinante do corpo – o 'eu posso' e a
experiência do outro – 'a transgressão intencional' (PONTY, 1991, n.p.). Algo que se tornou
compreensível, a partir das pesquisas da biblioteconomista brasileira, professora e
pesquisadora Drª Clarice Fortkamp Caldin, que atua nas temáticas biblioterapia e catarse, e
leitura como função terapêutica, social e pedagógica. Esta reflexão foi baseada em sua obra
“Biblioterapia: um cuidado com o ser”/ Porto de Idéias, 2010, e complementada por
literaturas congruentes a linha de pesquisa.
A ‘palavra’ tem uma potência significante, e se associada com a arte do cuidar, que
resultados positivos possivelmente teriam, por penetrar no interior do ser e romper em seu
exterior circundante. Se aliada ao universo terapêutico, a palavra adquire várias aplicações,
como na literapia – terapia das literaturas e/ ou biblioterapia – terapia dos livros, seja
pela utilização de livros, de panfletos e outros textos; e ainda, na logoterapia – terapia das
palavras, se realizado por qualquer pronunciação de palavra, através de poemas, música,
prece e textos diversos (CALDIN, 2001, n.p.).
A bilbioterapia é um processo dinâmico de interação entre o leitor, texto e ouvinte, o
que contribui para o crescimento emocional e psicológico, para auxiliar a terapêutica,
73
A biblioterapia é rotulada como uma terapia alternativa; nada tem do misticismo dos
antigos Terapeutas de Alexandria; ou do esoterismo de algumas terapias holísticas
modernas. Não é e nunca se pretendeu estóica, ou esotérica. Contudo, expressa o
cuidado com o ser total; credita valor aos ensinamentos do cotidiano (CALDIN, s.d.,
n.p.).
Com esta arte, o ser humano é capaz de ser valorizado globalmente. Pois, a
biblioterapia facilita a compreensão da identificação com o personagem ou situação
experienciada pelo texto, deste modo, ocorre à projeção – ligação do receptor com o
personagem ou texto; a introspecção – o leitor entende e educa as suas emoções; e catarse –
uma resposta emocional e alívio, um fundamento essencial. Assim, o texto passa a
desempenhar o papel de terapeuta.
A técnica da biblioterapia, entre os seus objetivos, propõe tanto estimular o ato de ler
como orientar a contemplação do comentário pós-leitura, que são capazes de possibilitar o
alívio de tensões, e expressão de emoções e sentimentos. O texto é o próprio terapeuta, no
qual o mediador é o ouvinte do leitor. Ao se tratar de um ambiente de cuidado, onde os
pacientes acometidos por alguma enfermidade são assistidos, pode-se oferecer a atividade,
74
que deverá ser realizada após o consentimento do paciente e acompanhamento pela equipe de
saúde (CALDIN, 2010, passim). Logo, a técnica consiste em:
- estudar previamente, sobre o grupo de pacientes que serão assistidos;
- como é uma prática interdisciplinar, ela pode ser desenvolvida em parceria entre
bibliotecários, psicólogos, enfermeiros, pedagogos e assistentes sociais, entre outros
profissionais;
- selecionar o material e elaborar um programa de atividades, conforme os aspectos
sócio etnográficos, culturais e temas de interesse do paciente, e situação experienciada;
- compreender a situação vivenciada por cada paciente e o prognóstico sobre o seu
estado de saúde, para que este se sinta capaz e tenha disposição para participar da técnica;
- trabalhar o texto através de leitura, narração de histórias, dramatização, música, entre
outros, conforme nível de debilitação, cultura e interesse do paciente;
- ofertar obras de literatura, como romances, contos, crônicas, obras de humor, além de
livros técnicos, de literatura e de revistas, entre outros materiais, como textos extraídos da
Internet, artigos científicos, músicas e filmes;
- após a leitura do texto, realizar comentários adicionais e discussão, que ajudem na
comunicação e na interação, e expressão de sentimentos;
- oportunizar a troca de interpretações, gestos, expressões e exposição de sentimentos.
objetiva, mas também como uma integridade por si só, a subjetividade poder-se-á afirmar
constitutiva por fundar o transcendente no imanente”. Dessarte é um fenômeno que consiste
em se estar consciente de algo.
O Método Fenomenológico, geralmente utilizado nas pesquisas qualitativas, focaliza
no ser humano e na sua visão de mundo, em consideração a noção de um mundo dos objetos
percebidos e inteligíveis que precedem a existência e a experiência humana. Nele, as pessoas
trazem o objeto à existência pela maneira como age e se relaciona com eles. Para Moreira
(2002. p. 67), a “Fenomenologia é a descrição da experiência, um método filosófico restrito a
análise cuidadosa dos processos intelectuais dos quais somos introspectivamente
conscientes”. Por ser um estudo das essências, foi eleito nesta pesquisa, para compreender por
meio da consciência, da percepção, dos sentidos ontológicos – ver, ouvir, falar, tocar, sentir –
e das características intersubjetivas da condição humana, o fenômeno Espiritualidade.
A ciência não tem e não terá jamais o mesmo sentido de ser que o mundo percebido,
pela simples razão de que ela é uma determinação ou uma explicação dele. Eu sou
não um “ser vivo” ou mesmo um “homem” ou mesmo “uma consciência”, com
todos os caracteres que a zoologia, a anatomia social ou a psicologia indutiva
reconhecem a esses produtos da natureza ou da história — eu sou a fonte absoluta;
minha experiência não provém de meus antecedentes, de meu ambiente físico e
social, ela caminha em direção a eles e os sustenta, pois sou eu quem faz ser para
mim (e portanto ser no único sentido que a palavra possa ter para mim) essa tradição
que escolho retomar, ou este horizonte cuja distância em relação a mim
desmoronaria, visto que ela não lhe pertence como uma propriedade, se eu não
estivesse lá para percorrê-la com o olhar (PONTY, 2011, p.3 e 4).
Ele elabora uma renovação da Fenomenologia que deixa de ser uma pretensão de
ciência estrita para se tornar uma orientação para o irrefletido. Ao mesmo tempo ele
reassume, a seu modo a redução fenomenológica, que em vez de nos conduzir a um
Ego puro deve levar-nos a um sujeito encarnado, situado no mundo que antecede a
reflexão. Merleau-Ponty retorna ao Lebenswelt, ao mundo da vida, às coisas
mesmas como o berço do sentido (ZUBEN, 1984, n.p.).
79
O cuidado visto pela dimensão espiritual, ou seja, de forma que transcende, que
aproxima e dá sentido, exigirá do provedor de cuidados, saber lidar sensivelmente e
criativamente, com as questões existenciais humanas próprias e com as daqueles sob os seus
cuidados. “Não existe dificuldade para se compreender como Eu posso pensar o Outro porque
o Eu e, por conseguinte, o Outro não estão presos no tecido dos fenômenos e mais valem do
que existem” (PONTY, 2011, p.8). Algo possível se ele, enquanto cuidador, passar a
compreender o outro/ ser cuidado, a partir de sua facticidade. Igualmente, cuidará de forma do
que pode ser feito realmente, em posse dos recursos disponíveis no momento, para resolver às
necessidades compreendidas ou diminuir os possíveis riscos e agravos à saúde, e promover
seu bem-estar, em estudo, do paciente vivendo com o HIV e AIDS.
Na fenomenologia, o ser humano integra um todo, que lhe confere sentido. A
percepção é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam. E o mundo é o meio natural,
campo dos pensamentos e percepções pelo qual o homem toma conhecimento de si.
Semelhantemente, como no cuidado e na espiritualidade, ambos são inerentes à vida, e
quando cultivados, orientam o sujeito a encontrar sentido na existência, no tratamento
oferecido e na doença, como exemplo, por sentir pertencer a algo, ao se reconhecer durante o
processo.
Por este motivo, o cuidado não pode transparecer a pessoa cuidada, como se ela fosse
apenas um objeto de trabalho, ou uma parte, mas deveria se apresentar a ela, como o poder
experienciar o cuidado com significado, seja de valorização, integralidade, tratamento,
80
Posto que a finalidade seja atribuir um novo significado a prática de saúde voltada ao
espírito sofredor, e oportunizar um reencontro do ser concreto, real, objetivo à sua natureza
subjetiva, exteriorizada aos outros, e transcendente. Durante todo o processo de cuidado, tanto
o cuidador quanto o ser cuidado, são capazes de se reconhecerem como um uno indivisível.
Os toques, sentimentos e viveres extrapolam o corpo encarnado e dimensionam-se
transcendentalmente, por consequência, o eu /Ego/ e o outro /Alter/ em relação, tornam-se
únicos na experiência vivenciada. Atravessadamente, a reflexão fenomenológica instrui a
vitalidade e a intenção racional do fenômeno percebido, e orienta em direção a uma verdade
em si. Tal é a necessidade de se voltar ao mundo vivido pelos sujeitos estudados, ante as
situações pré-estabelecidas que conduzam esta pesquisa, para refletir o que transparece ao
mundo que lhes é percebido, mediante o diagnóstico de HIV e AIDS, o processo saúde-
doença-reabilitação, e assistência ofertada.
81
Neste momento, vale-se posicionar o corpo de outra forma, e percorrer sob nova ótica,
a um mundo de possibilidades, onde a esperança, o amor, a segurança, a misericórdia, a
paciência, a resposta, a bondade, a racionalidade comedida e o compromisso com o outro e
consigo, sustentem e estruturem sistemas de ajuda mútua, corroborando para a melhora
clínica, êxito nos tratamentos, manutenção da vida, aprimoramento da assistência prestada, e
um caminho para a cura. Que o provedor de cuidados e o paciente vivendo com o HIV e
AIDS, encarnados por um corpo, que carrega consigo todos os intempéries existenciais ao
mundo, possam se reencontrar naquilo que são por essência primeira: seres humanos.
Repensar este mesmo corpo nas Ciências do Cuidado em Saúde é relevá-lo a detentor
de uma natureza física e objetiva, e de uma natureza transcendente e subjetiva, que experencia
constantes transformações e mutações. O que contribui para compreender que este, necessita
ser nutrido por um cuidado integral, frente a sua entropia, que lhe é natural. É imperativo
despertar nos ambientes de cuidado, a noção de corpo, mas que transcende, visto que é um
canal de comunicação com o tempo e espaço, bem como de expressão, que facilitaria o
reencontro entre um ou mais cuidadores com os seres que carecem de atenção, zelo e
acolhimento. Cogitar sobre a transcendência, seja a um comportamento novo, ao outro ou ao
próprio pensamento, apenas é possível, através desse corpo e da fala.
82
Além disso, convencionou-se a pesquisa de campo, posto que a mesma seja uma
investigação empírica realizada no local onde ocorreu o fenômeno, e que assim dispôs de
elementos para elucidá-lo. Paralelamente, a pesquisa de campo pode incluir entrevistas,
aplicação de questionários, testes e observação participante ou não (VERGARA, 2000, n.p.).
Deste modo, contemplou perceber o fenômeno estudado, por meio de entrevistas, intervenção
biblioterapêutica e diálogo, para posterior análise e interpretação fenomenológica.
84
[...] de livros, artigos, entre outras obras literárias, uma vez que se designa como a
localização e obtenção de documentos para avaliar a disponibilidade de material que
subsidiará o tema do trabalho de pesquisa. Este levantamento é realizado junto às
bibliotecas ou serviços de informações existentes (BELLO, 2010, n.p.).
Contemplou duas fases (Figura 6). A primeira fase iniciou com a observação do
ambiente, e identificação dos recursos terapêuticos disponíveis nos serviços CAIDS e DIP;
busca de possíveis participantes para a pesquisa; aplicação do formulário acerca da
caracterização socioetnográfico e suporte espiritual do depoente. E em seguida, a realização
de entrevista semiestruturada, no primeiro momento, antes da intervenção biblioterapêutica,
utilizando-se o roteiro para coleta de informações acerca de suas percepções e sentimentos, a
partir de questões norteadoras.
A segunda fase constou na intervenção biblioterapêutica, mediante a leitura narrada de
textos adequados a vivência dos participantes, e finalizou com a entrevista, ou seja, segundo
momento pós-intervenção biblioterapêutica, constituindo-se um diálogo com a pesquisadora a
86
sujeitos, o que melhor possibilitou a coleta de informações para o estudo, e que compreendeu
o período de quatro meses em campo.
No HUAP, os serviços da CAIDS e DIP, são os responsáveis por atender cerca de 800
pacientes que vivenciam o HIV e AIDS, de ambos os sexos, de todas as faixas etárias, a
maioria de baixa-renda e alguns moradores de rua, habitantes da região Metropolitana II, e
que contraíram o vírus sexualmente ou por transmissão vertical. A CAIDS constitui um
Serviço de Assistência Especializada – SAE, de um total de seis SAE’s existentes no
Município de Niterói. Inicialmente, em 1996, era destinada a assistir uma demanda
espontânea de gestantes portadoras do vírus HIV, no intuito de prevenir a transmissão vertical
do vírus. Posteriormente, ampliou-se a outros grupos de indivíduos, em decorrência da
dispersão da epidemia em todo o Brasil, incluindo o município de Niterói. Este envolve uma
rede de trabalho, articulada intersetorialmente. E tem como missão coordenar as ações de
AIDS no HUAP, e como SAE, atender ao público infanto-juvenil, adulto-senil, gestantes e
familiares de pessoas vivendo o HIV e AIDS (VENTURA, 2012, n.p.).
O CAIDS compõe uma equipe multidisciplinar de 01 médico/ Clínica Médica, 01
médica/ Cardiologia, 01 médica/ DIP Pediátrico, 01 enfermeira/ Enfermagem, 01 psicóloga/
Psicologia, 02 dentistas e 01 auxiliar de saúde bucal/ Odontologia, 01 nutricionista/ Nutrição
e 01 assistente social/ Serviço Social, e 02 recepcionistas/ Recepção, voltados a atender os
pacientes vivendo o HIV e AIDS e seus familiares. E desempenha por atividades:
atendimento ambulatorial de Clínica Médica; SIDA Pediátrico; DIP Pediátrico; atendimento
psicológico e serviço social; consulta de enfermagem; assistências nutricional e odontológica;
e dispensação de leite.
Complementarmente, estimula a participação comunitária, através dos grupos:
Aconselhamento DST/ AIDS; Pais Irresponsáveis dos Bebês Expostos; Pais Irresponsáveis
das Crianças e Adolescentes com HIV/ AIDS; Grupo SOL; e Programa de Prevenção à
Transmissão Vertical. O espaço físico da CAIDS é estruturado em: 02 consultórios
multiprofissionais, 01 consultório de odontologia, 01 sala de reuniões, 01 secretaria, 01
recepção, 01 depósito, 01 copa, e 01 banheiro. Nele são acompanhados: 168 adultos; 43 mães
dos bebês que tem o vírus, mas que são tratadas ou não no setor ou por outros serviços; 43
bebês expostos; e 30 infanto-juvenis.
O DIP atende aos usuários dos serviços de saúde com diagnóstico de enfermidades
infecciosas e parasitárias, de ambos os sexos (feminino e masculino), e todas as faixas etárias,
sob o regime de internação hospitalar e leito/dia. É constituído por uma equipe de: 02
enfermeiras e 05 técnicos diaristas, 01 enfermeiro e 02 técnicos plantonistas/noturnos, 01
88
Posto que seja considerado ser uma pesquisa qualitativa e de natureza fenomenológica,
o número de participantes foi estabelecido por saturação, o que incluiu 15 participantes,
porquanto no conjunto de dados obtidos em cada um dos tópicos abordados nas entrevistas,
obtiveram elementos suficientes e substanciais sobre as categorias que se pretenderam
aprofundar o conhecimento, dando-se encerrada a coleta de dados.
esperarem muitas horas para serem atendidos nos serviços de saúde oferecidos no setor, e
assim ficarem nervosos e sem vontade para participar.
E segundo outros relatos dos pacientes atendidos tanto na CAIDS quanto DIP, alguns
optaram por não participar da pesquisa, por: ser incômodo ter que lidar com o tema HIV/
AIDS; ter vergonha; achar que não há resultados após a pesquisa; se sentir usado e não
receber benefício algum; achar cansativo ter que responder tantas perguntas; achar que o tema
“espiritualidade” está associado a “espiritismo” e “coisas do tipo”; por pensar que terá que ler,
e não saber fazer isso tão bem; e ansiar por não ter sigilo quanto à participação, apesar dos
esclarecimentos.
Diversos apontamentos referiam as oportunidades anteriores de participarem de
pesquisas, o que tornaria cansativo para participarem novamente de mais uma. E algo que foi
percebido por parte da pesquisadora, é a questão de depender também da rotina do setor,
principalmente, no que condiz a disponibilidade de salas, para a privacidade e conforto dos
participantes, e interrupções para a realização de intervenções de saúde e procedimentos
médicos.
3.1.7.1- Riscos/Benefícios
A pesquisa não apresentou riscos potenciais aos participantes visto que se tratou da
realização de entrevistas, preenchimento de formulário, e a intervenção biblioterápica, que
respeitou a livre escolha do tipo de material que foi utilizado na leitura oral, e contou com o
93
PARTICIPANTES DA PESQUISA
DIP
33,3%
CAIDS
66,6%
De acordo com a Tabela 2, a amostra total foi composta por 10 (66,6%) mulheres e 5
(33,3%) homens, que tinham idades que variavam, sendo 3 (20%) indivíduos entre 18 a 30
anos, 7 (46,6%) entre 31 a 45 anos, 4 (26,6%) entre 46 a 60 anos, e 1 (6,6%) > 60 anos.
Destes, 5 (33,3%) consideravam-se brancos, 4 (26,6%) negros, 6 (40%) pardos, e não houve
indígena. Quanto ao nível de escolaridade, dos 4 (26,6%) que fizeram o Primário/ Ensino
95
Fundamental, 2 (13,3%) foram completos e 2 (13,3%) incompletos; dos 9 (60%) que fizeram
o Secundário/ Médio, 6 (40%) foram completos e 3 (20%) incompletos; 1 (6,6%) fez o
Universitário/ Superior completo, sendo este com Pós-Graduação completa; e 1 (6,6%) nunca
estudou. Referente à religião e crença que professavam, 7 (46,6%) consideravam-se
evangélicos; 3 (20%) católicos; 2 (13,3%) espíritas/ espiritualistas, sendo 1 (6,6%) seguia o
Candomblé e 1 (6,6%) Cardecismo; 2 (13,3%) espiritualizados sem religião; não houve
indivíduos ateus ou com outra religião; e 1 (6,6%) não declarava seguir uma determinada
religião, mas possuía a crença no Ecumenismo Niilista.
Tabela 2 - Características da amostra total sobre as variáveis de idade, sexo, cor, escolaridade, religião ou crença
(N=15). Niterói/ RJ. 2014.
Variável Respostas (N) % Válida
Idade 18 a 30 Adultez Jovem 3 20
31 a 45 Adultez Média 7 46,6
46 a 60 Adultez Madura 4 26,6
> 60 Terceira Idade 1 6,6
Sexo Feminino 10 66,6
Masculino 5 33,3
Cor Parda 6 40
Branca 5 33,3
Negro 4 26,6
Indígena 0 0
Escolaridade Primário/ Fundamental 4 26,6
Secundário/ Médio 9 60
Universitário/ Superior 1 6,6
Pós-Graduação 1 6,6
Outro 1 6,6
Religião ou Crença Evangélica 7 46,6
Católica 3 20
Espírita / Espiritualista 2 13,3
Espiritualizado sem religião 2 13,3
Ateu 0 0
Outra Religião 0 0
Crença 1 6,6
Fonte: Elaborada pela Autora, 2014.
Tabela 3- Características da amostra total sobre as variáveis de estado civil, com quem reside, ocupação e renda
familiar (N=15). Niterói/ RJ. 2014.
Variável Respostas (N) % Válida
Estado Civil Solteiro 5 33,3
Casado 1 6,6
Divorciado/Separado 3 20
Viúvo 2 13,3
Concubinato - Vive como casado 4 26,6
Com quem reside Com o(a) companheiro(a) 5 33,3
Possui companheiro(a), mas não vive com ele(a) 0 0
Mora com outros familiares 13 86,6
Mora sozinho 1 6,66
Ocupação Trabalha 5 33,3
Não trabalha 6 40
Aposentado 3 20
Auxílio Doença 1 6,66
Renda Familiar 1 salário 6 40
2 a 3 salários 4 26,6
4 a 5 salários 3 20
Acima de 6 salários 2 13,3
Fonte: Elaborada pela Autora, 2014.
Tabela 4- Características da amostra total sobre as variáveis de orientação sexual, dados da situação clínica,
forma de transmissão do HIV e uso de medicação psiquiátrica (N=15). Niterói/ RJ. 2014.
Variável Respostas (N) % Válida
Orientação Sexual Heterossexual 14 93,3
Homossexual 0 0
Bissexual 1 6,6
Outro 0 0
Dados da Situação Clínica: - -
- -
- Tempo de Infecção HIV 10 – 12 anos 7 46,6
(anos/meses) 16 – 18 anos 4 26,6
19 – 32 anos 6 40
- -
- Desde “soube em” 1981 – 1990 1 6,6
1991 – 2000 7 46,6
> 2000 7 46,6
Forma de Transmissão do Sexual 8 53,3
HIV Vertical 2 13,3
Usuário de drogas injetáveis 1 6,6
Transfusão de hemoderivados 0 0
Não sabe 4 26,6
Uso de Medicação Não 12 80
Psiquiátrica Sim 3 20
Fonte: Elaborada pela Autora, 2014.
apresentadas por meio da escrita, não há como ignorar a subjetividade envolvida em cada
palavra, do dito e do não dito.
Logo, insurgiram nos relatos, os sentimentos de tristeza, medo, surpresa, dúvida,
inconformismo, timidez, bem como conforto, amor, esperança, comunhão e alegria, que
puderam ser apreendidos, através das lágrimas que umedeceram os olhos e que correram pela
face; mãos que tremeram e tão logo se quietaram; falas rápidas que desaceleraram com o
tempo; sorrisos que surgiram ao receberem a ligação de entes queridos ou quando eram
visitados.
Assim como por meio dos diálogos que se prolongaram a partir do momento em que
se sentiram ouvidos; ansiedade de continuarem falando após a conclusão da pesquisa;
insatisfação quando eram interrompidos pela rotina dos setores ou pelos filhos; falas curtas
por se envergonharem em dialogar sobre o tema; olhares que se perderam e se encontraram
nos momentos de reflexão; suspiros durante algumas perguntas realizadas e que jamais foram
discutidas em vida; demonstração de afeto por meio do aperto de mãos e abraços; entre tantas
expressões provenientes do mundo subjetivo que transpôs ao mundo concreto.
A análise do conteúdo dos relatos dos participantes, referentes à “como é viver com o
HIV/AIDS”, possibilitou a imersão de 37 termos principais, que deram significados a esta
vivência. A figura 7 simula graficamente estas percepções, porém as mais frequentes
apareceram mais destacadas, dentre os quais: “ter vida normal”, “tomar remédio”, “é ruim”,
“me cuidar”, “sentir tristeza” e “acontece com os outros”. Nesta perspectiva, e a partir destes
termos mais frequentes nos relatos, compreende-se que a vivência do HIV/ AIDS, repercute
principalmente no aspecto subjetivo, tanto com relação às emoções e comportamentos, quanto
nas percepções de um mundo singular.
Figura 7- Percepções sobre “Viver com o HIV/ AIDS”. Niterói/ RJ. 2014.
Fonte: Elaborado pela autora a partir do banco de dados em conjunto com o software WordleTM, 2014.
Apesar desta apreensão, estar associada à tristeza, medo, negação, morte, preconceito,
dificuldades, vergonha, entre outros, os mesmos são capazes de enxergarem para além de um
99
diagnóstico, ao ponto de considerarem ser um viver normal, e intuírem que não são os únicos
a estarem vulneráveis pelo HIV, que é preciso superar, lutar, ter perspectivas na vida, e que de
algum modo, é importante se cuidar e aderir a um tratamento responsável. Porém, para
percebê-los tal como é, foi necessário experienciarem um processo de amadurecimento na
vida ante ao HIV/ AIDS, interesse de aprender mais sobre este, ouvir e atender as orientações
dadas por uma equipe multiprofissional, em áreas como assistência social, jurídica, em saúde,
espiritual e ademais.
“É ruim, tem que tomar muito remédio.” (Amor)
“Eu não tenho problemas em viver com o HIV. Mas o que me deixa triste é ter que
tomar os remédios, todos os dias. Tem dias em que eu não acordo legal, fico
chateado, mas nunca vou deixar de tomá-los.” (Vivacidade)
“Hoje sei que o HIV não é coisa de outro mundo, também acontece com os outros.”
(Solidariedade)
Apesar de haver um consenso por parte dos participantes, de que este viver encontra-
se em um estado de “normalidade”, o mesmo incide em ter responsabilidades, estas expressas
pelo “me cuidar”, “responsabilizar por outras pessoas”, “fazer dietas restritivas”, “não querer
contaminar pessoas” e o ato de “tomar remédios”. Este último, em parte foi relevado a “um
mal necessário”, que desvelou o fato da vivência aparentar “ruim”.
“É ruim, pelo fato de não ter liberdade para fazer o que gosto, ter que me esconder, e
as pessoas julgarem quanto à aparência física. Detesto fazer dietas restritivas, pois
gosto de cozinhar. Mas não tem jeito, tem que seguir o que é certo, e me cuidar.”
(Gratidão)
Ainda que alguns relatos não tenham sido tão frequentes, houve termos que se
aproximaram quanto ao sentido, como a possibilidade de mudar de vida, relacionados a
“separar da vida louca” e “oportunidade de sair da prostituição”.
“Agradeço a Deus pela doença que tenho, e por ter saído da prostituição.”
(Esperança)
“Difícil, devido a preconceito e olhares negativos, que requer de nós lutar com a
vida.” (Paz)
“Foi trabalhoso, por conta do meu preconceito anterior... Olhei meus preconceitos
no espelho...” (Cuidado)
“Um transtorno, pelo medo de conviver com essa doença, e de não saber como agir
nesse caso.” (Sensibilidade)
“Hoje eu falo que é normal, mas eu quase fiquei maluca. Me tranquei dentro de casa,
pois meu cabelo caiu.” (Solidariedade)
“Eu estou encarando como uma coisa que pode acontecer com qualquer um. É algo
ruim.” (Receptividade)
“Não morri, e ainda recebi muitas bênçãos, entre elas minha casa, um sonho
realizado.” (Bondade)
“(...) trouxe muitos benefícios que eu não teria, se não tivesse com HIV (...) Me fez
também procurar e voltar pra Deus. Isto me fez querer viver, e não morrer como
antes. ” (Respeito)
“Infeliz e surpresa demais. Revoltada, pensei até que ia morrer... Minha sentença de
morte!” (Felicidade)
“Eu achei que estava morto, devido à falta de informação sobre a doença. Quando
não temos a doença, não nos interessamos em saber o que é.” (Vivacidade)
“Quando criança, não entendia nada. Fiquei maior, e ao passar a entender, não
aceitei a mim mesmo. Tinha preconceito de mim.” (Paz)
“Me senti péssima, pois faltava informação, e me deram uma orientação errada, que
eu “ia morrer dentro de 6 meses”. Eu estava grávida do meu primeiro filho, quando
soube.” (Esperança)
“Foi uma época louca, usava muitas drogas. Estava magra, minha família pensava
que eu estava com câncer, fui para o INCA, e lá descobri o HIV ao fazer o ELISA.
Daí piorei, fiquei mais louca ainda!!!” (Respeito)
Figura 8- Percepções sobre “Primeiros Sentimentos” da descoberta do diagnóstico HIV+. Niterói/ RJ. 2014.
Fonte: Elaborado pela autora a partir do banco de dados em conjunto com o software Wordle TM, 2014.
102
“Descobri muito tarde, eu já suspeitava, pois comecei a ler as bulas dos remédios
que tomava e passei a desconfiar. E o meu pai me enganava sobre isso, que eu tinha
HIV desde nascença.” (Criatividade)
“Eu recebi a notícia numa boa. E foi assim que eu conheci o pai dos meus filhos
mais novos... Ele ajudou a me conformar e me acompanhou.” (Sensibilidade)
No entanto, com a maturidade, alguns passaram a ter outra perspectiva e outro olhar
sobre a vida. E alguns tomaram atitudes perante a situação vivenciada, de modo que lutassem
por querer viver e buscar meios de transformar alguns aspectos da realidade. Algo percebido
por meio de melhores informações sobre o diagnóstico, aceitação, esperança por cura e
concretização de sonhos, bem como a percepção de que há possibilidade de sobreviver
independente da situação eminente.
“(...) Com a maturidade passei a entender, aceitar, esperar a cura e não desistir dos
sonhos e planos.” (Paz)
“E ainda, me falaram que eu não poderia ter filhos... O mundo desabou! Mas com
um tratamento rigoroso, pude ter filhos.” (Infinitude)
“(...) Mas depois de eu conversar com o médico e com o psicólogo, estou com outro
olhar.” (Gratidão)
A descoberta de algo que invade o corpo próprio e que dele se apropria, além das
emoções sentidas por razão deste que o faz esmaecer, como no caso do vírus HIV, provoca
modificações em diversas amplitudes deste ser. Concomitante a isto, surge no imaginário
daquele que vivencia o HIV/ AIDS, o que realmente despontou a sua origem no corpo, de tal
forma que este tenha que carregar por toda a sua vida o peso de sua culpa, ou apenas a
indignação de ser mais uma vítima. Algo que é capaz de dar origem a mudanças, e que não se
detêm apenas no modo de viver ou comportamentos, mas percorre no corpo, na mente, no
espírito e nos relacionamentos.
“Não modificou muito, foi mais a rotina. Passei a ter mais cuidado. E deixei meu
emprego de merendeiro na escola, para não ser um risco para as crianças, ao
preparar os alimentos. Hoje estou com desvio de função no trabalho.” (Bondade)
Posto que os relatos dos participantes evidenciassem profundas impressões para além
do vivido, ou seja, abarcaram a imagem, o sentimento, o transcendente e a relação com
outros. O vivido pode ser percebido como algo positivo e negativo, e assim, os relatos
demonstraram uma divisão de apreensões sobre a vida mediante o HIV/AIDS.
“Primeiro que mesmo morando ao lado de minha mãe, passei a morar com ela, para
cuidar melhor de mim.” (Receptividade)
O corpo, o meio pelo qual alguém se torna um ser dado ao mundo, foi o que obteve
mais percepções acerca de mudanças. Neste, a aparência física foi percebida de forma
negativa, em parte dos relatos. Dentre os mais expressivos foi “emagrecer” e “ficar com
manchas”.
“(...) no início emagreci, pois não queria me tratar, e quase morri.” (Respeito)
“(...) estou desnutrido, e com fraqueza, apesar de quase ter morrido anteriormente.”
(Receptividade)
“(...) fiquei com marcas do Sarcoma de Caposi, que me deu medo, pois representava
para mim um estigma. Fiz tatuagem para tapar as cicatrizes.” (Cuidado)
“(...) por eu não aceitar ter o HIV, parei de tomar os remédios, perdi minha vista
esquerda, e passei a ter dificuldades para movimentar a minha perna esquerda.”
(Paz)
104
“(...) depois de passar a tomar os remédios, fiquei barriguda, com péssima circulação
e má distribuição de gordura.” (Felicidade)
“(...) perdi peso e fiquei com o coração dilatado pelos remédios.” (Vivacidade)
“(...) E o cabelo caiu, mas hoje cresceu. E às vezes, fico trêmula, creio que seja
nervoso.” (Solidariedade)
Nota-se que tais relatos são constituídos de uma preocupação em torno do tratamento,
da aparência física e da morte, refletidos pelas dificuldades em relação aos medicamentos,
pelas consequências da adesão e da não adesão às terapias propostas, pelas alterações físicas e
o próprio diagnóstico representarem um estigma.
“(...) é difícil de aceitar ir às consultas. Mas com a gravidez, passei a pensar mais no
meu filho, e a me cuidar melhor.” (Infinitude)
“(...) fiquei mais louca e passei a me drogar mais. Por mais que meu filho tivesse
tentado várias vezes me convencer a tratar o HIV, eu não me importava. Quando ele
passou a me desprezar, por conta disso, então busquei tratamento.” (Respeito)
“(...) prefiro não abrir mais a minha vida, por medo de preconceitos.” (Criatividade)
“(...) me fechei pra muita coisa. Eu só achava que acontecia com o vizinho, e não
comigo.” (Felicidade)
“(...) sinto rejeição e desprezo das pessoas, amigos, familiares e comigo mesmo.”
(Paz)
“(...) eu aprendi a correr atrás dos meus ideais e tudo o que tenho direito.”
(Esperança)
“(...) mudou a minha forma de pensar, antes tinha medo, hoje, não tenho mais.”
(Receptividade)
“(...) eu passei a mudar a minha forma de pensar com relação a uma pessoa que pode
viver com o HIV, normalmente. Não tenho mais preconceitos. E com o tempo,
reconheci que tenho que me cuidar, mas às vezes extrapolo quando o assunto é
comida.” (Gratidão)
Na mente, o pensamento mais pertinente foi o de ter mais responsabilidades, que passa
tanto pelo cuidado, quanto a valorização da vida.
“(...) hoje vejo a vida com mais responsabilidade, e hoje tem mais valor pra mim.”
(Solidariedade)
105
“(...) fiquei com uma tristeza residual. Entre fazer o bem e o mal, percebo uma zona
de conforto, mas sei que o diferente, ou seja, o “mal” não é bom. Revi meus valores,
e reconheci que tinha preconceito em relação a AIDS, e era ignorante nisso. Passei a
me preservar, pois ‘é mais fácil jogar pedra no vizinho’.” (Cuidado)
Uma vez que se percebe no corpo a ação e consequência de algo que não lhe pertence,
mas que se torna real – a vivência do HIV/ AIDS, este mesmo capaz de ultrapassar as
barreiras da exterioridade – o que afeta o mundo e as coisas ao redor, e que igualmente evoca
emoções, pensamentos e sentimentos na interioridade do ser, concomitantemente o próprio,
abala a instância da profundidade, ou seja, espiritual, por transcender para além de uma
experiência possível.
“(...) passei a acreditar que o início não é aqui, e que a vida é uma escola. O início da
nossa vida está em outro plano. Aqui é só o trabalho para a capacitação.”(Esperança)
“(...) creio ser importante o uso da arte como um instrumento e do foco, para
permanecer no presente, sem fantasmas, sem perder energia com os meus medos,
apesar de ser uma cilada constante, principalmente, na vivência com o HIV. Agora
creio, segundo o Taoismo, na ‘mutação pelo princípio da vida’, o que me dá
consciência, mas sem garantia que haja prosseguimento com a vida após a morte. Já
no Budismo, sigo que ‘não importa que a gente perca a consciência divina, porque
sempre haverá a chance de recuperá-la’, algo que é simbolizada pela Flor de Lótus
de Mil Pétalas, ou seja, a cada pétala, uma consciência que se abre. Quanto à visão
Oniteísta, sobre o princípio da vida, ‘estamos nela para entrar em um dinamismo’,
entre o eixo do bem e do mal.” (Cuidado)
Neste sentido, a dimensão espiritual passou a integrar esta vivência, o que também
imbricou em intensas modificações.
“No espírito, fortaleceu a minha fé, pois me dediquei mais a minha crença, a ter
confiança e mais fé.” (Paz)
“(...) passei a ter mais fé nos meus orixás, quanto à saúde e a vida.” (Ternura)
“(...) tenho mais esperança que vou ser curado e tenho mais fé, até voltei a
frequentar a igreja.” (Receptividade)
106
No espírito, a vivência do HIV/ AIDS, contribuiu para ter mais fé; aumentar a
esperança; se consolar em Deus; buscar apoio em crenças e ritos diversos; ser solidário
consigo e com os outros; voltar a nutrir o espírito; e lidar com a tristeza, com o medo e com a
vontade de desistir da vida.
“(...) creio que ‘o mau que eu não quero, esse eu faço. E o bem que eu quero, esse
não pratico’. Eu tenho esperança, mas tem hora que quero desistir. Mesmo quando
estava drogada, eu tinha sede de Deus.” (Respeito)
“(...) aumentou a minha fé, rezo mais para Nossa Senhora das Graças, que me dá
suporte na hora da tristeza e me dá alívio psicológico. Antes do meu avô falecer, me
fez prometer que quando eu precisasse, pedisse socorro à santa.” (Vivacidade)
“(...) sobrevivência. A cada dia, meu dia de luta, principalmente pelo meu filho, que
é minha razão para viver.” (Felicidade)
“(...) hoje peço muita ajuda a Deus, por mim e meu filhos.” (Infinitude)
“(...) melhorei mais, me levou a cuidar mais de mim e minha família, e me preocupo
mais com minha filha.” (Solidariedade)
“(...) no caso, com o meu marido, que apesar de não ter o diagnóstico, me afastei por
me preocupar com ele. Isto nos trouxe problemas, pois não sei se ele se droga por
causa do meu diagnóstico de HIV.” (Ternura)
“(...) fico com medo de contaminar uma pessoa, ao me relacionar sexualmente com
homem. E se ele não usar preservativo, perco a vontade de me relacionar.”
(Gratidão)
“(...) antes eu não usava preservativo nas relações íntimas, mas hoje, eu já considero
necessário prevenir. Minha esposa faleceu, e era portadora do HIV.” (Vivacidade)
“(...) tenho receio de contar para um namorado que possuo o HIV.” (Criatividade)
“(...) transmiti para o meu marido, pois tinha momentos em que ele recusava usar o
preservativo. Ele tinha preconceito, e quando contraiu o vírus, mudou o jeito de
pensar. Mas é algo meio chato, me sinto em parte, culpada por isso.” (Sensibilidade)
Porém, ainda que a maior parte dos relatos evidenciasse o fato dos participantes não
conseguirem estabelecer ou restabelecer uma relação amistosa com pessoas próximas, houve
relatos que destacaram a presença e a ajuda de pessoas como suporte ante a enfermidade, e a
doença como motivadora da solidariedade com o próximo.
“(...) rejeitei muitos parceiros por conta do medo. Fiquei mais solitário, e sinto falta
de diálogo com outras pessoas. Também fiquei mais solidário para ajudar amigos e
familiares.” (Cuidado)
“(...) perdi a minha vida social, apesar de alguns amigos e familiares virem me
visitar em casa e no hospital.” (Receptividade)
“Nos relacionamentos, perdi muitos amigos por causa do HIV. Mas outros amigos
que sabem, me ajudam.” (Paz)
“(...) sou cuidadosa para revelar a amigos e familiares que tenho HIV. Hoje, escolho
me relacionar sexualmente com parceiros que também tenham o HIV, para que eu
não sofra preconceito. Percebo que a convivência fica melhor, e há um cuidado e
ajuda mútua.” (Infinitude)
“Eu me sinto mais forte, por conta da minha trajetória de recuperação. Ainda que ao
mesmo tempo, eu tenha uma enfermidade que me traz de volta a ela, através de
alguns fantasmas... Mas reconheço: “mutação sempre”!” (Cuidado)
A vivência atual do HIV foi sentida como algo normal; tranquila; que possibilita
amadurecimento.
“Me sinto normal, tenho a certeza que tenho HIV, e preciso me cuidar.”
(Solidariedade)
“Fiquei doente, descobri que tinha HIV, foi um “baque”! Mas, hoje consigo encarar
com alguma tranquilidade.” (Receptividade)
“Me sinto normal. Os medicamentos são chatos, ruins e me dão enjoos, mas é um
mal necessário.” (Bondade)
“Me sinto ótima. Tem altos e baixos sempre... Rezo, peço ajuda a Deus, e sigo em
frente!” (Esperança)
“Eu tenho expectativas no que vier. E quero casar... Mas não quero perder a
liberdade que encontrei em Jesus. E se as coisas não vierem de Deus, não quero!”
(Respeito)
109
“Eu tenho que aprender muito ainda, para atingir o alvo do projeto para minha vida.”
(Esperança)
“Eu sei que na minha vida espiritual, Deus tem um plano. Eu posso testemunhar
muito que Ele mostra pra mim, e que me revela por visões, para ajudar as pessoas. E
quando eu começo a louvar, sinto uma leveza... Ele fala comigo! Dobro os joelhos
para orar, e assim como eu sempre quis, fiquei com as marcas neles de tanto me
ajoelhar.” (Bondade)
“Eu sou uma filha amada por Deus, e em um processo de transformação.” (Respeito)
“Fazer tudo certinho, crer que tudo vai dar certo, e que um dia vou encontrar com os
meus filhos e Deus, lá no céu. Eu tenho muita fé, desde pequena. E tudo que eu faço,
peço para Deus, e sempre oro.” (Solidariedade)
“Eu peço orientação a Deus para Ele me guiar quanto ao que tenho que fazer.”
(Sensibilidade)
“Eu acredito em Deus e que serei curada, pois Ele tem Poder! Por isso, tenho fé para
continuar a viver normalmente.” (Criatividade)
“Deus me dá muita força, eu tenho esperança, acredito no destino, nada acontece por
acaso. Deus segura, perdoa nossos erros, para continuarmos vivendo e aliviar o
nosso sofrimento.” (Gratidão)
110
“Eu penso que aqui na Terra é tudo passageiro. Acredito em Deus, e que depois da
morte a gente vai para o céu. É muita fé que eu tenho. É uma forma de ajudar a
esquecer dos problemas.” (Receptividade)
A segunda mais frequente foi a relação com as pessoas, por meio de laços de
comunhão e solidariedade, que dá sentido, e evidenciada pela mobilização em ajudar.
“Eu me sinto bem, ao fazer o bem para as pessoas que gostam e que precisam de
mim.” (Infinitude)
“Eu procuro conselho dos meus amigos espíritas, e conto meus problemas para a
psicóloga, quanto ao que devo fazer ou não.” (Sensibilidade)
“Eu gosto de vivê-la, pois ajuda a mim e outras pessoas. Traz conforto, notícias boas
e alerta para coisas que tem que ser corrigidas. É gratificante, pois ajuda alguém e te
dá sentido.” (Ternura)
“Vejo como algo positivo e bom. Me ajuda a enfrentar os problemas da minha vida.”
(Paz)
“Forte demais, senão teria ‘chutado o pau da barraca’ há muito tempo.” (Felicidade)
“Eu tenho uma conexão muito forte com as coisas que ainda estão para acontecer...
Sonho com pessoas falecidas que me falam coisas, e que realmente acontecem. Fico
meio aflito, uns ‘padres nossos’ e ‘aves Marias’ resolvem a questão, e durmo em
seguida. Eu percebo as questões espirituais sobre mim.” (Vivacidade)
“Não sou estudioso de nenhuma linha, e faço uma colcha de retalhos do que me
interessa. Por vezes, tenho uma preguiça espiritual. Não me vejo seguindo alguma
linha, mas mantenho o princípio de mutação, e procuro respeitar os
fundamentalistas, apesar de eu crer que não existe nada que não seja divino, e que
neste universo está tudo incluído.” (Cuidado)
“Crença que a gente está com Deus, que fez tudo, que existe, e que Ele está
conosco.” (Solidariedade)
111
“Estar ligada em Deus, pois sem Ele, não sei se teremos forças para viver.”
(Infinitude)
“Significa uma Força Divina, que me ajuda a fazer escolhas e opções, a dizer e não
dizer palavras.” (Paz)
“É a gente ter fé no Ser Superior, que nos ajuda em todos os momentos da vida. E
crer que tudo vai se realizar com sua própria fé.” (Felicidade)
“A vida.” (Esperança)
Conquanto não haja uma única definição para espiritualidade, cabe a cada pessoa
defini-la por si próprio, a partir de suas vivências e experiências com o transcendente, o que
independe de ser algo pessoal ou coletivo.
“Não sei definir, mas ela existe... Eu não acredito em bruxas, mas elas existem.
Você pode até não acreditar, mas a espiritualidade também existe.” (Respeito)
“Fazendo orações, pedindo a Deus por força e saúde, e agradecendo a Ele os dias de
vida que tem me dado.” (Felicidade)
“Eu oro, peço a Deus, converso com Ele, e peço para guardar a minha filha onde ela
estiver. Vou a Igreja, eu canto e participo de cultos no lar.” (Solidariedade)
“Eu gosto de falar sobre Deus, conversar, orar, louvar e ler a Bíblia.” (Bondade)
112
“Canto, oro, discípulo adolescentes, faço visita nos lares para as pessoas se sentirem
melhor, e transmito ânimo. Gosto também de ir a parques florestais, fazer trilhas, e
dançar.” (Criatividade)
“Já fui muito a Igreja, mas devido ao estado físico, modifiquei. Faço as minhas
orações em casa, tenho minha santinha “Nossa Senhora de Aparecida”. E gosto de
mexer com planta, fazer horta e colher.” (Gratidão)
“Falando muito sobre os ensinamentos de Alan Kardec, porque na minha vida ele é
tudo. Além de outros colaboradores. E rezo por amigos. E gosto do contato com
incenso e pedras.” (Esperança)
“Faço contato com meu Deus, o mesmo da Bíblia. Já que a Bíblia é a minha
profissão de fé. E pra mim, lidar com a questão espiritual, é também autocuidado,
algo que compreendi a partir do momento que retomei o contato consciente com
Deus. Se a pessoa não acreditar que há Algo mais forte que o HIV, vai sucumbir,
definhar e ficar sem esperança.” (Respeito)
“Lido com o bom humor... Foco na delicadeza com o próximo; e tolerância, que é o
limite enfático, quando há a manifestação de outra vertente que não seja a minha,
por exemplo, as questões da ira divina. E me expresso através das artes, como
pintura, fotografia, escultura, teatro, vídeos, poesias e crônicas. Canto em um coral e
participo de aulas de canto. E ainda, através do silêncio e solidão.” (Cuidado)
“Ajuda para o espírito e para mente, ser bem recebido nos lugares onde for e sentir-
se compreendido através das demonstrações de gestos.” (Paz)
O aspecto de acreditar em Deus surgiu novamente nas percepções, mas como uma
necessidade, seguido de ter fé, ânimo, reforma íntima e cura.
“Fé.” (Vivacidade)
“Ter uma fé maior e poder acreditar que Deus tem um propósito na vida dessa
pessoa, e que Ele pode curar.” (Bondade)
“Buscar um caminho positivo, que gere conforto e que prepare o espírito.” (Ternura)
“Tem a necessidade de aprender mais da Palavra, contida na Bíblia, e orar mais, para
se fortalecer.” (Solidariedade)
“Depende muito, pois tem gente que não crê em nada. Agora, a religião pode ajudar
bastante, pra quem tem fé, é um suporte.” (Gratidão)
“Ouvir oração pelo rádio, tomar copo de água abençoado, participar de correntes de
oração, e ser ungida com óleo ou azeite.” (Felicidade)
“Conversas com os médicos e com pessoas que tem o HIV. Além de buscar cultos,
orações no centro, e assistir a palestras.” (Infinitude)
Assim como ir a igreja, ler a bíblia e ajuda psicológica. Destaca-se entre as terapias e
ajudas alternativas, o hábito de visitar instituições religiosas, a prática da leitura e alguns
serviços de saúde.
“Ir a Igreja, e sempre gostei de ler a Bíblia.” (Receptividade)
“Livros de autoajuda da autora Iyanla Vanzant. Além de reuniões com rezas no lar,
tomar passes, uso de incensos em casa, e alimentação saudável, por meio da filosofia
do veganismo.” (Esperança)
“Muitas, entre elas integrar a seita do Santo Daime, e fazer o uso de drogas
alucinógenas como cogumelo e ervas. Também busquei recursos esotéricos, mantras
e Hare Krishna. Frequentei consultas psicológicas, por obrigação. Já li livros de
autoajuda. E hoje, leio a Bíblia, pois abriu o meu entendimento. E participo de jogos
na internet, que trata sobre a cultura Espartana, que aprendi a jogar e ser uma
guerreira.” (Respeito)
“Fumo... E acredito em Deus, pois é minha terapia. Não adianta buscar tomar suco
de babosa, fazer macumba e mais coisas.” (Gratidão)
“Não ouvi falar, mas recebi orações, em igrejas, através de irmãos membros.”
(Infinitude)
“(...) recebi orações, tanto na minha Igreja, quanto em casa e no serviço, através de
minha mãe, esposa e irmãos na fé.” (Bondade)
“(...) oraram por mim, no hospital, foi um irmão da minha Igreja.” (Receptividade)
115
“(...) a Catula, ritual de raspar a cabeça; fiz o santo ou cabeça, são as mesmas coisas;
e a cura, por meio de cortes no corpo. Foi lá no barracão, através do pai de santo,
mãe pequena, e pai pequeno, que são os meus padrinhos de centro.” (Ternura)
Quadro 5- Caracterização das experiências consideradas pelos participantes como Cuidados Espirituais. Niterói/
RJ. 2014.
CUIDADO ORAÇÕES RITUAIS COMPARTILHAR ACONSELHAMENTO LEITURA AJUDAS
ESPIRITUAL ESPIRITUALISTAS A FÉ BÍBLICA DIVERSAS
PASSE, CATULA, SANTO BENÇÃO, SER
DAIME, TRABALHO, APRESENTADO A
LIMPEZA ESPIRITUAL, JESUS, ABRAÇO
PALESTRAS ESPÍRITAS
ONDE? - IGREJA - BARRACÃO - HOSPITAL - IGREJA - IGREJA - IGREJA
- CASA - CENTRO DE - CLÍNICA DE - CENTRO ESPÍRITA
- HOSPITAL CANDOMBLÉ REABILITAÇÃO
- TRABALHO - CASA ESPÍRITA PARA ADICTO
- CENTRO ESPÍRITA - ENCONTROS AO
CARDECISTA AR LIVRE
- CENTRO DE
UMBANDA
- CENTRO STº DAIME
- DIVERSOS LUGARES
“(...) aconselhamento e todo tipo de ajuda, na minha Igreja, por meio dos pastores.”
(Felicidade)
“(...) desde pequena, a leitura da Bíblia, na Igreja, através do meu pai e dos
pastores.” (Solidariedade)
116
A Biblioterapia, segundo relatos dos participantes, foi percebida como algo presente
na vida da maioria deles. Exceto um participante revelou nunca ter recebido ou realizado algo
parecido. Para tanto, as entrevistas facilitaram o conhecimento de algumas experiências deles
com relação à biblioterapia, destinados a algum fim terapêutico; além de permitir saber os
tipos de literatura mais apreciados, para corresponder a uma dada dificuldade e necessidade
provenientes da vivência com o HIV/AIDS.
“Meus familiares, meu filho e o pastor leram pra mim a Bíblia.” (Amor)
“Voluntárias de uma Igreja, que vieram aqui no hospital, leram para mim trechos da
Bíblia. Me senti muito aliviada e mais calma, mesmo que eu não entendesse
algumas partes.” (Infinitude)
“Desde pequena, meu pai lia pra mim, os Salmos 91 e o 23. E gravei, para poder
lembrar sempre que eu estivesse em risco. Aí eu recordava e orava para Deus me dar
a resposta.” (Solidariedade)
“Leram pra mim os Salmos da Bíblia, há pouco tempo, para me dar força. Eu estava
emagrecendo e com tuberculose... Foi minha ex-sogra e um rapaz que leram para
mim. Me senti bem, eu gosto de ouvir estas Palavras.” (Gratidão)
“Quando meu filho nasceu, eu não sabia que era HIV+. Teve um dia que eu e ele
não conseguíamos dormir, então o marido de minha cunhada fez uma oração e pediu
para que todos os dias eu lesse um Salmo específico “Em paz me deito e logo
adormeço, pois só tu Senhor, me faz viver em segurança” (Sl 4:8). Me ajudou a ter
sono, e paz de espírito, que eu estava precisando.” (Felicidade)
“Estava passando por necessidades, e li sobre os Salmos 119 e 124, pois o Senhor
está com a gente todo em momento.” (Bondade)
O quadro 6 corrobora esta proximidade das pessoas com a biblioterapia, mesmo que
estas não detivessem o pleno conhecimento de que se constituía em um momento terapêutico,
de fato. Percebe-se que nestas experiências anteriormente vividas, os participantes da pesquisa
foram capazes de: identificar uma determinada necessidade vivenciada; apontar atitudes que
pudessem resultar em suporte emocional e espiritual; e de compreenderem que a experiência,
por um momento, proporcionou-lhes conforto ou solução de suas queixas. Outro ponto, é a
ação desenvolvida em prol do próprio eu, consigo e com a participação de um outro,
independente deste “outro” saber que a sua atitude revelou-se benéfica ao receptor de sua
mensagem.
Quadro 6- Experiências relacionadas à Biblioterapia na vivência do HIV e AIDS. Niterói/ RJ. 2014.
INSTRUMENTO MOMENTO PESSOAS ENVOLVIDAS RESULTADOS
“O meu esposo, durante a reunião do lar, leu uma passagem do livro “Os
Mensageiros”, de Chico Xavier. Isso me trouxe um refrigério, porque meu filho
estava fazendo coisas erradas, e eu precisava tomar decisões.” (Esperança)
“Eu vi um filme de uma criança que tinha leucemia, os pais dela foram para a Igreja,
e no fim ela é curada. Esta história me trouxe bastante fé. Chorei e me senti tocada
com a história.” (Criatividade)
“Minha mãe é espiritualista, e ela vivia lendo para mim e meu irmão. E me ensinou
uma oração que me trouxe bem-estar. Lembro também de uma oração, de Saint
Germain, que minha amiga da Chama Violeta me ensinou. Que me trouxe paz,
quando eu estava a “mil por hora”, e adormeci imediatamente. Fiquei tranquilo. E
ainda, em outra experiência, as orações do Santo Daime, que me trouxeram paz.”
(Cuidado)
Com relação aos momentos vivenciados, a maior parte refletiam situações em que os
participantes se encontravam com necessidades diversas. Dentre as pessoas envolvidas, os
familiares foram os mais presentes. Em relação aos resultados proporcionados, estavam
intimamente associados ao bem-estar físico, emocional e espiritual. Todavia, houve um
momento atípico, relatado por um participante, relacionado à vivência do estado de coma, que
mesmo neste quadro clínico, conseguiu refletir acerca dos versículos bíblicos lidos
anteriormente, quando todos os reflexos estavam preservados.
“Eu li um versículo em Filipenses 4:13 que dizia “tudo posso naquele que me
fortalece”. Isso foi logo no começo que fiquei internado, e me ajudou quando eu
estava emagrecendo muito. Fiz um propósito com Deus... E que me trouxe um
conforto e me deu esperança para viver. Eu fui um paciente do CTI, fiquei sedado,
os médicos não me davam esperança, falavam que eu não iria sobreviver a cirurgia.
Mesmo assim, eu reafirmava este versículo à minha vida, e estou aqui. /choros/”
(Receptividade)
Ante a vivência do HIV/ AIDS, as literaturas mais apreciadas para ajudar nos
momentos de dificuldades, foram de cunho religioso, além de reflexões, letras de música e
poesias. E as maiores necessidades a serem supridas correlacionavam em promover o
119
Figura 9- Tipo de literatura apreciada para corresponder determinada necessidade na vivência do HIV e AIDS/
Frequência de participantes. Niterói/ RJ. 2014.
Quadro 7- Proposta literária ofertada para determinado fim terapêutico. (N=47). Niterói/ RJ. 2015.
NECESSIDADE TIPO TEXTUAL PROPOSTA LITERÁRIA FINALIDADE
RELATADA
DESVALORIZADO REFLEXÃO CRESCER É... MOTIVAR O
AUTOCUIDADO
LETRA DE MÚSICA É PRECISO SABER VIVER
CONTO O PEDREIRO
POEMA OCEANOS SÃO FEITOS DE GOTAS D'ÁGUA
RELIGIOSO ORAÇÃO DO AMANHECER
VERSO PEGUE UM SORRISO
COM BAIXA REFLEXÃO A PARÁBOLA DA ROSA AUMENTAR A
AUTO-ESTIMA AUTOESTIMA
REFLEXÃO APRENDI
REFLEXÃO CONVITE
CONTO DE BEM COM A VIDA
POESIA EU APRENDI...
VERSO NINGUÉM
REFLEXÃO DE CUNHO CONCLUSÃO – LIVRETO SALMOS PARA
RELIGIOSO ENFERMOS
COM LETRA DE MÚSICA AQUARELA PROMOVER A
DESESPERANÇA ESPERANÇA
REFLEXÃO ATIRE A PRIMEIRA FLOR
CONTO MOINHO DE SONHOS
REFLEXÃO DE CUNHO A ANSIEDADE ESTÁ ME DOMINANDO – LIVRETO
RELIGIOSO SALMOS PARA ENFERMOS
COM FRAQUEZA REFLEXÃO IMPOSSÍVEL ATRAVESSAR A VIDA... FORTALECER A
ALMA E O
ESPÍRITO
REFLEXÃO NÃO DESISTA!
REFLEXÃO DE CUNHO OLHE
RELIGIOSO
REFLEXÃO SOBREVIVENDO
REFLEXÃO DE CUNHO PEGO DE SURPRESA – LIVRETO SALMOS PARA
RELIGIOSO ENFERMOS
REFLEXÃO DE CUNHO SINTO-ME TÃO FRÁGIL – LIVRETO SALMOS PARA
RELIGIOSO ENFERMOS
SEM POEMA A VIDA TEM VALOR ENCONTRAR
PERSPECTIVA RAZÕES PARA
VIVER
POEMA MOTIVO
REFLEXÃO DE CUNHO NO CAMPO DO MUNDO TU ÉS UM SEMEADOR
RELIGIOSO
LETRA DE MÚSICA O QUE É, O QUE É?
POEMA O SENTIDO DA VIDA
REFLEXÃO DE CUNHO VOCÊ JÁ EXPERIMENTOU DEUS? – LIVRETO
RELIGIOSO SALMOS PARA ENFERMOS
EM AFLIÇÃO LETRA DE MÚSICA A PAZ SENTIR PAZ
CONTO O VELHO SÁBIO
CRÔNICA A PAZ QUE EU QUERO
REFLEXÃO DE CUNHO COMO GOSTARIA DE TER PAZ – LIVRETO
RELIGIOSO SALMOS PARA ENFERMOS
EM SOFRIMENTO CONTO O RIACHO E O PÂNTANO ALIVIAR A DOR E
O SOFRIMENTO
CONTO QUATRO ESTAÇÕES
REFLEXÃO DE CUNHO NÃO ENTENDO O SOFRIMENTO – LIVRETO
RELIGIOSO SALMOS PARA ENFERMOS
COM SOLIDÃO CONTO BELA HISTÓRIA E BOA LIÇÃO LIDAR COM A
SOLIDÃO
REFLEXÃO DE CUNHO PEGADAS NA AREIA
RELIGIOSO
POEMA SOZINHA
REFLEXÃO DE CUNHO VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHO
RELIGIOSO
REFLEXÃO DE CUNHO ESTOU MUITO SÓ – LIVRETO SALMOS PARA
RELIGIOSO ENFERMOS
COM TRISTEZA CRÔNICA FELICIDADE FICAR FELIZ
REFLEXÃO O VALOR DE UM SORRISO
CRÔNICA SER FELIZ
CRÔNICA A TRISTEZA PERMITIDA
POEMA SER FELIZ
REFLEXÃO DE CUNHO O DESÂNIMO ME ESMAGA – LIVRETO SALMOS
RELIGIOSO PARA ENFERMOS
Fonte: Elaborado pela Autora, 2015.
121
Ressalta-se que a seleção das literaturas que foram aplicadas nas intervenções,
passou anteriormente pelo crivo da psicóloga voluntária, a fim de poderem ser oferecidas de
forma apropriada. Foi prevalente a escolha por literaturas com conteúdos religiosos e
reflexões (Figura 10). Bem como foi imperativo suprir a fraqueza, por meio do fortalecimento
da alma e do espírito, e promoção da esperança.
Figura 10- Tipo de textos optados pelos participantes para servir como suporte emocional e espiritual referente
às necessidades vivenciadas no momento da intervenção biblioterapêutica/ Frequência de participantes. Niterói/
RJ. 2014.
TIPO DE TEXTOS OPTADOS PARA DETERMINADA NECESSIDADE
DURANTE INTERVENÇÃO BIBLIOTERAPÊUTICA
NECESSIDADES
TIPO DE TEXTO
- Fortalecer a alma e o espírito (6)
- Religiosos (8)
- Promover a esperança (4)
- Reflexões (5)
- Sentir paz (3)
- Letras de música (2)
-Aliviar a dor e o sofrimento (2)
- Poesias (2)
- Motivar o autocuidado (1)
- Crônicas (1)
- Lidar com a solidão (1)
- Versos (1)
- "Para ajudar em tudo na vida"(Respeito)
- Contos e histórias (1)
- "Sentir mais confiante"(Felicidade)
- Outro: Romance (1)
- "A cura" (Solidariedade)
Quadro 8 - Textos utilizados nas abordagens biblioterapêuticas, por classificação temática e frequência. Niterói/
RJ. 2015.
TEXTO TIPO FREQUÊNCIA
(X)
Salmos para Enfermos: Religioso [= 8]
Sinto-me Tão Frágil 2
Você Já Experimentou Deus? 2
Pego de Surpresa 1
Não Entendo o Sofrimento 1
A Ansiedade Está Me Dominando 1
Conclusão 1
Não Desista Reflexão 2
Olhe Reflexão 2
Quatro Estações Reflexão 1
Atire a Primeira Flor Versos 1
Moinho de Sonhos Conto 1
Fonte: Elaborado pela Autora, 2015.
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“Posso encontrar outras pessoas que tenham um sonho em comum. Sempre pensar
alto, ter esperança, fé e lutar por aquilo que você sonha. Amadurecimento com o
tempo. E ajudar pessoas a superar a timidez, assim como eu.” (Paz)
“Não podemos parar, temos que persistir, o alvo pode estar perto de alcançar.”
(Vivacidade)
- Reflexão “Olhe”
“Minhas filhas e minha família são a minha razão para viver.” (Esperança)
“Bem. Pois são bem verdadeiros e reais. Me parece alguns ditados de Jesus, do tipo
dar a outra face.” (Gratidão)
“Bem.” (Amor)
“Bem. Gostei das coisas faladas, pois a fruta também dá frutos.” (Ternura)
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“Me sinto bem e vou reler o texto novamente. Aprendi que Deus não me abandonou
e está comigo em todos os momentos, principalmente nas dificuldades.” (Bondade)
“É uma reflexão para a vida. Muito legal, vou postar no Facebook e compartilhar pra
todos.” (Vivacidade)
“Muito bem. Creio que sei que o Senhor é Deus e tudo está sob o seu controle.
Apesar de tudo, me sinto confiante em Deus.” (Felicidade)
Houve relatos que indicaram a contribuição para a vida interior, uma vez que sentiram
bem e conforto; deu esperança; estimulou a pensar em lutar contra a timidez; confirmação;
fortalecimento e ânimo.
“Eu gostei porque estou me sentindo bem, mesmo no início quando não queria
muito participar. Mas depois as coisas ficaram melhores. Por que a pesquisadora
ouviu e passou conforto. Gerou resultados, pois pesquisa sobre a espiritualidade,
nunca houve neste setor.” (Felicidade)
“Só veio confirmar os Salmos que eu estava lendo, e o que Deus tem para a minha
vida.” (Bondade)
Alguns obtiveram como resultado, sentir confiança na vida; alívio em poder desabafar;
ajudou a refletir; sentir paz e tranquilidade; força de vontade; aprender mais; melhora do eu
com os outros; acreditar na capacidade própria; mais fé e saber da Presença de Deus.
“Mais fé, e saber que nas pequenas coisas Deus está.” (Receptividade)
“Para a melhora do meu eu com os outros, contribuiu para ter mais força de vontade,
e acreditar mais na minha capacidade.” (Criatividade)
“De me cuidar cada vez mais, e não abandonar os tratamentos em geral. A minha
vida é um livro.” (Ternura)
“Não haveria tanta gente doente no mundo. Não precisaria de tantos médicos e nem
de tantas farmácias. Isto já dá conta da alma e do espírito que está no corpo.”
(Esperança)
“Eu acho que a gente tendo fé em Deus e conversas sobre espiritualidade, ajudaria
no cuidado. Seria muito bom ter este momento, pois gera esperança, principalmente
para aqueles que abandonam os tratamentos. E queria que houvesse mais vezes.”
(Felicidade)
“Deveria ser estendido a todos os ramos da Medicina, porque o ser humano não é
apenas uma parte, mas corpo, alma e espírito.” (Respeito)
“Deveria ser mais divulgado, pois muita gente não se interessa em saber sobre
tratamentos da saúde, e acabam nas ‘garras’ da doença.” (Vivacidade)
“Os pacientes pensam que só vão ser medicados, e não estão sendo preparados
nisso. Logo, pode contribuir.” (Ternura)
“Pode contribuir para refletir, pois são palavras positivas e confortantes.” (Gratidão)
“É uma ajuda, ainda mais quando há momentos na vida em que me sinto jogada
entre os mortos... Contribuiu em saber que só Deus nos ajuda e ter fé. Não adianta se
cuidar por fora, e lá dentro eu estar mal à bessa.” (Solidariedade)
“(...) por causa do ser humano não ser somente matéria.” (Respeito)
“Indicaria, eu acho que toda palavra de ânimo e paz são bem vindas pra todos, com
HIV ou não.” (Bondade)
“(...) por que os médicos só falam de carga viral, CD4+, remédios... É algo inovador
para cura do espírito, porque do corpo já tratam, e muitas pessoas não buscam o
cuidado espiritual.” (Felicidade)
E ainda, sentir alívio; fortificar; fortalece para conversar com as pessoas abertamente;
encontrar alívio em Deus; ajuda a mudar o foco da doença para o prazer; aprender; momento
de atenção e cuidado; possibilita troca de experiências; conforto e motiva e incentiva a
atenção com o paciente, por exemplo.
“Eu indicaria, pois senti coisa boa, houve troca de experiências, recebi e passei.”
(Ternura)
“(...) para sentirem o mesmo alívio que estou sentindo. É um fortificante, você toma
e fica forte para conversar com as pessoas abertamente, ficar mais consciente e
encontrar alívio em Deus.” (Solidariedade)
“(...) porque os livros, textos e leituras são vida. Ajudam a mudar o foco da doença,
para o prazer. Se liberta da coisa, ou seja, do mundinho da doença. E aprende.”
(Esperança)
“(...) por que gostei bastante, e é bem capaz que uma pessoa esteja precisando desse
momento de atenção e cuidado. Pelo fato de a pessoa se sentir à vontade.”
(Criatividade)
“Indicaria. Por que a pessoa às vezes está numa fase triste na vida, e terá uma ajuda
naquele momento, e conforto. Vou compartilhar este momento e farei a leitura para
minha irmã.” (Infinitude)
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“Eu indicaria, mas depende do grau de instrução. Quem gosta e acredita, é válido e
não mera bobagem. Pois motiva e incentiva a atenção com o paciente, que sente-se
fragilizado, e o próprio cuidado.” (Gratidão)
“Nada.” (Criatividade)
“Nada.” (Gratidão)
Entretanto, ao ser dado mais tempo para refletirem sobre possíveis sugestões para esta
abordagem, surgiram que deveria ser feita “mais vezes”; ser realizada à parte das consultas de
saúde; a pessoa que aplicar a intervenção deve estar preparada espiritualmente e ser sincera; é
importante a troca de experiências de vida; ser realizado em grupo; mais liberdade para falar;
imagens para ilustrar a narração; e uma oração.
“Foi descontraída e dada de forma suave, e não falta nada. Deus pode prover no
momento. Mas tem que estar preparado espiritualmente.” (Bondade)
“Mais liberdade para falar. E usar cartões com imagens criteriosas, para melhor
visualização do que está sendo falado através do texto.” (Cuidado)
“Continua assim... Vai melhorar mais ainda. Nunca é por acaso. Há um propósito
para isso ter acontecido. Eu acho que tem que ter mais vezes, pois aumentou minha
autoestima e aliviou ao desabafar.” (Solidariedade)
“Faltou a questão de ser feita mais vezes. Algo que necessita de pessoas que sejam
sinceras, e que não explorem o portador. É importante a questão da troca, falar sobre
experiências espirituais e sobre a vida.” (Felicidade)
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“Achei legal. A pesquisa é importante, pois precisamos do cuidado para além dos
remédios.” (Sensibilidade)
“Achei legal, pois houve troca de experiências em horas específicas. Poderia ser
mais vezes.” (Ternura)
“Gostei muito! Só faltou a trilha sonora instrumental. Adorei, espero que consiga
resultados.” (Esperança)
“A intervenção foi boa, mas cansou um pouco por conta das perguntas.” (Amor)
E a pesquisa foi apreendida como algo “diferente”, que possibilitou refletir sobre o
cuidado espiritual entre profissional de saúde e paciente, e perceber no momento alguns
resultados.
“Pensei que era negócio de espiritismo... Será que vai incorporar alguma coisa? Eu
não quero saber disso não! Mas agora sei que é diferente... Hoje, quando entrei aqui
no hospital, me deu uma sensação de choro e insegurança, agora fiquei melhor, e
parei de tremer.” (Solidariedade)
“Momento abençoado, cheio de graça. Uma via de mão dupla, entre o profissional
de saúde e paciente, para que este se sinta motivado em buscar a sua reintegração
como um todo: ser humano completo e saudável fisicamente, mentalmente e
espiritualmente.” (Respeito)
identificados com maior magnitude nas regiões Norte Fluminense, Baía de Ilha Grande e
Capital. Ante aos dados apresentados, percebe-se a necessidade de fortalecer os serviços de
prevenção do HIV e AIDS, de promoção da saúde e de tratamentos, para melhor acolher e
atender a este público específico, e reduzir agravos de saúde à população. Com esta
finalidade, no caso do Estado do RJ, este realiza o acompanhamento ambulatorial das
PVHA, através de exames complementares e atendimento clínico, em centros de saúde e,
hospitais especializados e universitários, pertencentes as três esferas de governo.
Paralelamente, os dados mencionados referentes ao cenário apresentado, em
comparação aos dados obtidos através dos quinze participantes da pesquisa, permitiu tratar
algumas das características que condizerem à realidade, anteriormente abordadas.
Inicialmente, notou-se que a população da pesquisa corresponde a 0,002% de pessoas vivendo
com o HIV/ AIDS no Brasil. Entre as pessoas que correspondiam aos grupos populacionais
com maior prevalência do HIV/ AIDS, apenas 1 (6,6%) assumiu como bissexual, assim
integra o grupo de “homem que faz sexo com homem”, em controvérsia a grande maioria que
assumiu ser heterossexual, ou seja 14 (93,3%); e 1 (6,6%) assumiu ser usuário de drogas, e
acreditava ter contraído o vírus pelo uso de drogas injetáveis. E apesar de o cenário brasileiro
demonstrar a prevalência de AIDS entre homens, a maioria dos participantes do estudo
consistiu em mulheres, sendo 10 (66,6%) ao total.
Complementarmente, em relação à raça/cor, houve diferença estatística, pois a maioria
dos participantes se considerava pardos, ou seja, 6 (40%). Porém não houve indígena na
amostra. E conforme faixa etária há uma semelhança entre os dados, uma vez que houve
concentração nas idades relativas à adultez jovem e média, conquanto no cenário brasileiro
observou-se entre 25 a 39 anos, e na pesquisa foi entre 18 a 30 anos sendo 3 (20%), e entre 31
a 45 anos sendo 7 (46,6%), no que totaliza 10 (66,6%), ou seja a maioria. Quanto ao nível de
escolaridade, nacionalmente concentram-se no ensino médio completo e com 5ª à 8ª série
incompleta, e na pesquisa há verossimilhança, todavia 6 (40%) fizeram ensino médio
completo e 3 (20%) incompleto, enquanto 2 (13,3%) corresponderam ao ensino fundamental
completo, e de mesma quantidade, 2 (13,3%) ao fundamental incompleto. Se somados,
configuram a maioria das respostas.
Os participantes da pesquisa representam cerca de 0,05% de indivíduos, se
considerados a parcela de 32.598 adultos tratados no Estado do RJ, sob o ano de 2012. Os
mesmos haviam iniciado o tratamento em anos anteriores, e deram prosseguimento nos anos
posteriores a este. A unidade de saúde do Estado do RJ, que consistiu em cenário da pesquisa,
foi um hospital universitário de esfera federal, no caso o HUAP/ UFF, localizado no
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Município de Niterói, que compõe um centro de referência para tratamento do HIV e AIDS,
ou seja, a CAIDS, e que também realiza internações de PVHA no setor DIP.
Houve um momento que se demonstrou tenso, quando foi indagado sobre a sua percepção
com relação à vivência do HIV/ AIDS. O mesmo relatou que a pesquisa o deixara bem
reflexivo, que a crença e fé em Deus era o que lhe dava sentido para viver, e que acreditava na
esperança de cura da AIDS. No final da entrevista, demonstrou entusiasmo, relatou que a
pesquisa ajudou a refletir sobre a vida, e que o incentivou viver sonhos e planos.
Em seguida, a Felicidade, se demonstrou solidária quanto à participação na pesquisa,
mesmo que tenha relatado não sentir-se muito a vontade de participar, inicialmente. Esta,
também aparentou reflexiva com a experiência, e ressaltou ser importante a ajuda da família à
PVHA. E transpareceu uma frustração e semblante triste, ao relatar sobre o desprezo que
recebia da família do marido. Também disse conformada com a vida, apesar de confiar em
Deus e principalmente, na cura. Por fim, demonstrou-se confortada, ao sentir-se bem.
A Ternura era uma participante bem colaborativa com a pesquisa, porém algumas
vezes demonstrou-se tensa e enfurecida quando interrompida pelos seus dois filhos pequenos,
que adentravam a sala, com brigas entre eles. Mas após resolver a situação, demonstrava-se
concentrada na entrevista, e aliviada por ter alguém para escutá-la. Aparentava convicta que
sua crença a ajudava a lidar com os desafios da vida e da saúde. Esta também transpareceu
surpresa quanto ao tipo de cuidado oferecido, principalmente, por abranger os aspectos
emocionais e espirituais. Ao final, relatou que sentia mais esperanças de viver e enfrentar o
HIV.
A Respeito cooperou substancialmente com a pesquisa. Em todo tempo demonstrou
esperançosa quanto à vida, e a vontade de viver. Relatava que a ligação com Deus, a
proximidade com a família e o filho, era a razão para continuar a viver. Ela oscilava quanto à
expressão de sentimentos, por vezes falava com tom alto e rápido ao tentar transmitir uma
ideia, depois com tom baixo e devagar quando falava de sua história, ao mesmo tempo, houve
momentos em que lágrimas corriam no rosto, e após, sorrisos apareciam. Esta, também
reafirmava a cada momento como se sentia, e demonstrava uma sensação de bem-estar. Ao
concluir a pesquisa, relatou que o momento a fez sentir abençoada e especial.
Inicialmente, o Vivacidade se demonstrou curioso e surpreso com a temática. Ainda
que por vezes aparentasse reflexivo e com dúvidas sobre a pesquisa, a intervenção realizada,
segundo ele, facilitou compreendê-la. Quando tomou consciência que uma literatura faria
parte da intervenção, demonstrou entusiasmo e grato por isto. E ao final, transpareceu ter
gostado da abordagem, e quanto ao texto narrado, pediu para levar para casa, a fim de
compartilhar com amigos. Ao concluir as entrevistas, agradeceu pela participação. Outra
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questão observada foi de que este se demonstrava feliz ao relatar que suas filhas era o que lhe
dava motivo para continuar a viver, e que na fé encontrava forças para lutar contra a doença.
A Solidariedade ao ser abordada apresentou preocupação em participar da pesquisa,
pois tinha dúvidas se estava relacionada a ritos espíritas, uma vez que se denominou
evangélica. Após esclarecimentos, a mesma concordou em colaborar. Primeiramente,
independente da pesquisa, notou-se que estava trêmula, com expressão de preocupação, e
apreensiva com o celular em mãos. Com o decorrer das entrevistas, relatou que ao entrar no
hospital, para o acompanhamento ambulatorial, sentiu insegurança e vontade de chorar, e as
mãos tremiam. Quanto à reação de tremer as mãos, demonstrou dúvidas se estava relacionada
à Síndrome de Pânico, a abstinência de drogas, a interrupção do tratamento com ansiolíticos,
ou se era manifestação do HIV. E acrescentou que por sentir medo, não conseguiu ir sozinha
ao hospital, e assim, obteve ajuda do pai para levá-la, e esperava uma ligação dele a qualquer
momento da entrevista. O conteúdo do seu discurso consistia em dor e tristeza, a mesma
expressava com lágrimas cada momento que relatava sobre sua vida. Isto se tratou de sua
perda, pois um filho ainda bebê, que estava sobre os cuidados de uma vizinha, morreu de
intoxicação, quando a mesma estava internada se tratando de AIDS. E a perda de sua filha de
13 anos que faleceu soterrada, ao tentar salvar duas crianças, em um temporal na Cidade de
Niterói. Ela reafirmou que baseia a sua fé em Deus, e N’Ele busca forças para continuar
lutando. Bem como, lhe traz esperança poder cuidar de sua filha de 1 ano, que não possui o
HIV. No final da entrevista, observou-se que a participante não tremia mais as mãos, e
apresentava uma expressão serena. Ela relatou sentir alívio e relaxamento.
A Sensibilidade foi cooperativa apesar da timidez, e a dificuldade se expressar.
Demonstrava-se reflexiva ao longo das entrevistas, e enfatizava em seu discurso a importância
de “ajudar as pessoas”. Expôs que Deus e a família eram o que lhe davam razões para viver.
Ao concluir as entrevistas, relatou que sentia “o espírito leve”.
A Esperança, diferentemente dos outros participantes, ao ser convidada, apresentou
resistência, e expressou em voz alta que não se interessava em participar da pesquisa. Nisto,
foi respeitada pela pesquisadora, tanto pela decisão, quanto pela compreensão de que estava
nervosa por ter que aguardar muito tempo para ser atendida pelo serviço do setor. Porém,
mudou de opinião ao prestar atenção no diálogo entre a pesquisadora e pacientes da CAIDS,
durante a busca de potenciais participantes na sala de convivência. Aos poucos se aproximou,
integrou as conversas, e se demonstrou curiosa em participar. Após o livre consentimento,
trouxe contribuições significativas para a pesquisa. A mesma demonstrou forte conexão com a
espiritualidade e determinação diante da vida e crenças. Segundo relatos, gostou da
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Diz-se que o tempo passa ou se escoa. Fala-se do curso do tempo. A água que vejo
passar preparou-se, há alguns dias, nas montanhas, quando a geleira derreteu; no
presente ela está diante de mim, ela vai em direção ao mar onde se lançará. Se o
tempo é semelhante a um rio, ele escoa do passado em direção ao presente e ao
futuro. O presente é a conseqüência do passado, e o futuro a conseqüência do
presente (PONTY, 2011, p.550).
O homem /homine/ é um ser que sobressai ao mundo que integra, posto que seja o
único capaz de refletir acerca de si mesmo, e de transformar o bruto percebido em
conhecimento, o alimento de sua existência. Igualmente, este estudo foi engendrado para se
tornar conhecido as percepções daqueles que experenciam a vida com o diagnóstico de
soropositividade para o HIV. E, portanto, “Diríamos que a percepção revela os objetos assim
como uma luz os ilumina na noite, seria preciso retomar por nossa conta este realismo [...]”
(Ibidem, 2011, p.324). Na tentativa de lançar luz no todo apreendido – percepções dos
participantes, conceitos incluídos, e fatos observados e sentidos – viabilizou-se a elaboração
da discussão, sobre distintos enfoques e, que foram consecutivamente detalhados em três
capítulos.
Primeiro, foi abordado no Capítulo V “A Existência Posta à Luz no Viver com o
HIV e AIDS”, onde foram notadas seis faces: do Fantasma da Morte – que retrata o
pensamento e o sentimento de morte, e a vontade de morrer, ante a descoberta do diagnóstico
de HIV positivo; do Mundo Caído – que refere aos complexos existenciais sentidos e
experienciados tanto por causa da descoberta, quanto pela vivência com o HIV e AIDS; do
Espelho Quebrado – que descreve as modificações relatadas pelos participantes, associadas
aos aspectos físico, emocional, espiritual e social, após o HIV em suas vidas; do Laço
Rompido – que remete as perdas de relações afetivas por questões pessoais e/ ou relacionadas
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A presente discussão, não tem a pretensão de explicar sobre o viver com HIV, mas em
continuidade as palavras do filósofo, “reter os momentos do percurso”, ou seja, apreender
algumas vivências dos participantes da pesquisa em relação ao HIV e AIDS, e “ligar um ao
outro os pontos da superfície” (PONTY, 2011, p.325), de tal modo que se possa constituir um
conhecimento reflexivo destas vivências dadas ao mundo.
Na maioria dos relatos, houve significados comuns atribuídos ao viver com o HIV e
AIDS, que aqui foram conferidos como face, uma vez que tais significados tratam-se da
mesma coisa, ou seja, o viver com HIV e AIDS (Figura 11). Assim como em um cubo, este
constitui várias faces, que podem ser visualizadas por distintas probabilidades e ainda, possuir
faces indeterminadas, no entanto, o resultado percebido se tratará do mesmo objeto.
Figura 11- Cubo representativo das faces do “Viver com o HIV/ AIDS”. Niterói/ RJ. 2014.
Face do Fantasma
Face do Espelho
da Morte
Quebrado
Face da Lágrima
Sofrida
Face do Laço
Rompido
Fonte: Elaborado pela Autora, em conjunto com o recurso de Formas da Microsoft PowerPoint, 2014.
Por conseguinte, foi possível conhecer a partir destas vivências, as faces: do Fantasma
da Morte, do Mundo Caído, do Espelho Quebrado, do Laço Rompido, do Cuidado, e da
Lágrima Sofrida.
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A natureza do Ser Humano foi concebida por um Mistério Profundo, que versa a vida
e a morte como uma linha tênue presente na existência do corpo e do universo. O ser nasce no
mundo e com ele estabelece relações, que podem resultar no prolongamento dos dias em vida,
ou no abreviamento do encontro com a morte. Como ainda não há um consenso filosófico e
científico sobre a definição de vida, arriscou-se entender por Vida “[...] a essência da
existência” (CHOPRA, MLODINOW, 2012, p.115), ser princípio de todas as coisas e aquilo
que tudo sustenta, que é chama e luz, que anima o corpo e que por ele dá-se um processo de
continuidade, capaz de propagar-se ao Eterno.
Através do corpo se mostra a fragilidade humana. A vida corporal é mortal. Ela vai
perdendo seu capital energético, seus equilíbrios, adoece e finalmente morre. A
morte não vem no fim da vida. Ela começa já no seu primeiro momento. Vamos
morrendo, lentamente, até acabar de morrer. A aceitação da vida nos faz entender de
forma diferente a saúde e a doença (BOFF, 2012b, p.168).
O Homem em toda a sua concepção enquanto Ser, aspira por vida. Mas há momentos
em que este é confrontado por forças diversas, seja pela dor, perdas, saudades, decepções,
acidentes, adoecimento, entre outras, que o desafia a escolher entre persistir ou desistir, e
querer viver ou morrer. Neste ponto, surge a outra extremidade da existência: a Morte.
“Infeliz e surpresa demais. Revoltada, pensei até que ia morrer... Minha sentença de
morte!” (Felicidade)
Esta por vezes é considerada o fim das coisas, onde não há fulgor, frígida e egoísta,
cálida e solitária, seca e temível, e opondo-se a isto, a possibilidade de um recomeço. Há
pessoas que não concebem o fato de que em algum dia, ela acontecerá. Outras, por perderem
o sentido na vida, buscam adiantar o seu momento de chegada. Há também as que a aguardam
para poderem renascer. “Todas as criaturas vivas nascem e morrem. A parte física decai e é
reciclada em nova vida” (CHOPRA, MLODINOW, 2012, p.116).
“Achei que ia morrer e chorei muito. Pensei em antecipar a minha morte, mas não
tinha coragem. Fiquei mal, ninguém poderia saber.” (Gratidão)
Portanto, um indivíduo ao receber o diagnóstico de HIV e não saber o que fazer com
ele, sofre, pois não aparenta ser algo fácil de enfrentar, posto que aquele que o vive, entra em
conflito com a dicotomia ‘vida-morte’ e ‘saúde-doença’. O passado deste representou ‘ter
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vida e saúde’, enquanto que a descoberta do diagnóstico e progressão para a AIDS conotou ‘a
morte e doença’ tanto no presente quanto numa visão futura.
“Eu achei que estava morto, devido à falta de informação sobre a doença. Quando
não temos a doença, não nos interessamos em saber o que é.” (Vivacidade)
Pela milésima vez lanças rumo ao sol teu lamento e tua interrogação. Buscas
ardentemente uma resposta, queres saber o sentido do seu sofrimento e teu sacrifício
– o sentido de tua morte lenta. Numa revolta última contra o desespero da morte à
tua frente, sentes teu espírito irromper por entre o cinzento que te envolve, e nessa
revolta derradeira sentes que teu espírito se alça acima deste mundo, desolado e sem
sentido, e tuas indagações por um sentido último recebem, por fim, de algum lugar,
um vitorioso e regozijante “sim” (FRANKL, 2013, p.58-9).
Mas, devido aos obstáculos que são impostos na vida, este é visitado pelo ‘fantasma’,
que é ao mesmo tempo, sinônimo de ‘assombração’ e que suscita ‘medo’. Ante a ameaça de
morte, o ser indaga sobre o sentido da vida, sobre resposta ao sofrimento, e onde encontrar
uma solução para tanta dor.
“(...) creio ser importante o uso da arte como um instrumento e do foco, para
permanecer no presente, sem fantasmas, sem perder energia com os meus medos,
apesar de ser uma cilada constante, principalmente, na vivência com o HIV. Agora
creio, segundo o Taoismo, na ‘mutação pelo princípio da vida’, o que me dá
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consciência, mas sem garantia que haja prosseguimento com a vida após a morte. Já
no Budismo, sigo que ‘não importa que a gente perca a consciência divina, porque
sempre haverá a chance de recuperá-la’, algo que é simbolizada pela Flor de Lótus
de Mil Pétalas, ou seja, a cada pétala, uma consciência que se abre. Quanto à visão
Oniteísta, sobre o princípio da vida, ‘estamos nela para entrar em um dinamismo’,
entre o eixo do bem e do mal.” (Cuidado)
Logo que o indivíduo permite dar mais tempo à sua vivência, seja para o
amadurecimento, e assume uma atitude positiva perante a vida, seja para a concretização de
alguns sonhos, nisto promove o encontro do seu alento. Algo que ocorre a partir de um novo
olhar lançado sobre o viver, mesmo que frente ao diagnóstico de HIV.
“Não morri, e ainda recebi muitas bênçãos, entre elas minha casa, um sonho
realizado” (Bondade)
“(...) trouxe muitos benefícios que eu não teria, se não tivesse com HIV (...) Me fez
também procurar e voltar pra Deus. Isto me fez querer viver, e não morrer como
antes (Respeito)”
“(...) passei a acreditar que o início não é aqui, e que a vida é uma escola. O início da
nossa vida está em outro plano. Aqui é só o trabalho para a capacitação.”
(Esperança)
O mundo no qual o Homem simplesmente é ser, que se faz percebido, e que a ele
atribui um sentido, é também onde este, busca se realizar. Mas neste mundo que o integra, é
também o mesmo que o torna suscetível as demais coisas que nele há, sem que isto lhe
signifique o gozo pleno e o prazer. Adverso ao contentamento, equilíbrio, paz de espírito, e
bem-estar, o homem é vulnerável a agressão do horror, medo, solidão, dor, falta de resposta,
dissabor, fome e da sofreguidão.
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[...] após o diagnóstico, novos desafios se colocam para sua vida pessoal, afetiva,
social e profissional. O estigma, o preconceito e a discriminação contra as PVHA,
ainda presentes na sociedade, limitam suas possibilidades de dialogar sobre o seu
diagnóstico, suas dúvidas, angústias e medos e contribuem para aumentar sua
vulnerabilidade à reinfecção pelo HIV, à exposição a outras DST e aumentam as
dificuldades de adesão ao tratamento, o que pode comprometer sua qualidade de
vida (BRASIL, 2007, s.p)
A partir do momento que este concebe o seu mundo, não, mais como habitat e seu lar
que o sustenta, mas como a razão de sua miséria e de toda a sua tragédia, este mundo o faz
sentir desolado, posto que seja o culpado por expor as suas mazelas, carências e
vulnerabilidades, e assim, cai diante dos seus olhos e o sucumbe, se assim permitir, ao chão.
“Me senti péssima, pois faltava informação, e me deram uma orientação errada, que
eu “ia morrer dentro de 6 meses”. Eu estava grávida do meu primeiro filho, quando
soube.” (Esperança)
“E ainda, me falaram que eu não poderia ter filhos... O mundo desabou! Mas com
um tratamento rigoroso, pude ter filhos.” (Infinitude, grifo nosso)
De acordo com Ponty (2011, p.496), “Na raiz de todas as nossas experiências e de
todas as nossas reflexões encontramos então um ser que se reconhece a si mesmo
imediatamente, porque ele é seu saber de si e de todas as coisas”. Compreende-se que estes
conhecem suas próprias existências “não por constatação e como fato dado, ou por uma
inferência a partir de uma ideia de si mesmo, mas por contato direto com essa ideia”
(IBIDEM, 2011, p.496-7).
“Foi uma época louca, usava muitas drogas. Estava magra, minha família pensava
que eu estava com câncer, fui para o INCA, e lá descobri o HIV ao fazer o ELISA.
Daí piorei, fiquei mais louca ainda!!!” (Respeito)
“Eu estou encarando como uma coisa que pode acontecer com qualquer um. É algo
ruim” (Receptividade)
“Um transtorno, pelo medo de conviver com essa doença, e de não saber como agir
nesse caso” (Sensibilidade)
“Descobri muito tarde, eu já suspeitava, pois comecei a ler as bulas dos remédios
que tomava e passei a desconfiar. E o meu pai me enganava sobre isso, que eu tinha
HIV desde nascença.” (Criatividade)
“Quando criança, não entendia nada. Fiquei maior, e ao passar a entender, não
aceitei a mim mesmo. Tinha preconceito de mim.” (Paz)
“Difícil, devido a preconceito e olhares negativos, que requer de nós lutar com a
vida” (Paz)
“Foi trabalhoso, por conta do meu preconceito anterior... Olhei meus preconceitos
no espelho...” (Cuidado)
O sujeito perceptivo e das sensações é um ser de relações. Que percebe tanto com o
seu corpo quanto com o seu mundo, aquilo que se passa. Igualmente é, a PVHA, que percebe
na sua experiência as modificações decorrentes da soropositividade do diagnóstico. Conforme
Ponty (2011, p.285), este sujeito “[...] não é nem um pensador que nota uma qualidade, nem
um meio inerte que seria afetado ou modificado por ela; é uma potência que co-nasce em um
certo meio de existência ou se sincroniza com ele”.
“(...) por eu não aceitar ter o HIV, parei de tomar os remédios, perdi minha vista
esquerda, e passei a ter dificuldades para movimentar a minha perna esquerda.”
(Paz)
Assim como um indivíduo que torna o olhar para um espelho, e se percebe na imagem
refletida por este, a mesma não se trata de uma imagem real, posto que o olhar consciente seja
capaz de capturar apenas parte desta, enquanto que o todo integrante fica a cargo do
inconsciente. Esta percepção transpassa a imagem, e é o que dá sentido a quebra do espelho,
pois não se trata somente de uma imagem corporal, mas também as sensações, emoções e
reflexões que se tem para além deste, percebidos pelo ser próprio ou por outrem que o
observa.
“(...) fiquei mais louca e passei a me drogar mais. Por mais que meu filho tivesse
tentado várias vezes me convencer a tratar o HIV, eu não me importava. Quando ele
passou a me desprezar, por conta disso, então busquei tratamento.” (Respeito)
Com isto, torna-se compreensível, a partir dos relatos dos participantes, que as
modificações oriundas da vivência do HIV e AIDS, não versaram simplesmente, quanto à
imagem corporal, mas também ao cotidiano, a configuração do pensar e agir, a experiência da
espiritualidade, e o estabelecimento de relações. Ainda que tais considerações referissem em
parte, ao momento do conhecimento do diagnóstico e posterior vivência, estas se prolongaram
no decorrer da vida, e apareceram latentes até o instante das entrevistas e intervenção.
Apesar dos perfeitos cuidados dispensados com a prevenção de doenças, não existe
proteção garantida. E, afinal, o corpo físico tem seu fim indiscutível, por mais que
estejamos conseguindo prolongar a vida ou depositemos esperança na ciência, para
que venha a encontrar a fórmula da vida eterna (RÖHR, 2013, p. 35).
“(...) no início emagreci, pois não queria me tratar, e quase morri.” (Respeito)
“(...) estou desnutrido, e com fraqueza, apesar de quase ter morrido anteriormente.”
(Receptividade)
“(...) perdi peso e fiquei com o coração dilatado pelos remédios.” (Vivacidade)
“(...) fiquei com marcas do Sarcoma de Kaposi, que me deu medo, pois representava
para mim um estigma. Fiz tatuagem para tapar as cicatrizes.” (Cuidado)
“(...) E o cabelo caiu, mas hoje cresceu. E às vezes, fico trêmula, creio que seja
nervoso.” (Solidariedade)
“(...) depois de passar a tomar os remédios, fiquei barriguda, com péssima circulação
e má distribuição de gordura.” (Felicidade)
No entanto, a vivência do HIV também afetou a rotina destes indivíduos. Com relação
as que foram mencionadas, variam desde alterações no trabalho, no convívio com a família, e
no olhar sobre a vida. Isto acendeu uma reação positiva, que não incluiu apenas a preocupação
com o ego, mas que se estendeu ao outro, através do cuidado. Segundo Ponty (2011, p.483),
148
“O mundo físico e o social sempre funcionam como estímulos de minhas reações, quer elas
sejam positivas ou negativas”.
“Primeiro que mesmo morando ao lado de minha mãe, passei a morar com ela, para
cuidar melhor de mim.” (Receptividade)
“Não modificou muito, foi mais a rotina. Passei a ter mais cuidado. E deixei meu
emprego de merendeiro na escola, para não ser um risco para as crianças, ao
preparar os alimentos. Hoje estou com desvio de função no trabalho.” (Bondade)
“(...) é difícil de aceitar ir às consultas. Mas com a gravidez, passei a pensar mais no
meu filho, e a me cuidar melhor.” (Infinitude)
“(...) prefiro não abrir mais a minha vida, por medo de preconceitos.” (Criatividade)
“(...) me fechei pra muita coisa. Eu só achava que acontecia com o vizinho, e não
comigo.” (Felicidade)
Porém, houve pensamentos que remeteram a uma nova visão de mundo, ainda que
com a vivência do diagnóstico. E isto, influiu definitivamente na aquisição de oportunidades,
e no próprio modo de enfrentar o momento vivido. Anteriormente, aparentou-se que “Quando
acaba o que está bom aparece o desespero, a lamentação, a revolta ou a depressão [...]”
(RÖHR, 2013, p.35). Mas, surgiu outra perspectiva nos relatos, que fazia referência a esse
viver, entre a saúde e doença, de modo que “[...] conhecemos pessoas que transcendem as
dificuldades que o próprio corpo nos traz, enxergando um sentido além dele” (IBDEM, 2013,
p.35).
“(...) hoje vejo a vida com mais responsabilidade, e hoje tem mais valor pra mim.”
(Solidariedade)
“(...) eu aprendi a correr atrás dos meus ideais e tudo o que tenho direito.”
(Esperança)
“(...) mudou a minha forma de pensar, antes tinha medo, hoje, não tenho mais.”
(Receptividade)
149
“(...) eu passei a mudar a minha forma de pensar com relação a uma pessoa que pode
viver com o HIV, normalmente. Não tenho mais preconceitos.” (Gratidão)
“(...) eu sempre fui católica, logo tudo que acontece comigo de ruim, penso em
Deus, principalmente agora. Teve uma época que andei descrente. Mas depois, a
minha esperança aumentou, quando a minha sogra foi curada de câncer no útero.
Creio muito em Deus, por isso tenho esperança que pode acontecer de eu ser curada
também. Caso não, creio que deve haver um propósito.” (Gratidão)
“No espírito, fortaleceu a minha fé, pois me dediquei mais a minha crença, a ter
confiança e mais fé.” (Paz)
“(...) passei a ter mais fé nos meus orixás, quanto à saúde e a vida.” (Ternura)
“(...) aumentou a minha fé, rezo mais para Nossa Senhora das Graças, que me dá
suporte na hora da tristeza e me dá alívio psicológico. Antes do meu avô falecer, me
fez prometer que quando eu precisasse, pedisse socorro à santa.” (Vivacidade)
“(...) sobrevivência. A cada dia, meu dia de luta, principalmente pelo meu filho, que
é minha razão para viver.” (Felicidade)
“(...) hoje peço muita ajuda a Deus, por mim e meu filhos.” (Infinitude)
“(...) melhorei mais, me levou a cuidar mais de mim e minha família, e me preocupo
mais com minha filha.” (Solidariedade)
Todavia, ainda que o ser humano passe por uma crise existencial, e busque diferentes
rotas de fuga ou refúgios para se afastar dos seus problemas, este, apesar de tudo, não deixa
de se apegar a sua espiritualidade, que lhe é vital. Uma vez que “Cuidar do espírito significa
cuidar dos valores que dão rumo à nossa vida e das significações que geram esperança para
além de nossa morte” (BOFF, 2012b, p.180).
150
“(...) creio que ‘o mau que eu não quero, esse eu faço. E o bem que eu quero, esse
não pratico’. Eu tenho esperança, mas tem hora que quero desistir. Mesmo quando
estava drogada, eu tinha sede de Deus.” (Respeito)
Portanto, os relatos dos participantes da pesquisa denunciou que estes laços afetivos
foram estremecidos, a partir do momento em que souberam possuir o diagnóstico de
soropositividade para o HIV e o vivenciaram. E entre outros aspectos psicossociais e
culturais, é algo que remete ao estigma da própria condição clínica, relacionada à culpa de
caráter individual ou não, pois “um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação
social quotidiana possui um traço que pode-se impor a atenção e afastar aqueles que ele encontra,
destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus” (GOFFMAN, 1988, p.7).
Deste modo, o mesmo autor aborda que o indivíduo vive uma situação em que
encontra-se “inabilitado para a aceitação social plena” (Ibidem, 1988, p.4). Isto é preocupante
no contexto do HIV, na medida em que o indivíduo que o vivencia, necessita de apoio para
lidar com as dificuldades provenientes desta situação, e não correr o risco de evoluir para
depressão e outros transtornos, que são capazes de interferir na imunidade, e
consequentemente, de agravar o seu quadro de saúde.
“(...) rejeitei muitos parceiros por conta do medo. Fiquei mais solitário, e sinto falta
de diálogo com outras pessoas. Também fiquei mais solidário para ajudar amigos e
familiares.” (Cuidado)
Por temerem a perda das relações com os familiares, parceiros sexuais, amigos, e
pessoas próximas, sejam pela possibilidade de preconceito, de incompreensão, de falta de
informação, entre outros, alguns optaram por manter o diagnóstico ou a doença em sigilo, ou
reservado apenas a algumas pessoas que confiavam. Deste modo, “O estigma associado ao
HIV também pode afetar negativamente a autoestima das PVHA, dificultando o
estabelecimento de suas relações afetivas” (BRASIL, 2007, s.p).
“(...) tenho receio de contar para um namorado que possuo o HIV.” (Criatividade)
“(...) sou cuidadosa para revelar a amigos e familiares que tenho HIV.” (Infinitude)
Outros discursos colaboraram para compreender que o HIV impõe alguns desafios no
campo afetivo e relacional das pessoas que o vivenciam. Referente à intimidade sexual, o
sentimento de culpa permeou alguns destes discursos, de forma explícita e implícita,
principalmente, numa relação soro discordante. “A culpa envolve o comportamento ruim, ou
mesmo apenas a crença de ter feito algo errado. E costuma ser algo errado que ofende ou
causa prejuízo à outra pessoa ou a nós mesmos...” (FRAZZETTO, 2014, n.p.). Neste ponto,
tornou-se evidente que, esta culpa, surgiu por razão da transmissão do HIV ao conjugue,
como também, ter o colocado em risco.
“(...) transmiti para o meu marido, pois tinha momentos em que ele recusava usar o
preservativo. Ele tinha preconceito, e quando contraiu o vírus, mudou o jeito de
pensar. Mas é algo meio chato, me sinto em parte, culpada por isso.” (Sensibilidade)
“(...) no caso, com o meu marido, que apesar de não ter o diagnóstico, me afastei por
me preocupar com ele. Isto nos trouxe problemas, pois não sei se ele se droga por
causa do meu diagnóstico de HIV.” (Ternura)
152
“(...) antes eu não usava preservativo nas relações íntimas, mas hoje, eu já considero
necessário prevenir. Minha esposa faleceu, e era portadora do HIV.” (Vivacidade)
O rompimento destes laços foi marcado também por atitudes que se estenderam pelo
distanciamento de pessoas, abstenção sexual, perda de interesses, culpa e medo. Entretanto,
houve relatos em que foram apontadas as atitudes de prevenção e de ter cuidado próprio e
com o outro. Pois “é primordial compreender que, ao se relacionarem sexualmente, as PVHA
devem cuidar não apenas da proteção do outro, mas da sua própria proteção” (BRASIL, 2007,
s.p). Estas atitudes evitam a reinfecção, e também, o risco de contaminar o outro.
“(...) fico com medo de contaminar uma pessoa, ao me relacionar sexualmente com
homem. E se ele não usar preservativo, perco a vontade de me relacionar.”
(Gratidão)
Ainda que esta vivência tenha abalado a maior parte das relações estabelecidas pelos
participantes, alguns relatos apresentaram traços de solidariedade, preocupação com o
próximo ou recebimento de suporte. Isto decorreu pelo fato de se conscientizarem em
prevenir, para não por em risco a vida do outro, bem como não serem alvos de preconceito, e
de serem aceitos socialmente.
“Nos relacionamentos, perdi muitos amigos por causa do HIV. Mas outros amigos
que sabem, me ajudam.” (Paz)
“(...) perdi a minha vida social, apesar de alguns amigos e familiares virem me
visitar em casa e no hospital.” (Receptividade)
“(...) sinto rejeição e desprezo das pessoas, amigos, familiares e comigo mesmo.”
(Paz)
Portanto, a face do laço rompido revelou-se por um fio, devido o estigma, o medo, a
culpa, a falta de informação, entre outros motivos, desmotivarem os PVHA de estabelecerem
relações amigáveis, além de dificultarem a aceitação e inclusão destas na sociedade. Assim,
tornam-se necessárias, ações de cuidado mútuo, suporte social, atenção e carinho com estes,
ampliação da divulgação sobre o HIV/ AIDS, e ademais, que facilitem o processo de quebra
de paradigmas sobre a temática e o fortalecimento dos laços sociais, e consequentemente, um
melhor enfrentamento do diagnóstico.
O Cuidado é uma fonte que brota do interior de um ser, percorre leitos de ações e
atitudes, renova a si mesmo e flui ao encontro do outro ser. Porém, ao longo de seu percurso,
é alimentado por águas de outras fontes de vida, como o Amor, a Comunhão, o Altruísmo, a
Compaixão, a Fé, o Respeito, entre outras, que proveem sustento ao mundo e cultiva tudo o
que nele existe. A partir do momento em que este, por algum motivo, é impedido de surgir ou
de percorrer com as demais fontes, tudo aquilo que estava irrigado por ele fenece, seca e
chega a um fim. Isto posta, o cuidado é uma condição sine qua non para o homem crescer, se
desenvolver, estabelecer relações, e sobreviver às contrariedades da vida.
Só crescem e maduram aqueles que vêem nas crises uma chance de nova vida. Mas
há uma condição: enfatizar as forças positivas contidas na crise e ter a coragem de
reformular ou inventar respostas que integrem as várias dimensões da vida (BOFF,
2012c, p.106).
“É ruim, pelo fato de não ter liberdade para fazer o que gosto, ter que me esconder, e
as pessoas julgarem quanto à aparência física. Detesto fazer dietas restritivas, pois
gosto de cozinhar. Mas não tem jeito, tem que seguir o que é certo, e me cuidar.”
(Gratidão)
154
“Eu não tenho problemas em viver com o HIV. Mas o que me deixa triste é ter que
tomar os remédios, todos os dias. Tem dias em que eu não acordo legal, fico
chateado, mas nunca vou deixar de tomá-los”. (Vivacidade)
Este cuidado, aqui relevado ao cuidar de si, passa a ser um dos desafios existenciais,
pois “Cuidar de si é amar-se, acolher-se, reconhecer nossa vulnerabilidade, saber perdoar-se e
desenvolver a resiliência, que é a capacidade de ‘dar a volta por cima’ e aprender dos erros e
contradições” (BOFF 2012a, p.143). Portanto, mesmo que o contexto não aparente favorável
à PVHA, ainda assim, é possível que este supere e encontre novas perspectivas de vida,
independente do HIV.
“Agradeço a Deus pela doença que tenho, e por ter saído da prostituição.”
(Esperança)
“(...) Com a maturidade passei a entender, aceitar, esperar a cura e não desistir dos
sonhos e planos.” (Paz)
Há uma preocupação em conservar este tipo de cuidado. Pois uma pessoa que vivencia
o HIV/AIDS assume a responsabilidade de cuidar de si, por meio da adesão aos
medicamentos, da frequência às consultas da equipe multiprofissional de saúde, das restrições
alimentares, da prevenção aos comportamentos de risco, entre outros. Portanto, é relevante
que esta, “tenha conhecimento e compreenda a enfermidade que [a] acomete e os objetivos da
terapia proposta, o que favorece a sua motivação e disposição em segui-la” (BRASIL, 2008b,
p.20).
“E com o tempo, reconheci que tenho que me cuidar, mas às vezes extrapolo quando
o assunto é comida.” (Gratidão)
p. 14). Atitudes de atenção, respeito e acolhimento com estes, seja por parte das equipes de
saúde ou comunidade, são essenciais para que haja adesão ao processo terapêutico
satisfatório, que não se resume ao uso de medicamentos, mas também mudanças
comportamentais, busca de informações, pessoas confiáveis para serem apoio neste processo,
e etc.
“(...) Mas depois de eu conversar com o médico e com o psicólogo, estou com outro
olhar.” (Gratidão)
“Hoje, levo as coisas na base da brincadeira: tenho a minha casa, e vejo o hospital
como a minha segunda casa. Me sinto à vontade com tudo o que estou vivendo.”
(Infinitude)
“Eu recebi a notícia numa boa. E foi assim que eu conheci o pai dos meus filhos
mais novos... Ele ajudou a me conformar e me acompanhou.” (Sensibilidade)
“Eu me sinto uma pessoa normal, capaz, e realizada com o que conquistei. E me
vejo que mudei muito como pessoa... Mais madura e tranquila com a vida...”
(Infinitude)
“Me sinto normal, tenho a certeza que tenho HIV, e preciso me cuidar.”
(Solidariedade)
“Me sinto normal. Os medicamentos são chatos, ruins e me dão enjoos, mas é um
mal necessário.” (Bondade)
Deste modo, as faz “(...) entender que sobreviver não é sinônimo de viver, e que
apenas o resgate da dignidade é capaz de trazer vida para quem acredita só ter a morte,
garante saúde para quem se pensa doente” (Ibdem, 2008c, p.17). E nisto, o cuidado que
integra diversas ações de promoção da saúde, prevenção de riscos e reabilitação, surge como
um instrumento eficaz para promover o bem-estar às PVHA.
“Hoje faço tudo, independente do HIV. ‘Sem HIV, é uma vírgula. E com HIV é um
ponto’. Algo que aprendi com um rapper que participou comigo de um grupo de
convivência com pessoas HIV+.” (Esperança)
Por conseguinte, ao lançar luz na face do cuidado esta desvelou-se como atitude de
sobrevivência ante ao HIV. Conforme Ponty (2011, p.19), “Nós tomamos em nossas mãos o
nosso destino, tornamo-nos responsáveis, pela reflexão, por nossa história, mas também
graças a uma decisão em que empenhamos nossa vida”. E neste sentido, compreende-se que,
quando uma PVHA tem a noção de se empenhar e se esforçar em defesa de sua vida, sem
esquecer-se de considerar o outro, demonstrará o quão forte e corajosa é, e digna de viver
“normalmente”, ou seja, igual aos outros que não possuem o diagnóstico. O cuidado, portanto,
configura-se em um reencontro com o próprio eu, que se move em uma atitude positiva de
carinho consigo e com o outro, e que se transforma em via de acesso à satisfação pessoal, bem
como a aquisição da esperança de cura. Neste percurso, a pessoa que o vive, escoa uma vida
inteira, à tempo de ter uma expectativa incerta no por vir.
157
A vida surge tanto por intermédio do gozo, quanto pela dor. Vivê-la tal como é, não
exclui nenhum destes sentimentos, mas aprende-se a lidar com esta condição. Entretanto,
viver com o HIV, desequilibra a forma de enfrentar esta situação. Não é apenas uma questão
de ansiar o gozo ou amenizar a dor, mas é nisto tudo, e em todos os dias, vivenciar o HIV. É
possível que nesta vivência, haja força para superar a cada dia, as dificuldades que advém
deste diagnóstico, desde questões subjetivas como vergonha, medo, negação, por exemplo, e
objetivas, como a exclusão social por desprezo e preconceito, alterações na imagem corporal,
infecções oportunistas, entre outras. Ainda que se consiga perceber um viver para além do
HIV/ AIDS, este que o vive, é passível de ser visitado pela tristeza.
“(...) fiquei com uma tristeza residual. Entre fazer o bem e o mal, percebo uma zona
de conforto, mas sei que o diferente, ou seja, o “mal” não é bom. Revi meus valores,
e reconheci que tinha preconceito em relação a AIDS, e era ignorante nisso. Passei a
me preservar, pois ‘é mais fácil jogar pedra no vizinho’.” (Cuidado)
O sentimento de tristeza, que transpareceu nos relatos das PVHA, também fez
compreender que havia um segredo para ser revelado. Era o sofrimento, que em lágrimas
ocultas, deixava-se correr livremente. Ainda que parte do conteúdo das falas demonstre que
viver o HIV, pode ser elevado à normalidade quando há o cuidado necessário, não houve
como estas deixarem de sentir um sofrer reprimido ou iludido, por um dia após o outro.
“Modificou e preciso ter certos cuidados. Não houve mudança no corpo. Mas na
mente, uma tristeza que eu sei que vou carregar para o resto da minha vida.”
(Ternura)
“Estou conformada com isso tudo, até pelo tempo que já passou.” (Felicidade)
“Fiquei doente, descobri que tinha HIV, foi um “baque”! Mas, hoje consigo encarar
com alguma tranquilidade.” (Receptividade)
“Eu me sinto mais forte, por conta da minha trajetória de recuperação. Ainda que ao
mesmo tempo, eu tenha uma enfermidade que me traz de volta a ela, através de
alguns fantasmas... Mas reconheço: “mutação sempre”!” (Cuidado)
Ao passo que uma pessoa que vivencia o HIV/ AIDS, busca um caminho para superar
as adversidades decorrentes da existência, bem como o sofrimento e a aflição, esta volve-se
capaz de suportar com bravura a cada uma destas circunstâncias, e ainda, de encontrar um
sentido para dar continuidade a sua vida. Segundo Frankl (2013, p.170) “(...) mesmo se a
pessoa não puder mudar a situação que causa seu sofrimento, pode escolher sua atitude”. Este
cita também que “a prioridade permanece com a mudança criativa da situação que nos faz
sofrer. Mas realmente superior é o saber como sofrer, quando se faz necessário”.
“Me sinto ótima. Tem altos e baixos sempre... Rezo, peço ajuda a Deus, e sigo em
frente!” (Esperança)
Espírito não é uma parte do ser humano. É aquele momento de nossa consciência
pessoal que nos permite sentirmo-nos parte e parcela de um Todo que nos ultrapassa
por todos os lados: o universo das coisas, das energias, das pessoas, das produções
histórico-sociais e culturais. (BOFF, 2012c, p.23).
[...] não é possível começar em um cosmo sem sentido e chegar até a riqueza do
significado da vida humana. A espiritualidade inverte o telescópio e observa a
experiência em primeiro lugar. [...] A vida humana está imbricada num domínio
além do espaço-tempo, como tudo mais (CHOPRA; MLODINOW, 2012, p.141).
À vista disso, projetar luz na existência das pessoas vivendo com o HIV e AIDS, e
ante ao fato, resgatar algumas das essências de um viver espiritual, revelou-se como (Figura
12): a Essência de Viver o Impossível, a Essência do Indizível, a Essência da Profundidade
Divina, e a Essência da Mão Estendida.
Figura 12 – Essências Espirituais no “Viver com o HIV/ AIDS”. Niterói/ RJ. 2014.
Fonte: Elaborado pela Autora, com o recurso do SmartArt da Microsoft PowerPoint, 2014.
Foto: VALSECHI, Oliver. Time of War #12, 2014.
161
“Eu tenho que aprender muito ainda, para atingir o alvo do projeto para minha
vida.” (Esperança)
Viver o impossível, no contexto do HIV/ AIDS, é ser capaz de aprender a lidar com as
experiências de sofrimento, revolta, dor, tristeza, desânimo, entre outros complexos
existenciais, que podem aparecer no decorrer do processo saúde-doença-reabilitação.
Contudo, cultivar a espiritualidade, é um dos caminhos que se abre a esta possibilidade.
Portanto, sem formalidades ou ritualismos, “Viver e fomentar a espiritualidade neste sentido
não está reduzida a alguns momentos tidos como religiosos, mas trata-se do acolhimento do
mistério realizado no cotidiano da vida” (MACHADO, 2012, p.95). Algo percebido em
grande parte dos relatos, e que partiu de uma reflexão da existência sobre o momento
vivenciado.
“Forte demais, senão teria ‘chutado o pau da barraca’ há muito tempo.” (Felicidade)
“Boa, pois me ajuda a viver.” (Amor)
“Vejo como algo positivo e bom. Me ajuda a enfrentar os problemas da minha vida.”
(Paz)
“Eu tenho uma conexão muito forte com as coisas que ainda estão para acontecer...
Sonho com pessoas falecidas que me falam coisas, e que realmente acontecem. Fico
meio aflito, uns ‘padres nossos’ e ‘aves Marias’ resolvem a questão, e durmo em
seguida. Eu percebo as questões espirituais sobre mim.” (Vivacidade)
162
“Não sou estudioso de nenhuma linha, e faço uma colcha de retalhos do que me
interessa. Por vezes, tenho uma preguiça espiritual. Não me vejo seguindo alguma
linha, mas mantenho o princípio de mutação, e procuro respeitar os
fundamentalistas, apesar de eu crer que não existe nada que não seja divino, e que
neste universo está tudo incluído.” (Cuidado)
“A vida.” (Esperança)
“Não sei definir, mas ela existe... Eu não acredito em bruxas, mas elas existem.
Você pode até não acreditar, mas a espiritualidade também existe.” (Respeito)
“Fazendo orações, pedindo a Deus por força e saúde, e agradecendo a Ele os dias de
vida que tem me dado.” (Felicidade)
“Eu oro, peço a Deus, converso com Ele, e peço para guardar a minha filha onde ela
estiver. Vou a Igreja, eu canto e participo de cultos no lar.” (Solidariedade)
“Eu gosto de falar sobre Deus, conversar, orar, louvar e ler a Bíblia.” (Bondade)
164
Por mais que existam variadas expressões que busquem traduzir o todo, desta
dimensão indizível, presente em cada ser humano, até o muito, ainda seria pouco para decifrá-
la. Porém, o que se torna conhecido, demonstra que imbricado a esta, há outras dimensões
transversais à experiência deste ser, como: amor, esperança, respeito, cuidado, liberdade
espiritual, admiração, confiança, solidariedade e ademais. Em conformidade com Röhr (2013,
p.86), “O que a nossa linguagem não alcança, em última instância, podemos expressar em
gestos, ações e posturas que, por sua parte, também só saem do reino da ambiguidade, quando
o lado espiritual de um reconhece o outro”.
“Faço orações, vou à Igreja, danço e ouço músicas em casa.” (Vivacidade)
“Canto, oro, discípulo adolescentes, faço visita nos lares para as pessoas se sentirem
melhor, e transmito ânimo. Gosto também de ir a parques florestais, fazer trilhas, e
dançar.” (Criatividade)
“Já fui muito a Igreja, mas devido ao estado físico, modifiquei. Faço as minhas
orações em casa, tenho minha santinha “Nossa Senhora de Aparecida”. E gosto de
mexer com planta, fazer horta e colher.” (Gratidão)
“Falando muito sobre os ensinamentos de Alan Kardec, porque na minha vida ele é
tudo. Além de outros colaboradores. E rezo por amigos. E gosto do contato com
incenso e pedras.” (Esperança)
“Lido com o bom humor... Foco na delicadeza com o próximo; e tolerância, que é o
limite enfático, quando há a manifestação de outra vertente que não seja a minha,
por exemplo, as questões da ira divina. E me expresso através das artes, como
pintura, fotografia, escultura, teatro, vídeos, poesias e crônicas. Canto em um coral e
participo de aulas de canto. E ainda, através do silêncio e solidão.” (Cuidado)
“Ter uma fé maior e poder acreditar que Deus tem um propósito na vida dessa
pessoa, e que Ele pode curar.” (Bondade)
“Buscar um caminho positivo, que gere conforto e que prepare o espírito.” (Ternura)
“Depende muito, pois tem gente que não crê em nada. Agora, a religião pode ajudar
bastante, pra quem tem fé, é um suporte.” (Gratidão)
“Tem a necessidade de aprender mais da Palavra, contida na Bíblia, e orar mais, para
se fortalecer.” (Solidariedade)
Contudo pensa-se essencial ao ser humano, saber como tocar a dimensão indizível do
outro, para que este, quando necessitado de apoio, encontre “auxílio bem presente na
angústia”; assim como se reerga e seja trazido de volta à vida, que é bem maior que todas as
crises, enfermidades e dissabores existenciais.
166
“Deus me dá muita força, eu tenho esperança, acredito no destino, nada acontece por
acaso. Deus segura, perdoa nossos erros, para continuarmos vivendo e aliviar o
nosso sofrimento.” (Gratidão)
“Eu acredito em Deus e que serei curada, pois Ele tem Poder! Por isso, tenho fé para
continuar a viver normalmente.” (Criatividade)
“Eu penso que aqui na Terra é tudo passageiro. Acredito em Deus, e que depois da
morte a gente vai para o céu. É muita fé que eu tenho. É uma forma de ajudar a
esquecer dos problemas.” (Receptividade)
A profundidade decorre de uma íntima relação do ser com Algo, que este confere
dotado de uma superioridade e divindade, que é digna de sua adoração e devoção. Por meio
dos relatos das PVHA, notou-se que esta relação se trata de uma intensa conexão com Deus.
De acordo com Ponty (2011, p.286), “Assim como o sacramento não apenas simboliza uma
operação da Graça sob espécies sensíveis, mas é ainda a presença real de Deus, faz com que
ela resida em um fragmento de espaço e à comunica àqueles que comem o pão consagrado”.
E nesta reciprocidade de amizade e união, despontada por um Amor intrínseco, surge à espera
por alimento, solução, orientação na vida, apoio emocional e espiritual, e perdão.
“Eu sou uma filha amada por Deus, e em um processo de transformação.” (Respeito)
“Eu peço orientação a Deus para Ele me guiar quanto ao que tenho que fazer.”
(Sensibilidade)
“Fazer tudo certinho, crer que tudo vai dar certo, e que um dia vou encontrar com os
meus filhos e Deus, lá no céu. Eu tenho muita fé, desde pequena. E tudo que eu faço,
peço para Deus, e sempre oro.” (Solidariedade)
167
“Eu sei que na minha vida espiritual, Deus tem um plano. Eu posso testemunhar
muito que Ele mostra pra mim, e que me revela por visões, para ajudar as pessoas. E
quando eu começo a louvar, sinto uma leveza... Ele fala comigo! Dobro os joelhos
para orar, e assim como eu sempre quis, fiquei com as marcas neles de tanto me
ajoelhar.” (Bondade)
Deste modo, a vivência da espiritualidade por estes, recebe um significado, que é fruto
deste enlace, ou seja, da própria comunhão com Deus. Conforme as palavras do filósofo
“Viver a partir dessa crença em Deus, é sentir-se sempre acompanhado, é contar com uma
Estrela que ilumina o caminho, é contar com uma Mão que nos segura, ampara e nos carrega
em sua palma” (BOFF, 2012c, p.51). Nisto, os discursos refletiram em atitudes como
acreditar, dedicar, obedecer, pensar N’Ele, pedir auxílio e ligar-se a Ele. E consequentemente,
apreendeu-se que nesta comunhão, há a possibilidade do ser, descobrir um propósito na vida,
encontrar forças para viver e deter discernimento, porque “Já não estamos mais sós em nosso
imenso desamparo. Ele está conosco, ao nosso lado. Acabou-se a solidão. Agora prevalece a
comunhão” (Ibidem, 2012c, p.30).
“Estar ligada em Deus, pois sem Ele, não sei se teremos forças para viver.”
(Infinitude)
“Significa uma Força Divina, que me ajuda a fazer escolhas e opções, a dizer e não
dizer palavras.” (Paz)
“Crença que a gente está com Deus, que fez tudo, que existe, e que Ele está
conosco.” (Solidariedade)
“É a gente ter fé no Ser Superior, que nos ajuda em todos os momentos da vida. E
crer que tudo vai se realizar com sua própria fé.” (Felicidade)
“Eu gosto de vivê-la, pois ajuda a mim e outras pessoas. Traz conforto, notícias boas
e alerta para coisas que tem que ser corrigidas. É gratificante, pois ajuda alguém e te
dá sentido.” (Ternura)
e na mão revela um modo-de-ser carinhoso”. Este modo de ser sobressai aos interesses ou
necessidades dos indivíduos, e flui em direção a aquilo que lhes trarão um real sentido.
“Ajuda para o espírito e para mente, ser bem recebido nos lugares onde for e sentir-
se compreendido através das demonstrações de gestos.” (Paz)
“Eu procuro conselho dos meus amigos espíritas, e conto meus problemas para a
psicóloga, quanto ao que devo fazer ou não.” (Sensibilidade)
O anseio por relação é uma característica comum ao ser humano, e que está presente
ao longo de sua existência. Diante dos problemas e tensões, isto se torna mais evidente.
Todavia, este ser não se detém apenas a uma fonte, mas recorre a diversas para encontrar
ajuda, na tentativa de retornar ao seu estado de equilíbrio vital. Semelhantemente,
compreende-se sobre as pessoas que vivenciam o HIV/ AIDS, que por meio das entrevistas,
expuseram a procura por pessoas a quem pudessem confiar as suas inquietudes, e os meios
pelos quais obtivessem auxílio para o enfrentamento do diagnóstico e das dificuldades
advindas dele.
“Busco me apoiar na minha família, nos meus relacionamentos e na minha crença.”
(Bondade)
“Conversas com os médicos e com pessoas que tem o HIV. Além de buscar cultos,
orações no centro, e assistir a palestras.” (Infinitude)
“Ouvir oração pelo rádio, tomar copo de água abençoado, participar de correntes de
oração, e ser ungida com óleo ou azeite.” (Felicidade)
“Livros de autoajuda da autora Iyanla Vanzant. Além de reuniões com rezas no lar,
tomar passes, uso de incensos em casa, e alimentação saudável, por meio da filosofia
do veganismo.” (Esperança)
“Muitas, entre elas integrar a seita do Santo Daime, e fazer o uso de drogas
alucinógenas como cogumelo e ervas. Também busquei recursos esotéricos, mantras
e Hare Krishna. Frequentei consultas psicológicas, por obrigação. Já li livros de
autoajuda. E hoje, leio a Bíblia, pois abriu o meu entendimento. E participo de jogos
na internet, que trata sobre a cultura Espartana, que aprendi a jogar e ser uma
guerreira.” (Respeito)
“Fumo... E acredito em Deus, pois é minha terapia. Não adianta buscar tomar suco
de babosa, fazer macumba e mais coisas.” (Gratidão)
“Eu me sinto bem, ao fazer o bem para as pessoas que gostam e que precisam de
mim.” (Infinitude)
Um corpo, um pensamento, uma palavra, uma linguagem e uma fala, todos incluem o
meio pelo qual o Ser Humano se comunica e estabelece relações com as “coisas” e os “seres”,
expressa seus sentimentos mais profundos, enfrenta os seus desafios cotidianos e resolve os
seus problemas. Por trás disto, há uma potência criativa, inovadora e intencional que denuncia
a existência de algo, ou seja, a presença de um ser de razão dotado de sentido. Segundo as
palavras do filósofo Ponty (2011, p. 247, grifo nosso), “É preciso que, de uma maneira ou de
outra, a palavra e a fala deixem de ser uma maneira de designar um objeto ou o pensamento
para se tornarem a presença desse pensamento no mundo sensível e, não sua vestimenta,
mas seu emblema ou seu corpo”.
Com base nisto, em consideração ao poder da palavra, associada ao fenômeno da fala
e ao ato expresso de significação, oportuniza-se uma reflexão, a partir da aproximação com a
leitura, que neste estudo, sobrepõe a uma simples expressão artística para desvelar-se como
um recurso terapêutico. Neste sentido, apreendeu-se a Técnica da Biblioterapia, traduzida
em uso terapêutico da literatura, que através da catarse (justa medida dos sentimentos),
identificação (envolvimento com a leitura e experiência do real e do imaginário) e
introspecção (constatação de algo que se passa no sujeito ou percepção interior), possibilita ao
sujeito o desenvolvimento do raciocínio, da personalidade e do aprendizado, como também a
mobilização de suas emoções e a vivência de uma experiência transcendente.
Portanto, “o envolvimento do leitor com o livro, o preenchimento dos vazios do texto
literário, a significação como continuidade e retomada do texto, permitem que se pense na
terapia por meio de livros...” (CALDIN, 2010, p. 200). A autora também ressalta que, no que
condiz a terapia, trata-se de um “cuidado com o ser”, quanto que a biblioterapia é “um
cuidado com o desenvolvimento do ser mediante a leitura, narração ou dramatização de
histórias”. Ante ao exposto, propôs-se compreender por meio desta pesquisa, a percepção da
intervenção biblioterapêutica (Figura 13), proporcionada aos pacientes que vivenciavam o
HIV/ AIDS, e que configurou em palavras, como a palavra expressa em: Vita, Anhelitu, e
Therapeía.
172
Fonte: Elaborado pela Autora, com o recurso do ClipArt da Microsoft PowerPoint, 2015.
No passado, esta Palavra, era abordada por ditos de sabedoria, histórias, profecias,
poesias, Evangelhos e cartas divinamente inspirados, e que por séculos, foram reunidos,
traduzidos e interpretados em diversas línguas e, que atualmente, configuram na Bíblia (do
173
grego βίβλια, plural de βίβλιον, de transliteração bíblion, "rolo" ou "livro"). Seu conteúdo
inicia com “Deus criando os céus e a terra, e conta a história da sua relação com a
humanidade até o dia futuro em que as guerras, as doenças, a morte e a dor deixarão de
existir” (ALEXANDER P.; ALEXANDER D., 2010, p.18). Logo, esta passou a integrar a
vida daqueles que acreditavam e esperavam, fielmente, na concretização das promessas nela
descritas. E que foi compreendida como um cuidado de Deus com o ser humano, ao agraciá-lo
com um Manual de Vida, e/ou um Canal de Comunicação entre Deus e o Homem.
“Faço contato com meu Deus, o mesmo da Bíblia. Já que a Bíblia é a minha
profissão de fé. E pra mim, lidar com a questão espiritual, é também autocuidado,
algo que compreendi a partir do momento que retomei o contato consciente com
Deus.” (Respeito)
A Bíblia, na versão cristã, empregada pelas doutrinas Católica e Protestante, e que foi
mencionada nos discursos presentes na pesquisa, se encontra dividida em dois grupos de
livros como: o Antigo Testamento (a.C.) – onde há a revelação de Deus para o povo de Israel
e que aponta para a vinda do Messias; e o Novo Testamento (d.C.) – que é a revelação de
Deus para o bem de todos os povos, por meio do nascimento, vida, morte e ressurreição de
Jesus Cristo. Por conseguinte, “A Bíblia é o livro mais distribuído e lido do mundo. Alguns a
leem por curiosidade, alguns como parte de uma busca espiritual, outros por causa do seu rico
legado cultural” (ALEXANDER P.; ALEXANDER D., 2010, p.4). Outras religiões, também
adotam em suas escrituras, algumas das passagens bíblicas, como as que se encontram na
Torá/ Judaísmo, no Alcorão/ Islamismo, e no Evangelho segundo Espiritismo/ Kardecista, por
exemplo.
“Eu li um versículo em Filipenses 4:13 que dizia “tudo posso naquele que me
fortalece”. Isso foi logo no começo que fiquei internado, e me ajudou quando eu
estava emagrecendo muito. Fiz um propósito com Deus... E que me trouxe um
conforto e me deu esperança para viver. Eu fui um paciente do CTI, fiquei
sedado, os médicos não me davam esperança, falavam que eu não iria sobreviver a
cirurgia. Mesmo assim, eu reafirmava este versículo à minha vida, e estou aqui.
/choros/” (Receptividade, grifo nosso)
Neste sentido, em concordância aos resultados da pesquisa, a Bíblia, bem como alguns
de seus livros e passagens, foi mencionada pelos participantes, como um recurso literário para
vivificá-los e confortá-los, ante as dificuldades vivenciadas por causa do diagnóstico de HIV,
e outras situações que estivessem ou não, diretamente associados a ele. Percebe-se que as suas
mensagens, eram transmitidas por meio da leitura e da narração, e geralmente, envolviam
pessoas conhecidas e desconhecidas, dispostas a assisti-los em suas necessidades. E portanto,
“quando se lê um texto diante de nós, se a expressão é bem-sucedida, não temos uma
174
pensamento à margem do próprio texto, as palavras ocupam todo o nosso espírito, elas vêm
preencher exatamente a nossa expectativa” (PONTY, 2011, p.245).
“Meus familiares, meu filho e o pastor leram pra mim a Bíblia.” (Amor)
“Voluntárias de uma Igreja, que vieram aqui no hospital, leram para mim trechos da
Bíblia. Me senti muito aliviada e mais calma, mesmo que eu não entendesse
algumas partes.” (Infinitude, grifo nosso)
Dentre os livros bíblicos mais lidos, mencionaram o livro dos Salmos. Este se trata de
uma coleção de hinos do povo de Israel, que foi escrito por diversos autores, e que tem sido
fonte de inspiração e devoção por muitas pessoas que creem, e auxílio para os que sofrem.
Neste contém “hinos de louvor a Deus; orações pedindo ajuda, proteção e salvação; pedidos
de perdão; canções de agradecimento pelas bênçãos de Deus; orações em favor do rei;
canções para ensinarem as pessoas a fazerem o bem (...) e outros” (KASCHEL, 2005, p.141).
A noção de que as “Sagradas Escrituras” podem ter um efeito terapêutico no corpo, na alma e
no espírito, tornaram-se evidentes nos relatos, e por isto, também foram selecionados por
alguns participantes, e aplicados na intervenção biblioterapêutica.
“Estava passando por necessidades, e li sobre os Salmos 119 e 124, pois o Senhor
está com a gente todo em momento.” (Bondade, grifo nosso)
“Desde pequena, meu pai lia pra mim, os Salmos 91 e o 23. E gravei, para poder
lembrar sempre que eu estivesse em risco. Aí eu recordava e orava para Deus me
dar a resposta.” (Solidariedade, grifo nosso)
“Leram pra mim os Salmos da Bíblia, há pouco tempo, para me dar força. Eu
estava emagrecendo e com tuberculose... Foi minha ex-sogra e um rapaz que leram
para mim. Me senti bem, eu gosto de ouvir estas Palavras.” (Gratidão, grifo nosso)
“Quando meu filho nasceu, eu não sabia que era HIV+. Teve um dia que eu e ele
não conseguíamos dormir, então o marido de minha cunhada fez uma oração e
pediu para que todos os dias eu lesse um Salmo específico “Em paz me deito e logo
adormeço, pois só tu Senhor, me faz viver em segurança” (Sl 4:8). Me ajudou a ter
sono, e paz de espírito, que eu estava precisando.” (Felicidade, grifo nosso)
Assim sendo, a Palavra expressa em Vita, neste ponto, sobrepôs à origem latina do
termo, para expressar um meio de fortalecimento e vitalidade, que não está longe de seu
significado, mas que se encontra intimamente relacionada ao efeito terapêutico dos textos
bíblicos, apercebidos pelas PVHA. Compreende-se que este recurso pode ser utilizado com
175
aqueles que creem, e com os que procuram o alívio de suas tensões existenciais, inclusive as
que advêm do diagnóstico de HIV/ AIDS e ou outras enfermidades. Igualmente, esta
transcende a um cuidado único dedicado ao corpo, que atravessa ao cuidado com a mente, e
eclode em um cuidado com o espírito do ser integral. Pois, segundo a referência bíblica, no
livro de Hebreus 4:12 – NTLH, “A Palavra de Deus é viva e poderosa e corta mais do que
qualquer espada afiada de dois lados. Ela vai até o lugar mais fundo da alma e do espírito, vai
até o íntimo das pessoas e julga os desejos e pensamentos do coração”.
“Minha mãe é espiritualista, e ela vivia lendo para mim e meu irmão. E me ensinou
uma oração que me trouxe bem-estar. Lembro também de uma oração, de Saint
Germain, que minha amiga da Chama Violeta me ensinou. Que me trouxe paz,
quando eu estava a “mil por hora”, e adormeci imediatamente. Fiquei tranquilo. E
ainda, em outra experiência, as orações do Santo Daime, que me trouxeram paz.”
(Cuidado, grifo nosso)
A palavra, não é simplesmente uma palavra, quando esta ao ser expressa, constitui
certa intencionalidade. Ela é poderosa. Deixa de ser apenas um fonema ou o conjunto deste,
ou um termo que denomina e significa coisas, para provocar e invocar a manifestação de algo
no íntimo do ser. Segundo Ponty (2011, p.238), “descobria-se atrás da palavra uma atitude,
uma função de fala que condicionam a palavra”. E assim, considera-se que, quando uma
176
palavra é usada de forma adequada, poderá proporcionar algum efeito àquele que a recebe e,
possivelmente, corresponderá a uma expectativa deste indivíduo. Isto se tornou perceptível, a
partir dos relatos dos participantes com HIV/ AIDS, que receberam uma palavra de forma
direta ou indireta, e que trouxe resultados benéficos ante as necessidades vivenciadas.
“(...) li um livro chamado a 4ª Dimensão, de Paul Yonggi Cho, que fala sobre trazer
à existência aquilo que não pode ser visto, motiva a fé.” (Respeito, grifo nosso)
Deste modo, dá-se a razão de se tratar a biblioterapia com as PVHA. Pois tanto a
linguagem quanto o compartilhamento de ideias, evoca no “receptor” de dada mensagem,
uma profunda reflexão acerca de si e do outro, como também mobiliza suas emoções e
atitudes, em consonância ao que fora percebido. Segundo Ponty (2011, p.348) “Ter a
experiência de uma estrutura não é recebê-la em si passivamente: é vivê-la, retomá-la, assumi-
la, reencontrar seu sentido imanente”. A exemplo, apreende-se o relato da participante
“Criatividade”, com a experiência de assistir a um filme. Tanto a participante, quanto a
personagem do filme, possuíam um diagnóstico de difícil resolução: uma vivenciava o HIV/
AIDS, e a outra Leucemia – câncer que acomete o sangue.
“Eu vi um filme de uma criança que tinha leucemia, os pais dela foram para a Igreja,
e no fim ela é curada. Esta história me trouxe bastante fé. Chorei e me senti
tocada com a história.” (Criatividade)
177
“O meu esposo, durante a reunião do lar, leu uma passagem do livro “Os
Mensageiros”, de Chico Xavier. Isso me trouxe um refrigério, porque meu filho
estava fazendo coisas erradas, e eu precisava tomar decisões.” (Esperança)
A existência do ser humano reside no cuidado necessário com o seu corpo, alma, e
espírito, com o outro e a natureza. Desde a origem dos mamíferos na Terra, o cuidado
desvelou-se essencial – como na relação de reciprocidade “da mãe para com a sua cria”
(BOFF, 2012a, p. 43), por arquétipo – e se transformou numa exigência da vida e subsistência
da humanidade. Igualmente aos primórdios, o cuidado em saúde, também acende esta
necessidade do outro para dar e receber cuidado, bem como da afetividade, do zelo, da
atenção e do compromisso, fundamentais para ambos os seres se desenvolverem,
restabelecerem e fortalecerem.
Se o outro é verdadeiramente para si para além de seu ser para mim, e se nós somos
um para o outro e não um e outro para Deus, é preciso que apareçamos um ao
outro, é preciso que ele tenha e que eu tenha um exterior, e que exista, além da
perspectiva do Para Si — minha visão sobre mim e a visão do outro sobre ele
mesmo —, uma perspectiva do Para Outro — minha visão sobre o Outro e a visão
do Outro sobre mim (PONTY, 2011, p.8, grifo nosso).
“Deveria ser estendido a todos os ramos da Medicina, porque o ser humano não é
apenas uma parte, mas corpo, alma e espírito.” (Respeito)
179
“É uma ajuda, ainda mais quando há momentos na vida em que me sinto jogada
entre os mortos... Não adianta se cuidar por fora, e lá dentro eu estar mal à bessa.”
(Solidariedade)
Quando tomado para e pela leitura, o texto se esvazia do sentido que supostamente
teve para seu autor – sombra timidamente manifesto – e se produz no desejo e no
movimento do leitor para a geração de sentido. A efetiva relação que se pode esta-
belecer em um ato, sempre único, de leitura está nas mãos do leitor, de como ele
decide que as folhas se abram, que as realidades se projetem (SOUZA, 2013, 245).
“Não podemos parar, temos que persistir, o alvo pode estar perto de alcançar.”
(Vivacidade, sobre a reflexão “Não Desista”)
“Sem Deus, eu não sei o que vai ser.” (Solidariedade, sobre o texto “Não Entendo o
Sofrimento”)
“Minhas filhas e minha família são a minha razão para viver.” (Esperança, sobre a
reflexão “Olhe”)
“Pois são bem verdadeiros e reais. Me parece alguns ditados de Jesus, do tipo dar a
outra face.” (Gratidão, sobre o verso “Atire a Primeira Flor”)
“Me sinto bem e vou reler o texto novamente. Aprendi que Deus não me abandonou
e está comigo em todos os momentos, principalmente nas dificuldades.” (Bondade,
sobre o texto “Pego de Surpresa”)
“Muito bem. Creio que sei que o Senhor é Deus e tudo está sob o seu controle.
Apesar de tudo, me sinto confiante em Deus.” (Felicidade, sobre o texto “Sinto-me
Frágil)
“Bem. A leitura foi muito bonita.” (Infinitude, sobre o texto “Você Já Experimentou
Deus?”)
passa em seu interior, ou seja, se autoanalisar mediante a mensagem que lhe é proposta. E a
partir disto, se posiciona, reage e toma uma determinada atitude em prol dele ou de outros.
Conquanto, em biblioterapia admite-se “um exame corriqueiro que fazemos de nossos
pensamentos e atitudes, com o intuito de mudança de comportamento ou, então de aceitação
de si” (Ibidem, 2010, p.171).
“Me sinto bem, relaxada, e até parei de tremer.” (Solidariedade, sobre o texto “Não
Entendo o Sofrimento”)
“É uma reflexão para a vida. Muito legal, vou postar no Facebook e compartilhar pra
todos.” (Vivacidade, sobre a reflexão “Não Desista”)
“De me cuidar cada vez mais, e não abandonar os tratamentos em geral. A minha
vida é um livro.” (Ternura, sobre a reflexão “Quatro Estações”)
“Para a melhora do meu eu com os outros, contribuiu para ter mais força de vontade,
e acreditar mais na minha capacidade.” (Criatividade, sobre a reflexão “Olhe”)
“Posso encontrar outras pessoas que tenham um sonho em comum. Sempre pensar
alto, ter esperança, fé e lutar por aquilo que você sonha. Amadurecimento com o
tempo. E ajudar pessoas a superar a timidez, assim como eu.” (Paz, sobre o conto
“Moinhos de Sonhos”)
“Eu gostei porque estou me sentindo bem, mesmo no início quando não queria
muito participar. Mas depois as coisas ficaram melhores. Por que a pesquisadora
ouviu e passou conforto. Gerou resultados, pois pesquisa sobre a espiritualidade,
nunca houve neste setor.” (Felicidade)
“Mais fé, e saber que nas pequenas coisas Deus está.” (Receptividade)
“Só veio confirmar os Salmos que eu estava lendo, e o que Deus tem para a minha
vida.” (Bondade)
“Eu acho que a gente tendo fé em Deus e conversas sobre espiritualidade, ajudaria
no cuidado. Seria muito bom ter este momento, pois gera esperança, principalmente
para aqueles que abandonam os tratamentos. E queria que houvesse mais vezes.”
(Felicidade)
biblioterapêutico, para ser aderido nos serviços de saúde e ofertado aos seus usuários, com o
objetivo de promover um sentido para a vida destes, quando coincidido a servir como um
suporte emocional e espiritual. Os entrevistados reconheceram a terapia como mais uma
forma de cuidado.
“Deveria ser mais divulgado, pois muita gente não se interessa em saber sobre
tratamentos da saúde, e acabam nas ‘garras’ da doença.” (Vivacidade)
“Não haveria tanta gente doente no mundo. Não precisaria de tantos médicos e nem
de tantas farmácias. Isto já dá conta da alma e do espírito que está no corpo.”
(Esperança)
Sendo assim, cabe ressaltar que, os mesmos têm esperanças na Biblioterapia, não
apenas como um cuidado, mas também como uma forma de abordar a espiritualidade,
encontrar respostas, e aliviar o sofrimento, ainda que diante das mais temíveis adversidades
impostas pelo destino. Pois “[...] ninguém pode substituir a pessoa no sofrimento. Mas na
maneira como ela própria suporta esse sofrimento está também a possibilidade de uma
realização única e singular” (Ibidem, 2008, p.102-3). Neste ponto, há muitas percepções de
que experiência como esta, semelhante à proporcionada pela pesquisa, poderá contribuir para
o restabelecimento psíquico e espiritual de uma pessoa, e que também, paulatinamente,
poderá refletir sobre o corpo físico desta. Por isto, cogita-se esta vivência durante uma
assistência de saúde, um cuidado com um enfermo e um necessitado, e em momentos de
reflexão individual e grupal, por exemplo.
“Pode contribuir para refletir, pois são palavras positivas e confortantes.” (Gratidão)
“Os pacientes pensam que só vão ser medicados, e não estão sendo preparados
nisso. Logo, pode contribuir.” (Ternura)
Finalmente, houve uma questão que permeou todos os discursos, e que são
indispensáveis para validar os objetivos e questões relacionadas à pesquisa, e que remetem ao
uso da Biblioterapia, como um suporte emocional e espiritual, no cuidado as PVHA: “Você
indicaria a leitura de textos como um suporte espiritual para o cuidado de pessoas que sofrem
com as dificuldades provenientes da vivência do HIV/ AIDS, e outras complicações de
saúde?”. O percentual de 100% de indicação pelos participantes demonstra, portanto, a
evidente eficácia da intervenção, enquanto experiência vivenciada no cuidado destes. Algo
constatado pela aceitabilidade e reflexões quanto a possíveis contribuições.
“(...) por causa do ser humano não ser somente matéria.” (Respeito)
“Eu indicaria, pois senti coisa boa, houve troca de experiências, recebi e passei.”
(Ternura)
“Indicaria, eu acho que toda palavra de ânimo e paz são bem vindas pra todos, com
HIV ou não. É algo bom, mas depende de aceitação.” (Bondade)
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“(...) porque os livros, textos e leituras são vida. Ajudam a mudar o foco da doença,
para o prazer. Se liberta da coisa, ou seja, do mundinho da doença. E aprende.”
(Esperança)
“(...) por que gostei bastante, e é bem capaz que uma pessoa esteja precisando desse
momento de atenção e cuidado. Pelo fato de a pessoa se sentir à vontade.”
(Criatividade)
“Indicaria. Por que a pessoa às vezes está numa fase triste na vida, e terá uma ajuda
naquele momento, e conforto. Vou compartilhar este momento e farei a leitura para
minha irmã.” (Infinitude)
“(...) por que os médicos só falam de carga viral, CD4+, remédios... É algo inovador
para cura do espírito, porque do corpo já tratam, e muitas pessoas não buscam o
cuidado espiritual.” (Felicidade)
“(...) para sentirem o mesmo alívio que estou sentindo. É um fortificante, você toma
e fica forte para conversar com as pessoas abertamente, ficar mais consciente e
encontrar alívio em Deus.” (Solidariedade)
“Eu indicaria, mas depende do grau de instrução. Quem gosta e acredita, é válido e
não mera bobagem. Pois motiva e incentiva a atenção com o paciente, que sente-se
fragilizado, e o próprio cuidado.” (Gratidão)
CONCLUSÃO
A presente obra significou mais que uma inspiração, um cogito e uma indagação
acerca das coisas que foram dadas. Ela transpôs do papel as palavras embebidas de teorias,
conceitos, pensamentos e percepções, para impetrar na esfera mais profunda de um ser.
Tratou-se de um fluxo contínuo de pesquisa – teoria – prática – compreensão – saber. Ao
mesmo tempo, configurou-se no esforço de abarcar a temática “Espiritualidade” no cuidado
em saúde, e integrar os conhecimentos que, anteriormente, foi apercebido por demais
estudiosos e interessados. Foi apreendido que o Homem não é um ser constituído apenas por
um corpo /corpus/ e uma mente /psique/, mas é constituído “de” e “por” uma Interioridade
/spiritus/. O mesmo não se encontra sozinho no mundo. Ele é um ser de relações com as
coisas, com o outro, com a natureza, e com Algo Superior. Porém, se subsiste, é porque foi
concebido, acolhido e cuidado por um que lhe é semelhante. Este não vive em plena harmonia
com suas relações, ele é vulnerável aos complexos existenciais, como perdas, desventuras e
enfermidades. Cada um destes, não fere apenas uma instância do seu ser, mas o afeta
totalmente, e assim urge a necessidade de ser tratado e suprido em suas queixas. Logo, recorre
à ciência, a tratamentos de saúde, a filosofias, a crenças, e ao Divino, para enfim, poder ser
atendido.
Dentre tantas vulnerabilidades que possam acometer o Ser Humano, o atual estudo
concentrou o olhar sobre o indivíduo que não corre mais o risco de adquirir o vírus HIV e de
manifestar a doença AIDS, ou seja, o que vivencia de fato. Pensá-lo, por meio de teorias, não
foi suficiente para compreendê-lo, antes foi preciso entrar em contato com o seu universo para
notá-lo. Entre as diversas formas para corresponder a este contexto, foi escolhido o caminho
do “cuidado de saúde”, oferecido às pessoas vivendo o HIV/ AIDS (PVHA). Após
levantamento científico e do relato destes, foi apreendido que estes cuidados, deveriam ser
integrais, a fim de suprirem as necessidades desde físicas, emocionais, sociais, como as
espirituais. Os dados também demonstraram que em saúde, os cuidados fornecidos são mais
abrangentes com relação aos aspectos físicos e emocionais – tratamentos medicamentosos e
acompanhamento pela equipe de saúde; e em minoria, com os aspectos sociais, bem como os
espirituais – devido a insuficientes estudos sobre o tema, entraves burocráticos e pessoais, e
ademais. Ante a constatação, o estudo se propôs a averiguar o aspecto espiritual imbricado
nestes cuidados, concomitante aos demais aspectos identificados.
187
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Niterói. Anais. Niterói: Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa/UFF, Escola Nacional
de Saúde Pública – Ensp/ Fiocruz, Laboratório de Pesquisa de Resiliência e Enfermagem da
Unirio/EEAP, 2012.
203
APÊNDICE
APÊNDICE 1
CRONOGRAMA
204
APÊNDICE 2
1- Observar o ambiente terapêutico que o paciente está inserido, para futura descrição.
2- Levantar informações dos funcionários acerca dos recursos humanos e materiais
utilizados para a prestação dos cuidados.
3- Busca de possíveis participantes da pesquisa.
4- Explicar ao participante sobre a pesquisa e oferecer o termo de consentimento de livre
esclarecimento.
5- Aplicar o formulário de identificação e caracterização dos sujeitos.
6- Realizar entrevista sobre os sentimentos e percepções do paciente (1º Momento).
7- Propor ao participante literatura para a livre escolha e posterior implementação.
8- Implementar a técnica de biblioterapia por meio da leitura narrada (poemas, livros, letra
de música e outros textos literários), como complemento ao cuidado e facilitador do
crescimento espiritual.
9- Anotar a reação do paciente antes, durante e após a aplicação da técnica de biblioterapia.
10- Realizar uma entrevista sobre os sentimentos e percepções do paciente (2º Momento) e
diálogo.
11- Agradecer a participação.
205
APÊNDICE 3
Dados de Identificação
O(A) Sr. (ª) está sendo convidado(a) a participar do projeto de pesquisa “Entrelaçamentos da
Espiritualidade e Biblioterapia no Cuidado ao Paciente Vivendo com HIV e AIDS: Uma Perspectiva
Fenomenológica”, de responsabilidade da pesquisadora Patrícia da Silva Trasmontano.
Em consideração a dignidade da pessoa, as dimensões humanas, a saúde e bem-estar comum,
recomenda-se a espiritualidade como elemento transcendente no cuidado integral, que mobiliza a defesa
da vida e o fortalecimento da pessoa, frente ao diagnóstico médico ou adversidade do cotidiano
vivenciado. O estudo justifica-se uma vez que a pessoa, independente de estar enferma, e seus cuidadores,
necessitam de apoio em sua espiritualidade posto que seja mantenedora da esperança, do diálogo e do
retorno às possibilidades de enfrentamento da enfermidade, superação de problemas existenciais, e
propiciadora de harmonia ao viver. As investigações científicas podem contribuir, a este respeito, ao
descobrir, compreender, e explicar meios de gerar esperança e qualidade de vida a saúde humana.
A pesquisa tem por objetivos: compreender as percepções de pacientes com HIV/AIDS no que se
refere à sua espiritualidade e entrelaçamentos com a experiência da intervenção biblioterápica; analisar,
numa perspectiva fenomenológica, a dimensão espiritual experimentada no cuidado mediante a aplicação
da leitura narrada como terapia; e, discutir as repercussões da prática da arte de ler associada à arte de
cuidar, na humanização aos pacientes que vivenciam o HIV/AIDS. A pesquisa será realizada através da
aplicação de formulário; implementação da técnica de biblioterapia, ou seja, leitura narrada como terapia
(poemas, livros, letra de música e outros textos literários); observação participativa e entrevista. Os dados
serão anotados em diário de pesquisa, e as falas do participante e da pesquisadora serão gravadas. Ficam
assegurados o anonimato dos depoentes e a exclusividade de uso das informações para fins científicos.
Como participante, estou ciente de que a pesquisa não me causará danos nem riscos potenciais.
Ao participar desta pesquisa de forma voluntária, estarei colaborando para o aprimoramento da
assistência em saúde. Serei atendido quanto a esclarecimento de dúvidas de qualquer natureza, acerca dos
riscos, benefícios, procedimentos e outros assuntos relacionados à pesquisa. Estou livre para abdicar meu
consentimento em qualquer tempo e recusar a participação da pesquisa, sem que isto me traga prejuízo.
Será mantida a confiabilidade das minhas informações. Obterei informações atualizadas durante a
pesquisa e concordo com a divulgação e publicação científica dos resultados do estudo.
Eu,__________________________________________________________, RG nº__________________
declaro ter sido informado e concordo em participar, como voluntário, do projeto de pesquisa acima
descrito.
Ou
Eu, _________________________________________________________, RG nº__________________,
responsável legal por___________________________________________, RG nº__________________
declaro ter sido informado e concordo com a sua participação, como voluntário, no projeto de pesquisa
acima descrito.
_______________________________ _______________________________
Nome e assinatura do paciente ou seu Assinatura do Pesquisador
responsável legal
_______________________________ _______________________________
Testemunha Testemunha
206
APÊNDICE 4
FORMULÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO
Projeto: Percepções acerca da espiritualidade articulada à biblioterapia enquanto experiência vivenciada no cuidado integral
aos pacientes com HIV e AIDS: uma perspectiva fenomenológica.
Entrevistado:_____________________________________
Cor da pele:
( ) Branca ( ) Negra ( ) Parda ( ) Indígena
APÊNDICE 5
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Questões Norteadoras:
- Quais as percepções dos pacientes que vivenciam o HIV/AIDS no que se refere à sua
espiritualidade? Como experimentam a dimensão espiritual no cuidado com a aplicação terapêutica da
leitura narrada? Quais as percepções e significados acerca da biblioterapia no cuidado espiritual para
os pacientes que vivenciam o HIV/AIDS?
1- Relate a experiência sobre leitura de textos que você fez sozinho ou com alguém, como uma
forma de suporte emocional e espiritual?
2- Qual literatura te agradaria ouvir, como suporte emocional e espiritual, caso enfrente
dificuldades consequentes do tratamento e da vivência com o HIV/AIDS?
a) Tipo:
OBS: [Pode marcar mais de uma opção]
( ) versos ( ) poesias ( ) reflexões ( ) crônicas
( ) letras de música ( ) contos e histórias ( ) religiosas ( ) outros:_____________
208
b) Para quê?
A EXPERIÊNCIA DA BIBLIOTERAPIA
4- Em que a leitura narrada, pode contribuir no suporte emocional e espiritual à pessoa com o
HIV/ AIDS?
5- Por que você indicaria esta técnica de biblioterapia, por meio da leitura narrada, para outras
pessoas que sofrem com as dificuldades provenientes da vivência do HIV/ AIDS, e outras
complicações de saúde?
6- O que poderia ser acrescentado na aplicação desta técnica de biblioterapia, por meio da leitura
narrada, como suporte emocional e espiritual no cuidado à pessoa com o HIV/ AIDS?
ANEXOS
ANEXO 1
TEXTOS UTILIZADOS NA INTERVENÇÃO BIBLIOTERAPÊUTICA
Moral da História:
AUMENTAR A AUTOESTIMA
- Conclusão
(Livreto “Salmos para Enfermos”)
212
- Olhe (extraído)
http://www.doalto.com.br/autoajuda/olhe.htm
Olhe para trás, veja os obstáculos que você superou. Veja o quanto você já aprendeu nesta
vida e quanto você cresceu...
Olhe para frente, não fique parado, levante-se quando tropeçar e cair. Estabeleça metas, tenha
planos e prossiga com firmeza.
Olhe para dentro, conheça seu coração e analise seus projetos, mantenha puros seus
sentimentos, não deixe que o orgulho, a vaidade e a inveja dominem seus pensamentos e seu
coração.
Olhe para o lado, socorra quem precisa de você. Ame o próximo e seja sensível para perceber
as necessidades daqueles que o cercam.
Olhe para baixo, não pise em ninguém, perceba as pequenas coisas e aprenda a valorizá-las
Olhe para cima. Há um Deus maior do que você que te ama muito e cuida para que voce tenha
tudo aquilo que necessitar.
Olhe para Deus. Perceba a profundidade, a riqueza e o poder da bondade divina.
Sinta esse Deus que olha por você em todos os dias de sua vida...
Seja feliz...
214
- Pego de Surpresa
(Livreto “Salmos para Enfermos”)
215
- Sinto-me Frágil
(Livreto “Salmos para Enfermos”)
216
PROMOVER A ESPERANÇA
Quando a terra estiver seca, que sua mão seja a primeira a regá-la.
Quando a flor se sufocar na urze e no espinho, que sua mão seja a primeira a
separar, a arrancar a praga, a afagar a pétala, a acariciar a flor.
Se a porta estiver fechada, que de você venha a primeira chave. Se o vento
sopra frio, que o calor de sua lareira seja a primeira proteção e primeiro
abrigo.
Se o pão for apenas massa e não estiver cozido, seja você o primeiro
forno para transformá-lo em alimento.
A mulher e o menino iam montados no cavalo; o homem ia ao lado, a pé. Andavam sem rumo
havia semanas, até que deram numa aldeia à beira de um rio, onde as oliveiras vicejavam.
Fizeram uma pausa e, como a gente ali era hospitaleira e a oferta de serviço abundante,
resolveram ficar. O homem arranjou emprego num moinho próximo à aldeia. A mulher se
juntou a outras que colhiam azeitonas em terras ao redor de um castelo. Levou consigo o
menino que, no meio do caminho, achou um velho cabo de vassoura e fez dele o seu cavalo.
Deu-lhe o nome de rocinante.
Ao chegar aos olivais, o pequeno encontrou o filho de outra colhedeira - um garoto que se
exibia com um escudo e uma espada de pau. Os dois se observaram à distância. Cada um se
manteve junto à sua mãe, sem saber como se libertar dela. Vigiavam-se. Era preciso coragem
para se acercar. Mas meninos são assim: se há abismos, inventam pontes. De súbito, estavam
frente a frente. Puseram-se a conversar, embora um e outro continuassem na sua. Logo esse já
sabia o nome daquele: o menino recém-chegado se chamava Alonso; o outro, Sancho.
Começaram a se misturar:
- Tá vendo aquele moinho gigante?, apontou alonso. Meu pai sozinho é que faz ele girar.
- Seu pai deve ter braços enormes, disse Sancho.
- Tem! Mas nem precisava, respondeu Alonso. Ele move o moinho com um sopro.
- Tá vendo o castelo ali?, apontou. Meu pai disse que o dono tem tanta terra que o céu não dá
para cobrir ela toda.
- E se a gente esticasse o céu como uma lona e cobrisse o que está faltando?, propôs Alonso.
- Seria legal, disse Sancho. Mas ia dar um trabalhão.
- Temos de crescer primeiro.
- Bom, enquanto a gente cresce, vamos pensar num jeito de subir até o céu! - disse Alonso.
- Vamos!, concordou Sancho.
Sentaram-se na relva. O cavalo, a espada e o escudo entre os dois. Um sopro de vento passou
por eles.
Já eram amigos: moviam juntos o mesmo sonho.
218