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TEORIAS E PRATICAS DA TRADUGAO CHINES-PORTUGUES DUNE ZBL SG SR ‘Ana Cristina Alves Centro Cientifico e Cultural de Macau 1. Requisitos para uma boa traducgao 1.1. Fatores internos: A conviegio do tradutor Quais os requisitos necessdrios para a realizagao duma boa traducao? Antes de mais e sempre, a convicgao do tradutor aliada ao gosto pela mudanga. De facto, o tradutor e os seus sentimentos jogam um papel impor- tante na esfera da traducdo. A vontade que este sente de alterar e de ser alte- rado, indissociavelmente ligada 4 compreensio do Outro, surja ela em for- mato de realidade exterior ou em formatagao de realidade interna. Recordo as palavras de Lu Xun (#if.) no seu prefacio a edigao de O Chamado ( «iii» ), apresentado e traduzido no artigo de Marcia Schmaltz, Lu Xun e a anatomia de um povo (2013). Tu Xun, o pai da literatura moderna chinesa, que 1 profunda na arte literdria para a qual transportou as vivéncias quotidianas, introduzindo o fluir dos estados psicolégicos dos personagens na narrativa, izou uma mudanga ele que também foi tradutor, aspirou antes de mais, com toda a sua vasta obra literdria e tradut6ria, a provocar uma mudanca na mentalidade do povo chi- nés, que até en o era marcadamente tradicionalista e obediente, pois, mais do que respeitador dos prinefpios éticos de Confiicio, seguia, na sua opiniao, acima de tudo, os principios da autoridade e das hierarquias. Ele desejou um pais diferente e acreditava que tal era possivel recorrendo A arte literdria. Para o efeito, abandonou os estudos de Medicina, porque na sua perspetiva acima da DIALOGOS INTERCULTURAIS PORTUGAL-GHINA 2 - VOL. 2 amt cura fisica, estava a espiritual, apenas possivel de realizar por meio da atividade literdria no seu sentido mais lato, aquele que abrangia a acdo fisica e psiquica do tradutor. Notem-se as suas palavras num excerto de o preficio a primeira edi¢ao de O Chamado, proferidas na sequéncia de um chinés ter sido conde- nado a decapitagao pelas autoridades japonesas sob a acusa russa, sem que os compatriotas nada fizessem para o salvar, Segundo Lu Xun, (0 de espionagem “a partir daquele episodio, passei a acreditar que a medieina nao era o mais importante para mudar a China. Afinal, um povo ignorante, mesmo forte ¢ com satide, no maximo podia servir como espectador de tai (es piiblicas sem sentido e ninguém lamentaria a falta dum desses, mesmo que morresse por doenca. Por conseguinte, o fundamental era a mudanca das mentes, ¢ julguei que a melhor maneira de se fazer isso, seria através das artes. Entao planejei promover um movimento literério. RLR-AEDA TEE, REBT RINT. ITB, BEALE Wee IPSE— PPR BES, FL ALAIN IR CH 4, A CE, PLA RIEL INARI RLS, HIDES EARLE, BRAT SEE, AR AEAMC UT A, TRE AG AL, TSE Jy 4 He 2. PRAWECZ IEW T . ) (2013, p. 220) O movimento literdrio teria como folha de rosto a capa duma revista, Vida Nova (Xinsheng <#i/#> ). © Movimento da Nova Cultura, cujos pilares assentavam na crenga na ciéneia ena revolucio literdria. Sea mudanga de mentalidades era 0 objetivo visivel do grande artista ¢ Le e outros gestos seriam os pioneiros a inaugurar tradutor, o que o conduziu a essa aspiracio esteve um passo atras, radicando na conviec&o psicolégica de que essa transformagio s literatura, mas foi preciso que Lu Xun acreditasse nela, para x possivel através da lizar 0 movi- mento psicolégico de deitar mai $A obra, a fim de efetuar o projeto gigantesco aalteragio da maneira de pensar do povo chinés. que o movi 1.2. A autoconfianga do tradutor 0 tradutor precisa de acreditar no trabalho que realiza, procedendo de modo a apaziguar receios e incertezas, quer quanto As suas capacidades, quer em relagao 4 compreensio cultural do outro ¢ ao dominio da lingua. 272 DESC EAH =A) ae ‘TEORIAS E PRATICAS DA TRADUGAG CHINES PORTUGUES Maria de Lurdes Nogueira Escaleira, em “Entrevista com Li Changsen”, um dos tradutores chineses mais experientes na tradugio portugués-chinés, conduz o professor e tradutor Li Changsen (#{¢#) a uma confissao interes- sante, a titulo de resposta a pergunta se apreciaria mais traduzir de portugués para chinés ou vice-versa, quando analisada do ponto de vista da autoconfianga do tradutor (2013, p. 276): Pela minha experiéncia penso que quando uma pessoa é jovem ou recém- -formada, normalmente, acha que traduzir de portugués para chinés é facil e, depois de fazer uma tradugdo, tem um tipo de sentimento de orgu- Iho, sente que j4 sabe traduzir de portugués para chinés mas, para mim, quando se tem mais experiéncia vemos que traduzir de portugués para chinés é dificil, Agora, eu vou reler as minhas tradugdes de hé 20 anos tenho vergonha... Naquela altura ainda nao entendia a histéria de Macau, nfo entendia a comunidade macaense e, também, nao conhecia muito bem as culturas de Cantio. Este excerto suscita varias leituras para 0 processo de traducao, sendo a primeira e mais imediata de realizar a de que a tradugio nao é um caminho simples, nem facil; o proprio tradutor esta em movimento evolutivo de aper- feicoamento constante, quer dizer, se for exigente consigo mesmo e no se aco- modar ao trilho percorrido, ha sempre novas terras a bater, o que nos conduz a perspetivaciio da tradugio como uma viagem simultaneamente interior, a que o tradutor faz para transformar uma lingua noutra, e exterior, a que realiza ao encontro do Outro na aproximagao de culturas, mentalidades e modos de ser. Neste processo tio complexo, com tantas encostas e vertentes, a autoconfianga & essencial. O tradutor tem que acreditar que faz. o melhor que pode e est ao seu alcance no momento da viagem existencial em que se encontra. Quanto mais caminho percorrer, mais amadurecido, estudado e erudito fica; mas, em. compensacio, a rapidez e a intuiggo juvenis podem contribuir para grandes momentos de inspiragio e coautoria no ato de traduzir. Seria bom que os tradutores tivessem em mente em cada trabalho que rea- lizam a impossibilidade de serem obtidas equivaléncias matematicas e perfeitas quando transmutam uma lingua natural noutra, mas é essa mesma impossibili- dade que os torna criativos, permitindo-lhes ascender ao pedestal da coautoria sem deixarem cair o principio da fidelidade, porque mais importante do que se DIALOGOS INTERCULTURAIS PORTUGAL-GHINA 2 - VOL. 2 273 ser fiel a letra 6 manter-se dentro do espirito do autor; ou ent&o procurar uma relagao inovadora entre o espirito e a letra, & maneira da proposta de Antoing Berman e da sua chamada de atengio para as doze tendéncias deformantes na tradugio. Além disso, ele/a terd sempre em seu auxilio a vivacidade e plastig;. dade das préprias linguas naturais, que se, por um lado, atraigoam em relagio aum modelo formal perfeito, por outro, abrem espaco a encontros estéticos de grande valor semAntico sem adulterarem o espfrito da obra da lingua de partida, Deste ponto de vista, o mais importante é a autoconfianga e a satisfacdo dum tradutor rigoroso ¢ cticamente exigente consigo mesmo. 1.3. A compreensiio dos movimentos psiquicos da tradugéo: conjugacao dos fatores internos e externos na viagem de traduzir Voltando a ideia da tradugao como viagem (Alves, 2018, p. 387), mas agora perspetivada do ponto de vista psicoldgico, traduzir é uma dupla viagem para © tradutor, ao encontro de si mesmo e do outro, pelo que creio esta nao ser4 bem-sucedida se o tradutor deixar cair um dos lados do bindmino, no ato de viajar. Esta viagem s6 pode ser feliz, quando experienciada duma forma dialé- tica. A preocupagio com 0 outro nao deve ser exacerbada ao ponto de o tradu- tor se tornar invisivel na conseguida chamada de atengao de Lawrence Venuti em The Translator ’s Invisibility: A History of Translation. Também Dominique Grandmont considera o processo de traduciio uma viagem, “uma tentativa de conciliar no quotidiano os diversos estados de cons- ciéncia, dessa viagem no tempo e no espago, que é de alguma forma a escrita” (2013, p. 43) Mas como pode o tradutor reconhecer os seus proprios estados psiquicos ao longo da viagem senao analisando e meditando sobre eles? Seno tornando-os visiveis em reflexdes sobre a sua ética aos niveis psicologico, cien- tifico e sociopolitico? Mesmo que o tradutor nao desenvolva a sua veia de tedrico da tradugao, a tradugao sera tanto mais feliz quanto melhor conseguir compreender os seus mecanismos psicol6gicos e preferéncias que condicionaram certas pees tra~ dutérias, bem como o esforgo empregue para aprofundar o dominio ea cultura que enquadravam 0 trabalho que se propés efetuar. A sua entrega, o seu ato de amor também terao de ser meditados de modo a que a viagem se concretize da melhor maneira possivel porque houve a compreensio de que: 274 tobe fet (ABA) Fe ‘TEORIAS E PRATICAS DA TRADUGAD CHNES-PORTUGLES “Traduzir é uma boa transig&o da veleidade de escrever para o dom de si na escrita, Nao é facil! £ preciso mergulhar de novo as palavras no uni- verso mudo que precede a sua emergéncia ou, mais literalmente, olhar 0 texto como uma crianga que ainda no sabe falar [...] Nao, traduzir implica ‘uma vida de amor ¢, jé 0 disse, de viagem, de esquecimento também, e de reminiseéneia assumida.” (Grandmont, 2013, p. 45) O texto nasce como uma crianga nas maos dum tradutor que vai crescendo e amadurecendo com ele. A viagem é antes de mais um processo dialético interior que implica um contacto permanente com o exterior, primeiro com 0 mundo referencial para 0 qual reenvia o autor e sua obra, ao qne se segue uma longa viagem, também ela em grande parte interior, de contacto do tradutor com a obra do autor com vista a apresentaco ao exterior do mundo que lhe é proposto, para no final culminar no trabalho de tradugao acabado que viajaré concreta e exteriormente em diregao ao publico, nao sem antes passar pelo crivo selecio- nador do(s) financiador(es), ainda eles com um peso muito conereto e decisivo. 2. Breve resumo das principais teorias de tradugio contemporaneas ocidentais 2.1. As principais escolas Este breve resumo baseia-se essencialmente na organizacao paradigmatica fornecida por Yu Xiang (fir 3B) na investigacio J5 BPEH N/E AU AN” (Lacuna Cultural e a Reconstrugao da Coeréncia na Tradugdo) como: “uma falta de conhecimento do ambiente cultural relevante e compartilhado entre o autor e os seus leitores” (2013, p. 100). Quais entao as estratégias e técnicas adotadas para fazer face a este tipo de Jacunas culturais? Muitas delas, vem-nos da propria escola cultural, como sejam as técnicas de domesticagio e de estrangeirizagio, propostas por Frie- drich Schleiermacher e recuperadas por Lawrence Venuti em The Translator ‘s Invisibility: A History of translation. A domesticagio pretende aproximar o leitor da lingua-alvo, procurando ultrapassar a lacuna cultural com técnicas especificas, como sejam: a) a tradugao pelo sentido, operando a nivel semantico, mas olvidando a forma, a matéria, as imagens e as metéforas, essenciais ao nivel estético; b)a substituigéo, que tenta equivaléncias funcionais ao texto-fonte, quando na cultura-alvo puderem ser substituidas por outras, por exemplo em. termos da traducio chinés-portugués, a substituigao de “arroz” por “pao” em expressées idiomaticas; c) a parafrase, na qual o objetivo é transferir, parafraseando Dryden, 0 espirito do autor com 0 auxilio das palavras do tradutor com vista a satisfazer o entendimento do leitor, o que Schleiermacher considerava uma tradugio mecénica usurpadora do lugar do comentario. J& a estrangeirizagio deseja mostrar a diferenca cultural, dando a conhe- cer ao leitor a lacuna cultural, o que poderd realizar recorrendo a varios pro- cessos, entre os quais: a) 0 comentario; )a transliteracao sem nota de rodapé, no caso da tradugao chinés-por- tugués, recorrendo ao Pinyin (Pinyin #7), que segue as normas do Alfabeto Internacional; DIALOGOS INTERCULTURAIS PORTUGAL-CHINA 2 = VOL. 2 277 ©) a transliteragio com nota de rodapé. Como bem nota Huang Li (2013, p. 108), hoje sto cada vez mais frequen. tes os métodos de transliteracao sem nota de rodapé, ou seja, as traducies lite rais, devido ao fenémeno da globalizagao, que implica uma imensa atividade intercultural e transcultural. Por exemplo, palavras como gipao (aipéoif 4a), jiaozi Gidzitie 7), e Hongbao (44) talver nao necessitem de notas de rodapé em muitos paises. Recordo que, em 2016, quando publiquei Culturas em Didlogo: A tradugao Chinés-Portugués, propus na altura a tradaptagao, nogao herdada do poeta e tradutor canadiano Garneau, como estratégia tradutéria que tentaria estab lecer um compromisso entre as técnicas de domesticagiio ¢ estrangeirizacio ato sensu, definindo-a ento: “uma forma de traduzir mais livre, onde se pri- vilegia além da intengo do autor, a comunicagao de sentido ao leitor” (Alves, 2016, p. 5). Tradaptar ser, no meu ponto de vista, além dum compromisso 6bvio entre a tradugao, que respeita o sentido do texto original e a adapta que enfatiza a comuni 10, io, uma tentativa de nao perder a matéria e a estética da tradugdo, a maneira de Antoine Berman, mantendo as imagens em equil- brio, na tradicional Via do Meio de feigao chine: Ontem como hoje, o meu esforco continua no mesmo sentido, por i so repito: “Incapaz de optar por um dos métodos, domesticagio versus estrangeirizago, a minha principal qu guir a Via do Meio? Como do coloca-se em termos de equilibrio, ou seja, como s domesticar para comunicar eficazmente, sem perder a riqueza da lingua origi- nal, expressa nos seus valores e cultura?” (Alves, 2016, p. 6). 3- Exemplos concretos da pratica de traducao chinés- portugués: da tradugio por maquina a tradugao criativa Passe-se ento a alguns exemplos coneretos de tradugdo, que oscilam entre a domesticagao e a estrangeirizagio, aspirando ao posicionamento na Via do Meio. Nada melhor para comegar este exercicio de traducio do que algo tio dificil ou mesmo impossivel de traduzir, como seja a nomenclatura das personagens duma 6pera chinesa. * Respetivamente: cabaia, pastelinhos chineses e envelopes vermelhos. 278 TES is RHE) "TEORIAS E PRATICAS DA TRADUGAO CHNES-PORTUGUES A oportunidade surgiu quando Portugal, na sequéncia do memorando de entendimento, estabelecido em dezembro de 2018, aquando da visita do Pre- sidente chinés Xi Jinping a Portugal, abriu o caminho & assinatura do referido documento entre a Ministra da Cultura do nosso pais e o Ministro da Cultura ‘Turismo da China. 0 memorando viabilizou a realizagio de festivais culturais nos dois paises e a vinda da Companhia Nacional de Opera de Pequim que nos trouxe a Opera tradicional “As Guerreiras da Familia Yang” ( #4 )4c¥$> ).A Companhia atuou no Teatro Nacional de Sao Carlos a 8 de fevereiro do corrente ano para a celebragiio do 40.° aniversario do restabelecimento das relagdes diplométicas entre Portugal e a China. ‘A Opera canta e enaltece as capacidades guerreiras femininas, sendo o tema de indiscutivel atualidade no inicio do século XXI, marcado pelas questées de género e pelo repensar do papel das mulheres no mundo. Além disso, coloca desafios de traducdo muito interessantes, nomeadamente em termos dos nomes dos papéis femininos e masculinos. Aqui vai-se tentar uma tradugao, recorrendo a um importante auxiliar de tradugdo nos nossos dias: a traducdo por maquinas, nomeadamente aquela que nos é fornecida pelo Google Translate. A proposta neste ponto 3 sera pensar as técnicas ¢ estratégias de traducao ‘em comparacao com a tradugdo das maquinas. Antes de mais, ¢ a titulo de enquadramento cultural fornecido por Colin Mackerras em Peking Opera (1997) para entender a classificagao dos perso- nagens numa dpera chinesa nao essencial 0 tipo e nivel vocal, por exemplo, se um personagem é soprano, meio-soprano, contratenor ou tenor, mas antes 0 sexo dos personagens, bem como 0 estatuto social e a personalidade deles (Mackerras, 1997, p. 40). Fis uma primeira distincdo entre a tradugdo por humanos e a das maqui- nas, estas habitualmente nao procedem ao enquadramento cultural das suas tradugSes, ainda que com o desenvolvimento da Inteligéncia Artificial aplicada ao dominio da tradugao, nada impeca que o venham a fazer. Daqui resultara um primeiro desafio, que serd o das maquinas do futuro poderem contextua- lizar culturalmente 0 léxico das suas tradugées. DIALOGOS INTERCULTURAIS PORTUGAL-CHINA 2 - VOL, 2 279 3-1. Exemplos de tradugao por maquina para a épera chinesa ao nivel linguistico Jingju_ sf] Gingji) Opera de Beijng. Tradugao direta que a maquina realiza sem dificuldade, muito embora nao ofereca a alternativa literdria que surge nos livros da especialidade, a saber: jingxi #242 (jinxi) O que nos conduz, po apresentacdo de tradugdes em que a equivaléncia pareca, tanto quanto possivel, ias dit um lado, ao pertinente principio da simplificacio e 4 seguir o modelo formalizante das cién exatas, por outro, a inevitave] redu segundo desafio, que sera o de contornar o principio simplificador da maquina, tornando-a mais abundante e generosa de sentidos. Jo face & riqueza sinonimica da lingua natural. Do exposto resulta um Shéng /[:(Papéis masculinos) _ shéng satide. © programa de traducao nao consegue identifiear a linguagem técnica pelo que opta por uma tradugio genérica. Assim, um terceiro desafio sera o de complementar 0 programa generalista com outros mais especializados. Quanto a estratégia de tradugdo que proponho para os papéis da 6p chinesa é a de segui avia da est cangeirizagiio, procedendo a transliteragio com explicagéo entre parénteses, ou ainda, notas de rodapé, atentem-se as tradugdes para os papéis masculin: ldoshéng |: (papel para homens idoso: b. witshéngis: (papel para militares); 3 d._ jing i» _ ou 7¢)I hualian (faces pintadas), que a maquina traduz pelo xiioshéng/}\“F (papel para joven: termo “limpo"; e. chéu 1: (palhagos), o que no Google é traduzido literalmente por “feio”; f. m6 & (apoio aos homens), traduzido literalmente por “final” Resumindo, & laia de reflexiio, nos papéis masculinos sempre que ha cor- respondéncia entre 0 nivel de lingua padrao e 0 termo especializado, a tradu- Go 6 realizada sem dificuldade, mas quando ha um afastamento entre o nivel geral e o especializado, a traduciio ja nao 6 adequada. Notem-se agora os papéis femininos. O que se passa com os dan H (papéis femininos), fundamentais, por exemplo, na 6pera “As Gue ‘s da familia Yang”? 280 HebEESCHEaT GAH EM TEORIAS E PRATICAS DA TRADUGAO CHINES: PORTUGUES a) Qingyi, #7 Govem senhora) _ a maquina traduz por Tsing Yi, ofe- recendo uma transliteragdo sem esclarecimentos adicionais, parece assumir que se trata um nome préprio; deixa em aberto, no entanto, ‘um vasto campo de possibilidades ao tradutor, que poderd pesquisar se 6 um vocdbulo duma dea especializada. O mesmo sucede em: b) huadan 4,11 (mulher no papel decorativo de flor) _ traduzido por “Hua Dan”e ©) widan 3 (papel de mulher guerreira) _traduzido por “Wudan". 4) Hodan #4. (mulher idosa) _ “Dan velho", a tradugdo, que 0 Google ‘Translate nos propée, esta incorreta, afastando-se muito do sentido para a referida personagem na linguagem especializada. Pode-se ent&o concluir que quando a um programa generalista para tra- ducio de maquinas, realizado a pensar no registo corrente e padronizado da lingua, se pede uma traducdo, esta falha relativamente & linguagem especiali- zada, ou apenas acerta quando ha coincidéncia entre a linguagem corrente e a técnica, ou ainda, caso se deseje um alargamento de sentido, entre a linguagem natural e a formal. Além do mais, verificou-se a auséncia dum enquadramento cultural neces- sdrio 4 compreensio dos termos propostos para tradugao, sendo que nesta fase os programas de traducao para maquinas se situam ao nivel das palavras, das oracées e das frases, quer dizer, apenas na zona gramatical e linguistica, néo contando com o contexto extralinguistico e pragmatico, nem com o dominio seméntico nas suas tradugdes, pelo que um termo é quase sempre traduzido univocamente, a semelhanca do que sucede nas linguagens cientificas e formais, excluindo todo o jogo de sinonimias e sentidos figurados, imprescindivel quando nos situamos no dominio cultural onde se joga qualquer lingua falada ou escrita. 3.2. Tentativas de tradugio por maquina ao nivel da semantica lexical Um outro desafio reside no facto de a traduc&o por maquina ainda no conseguir operar com sucesso ao nivel semantico, quando se passa do registo denotativo para o conotativo, isto 6, quando se abandona a tendéncia monossé- mica trocando-a pela polissemia e figuracio. 4 um tradutor humano no tem grandes dificuldades em reconhecer os registos conotativos, ainda que também ele dependa da sua bagagem cultural para a realizagdo duma boa tradugio. DIALOGOS INTERGULTURAIS PORTUGAL-CHINA 2 - VOL. 2 281 Otradutor humano tera a capacidade de se aperceber das lacunas culturais existentes entre expressdes que expressam os valores culturais duma Tingua, mas poderd ndo conseguir encontrar expressdes formalmente equivalentes Ag da Iingua-fonte, no entanto procuraré uma correspondéncia cultural na lingua de chegada, domesticando a lingua de partida, ou respeitaré a lingua de par- tida, estrangeirando a lingua para que traduz, introduzindo valores culturais distintos na Ingua para que esté a traduzir, ou ainda experimentara a Via do Meio, tradaptando. Ea maquina o que pode fazer quando se confronta com questdes de sentido, que apelam a correspondéncias culturais? Veja-se a titulo de exemplo uma expressio idiomatica muito sugestiva, tanto em portugués como em inglés e chinés. Partamos do chinés, colocando- -o no Google Translate: (A819 4HVinhud-défit _ “Abengoado pelo infortinio” a tradugdo obtida, embora respeite o sentido essencial da expressao proverbial, nfo consegue encontrar uma correspondéncia idiomdtica, limitando-se assim a realizar ‘uma tradugio direta; porém, em portugués e em inglés existem expressées com o mesmo valor cultural e linguistico da chinesa, respetivamente: “ha males que vém por bem” e “a blessing in disguise”. Interessante é verificar como as coisas se complicam na tradugdo das maquinas quando as expresses sfio mais ricas em imagens e metéforas, por exemplo em: fi LMEYifidn-shudngdido _ “seta dupla” é a tradugio incompleta que obtemos, para a tradugio direta de “matar dois falcées com uma seta”, ou seja, surgem problemas a dois nfveis, por um lado, a maquina niio reco- nhece o sentido figurado da expresso e, por outro, também nfo é capaz de processar o sentido denotativo da mesma. No que respeita a tradugao realizada por humanos, 0 tradutor tem varias possibilidades de resposta, que dependem sempre da sua preparagio e grau de familiaridade com as culturas com que comunica: 1) Nao reconhece que est perante uma expressio idiomatica e suprime a tradugio A maneira da maquina, porque nfo consegue enquadrar a 282 OIE SCAG AT OB) FA "TEORIAS E PRATICAS DA TRADUGAG CHINES PORTUGUES frase no resto do texto, recorrendo assim a uma técnica de omissao que muitos desaconselham; 2) Reconhece que est perante uma expressiio idiomatica e nfo quer encon- trar uma correspondéncia cultural na lingua de chegada por respeito cultural, opta ent&o por uma tradugio direta, ¢ estrangeirando, traduz, por “matar dois falcdes com uma seta”, sem nota de rodapé, pelo que corre 0 risco de deixar o leitor confuso ou na divvida; 3) Traduz “matar dois faledes com uma seta” com nota de rodapé, na qual estabeleceré a correspondéncia cultural com a expressio portuguesa, “matar dois coelhos duma “cajadada”, para que o leitor nao hesite sobre o sentido da expressao; 4) Procura uma correspondéncia cultural, domesticando a expressdo da lingua de partida: traduz a expresso idiomatica chinesa por “matar dois coelhos duma cajadada”, evitando aumentar 0 texto de chegada, que se torna eventualmente mais apetecivel ao comum dos leitores € aos requisitos comerciais dos editores; 5) Percebe que esta perante uma expressio idiomatica, no consegue encontrar correspondéncia cultural em termos da mesma, mas nao tem dificuldade em recorrer & paréfrase para explicar pelas suas proprias palavras 0 sentido do texto-fonte. Das varias opgdes oferecidas ao tradutor, a terceira 6, a meu ver, a que melhor se coaduna com a Via do Meio, jé que, ao traduvir, estrangeiriza, mas ao comentar na nota de rodapé, domestica, facilitando a vida ao leitor, so que esta atitude nem sempre satisfaz aqueles que solicitam os trabalhos de tradu- co, pelo que o/a tradutor/a, devera proceder a um trabalho de reflexao sobre 0s seus métodos, que o/a esclarecerao a si e aos empregadores, a fim de evitar surpresas desagradaveis aquando da entrega do servico que se propés realizar. Alaia de conclusio do presente ponto, verifica-se que em termos da tradugao ao nivel semantico das palavras, das oragGes, das frases, dos paragrafos e dos textos, a tradugao humana ainda nao pode ser substituida pela das maquinas, 0 que nao significa que, com o desenvolvimento da inteligéncia artificial, e pelas relagées transdisciplinares com a ciéncia cognitiva, aplicada aos programas de traducdo, tal no possa vir a suceder num futuro muito proximo. DIALOGOS INTERCULTURAIS PORTUGAL-CHINA 2 - VOL. 2 283 4. Tradugado e ética: o juramento jeronimico A questo dos requisitos necessé ios para a realizagiio duma boa tradugaig s6 pode ser respondida, na minha perspetiva, do ponto de sta duma filosofia ética, e de prinefpios que so menos baseados em conceitos e mais em valores, { semelhanca da proposta que Andrew Chesterman nos trazia em 1995, aquando, da participaciio no Congresso de Praga, do qual resultou a publicagio da sua comunicagio “Ethics of Translation” num volume de atas intitulado Transla- tion as Intercultural Communication, Papers from EST Congress. Ai mani- festa o seu distanciamento em relagio aos posicionamentos éticos das teorias da tradugiio mais tradicionalistas, — que partem da atitude do tradutor para tematizarem os conceitos de lealdade, liberdade, neutralidade e invisibilidade, propriedade intelectual e relagdes entre a tradugiio e a ideologia dominante — para se situar num terreno de raiz, de que dependem as normas ¢ as agdes deontolégicas, que é 0 dominio dos valores, funcionando estes como ideias reguladoras da pratica de tradugao. Diz-nos Chesterman: “I propose a rather different view of translation ethic: based not on the concept of duty or right but on that of value” (199, p. 147) E que principios deverao nortear a ago do tradutor? Fundamentalmente cinco principios éticos, baseados numa ideia reguladora, que implica um com- promisso existencial tao profundo que pode ser manifestado numa espécie de juramento, que a semelhanca do antigo juramento do médico grego Hipécrates, apela aquele que é considerado o patriarca da traducio ocidental, Sao Je mino, denominando-se por isso juramento jeronimico. Quanto aos prinefpios éticos, sao eles: 1) ética da representacio: 0 tradutor deve estabelecer uma relag&o apro- priada e eficaz entre o texto de partida e de chegada, representando 0 sentido e contetido do texto-fonte corretamente e sem omiss es; 2) ética do servico: o tradutor estabelece uma relagio profissional com 0 cliente e o empregador pelo que deverd r prestados 3) ética da comunica como uma ponte entre duas culturas, devendo ter sempre presente 0 que Anthony Pym denomina a interculturalidade da sua aco; sponsabilizar-se pelo servico : 0 tradutor, ou a equipa de tradugio, funciona ® Traducdo: “Proponho uma perspetiva bastante diferente da ética da tradugdo, baseada nao no conceito de direito ou dever, mas no de valor.” (1995, p. 147) 284 hE Hee GBA — Fa TFORIAS € PRATIGAS DA TRADUQAO CHINES- PORTUGUES 4) ética baseada em normas: o que significa o cumprimento das seguintes normas: a) agir em conformidade com as expetativas do leitor (norma da expetativa); b) estabelecer a ligagdo adequada entre o texto de par- tida e a tradugdo (norma da relac&o), dependente da ética da represen- tagdo; c) atender & comunicacdo entre as partes, otimizando-a (norma da comunicagao), em conexio com a ética da comunicagao, d) norma da responsabilizago na prestacdo de contas, em estreita conexdio com a ética do servigo; por dltimo 5) ética do compromisso: em estreita ligago com a responsabilizagio e a ética do servigo, ja que na ética do compromisso se joga a plena tomada de consciéncia por parte do tradutor da sua profissao, ele é um profis- sional que se revé do ponto de vista ético-moral, na remissfo para a eti- mologia da palavra “profess”. H4 assim um professar, um comprometi- mento profissional total ¢ assumido, por este o tradutor se obriga & tal espécie de juramento hipocritico, para efeitos de tradugio rebatizado como “juramento jeronimico”. Para concluir, gostaria de defender que o/a tradutor/a nao é obrigado/aa integrar-se numa tradicio cientifica para além de seguir os seus valores e com- promissos éticos, Na minha perspetiva, nao deve fidelidade a qualquer escola tebrica, mas se assim o entender, também pode aderir a alguma que esteja mais de acordo com os seus principios. Idealmente, poderia manter-se atento/a a todas elas, situando-se numa espécie de espago-fronteira, terra de ninguém, ou paradigma aberto, susceti- vel de assimilar e aplicar qualquer técnica, estratégia, conceito e teoria que lhe possa vir a ser titil. Creio que o/a tradutor/a competente é aquele/a que se sente realizado/a com a sua performance profissional, ¢ para isso necesita de algo tao simples como estar bem com a sua consciéncia (o tal grilo dos contos de fadas), a cada passo do seu percurso profissional, apercebendo-se das infinitas possibilidades de transformagao do trabalho realizado, que nao sera melhor ou pior no seu caminhar existencial, mas outro, porque também a sua visio se foi transfor- mando com 0 passar do tempo. Este sera entéio um fator decisivo para marcar a diferenca na sua obra e para ajudar a consolidar 0 seu nome como profis~ sional abalizado e respeitado pela comunidade cientifica a que pertence e pelo piblico em geral. DIALOGOS INTERCULTURAIS PORTUGAL-CHINA 2 - VOL. 2 285 B.como se regressassemos as origens, 0 fundamental é nao trair as expeta. tivas nem do tradutor sobre si mesmo, nem dos leitores, nem dos textos, nem das culturas em didlogo, porque o que estd em causa, seguindo o jogo metaférieg proposto por Chesterman, é salvar a prépria tradugio e s6 0 tradutor eticamente comprometido sera capaz de o fazer, porque se regula por valores éticos que 9 tornam atento as normas cognitivas capazes de animarem as suas tradugies, Referéncias bibliograficas Alves, A. C. (2016). Culturas em Didlogo. A Tradugdo Chinés-Portugués. Macau: Uni- versidade de Macau, A.C. (2018). Tendéncias na Tradugao da Atual Sinologia Portuguesa. In C. Morais, C. icui, A. M. Ferreira, M. F. Brasete, R. Mai, R. L. Coimbra (Orgs.). Didlogos Interculturais Portugal-China, 1, (pp. 387-395). Aveiro: UA Editora. Chesterman, A. (1995). Ethics of Translation, In M. 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