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TRATADO
DA

EDUCAÇAÕ FÍSICA.
TRATADO
D A

EDUCAÇAÕ F Y SICA

DOS MENINOS,
PARA USO
D A
NAÇAÕ PORTUGUEZA,

PUBLICADO POR ORDEM


DA
ACADEMIA REAL DAS SC1ENCIAS.

Por Francisco José de Almeida,


Correfpondente do Número da mefma Academia , e
da Sociedade Real de Medicina de Pariz.

LISBOA
NA OFFicina Da aCademia real daS SCIENCIAS.
M. D. CC.XCI.
°m licença da Real Meza da CommiJfaÕ Geral fvbre o Exa-
'"e j » Çenfara dos Livros.
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ARTIGO
EXTRAHIDO DAS ACTAS
D A
academia real das sciencias.
Da Sefsao de 18 de Maio de 1790.
.1

Etermina a Academia, que o Tratado da Edu-


caçao Eyfica para ufo da NaçaÕ Portugueza ,
que lhe apprefentou o feu Correfpondente do Número
l-rancifeo Jofé de Almeida , o qual foi julgado pelos
Socios a quem fe commetteo o feu exame , mui digno
de fer publicado , feja em confequencia da informaçao ,
que ellcs deraõ, imprejfo á fua cujia, e debaixo do feu
privilegio.

~ — ♦

Francííco de Borja GarçaÕ Stockler.


Fiçe-Secretario da Academia.

PR E-
PREFACIO.

A Inda que hum pequeno folheto como taÕ inter ef-


f-.nte excufe prefacio , e per fi mefmo fe infinue :
todavia bom he acautelar o público a naõ efperar
novidades rihuma Memoria dirigida fó a corregir a-
bufos , e que feria mefmo defneceffaria fe os homens
jc deixajjem ir d defcripçaõ da natureza. Mas hoje
9 natf r-aes Jot-re educaçaÕ fyfica ejlaõ de tal
Vido confundidas , que ainda as peffoas de bom fenfo
recorrem aos Médicos para poderem dijlinguir a ver-
dade (f entre as práticas abufivas.
Por tanto havendo taÕ poucos efcritos na lingua
materna [obre o verdadeiro methodo de criar os me-
*™os' 3 pareceo-mc duro guardar commigo por mais tem-
rio "'aSnre-fíe^es > que examinadas d luz da expe-
■ r , j ?fava o >'Jpalhadas nos meus diários , e fó pre-
ctjayao de ordem , c correcção. Mas em quanto me dava
a limar os meus apontamentos com todo o cuidado de
que eu fou capaz, pefavaÕ muito Jobre mim os erros
que fe praticavaõ no tratamento dos miferaveis in-
nocentes. Tinha-me por complice em Juas mortes, fe
pelo efcrupulo de polir exprefsões , demorava hum ef-
crito tendente a reformar abufos de tanta monta , e
por dejdita nojfa taõ arreigados.
CW he de notar que eu naõ efcrevo para injlruir
Medi cos nem perfuadir o povo, intento fim faliar d

ramar as PcJJ'tas f£níatas > a quém depois cumpre der-


rpfTantf6 outras as doSlrinas que podem ler inte-
Taes a° Púhlico '
5 a meu
r/M,. ver, as que fe contém na pre-
1 r a cu a
o-a„f ' ' j difribuiçaõ fe naÕ he a mais ele-
3 a0 vunos
he a mais natural, pois que osfeus
&os accedem-fe huns aos outros na mefma ordem
em
%
em que fe apresenta) as nece/Jt.Jaães do recem-nafcido.
As regras faõ poucas e Jimpleces , mas com tudo ejla
Ji-nplicidade de preceitos , que he evidente a toda a
razaõ defoccupada de preocupações, efià taõ confundida
com erros , e caprichos, que huma verdade de primei-
ra intuição tornou-fe theorema demonjlravel, cujas
provas Je faõ proporcionadas d razao das pejfoas de
letras , nao fe compadecem com a da maior parte das
Mais.
Eis-aqui porque , querendo abranger o maior nu-
mero de Leitores poffivel, ajuntei aos meus elemen-
tos de educaçaõ fyzica hum manual, aonde fe achaõ
defembaraçaâas de raciocínios as regras mais impor-
tantes , fáceis de retêr, e que deveriaõ decorar to-
das as mulheres que fe achao próximas ao refpeita-
vel minijlerio de Mais.

IN-
tratado
D A

EDUCAÇAÕ FYSICA
DOS MENINOS,
PARA USO
D A
NAÇAÕ PORTUGUEZA

INTRODUCÇAÕ.
Das cautelas que fe requerem no tempo da prenhez.

Ara bem acautelarmos o tratamento pro-


•" prio das mulheres prenhes, lie precifo con-
fiderar primeiro a revolução que fe pafla
nefte periodo , efteito do admiravel myfterio
da geraçaõ.
Apenas o útero fe fecunda , huma efpecie de irri-
taçao conitame chama para alli maior affluxo de hu-
mores ; o fangue, que antes do desenvolvimento dos
genuaes le ablorvja nefte minifterio, e depois íobejan-

nutrerao P,cnodlcair'cnte evacuado ; agora fe accumula ,


e en ro a as
cheira , S ^ paredes da matriz, a qual
xa pelos L,togsra°S " hUma Prodi81°& diflenfií, p„-
airania os intett-' comPnn,ie os vafos adjacentes, def-
J ftlnos
L° "?os > e cleva 0 eftomago.
t> os incommodos , que vem em con-
A fe-
2 Tratado da Educação Fysica
fequencia da prenhez, devem reduzirie a diverfas mo-
dificações do fyftema nervolo, a encalhes de circula-
ção, e oppreíTaõ de entranhas.
Se as mulheres de hoje foliem , como era© as nof-
fas antigas Lufitanas , fortes , e laboriofas ^pafTariao
por todo o tempo da prenhez , fem aljeraçaõ attendi-
vel em feus temperamentos , e efculkriaõ cautelas, nem
preceitos para liuma revolução taõ natural- Eu nao
quero dizer, que a matriz fecundada naõ padeça huma
inflammaçaõ , donde fe feguem efFeitos ás vezes giavif-
íimos , c de que fempre fe refente o fyftema nervo-
fovj porém como efta modificaçaõ precede mui lenta-
mente, fó pode fer eftranha a peifoas débeis, em tan-
to que apenas he fenlivel ás mulheres robuílas.
Mas depois que o luxo efcoltado de todos os ví-
cios corrompeo a nofla gente, taõbem.as mulheres per-
derão o leu antigo vigor , tornando-fe de aclivas , íans,t
e induftriofas huns individuos debeis, e valetudinanos.
E fe o exercício , e o trabalho fortificaõ os nervos,
e daó tom aos folidos , que fe pode elperar das nof-
fas Damas amollecidas com o ocio , opprimidas com
efpartilhos , cançadas de vigílias , e contaminadas de
contágios herdados de feus maiores, que poi defgraça
degeneráraó tanto d'aquelles primeiros Luíos , que vi;
vêraõ huma vida parca, mas longa , e vigorofa ? Em
taõ infeliz eftado precifamente ha de fer hum período
melindrofo o tempo da prenhez, quando os nervos ef-
taõ em tanta frouxidão, que as mais leves alterações da
atmosfera tem coniideravel influencia fobre complei-
ções taõ fracas. , r . ,
A cada palTo encontramos mulheres delmaiadas >
e opprimidas de convulsões , epilepfia , dores violentas
de cabeça , anciedade, vomitos , fupprefsões de menl-
truos , e a caufa de taõ horrorofo apparato foi ás vezes
huma noticia deíagradavel, huma tepreientaçao tulte,
hum fobrefalto, ou o cheiro de huma flor t Em huma
pa-j
dos Meninos. 3
palavra a mais leve imprelfaó vai entender com os ner-
vos defte delicado fexo.
Por tanto as Mais cjue dezejao paíTar Tem molef-
tia o intervallo da prenhez, e ver na lua prole huma
vegetaçaó florecente devem ter as cautelas que vamos
apontar , e tendem a remover os incommodos neceflarios
deita modiíicaqaõ do útero. Pois fendo certo que os ner-
vos da matriz padecem com a fua fecundaçaõ , e que
eíte padecimento fe propaga a todo o fyítema nervoiò,
induz convulsões , e outros males communs á Mãi,
e ao filho ; c que á proporção da debilidade da conf-
tituicao elles crefcem , e fe aggravao; o primeiro cui>
dado deve Ter , que as Mais ièjaõ robuftas ; em con-
formidade do que reprehendemos o coftume geralmen-
te admitido , e que lendo talvez origem muitas ve-
zes de efterilidade de ambos os fexos, influe pelo me-
nos muito na robuítez da prole; e vem a fer, contra-
hirem-fe efpofórios antes de eltar acabado o crelcimen-
iO do corpo, nem completas as luas ultimas dimen-
sões ; quando he certo que fó de Mais vigorofas naí-
cem crianças fadias , e fortes. Nefte erro caliem prin-
cipalmente as pelfoas de certa ordem , confummando os
feus conforcios apenas apontaõ os primeiros finaes da
menllruaçaó; fem advertir que muitas vezes a textura
particular do útero débil, e laxa he caufa de menítruos
imtempeftivos. A experiencia confirma tanto efta ver-
dade^ que pelo commum as mulheres do campo mení-
truao-fe mais tarde: e nos climas quentes, aonde a
G
onftituiçao geral do fexo he mui frouxa, as menftrua-
?ucs anticipaó-fe muito.
f: ^^í10, 'ie P°-s admirar que os filhos do luxo
ejaq finhados , e valetudinários, nafeendo de peíloas
fleoeis , e rao moças que precilaò ainda empregar env
leu uaicimento o fangue tenue , e defanimado , refulta
as vezes de más, e tardias digeítoes. He verdade que
a
ffim mefilio concebéraõ , mas foi imtempelHvamenre ,
A ii e
4 Tratado da Educaçaõ Fysica
e fó á culta da fua precifa nutrição entretem a vida
do feto, debilitando-le a li; mal logrando as premiffaa
da lua fecundidade , e gravando a iòciedade com hum
membro quaíi fempre inútil.
Ninguém duvida que a menftruaçaó nas pefídaJ
robuítas he hum fcbejo ; mas examinando a deníidad-í
do fangue menftrual nos primeiros tempos , achamos
hum loro mal corado, incapaz de nutrir. Outras ve-
zes deixa tanto abatimento elta evacuaçaõ que naõ
pode ler cffeito de fobejidaó de fangue. Naó deduza-
mos pois a regra dc que a época própria para a co-
habitaçaó dos lexos he o tempo das primeiras menltrua-
çoes , mas fim o da robuílez , e perfeito defenvolvi-
mento dos orgaós.
Tenliaõ igualmente para li os homens a mefma
regia , e defenganem-fe de que em vaó procuraó emen-
dar a fua eítenlidade, quando anticipados prazeres lhes
galtáraó a natureza , e confumiraó toda a energia do
fangue ; nem he milter indagar outra caufa de extincçad
rapida das familias illuítres , e opulentas : e mal por
nós, que difficultofamente fe acautelaó abufos que eltn-
baó em propensões naturaes , paliando a lei quah ne-
ceflidade os effeitos de hum eftimulo , que a ímagina-
çaõ efquentada por artifícios induzira antes de tempo
nos orgaós genitaes.
O tempo que decorre dos dezoito aos trinta an-
nos he pelo commum a idade mais própria para leme-
lhantes uniões. O Amor , e naó o intereffe , ou a vai-
dade prefida ás convenções naturaes ; j)OÍs raras ve-
zes faõ eltereis os cônjuges, que le amaõ ; e pelo con-
trario pouca fecundidade le pode elperai , quando clles
ligados fó por motivos viciolos mutuamente le fogem»
e fe aborrecem. He preeifo citarmos perfuadidos de que
a educa çaó fylica caminha palio a palio com a eduLa-
çaó moral. Reformem-1'c os coítumes , e logo haveraó
numerofas, fortes, e bem, educadas familias. Sem vir*
dosMivinos. 5
tu is parecem cadeias pezadas os laços da união conju-
gai: e '>cm ''Íamos vendo que nos bons tempos de to-
as N jões foraõ frequentes , e reipeitaveis eítes
vBiculo ta grados, que láó taó raros, e defprezados
U! . ovos corrompidos, fem moral, e fem doílrina.
Ora, fe os ccnforcios fe formão fegundo as leis
da natureza , cedo apparecfcm os primeiros finaes de con-
\ pçaõ , e como lie preciio para regular a lua dieta,
que as Mais ie advirtao do eftado da prenhez , eu ex-
porei os Jymtomas que podem prometter alguma pro-
babilidade , c feriaõ quaíi iiifalliveis, fe a degeneraçaó
do fexo naõ induíziffe doenças confundidas de tal mo-
do com a geítaçaõ, que illudem os práticos mais expe-
rimentados.
A fuípeníao dos menftruos por mais de duas luas,
nao havendo precetiido defarranjo a que fe poífa attri-
buir como doença ; as nauleas, os vomitos; o fono,
o calor augmentado nos genitaes, a irregularidade dos
appetites ; huma certa indifpoíiçaõ inexplicável na eco-
nomia animal; a groíTura do ventre elevado uniforme-
mente por toda a parte , em figura mais ou menos
arredondada , a entumelcencia , e dureza dos peitos e
do terceiro mez por diante as mudanças que o útero vai
íucceifivãmente loffrendo íenfiveis ao toque, faõ fympto-
mas baftzntes para indicar com probabilidade o eítado
da prenhe:.
Todavia nao deixemos efquecer que ha muitas
doenças da matriz equivocas, como diííemos , com os ef-
feitos da concepçaõ. Os fcirros , ou obltrucções do ute-
r
«, e as fuppreisões de mezes trazem comfigo pezo
tlc
cabeça , Ibnolencia, elevaçaõ de ventre, entumel-
cencia do feio , faítio, naufeas , inchaçaõ das pernas ,
e tudo o mais que fe paífa na verdadeira prenhez : he
verdade que eftes fymptomas da falia prenhez vem fem-
pre acompanhados de grande deiòrdcm na economia
animal.
Do
6 TR AT A D O D A E DUC A q A d F Y S IC A
Do que temos dito claramente fe conclue , que a
prenhez naó he huraa doença no eílado natural, e que
íó precifa remedios , le excita incommodos. E fe nao
obferve-fe como ainda hoje as felvagens errantes con-
cebem , parem, e caminhão. O parto , ea prenhez fad
para ellas acções tao naturaes como a concepção. A
natureza que preíidio a taes ajuntamentos acaba eila
mefma a íua obra.
Mas no eftado de hoje a prenhez vem as mais
das vezes acompanhada de fymptomas muito moleftos ;
fendo huma das primeiras cauías delles a retenção das
fezes procedida tanto dos erros na dieta, como da com-
preffao dos inteftinos , maior , ou menor fegundo o
volume do útero , e a lua íituaçaõ.- As naufeas , e os
vomitos , eífeitos do intimo confenfo dos nervos do
eftamago com os da matriz , fad males ás vezes irreme-
diáveis , e de que bem poucas mulheres elcapaõ ; mas
concorre a aggravallos muito a fordidez do canal intef-
tinal. Daqui vem que hum dos mais importantes con-
felhos nefte período , he ode confervar-ihes o ventre lú-
brico , e prompto.
As hortaliças , e frutos , alimentos que unem á qua-
lidade nutriente a virtude de laxar , lad-lhes muito
úteis ; mus pelo coramum indiferetamente vedados. E
quando elles nad bailem para entreter a lubricidade do
ventre, os clyfteres de oleo , e aíTucar enchem a mef-
ma indicaçao. Encontrad-fe ás vezes prenhes de intef-
tinos tao debeis , fezes tao refeccadas , e cujo útero fe
encoíta tanto fobre o inteftino recito , que he precifo
recorrer a purgantes.
Outras vezes fuccede que a cólera , hum dos dif-
folventes da digeftad , por qualquer caufa venha a fer
redundante, ou viciada de modo que induzindo efpaf-
mos trasborda para o eftomago , excita naufeas , e vo-
mitos : alumia febres ardentes , e portanto deve ler
promptamente evacuada. O emetico he o melhor, e
cos Meninos. 7
ilvez o único remedio nefte cafo; portanto percad-
fe receios vaõs, e intempeftivos j pois que o vcmito-
rio nao lacode tao violentamente a noíTa máquina , co-
.no a toile catarrofa pelo commum taõ ferina , que pa-
. rece deicenjunrar as mais firmes articulações dos oílos:
ajas nem p >r illb fe Ceguem logo abortos. Eu naõ
duvido que huma conftituiçaõ nimiamente delicada e
fenfivel eítranhe muito a acçaõ adtiva do emético ,' e
que por a:alo , pofto que eu o naõ tenha vifto em
minha praftica , abortem alguma vez as mulheres pre-
CO lfeqile CÍa do
ções T
ccS O pedirem
j u ®mético
l.e precifo 5 mas
miniftralo . efenao
as indica-
nertipr
por huma prudência extèmporãa a Mãi, e Afilho
Se lie muito culpável o Medico, que fem fe a cof-
iar das caulas da moleftia lança logo maõ de reme-
ios mairs activos , taôbem naõ he innocente o que fi-
ca ociolo expeftador do apparato violento das febres

íem k' choIera


gem huma
n,
prociapta°'bus, e outras
evacuaçaõ moleltias.
, e efpera que anT
de bom exi-
F Don am
mo, que apodreça a crU* o a r J
anciis e afflicoSes m?nada i com
' ,oe,ue coufumida de
li
va " j
acabando '
a miferavel fogo devorador
Vlda ; ,nas que iâporta mor-
rer .a doente fe o Medico tem falva a fua reputação ?
I Purgou , nem emétizou. Oh Santo Deos, que^bar-
baro talento he elte de fazer fortuna ! Como fé torna
vil, e deíprezivel a Arte Medica aifim adulterada'Se
tao poucas vezes preftamos aos doentes , para qu; Te
perdei as ? Os remédios fervem fó na boa cLzJ,po.
rem quando efta fe apprefenta , he mifter aproveitai"
Nao poflb deixar ainda efta matéria : fem inflar

ímpTS « «eceffidade de pU1gar teaidfmeme no


!
Jeftias dfft ? 5 ; ,P°1S que a ™ior F™ das mo-
das pela accPuS3a°a6ada'sCK

fym-
•8 Tratado da EDtrcAqAíj Física
fymptomas da elevação do útero , afora os danos pro-
cedidos dos effluvios podres , ou gaz inflammavel , que
d'elles fe folta , e que exerce huma virtude fedativa lò-
bre o fyftema nervofo, e induz ou vai predifpondo pa-
ra as febres nervofas , da familia das podres. Como
faõ as puerperais , as de leite, e a meliar, que as ve-
zes bem de traz derivaÓ a lua origem.
Agora paliemos a outro artigo nada menos inte-
reffante , e aonde os abufos nunca faõ indiferentes.
Vem a fer que indifcreta , e indiftintftamente fe fangraó
parte das mulheres prenhes , attribuindo-fe a pletora iym-
ptomas que ordinariamente cellaó com a evacuaçaõ do
canal inteftinal. Tudo para os Dilcipulos de Botallo,
e de Sthaal faõ confequencias de proiufaõ de langue,
e por defgraça os feus argumentos tem huma força ap-
parente que pôde illudir ainda as melinas pelloai de
rafaõ; faltando-lhes os princípios para decidir em ma-
térias femelhantes. O fangue dizem , elles , que le eva-
cuava periodicamente era fobejo no equilíbrio do lyi-
tema vafcular , e agora demorado no tempo da pre-
nhez fica perturbando a economia da circulação ^ don-
de vem as caimbras , dores de virilhas , e região lom-
bar J os vomitos , as fuffocaçóes , fyncopes, e abortos.
Mas de preffa fe defmentem tlieoricas que nao cl-
tribaõ na natureza ; naô fe advertem eftcs Miniftros fan-
guinarios , de que o feto abforbe em fi todo ô fangue
que fazia o importe das evacuações menfais. O embrião
he hum átomo invifivel em lua origem, e vem depois
a ganhar tanto pezo , que ainda contando as menftruações
a 7 onças, ellas naõ igualaõ em fomma a mafla de hu-
ma criança de tempo. Daqui fe tira que experimen-
taõ maior desfalque as mulheres prenhes , acodindo a
vegetaçaõ do feto; e que nao lhes íobia langue , a
que podão attribuir-fe os graviffimos incommodos que
ás vezes apparecem no tempo da prenhez. Alem dato
nao confervaó o mefmo appetite durante eíte período }
nem
d'Os Meninos. 9"
nem podem por confequencia criar a mefma quantida-
de de fangue. Agora nao entra em duvida ( ta Ho pe-
lo commnm ) que a íàngria defneceíTaria miutas ve-
zes , até em alguns cafos vem a fer prejudicial enfra-
quecendo a Mai, e debilitando o filho, quando nados
mata a ambos.
Eu nao quero dizer, que nunca a fangria tenha lu-
gar, antes ao contrario muitas vezes tenho íangrado,
quando encontro hum pulfo forte , largo ., e duro ;
principalmente fe as faces , e beiços eilao nimiamente co-
rados ^ 00 ^Jlica fcíntiljances , a cabeça perturdada , a ref-
piraçao drfficil , e opprimida ; e fe antes da prenhez os
menítruos erad copiofos, e o appetite continua lem dimi-
nmçad , e ás vezes augmentado. Neftes cafos tres , ou
quatro onças de fangue tirado em duas fangrias acalmad
de repente todo o apparato de cólicas , caimbras, af-
®a ' convulsões, fyncope , retenção de fezes, luppref-
fcoes de ourmas , edemas, e anafarcas.

?otdr
Sa condefcender > q-ue
com '«uitas , vezes
o habito fomosfónecelfitados
e langrar porque a
doente citava nefte COÍtume ; pois que a repetição da
iangria lie huma das caufas da plethora , e o abulo vem
a lazer necelfario o mefmo que repreliendemos. Por
tanto como nao eflamos ligados a fyllema aigum , mas
ieguimos a natureza que nos guia , e nos enfina; de-
pois de tentar em vau outros remédios, recorremos em
hm a iangria, e com ella ás vezes atalhamos gravif-
hnios lymptomas. Mas poupemos íempre, quanto po-
der fer, efte fluido vital, nunca tao neceííario como no
1 e"odo da prenhez.
VCzeS fucc ede
mie . > crefcendo mais o utero :
Sa coino az
n inre(lino' , r
o inteitiuu .J , debaixo
le comprima delle
e nao poíTa entalada
defpeiar com
a ouri-
na; mas nem po m fe devefJ j P f .
13
rir
dos cozes das/r ' ,°UrraS
faias pois dos
e co nitra gi mento que TapU
efparti-
B
lhos

io Tratado da, Educaçao Física


lhos concorre muito para eltes incommodos. Por tan-
to lie confelho faudavel, e de hum grande Prático,
que em vez de colchetes ufem as mulheres de íittas em
fuas faias , as quaes ligadas pofteriormente aos colettes
as fufpendao deixando o ventre mais defafFrontado.
E naò bailando eíta cautela, ufem de huma cinta , que
fem apertar o ventre , o íuílenha , e arrede affim o
volume do útero de cima da bexiga ; fe naó aproveitac:
eftas cautelas, recorre-fe á Algalia > mas auxílios da ar-
te naó pertencem a efte lugar.
Finalmente deve haver muito cuidado, em naó con-
fundir com os effeitos da plethora os incommodos, que
provêm da elevaçaõ do útero , o qual comprimindo o*,
vafos y interrompe a circulaçaô , e impede a acçaõ do:,
nervos ; donde provêm caimbras , e efpafmos de toda
o genero. Em taes circumítancias as limonadas de áci-*
do vitriolico íao remedio agradavel , e muito oppor-
tuno ; com ellas tenho remediado cafos refervados ao
recurfo da lanceta , e que até então fempre aflim fo-
rao tratados , em damno da doente , que obrigada pe-
lo coílume hia pouco , e pouco perdendo as forças ^
e quando naó abortava , raras vezes lhe vingavaõ fi-
lhos íãdios , e fortes.
Paifando agora ao artigo da dieta: parece-me mui-
to importante , e difcrcto que fe refpeitem os coftu-
mes, e que as mulheres prenhes alterem mui pouco
tírri fuas mezas.. Advertindo fempre, que os jantares fum-
ptuofos eftragaó os orgaõs da digeitaó : os molhos , gui-
lados , e mailas além de ferenv mui difficultofamente ail-
(òlvidos, miniílraõ hum Chylo grofieiro , que empaltado
nos vafos lácteos difficultofamente fe animaliza. Mal.
podem, taõbem convir no tempo da prenhez as carnes
de fumo, peixes feccos, e fal gados ainda mefm° Çl11
tbífem, até alli bem commutados ; pois alimentos taa gri-
leiros fó- á. força, de huma lida muito aétiva le am-
geiu; mas no tempo da prenhez nao convém movimen-
dosMeninos. II
tos fortes , nem marchas longas , e aturadas. Pofto
que o alimento vegetal feja , como já diflemos , hum me-
dicamento para as mulheres prenhes , com tudo as hyf-
tericas, e hypochondnacas devem moderarfe em feu ulo;
porque pôde induzir-lhes diftenções , ou flatulências ,
íoltando-fe os gazes que entraó em fua compofiçaõ ; mas
tenhaÓ fempre para fi , que os fruélos , e hortaliças amar-
gas faó , além de alimento , remedio proprio para relaxar
o ventre, que por então fe difficulta, e por tanto ef-
ta cautela deve entenderíe em certos termos
Taobem naó poíTo convir com o juizo de alguns
práticos , que aconlelhaõ ás mulheres prenhes naõ def-
continuar no ufo dos liquores , e bebidas fermentadas ,
como fao aguas-ardentes , vinhos , e cervejas. Eu ao
contrario, crendo mui pouco em defvarios da prenhez.,
aconfelho , que nem para fatisfazer defejos fe fupportem
abufos femelliantes , e fó poílo coníentir no ufo do vi-
nho , pois que he remedio em conftituiçóes fracas, e
ainda afiim deve fer moderado. Igualmente reprovo o
ufo do chá, e do cafFé por coftume ordinário ; todas
eftas bebidas mornas naõ fó faó relaxantes , mas até
narcóticas , offenfivas dos nervos , e fecundas produ-
toras de paralyfias , e apoplexias principalmente nos
paizes quentes. E fe ha hum , ou outro cafo, em que
0 chá , ou o caffé firvao de remedio , naó fe contemplaÓ
aqui , aonde fe preferevem regras geraes.
1. Como nos propozemos preferever o tratamento das
prenhes, em relaçaõ á confervaçaó do feto, naõ po-
demos deixar de advertir as cautelas mais neceííarias
para evitar abortos , e melhorar a faude das Mais.
Olhando pois a debilidade, e mobilidade geral do fyf-
tema , como a caufa de grande parte dos incommodos
defte periodo, tenho para mim, e figuo em minha prá-
tica em cafos de muita frouxidão ufar da quina , e
naõ me efqueço das aguas gazofas , e ferreas ; como
taobem começo, quafi do primeiro mez, com cs banhos
B ii mo-
T2 Tratado DA EDUCAÇAÕ FÍSTCA
moderadamente frios. He verdade , que as pelToas mui-
to íeníivcis ás vezes naõ iupportaõ o ufo da quina : nef-
te cafo a Quaffla amara corno tenho experimentado
por mais de quatro annos, he mui proveitoíã, ainda
que nao confio mais na lua virtude adftringente, do-
que na da raiz de Genciana. Ha- taõbem muitas oc-
caiioes em que dou- o elpirito de vitríolo na doze de
íeis , ou- dez gottas y diluído era quatro , ou cinco on-
as de agua, adoçado com aílucar,. e fe ha fymptomas
yftericos , ajunto a arte limonada tres até feis gottas de
diílbluçaô de opio. Defta aíte me firvo para Jiii* pou-
co e pouco defterr-ando a- prática abufiva. da íangria
e poupando o liquor animal , que nos vivifica com a-
cfperança de que algum dia a poíteridade , reintirando em,
ieu antigo vigor, abençoará o nollo trabalho, e os.
noíTos defejos.
Sendo pois, como diííemos, a- debilidade do fyf-
rema nervofo , e os encalhes da circulaçaó as duas cau-
ías de quaíi todos os- defarranjos no-tempo daprenhez ,.
cita claro que o exercicio moderado pode ler mui-
to ufil ás mulheres prenhes ; pois que a experiencia
nos moíh-a os muitos tropeços que a circulaçaó encon-
tra em ièu giro , fendo a refpiraçaó das prenhes- pelo.
commum mais frequente , e mais curta : as extremi-
dades inferiores-, o osgenitaes inchac-lhes , e ás vezes,
tanto, que lhes tolhem todo o movimento ; e para nos
convencermos do muito que-a refpiraçaó ha deiòffrer,
baila refleftir , em que o útero remontado eleva o eí-
tomago , embaraça a acçaó-do diafragma , e o bofe nao
pode dilatar-fe , nem recolher o-langue que por alli de-
ve circular, e embeber-fe do ar vital, principio efti?
mulanre das contracções do coraçaô. Igualmente eítá na
ordem dos fucceífos da - prenhez a inxaçaõ das- pernas ;
pois que os humores fúbindo lentamente contra: a lei
geral1 da gravidàde , e levando mui pouca força para
vejic.e; a compreíTaõ, que o urero induz íbbre os. va-
, los
dos Meninos» 13
íos adjacentes , retardaõ feu curfo , e eftagnao-fe nas
extremidades.
Do que eftá dito fe fegue, que tudo o que remo-
ver os obllaculos á circulaçaõ do langue ferá muito uul
as prenhes. O excrcicio concorre a confervar o giro
dos noílos líquidos; pois que os mufculos citando era
contracção expremem os valos fubjacentes : as vess ,
como decorrem mais á fuperficie experimentaõ maior
comprellaõ e os humores naõ podendo recuar porque
empécem nas válvulas deftes valos, neceílariamente vaõ
progredindo até o coraçaõ. Advirta-fe porém que ci-
te mel mo exercício , aliás taõ util, deve ler moderado;
pois quando he violento induz abortos, e iuffoca a ref-
piraçaõ.
Afiim fe devem hir conduzindo as mulheres pre-
nhes , até que o feto, ganhando vigor para entrar em
numa nova forma de vida , por fi fe defpegue : Então
imb s
^ a as to °u dores
7 'pubes de chamaõ
, aonde lombos, feixes
que vem morrer que
, o humor nas
ua o útero , e algum fangue advertem as Mais de
que o leu parto eftá eminente. Neftes termos , intro-
duzindo o dedo no orifício da matriz , fentem-fe al-
ternadas contracções , e dilatações rápidas.
Podem finalmente eftar leguras as mulheres, que
le conduzirem por todo o tempo de fua prenhez fegun-
do as regras preferiptas, que pouco receio lhes deve
er
efta revolução natural, preeifa , e as mais das ve-
zes uru a ellas mefmas ; pois he já de mui antiga ex-
periência que as Mulheres Mais naõ perdem nada em
robuftez nem tao pouco encurtaõ fua duraçaõ.

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4$«X? ^.^SáÃSÍt^X £

TRATADO
D A

EDDCAÇAÕ FY SIC A

ARTIGO I.

JDa necejjidade de cobrir as crianças quando nafcem.

S Brutos, cujo inftin&o neceflario já mais


ie arreda das leis da fabia natureza, de-
^'S?Ox|?4. vem fer os nolíos meftres em quaii tu»
1Ue reíPeita á economia fyfiga. Neifl
5 >5&xxx>$ S fe pode tomar vereda mais íegura para
hir acertar com a verdade , do que
guindo paíTo a palio o leu trilho. Nunca enganado pe-
la analogia animal, por ella agora me conduzirei, pro-
pondo-me a corregir os abufos que eítaó introduzidos-
na maneira ordinaria de tratar as crianças-
O homem tao limilhante a outros animaes em quanto,
ao fyfico y corre grande rifco fempre que intenta eximir-
íe das leis geraes da economia animal- Se elle lie hu-
^ máquina hydraulica compolla de ca-naes por onde
8lrap humores mais , ou menos tenues legando o gráo
•SUs c_alibres ; taobem os Brutos gozao da mefma or-
gamzaçaõ. j?m qUanto eílamos no útero materno na-
damos em li um fluido vifcofo , reparados por multipli-
cadas túnicas contra as alterações da atmosfera: depois^
eatiauios de coiximum com os outros animaes no mun-
do,
Tratado da Educa ça6 Física
do, e recebendo a luz , c o ar, comccamos em nova
forma de vegetação, e acabamos como elles, quando
para a circulnçao dos humores : igualmente pois faõ ílm-
pleces as leis cia natureza para nós ," e para elles : o
ínítincto que os governa naó pôde errar; pois naõ lie
outra coifa, fenaõ a mefma lei fnprema do Univerfo
moujhcada legundo as neceílidades deltas criaturas.
fvaqueile tempo , em que o homem ilngelo, e na-
tural confervava a pureza das fuás propensões ; quando
nem o luxo , nem o ocio tinhaò podido ainda gaftar-lhe
o temperamento, e livre no meio do mundo refpira-
va o ar puro, de que mal fe pode ter idéa nos gran-
des povoados : quando em fim as epidemias, que taõ
facilmente prendem em liuma atmosfera quente , húmi-
da , e reprefada, voavaò ligeiramente , mal entrando
com homens robuítos , e grolTeiros : neita feliz rudeza
de coítumes, as noílas crianças recem-nafcidas, bem
como as crias dos Brutos , refiftiao núas ás intempe-
ranças do clima , e da eítaçaõ; foffrendo fem incommo-
do até o regelo das aguas.
E com effeito , fe compararmos os homens de ho-
je com os de tempos mais anteriores, naõ poderemos
conceber como os antigos Gallos , e Germanos, ape-
nas nafeidos, eraõ mergulhados nas correntes dos-rios,
lèm Jogo alli expirarem. Porém apenas nos parecemos
com elles na figura, e de longe em algumas paixões;
pois que a raça humana á proporção, que as artes fe
foraÕ polindo, perdeo o vigor, e talvez a pureza da
moral. Hoje de Pais infermos , e contaminados de fer-
mentos efcrofolofos , gallicos , e efcorbuticos neceíTaria-
mente procede huma prole degenerada , e por iífo he
mifter modificar as lições da natureza , fégundo a con-
dição de taõ miferaveis criaturas.
Como naõ tarda , que o homem experimente no
,mefmo homem o feu mais certo , e mais formidável
inimigo: apenas nafee , abandonado de todo6, fica ex-
pof-
f o s Meninos. 17
pofto ao rigor do tempo , em quanto a Mai rodeada dos
domefticos , e da Parteira lie interrompida no repoilo ,
a que a natureza immediatamente a convida com hum
íono plácido , e aturado. Sejamos apiedados \ nao dei-
xemos ficar hum fó inftante as crianças nuas , e ex-
portas ao tempo , quando vemos os Brutos taõ difve-
lados em unir a íi , e aquentar bafejando as luas ten-
ras crias, nao obílante o cuidado que a natureza tivera
cobrindo-as de hum pelo mais , ou menos expelío , fe-
gundo o temperamento do clima Natal.
Sem duvida que o temperamento da atmosfera ás
vezes tao differente do calor animal, a que o meni-
no eftava affeito no ventre materno, precifamente lhe
ha de fer muito eftranho: fenaõ demo-nos a penfar fo-
bre a delicadeza delia tenra criatura , fobre a fraqueza
de feus folidos ainda mal fortalecidos, e facilmente ve-
remos , que huma circulaçao proporcionada ás forcas
motriies da criança, ao mais leve obftaculo fe retarda,
e ailim os humores i'e ellagnaó , e o fangue repulfado
da íuperncie pela conftipaçaõ da pelle, vai accumularfe
nos grandes troncos, e lhe poem a vida em evidente
riíco.
Quando ha defeuido em cobrir, como diflemos, as
crianças affim que nafeem , nao me admiro de ver lòbre-
virem-jhes as orthalmias, inflammacçoes , obftrucções do
fígado , e baço ; enfarte de glandulas , efcrofolas , eru-
pções cutaneas , catarros , rheumatifmos, e outras doen-
ças procedidas do encalhe do fluido, e adítricçaõ dos
"vafos em confequencia da impreflaõ do frio, que con-
fide"1^0 a Pe^e' e os canaes 1ue difeorrem á fuper-
morcs.em'0ara?a 0 Pr°Sreir° Jivre* da circulaçao dos hu-
no
cedidos do ftio „^e(la primeira
fyftema vafcular os eftragos pro-
idade . ta6bern ^ ^
os íe relen em muito de huma imprelTaó , que lhes he
ranha, e a lua extrema fenfibilidade eítimulada pela
C ac-
i8 Tratado da Educaçaõ Fysica
acção forte do frio, entra em movimentos irregulares
em efpafmos, convulsões , e mil outros defarranjos de
que tem experiencia as pelíoas dadas a obfervar os
progrellos do defenvolvimento humano. Por tanto ou-
tra vez recommendo que eftejaõ d'ante maô preparados,
para envolver a criança apenas naíça , pannos ligeiros
levemente aquecidos, e muito bem feccos : nao fendo,
nunca fobejo o maior cuidado , em naó ufar de vol-
vedoiros húmidos defde o primeiro inilante do naicimen-
to, continuando aíTim por todo o tempo da criaçaó;
pois falecendo elta cautela , fobrevem ordinariamente
moleftias que fe oblervao nos filhos da pobreza , e do
delàlinho , originadas da humidade, e fordidez em que
fe achaõ quafi fcmpre enfopados , quando aliás ellos
nafcem de commum mais vigorofos que os filhos do
luxo , e da opulência.
.
ARTIGO II.

Do temperamento da atmosfera , e da importaricía


da fua pureza.

ESte fluido fútil , que nos circunda , e a que cha-


mamos atmosfera , he hum agregado de particulas T
que vencendo por hum pouco a lei geral da gravida-
de , rarefeitas pelo calor chegaó a elevarfe da fuperficie ,
da terra , e forcejando por arredarfe mutuamente entra
fi , faõ em fim em certa altura equilibradas. O nome
de Atmosfera inculca a idéa demixtaõ, que os antigos
formáraõ delia =2 Fero Atmos : porém agora he que
á força de repetidas , e eferupuloías analyfes fe con-
feguio defentranhar deite confufo oceano o principio
vital , o ar puro , que he propriamente o nofi° e'e~
mento : eíle principio elementar he hum dos agentes
da natureza nunca ociofo; ora entrando «a compofi-
çaô
dos Meninos. 19
çaõ dos córpos , aquieta-fe, e concorre para a união
de luas partes , augmenta-lhes o volume , e modifica
particularmente a lua elTencia ; ora em fim entretém a
luz , e igualmente a vida de grande parte dos animaes.
Quafi todos para viver dependem do ar 5 a differença
eftá em mais, ou menos. Os animaes (em bofe refpi-
raó pelos poros lateraes , e por alli forvem o elpirito
que os alenta.
O ar lie taóbem o primeiro movei da acçaõ vi-
ta
l > elle o langue faz-ie denegrido , e perde to-
do o vigor para vellicar o coraçaõ , que pouco , e pou-

ndV?!/
mal
r0
rnO
luffoca-le.
aS
n°|homem
luas lo
contracções, pára ^ refpira
vive em quanto e o ani-,
e rei pira para viver. Mas como he precifo , que o ar
vital palie aos nolíos bofes encorporado com a marta to-
tal da atmosfera , muitas vezes fomos incommodados pe-
lo temperamento delta nimiamente variavel , e pelos

„r lhe andaõ unidos* E fe os adultos eftrar


íivel lera
live fprí olT "npUreza
ella jis
atmos
fera ,demuito
crianças , quc entraõ novomais fen-
em hum
fluido que nao conhecem , cujo bofe experimenta pe-
la primeira vez o eítimulo do ar, e comequ a fer vi-
fitado por mais copia de fangue , o qual vai pouco ,
e pouco penetrando os vafos pulmonares , que até en-
taõ eftavaõ enrugados. Cuidemos pois em que atmos-
era íeja pura, e livre; aliás ferá hum principio mor-
tal o mefmo que nos alenta , e nos vivifica. Na ae-
mostera bebemos a faude , e a doença ; as epidemias
aqui le tomentaó , e fe propagaõ ; naõ he preciíb mais
d«r que eftar ella encerrada por algum tempo, para per-
a Jua
rp„ , elafticidade , eniopando-fe talvez em vapo-
m vpm'? " ea Por ía8°as , e charcos de cer-
r ■ 1 enofa , e prenhe de febres intermittente»;
je ajucia o aefenvolvimento.do gaz mefytico , e floeil-
ticado , vem taô carregada deftes princípios , e taó po-
1re c
*° ar vlta'' que fuffoca fubi ta mente a refpira ça 6 dos
C ii ani-
20 T-r atado da Educaça o Física
animaes ; e por fim fe entra na fermentação pútrida
do reino animal, he contagiofa , e maligna.
Efta qualidade da atmosfera, a fua pureza digo,
he taõ efienciai a toda a natureza vivente , que as mef-
mas plantas refentidas dos ares corruptos murchaõ-fe ;
os animaes aliás frouxos, e trillonhos em liuma atmos-
fera abafada , regozijaó-fe , e parece que fe regeneraó
quando refpiraó o ar puro. Além dos defarranjos que
induz na economia da circulaçao a impureza do ar ,
he precifo taobem meter em conta a debilidade dos
nervos de huma criança; pelo que fomos precifados
a preparar-lhe d'ante maõ huma atmosfera pura, cer-
tos , que fendo nocivas a todos os animaes , ainda aos
adultos , e mais vigorofos, as exhalações podres , e me-
fyticas ; muito mais feraó fenfiveis a tenros, e delica-
dos corpinhos , cujo principio de animalidade ainda mal
fortalecido , he impoílivel que refiíta ao hálito mortí-
fero delles venenos fedativos.
Igualmente importa muito que a atmosfera feja
frefca; pois que á proporção do feu maior calor per-
de a elafticidade, fica menos energica para a dilataçaó
dos bofes , e até abunda menos do principio vital ,
baze do ar puro , que he attrahido pelo fangue, e que
nos vivifica ; quando ao contrario a atmosfera frefca
corrobora os bofes , e o canal inteftinal ; miniftra liu-
ma larga infpiraçaõ ; dá energia aos nervos; e alenta
todas as acções do animal. Eis-aqui porque as mulhe-
res paridas devem eftar acauteladas a naõ perfumar as
luas camaras , quando alli eftaõ as crianças ; pois que
os vapores aromaticos efquentaò a atmosfera , deftròem
a fua energia , e tornaó o ar mefytico, e improprio
para a reípiraçaò dos adultos , e muito mais offenfivo ,
quanto a máquina for mais tenra. Taobem devemos
cuidar em afaltar da camara dos Meninos todo o cor-
po odorífero \ porque os cheiros activos precifamente
deftròem os feus nervos, nada menos fenfiveis, do que
os
dos Meninos.
os das peflcas hyltericas, as quaes inílantar.eamente fe cf-
fcndem , cahem defacordadas apenas íe difundem ao Jon-
ge os emuyios aromáticos , e muitas vezes a mais le-
ve fragrancia quafi imperceptível , baíta para deforde-
nar a economia deitas miferaveis creaturas.
Ainda que dilTemos fer de muito intereííe a fref-
cura do ar atmosférico ; entenda-fe, que naõ approva-
mos a frieza deJie ; antes nas citações mais rigorofas
he precifo dar algum calor á camara , o que fe faz
muito bem queimando lenha lecca que accenda labare-
da ; pois eíta alèin de aquentar naõ efpalha tanto fu-
mo e purifica a atmosfera , ou fallando mais propria-
mente , confome a que eltava reprezada, e impura; faz
hum vazio ímmediatamente occupado por nova onda
deite fluido , que por toda a parte nos cerca. Advir-
tamos fempre, que eíta condefcendencia fe faz pre-
cila pela degeneraçaõ em que eltá a nofla efpecie :

ore de oup ^dida com muita Prudencia, certos fem-


da hoje a maior^a^dos1"0 ° h°mem ' ^ C°m° aii>
j r • P ' dos animaes , entrando no mun-
do refpirava o ar no fc cftado naturalil
gundo o ciima, e a eftaçaõ era ás vezes frigidiflimo,
e por ilto mefmo concorria para augmentar as boas qua-
lidades da atmosfera.

ARTIGO III.
Do modo, e tempo de cortar o cordão umbilical.

vaie
bi-
22 Tratado da Educaçao Fysica'
bibulos j que fe abrem na periferia de feu corpo, de
embeber o hálito nutritivo, e gelatinofo da agua , que
enche a capacidade do útero. Deite modo podemos con-
íiderar o embrião como huma planta animal , pois que
ellas taobem pela raiz fe nutrem da terra , recebendo
pelo tronco , e pelas folhas parte da nutrição , que
lhes he própria. Elie cordão mifteriofo eítabelece a com-
numicaçaÕ entre a Mai , e o feto ; por elle paíTa o fan-
gue que deve fervir ao defenvolvimento do embrião ,
e por elle volta o fobejo, vivendo deite modo huma
vida commum a Mai, e o filho.
A maneira, e o temDO de cortar o cordão umbi-
lical he matéria de grande ponderaçaó, e a pratica or-
dinaria fummamente perniciofa , e errada. Seriaõ por
certo mais afortunados eíles innocentes abandonados íèm
loccorro, como acontece aos filhos das felvagens vaga-
bundas , as quaes entregues ao repoifo defeançao das
fadigas do parto , em quanto a natureza intende na
boa ordem dos fenomenos que fe paíTaõ nos primeiros
momentos da vida , e devem hir fuccedendo-fe huns
á outros fem perturbaqaó. Naó he poflivel que a na-
tureza defcançaíTe fobre nós, fe o corte do cordão um-
bilical foíTc eíTencialmente neceíTario a vida do animal ;
e para melhor defengano abandonemos a criança ao
feu deílino ; naô fe lhe corte o cordão , e veremos
como ella vive , e vai ganhando pouco , e pouco no-
vo alento , abatendo-fe por degrios a pullaçaó das
artérias umbilicaes , começando defde a placenta para
a parte do embigo , de lorte , que no intervalio de dez
a quinze minutos cella totalmente ; então o Menino
goza de outra fòrma de vida , e por fi fe nutre, e ref-
pira.
Eíta pulftçaó no cordão umbilical moítra , que
ainda depois do nafeimento , he precifo entreter por al-
gum tempo a communicaçaÓ entre a vidada Mai, e
a do feto 5 e erra-fe quando fe cortaapenas a criança
nos
dos Meninos. 23
ng§ cahe nas mãos , fcm attender , que nao fe pode ef-
Hielecer de repente huma nova forma de vida , e cef*-
J*ar em hum inftante a lei que regulava a antiga cir-
culação. ^
Como he noflo coftume , que aflim apprendemos de
Defcartes, duvidar de todas as propofiçóes admittidas >
em quanto nao palfao por hum elcrupulofo exame j e
Somo por outro lado, depois de obíervar a natureza,
preferimos antes eftudar a razaÕ dos feus procedimen-
tos, do que eílranhalos ; o mefmo fazemos na preíen-
ce matéria . refledlindo lifudamente fobre o que le pal-
P na economia particular do feto , por etfeito da paf-
[agem do útero maternal para eíte oceano , que o banha
dc improvifo , e defde logo infiue elíencialmente em
todas as fuas acções.
Antes do nafeimento o mecanifmo da circulação
dependia- do ligado como do orgaõ mais indiipenià-
*£l a efte officio ; por elle fe conduzia até ao cora-
do toda a maiTa do langue, que devia lervir ao des-
envolvimento do embriaõ , em tanto que o bofe cíla-
ya quafi ociolo. A' excepção dc pouco fangue , que
por hum pequeno ramo l'e elcapava para cila entra-
nha , o total lançava-fe de huma cavidade na outra do cc-
raçaõ por meio de hum buraco , que depois do naf-
eimento quafi fempre le cicatriza. Alas nafee a crian-
ça , o^ bofe começa logo a iogar nefta máquina : a ir-
ritaçaõ da atmosfera , a imprcíTao viva , e dolorofa ,
que experimenta o Menino cm tao repentina , e extra-
nha revolução , o mefmo choro faó talvez eftimulos ,
^Ue concorrem juntos a contrahir os mufculos, que
a arca do

1 e
- Peito ' feguindo-fe logo hum vazio
, 1 cav»dade , que ha dc forçofamente fer occupsdo
pela atmosíera , a qual tende como todos os fluidos a
equilibrai le por toda a parte : Eis-aqui como o bofe
v
ai forvendo o ar , evaporando o ácido aeréo , dando
entrada ao langue , e fazendo-fe ablblutamente n?ce^;1-
v v
, rio
24 Tratado da EduCaça5 Fysicà

te norminifterioqda diSaÕ g
''?nde dlíIbIv en
h -

S EÍ PTd
do DrcciniL r/ nao efta™ effeituada, quan-
n e
oual lera
qual T L - fena
fer/ a, perturbaçao Parou
economia
° cordão
animal
da placenta;
?
Eis-aqui porque fe deve efperar, que páre o pui-
fo no cordão umbilical antes de o cortar, dando tem-

do-fe afno"" r " f°UC°r C P°UC0 acoft"™n-


• *0 novo mecanifmo da refpiraçaó , em quanto
vai ceifando a forma de vida que lhe era peculiar no
yen re materno. Delle modo feguimos a natureza , a
qual, lendo deixada a li , entretém por algum tempo a
communicaçaó entre o feto , e a placenta : e fò paf-
fados dez a quinze minutos intercepta efta communica-
çaõ ; pois que nefte intervallo ceifa totalmente a pui-
laçao do cordão umbilical. Efte he o momento de o
cortar, operaçao que fe faz fem perda alguma de fan-
gue , quando alias le folta huma copiofa hemorrhagia,
iendo cortado em quanto elle pulfa , e por aífím di-
zer, eftá vivo.
O modo de ligar o cordão umbilical , os lugares
em que fe deve ligar , e o numero das ligaduras faò
pontos que merecem menos attençaô , do que ordina-
riamente fe entende. O noflb fim he precaver a he-
morrhagia , que em razaó do movimento, e do calor
da cama pode foltar-fe pelas artérias do embigo, e ma-
tar aífim a criança: eftá ao nollo arbítrio ligalo aon-
de quizermos , com tanto que a ligadura fique fixa. O
coftume he ligalo na diftancia de huma maó travefla
do embigo com hum cordão feito pelo torcimento de
huns poucos de fios , e dando muitas voltas cada hu-
ma cerrada com dous, ou tres nós.
Agora reduz-fe todo efte artigo a duas palavras ,
«
® ° s Meninos. 25-
e vem a fer , que em quanto pulfar o cordão umbili-
cal nao le ligue, c que a ligadura feja fixa.
^Eis-aqui como era fimples hum Tratado de Edu»
caçao Fynca , ie nao houvera abafos, que desfazer.
Sena eile o lugar de expor a prática , com que ie
pretende preiervar as crianças do contagio das bexigas;
mas coino fou de mui tardia crença para coizas fem ra-
zao , e pouco aditado com medicamentos empíricos ;
naõ me demorarei muito em lèmelhante expolicaõ. He
verdade , que nós nao conhecemos a indole deite vene-
no bexigoío ; mas hoje parece eftar reconliecido o feu
contagio , e que nao paliando com a feinente, nem
com o langue materno, ío por communicaçao fe propa-
ga , lendo a atmosfera da fua aftividade maligna de
hum pequeno raio , contra o entender dos Médicos
antigos , que o luppunhaõ alongado a muitas milhas ;
donde facilmente fe entende , que o verdadeiro prefer-
he ai edar os
T , faos para longe do contagio , e
cado/ 'Todavia" Ugar remoro os que já eíliverem to-
PÓdem
l eltriipilloíos, por °nao crer ar uir de
S
que polia nimiamen-
achar-fe hum
modo de modificar por tal arte a conflituiçaõ das cri-
anças , que fiquem com abfoluta negaçaõ para femelhan-
te
enfermidade ; quando nós vemos peíloas com quem
nunca entra a peite, nem mefmo eíte veneno geral das
bexigas; por obviar de algum modo femelhante nota,
e tatistazer á cunofidade direi , que o methodo moder-
namente propofto para prefervar das bexigas , confiiíe em
«premer muito bem todo o fangue do cordão umbili-

eaia'v^h e#ar * pelle do recem"naícido com íài moído,


depois com toda a exacçaó.

D AR-
20 Tr AT A DO D A EDU CA Ç A Õ F YSIC A

ARTIGO IV.

Da lavagem , e do banho.

O Celebre Mantell, que lia pouco deu o feu Ma-


nual de Educaçaõ Fyíica, omittio elte importante
artigo : talvez porque as Damas Inglefas já eftejaÕ na
boa' prática de lavar como devem íeus filhos , e mi*
niftrar-lhes a tempo o banho frio. Se he verdade que
cilas efeuzao novas admoeítaçoes, alegra-me o feu bem,
e oxalá que o feu exemplo corrobore as razões, que
exporei fobre eíta matéria.
Eu diítinguo o banho da lavagem ; chamo lavagem ,
quando naõ ha choque , e a criança fe conferva na
agua , humedecendo-fe-lhe a pelle por todo o tempo
precifo para diíTolver , e defpegar as vifcofidades, que
lhe eílaõ pegadas; chamo banho, quando ha choque,
e quando fe mergulha, e fe retira immediatamente o
corpo o numero das vezes, que fe fuppoem neceflario ,
fegundo a idade, a eítaçaõ , e as forças do Menino. Se
ta outra a accepçaó vulgar deites termos , pouco me im-
porta j pois me pareceo neccíTaria a precedente diftincçao.
Todos lavaó as fuas crianças; mas nem todos co-
nhecem a precifaó deita lavagem. Aquelle humor ge-
atinofo , em que nadava o feto no útero materno, e
vem pegado á fua pelle, he taó vifeofo, e tenaz que fó
com repetidas lavagens fe defpega totalmente , forman-
do liuma efpecie dc crufta fobre o corpo , que tapa as
bocas dos vafos exhalantes , a que chamarao poros, e
deite modo fica impedida a tranfpiraçaõ. He de tanta
importancia alimpar exactamente eítas impurezas, como
he precifo tranfpirar para viver. Eftudando o inltiníto
dos Brutos, teríamos menos neceílidade de femelhantes
lições : he de ver como elles fe efmeraõ em lamber por
longo tempo as fuas crias; e a faliva, que he hurna agua
. r - de
D
° s Meninos. 27
de fabaò levemente ftlgada, lhes ferve muito bem pa-
ra efte minifterio Nenhuma das práticas vulgarest
preferível a efa da natureza ■ e por certo que as la-
vagens com vinho , efpiritos , e aromas fempre 1'eráS
eprovadas por quem conhecer a anatomia dos valos

feS ™ui P-
Por tanto, naó me afaftando nunca da rigoroía ana-
ogia, que rae proponho feguir, aconfelho que as pri-
meiras lavagens iejao de agoa tépida no gráo do calor
natural do corpo, e em que efteja diíToJvida huma oe-
quena quantidade de íàbao , e di lai. Affim preTende-
mos imitar a faliva dos animaes , eíle liquido abfter-
gente , que ralpando o monco untfuolo da peile , ao
melmo tempo eftimula brandamente os nervos , e 'con-
vida a tranlpiraçaó.
He de notar, que naó fedeve continuar a lavaqem
com agua quente, mas fim apenas tépida ; pois que o
gráo de calor do corpo da criança ío fahir do útero
nao fe conlerva depois, e por tanto he precifo, que
nao lendo a agua inteiramente fria , feja com tudo
hum pouco eftranha , aliás deítroe toda a aftividade dos
íeus orgaos ainda molles, e efponjofos. Se acompanhar-
mos a natureza , veremos com que cuidado fe empe-
nha em endurecer os folidos delia pequena criatura.
Quem obferva attento como a cartilagem fe offifica ,
e como toma confidencia o que era apenas membra-
na molle , 011 mucilagem informe, precifamente con-
ue , que a lavagem quente afrouxando as fibras , ener-

vem °Sc mufcuIos' re'axando as bocas dos vafos abfor-


,rou3n ' , enfraquecendo os nervos vai de encontro ao
fl romnatureza
goroia.
e
parem-fe> osdebilita
antigosa conftituiçaó mais nas
póvos nafcidos vi-
margens dos R10s ? e ,ogo aJ]i
mergulhados, com as
gentes de hoje tao brandas , e aíFeminadas, que á mais
leve alteraçao aa atmosfera fe conftipao : comparem-fe
D ii ain-
s8 Tratado d a Educada 6 FrsrcA'
ainda agora os filhos do luxo com as crianças míti-
cas curadas ao tempo , e acoitumadas da primeira ida-
de aos banhos frios , com que tanto le aprazem ! Quem
tiver paciência para attender, e eítudar eftas differen-
ças ta6 importantes ao bem da humanidade , foffrerá
mal ver retidas , e afrouxadas em aguas mornas eftas
crianças, que faô pouco mais do que huma mucilagem
organica. Efte abulo he certamente humas das caufas
da debilidade, que depois apparece ein todas as acções
do homem, cujas forças comparadas com as dos nof-
fos antigos heroes fazem fufpeitar, que eilas foíTem fa-
bulofas.
Naõ fe fique entendendo que intentamos recommen-
dar a lavagem fria ; ao contrario eu naõ fiz diferen-
ça de lavagem a banho , fe naõ para rríOÍtrar que o
banho frio he util, e a lavagem fria muito nociva ; ,
pois que o mefmo choque, que fe experimenta no ba-
nho induz huma força repulnva no coraçaÕ , e fyíte-
ma arteriofo para expellir o fangue, que aliás com a
conftipaçaó da pelle recua: naõ luccede porém aífim na
lavagem , em que fe vai humedecendo lentamente o cor-
po das crianças, e conílipando-lhes a pelle, lem lhes
dar occaiiaõ a augmentar luas forças contra os obftacu-
los , que oppoem á circulação do fangue os últimos ra-
mos dos vafos contrahidos , e quafi totalmente fechados-
He verdade, que os antigospóvos foffriaõ a lava-
gem fria defde o íeu nafeimento , porém naõ era o
mefmo o filho de hum Lacedemonio robufto, fobrio ,
aílivo , e cortido ao tempo , do que a prole mifera-
vel, e abatida de Pais ociofos, corrompidos pelo lu-
xo , enervados pelo abufo das bebidas mornas, abati-
dos com as vigílias, defordens, e epidemias , exina-
nidos em fim por copiofas fangrias , cuja pratica mor-
tífera apoiou a efcola Galenica , e a qual Botallo , e
depois Staal, por defgraça taõ acreditados, efpalháraõ
com o feu grande nome por toda a Europa.
Ho-
eos Meninos. 29
Hoje as primeiras lavagens devem ler mornas ,
e ainda depois tépidas j e fó o que eu rcprehendo lie
demorar as crianças , como he coâume, muito tempo
em hum grande valo de agua quente ; pois elte abufo
he a cauza da maior parte dos catarrhos , e conftipaçces
da primeira idade • naõ fó porque as forças da circu-
laçao faó debilitadas pela frouxidão , que induz nas fi-
bras o banho morno, mas porque o mufculo cutâneo
enfraquecido fica mais feniivel ás imprefsÓes do frio.
Quem toma fobre II o cuidado das primeiras lar
vagens da infancia , deve advertir em lavar mais efcril-
pulolamente as partes onde ha glandulas} pois aqui lè '
accumula melhor, e em mais quantidade a matéria ex-
crementicia, que enlodava o feto no ventre maternal.
E os defcuidos nelta matéria faõ muito attendiveis ; pois
que as erupções cutaneas , a côdea laftea, erpes milia-
res , as fendas fuperficiaes, e ás vezes profundas trazem

&vaUcos° dos bPn=oiPÍO- Eftes luÇres virilhas, os


«ris das orelha!": 'o ^7 ' 0 pefc°E0'
A gota pairemos a refletir fobre os effeitos do ba-
nho frio ; pois naó acharemos talvez occafiaõ mais op-
portuna, ainda que elle naó pofla entrar nos primeiros
o meios a bem do recem-nafcido , ao menos nos primei-
ros dias. Por tanto examinando o que fe palTa no ba-
nho frio achamos , que mal o corpo entra n'agua, que
rali ando a linguagem dos fyíicos, he hum meio mais
aenio , rompe-íé logo o equilíbrio entre a acçaõ expanfi-
, ^.U1C^0S internos , e a maior prelTaó externa ;
cuaS* hC 'rgUe '• que °S meímos flu'dos comprimidos re-
efte effp" luPerficie. Para 0 centro, ajudando muito a
miifcuhre? *f c°?ftlPaÇaô induzida pelo frio nas fibras
al iad as
niip1 Henrro ff ' I Pfí0 tecido da cútis. Temos pois
• , 1 , ° banho frio os humores fe concentraó nos
grandes troncos , e o coraçaó Ibbrecarregado de langue
tal modo le enfarta , que a reípiraçaõ fica ancio-
la
3o Trataoo da Educaçao FysicA
fa , e afadigada , o pulfo retarda-fe , e fe a demora
for longa , feguir-fe-haô dannos proporcionaes á de-
bilidade do fyítema nervofo. Mas na fahida do banho
reftabelece-ie outra vez o equilíbrio , e o coraçaõ eíti-
mulado pelo fangue, que fe accutnulou nos feus ventri-
eulos , facode-o de fi com tanto mais velocidade, quan-
to era maior o eftimulo, que delle fofréra no tempo
da immerfaõ.
Daqui fe vè que todo o poder do banho frio
confiíte em obrigar a potencia mufculofa a maior ac-
çaó, pondo-a na neceílídade de reagir com huma for-
ça proporcional á irritaçao , que lhe imprimirão os flui-
dos repercutidos pela compreíTaó da agua , e contrac-
ção dos vafos cutâneos. Logo o banho fera tanto mais
util, quanto mais repetidos forem os choques; pois a
cada entrada, e fahida da agua ha liu.ua contracçao ,
e huma repulfaó : e aífltn á força de renovados impul-
fos anima-íe a circulaçaô ; luta contra os obihçulos ,
e encalhes , que entupem os vafos minimos, e chegando
vigorofa a pelle , por huma tranfpiraqaõ abundante , pu-
rifica a malli dos humores.
Mas fe a demora no banho he longa , o fangue
retrocedendo ajunta-fe 110 coraçaõ , e como efte naõ pô-
de vencer a refiftencia , que a comprefíkõ da agua ,
e o efpamo da cútis oppoem á entrada dos líquidos
nos feus refpeftivos canaes , então feguem-fe ancias i a
acçaó dos mufculos folTobra-fe; e em lugar de ganharem
vigor os noíTos folidos , perdem ao contrario á lua elaf-
ticidade vencida por taõ forte , e aturada reíiltcncia.
Donde fe conclue, que havendo poucas forças he pre-
oifo ufar com muita prudência deite remedio, aliás tao
conveniente quando as circumftancias o permitem , e
quando fe regula fegundo o methodo preferipto.
Agora trazendo eftas reflexões ao nolío intento ,
fem tomarmos partido algum, concluímos x°. Que as
crianças devem, além das fuás lavagens, em que naô he
util
dos Meninos. 31
util demorarem-fe; mas fim ferem esfregadas quanto
bafte para o total aíTeio da pelle ; devem, digo ufar
do banho frio. 2°. Que para os Meninos debeis fe de-
ve graduar a frialdade do banho ; pois que a fua uti-
lidade naó depende abfolutamente de hum extremo gráo
de frieza , mas bafta que fe extranhe. 30. Que nefte
banho fe deve meter , e retirar promptamente a crian-
ça , que melhor foffrerá a impreiíao da frialdade, quan-
to for mais robufta. 40. Que dos oito dias em diante
fe pode praticar o banho frio , fe .naó houver grande
debilidade , que o embarace. 50. Que os banhos gradua-
dos fegundo a Eftaçaõ , ao fim de hum mez, procedendo
por degráos, devem já fer abfolutamente frios. 6o. Que
tres, ou quatro immersóes fatisfazem a intençaó Medica.
Que as crianças que nafcem muito debeis, fó dos
quarenta dias em diante devem entrar no banho, baf-
tando-lhes huma, ou duas immersóes: fempre fe obfer-
va fe a agua fria as incommoda muito, induzindo-lhes
caimbras , o que fe patentêa pelo demafiado choro ,
e contorçoes lucccdidas por effeito do banho : entaõ
he preciío efperar mais algum tempo.
Até aqui ainda na*Õ encontrei criança taõ fraca ,
que paíTado algum tempo naõ toleraífe o banho frio,
com tanto que a frialdade da agua fe lhe foííe pro-
porcionando por degráos quafi infenfiveis. E deixe-
mos clamar o mundo contra Floyer, que fe naó he
verdadeira a fua doítrina em toda a extenfaõ , lempre
as ventagens do banho frio feraõ confideraveis , em
quanto for certo, que de cem doentes , noventa e feis
1
aõ nervofos.
Arguaõ embora , que o Rachites, e a Tifica pul-
monar > por desdita taó communs na Inglaterra, pro-
cedem da frieza do clima , e do banho; fe examinar-
mos o rpl dos Meninos nafcidos , e mortos acharemos
cora o Celebre Mantell, que a prodigiofa difFerença de
vidas conlervadas ao Ettado naõ pode vir fó da inocu-
la-
32 Tratado da Educacao Fysica'
Iaçao; mgS-fao fra<5tos beneficos de huma educaíao
reformada , e bem entendida.
As invedtivas dos inimigos do banho frio nad ca-
hem fobre nós ; mas vao dar fobre Hamilton , o qual
lem refpeito ao eftado febril do nafcimento , naô du-
vida paliar a criança do calor do útero materno para o
regelo das aguas , nao graduando o temperamento do
ban.io , nao refpeitando a eíhçao , nem as forças. Mas
nós já nos felicitamos , de que os noílos vindoiros cor-
roborados desde a primeira idade com elta prática ia-
] li ti fera , reíiítiráò á irregularidade dos tempos ; e in-
fenfiyeis ^ás alterações da atmosfeja , delconlieceráó as
conftipaçóes , catarrhos, tificas, queixa eíterica , e hy-
picondriaca , que hoje affligem mais de f da efpecie hu-
mana.
ARTIGO V.

Sobre a maneira de penfar as crianças.

Els-aqui hum artigo , aonde tudo faõ abufos ; pois


que a arte de penfar as crianças he huma das in-
venções , que produzirão os feculos de ignoranciá , e
que tende a deftruir, e atormentar os mileraveis inno-
centes. Todavia nao lie outro o eftudo das noíías par-
teiras j e nelle confomem o tempo , que deveriao oc-
cupar nas inílrucçòes necelfarias ao feu emprego , in-
formando- fe exactamente da organizaçao das partes ge-
nitaes; dos diâmetros da bacia , e da cabeça do- feto;
dos linaes da prenhez , e do verdadeiro tempo do par-
to ; e ultimamente do modo de fe haver nefte impor-
tante minifterio. Mas pelo contrario dao-fe inteiramen-
te a apprender o modo de aperfeiçoar as crianças , con-
certar os feus membros , e retocaras fuas feições. 'A/Hm
fe compõem efta arte taó alheia da natureza , e taó con^
traria á confervaçaó dos póvos.
O primeiro, e mais tyranno officio deitas mulhe-
res ,
DOS M E N I N O s.
res p apenas lhe cahe nas rnaós a criança, he configu-;
rar-lhe a Teu geito os olíos da cabeça. Faz horror o
como ellas elmagaõ cruelmente as tenras paredes do
hum orgaõ taõ eifencial á noila vida , e particularmen-
te á noílà animalidade ! Coitadas , fem conhecer a im-
portância da obra , que amolegaó, encurtaõ os eixos de
numa esferóide , que a natureza taó de propoíito of-,
fifica , para emparedar das injurias externas a fubílancia
delicada do cerebro , cuja fabrica á mais leve compreí-
faõ fe defordena; pois que a diftençaó, ou o torci-
menco de huma fibra nervea lie baílante para induzir
epiiepfia , convulsões , etlupidez, c Deos* fab^ quan-.
tos males , que rebentaráõ a feu tempo, e minarão por.
largos tempos iolapados.
Paílaõ eílas deíatinada mulheres , depois de efma-
gar a cabeça das crianças , a comprimir, e expremer-i
lhes os peitos , com o pretexto de os expurgar do foro
teime, que alli ic demora , e efta compreflao he taõ vio-
cnta , que ie encaroçao as glândulas mammaes , ínflam-
ao- e^, e daqui le originaõ ás vezes os fcirros , que em-
paraçao^ nas remeas a fecrcçaó do leite , e perturbaõ des-
fie a p imeira hora o bencííco , e natural officio de Mái.
Delterre-fe de hoje em diante huma prática taõ pcr-
niciola, e taõ univerfal : refpeitem-le as obras da na?
tureza , e naõ fó acautelemos toda a comprelíaõ exter-
na, mas tenhamos o maior melindre em reparar das in-
jurias do tempo frio , e húmido a fubílancia do cere-
bro , cobrindo aquellas partes , aonde a o/fificaçaõ ainda
naõ eftá completa , como fuccede junto ás articulações
as
Pe?as oíleas , que concorrem a formar eíla bcce-r
' F*ra fim bom he que ulem as crianças de tou7
tmaes inelh r^ erftoPas mo)hadas em gema de ovo , as
' " ' .-° defendaõ, e abriguem a molleira , a nu-
a e O aia metro longitudinal da cabeça. Toda a vi-
<gt anciã he precifa para qUe os 0^0S fe nag amo]je>.
a m y e nao -omprunaõ a iubítancia j olpola do cerer
E bro,
34 Tratado da Edbcaça6 Ftsica
bro, donde Te feguiriaó as epilepíias , apoplexias, con-
vulsões &c.
Entrando a ponderar os abufos, de que tílá com-
porta a arte de enfaixar as crianças , achamos erros , qu<;
abrangem quafi todas as Nações. Em Inglaterra aiiàj
raõ alumiada á outros refpeitos , e aonde a razaõ livre
e o patriotilmo ardente trabalha© com difvelo por dej
fazer máos hábitos , e fundar boas praticas , lá aonc
a verda.ie prende , e fruíiifica abundantemente cm toda
as fcien;ias , e aonde os bons planos de cduc.içaõ fj
íica nafcérao; lá mefmo , a pezar das juítas declami
jões do profundo génio de Locke , ainda agora foi miftèr
que o C. Parteiro de Dover renovaífe faudáveis admp-
eftações contra os abulos , que fe pratica a nefta arte
atormentar os homens , logo desde o feti nafcimento.
entre nós praticaõ-fe barbaridades a efte reípeito , c
ló quem eftiver occupado dos prejuízos correntes pi
preíenciar a fangue frio.
Todos os dias me oíFcrece a minha prática fce-
nas laftimofas , que me excitao dor , e defefperaçao
Já mais fou chamado para aíTiílir a inferma de parto
que naõ pergunte pela lua criança ; e cufta-me a crer
que hajaõ pelToas taó enthuíiafkas de velhas preocupa-
ções , que naõ reconheças a fufFocaçaÕ , que ameaça OS
pobres innocentes conftrangidos de faixas , e cintos
abafados com o pezo de multiplicadas coberturas,
males alheios enxugarem as lagrimas de noiTos males
poderiamos confolar-nos com as queixas do Sabio Be\f
Itfxerd , que declama contra femelhantes abules ,
duvida contar taóbem entre as cautas da mortandac
dos meninos os erros, que univerfalmente gralTao
bre efte importante artigo.
E por certo que fó pode fer invençaõ de
biros tantos cintos , volvedoiros , e mantilhas , com qt
Parteiras ignorantes araviaõ, e opprimem os tenros
e delicados, corpinhos dos defgraçados infantes.
dos Meninos. 3?
Para concluirmos demonftrativamente os males,
que refulcaõ de práticas taô deshumanas , reflitamos hum
pouco fobre o eftado do recem-nafcido , e lòbre o que
elle fóra no ventre materno , e cahiremos naturalmen-
te na razaõ das peíCmas confequencias , que reprehen-
demos.
O primeiro ponto que fe divifa no embrião lie o
coraçaõ do animal, d'alli fe expandem valos , que já
n'aquelle tempo conduzem huma efpecie de langue; al-
iim rapidamente começa o delènvolvimento do animal.
Ora lie cerco , que lendo as reíiftencias no principio
quail nullas , qualquer que ieja a forca da potencia , os
léus effeitos faõ muito confideraveis." Eíte orgao , que
primeiro fe divila , e primeiro vive , como quer que
receba o primitivo impulfo , he certo que o conferva
a beneficio dos nervos, e pelo eftimulo do fangue den-
fo , e quente; mas ao mefmo paflo que o animai cres-
cendo , tem o coraçaõ de mandar mais longe a mafla total
dosjiumores; multiplicaÕ-fe os obltaculos, e a circu-
lação chega muito vagarofa, e fraca aos últimos con-
hns ; pois que o comprimento , e a figura dos vafos ,
os ângulos que elles vaõ formando , ás vezes pouco
ventajofos á projecção , e as comprefsóes das partes vi-
zinhas , tudo concorre a retardar a quantidade de mo-
vimento do fangue.
Daqui vem , que fendo como diflemos , no pri-
meiro tempo o crefcimento do feto quaíi repentino ;
depois retarda-fe muito pela multiplicidade dos oblta-
culos. E agora começa já a apparecer a razaõ, poique
as crianças devem fer penfadas muito ligeiramente, dei-
xando largos os feus volvedoiros ; pois de outro modo
vamos nós multiplicar os obltaculos , concorrendo as
compreisoes dos cintos a entupir os vafos tenros, que
fo eltando delaffrontados de ligaduras , poderiaõ cederá
corrente dos humores , que vem alli diltcndelos, e
desdobralos, como fe patentêa pelo feu crefcimento.
E ii Mas
36 Tratado da Edvcaçaõ FrsrcA
Mas entendem-fe taõ difFerentemente no mundo ef-
tás regras , que parece milagrofo poder ainda o Tan-
gue circular em corpos taó violentamente arrochados ,
como ficaõ os das crianças depois de penfadas: porém
quando refiftaõ a eite genero de tormento , as íuas vi-
das feráo curtas , e as íuas forças mingoadas. Defta
arte fe vai acanhando cada vez mais a efpecie humana ;
o co raça o, e as artérias perdem a fua elafticidadc ven-
cida pelas refiítencias , que encontra a circulçaõ nos úl-
timos ramos dos vafos ; os humores recuaÕ , e efta-
gnao-fe pelas entranhas , e pela têa cellular , donde re-
fultaõ obftrucções , hydropelias , e huma total extinc-
çaó da irritabilidade animal.
Como quer que lancemos os olhos fobre a eftru-
ílura do homem , fempre defcobrimos novas razões
contra práticas taõ abufivas. Se attendermos ao que fe
paíía na cavidade do peito , com a mais ligeira idéa
de qual feja o nolfo mecanifmo, he fácil reconhecer,
que deve produzir graves perturbações qualquer cons-
trangimento fobre efta região. E por certo que o fan-
gue depois de vifitar , e nutrir o corpo em todos os
leus pontos , e preflar-fe a diferentes minifterios ,
vai entrar nos bofes , por largos troncos ramificados
prodigioíamente nefta vafculofa entranha , mas que fem
o movimento alternado da refpiraçao, fim entraria nel-
les a beneficio do ar alli fempre demorado ; porém
feria mais difficultola a fua entrada : e fegundo as ex-
periencias do exaftiílimo Godwin, em pouco tempo pa-
raria a 'cxrculaçao por naõ haver commercio entre el-
le j e a atmosfera.
Supponhamos que por hum accidente qualquer que
feja , a refpiraçao fe embaraça ; logo o coraçaõ mais fra-
camente eftimulado afroxa em fuas contracções, fobre-
carrega-fe de fangue ; e o bofe he a primeira parte
aonde os humores encalhaõ como precifamente deve
fuccçder a huma entranha taõ molJe, cujos vafos faõ
i.-r d o s M e s r n o s. 37
ídeípidos quafi inteiramente da túnica mufculofa que
auxilia o movimento do langue nas artérias. Igualmente
fica impedido o defpejo do langue, que defce da cabeça ,
-e affim entramos logo em ancias , íyncopes, palpita-
ções, apoplexia , e morte , fegundo o gráo de dificulda-
de , ou intercepção total da refpiraçaó.
Se he pois de taõ abfoluta neceílidade a dilataçao
dos bofes para a vida do homem , e le ella naÕ po-
de effeituar-fe fem a arca do peito eftar delembaraça-
da , deveríamos , quanto em nós he , cuidar em remo-
ver todos os obftaculos ; que a opprimem em todo o tei-u-
po da vida , e muito principalmente na primeira ida-
de , em que as forças faõ mui poucas , e os ollos ain-
da cartilaginofos, e brandos. Pelo contrario empenhaõ-
fe as Amas em apertar os cintos, e volvedoiros ; co-
mo fe de propofito intentaíTem obítar ao esforço dos
mufculos empregados em erguer as coftelas , e alargar em
todo o^fentido a cavidade do thorax : deite modo quan-
do nao configuaõ íupprimir totalmente a refpiraçaõ, ao
menos opprimem-na muito ; pois que mufculos debeis ,
e tenros^ mal podem lutar contra tantas ieíiftencias.
Nao faô menos attendiveis as defordens, que fuc-
cedem nas funcções do baixo ventre por effeito do aper-
to das faixaspois que a circuIaçao encontrando obfta-
culos em todo o feu curfo, he aqui naturalmente taõ
morofa , que dos feus encalhes nas entranhas abdomi-
naes trazem origem quaíí todas as moleftias chronicas.
aflim deve fucceder , fendo neceflario que o fan-
gue diftnbuido pelas artérias do fígado, eftomago, ba-
ço, mizenterio , pancrcas &c. nao fó venha àlli' nu-
nhCar dar calor a ella s
miniftrar '
uurar a matena de
] Vanas |.eCrecões >: mas taóbem
o que nao
poderia praticar-fe fe elle nao correiTe vagarofo. igual-
mente ie tardia a circuIaçao do fangue no fyftema da
3
ío
no ?°l auÍoP°da
trabalho da ^
dlgeV°
lcta 5 hum d S humores
°
ftaõ, perennemente elíenciaes
fe filtra no fi-
ga-
38 Tratado da Educaçao Física'
gado , a cuja officina acode por hum canal venofo O
langue, que já patfára por outras entranhas , e vem
como lie precifo, carregado de particulas terreas , e
oleofas , que o tornaõ menos adtivo para eltimular huin
canal já per íi inerte por falta da túnica mufculofa.
Accreíce mais, que a prodigiota ramificaçaõ deite tubo
eltorva a velocidade do langue multiplicando os obtta-
culos ao leu curfo. Eis-aqui novas cautas do retarda-
mento da circulaçao na região ventral ; e por certo,
que fe nao fôra o jogo continuado da refpiraçaõ , e
o exercício, encalhariao a cada inítante os humores ,
como acontece ordinariamente ás pellòas de vida feden-
taria , e a quafi todas na velhice.
Agora eftá evidente , que a mais leve compredaô
fobre o ventre ferá baltante a defarranjar toda a eco-
nomia de tao importantes funcçóes. Cumpre pois que
o ventre efteja defaffrontado de cintas, e^volvedoiros
para nao fe embaraçar huma circulaçaÓ ja de fi len-
ta , como acima moltramos. Igualmente importa mui-
to que nao haja comprefiaó alguma externa, aliás ef-
tas entranhas nao podem ganhar o leu natural tama-
nho : as digeltões feráó perturbadas , interrompida a ela-
boraçaó da cólera, e dos outros fuccos digeítivos, mal
podendo filtrarfe por canaes comprimidos , e por en-
tranhas mingoadas , que fem efpaço nao podem crefr-
cer , nem medrar. Ora fe a circulaçaô no ventre eftá
impedida , aonde irá dar comfigo o tangue que para
alli fe encaminhava ? dirigirá certamente os feus tiros
á cabeça , ao bofe ; e por defgraça laó de mui fatal
confequencia todos eftes tranfportes.
Nao fio menos graves as molettias procedidas da
fupprelfaó da tranfpiraçaõ , como fe experimenta nas
citações mais variaveis : a primavera , e oitono fempre
vem pejados de pleurizes, rheumathifmos, catarrhaes,
e de toda a claífe das doenças inflammatorias. Ora he
certo que as crianças preciiaó , talvez ainda mais que
os
dos Meninos. 29
cs adultos , deita prcveitcfa txcreçafi , para fe er.xiga-
iem da nimia humidade, que trátboida cm feus vales.
Mas a trarlpiraçaõ lie n ais cu mtnes ccpioiá, kgun-
hO que a circulaçao he vigoro fa , cu frexa , frequen-
te , ou tardia, lor tanto impcita muito aliviar c ccr-
j o de toda a efpecie de corftrangin-.ento externo , aliás
5 ao podendo o largue chegar ccm certo gráo de ve-
locidade até á fúperficie , ntm le purifica do gaz in-
flamnjavel , que o efquenta : nem fe deiònera da mui-
ta agu.i , que reftou da cryllalliza çaó animal.
», __ A's vezes naõ bafta deixar as crianças á diferi-
r10 da nat"reza ' ftím ^ixas, nem conftrangimemo al-
um i por ler tanta a lua debilidade, que nem aíTim
O)nleguem huma tranfpiraçaõ conveniente ; e he pre-
cifo fazer-lhes fricções brandas lebre a pelle duas, ou
ties vezes no dia.
Quando ferá pois que por fortuna da humanidade
cõnePr«reS^aeíe apparal0 vaõ
' e
perniciofo de cintos,
g s bíes
ío ueniar a "ó;fa êr;s T
«■ ' P« '^elhantes , ££ Wpde"l
-ts roxos , e lunocados , cuja mortandade ccbre a ig-
oorancia , e a fuperftiçaó com o pretexto de feitiçcs ,
puxarias, olho, e mil outras frioleiras ridiculas mire
lios por defdita bem conhecidas.
t Concluamos em fim fempre com a analogia dos
he oue-ií írao Je hgaôi "aõ fe enfaixaõ; e af-
f ies vlminfhc
J
T lCnanSaS ganhariaõ W»™ dimen-
dos homens
Sr ,
■ o peito alto , e efpaçolonaturaes. Affim
offereceria he que
aos bófes o
huma

i|cunií?r ■ /' ?ra °lue francamente dilatado podef-


Affim o baço ^portante , e continuado minifterio,
te as luas lecrecrfr*4°j>ratiÇar*0 d efeir. ba ra ça d amen-
circu!an
to o faiitrue e ,1 i a fem impedimen-
-■ ^ deporia pe-
Fontao, e lhe ibbej^6"8' c
o
4o TR AT A DO D A"E D VC A q A 6 ~F r S ICJt

ARTIGO VI.

Do modo de deitar as crianças , e das evacuações da


primeira idade.

EStá ein coítume ajuntar as crianças com as Mais


em o mefmo leito , e efte abulo elfr-ibarido no a-
mor maternal he mais defculpavel, ainda que nao me-
nos nocivo ; pois tenho por grande prodigio nao mor-
rerem fuffocadas rodas as crianças ■, humas vezes porque
nao podendo ganhar a altura dos traveifeiros , vaõ ei-
corregando pela cama , e ficad fem ar oppnmidas de-
baixo da roupa •, outras vezes porque ainda conlervan-
do em defafogo a lua refpiraçaó, nao podem luppor-
tar o pezo das muitas coberturas da ordinário amon-
toadas fobre as mulheres paridas. E fe o calor , e a
tranfpiraçaó dos corpos das Mais baltariaÔ a excitar fe-»
bres em tao debeis criaturinhas ; melhor fe fermentas
ellas, e degeneraó em podres por effeito das exhalaçóes
corrompidas dos locchios. Por tanto vemos que as cri-
anças fe anciaó, a circulaçao difficulta-fe , a cara en-
tumefce , e faz-fe livida ; e quando naóexpiraó em tao
violento abafo , ao menos ficaõ d'entaó com OS bofes
fracos, e. obftruidos com tubérculos, que a feu tempo
fuppuraó terminando em huma tillca fempre fatal , e
incurável.
Quantas crianças fe reputaó mortas por malefícios,
que ordinariamente reprefentaó fymptomas de eítrangu-
laçaõ , fendo as Mais os verdugos dos pobres Jnnocen-
tes; já abafando-os com a roupa, já volvendo-fe defa-
cordadameiite por cima delles durante o fono ; já fuf-
focando-os com os feus peitos quando fuccede adorme-
cere n na acçaó de os am immentar.
Por tanto eu fupponho da primeira neceíTidade ,
'cius as 'crianças tenh.ió cama apartada , ainda que na
. • ii J <w - mel--
—\

DOSMENINOS. 41
mefma cinera de fuás Mais para poderem ellas nief-
mas vigiar fobre os mais pequenos reparos, e cautelas,
que mal íerao confiadas a peíToas extranhas. Bem ad-
veitido , como jica ponderado , que a atmosfera da ca-
a nao elteja tao quente como he coftume , por ler el-
e calor muito nocivo ás mefmas paridas , occafionan-
o-llies a tebre puerperal, laítea e miliar , cuja Índo-
le muito bem fe compadece com o abafo, e fordidez,
em c ue
,l cegamente fe confervaõ ellas infelizes mulheres
nutudas de carnes , golodices , e privadas de tudo que

pre que elevadas da parte da Cã


p°%ao obliqua ao honfonte , por ficar afíicn mais fácil
a evacuaçao da linfa. Entenda-le tacbem em que a luz
empre lhes venha da banda dos pés direitamente aos
olhos, anas convidados de ilharga pelo claraó , olliaó

«cu i,õsm: f=\uSa?á AHhabitov rdepois dif-


impreífao muito viva do? .Advi"a^e ,^mPre > que a
orgaõs onricns ainrli a 1 I3l0s ^ "les °ffende os
? 3 debeis e
c„£
cuja ,J
íalao" a natureza
' '
, envolve defacoílumados; por
os olhos das crian-
ças de névoas tranlparentes com efte mefmo fim , fen-
lJ
eí, rr n a
°^tar -]hes'. re&undo 0 habito, e a idade
vrp f°- , C(?mo importa muito que refpirem li-
tar ,o l-oftomPa ia a'nc«e, cuide-fe em lhes delaffron-
queza nelmn^3 que a fm,osk'ra entrando com fran-
anim-ir ^ f nanzes ' e Pcl® boca vá dilatar os bofes
£UC
Saí. ' e corroborar 0 eftomago , c as eu-

muito^S0, a f™"!3 de?l!g*<Ja das fecimdinas , e


em a cama á
vemente coberí , Parte> e ,e"
1 g 3 cx ur ar fe
res, que fe accnn^?" ^ ° P g " dos humo-
Eftes humores" far60anfl°P,Inten0r dOS feUS VaíOS;
r
ado . AA fleuma
tf puma he
h li
1 um a "fuma, e omecomo,
linfa grofla ou fer-
, qye encher.do
4* Tratado da EducaçaÕ Fysica
o eitomago , e o efofago impedia a adhefaõ deite ca-
nal ; cujas paredes aliás fe conglutinariao entre fi , co-
mo vemos íucceder a qualquer vaio, que em noíTo cor-
po fica vafio , e fein humidade. Porém como depois
do nafcimento começa a fer fuperflua , e nociva efta
mefma linfa, lie neceflario naó obftar de modo algum
á fua evacuaçao; por tanto eu tenho como coifa mui-
to arrifeada o ufo das rolhas de afiucar , e mel ; por-
que além de embaraçarem a livre entrada da atmosfera
para os bofes, e ameaçarem fuífocaçaõ ; entupem a af-
fluencia delias fleumas vifcofas, que reprefadas, miftu-
rao-fe com o leite , corrompem-no , e induzem flatulên-
cias , azias } e outros males.
O mèeonio , ou ferrado he aquella matéria vifco-
fa , e negra , que abunda nos inteílinos, e igualmente
impede a conglutinaçaó de fuas paredes. Como quer
que fe faça a nutriçaó do feto no ventre materno ,
he de faíto , que fe accumulaó fezes até ao tempo de
feu nafcimento , e he miíler promptamente evacualas ;
pois de fi difpoftas á fermentaçaõ laõ menos innocen-
tes , do que julga o Doutor Buchan , e demoradas
miniílraraõ por certo hum máo fermento ao quylo , que
vai prepararfe de huma matéria de fua natureza fer-
mentavel. Naõ ha Medico , que deixe de ter prefen-
ciado as dores , tenefmos , picadas , caimbras , e con-
vulsões , que apparecem quando o ferrado fe reprefa nos
inteílinos. Nem era de efperar, que o gaz mefytico
fummamente elaílico , e penetrante ficaíTe inerte , fem
offender nervos tao fenfiveis , e tantos , que fe entrela-
çaó na túnica villofa do canal inteftinal.
Quando fe diz fer neceílaria a evacuaçao do fer-
rado , naõ fe quer fuppor logo indifpenfavel o recur-
fo a purgantes, que alguns Authores prefcrevem á to-
das as crianças aflim que nalcem. Talvez fe eftabek-
cefle eíla regra no tempo , em que a cioftraçaõ le ti-
nha por huma doença infallivel aos meninos , que manv
ma-
D O S M E N I N o s. 43
mavaõ o primeiro leite a que chanaaõ cloflro \ por
cuja razaó fe lhes refufava como fe fora hum veneno.
Porém eítá bem longe deita idéa , quem eftuda a na-
tureza , que tanto fe anticipa na preparaçaõ defte foro
azedo , taõ fabiamente provido , e que fendo o fuften-
to , he taôbem hum purgante natural na primeira idade.
Todavia fe virmos, que as forças dos inteftinos
da criança naõ baftaõ a expeliir as fezes , nem ainda ef-
timulados pelo leile azedado para efte uío no feio ma-
terno , recorramos a hum laxante brando , e naõ mui-
to difterente do que lhes fóra preparado pelas maÕs da
rjatureza. Por tanto parecendo-me conveniente, quan-
do as crianças naõ tem tres, ou quatro cameras por
dia, dar-lhes hum pouco de mel em cozimento de
ameixas, fempre tenho para mim, que nada correfpon-
de melhor ao nolfo intento, nem le aífemelha mais ao
purgante natural, do que o foro de leite preparado com
huina porçaõ de farro de vinho, baftante a deixar appa-
recer o ácido_, e adoçado com mel : efte liquor vege-
to-animal he fermentavel tirante a azedo ; e tem aquelle
adocicado, que com a miftura do ácido fe percebe no
cloftro.
Naõ faltaõ crianças com tanta humidade nos in-
teftinos , e taõ enfartadas de matérias fecais , que ne-
nenhuma ventagem conleguem com os purgantes minora-
tivos. O Celebre Undcrwood confeffa , que baldado nas
efperanças de tirar effeito de pequenas dòfes de Rha-
barbaro, recorrêra a dòfes, que pareceriaõ temererias a
naõ haver procedido por degráos , e mui prudentemente.
Todavia naõ tomem fobre fi as Mais receitarem nem
0
Rhabarbaro j nem o vinho antimonial de Armftrong,
content.uKio.fe nlcs miniftrar os laxantes , que aci-
ma prefcrevemos, e advertidas a chamar Medico quan-
do em calos rebeldes naõ conlíguaõ nas primeiras vin-
te e quitro horas co.m tifanas , ou com o foro melado
a
eva,cuaçao do meconip. Naõ he porque eu tenu ran-
F ii to;
44 Tratado da Educaçao Fysica
to , coino o Douthor Hamilton , os efpafmos , e as
convulsões que efte lábio Medico fuppoem produzir o
Rhabarbaro nos inteftinos das crianças mais damnofo,
como elle fe explica , do que a demora do ferrado.
He innegavel, que a fenfibilidade dos nervos na primei-
ra idade eftando em proporção com a fua debilidade ,
muitas vezes fe relente do eftimulo defta raiz refino-
fa, principalmente fe nao for diluída com algum vehi-
culo adoçante ; porém a humidade , e o meimo ferra-
do defendem as paredes dos inteftinos de maneira ,
que o maior numero das crianças fupportaõ , guardada
a proporção, os purgantes em dófes mais fortes que
os adultos. Todavia tudo que lie remedio deve ler
prefcripto por pelfoas hábeis, e naõ confiado ao em-
pirifmo das Mais , ou das Parteiras.
As primeiras vinte e quatro horas depois do naf-
c-imento , devem fer pelo commum empregadas fó nef-
tas evacuações, tempo em que o fangue , e a atmosfera
vaõ penetrando lentamente pelos bofes , e difpondo ou-
tra economia bem differente da vegetaçaó antigua.

ARTIGO VII.

Da criaçaõ dos Meninos.

HE liam coftume faudavel criarem as Mais feus


filhos, a/fim elle fora entre nós univerfaímente
praticado. He taõ conforme ás intenções da natureza,
que a obfervamos applícada a efte minifterio quafi def-
de os primeiros mezes depois da concepçaõ. Parte da-
quelle langue, que fe accumulou para a vegetaçaõ do
fero , lie trasladada pelas communicaçoes dos vafos e
palia do útero a ir ajuntarfe no feio; cujas glandula's ,
ás vezes com muita antecedencia , começaó a filtrar cer-
to foro, que fempre nas vizinhanças do parto he mais
copiofo. Nao fem fim a natureza prepara elle liquido
dos Meninos. 45-
fufceptivel cie fermentaçaõ, e que efectivamente fe aze-
da com a demora.
,^e !Clte /oro^°' a quechamarao cloftro, he hum
p írgante ^rando accomodado á compleição das crian-
ças , e tao conveniente para ellas , como"lhes he necef-
aria a evacuaçao do ferrado: nenhum outro, como dif-
emos no artigo antecedente , he mais natural ; fendo
113 VCZ aliment0
rrf-n- , e remédio.
i er recorrer a purgantes E ,fejámil
extranhos fe vezes he
vê quão
nafc'dLCrr° ne ar
S efte primeiro leite aos recem-
bj-,. £

a» gr. tsr, Sr
S que torna a
cull À , ° pedem feus filhos, e ef-
aS e aS & gaS d
o frudto da fua r ' ' u ° P3rt° fÒ c0nfldcra6
UÕ natUral efte fen im
to , que fe o luxo T'*' t en-
rado as procensões à°, llvera corrompido, e degene-
te olhadas Je ío r d o fc 'm—T rt0da *

e
iuftihV - ,?^m Mendes
) aonde as mulheres fe

i
coitei af'brandos nos
Locke, e ^Tuthor do F™,-'A6 °S difcurfos de
extranhos, e nc-ftc cafn nw"c delPertáraõ em paizes
penlao natural de amor» ''S íl tunado
s5 aquella pro-
Ya S fii)los
o C. Mavtcll nas fua^ wT ° ' c3ue hoJe 3ou~
Inglezas , e que já eftava em
"46 Tratado da Educaçao Física.
efquecimento defde os tempos de Tácito; pois que ef-
te Hiítoriador filofofo corroborou as provás da deca-
dência do Império com o defprefo , em que as marro-
nos Romanas haviao a educaçao de feus filhos.
Em idades muito anteriores l"uppunha-le ia que fo
o leite das Mais convinha ás fuas crianças ; pois lem-
brara attribuir ao primeiro leite naõ fó as modificações
fyficas do temperamento animal, mas ^até as propen-
sões do coraçao , as quaes le fuppozeraô lubordinadas a
efta poderofa influencia. Da fagacidade de Cicero da
braveza dos Romanos, da crueldade de Nero , e^de Ca-
lígula bufcárao-fe caulas no leite que mammárao. lou-
co importa a falfidade deitas ficções ao noflb intento;
pois fó nos intereíia a verdade, que delias fe infere ,
vem a íer: que ao menos houve em todo o tempo
homens perfuadidos da modificaca» do noiTo tempera-
mento em virtude do primeiro leite, fazendo-o influir
até fobre as acções mora es , e nao he muito extranho
refentirem-fe os homens do leite que mammarao, quando
a fua máquina entrava a defenvolverfe , te vemos- que
o calor, o frio , o alimento , as bebidas , as. qualidades
do ar atmosférico, os jogos, os prazeres, ainda depois
modificaÓ tao particularmente o caiaíler anral dos ho-
mens, que feguado as qua idades fyficas do folo, e os
coftumes particulares das Nações, fe difttngaem os leus
diverfos génios. Talvez que a deffemelhança do cara-
«fter obfervada hoje nas famílias, venha de nao feiem
os filhos nutridos aos peitos 'paternos ; pois que o^lei-
te extranho . tendo differentes qualidades, e talvez con
trarias á conftituiçaó individuai do menino, faz delle
lmm aggregado monftruofo de duas naturezas.
Ni corrupção geral do feculo as mais das vezes
faó frívolas as razoes , com que fe excufaó as Mais
defapiadadas de amimmentarem leus filhos. Bem longe
eftaõ ellas de imitar aquellas enternecidas mumeres ,
que a pezar dos confellios de Buchan, e de Lineais
d. os Meninos. 47
abnbi-çáraõ a nutrir feus filhos , e tivérao em premio
de fua ternura efcaparem de moleftias defefperadas.
Tajde fe capacitaráõ as peíToas de huma certa ordem,
de que o leite materno he o único fuftento proprio
das crianças j mas a fua incredulidade terá menos dcl-
culpa , quando forem obrigadas a refleítir que cada indi-
viduo he conftituldo por hum modo lingular ; a fua
maneira de fer parecida em muitas propriedades ao
geral da efpecie , naõ he comtudo a mefma. For tan-
to nutrindo as Mais o feto do feu proprio langue ,
paiTaõ-lhe as modificações de fuas naturezas : daqui ie
vê com quanta razaõ le pretende , que huma vida de-
pendente na fua origem , e commum com a da Mãi, fe-
ja continuada em feu defenvolvimento , depois que o
menino nafce, por hum alimento preparado nos mef-
mos orgaos , e tirado do mefmo fangue, que o animá-
ra. Xal he o leite materno , que traz imprefío o ca-
racter da economia privativa de ambos; e feparado dos
mefmos humores , qUe defenvolvêraõ os primeiros ru-
dimentos do embrião, he a melhor matéria de que as
crianças fe poilaÓ alimentar.
Que mal lupprido fica com o leite das amas , o
que a natureza fíltrára no feio das Mais ; pois que
modificado de outra maneira he pouco menos do que
hum veneno , que vai lentamente deítruindo a organi-
zaçaõ da criança tao femelhante a fua Mai, quanto ef-
ta ^ diffcre da Ama em temperamento , idade , educa-
çao , coftumes , maneira de viver , e em todos os ca-
raiíteres privativos de cada individuo..
E qual feráa Mai taõ barbara, e taõ infenííyeí,
<lue po(Ta receber das mãos da Ama coberta de chagas,,
c
, .con|Uff>ida de enfermidades a fua. criança, que aliàs
o 'mPa > e perfeita do ventre materno ? Pois deí-
engançm .e p0r jluma Yez as Mais, que nenhuma per-
Ipicacia balta , para diftinguir mo leite a fubtileza. de al-
guns venenos, quede tal modo .fe disfarçaõ, q.ueneni
a
\<

4S Tratado da Educaçao Física


a cor , nem^o faboi- , nem a confiftencia delle , nem
as averiguações mais exadtas fobre a idade , tempera-
mento, dieta, vida,^e coftumes das amas podem efta-
belecer huma regra fegura, ou ao menos que promet-
ta probabilidade.
Quantas vezes rebentão pela boca, e pela gargan-
ta deites abandonados innocentes chaguinhas pcftilen-
ciaes, que em breve le aiallraõ , como he condição dos
males venereos ? Naó ha duvida , que no leite paliou
efta infecçaõ ; porém a ama era robufta , vermelha • e
ás vezes mefmo guardava em fegredo no feu Tangue
efta dilpofíçaó, que nunca pôde defenvolverfe con-
tra as forças de feu temperamento: e ás vezes até foi
fempre iunocente para feu proprio filho ; mas lubtil, e
contagiofa vai no leite inficionar o pobre engeitado mais
difpofto a recebela ; nem ilto nos deve admirar, quan-
do vemos hum veneno igualmente exaltado , e n'luima
mefma peíToa, fer contagiofo para eltes , e indifferente
para outros, que fe expõem a fua adividade na mef-
ma hora , e com as mefmas circumftancias pelo menos
apparentes.
Quantas vezes as gengives das crianças entumeci-
das , e chagadas annunciaõ o efeorbuto , que degenera-
va os humores da ama , mas que ainda naó poderá en-
trar com os íèus folidos; talvez porque huma vida atfti-
va , huma dieta contraria , e o ar do campo lhe tem
refiftido; naó lhe rellfte porém huma compleição deli-
cada, que de tudo fe refente.
Quantas vezes em fim as amas , em outro tempo in-
ficionadas da farna , tinha , e outras erupções cutaneas ,
apprefentaó huma pelle liza , e macia , quando o mal re-
colhido ao fangue vem com o leite infeitar, e affiigir
as crianças viftimas do capricho, e da vaidade das Mais ,
neceílitadas ás vezes a alimentar os cachorros dos ani-
maes , para fe defaffrontarem do leite que lhes fobeja ,
e roubaó a feus proprios filhos. E quantas enfermida-
des
V T

dosMeninos. 49
d'aquellas , que folapadas minaó por muitos annos o
temperamento , para rebentarem em certa eílaçao da
idade; ihuuem todo o curativo ; efcondem as íuas can-
jas , e zombao da iagacidade dos Médicos, quando el-
las foraõ bebidas com o leite das amas , e erao iá ra-
dicadas em lua geraçaõ.
Por nao trafpaffar as raias , que nós abalifamos ,
balearia o que eílá dito para convencer as Mãis do
muito que intereflaõ os pobres innocentes em ferem
criados aos peitos maternos ; mas nao deixaremos em.
' ,er"Ca
gaõ '°M ^s importante
tao -"^es immimmiílerio
ne„tes fobre pois
as Mais
que, aque fe ne-
repercu-
;
çao ^do leite , que a natureza tao advertidamente lhes
largea, traz comfigo graviffimos incommodos, muitos
dos quaes nao tardao a apparecer.
Supponhamos pois, que as Mais, trocando pelos
caprichos da vaidade os avilos da natureza , abandonaõ

f^eanha íím?6 ° cloftro > efte liquor azedo repreza-


re ercu,ido vai
inficionar a P
P
cende o. fogo da fite UL7 v eTXS° £
mileraveis vjftimas das preocupações do feculo. Nao
° leite «'aquelles fuccos, que fe filtrao do fangue
para reentrar na maíTa dos humores; mas feparado nas

nheciHo S níam?lares Por hum mecanilmo , a nós defeo-


defoíar ar g° excremento, de que a Mai fe deve
c rroíl
o meimo
u mefíio Van™/^ ' f dimanara.
langue , donde ?. ^° E
volta a vellicacari
a fua contaminar
nerV0Íb
bras /í? r ' <3ue indl^ caim-
pafmos lem re
fun 'por f' P Pi-ecurfores das febres; e af-
De rcnDe°nfCOme? 3 n kílea ' OU PuerPeral-
os el
ligno j PoiH í Z ™ H°s deite fermento ma-
dos fe relaxaõ Í W " P°der Y™' que OS foli"
ia gUe rC Uma
los póros : rebenta í ' ^ " ? Pe'
^ &da,
G ce
/

50 Trata oo da E[ducaçaô Física


ce torru-fe defunta; e ás vezes a quina , a canfora , es
cinéticos, os caulticos com toda a fua adtividade naô
podem evitar, que os humores fe diíTolvaô, e apo-
dreçaô no initante proximo á morte. Elte mefmo iei->
te reflectido vai picar taõ intenfamente as túnicas dos
intcítinos , os diveríos tegumentos do abdómen, e feus
mufculos 3 que poem em violenta tortura as miferaveis
paridas , quaíi 1'empre atormentadas de cólicas nervo-
ias, pela maior parte nalcidas deita caufa. Quantas ve-
zes cítagnado pelas entranhas induz obltrucções, tubér-
culos , e fcirrhos, que naõ cedem a remedios , e prepa-
raó as primeiras Tementes das doenqas chronicas da
idade fenil. Naô he pouco frequente ir elle empoçar-
fe na cavidade do ventre., e produzir a afeites, pelo
commum mortal , e pelo menos acompanhada de dores
violentas. As hydropefias de peito , dos ovários , a do
útero , e mefmo a anazarca faó confequencias naô ra-
ras do reprefamento do leite. E quantas vezes fem paf-
íar do feio, que o filtrara , mina pelas glandulas mamma-
res , lançando as fataes lementes do cancro , eíte mal
afquerofo, que trazendo comilgo a torpeza, ea fealdade
á trilte enferma, termina com a morte huma horrorofa
fcena ! Quando em fim a robuítez do temperamento pof-
fa refiftir a tantos males, pelo menos hum rheumatif-
mo chronico , que fe annuncia com a idade , atormenta-
rá os reltos cie huma vida gaita na dilHpaçaõ , e no o-
cio. Eis-aqui como a natureza vinga os leus direitos ,
nunca impunemente violados.
Entrem em fi as noílas Damas •, confultem o feu
p-roprio interefle; efeutem a voz da ternura j e impe-
rando nos fentimentos naturaes , enfurdeçaõ-íe ao ruido
dos caprichos, da vaidade, e da delicadeza j e amam-
mentando a feus proprios peitos os innocentes filhinhos,
mereçao que delias fe repita com o celebre Parteiro
de Dover =5 Muitas das Senhoras da primeira ordem
deite Reino fervem de exemplo ao mundo , criando el-
dos Meninos. çi
las mefmas feus filhos; e tem-fc igualado ás Mais das
Nações mais polidas, e ás dos feculos mais puros da
Grécia, e de Roma. E os Bretões na geraçaõ futura
naõ feráõ avaliados gente melindrofa , e valetudinária.

ARTIGO VIII.

Das qualidades que fe devem requerer nas amas.

/V Inda que nad feja conforme ás intenções da na-


-O- tureza removerem de íi as Mais as fuas crianças ,
e ainda que em outros tempos tiveíTcm o fobejo alen-
to, para acodirem com abundancia de fangue á fecre-
Çaò do leite , fem desfalque attendivel em fua confti-
tuiçaô , todavia hoje nao iuccede affim: havendo mui-
tas peíToas, principalmente na Corte , de taõ débil com-
pleição , que provavelmente cahiriaõ em grandes debi-
lidade? , e na febre ethica , fe teimalTem em criar feus
íos. utras naõ podem confervar o leite ; pois apenas
lhes apparece, per fi mefmo fe fecca. E naõ fatí* pou-
cas aquellas , cujo temperamento inficionado de enfer-
midades contagiofas aflás tem já envenenado os pri-
meiros rudimentos de feus embriões, de modo que fe-
ria barbaridade naõ lhes bulcar em leite extranho hum
correéHvo aos males , que delapiedadamente lhes tranf-
miturao. Em femelhantes circumltancias toda a diligen-
° íi/v?1° de huma
das boas qualidades Preciíoama.
> Pai'a nos" inteirarmos
Poi tanto, entrando no exame dos requefítos ne-

a am"10^* -deftas Mãis mercenarias > entenda-fe em que


rarln o?Ja p"zada, com homem fadio > e bem morige-
KilAfo • o C^a ro^u^a ' e fornida; mas naõ gorda , e
imnnn6 Proceda
ffer camponezes, Pa»smefma
nafcidadeella vigorofos , fe poder
no campo, e de
vinte annos ate quarenta quando muito. Depois obfer-
Vc-fe, íe tem as gengiyfes fans, firmes , e vermelhas, e
G ii naõ
\

52 Tratado da Educaçaõ Frs 1C1


nao dcfcarnadas , nem efponjofas ; fe a cor do rofto he
boa , e naó verde-negra , amarellada, pallida , ou afefta-
da eom arrebiques de cor , e alvaiade , que abíorvidos
jjara a maila do langue empeçonhaõ o leite ; fe os olhos
iao animados ; os dentes limpos , inteiros , e naõ car-
comidos , negros, ou furados; a refpiraçao larga , e
tacil, e o bafo fem cheiro, nem dcmafiado calor; o
feio redondo , retezado , e abundante de leite. Cum-
pre igualmente que as luas funeções fejao regulares ,
quero dizer, a tranípiraçaõ nem exceífiva, nem efcaíla,
mas confiante; o ventre antes laxo, que renitente; e
os orgaõs da diuréll delempedidos ; e queaourina naõ
deponha fedimento Jodofo, nem arcas , fendo de côr
alambreada. He taõbcm muito neceflario, que nicfmo
por conftituiçaõ mecanica feja alegre , e manfa; naõ
colérica, e mal fofirida ; que os feus nervos firmes, e
vigorofos refiftaõ, quanto he pollivcl , a fenfações falfas ,
rclpondendo a viveza das luas idéas precifamente á
actividade das imprefsóes , e mõ a excedendo, como
fuccede ás pelloas de hum fyftema nervofo nimiamen-
te débil, que pela exceífiva mobilidade , faó feinpre ac-
comettidas por hum torpel de idéas volúveis, defnexa-
das, e taõ vivas , que defarranjaõ toda a economia ani-
mal ; pois que todas as impresóes fao fortes para as
pelfoas nervofas, fendo ellas taõ fenfiveis , como fao
moveis, e debeis.
Eíta reflexão he muito importante hoje principal-
mente, que o hyíterifmo , e a hypocondria flagellaó| das
peílbas , que vivem á moda da Corte. Haja taõbem
todo o cuidado em que a ama naõ feja dada ao ufb
do vinho, ou a outras bebidas fermentadas , e liquores
efpirituofos; em que tenha a pelle liza , e macia, fem
erupção , burbulha , ou impige ; em que feja carinhofa ;
boa criadeira , e parida do menos tempo poífivel ; pois
que a natureza naõ provê o feio materno de hum lei-
te igualmente groílo , e fubftancial em todo o tempo
V
I ,
B 0 s M E n I N o S. 53
criaçaõ , antes proporciona a fua confiftencia á ida-
. de do menino; de iorte que nos primeiros mezes o lei-
te ne^aguacento, depois vai engroíFando , e he preci-
io naõ inverter a ordein natural, ofFerecendo a huma cri-
ança recem-nafcida o alimento , que fó lhe conviria
depois de alguns mezes.
Ha algumas mulheres, que durante a criaçaõ, naó
deixaõ de fer menltruadas : mas quando eftc fenomeno
naó provem de debilidade , e relaxaçaõ dos orgaõs ge-
nitaes j mas lim de iòbcjidaõ de langue , e em confti-
tuiçoes fortes, e fadias, naõ preverte , nem tranftorna
as boas qualidades do leite • e por tanto naõ he pre-
ciio tirar-lhes as crianças nefte intervallo. Ao contra-
rio deve fer hum fymptoma muito attendivel para re-
jeitar as amas , quando ellas padecem dores, caimbras,
ou indifpofições confideraveis nas vizinhanças das re-
gras ; pois que femelhante perturbaçaó na6 pode deixar
de influir fenlivelmente no quilo , c no leite.

da t pvl?"1-1 cu quizera , que fe averiguafiem com to-


, r ' o'"^qualidades moraes das amas, entenden-
oo-le em que ellas tiveíTem boa indole , hum génio dó-
cil , e rodas as luas paixões moderadas : que naõ fejaõ
nimiamente libidinofas , fem fuppôr abfolutamente pre-
cito arredalas de toda a communicaçaõ conjugal. E
muito particularmente fe deve requerer que a ama naõ

«mr e tem
cahir em P^ra"iento
epJepfia colérico
, e em ; poiscrianças
convulsões todos os, dias
que vemos
mam-
marao o leite filtrado no acceíTo da coJera. E por aca-
bar de huma vez, he muito de dezejar com liallex-

ra ' fip?Ue 3 ama ty* 0utra ^ai com a niefma eftatu-


àç> o máo' C 3 mfma CÔrl.e <5ue emfira> exceptuan-
Em au!m ° mais íeJa° inteiramente parecidas,
ao € am
fufficiente a p!! f f do Jeite, parece-me bem in-
fiveis ^ im ° Vpou coJ q ue^e H
cl,e fe a alvo
azul1 0Uou amarello
amareUo n ' 3 , J » tlrailte a
' * que f^a pérola ao cahir da unha j.
ou
V
%
5*4 Tratado da Educaç a ó Física
ou cfcorrcgue por fer muito delgado. TaÕbem avaliar
em mui pouco a lua doçura , ou iníipidez , com tan- •
to que hajaõ na ama as qualidades fyficas , e moraes
acima apontadas, e que a íua criança feja medrada, e
íadia. Eu tenho vifto mulheres inficionadas de toda a
-efpecie de moleítias offerecerem lium leite com todos
os requefítos apparentes ; e com tudo as luas crianças
adoecerem, hirem-fe definhando, e em fim morrerem.
Taóbem tenho obfervado muitas vezes , huma mefma
peíToa em poucas horas de intervallo , apprefentar no
feu leite differenças muito fenfiveis.
Mas fuppondo , que fe acerta dar com huma ama,
em que naõ falte nenhuma das circumftancias requeri-
das , refta ainda examinar a queílaó ícguinte, e vem a
fer : Tem ella ama hum filho , que deitino lhe procu-
ra ? Como difpoem a feu refpeito ? Já o naõ tem ? Que
fim levou elle ? Se morreo; cumpre faber de que mo-
leftia ; fe hereditaria , fe contagiofa , fe envolvia vicio ,
que íe perceba na Mãi ■, fe concorreo defcuido delia ,
máo trato, alimento improprio , e extranho ; ou fe mor-
reo de moleítia accidental , em que nao pôde arguir-
fe nem o temperamento da Mãi, nem falta de difvelo.
Mas fe ella conferva o feu filho, e determina abando-
nalo por hum extranho , he muito de recear , que feja
má criadeira quem nem para os feus filhos íabe fer
Mãi. Naõ faltaõ mulheres que por ambiçaõ , e as mais
das vezes por miíeria, emprehendaõ duas criações jun-
tas , quando mal baftariaõ á que a natureza lhes deííina.
E como fe pode efperar de huma pobre maltratada ,
moida de trabalho, falta de alimento , acabada de con-
fumições, que naõ desfaleça em tao violento desfalque?
Mas a tanto chega a indigência, e a miíeria de huma
familia defamparada ! affim he que huns defmanchos
produzem outros ! e nunca os homens fe apartaó dos
trilhos naturaes fem funellas confequencias.
Depois de ponderar as cautelas mais eilenciaes na ef»
co-

D O S M E N I N O S.
Ha das amas , refta-me aconfelhar, que naõ degradem
ap Mais para longe de ii os ieus filhos; pois ió ellas
podem defempenhar a vigilância , e os cuidados , que
requeij huma criança. IsJo mais leve delcuido fuccede
torcer , ou deslocar hum membro ; ganhar hum máo
•habito ; conftipar-íè ; cahir ; ler mordida , ou mutilada
por animaes. E fó quem he Mai fe naõ cança de ef-
tudar a expreíTaõ das vozes equivocas da primeira ida-
de , os gritos , os clamores , e certas gefticulações que
ora annunciaõ o padecimento , e he forçofb attendelas;
ora faó efFeito de impertinência , e de máos hábitos*
que tem produzido a indulgência indifereta , e huma
nimia promptidao a fatisfazer appetites caprichofos e
então he precifo defvanecelos , que tudo he fácil'na
primeira idade.
^ Mas fe ha tantas mulheres, que naõ fabem fer
Mais , como lerá pollivel paliar ás extranhas os fenti-
mentos maternos? Quando fucceda pois naõ poderem
as Mais criar feus filhos, ao menos , naõ me canoO de
o redizer , obfervem como elles faõ tratados, poifque
dilpenladas de^ nutrir, nunca podem feio dos dif-
velos, que deverão entrarem feus corações no momen-
to , em que forao Mais.,

ARTIGO IX.
Gomo fe devem conduzir as amas.

hj dãelrtíaaod°pÍnteÍro de H^iene he a matéria


do cm* f? ' .p0r cert0 clue as mulheres quan-
P
fera pura r ' rel'pÍrar huma a"nos"
as
feu Loecxer> 7^ alimentos faõs; o
excreções faceis e ^^!!'"1 fer r5fiu^os ; as fuas
cora ao de
fogado de paixões. l^ds tnrirpmr ° S ^f-
brevidade poffivel. cearemos eftes pontos com a
Parece-me muito importante , que as amas vivaõ

no
I
jó Tratado da Educaçaó Fystca
iio campo: aqui a atmosfera he nuis.enorgica, e mais
tranca ; os ventos loprando fem eftorvo a refreícaõ ,
e a renovad; e ella abunda d^quelle principio fubtil,
que conferva aftivo o movimento da noífa máquina ;
refrigera os humores ; corrobora o bofe , e o eftoma-
go; e inflnua-fe nos alimentos já durante o feu fabri-
co, já na acçad da maftigaçao.
Olhe-fe muito para que o alimento das amas fe-
ja faô; pois que deite he que o leite fe extrahe, e fe
compoem : elle he hum liquido vegeto-animal, que con-
ferva muitas propriedades da maffi alimentar. Pois bem
oblervamos , que fe os animaes paftao o abíínthio he
amargofo o feu leite , e- tem hum cheiro íuave, e hum
fabor agradavel quando .faó fragantes , e faborofas as
fuas paftagens. " .■■
Nunca eu entendi em que a ama tivefle huma ef-
treita dieta, pelo contrario tenho por primeira regra,
o nad fe afaftar, quanto for pofllvel, do feu coítuma-
do fuílento ; pois habituada aos alimentos grofleiros do
campo , extrariha guifados, que enfraquecem. E por cer-
to le o vigor natural do eftomago , e feus fuccos digef-
tivos faó taó energicos , que de alimentos rudes, e for-
tes extrahem a boa nutrição , que le diffunde pelos mem-
bros , e brilha na faca , e na agilidade do movimento
das gentes do campo ; para que he corromper os bons
humores da ama, e debilitar as forças do feu eftomago
com manjares taô inertes, que naò eftimulao as fuas
fibras, antes alteraô a economia de feus orgaós.
Os legumes , os frutos, as hortaliças , que de com-
mum fervem dc único fuftento nas mezas rufticas, faó
extranhos talvez ás pelToas debeis , e hypocondriacas j
mas de miftura com as carnes eftabelecem a dieta mais
faudavel , e mais própria i porém como no Tratado
fobre a utilidade dos fruítos impreífo em 1786 , fe
tratou efta matéria mais largamente , bafta dizer, que,
achamos mui conforme a razaõ, á experiencia, aos re-
Y
DOS Meninos." jy
íultados da anatomia comparada , e as efpeculaçoes fi-
lofoficas , que o homem feja hum animal fetifago por
natureza , e por organizaçaó , e que fó o coítume , e a
neceflidade o tornao carnívoro. Nao obíbndo a figura de
ieus dentes , a Simia reduz-fe á mefma ordem a que o
homem , e lie taõbem fetifago. Nem pode fer objec-
ção attendivel a debilidade , flatulências, e azias ,
que incommodao as pefloas fracas quando fe alimentaõ
de vegetaes ; pois mal fe pode avaliar o homem natu-
ra por aquelle , que hoje vemos habituado ás carnes
eafraquccuio p.,o3 vícios , debilitado pela vida alFemi-
Jiada da Corte, «^degenerado abfoluramente da fuPri-
mitiva energia. Mas deixemos huma queftao Que en-
gendra outras, e nao he muito própria deíle' lLar
. _ tudo temos fempre por muito errada a opi-
nião d'aquelles, que prohibem abfolutamente ás amas o
ulo dos tractos, pretextando o grave danno, que nro-

iSSfc sszedo > c°r fcrapre


é flhtulencL" S crTnílí t™,?* ' -
forem robuftas, pommutartô mfttor'aindaõs rcgeSs*
do que as carnes, e aílim nos moftra a experiência
contra o que fuccede ás pefloas debeis, e hypocondria-

Sra Lt"'" rnelmo paíIafTe no leite alguma difpoíiçao


Cffl ,ugir fer
3 las
foundaõ de liumidade • " enaturinhas , que a-

Jiciona as primei^™" a ««f* « ppdrida 6 , que i„-


? fe defprezaò totafoip,,!' ^uando le abufa das carnes ,
expU«r-me-hiame^u^ovegfaes.
' \ U mu —, fe
£° «ai, -v j-uuciie
podeíTe enten-
H
der-

»
V

Tratado da EdUcaçaí! FvsicH


der-fe do que fica dito, que lie do meu intento con-
fervar as amas no ufo immoderado de fruítos , e hor-
ta li^as , quando as crianças faõ atormentadas dc
diarrhêas de matérias efverdiadas , e azedas ; ou- quan-
do vomitaÓ o leite muito coalhado e azedo ^ quan-
do o cheiro da lua tranfpiraçaõ, e os vaporei de leus
eftomagos indicaó a demaíía do gaz aéreo , que as
©oprime. Antes neftes cafos reputo offeníivojtodo o
alimento vegetal. Porém eu aqui nao trato enfermida-
des, preícrevo regras para o maior numero.
Em quanto ao ufo do vinho , agua-ardent^ , ej
outros liquores efpirituofos , e fermentados ; lie precifo
que as amas feiaõ muito reguladas, ainda quando pre-
cedeffe habito inveterado > pois /e elles enervao o lyt-
tema dos noflbs folidos e defordenao toda a econo-
mia animal nas peílòas adultas, nao podem fer jgjjg
centes modificando o leite, que vai tocar os nervos def
hum eftomago taó melindrofo, como he o das crianças
de peito. Nao nos levemos da boa nutrição da ama r
e do luzimento do menino, em pouco tempo lejdefva-•
nece efta formofa fcena , e a criança acaba mjrf
rafmada , e confumida pela ética , e pela diair - •
O ufo do chá , e do caffé nocivo quaíi a todos cm
lium Paiz quente , lie venenofo para as amas , t para
as crianças. Refervamos para outra obra reflexões mais
extenfas* fobre. cilas bebidas contentes por hora de
advertir , que o chá como hum liquido morno atro-
xa as fibras do eftomago , e deftroe a
nervos, affás debilitados pe!o temo^mento «noilo
clima. Cufta a crer, que poffao Por ta™os Jn
nos abufos taó evidentemente contrários a razao , e á
experiencia, e que naÕ vejaó todos como fe vao en-
fraquecendo com femelhantes beberagens. Sena ígftor
que as fuppriffem com agua fna e aífim tenao m» neW
ti máquina que per fi mefmo fe gafta, e fc aeltro*
Além do danno , que produz o chá morno como entre
ft O s M E N I N O S. ff)
nos fe ufa , elle occulta certo principio fubtil, narco-
rico, e inimigo dos nervos , ficando por efte modo
dobradamente oftenfivo, já relaxando osYolidos , já deí-
afiando a mobilidade do íyftema nervoíb.
O caffé , que huma, ou outra vez he remedio ,
por iflo meímo naõ pôde fer alimento. Aquelle prin-
cipio oleofo , que levado ao fogo ganha o empyreti-
ra a , e faz-fe rancido , lie acre , e offende de tal forte
os nervos , que os tremores, as convulsões, as para-
iyfias faõ mui conhecidas das peífoas dadas a efta be-
bida. Apenas os que forem húmidos , obefos , e de
temperamento frio , e fleumatico fupportaõ huma xica-
ra de caffé fobre as comidas : e talvez que naó por ufo
ordinário. Nunca porém as amas fadias , e robuftas ne-
ceílitaõ de femelhante remedio: e quando eilas tiveflem
tanta energia de folidos , e firmeza de nervos que naô
fe advertiflem dos feus incommodos, elles paffariaõ in-
falliv.elmente ás crianças , que mais debeis , e feníiveis,
de tudo fe refentem , ainda que leve impreííao façaõ
fobre o feu fyftema nervofo.
Como as peífoas hyftericas , e hypocondriacas pe-
ia fua exquilita mobilidade eftaó em eftado de fe ad-
vertirem melhor da acção dos alimentos, e remedios,
eu trarei hum exemplo , que tenho de cafa : e vem a
fer, que já mais pude tomar caffé muito carregado, que
naô entraífe cm hum tremor de extremidades, e a pon-
to tal , que todinha mal a penna para aílignar o meu
nome ; aíIUftava-fe-me o coraçaõ, e fentia o interior
taõ aballado, e convulfo, que fe me figurava eftar câ-
hindo a cada inftante. Muitas vezes cofpia fangue a-
peiías o tomava ; tal era a violência dos efpafmos, que
por contei,fQ do efl;0mag0 me correfpondiaõ no bofe.
louco importa , que as amas feiaó bem, e pro-
priamen e alimentadas fe acafo as luas digeltões fe dan-
nao pela ocioidade , ou pela falta de defeanço. O exer-
cício em ai livre he ]lum poderofo corroborante, com
H ii que

J
V

6o T RATADO DA EdUCAÇAo FíSICAÉ


que a natureza contara , quando traçou o plano íc?a ...
economia animal. E por certo, que os mufculos pof-
tos em acçaõ comprimem os vafos , que lhes" ftffàõ em
torno , e ajudaÓ o giro dos no fios humores. Por efta
razaõ enrijando com o trabalho , entorpecemos com o
ocio ; e lem movimento eítagnaõ-fe os fluidos , retar-
da-fe a circulaçaõ á fuperficie , e de Tangue impuro
naõ le filtra hum leite innocente e copiofo. Em quan-
to ao focego lie precifo , que a ama naõ perca as ho-
ras coltumadas de feu fono. Nada tem o poder de
renovar aquella energia , que haviamos perdido no atu-
rado difvelo de longas horas , fenaõ hum fono def-
cançado. Nem a aiftividade dos eítimulos, nem a for-
ça dos cardíacos fupprem a falta de dormir- O animal
irais forte cahe vencido do fono , c nunca por largo
tempo refiíte á falta deite iaudavel repoifo.' Sem elle
a circulaçaõ aftroxa ; o pulfo faz-fe frequente irre-
gular , e pequeno ; a côr amarellada ; amortecem-fe os
olhos; perturbaõ-fe as digellôes; embota-le oappetitei
as forças desfallecem ; confomem-íe as carnes ; e def-
ordena-fe de todo a economia animal. E quando fe per-
vertem tanto todos os humores por effeito de vicia
das digeítões , mal pode o leite conlcryar qualidades i'au-
«daveis.
Em quanto ás excreções naturaes cumpre, que a
ama feja regulada cm todas ellas \ por que grande par-
te das moleltias efporadicas naõ tem outra caufa. Cui-
de-fe muito y que o feu ventre fe defenere a tempo ;
pois das fezes accumuladas refulta hum efpirito feda-
tivo, origem de febres nervolas, ou podres. AS di-
geítões naõ podem deixar de fer pervertidas pelos efflu-
vios de matérias corruptas , e o leite , que fe filtra de
iêmelhante quylo , ha de por certo fer offenfivo.
No que rcfpeita á diurefi poucos deixaráo de fer
prefenciado horrorolas cataítrofes, procedidos da reten-
çaõ de ouiinas. Eltç humor exçrexnenticio > mordendo
dos Meninos. 61
K
BOS nervos da bexiga, além de cruéis efpn finos, e do-
res agudas, que induz nelta entranha, propaga os léus
violentos effeitos até ao eftomago, inteítinos , e mais
longe ainda por conlenfo das fibras uerveas , que por
elles fe elpalhaõ ; e em fim ablorve-fe para a mafla do
fangue , e vai accender febres anómalas , que muitas
vezes depois de vigílias , delírio , e feraeíi terminaó
pelo lethargo, e pela apoplexia. Por tanto haja muito
cuidado , em que a ama nao retenha as fuas aguas ,
antes promptamente fe detbnere delias.
Pelo que refpeita á economia da tranfpiraçaõ lltí
precifo , que cila feja regular , e permanente ; riias no-
tar os incommodos, que provém delta excreção impe-
dida , feria fazer hum tratado de todas as moleftias da
primaveril, oitono , e inverno. As febres inítammatc-
rias , os pleurízes , catarrhos , peripneumonias , rheuma-
tifmos pelo commum nao tem outra caufa. E reflectin-
do bem lobre a abundancia deita excreção , facilmen-
te nos convencemos , de que neceffariamente fe ha de
feguír huma perturbaçaô muito fenfivel na economia
animal , fc a maífa retiver em li grande copia do& hu-
mores , que de coítume fe evaporaõ pelos vafos exha-
lantes da pelle. Daqui vem , que nas eítaçoes variaveis ,
e nos Payzes maritimos he precifo andar fempre com
cautela contra as alterações da atmosfera: e eu deíejá-
ra , que fe introduzilfe o ufo dos colletes de algodaó
fobre a pelle , por certo grande defeníivo contra as
conitipações ; aífim como advirto , que as infusões de
plantas aromaticas fao hum remedio conveniente para
renovar a tranfpiraçaõ embaraçada.
Havendo bera ponderado alguns Médicos Filofo-
r?rri1mn-l'1fIÍCuldade'.?ue ha de encontrar amas com as
mulheres Doh Prec'j~as ' P0'3 clue ^e ordinário fa&
ead ís^ com traí
cadas 'Hfuftentadas
trabalhos de máos
, moidas com alimentos,
defgoítos , desfal-
c taó
^ kravexsque facuficaõ , por nao morrer de fome, o
— - bem

■■

• %
62 Tratado da Educaçaó Fvsica'
bem de feus filhos ao de fíihos alheios : em tal conf-
ternaçaõ derao-le a inventar máquinas, com que fup-
priflem a criação natural ; mas eu fupponho defnecef-
íario todo effe apparato , e quando nao baíte huina co-
lher, nada he melhor do que hum bocado de efpon-
ja bem Javada, e enfopada em leite; pois que a mef-
ma a.çao , com que o menino espreme a efponja ,
comprime as glandulas falivaes, e extrahe efte fucco di-
geliivo, que talvez mal fe pode difpçnfar : bem adver-
tido , que o leite dos animaes difficultofamente conveni
a hum menino nafeido de pouco, que apenas commu-
ta o leite deforado, e tenue do leio materno.

ARTIGO X.

Bo fujlento proprio das crianças.


A Natureza, que fecunda as primeiras Tementes das
coifas, he a mefma que íe difvela na fua con-
fervaçad. El!a convidando os animaes á propagaçaõ da
efpecie , defde logo prepara o mais proprio alimento
da nova criatura. E aflim como na criação dos ovipa-
ros fe anticipa em depoíitar nos ovos huma gelòa ,
que attenuada pelo calor fe prefta ao defenvolvimento
do embrião ; com igual cuidado depois de fuítentar a
vegetaçaõ do feto no útero dos viviparos, leva aos pei-
tos maternos aquelle fluido azedo , e aguacento , a que
chama£> cloltro; nutrimento adequado aos primeiros
trabalhos de hum eftomago fraco , e pouco activo. Ef-
te cloltro no principio remedio, e alimento , com o
tempo pouco , e pouco fe vai engrolTando ao mefmo
palio, que o eftomago da criança ganha torças; pois
já nao baíta a confervar as fuas funcçces aquelle leite
delgado, que previamente lhe fora preparado. Aífim lie
que em conformidade das viítas da natureza , nao he
precifo cuidarmos em outro alimento para as crianças
até aos dois ou tres mezes, certos de que o leite he o
feu mais proprio fuftento. Si-

k
i
dos Meninos. 63
Sigilamos o inftin&o dos brutos, e veremos como
__os dos que uiammaõ , fe contentaó nos primeiros
tcniyos fó com o leite , quando aliás melhor que as nof-
fas crianças poderiaõ loffrer alimentos groíleiros ■, pois
que faó mais capazes de exercício quafi logo depois de
leu|jiafcimento j como femelhante exemplo, fem bulcar
razles eíludadas , fe devem nutrir ló de leite as noilas
eriáiças ; e havemos por muito dannofo o coftume de lhes
djf: outras comidas, por leves que lejaó ;■ pojs nelta ida-
de começad os primeiros eílragos dos orgaos da digel-
ta6 ■■ e por certo , que os fuccos do eltomago , fendo en-
Plnuito fracos , mal podem difiòlver as farinhas , ge-
e mucilagens dos alimentos comniuns; e qualquer
Bcoifa que nao feja o leite de mulher grava , e danna.
,Nao baila cuidarmos, em que o alimento dos me-
jiinos feja proprio , lie precilo regular tãobem a fua
•quantidade. O alimento mais innocente mata fe he de-
mando. O leite aflas brando, e fuave, quando fobe-
, induz a cohca , a indigeftao, a diarrhêa , o vo-
mito , as^ convulsões , e a epilepfia. Nem por iíTo as
fao mais advertidas em nao offerecer o peito a
nèus filhos ainda mal defaffrontados do muito que mam-
Jnáraõ. O leite nao fó fuftenta a vida das crianças ;
mas-:, ferve por defgraça como huin meio prompto de
as callar quando chorão. E affiin defeançaõ as Mais
fobre hum abufo, em vez de elludarem com maior ef-
crujpfclo o génio deftes meninos , que nao fe queixao
em |a6 , principalmente antes que os máos liabitos lhes
jfrenhaó pervertido a imaginaçaõ.
■Defde o nafeimento logo começa a educaçao fy--
xica, Ie moral. Defde entaõ fe devem acoftumar as cri-
anças a matuíiiarem a huma hora regular, e nefta ida-
ãde , em qiie tujQ facjl.mentc fe confegue, pois que nós
ppouco _ mais f0vnos {jQ qUC hábitos , e educaçao ; nef-
ta idade, digo, jlc fácil arreigar hum coftume. Por iíTo
.deiaiQ nao ha acçaõ iudiíFerente y tudo deve fer bom 3.
64 Tratado da Edttcaçao Física
tudo deve fer meditado. O numero de vezes , que as
crianças devem mammar naõ pôde bem determinar-fe.;
pois que depende muito da quantidade de leite, que
ellas tomao por cada vez. Nos primeiros dias ainda mal
habituadas ao mecanifmo defta nova acçaõ , e prezas
de língua difficultofamente engollem algumas gotas de
leite , por tanto Ballexferd ordena por"então , que fe
lhes miniftre frequentemente^ o peito ; mas entendâ-fe
fempre , que o eftomago eftá muito fraco, e lie necef-
fario na6 o fatigar. Os intervallos que nos marca Man-
tell no leu Tratado da Educaçaõ Fyfica fao mui lon-
gos , para o primeiro tempo. Eu coítumo aconfelhar ,
que as crianças mammem muitas vezes nos primeiros
dias j quando porém ellas fe deícmbaraçao a mammar
com facilidade , baila que pelocommum o façaó quatro ,
ou íeis vezes ao dia , fegundo as fuas forças, ficando-Ihes
a noite para hum fono aturado, que lhes he natural,
e neceffario ás Mais , que, a ferem cuidadofas , alfas
precifaÓ defcançar de noite. Naó he indiílerente o lu-
gar aonde os meninos devem mammar , o qual deve
ler efpaçofo, e livremente arejado: por beneficio de
hum ar defembaraçado , e puro confegue-fe mais facil-
mente rarefazer efte vaõ enchendo a boca das crianças ,
que adim chupão melhor o leite; e efte melmo ar at-
mosférico entrando de miíhira com elie no eftomago,
concorre para a preparaçao de hum quylo mais aítivo,
além de miniftrar mais vigor ás fibras, e dar força ao
bofe , que fe regenera com taó laudavel refpiraçaó.
Já advertimos , ainda que a outro refpeito , quan-
to he nocivo o abufo univerfalmente efpaíhado de me-
ter rolhas na boca das crianças recem-nafeidas : fao
graves os inconvenientes, que provém do affucar, do
mel, e da marmelada , de que ellas fe compoem. Eftas
golodices deítroem a energia do eftomago ; debilitaõ 05
orgaõs da digeítaó ; depravaó a aélividade dos fuoj-
cos digeítivos ■, accumulaó cólera; e lançaõ as primei-;

t
y
D O S M E N I N. O S. 6$
ras Tementes da paixao hypocondriaca, hoje por infeli-
cidade taó conhecida da noiTa gente. Ainda me!mo
quando foffcin innocentes eftas rolhas pela fua qualida-
de feraó mortíferas opprimindo a refpiraçaõ , e impe-
dindo a entrada da atmosfera, que vai deiembrulhar os
vaíos, c facilitar a circulaçao.
Nao quero dizer , que fe deva abfolutamente vedar
qualquer fuftento além do leite materno em todo o tem-
po da criaçaõ, como já pareceo bem a alguns Médicos
doutos. Eu tenho experimentado, que ao cabo de dous,
ou tres mezes , fe o menino lie forte , e fadio , pode
ufar de algum alimento tenue, e liquido. He certamen-
te pelo leite dos outros animaes que fe deve começar. Em
razão da grande analogia , que tem com o noflo primeiro
íuftento. Elie he hum langue branco ( efte nome de que
ufa o Celebre XJnderwood com os Médicos anuguos pou-
pa largas definições) efte langue pois he tao adoptado
a refazer as partes conlumidas pelo trabalho da vida ,
c pelas excreções quotidianas , que o nao fupponho po-
der gravar o eftomago das crianças , íc ellas iaõ vigo-
rofas.
Por tanto aquelle que confervar maior analogia com
o leite humano , ferá o que melhor convenha ao
noflo intento. O de burras mais aguacento , como mof-
tra a experiencia , e mais fácil de digirir, he o que pri-
meiro deve entremear-fe com o leite humano , fendo
por certo preferível ao de vaccas , que tanto agrada ao
Doutor Smith. Crefcendo o menino em idade , no ç°.,
ou 6°. mez pode tomar no feu leite alguma gelêa, ou
mucilagem. O nimio efcrupulo de evitar a fermenta-
ção do leite , levou alguns Médicos a querer corregit
efte alimento faudavel com a gelêa de ponta de veado;
he certo, que a nao poder excuzar-fe o fuftento animal,
efta gelêa leria a mais leve ; mas ella corrompe-fe. lo-
<' gO, e preciía renovar-fe todos os dias, em tanto, que
o Salepe , 0 Sagu , e a Tapioca, além de nao eítarein íu-
Z jei-

I

66 T R A T A DO D A E D UCA q A O Fr SI CA
jeitas á fermentação animal , dao-fe taobem com os
eltomagos débeis principalmente fendo aromatifadal coxn
canella , e por iffo de ordinário prefcrevo eita dieta
aos meninos , que eltatí a meu cuidado.
Muitas vezes por variar alimento" ufo da farinha
de arros torrada ; cuja mucilagem he mais leve , que
a gelea do trigo, de que fe faz a papa. Efta rnalla
grolieira he conhecida pelo melmo nome de quafi to-
das as gentes da Europa , tanto poder tem o erro is
vezes, que fe excende ao longe a pezar das vanii ic-
clamaçoes de pelToa* humanas , e zelofas do benj pú-
blico. CoftumaÕ alguns educadores mais entendidos tor-
rar a farinha de trigo, bufcando aÚim attenuar a vif-
cofidade do feu grude ; mas fempre fallece aqueffa di-
vilãó myfteriofa , que refulta do movimento inteltino da
fermentaçatí entre as primeiras partículas ■ por tanto o
paõ levedado bem cozido, desfeito, e recozido no leite
lerá muito mais fácil de digerir, e mais làudavel do que
efta papa grolieira da farinha de trigo vifcofa . e na6
fermentada.
He taô ordinário coftume nos homens apartarem-fe
dos trilhos da natureza , que podemos alíegurar de tu-
do o que for util , que ha de fer rejeitado: afjirt í.i.
que o leite he negado ás crianças com o pretejítu cie
azias , e flatulências. Eu naõ duvido que de ice? tífóE
ninos haja 3, ou 4 , que fupportem mal efte alimen-
to , por lerem debeis em extremo , e taõ fenliveis de
nervos , que o ácido da fermentaçao, por brando qu_*
feja , lhes efcandalize a túnica villofa, que forra o ef-<
tomago , e os inteftinos ; porém qualquer tintara de -
flores de macella, de íementes de herva doçe , de ruu-
cho , huma pequena porção de canella junta com o leite
remedeaõ promptamente taõ leves incommodos, gu-
inas vezes fuccede naõ bailarem eílas cautelas entaí'-V -
ufo de 2 , ou 3 grãos de gengivre com 6, ou 1® '«og
de Rhabarbaro , e outro tanto de Magnezia et hum
§-; > xa-
f dos Meninos. 67
xarope de cafca de laranja. Outras vezes advirto, que ef-
te gaz, produto da fermentaçaõ do leite, emenda a cor-
rupção , que refulta da humidade , e do calor, e he hum
corredlivo contra os vermes , que aliás fe geraS, e ani-
níiao com facilidade nos inteftinos das crianças, accen-
dem febres, induzem cólicas, convulsões , epilepfias,
diarrhêas , maralma , ética, e morte.
O alimento folido , a alorda , e a papa concor-
rem para o choco dos vermes , e para que mais nocivas
nquem , faõ adoçadas nimiamente , quando he coifa ia-
bida, que os alimentos doces contém huma grande quan-
tidade de matéria aflucarada , que aliás muito nutritiva ,
iolta comtudo hum gaz, ou ácido carbonico, que cm
eítomagos traços accumula flatulências ; e de femelhantes
alimentos forma-fe hum chilo groíTeiro, e mal dirigido,
que obítrue os vafos lácteos, miniítra fuccos improprios
para o ofHcio da digeítaÕ, e convertido em langue he
térreo , a fua animalilaçaõ difficil, e a nutrição que delle
rtfulta v.cofa : por efe modo le t'orma6 ™ rempera-
- ««maricas , e frouxas , ,« apo-
diccem no ocio ; iníipidas para íi, e inúteis ao Eftado.
O alimento liquido convém melhor , que o foli-
do ás crianças, mas deite mefmo he precifo ufar mo-
deradamente ; no principio talvez baile huma vez ao
dia , porque eítomagos fracos , e defacoítumados de ali-
mentos maisdifficeis de digerir, tarde commutaõ , prin-
jfa I ta;ndo
primeira idade o exercício
porque , quafi
f do tempo he impraticável na
dado ao fonno.
Entrados porém os meninos nos oito, ou nove
mezes de lua idade, rebentaó-lhes os primeiros dentes,
incií res
tranco J
° > e cntaÕ a natureza mof-
r "frumento proprio da maítigaçaõ nos ad-
ados , jaí entiaõ os
a fbentos folidos que precifaõ corta-
er convenientes. Ainda mais nos ad-

J ' "3, ^ue as "«nças Ja ,ema° mais fortificadas ,


podem taobem melhor com as digeltões; porque a faliva
4
I ii hum

Ku
V

68 Tratado da Educaça 6 Fvsrc*


hum dos fuccos tao poderofamente digeftivo, que da
falta delia fe feguem as más commutações tantas vezes
oblervadas pelos Médicos , a faliva , digo , começa a fer
mais copioía ; Jie verdade, que ella vem a fer hum re-
medio , para abrandar a dureza^ das gengives, mitigar
as dores, apagar a inflammaçaõ, e facilitar a erupçaó.
dos dentes ; mas taobem mifturada com o alimento fa-
cilita a fua diffolucaó , e defte modo na boca fe co-
meça o primeiro ollicio da digeftaõ.
Huma côdea de paó bem fermentado y e bem co-
zido he , além de alimento, hum excellente remedio, que
exercitando os novos dentes , comprime fuavemente as
gengives , e facilita a dentição. E defte modo fe ex-
cufaõ efies feitios de marfim , de prata , de cryl-
tal , qub fe penduraõ ao pefcoço das crianças para
lhes refrefear a boca, e para outros ufos, que nao tem
ralaó.
Affim fe conduzem eftas pequenas criaturas íinge-
la , mas faudavelmente. Bafta-lnes , como dicemos , nos
primeiros mezes o leite materno ; depois o leite de bur-
ras , e de vaccas, e alguma mucilagem leve ajudaó fuf-
fkientemente a fua vegetação; crefce a idade; vem os
dentes , e poucos manjares fatisfazem o feu dezejo -y
exculaõ guiiàdos , e molhos, temperos picantes, e acti-
vos, que corrompem os humores, e convidaò a gula.
Nao he precifo mais do que a fome^ para temperar os
comeres, e quando as golodices nao tem depravado o
appeúte, hwina cçclea de paõ he muito faborofa.

AK*

Se-\ .
dos Meninos. 69:

V ARTIGO XI.
Do modo , e do tempo propriò para defmammar
as ôrianças.
ANdando os tempos , a criança munida de novos
dentes , e afeita ao trabalho da maftigaçao, abun-
dando de faliva , e mais firme de fibras , porque a a-
goa de fua cryftallifaçaó eftá mais enxuta , pode iá ir
entrando melhor com os alimentos duros , ccm tanto
que fejaõ em pequena quantidade, e miniftrados a ho-
ras regulares. Completo o anno de fua idade já conta
quatro dentes;, já dorme menos; já fupporta ao collo
largos paffeios ; em fim tudo moftra , que o leite ma-
terno lhe vai fendo fuperfluo , e talvez improprio por
fer pouco aftivo, de mui tenue alimento,, e incapaz
de excitar aquella acçao precifa que entretem a elafti-
cidade das fibras , as quaes nao iiipportando eftimulos'
fortes, fempre precifaõ , para naó entorpecerem, fer
brandamente eítimuladas. Por outra rafaõ fe alcança que
no fim do anno fe podem hir defmammando as crianças
pois vemos , que o útero até alli palmado , e raramente
íufceptivel de concepção, por cfte tempo , livres as Mais
para novos cuidados , continua a molhar os finitos da
lua benefica fecundidade.
O modo de defmammar as^ crianças he para a gen-
te
. d.e hoje huma arte de muito trabalho. Ella cufta
vigílias, fadigas ás amas; choros, e. doenças aos mi-
feraveis meninos. E tudo vem dos máos hábitos, que
por defcuido lhes foi livre contrahirem.
Naó faltao Médicos , que fupponhaó de tanta con-
iequencia efte periodo , e tcmaõ. tanto a pafíagem do lei-
te a "'mentos folidos , que femanas logo depois do
Jiafcimento entendem em nutrir com elles as luas crian-
ças , para evitar a extranheza, que eftas experimentará#
no tempo em que ie defmammarem. Outros cxtendem tao
Ion-

i
Juis
70 Tratado da Educaçaõ Física
longe o período da criaçaõ , que naò fe contentaõ
que ellas mamtnem menos de três annos, julgando que
até então o eftomago naó tem forças para digeftóes
mais deficultofas, maior meu te paliando fe nefte intervallo
as grandes dores da fahida dos dentes , as erupções
cutaneas , aftas , e muitas vezes o ferampo , bexigas,
e outros males , que requerem dieta tenue , e que deven-
do fer attendidos com medicamentos proprios, mas pou-
co agradaveis , fó podem ler bem remediados medican-
do-fe° o leite das amas , o qual temperado com hu-
111a dieta conveniente, e remédios adequados fatisfaz
ambas as indicações de nutrir, e curar.
He certo, que algumas vezes fe me apprefentaó
crianças taó debeis , e doentes, que eftando já em tres ,
ou quatro annos de idade , e abandonadas de Médi-
cos , iou de voto que fe lhes chamem amas que de no-
vo as amammentem , e fem outro remedio em pou-
co tempo tenho tido o prazer de curar , e reduzir a
huma vigorofa vegetaçaõ crianças marafmadas , e de
cuja penofa vida fó na morte fe efperava focego. Mas
quando ellas fao tratadas fegundo as regras preferiptas,
fadias , e bem nutridas excufao huma criaçaõ taõ di-
latada , inútil para ellas, e de certo muito prejudicial
ás Mais , que fe desfalcai) para outras criações. 1 oda-
via he precifo , para emendar huma prática abonada por
boas autoridades , expôr as rasoes , que me levaõ con-
tra as duas opiniões correntes relativas a efte artigo;
e vem a fer, que huns daó muito cedo o alimento
folido, outros confervaõ fó a leite as crianças por lar-
go tempo.
Primeiro que tudo, eu nao polfo convir com o
voto d'aquelles, por fuppôr fer contra a ordem da na-
tureza dar alimento extranho , quando ella tem prepa-
rado no leite da Mai hum fuftento fobejo á nutrição
nos primeiros mezes. De mais le nós vemos, q"e ef-
te mefmo leite, o mais brando 3 o mais digeítivel, e
o

\
N-*
dos Meninos. 71
O mais natural dos alimentes, logo no principio tem
muito menos confidencia , e que ío depois a vaj ga->
nhando, entendendo affim a natureza fabia em naõ gra-
var o eilomago deftes tenros indivíduos; fe o leite das
amas, fendo de muito tempo, he mal feffrido pelos
meninos recem-nafcidos, e he precifo que elle feja agua-
do, e forofo como vemos ler o cleftro j então como
íòffrerá alimento extranho huma criança , que nem iup-
porta hum leite mais grollo , e coniifíente ? Mas ao
paço que pouco , e pouco fe vai vigorizando efta pe-
quena yíiatura, o leu eilomago fe enrija; os feus ÍUC-
„os fe tornaõ mais efficazes j e o exercício vai fortifi-
cando os feus nervos. Por efta mefma gradaçaõ fe po-
de com cautela ir difpondo , para que paíle do leite
humano a ular de outro alimento ; mas nunca nos pri-
meiros mezes ferá innocente a prática , em que vulgar-
mente eftaó as amas , que enfartao de alimentos grof-
-(é íítes pobres innocentes.

r ^°ra re'atlonga
demanadamente *vanien
a tecriaçaõ
á fegunda opinião
de três, tenho por
ou quatro an-
nos e por certo , que os dentes naõ forao dados ao
animal fem deftino : elles devem preparar, dividir, e
triturar as matérias de fua nutrição. Quando a nature-
za miniftra efte inftrumento , já tem tonificado de tal
nodo os orgaõs da digeftaõ, que elles podem com a-
tOS ma s
^ : ;o A ' folidos do que os leites , e do que os
" Aos. oito mezes fe a criança naõ he muito de-
ii lorire alimentos extranhes j e algumas , que por ni-
aua debilidade nao podem fe naõ com o leite materno,
<-*o em pafíaô muito além defta idade, fem que os pri-
meiros de tes
', !" appareçaõ , e para o dizer de huma vez,
aífim
' V alimento extranho 110 principio debilita,
( 'T'i • r dos meninos, igualmente o leite por
k ío he iníuficiente , quando c]les mais
i^gora uppomos de nenhum trabalho defmammar
-JiançaSj com tanto que fe pratique o que fica ad-
ver-
S
71 Traiam da Educaçao FrsrcA-
■vertido, por todo o tempo que decorre do nafcimen-
■to ate ao termo da cnaçajS. Badi, que dos tres mezes
por diante tomem alem do peito algum tanto de leite
de burras ; depois paíTao-fe ao de vacas: do quinto e
inez
P°r miílura-fe-lhes com o leite algu-
ma gomma leve para encraifer efte alimento; e quando
■lhes apontao os dentes , e começao a maítigar , foge-
ie-Ihes pouco , e pouco com o peito; affim fe diftra-
hem da mamma lem que o fíntaõ * e na idade de hum
anno, ou anno e meio, fe forao convenientemente cria-
dos , achao-fe naturalmente defmammados lera traba-
lhos , nem extranheza , ou doenças.

ARTIGO XIL

Da dieta própria para as crianças depois de de[~


inanimadas.

HUma vez defmamraadas trata-fe do feu alimento


proprio: nefte artigo os abufos eltao taó arreiga-
dos , que parecem quafi incuráveis. Se eu naõ vira com
admiraçaô quanto a FilofoHa tem reformado a opinião,
e o penlar commurn da Europa, avaliaria em nada to-
dos os Tratados de Educaçaó ; mas em Portugal aos
doentes apa^aõ a fede ardente das febres com bebidas
copiofas , já os febricitantes, e os bexigofos ufaó li-
vremente dos frudos. A laranja , que em outro tempo
foi geralmente eondemnada, hoje he huraa fruta faluti-
fera , e medecinal, que fe aconfelha até ás paridas , tal-
vez llm com a mefma rafa6 , com que em outro tempo
fe reprovava. Por tanto, na efperança de que naó fi-
cará inútil com o andar dos tempos o meu trabalho ,
naó me enfado de redizer, que a dieta da primeira, ida-
de deve fer tenue, frugal , e laudavel. Que as carnes»:
e os feus caldos bem pouco me parecem próprios ás
crianças, nem potTo cahir na rafaó porque Authores Ce-
ie-

k
\
r M-4
D o s M E N I N O S. 75
lebres os aconfelhao. Tanto pôde o collume de matar
animaes, e ban.iar em Tangue as mãos, e o peito , que
ie teve por licito , e conveniente o que fora barbari-
ade , ou penúria. Eu eftou bem feguro, que o efto-
mago das cnanças abundando de humidade, e calor lie
hum lugar difpofto a fomentar podridão ; por tanto as
carnes, que já de íi tendem a elca ultima fermentaçao,
entrando alli promptamente fe corrompem , e faõ hum
alimento improprio nefta idade.
Além dos males fyficos , que refultaõ do ufo das
carne3 , naõ he estranho que ellas induzao em noffa
conftituiçao crueza, e ferocidade; naó fòmcnte porque
acoftumados a fer duros efpeftadores do cruel decrolladoi-
ro de entes fenfiveis, com mais hum pairo facilmente nos
habituaremos a olhar com a mefma infenfibilidade os
males da nolTa elpecie j mas taóbem porque entrando
ellas na compofiçaõ de todos os noflbs humores, po-
dem mudar eilencialmente o nolTò temperamento , exal-
05 máo J,u,nor dos animac
íoze* ^mhora
rozes. Embora íi""
palie por° efpeculaçao filofofica , ous tal-
fe-
z poi hum delírio de eícola , a dieta Pythagorica , que
em tanto eu acho muita rafaó aos Egypcios excluindo da
Magiftratura criminal os homens occupados nos mata-
doiros. Mas em fim deleitem-fe os Filofofos neítas
eipeculaçoes humanas , e agradaveis, que naó pertence
aqui analyfar fentimentos moraes.
J-odavia fempre peço muito áquelles aue rr<*m
pouco em theoria. filoUcas , fupplndo fé Tom im-
pério abloluto fobre toda a natureza , que olhem para

£ô o7al ° CamPr° 5 r0buft°S.' e fadlos > P°is elles


úo thZL me"°r fe, aProreira6 do direit0 ^nguina-
tal 'Eu poíTo ^ r° ° fnften to do reino vege-
3r memnos muico luzidos em
íauae,
faude ec nucuçao
nutrfS qUe nunca paflarao
jr de leite c ar-
?ua

K mef-
74 Tratado da Educaçaó Fí|íct
mefuio tempo, que vejo outros cevados com as carnes ,
e iguarias de exquiílto fabor , que enfraquecidos pelo
pefo do alimento animal morrem de d ia mira podre ,
de Ijrenteria , e de atrofia , mal foffrendo a fobrecarga de
taó luperfluo nutrimento. Por tanto eu tenho para mim,
e obfervo em minha prática confervar os meninos em
dieta vegetal , em quanto a debilidade de feus folidos,
ou alguma doença naõ moftra fer precifo paflalos ao
ufo das carnes.
O chá , caffé , agoas quentes , e aflucaradas , e
todas elías bebidas , que ufadas fem moderaç.aõ deftroem
a energia dos noflbs folidos , ainda quando já eftaó
fortificados pela idade , necella ria mente devem produ-
zir grande eftrago fobre as crianças , relaxando-lhes
os nervos, e augmentando mais a froxidaõ das fi-
bras de feus eftomagos debeis , e amollecidos pela hu-
midade , e que alias precifaõ de corroborantes para ga-
nharem vigor , e refiítirem ao continuo trabalho da di-
geftaõ.
Igualmente reprovo o ufo de vinho ; liquores efpi-
rituofos; e bebidas fermentadas, quaefquer que feiaõ j
a pezar de alguns Authores as terem aconfelhado com
o fim de corroborar as crianças debeis , e raquítica?.
Nos paizes feptentrionaes , onde hum frio intenfo con-
trahe os vafos. cutâneos , embaraça a tranfpiraçaõ , e
até fulfoca inteiramente a acçaõ da vida , neftas regioea
talvez fe polfa permittir femelhante liberdade ; ainda
aífitn as fricções brandas íobre a pelle luppririaõ bem
taõ arrifcado expediente. Entre nós o vinho he fem-
pre nocivo ás crianças, e pelo ordinário induz diar-
rhêas , tenelmo , caimbras , convulsões, epilepfia, e to-
da a efpecic de erupções cutaneas.
/ too-s Meninos. 7?

ARTIGO XIII.

Do defcanço , e movimento das crianças.

NOs primeiros momentos depois do nafc^ent°


dos os animaes lidaõ £0UCOjfCO™Cr"' 0 Dei0 de-
li por certo , que fendo tao precito vftema ner-
curfo da vida para refazer o
vofo , que fe debilita nas funeçoes aturadas^ ec
mia animal , nunca elle lie mais neceilar o do que na
primeira infanda, quando ainda extranhos, e traços
fentimos qualquer pequena acçao como hum grande ei-
forço que logo nos fatiga. Por tanto cumpre ^deixar as
*ria%as á fua diferiçao ; para quedun^o juan.o
preciíaâ, e entaS veremos 1que ^

d«e3 a estencaS do fon-


no das crianças , ao menos pôde regular-ie-lliesa oc
callaó , em que melhor convém adormecelas. Aíhm to-
do o noffo cuidado efteja em eftabelecer o íonno no-
cturno , para defde logo as acoftumar ao verdadeiro
emprego do tempo, dormindo quando a natu eza dor-
«ne , e velando para o trabalho ao rompei do dia.
Por mais que os homens queirao .mverter,*f
dem natural das coifas , velando de noite pc r
çar de dia, fempre lhes ferá nociva, e estranha íeme-
lhante defordem. O exercício tao precifo ao mecanii-
mo das funcçSes animaes , mal fe executa pelas trevas,
e a fria humidade da noite afroxa a fibra; enrouquece,
e conftipa. A luz, cuja influencia fobre os corpos he
tao poderofa , como le ve nos vegetaes, que viven ,
em lugares fombrios faó pallidos , a luz, que
a nofla pelle, e que talvez dá de fi para a noíla com-
poficao fyfica, cftá entaõ longe de nós. Por outra pa -
tê o dia lie taõbem muito incommodo para o loce° »
K ii Por"

e
76 Tratado da Edu-caçaíJ Fysica'|
porque o fufurro dos animaes inquieta, J perturba a
ionno; o calor da atmosfera augmenta o (boi, que já

lê' ^camPael«r& ^ W Çf
de
k°Lrror^ ^iu^°
mo outro "°a t" ^ ""
Douthor Smith entendo pelo prin,"™',
taçao , que nao fe faz a culta das noffas forças ; e ne*
lo fegundo, aquelle esforço , em quefe exercitao os nof-
fos mufculos , e nefte /entido he que eu digo mov -

eido df palíej0 de; ede


' demar &c- Ao contrario exeí-
de cai reira
rí ° '
O movimento convém as ; crianças
> de dança, de baile
nos primeiros &c.
mezes
em quanto mammao : huma vez defmammadas já co-
meqaõ a arraftar-fe, e d'ahi a pouco deixando-as a li
principiaô a tentar fe podem firmar os primeiros paf*
los. He de advertir, que eu tenho por defneceíTano
ainda mefm
? n0Clví> » o ufo das andadeiras, e de
qualquer outra myençaó. dirigida a fazer andar as crian!
«s, pois que lo a natureza fabe quando ellas eftao
aíias vigoroias , e quando podem defembaraçar os feus
paiios. As andadeiras além de opprimirem o pei-
lo dos ^meninos , íuftentando-os fobre as pernas fafí
occaíiaõ de torturas , como todos os dias vemos fucce-
der aque les , que fe poem a andar antes , que o olTo
da cannela tenha a precifa conliftencia , o qual fe fe tor-

mVd
ma 7 Cn? \g° e0Sas
disformidade, ; «wfciiíos, e aífim
vezes aleijão.,, fe fórma
Nunca hu-
vi (diz
„ hum educador Filofofo) que os homens na6 foubef.
„ lem andar por falta de enfino. E por-certo deixem i 1
» ° merm™' ^ ellf im»ará , e apprenderá : as ftjfo
„ ejas ferao a regra dos feus primeiros enfaios, e os feus
» Paírei0« medidos pelo feu vigor. Elie andará auan*
do poder andar, nem para iífo precifa de meftre
Tachem nap he. indiíFerente o lugar onde. fe pí^

\
oos Meninos. 77
ticao:«*os pafTeios na infância. Neõ he pois o mcfrr.o
fcaíTeai-fen_Jium lugar fechado, enjoar he impuro, e
Jcm elaftrcidade , cjuer íeja huma iala perfumada por
aromas, ou hum albergue inficionado de miajir.as cor-
rompidos , e de exhalações húmidas, naõ he o mel mo
digo, do que paíTear em hum prado eipaçofo , onde
a atmosfera fe renova peios ventos , e onde os vapo-
-rs'da terra, e os effiuvios das flores embalfamaõ de
vida , por aílim dizer, tile elemento vivificante. As fa-
mílias deita Corte , que ficaõ longe do campo , naõ
peidem ter lugar mais proprio para os exercidos da
míancm do que o Paíleio público. As horas da ma-
nhaa fao as melhores.
Seria para mim hum prazer infinito , fe chcgafle
a ver as Mais conduzindo feus filhos a efte ameno lu-
gar , onde deixados em liberdade os innocentes meni-
nos correilem com os feus companheiros , apprendendo
h ,am^re™"fe i e a e (tender a toda a humanida-
mna6s
Sáí , nno n ,e mais
q an A o o ai eítá
de
Pentes-
frefeo , A hora adalida
quando ma-
concurlo da gente naõ tem ainda levantado pó, e
movido os entulhos, e lameiros, que apodrecendo em
todas as ruas , inficionaõ a atmosfera , e quando em
m a evaporaçao do ar vital, que por intervenção da

rpm en mana , dos vegetaes, he mais copiofa , eíta lie cer-


ri. ',^ a ..ora mais própria para o exercício das crian-
íc re
^ . g°fijariaõ muito decorrer, e faltar, re-
eeo.ndo a hum tempo multiplicados benefícios, já da
atm sfera
no. ' ° > já da agitaçaõ de feus cór-
Prat,cas m avc s
'' Êft . ? '8 ' de feus colíegas.
df* eme fxerc*c*° he muito neceífario na primeira ida-
faõ' agitar-fe^VenÍ"'03 f"" fraC0 s
. ? £ PreC1"
reCCr co m exercic,
Que a humid-ide r , ' ", „ °. ° > e cm
pi s ' " fobeja, e he miíter diífipala pela tranf-
c m
tidade rldo movimento
? ° o necelfaria
fangue naõ corre
para com osa obíta—
vencer quan-
cu-
\
yS Tratado da Educaçao Física
culos , que encontra na fua paíTagem até á fuperficie, nao
pôde defonerar-fe deite humor íuperfluo , fe os mulcu- •
los nao ajudarem o leu curfo entrando em acçaô. E
como filtrara o fígado a cólera , fe os mufculos abdo-
minaes nao o comprimirem para ajudar hum circulo de
fi froxo, e vagarofo. ? Como le corroboraráõ os mem-
bros j fe elles l'e nao moverem ? As digeftóes feráó tar-
dias , e imperfeitas ; o quylo nao poderá paliar fe as
pequenas forças do menino nao forem ajudadas por hum
longo, e vivo exercício. Eis-aqui porque as crianças
por impulfo mefino da fua natureza, quando nao dor-
mem , eltáo fempre em continua agitaçaó, e nunca pa-
rao. E le accafo fe defcuidao, e fe aquietaó lie preci-
fo provocalas ao movimento. Neila idade fe decide da
forte do homem ; trata-fe de fazer hum individuo mol-
le, enfermo, triíle, e pezado , ou hum a m mal vigo-
ro fo, fadio, alegre, e util ? Pois a educaçao he que o
determina.
Variem-fe os alimentos para eftimular-lhe o ap~
petite ; fobrecarregue-fe o pequeno eltomago da crian-
ça ; deite-fe ; ligue-fe ; feichem-fe-lhe portas, ejanel-
las j e ella entorpecerá no ocio : ao contrario coberto
com pouca roupa , ufe de alimentos tenues , e pouco
variados ; faia , e pafleie ao ar livre; loffra o vento ,
e frio ; queime-fe ao foi , á chuva , e corra animado
por algum premio a vingar o cume de hum oiteiro
á proporção de fuas forças, e da fua idade; e em bre-
ve tempo experimentará o beneficio da rudeza do feu
trato : fadia, e aítiva cedo pagará os trabalhos da fua
limples , e fácil educaçaò.
A efte artigo pertencem os exercícios gymnafti-
cos da infanda. Qjern duvida de que a luta, a bar-
ra , o jogo da bola, e as corridas tendelíem a enrijar
os homens ? Como explicaremos nós as defproporcio-
nadas forças dos nolfos maiores , que veftidos de fer-
ro brandiaô lanças, e jogavao armas, com que hoje
ape-
V O S M E N I N o S. 7?
«penas fe pode mover o homem irais alentado ? O exer-
Jfcic^éeide a primeira idade pouco, e pouco lhes en-
durecia os mufculcs, e fortalecia de tal maneira as
TO^ts-, que adquiriaÕ depois huma robuftez de que ho-
je nem íe pôde fazer idéa. Eallexerd laz medir os
armamentos antigues cem as forças cos mòdeincs, e
diz, que da vida aft-iva , e exerciiada vinha teda a dii-
ferença, que vai de nós a noiles pais.
Aqui taobem pertencem a dança, e obaile. lal-
vez que feja ridiculo ver hum homem fizuc.0 lanir a
dançar , e occupar-íe da oftentaçaó frivola de certos
paílos afFcdlados , e t regei tos pueris ; porém nao conto
por perdido o tempo , em que os meninos temaõ li-
ções de dança ; pois efte he o modo de os lujeirar a
hum exercício regular, que lhes fortifica os mufeu-
los , que lhes defembaraça os paços, e que lhes adeí-
tra a marcha. Maiormente approvo o exercido forte
das contradanças : clle convém a todas as idades j e
he hum movimento muito vivo , que excita alegria , e
diftracçao. Nao houve ainda na fociedade hum enter-
tenimento irais util , nem hum remedio mais prompto
para emendar a vida ociofa , e fedentaria das nolTas
damas, principalmente no inverno , quando a intempe-
rança do tempo impede os pafleios ao ar livre.
O inverno, a efíaçaõ mais incommoda para o paf-
feio , he com tudo aquella , em que he precifo maior
movimento para acelerar a circulaçao , e confervar hu-
ma tranfpiraçaõ abundante , fendo entaÕ a atmosfera
taõ húmida j que mal pôde abforver o humor , que vem
á fuperficie dos corpos. Por tanto cumpre que em lu-
gar de nos defgoílarmos , de que as crianças nao paf-
fem o tempo fentadas ao lado das Mais , antes deve-
iHOS j fe for precifo , defafiar nós mefmos a fua natural
actividade , e viveza , enfinando-lhes a jogar a pella ;
depois a bola , c o bilhar; brincos que er,rijão as fi-
bras ; difpoem os meninos para o trabalho ; e corro-
bo--
8o Tratado da EdjcaçaS Física
boraá de tal maneira as forças , que as fuas funcçáes
feexecutao fem interrupção , a pezar das alternativas da
Macao e da atmosfera, quc ahà, influ£
tempera mento 3 fracos das peílbas valetudinarias, entor-
pecidas no o;io , e na inacçaõ.
C ls raz5 s
Pais da mi^-í H ^ H 'j -' para convencer os
fmnnrM
imporia, que as crianças fe exercitemadtiva
humi educaçao , e de
em largos quanto,
paíTeios
cm jogos , corridas , e todo o género de acçaó meca-
inca , entrem nos Armazéns do Arfenal do Exercito • ve~
jaó com que armas os noífos Portuguezes debelláraò os
A trica nos ; e coníiderem fe homens de taô agiganta-
das 1 orças podiao conhecer efte Proteo de enfermida-
des nervo ias , que hoje afflige j da eípecie humana:
pois advirtao , que elles naõ bebiaõ chás , nem cafFés ;
pouco fe enroupavaò , e as Míis feguiao nas marchas
léus maridos, levando nos braçjs as tenras crianças naf-
cidas no campo , e que apenas co neçavao a arraftar-fe
naó tinha o outro focega fenao em quanto dormiaó: e
como o .officio de todo o homem era o das armas
com tempo fe^entrava nas efcolas; e os exercícios gym-
"a(tICOS forviao de entretenimento á mocidade Lulitana.
Aílim le formarao os Albuquerques, os Almeidas , e os
Çaltros ■, aíliin os AíFonfos todos , pois entaó as tendas
de guerra eraò as falas dos Reis.

ARTIGO XIV.

Do modo dc vejlir os meninos.

POuco me ficaria , que accrefcentar ao artigo da ar»


te de penfar as crianças , fe o erro , e a vaidade
naõ ínyentaíiem novos motivos para cubrir os feus falfos
procedimentos. „ Neíta idade , dizem os Pais , em que
„ as crianças fe defembaraçaó a andar, he quando taô-
„ bem íoínem mais as alterações do frio, e do calor,
„ da
/
b G s M E N I N O s.
■, da feccura , e da humidade fegundo ellas vivem mais
, expoftas ao tempo. Entaâ fe nós vemos os mef-
jj rnos adultos endurecidos , e affeitos pela idade a tao
„ diíFerentes modificações enfermarem atacados de ca-
„ tarrhos violentos , toifes ferinas , pleurizes , rheumatif-
,, mos , e toda a geraçaô de febres agudas , e doen-
,, ças inflammatorias , que nao havemos de efperar para
„ as nolTas crianças debeis , delicadas , e taõ mimofas
quando der fobre ellas o rigor do inverno , fe nao
'À elMveremrcí^
em
çoftareparadas contra
he fuccinta as fuas
=3 Telas inclemências
bem ?„
acauteladas^
por illo melmo que as crianças nunca foraõ enroupa-
das , que íorreraó mal cobertas, logo que fahirao ao
mundo , o frio, e a humidade, o calor, e a fecura ,
por illo que entrárao no banho frio, endurecêraõ as
fuas fibras , e reforçáraó os feus orgaós , nao fentein
como as peíToas de hoje molles , e affeminadas tantos
eitragos , logo qUe tem o mais pequeno defeuido em fuas
C as As c an as ue
oT>rL
t ç^ como *acima diíTemos
í! Ç q faô educadas
, alimentadas comdefde
rao-
eraçao, agitadas com todo o exercido de que ellas fao
capazes, e em campo livre, naõ tem nenhuma femelhan-
ça com elles filhos do luxo , cevados na gula , abafados
em lumptuofas veftiduras, fuffocados em camarins ef-
ciupulofamente calefetados , e em fim apodrecidos no
a Cfer* t -na rPr/?Sui?a- Quaes faô as pefioas , que vem
m fenfiyeu
5aa .. AqueUas
a ao ar?
que mais delleAexperiencia
íe reparaõ , eque
que refpon-
menos
*1 o* Y verdadeiro mei° de evitar as inclemências do
ie a
tl- g'tar-fe, e andar fempre expoílo ás alterna-
tivas cia atmosfera.

W,- ma^^f6/0 qUC 03 meninos fe naô cu


*
e a eves as uas
pas '-Ip
dc algodao , ^ e°linho
* fao ^baftantes
coberturas.
para osAs rou-
defen-
d tem
°
^ eftidos nao he taobeo, coiã ° m°doP. deHum
P°'indiffercnte talhar feus
n_
h
L de
t?2 Tratado da EducaçaÍ Frsica'
de dezejo de fazer paííar crianças por homens lié U
paixaó das Alais , e eíte abulo, que na educaçaõ mo- «
ral lie taó reprehendido , tem naõ lei que de ridicu-
lo até 110 trajar externo. Além de que íeguem-fe gra-
ves dannos ás crianças por fe veftirem de calções , vef-
tias , cazacas , ^apatos , fivelas , e outros atavios , que
o homem inventou para fua tortura , e acanhamento
da fua efpecie. Se naõ tragao-fe á memoria as refle-
xões, que íe fizêraõ contra o conílrangimento , e aper-
to das faxas , c volvedoiros ufados na primeira idade ,
e logo nos convenceremos de quanto nocivas faõ ás
crianças femelhantes veftiduras , que pertuibaõ o gae-
canifmo. da circulaçaõ, impedem as evacuações necef-
farias , e defarranjaõ todo o minifterio da economia ai;i-
mal. Attendamos como a natureza , para poder
duzir o fangue das extremidades, teve precilao de i
vulas , em que defcance o pezo do liquido animal, pa-
ra aflim pouco e pouco o ir trasladando çom o au-
xilio deites apoios por todo o canal venofo. Como po-
derá effeituarfe efta circulaçaõ , fe ligarmos a nofla per-
na com ligas , e calções como tilamos fazer ? As incha-
ções que vifívelmente apparecem nos pés , quando as
pernas çílaõ apertadas , provao que os. humores fe em-
poçaó , e naõ podem íubir por liurn canal , que eítá
embaraçado com ligaduras. Igual incommodo fentem os
braços opprimidos pelas mangas dos veílidos. As vêas,
que defpejao o fangue da cabeça apertadas com atadu-
ras de diverfa efpecie , taes como curvatas ; pefcoci-
nhos , &c. naõ podem fatisfazer ao feu minifterio , e o rof-
to entumecido he final da eftagnaçaô do fangue,
que fe vai empoçando pelos feios , e cavidades do ce-
lebro, e aflim fe obferva fucceder ás peífoas que aper-
taõ nimiamente as fuas gargantas.
As tificas , a alma , o hydrothoras , e todos
os defarranjos da cavidade do peito faõ taõ cazei-
ros com as mulheres, que fe dao tratos com os efparti-
lhos f,
í) O S M E H 1 N O á'
flios , que hoje naõ lie mífter apontar efte abufo como
huma das caufas mais geraes deitas incuráveis enfer-
midades. He taõ geral a introducçaõ deftes adornos ,
quanto fao communs em todos os livros de educaçaõ
as declamações contra o feu ufo. Eu me contentaria de
tresladar para aqui as reflexões de Begue de Prcslc fo-
bre os efpartilhos ; mas callando por brevidade todos
os defeitos , que elle diz obfervar fobre as coftellas ,
efpinhaço , e ventre das peíloas , que andao eípartilha-
das por coftume , fó referirei as íeguintes palavras , com
«}ue remata o feu difcurfo , e vem a ler =3 Quanto mais
reflito ( diz elle ) fobre a compreflaõ, defarranjo, tor-
tura , mortificaçaÕ , e fobre o fem-numero de enfer-
midades chronicas , que atacaõ commummente as mu-
lheres , e as meninas de certa ordem ; vendo que ci-
las daõ mui raras vezes no poro, e nos rufticos, mais
me convenço, que a origem dc tantos males vem do a-
perto dos efpartilhos. Por exemplo, o hyfterifmo tem por
caufa a compreflaõ do fígado; a compreflaõ do efloma-
go e do duodeno induz naufeas , vomitos, más di-
geltoes : das glandulas linfaticas ferem opprimidas fegue-
fe a amarellidao, ou clilorolis. As obftrucções, tumores
durezas , fcirros , provém da compreflaõ das glandulas
mefentericas , do pancreas , do epipelon, do fígado, ová-
rios , e de outras partes internas do abdómen. E efles
íaõ os bons effeitos, que refultaõ dos efpartilhos.

ARTIGO XV.

T>o influxo das Paixões na Economia animal dos


meninos.

SE nós eícreveflemos da educaçaõ moral, tendo que


conhderar o influxo das paixões fobre o coração hu-
mano , mal poderíamos reduzir a hum artigo a maté-
ria de hum livro inteiro. Porém ailim mefmo de tal
L ii ma-
I
$4 Tratado da Educação FrsrcX
maneira ferve a extniílura fyfica do homem ao feu fwtfW
ral, que por força influem mui poderofamente nà-eco-
nomia animal eftes fentimentos vivos-, que nos forao da-
dos como defpertadores , que excitao o homem a vigiar
á roda dc hj e eltar iempre á lerta fobre os males , -
que o ameaçao, e iobre os bens, que o lifongeaõ. Por
certo que elias íaõ hum bem, qlle por ventura eftá na
organizaçaõ humana ; mas he preciío moderalas.
E como poderiao as paixões do homem deixar
de influir Jobre o feu fyfico , fe ellas , bem como to-
das as acções moraes, faô conduzidas pejas diverfas me-
ias , e orgaós diferentes da noíTa máquina ? Eis-aqni
pois como o feu influxo naò pode fer ommittido nos Tra*
tados de Educaçaó Fyfica.
As paixões faõ humas fenfações vivas , que deter*
minao. o homem para hum objetíto taõ forçofamente
que alli o abforvem , c embotaõ a fua fenfibilidade pa~
ra toda outra impreífaõ. Os nervos fao o orgaõ de to-
das as noíFas fenfações ; como quer que elies obrem ,
cançaõ-fe } e o homem depois de vivas fenfações profc
íra-fe , e precifa bufear no fonno Jmm repoifo, em que
recupere a energia de feu fyítema nervofo : aliás aba-
te-fe de forças , emagrece; perde a côr; o pulfo faz-
fe pequeno , e frequente; o appetite falta ; as digeílões
perturba Õ-^fe ; as funeções todas da natureza fe defarran-
jaõ ; e fe em pouco tempo a ética , e o marafma naô
lhe poem termo á vida, ao menos a affecçaõ hypocon-
driaca vai confuinindo osi feus dias..
Taõbem he verdade, que quanto mais débil he a
fyítema nervofo , tanto mais de preifa fe refente de qual-
quer fenfaçaõ viva , e aturada-: a nimia fenfibilidade
he huma doença procedida da grande mobilidade e
debilidade dos- nervos. Se- refletfcirmos hum pouco fb*
bre o que fuçcede no mundo, facilmente teremos a pro-a
va delta propofiçaõ. As mulheres faõ pelo ordinário
toçadqs mais. vivamente do que o,s homens, .ainda das
iin.1
dos Meninos. 85-
jfeprcftóes mais leves ; mas os feus nervos fao tacbem
Hffiais delicados , e mais debeis : as hyflericas , os ho-
mens fracos , e afleminados moleflad-lè com imprefsces
ás vezes bem deiprcfiveis ; á mais appareme idéa dos
objectos alegrao-le; efperao : remem. O mefmo indi-
viduo, que em outra hora robuflo, e fad rinha fobeja
conftancia para fupportar imprefsoes defagradaveis, ago-
ira doente he inloffrido , huma noticia trifte o delpedaj-
|*> ás vezes o cheiro fragante de huma flor o inquie-
C, e o derruba.
Agora pois accommodando eítas verdades prática?
nqíTo objeiito , quem duvida, que as crianças Tejao
efles indivíduos fracos , cujo fyftema nervofo ainda ten-
ro , nao tem vigor para ícflrer imprefsoes fortes ? Quem
duvida que fem reflexão fobre íi , - e fobre as coifas, que
os cercão , impetuolamente vao arrebatados para os ob-
jectos de fuas imprefsoes , e que as fuas íenfaçoes fao
tao vivas , como volúveis ? Eu confeflo , que certas
f da
1 .0, ^ nao le?°compadecem
P™™ com asidade , pois
poucas idéasfilhas
de- da re-
íum menino ; porem a cólera, e o temor fao o verdu-
go dos primeiros annos.
Animado o menino defde o berço, acoftumado a
▼cr tudo lervir aos feus appetites , nao foffre fem in~
djgnaçaõ demora na latisfaçao de feus dezejos, porém-
3
jec"° ^ '.maêin^Ô volúvel em hum momento appe-
•e ' e reJeita mil vezes , fer-nos-hia impoflivel cum-
P r a tempo com todas as fuas vontades : cm tanto
chorão, econfomem-fe; fendo ás vezes tal a bra-
lenf r an'mo » l116 em convulsões, em epi-
e í nco e
nJio Vift y P - ^a° he lluma vez fó, que cu te-
táraiS de°^Xas' e íem fo,cg° crianças que fe arreba-
JlnrnCic • n era ' e "e P'".ecil° tornalas a íi por meio de
c ua
, ' '1 l "do a criança tem já contrahido máos'
hábitos , he neceflario ás vezes eflimulalas com o caí--
E° par* as tomar a íi, pe],0 que jie muito importan-
te-
4

86 Tratado da Educação F y s i c a'


te na6 deixar nunca perceber aos meninos grande at-
tençaó a _ feus clamores, nem a feus dezejos : huma vez #<
que as luas neceífidades fy ficas fejaò fatisfeitas , nem
o feu choro, nem os feus rogos, quando naó vem de
moleítia^ devem ler attendidoi; então defenganadas de
que nao aproveitao nada , antes fe mortificaõ em vaÕ j
nem podem contrahir mios hábitos noyos, nem confer-
var os que já haviaó adquirido.
Deíenganem-fe as Mais nimiamente attentas a va-
riar os prazeres de feus filhos, que nao he efte o mo-
do de os fatisfazer, antes aífim lhes multiplicao necef-
íidades , e communicaó-ihes o fegredo de nunca ferem
contentes. E fe nao oblervem , como os meninos cria-
dos fem eires mimos paílaõ alegres , fera alteraçaó , fem
dezejos , fem cólera dias inteiros , e comparem-nos a feus
filhos , que , a pezar de todo o eftudo , chorão horas fuc-
ceílivas ; tudo os inquieta , e os afflige ; e concluaõ quaes
faó mais felizes ? Quaes feraÓ mais fadios ? Por certo
que nao he poflí^el eftar huma criança duas horas a
chorar, fem que le defordene toda a economia das fuas
ftujcçoes. Os profundos fufpiros em que terminaõ os feus
choros, faó huma prova decifiva da violência , que fof-
frcra o bofe por falta de ar ; e a infpiraçaó aturada,
que fempre os acompanha provém da neceíftdade , que
tem o mefmo bofe de communicaçaõ livre com a at-
mosfera j pois durante a affliçaó eítivera em huma com-
preflao , e em hum abafo violento. O fonno he a con-
fluência do abatimento do fyftema nervofo , e do en-
calhe defangue, que por effeito do choro fe accumulá-
ra na cabeça , nao podendo defcer para o coraçaÓ pe-
la pouca aírividade de luas contracções ; pois lhe falta
o principio vivificante , cuja entrada nos bofes efteve
embaraçada. Eis-aqui como o choro he muito preju-
dicial ás crianças ainda tenras, e a quem qualquer pe-
quena alteração he muito fenfivel.
Naó me entende bem quem concluir das minhas
Pa-
dos Meninos. 87
palavras , que eu approvo a crueldade de certas
Mais grofleiras , e delaf iedadas que raaltrataÒ íeus fi-
lhos. Nao he o mefmo diífimular ccm as~crianças , e
*iaõ attender a feus caprichofos appetites , que tíludar os
modos de as apoucar, confumindc-as com lições iniper-
|inentes, e intempeílivas , e caftigandc-as afperamente
por acções ás vezes próprias de fua tenra idade.
Nao fao menos funeftos os effeitos do lufto, que
os da cólera , ainda que ás vezes nao fe manifeftem
taõ rapidamente. Poucas crianças tem a fortuna de vi-
vei- fempre com peíloas diíeretas e humanas , que lhes
callem eflas novellas horríveis, com que íe intimidaõ , e
ganhao ás vezes moleftias mortaes logo em fua origem.
Haja pois todo o cuidado em que uaó efeutem contos
de almas , de encantos , bruxarias, e outros nadas em
fi ; mas que influem fobre o refto da vida , e ás vezes
a pezar da razaõ affiigem o homem, e inquietao a lua
imaginaçaô. Naó he precifo refle&ir muito lobre a eco-
nomia de nolTas funcçòes, para vir no conhecimento
dos males, que occafionáraõ ás crianças femelhantes con-
tos , baíta conliderar o pavor com que ellas faõ oppri-
midas , quando obrigadas da curiofidade gaftaõ o tem-
po , em que deveriaó faltar , e mover-fe, a efeutar ef-
ies fonhos prodigiofos, que os entretém em hum temor
taõ forte, que depois a fua imaginação em toda a par-
os
^atormenta , reprefentando-lhes fan ta faias , que os
alultao , obftaõ á fuas acções, e movem taõ vivamente
es feus ânimos , que ás vezes fe precipiiaõ por evitar
visões, que idealmente fe lhes apprefentaõ.
Taõbem iào mais fenílveis , e mais promptos os
males que proc}uz huma fobrefalto repentino , que emba-
?a ' e Para Jubitamente a circulaçaõ das creanças , per-
ua bando taõ violentamente a economia animal , como
he racd de ver , fe refleflirmos fobre os feus effeitos. O
eftado uO temor he femelhante ao accelTo de huma fe-
zaõ., e muitas vezes he caufa delia , aífim como alguma
vez

i
83 Tratado da EducacjAo FrsicA
vez o /eu remedio. TaÕ viva he a alteraçaÕ que iniuZ
na nofla maquina ! No frio da fezao contrahe-íe a pelle •
o langue recua para os grandes vazos ; opprime o co^
rapo, e faz ancias: o bofe taôbem contralto nao ref-
pira ; e o doente affl.ge-fe ; tirita com frio , e tem o fyf-
tetna nervoio em hum violento efpafmo, ás vezes tao
forte, que cahe em fyncope e aífim he que as inter-
mittentes quaii fempre mataõ no rigor do frio. Aço-
ra comparem-fe eíles fymptomas com os efFeitos do fuf-
to; nada he mais parecido! O homem a fuíhdo esfria ■
treme ; refpira com dificuldade , o coracaÕ pára : fo-
me-fe o pullo; fegue-fe o deJiquio e ás Vezes a mor-
te . eis-aqui os bons officios que ordinariamente rece-
bem as crianças de feus educadores. As impreísóes na
primeira idade gravaò profundiíimos veftigios fobre a
nofla maquina j pois que ainda he pouco firme o teci-
do de noflòs vazos ; os nervos faõ muito debeis e
moveiso fangue naô tem aquella fibra , que eítimula o
coraçaõ a continuar no leu jogo ; qualquer imprefao
baila a defarranjar huma maquina tao delicada; daqui
vem que as convulsões , a epileplia , a eftupidez , e
a mania jnuitas vezes laõ conlequencias de fuftos gran-
des , nao entrando em conta aquelles defarranjos que
por menos apparatofos efcapao ás percepções vulgares,
mas que nem por ido deixaõ de lançar a feuiente dos
polypos , dos tubérculos , e pelo menos da hypocon-
dna , e ji'afFecçaÕ nervofa.
Naõ podo deixar efte artigo , fem lembrar que te-
nho por exculado , e bárbaro todo o caftigo nos pri-
meiros annos ; pois facilmente fe dobra huma vergontea
flexível e tenra , quando alias nada fe tira deftes pro-,
cedimentos duros , que affligem , e intimidaõ as crianças.
Igualmente me caufa affliçao, ver como o povo igno-
rante nagella os pobres innócentes, quando íubmergidos
i?o profundo íono da primeira idade , foltaõ fem íg
advertirem as fuas ourinas} e deíle modo ou os ator-
men-
D
° s Meninos. 89
nientao inutilmente , ou confeguem perturbar o fono
pezado , plácido, e falutifero da infanda , ou em fim
obrigando-os a reter as aguas occazionaõ-lhes retenções
de ourinas, e outras moleftias dos orgaós ourinarios.
TaÕbem me defagrada , e tenho por inútil, e mef-
mo por muito nocivo a huma criança , confumila com
eítudos nada proprios de feus annos , e que além de lhes
embaraçarem o exercício , e a agitaçaõ continuada , e
neceifaria para a corroboraçaõ de feus folidos , affroxaõ
a energia da fua imaginaçaõ; cançaõ os feus nervos ;
perturbaõ as luas digeftões, e mirraõ a fua recente ve-
getaçao. E qual he o adiantamento que fe ganha deftas
applicaçoes intempeíhvas ? Decorar as opiniões dos ou-
tros; fallar muito, e naõ faber nada.
Baila o que eftá dito para fe ver de quanta confe-
quencia faõ as paixões na primeira idade , e como a
fua moderaçaõ influe para formar crianças robuftas, e
sas. He verdade que hum ente fem paixões he hum
autómato eíhipido, e defprezivel : Efte fogo he necef-
fano ao homem para a fua mefma confervaçaõ ; apagar-
.0 he. embrutecelo; mas he precifo prefcrever-Jhe
raias; eis-aqui em que eftriba toda a filolòíia , e todo
o artificio da educaçaõ moral. Bailaria efte artigo para
moíh-ar claramente por onde prende a cadêa dos conhe-
cimentos fyficos com os moraes da natureza do homem,
m
?o-nn°i ° a k°
igualmente
a
conducla
pendente da defua
de confi economia
rações fyficas ,animal eftá
e moraes.
me aqui havemos conduzido o homem em quanto
ao leu rynco, fegundo as intenções da natureza , e affir-
mamos de certo, que naõ faõ conjeéturas os noíTos ra-
S
flniiplh° ;4 jS°ra Porém <lue já o luppomos ter vingado
F &
defenvolvendo' T fordficand"T® fl
para hir ^

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- ;G

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rJQoii i, is-r:-:

•~ ■' a Laií.J-. yiq siíí i-a


DISSERT AÇA Q

Sobre a Inocularão.

AInoculaçaÕ, ou arte de enxertar o veneno bexl-


goiò he hum termo taõ conhecido de todos,
que nem precifa explicar-fe , nem definir-íe.
Taõbetn he certo que eiia eftá taõ eílabelecida entre
os Médicos de maior nome , que hoje cuida-fe mais
em amoítrar o verdadeiro tratamento, que requer a ino-
culaçaó, do que em amontoar razoes , que provem a
íua utilidade, e que eítendaó mais ao longe a fua prá-
tica.
Todavia naó fazem ainda entre nos grande fortu-
na os Protectores da inoculaçaô , havendo-lhes fempre
acontecido algum deiaftre , que lhes atalha os paílos.
Quando ie trata de introduzir novas práticas , he mií-
ter attender muito a confervar inteira a cadéa de fuc-
celíos felizes , pois chegando a romper-fe em vaõ foi
começar.
Taõbem eílou perfuadido , que entre nós naó fe-
ja de grande utilidade eíta prática, aliás tao neceilária
em outros paízes, onde as bexigas faõ muito mais pe-
rigofas, e mortíferas ; mas por completar os meus ele-
mentos de educaçaõ fyfica me pareceo conveniente ajun-
tar a feguinte dilíertaçaõ, que dividimos em cinco ar-
tigos. No primeiro expoem-íe huma hiftoria curta da
inoculação ; no fegundo amoftraó-fe as razoes que a eí-
tabeleccm: no terceiro referem-fe os argumentos que a
debatem ; no quarto declaramos a noffa opinião ; no
quinto fazem-fe algumas reflexões fobre a preparaçaó,
idade, e tempo próprio para a inoculaçaô.

M ii AR-
Disser t a ça á I

ARTIGO I.

Da Hijioria da Inoculaçao.
\
A Origem da Inocula ça 6 o nome do primeiro Ino-
culador, feu paiz natal, e os accafos , ou as ra-
zoes que fuggeriraõ a primeira idéa dcfta prática eítaõ
em fegredo para nós : confta porém com alguma pro-
babilidade , que a^China , e a Cifcaília abraçáraõ pri-
meiras a inoculaçaõ ; diz-fe que datava de mais de cem
annos na China , quando alli houveraó noticia deila os
Europeus , tendo-a já prefenciado na Europa, mas co-
mo nao fabemos ao certo quanto tempo vagára na Cir-
eaíha antes de vir ao noiTo conhecimento, naõ fomos
fenhores de difpôr da gloria deite achado.
Se nos damos á conjecturar fobre os motivos, que
poderiaõ lembrar a inoculaçaÓ aos Circa/liancs, logo
nos vem á idéa , que traficando efte povo em mulheres
e ganhando fomente nas formofas , a todo o rifco dé
vida eftaria prompto a admittir qualquer artificio , que
tornafie mais vendavel hum genero do feu commercio.
As bexigas affeiaó de tal maneira as mulheres , quando
as accommcttem na idade adulta , e deixaÕ taõ leves e
taó raros veftigios quando rebentão na infanda, que'fe-
ria hum a fortuna para a CircafHa , fe efte mal folie pri-
vativo da primeira idade. Ora como o veneno das be-
xigas traz contagio, lie muito provável, que os Circaf-
iianos em vez de arredar as fuás crianças dos enfermos
bexigofos, antes as expozeífem de boamente a c-fta in-
fecção , e naô contentes de os ajuntar no mefmo lei-
to , até esfrega flem com o- humor das puftulas os córpos
dos meninos faõs : e eis-aqui já huma efpecie de ino-
culaçaò.
He igualmente certo, que as bexigas naõ íó. des-
figura o menos , mas que fao mais benignas na idade
ten-
SOBREAINOCULAÇAÕ. frç
tenra ; por tanto he muito para appetecer, a haver de fe
palíar por efte contagio, que feja nos primeiros annos;
e eis-aqui agora huma razaõ de utilidade , que podia
fuggerir a idéa da inoculaçao.
Já nos hiamos deixando levar da curioíidade de
efpecular coifas inúteis , e efeondidas, quando he pre-
ciío contentarmonos com os fa&os. Por tanto como
quer que palFafle da Circallia á Gonílantinopla a noti-
cia da inoculaçao, ella foi aqui abraçada dos Gregos,
e Arménios, e felo-hia dos 1 urcos, a terem elles me-
nos fuperftiçaõ.
Nao achamos certeza do tempo, que a inoculaçao
tardou em tranfmigrar de Gonílantinopla para Europa
aonde chegou em 1713 por carta de hum Medico d'a-
quelia Corte ao Doutor Timoni ; mas delfa noticia
naõ refultou fucceílo. Era miíler algum enthufiafmo
para fe abraçar huma prárica , que nem por iiTò tra-
zia o melhor fobreferito. Huma Senhora de refpeito pó-^
de muito com outras , e aílim fuccedeo, pois que Wor-
tl-y Embaixatriz em Gonílantinopla voltando a Lon-
dres em 1721 perfuadio com o l'eu exemplo a tranf-
plantaçaõ das bexigas ; e por eíle tempo he que o Me-
dico de Jorge II. obteve a faculdade de inocular cin-
co réos de pena ultima , cuja operaçao praticada aos
vinte oito de Julho foi , como prefenciou o noífo Ja-
cob de Caibo , muito bem fuccedida. Seguio-fe logo no
anno de 1722 a inoculaçao dos filhos da Princeza de
Galles, cujo autorizado exemplo foi tao fobre maneira
efficaz , que ao cabo de dous annos contavaò-fe mais de
5c° ^ inoculados ; todavia os feus progreflos nao cref-
cerao á proporção nos 20 annos feguintes j mas por ef-
tes tempos ganhou outra vez tao grande partido , que
entre os annos de 49, e 5-0 apparecêraõ mais de 2000
inoculados , naõ contando mais de 150Q que fe inocu-
arao em Londres ; e quanto hia por diante eíla práti-
C
n 51 t.ant0 maiS cre c a
^ ^ o numero dos liiccellbs, que a
eítaheleciaó. Q

J
94 SobreaInocvlaça.Õ."
O Senhor Maitland foi certamente o primeiro
que inoculou em Londres , pois que havendo acom-
panhado a Embaixatriz em Conftantinopla , alxi appren-
dêra efta arte. Elie mefino voltando á Efcocia foi taõ-
b«m o primeiro, que ahi enxertou o veneno das bexi-
gas , ainda que já no paiz houveffe certa efpecie dc
inoculaçaó utada entre o povo , a qual fe fazia por
meio de hum cordaó embebido nefte veneno , como re-
fere o Doutor Mouro Pai , na fua conta dos fuccef-
fos da inoculaçaó na Efcocia.
Hum defaftre bailou a defacreditar a inoculaçao
nefte paiz, e defde o anno de 1726 até o de 33 pou-
co fe eftendeo. Então a Cidade de Dumfries acoííada
de huma epidemia violenta, voltou-fe a elle expedien-
te , e depois começou a praticar-le a inoculaçao por
todo efte Reino ; mas encontrando fempre tantos tro-
peços , que 110 efpaço de 30 annos nao pôde o Dou-
tor Monró fommar 6000 inoculados em toda a Efcocia.
Se deixamos eftes reinos, pouco temos que accref-
centar á hiíloria da inoculaçao; a pezar dos Médicos
acclamarem por toda a parte taó grande auxilio , ainda
naô eftá mui bem eftabelecida ; pois naõ foi dada a
todos a precifa coragem para bufcarem por fi mefmos
huma enfermidade, que nao he abfolutamente fem rif-
co, ainda pelo calculo mais ventajofo. Entre nós po-
rém , pofto que nao tiveife ganhado ainda grande ter-
reno femelhante prática , talvez porque as bexigas na-
turaes nefte clima fao menos perigolas , aftim mefmo
com tudo começavaõ alguns Pais a deixar-fe ir ás per-
fuasoes dos Médicos ; porém como a inoculaçao nao
he fempre fem rifco , a primeira ^ adverfidade defpertou
a calumnia , e intimidou os práticos mais prudentes.
Antes de acabar efte primeiro artigo he de no-
tar , que em algumas aldéas d'Entre-Doiro, e Minho
fe pratica huma efpecie de inoculaçao fuperfticiofa , cu-
ia data nao tem fido examinada , e que talvez recua
con-
Dissertaçao r??
conforme alguns entendem , a tempos anteriores á tranP-
plantaçaõ Circaffiana.

ARTIGO II.

Dos argumentos que trovão a utilidade da inocu-


lado.

I. T T E hum fa&o innegavel, que as peíToas a-


li dultas morrem de bexigas em muito maior
numero do que as crianças. Logo a inoculaçaõ tem ei-
ta ventagem per íí , que lie a efeolha da idade.
II. He taõbem de fado , que as pelicas de boa conf-
tituiçao , cuja pelle húmida, e macia entretem hurra
tranlpiraçao fácil, e confiante , pelo ordinário tem be-
xigas mais benignas ; e que as pelToas de temperamen-
to colérico , cuja pelle lecca , e compa&a impede a
tranfpiraçad , tem bexigas confluentes , e muito mais
pengolas ; logo fe nós podermos emendar os vicios do
temperamento , antes que venhatf as bexigas , amacian-
o a pelle ccm os banhos, abrandando a nimia dure-
za da libra , e em caíos de debilidade corroborando
com a dieta animante , com o exercício, e amargos ;
nefte cafo os nollos doentes feráõ muito mais felizes;
mas he efta outra ventagem , que tem por £ a inocu-
lação.
IIT
- As bexigas ora faõ efporadicas , ora epidemi-
as j ha paizes aonde ellas faõ feinpre epidemicas.
poito haver epidemias benignas , nós fabemos pela

iUud"enCja' ^Ue vezes raí


> violentas , que
toda a rlldencia d s
mentadóD i P ° Médicos mais experi-
nne havend ?5H* £e quanto IV,Õ felizes aquelies .
iLrt i indr,? pa^do por femelhante
pafi á índole cruel defcs epidíai» ; emoleftia
M, elca-

hZT C K°0rmif,Sa6 . Prendo eí» fer praticada cm


raf,a6efcoll ida
fe ' ' fc»™> c~^

A mt ■
S>6 Dissertaçao
IV. Comova febre das bexigas vem efcoltada de
iymptomas tao equívocos com os das outras febres
que podem confundir os práticos mais attentos prin-
cipalmente quando nao domina influencia bexigofa, fuc-
cede que as vezes o mal fe deteriora por naÓ fer co-
nhecido , e atalhado a tempo. Mas quem inocula nao
pode fer íurprehendido > e eis-aqui a inoculaçaó com
mais elta utilidade.
Hum pequeno numero de inoculações afortunadas
corroborou eíles argumentos , e decidio no principio
os Médicos a abraçar a invenção CircalEana. Com o
andar dos tempos engroíTou muito o catalogo dos ino-
culados e fobre milhares delles foi fácil fazer novas
oblervaçóes que provaô melhor a utilidade da inocula-
çaÕ. O Celebre Camper , cujos trabalhos tem enrique-
cido varias Academias , defcobrio em fim novos argu-
mentos , de que eu tive a fortuna de fer informado
por feu filho n'hum encontro de viagem, antes de efta-
rem impreflòs. Reduzem-fe os feus argumentos a eila
efpeculaçaõ.
i°. Argumento.

„ Todo o rifco das bexigas he em proporção do


„ feu numero ; pois as difcretas pelo commum íàõ be-
„ nignas , e as confluentes pelo menos fempre daõ cui-
„ dado. Logo fe a experiencia moílra ferem as bexi-
„ gas artificiaes fempre em menor numero do que as
j, naturaes , eílá claro que ellas feráô menos perigofas;
„ e quanto maior for a differença no numero de puf-
,, tuias, tanto maior probabilidade ganha a feu favor
5, a inoculaçaó.
„ Ora he de farto, que as bexigas faô muito mais
„ numerofas nas partes expoftas ao ar, contra as re-
„ gras de toda a theoria. „ Como diz o Doutor Cam-
per ; mas nao pollo convir com elle antes acho fer bem
conforme a razaõ, que o humor bexigofo fe accumu-
le
Sobre a Inoculaçao. 97
le em maior cópia debaixo da pelle deitas partes que
por mais denfas mais lhe obftaõ a evaporar-fe pela
tranfpiraçaõ : mas proflgamos com a fua doctrina. „ He
„ certo ( diz elle ) que a cara , e os braços mcftraõ
„ ás vezes bexigas confluentes , em quanto o corpo a-
3, penas tem alguns finaes. ,, Por tanto comparando a
iomma total das puftulas de todo o corpo com as da
face, extrahindo eftas , e comparando os reftos eftabe-
lece a fua regra ; e vem a fer , que a quinta parte por
boa aproximaçad da fomma das puftulas occupa o roi-
to, e que tudo eftá em evitar que eftas fejaõ muitas ;
depois comparando as puftulas das bexigas naturaes , e
das artificiaes acha, que le as fegundas chegaõ a xoo,
as outras montão a ioccoo; logo a inoculacao tem pe-
la lua parte a ventagem de 100 : 1 „

a°. Argumento.

,, A inchaçaõ da cara nao he critica ; he , como pa-


„ receo à Mead, hum máo fymptoma porprocional á
j, confluência das puftulas ; mas como as bexigas arti-
„ ficiaes iàÓ em pequeno numero, quali fempre falta
,j elte máo fymptoma aos inoculados. „

30. ARGUMENTO.

)3 A falivaçaõ , que acompanha as bexigas conflu-


„ entes } fendo huma confequencia da irritaçao das glan-
3> dulas , da fua comprefíaó , e da excoriaçaô das par-
?> tes internas da boca , e fauces , nao he huma crife,
„ antes hUm fymptoma perigofo , e que falta quando
„ as bexigas faõ poucas; como fuccede na inoculaçaõ.,,

N 4°«
98 D i s s e r t a q a 6
?;: : :
V
4o. v Argumento.' - - I

„ Taobem ás vezes nas bexigas confluentes, e até


„ nas difcretas fobrevem tolTe , e luffbcaçao de gargan-
,, ta , fymptomas peílimos, e que procedendo igualmen-
„ te do grande numero de puítulas , fallecem nas bexigas
„ artificiaes.
5-°. Argumento.

„ Todos fabemos Jiaver bexigas taó benignas, que


paííao fem a febre fupuratoria , aliás taò perigo/a, e
„ que leva a maior parte das vidtimas defte mal; mas
„ a inoculaçao domando muito a violência dos iymp-
,, tomas , rara vez he feguida deita febre fecundaria ,
„ e eíta razaõ bailaria aprovar a fua utilidade.

6°. Argumento.

„ As cegueiras, tificas, deformidade da figura, e


muitas aleijões, que vinhao em confequencia das be-
„ xigas naturaes , agora nao apparecem depois da inocu-
„ laçatf.
7°. Argumento.

„ Hum dos maiores males que traz comfígo eíte


„ contagio bexigofo , Jie o receio, com que vivem as pef-
„ foas ainda nao atacadas , e mefmo a incerteza de po-
,, derem fer acommettidas i. e 3. vezes ; pois confta
„ de bexigas naturaes repetidas; mas a inoculaçao dá
„ cfta fegurança j porque de mais de 100000 inoculados
„ ( diz Camper ) nem hum fe conta duas vezes inlul-
j, tado. ,j
He certo , que rodos eftes argumentos aílim referi-
dos fao afsaz fortes para aballar alguns efpiritos energi-
cos , e determinados a verificar a probabilidade dos cal-
Sobre a Ino-culaçaó. 99
culos efpeculativos ; mas de pouco ferviria hum ca-
thecifmo theorico da inoculaçao , fe a prática o nao
confirmafle. Eis-aqui porque o Candido Juriti, como
lhe chama o noflo Cajlro Sarmento , fe determinou a
fazer hum calculo comparativo tanto dos mortos de
bexigas naturaes , como das viftimas da inoculaçao ; e
o leu calculo reduz-fe , a que do anno de 1721 até
ao de 28 a I2n,a. parte dos mortos morreo de bexi-
gas naturaes , e de 897 inoculados em 845", em que
prendeo o veneno fomente fe contavaõ 17 mortos. O
calculo, que o Douthor Mojjró pôde recolher dos feus
correfpondentes em toda a Efcocia no decurfo de mui-
tos annos moftra, que de 5626 inoculados fó morrerão
72 ; os cálculos modernos faó muito mais ventajofos
a favor da inoculaçao ; pois que o Douthor Nedleten
no anno de 49 para 50 inoculou 78 peíToas , fem que
hum fò lhe morrefle. De 1500 inoculados em Londres
morrêraõ fó 3. Difcorrendo pelo relto da Europa fa-
bemos , que de 80 inoculados em Genebra nenhum mor-
rera em tempo, que graílava huma epidemia muito ma-
ligna. O Doutor Camper inoculou fó em hum anno
100 peíToas , e todas paflaraó bem. Os progreflos fe-
lizes da inoculaçaõ fóra de Europa fao talvez ainda
mais prodigiofos; pois que o Douthor Meaã conta de
hum Senhor de Engenho , que em tempo de bexiga6
malignas inoculara por fua maó 300 efcravos de 5 até
até 30 annos de idade, dos quaes nenhum morreo. As
relações de La Condamine faó igualmente muito a fa-
vor da inoculaçao. Ommittimos outros argumentos, que
talvez tenhaõ grande força para algumas peíToas ; mas
que cm minha razaõ pezárao mui pouco. Por tanto
como he de nofio intento expor íinceramente todas as
razoes a favor, e contra a i-noculaçaó , paliamos a pon-
derar no 3 . artigo os argumentos que a impugnaó.

AR-
100 DlSSERTAÇAo

ARTIGO III.

Dos argumentos contra a inoculaçaõ.

Ninguém efpere achar nefte artigo todas as razoes


theologicas , e fy ficas , que fe tem produzido con-
tra a inoculaçaõ; pois que a futilidade de alguns ar-
gumentos poem de má fé o noíTò entendimento con-
tra a verdade dos outros que vem com elles. Todavia
os feguintes argumentos merecem alguma attençaõ.

i°. Argumento.

A inoculaçaõ he huma cautela defneceflaria , fe as


bexigas fao hum mal benigno , e pouco arrifcado , de
modo , que eftribando a ventagem da inoculaçaõ na hy-
pothele de morrer hum de cada 7 bexigofos , a ino-
culaçaõ perderá da fua probabilidade , quando fe moftrar,
que efte calculo he defmentido por muitas práticas , e
em todos os paízes , como agora vamos ver.
Em Hollanda Antonio de Hacn curou com tanta
felicidade efta moleftia , que ao fair para Vienna foi,
como elle refere, chorado pelas matronas Hollandezas ;
e em Alemanha lendo igualmente afortunado , acref-
centa que igual fuccefio tiverao taobem outros práticos.
Naõ falára elle aílim , fede 7 bexigofos perdeíTe hum.
Em Inglaterra Lijler , ainda antes de chegar alli
a noticiada inoculaçaõ, tinha para fi , que as bexigas,
aliás doença contagiofa, era hum mal pela maior par-
re =; magna exparte benigno =3 falutaris.
Em Alemanha o Baraõ Vanjwieten , curiofo de
faber, qual era a proporção dos mortos de bexigas ef-
pontanejs relativamente ao numero , dos que fe livra-
vaõ , veio a faber que de trinta e tres Collegiaes da
Efcola Militar de Neujladt, que tiverao bexigas den-
tro
Sobre a Inoculação. ror
tro^ de oito annos, fó morreo hum , quando todos já
erao adultos fegundo a inftituiçao do Collegio. Refe-
re mais , que na Efcola Militar vizinha a Vienna 70
meninos tiveraõ bexigas em hum anno, e nenhum mor-
reo : e que houveraõ outros 61 bexigofos dentro de
10 annos , que eícapàraó todos , excepto feu filho.
No anno de 69 , em que a epidemia na Corte
de Vienna foi taõ violenta , que até as bexigas diIcre-
tas eraõ perigofas , entráraó em 4 mezes n'hum Hot-
pital 57 bexigofos , e nenhum morreo. O mefmo luc-
cedeo a 30 no Hofpital dos pobres em Vienna : con-
clue em fim efte illuftre prático , revendo as fuás lif-
tas , que a proporção dos mortos para os curados ef-
tá :: 1: 89.
Em Itália o celebre Baglivi , imputando a gran-
de mortandade das pefloas de certa fortuna á multi-
dão de remedios , principalmente em moleítias inflam-
m a to nas, accrefcenta , que ufando dextramente , e a tem-
po da Jangria, nem hum íó bexigofo lhe morrera.
ISao he porque a fangria feja infallivelmeiue ne-
cellaria em todas as bexigas; mas he que os bexigofos
de Baglivi acertáraõ de ter a febre inflammatoria.
Se refledtirmos fobre o que fuccede entre nós ve-
remos , que bem poucos doentes fe perdem , quando tem
a fortuna de fer tratados por Médicos hábeis , e que
reconhecendo a efpecie da febre, que acompanha as be-
xigas, Cfeftigaõ-lhe o génio com os remedios proprios.
, ultima epidemia de 88 he verdade que perecerão
ajguns bexigofos ; porém foraÓ talvez aquelles com
quem os inoculadores nao feriaó muito afortunados.
va er a mll tos
^ ' doentes, que eílavaõ já
e a enas
P Perdi alsum > em q»e o con-
na
da 152 , ° viefl
conltituiçao- dos "e coniplicado com outros vicios
doentes.

tem' Ainda J inoc


, quando ulaçao Sydenham
o experto naó era conhecida na Ingla-
tinha achado , co-
mo
loa Dissertaçaó
mo profundo obfervador , hum expediente efficaciífimo
contra a malignidade das bexigas. Tudo eftava em mu-
dar o curativo alli praticado : mudou-fe, e defde en-
tão as bexigas forao para todas as peifoas hum mal
manos cruel, quando erao d'antes lo benignas entre os
pobres , que por efta vez afortunados careciaõ de cu-
radores.
A graveza do mal vinha dos erros da prática ,
como diz o mefmo Sydenham; pois obfervando, que en-
tre a plebe quafi todos os bexigofos efcapavaÓ, accref-
centa =) He porque nao tem Médicos != Lijler , e Ba-
glivi, que naõ faó homens de fyftema , acháraô verda-
deira efta razaò.
Agora profeguindo o fio dos argumentos contra a
inoculaçaõ, refira-mos o fegundo argumento.

2°. Argumento.

Era precifo, que os inoculadores nao efcolheíTem


os fujeitos vigorofos, e laõs, mas fim inoculaíTem fem
difcernimento , para que do feu calculo fe concluiífe
a favor da inoculaçao: porém mal nos poderemos de-
cidir por efta prática, quando vemos inocular fó aquel-
les , que pelo ordinário fe falvariaõ muito bem , quan-
do folfem comprehendidos no contagio das bexigas na-
turaes. Para dar mais luz a efte argumento , íuppo-
nhamos que 100 pelloas devem ter bexigas; elcolhe o
inoculador 5*0 fadias, e robuftas , de que fó morre hu-
ma, e efta, porque efeondia certo veneno em fua conl-
tituiçaõ ; mas ficáraó exportas ao contagio efpontaneo
as outras 50; que fegundo a lorte do miferavel, que
morreo na enxertia , deviao todas morrer, porque tij
nhaó minados feus temperamentos por doenças , e erao
debeis , e valetudinarias : mas fuccede , que aifim mefmo
deftas ço efeapao muitas, donde fevê, quão pouco íe
ganha cm fer inoculado, e quaõ pouco ganhou aquel-
Sobre a Inoculaçao. 103
'e doente dos 4 inoculados em Leipjtck, que morre»
quando efcapáraõ 12 de bexigas efpontaneas , lendo
comprehendidos nelles alguns, que o hábil inoculador
havia excluido. Eis-aqui como o calculo da inocula -
CIO he capciofo, já tomando para íi aquelles fujeitos,
cw abandonados ao contagio natural engrcíTariaõ a lif-
fa dos fucceflos felizes pela parte das bexigas efpon-
taneas ; já excluindo elVoutros , que devendo morrer de
bexigas defacreditariaõ a fua prática, e vao depôr con-
tra os Antinoculadores.

30. Argumento.

Hum dos maiores bens da inoculaçao he a íegu-


rança, que ella promette aos inoculados; mas efte bem
fallece, quando iè prova haver inoculados, que nao ef-
capáraõ de bexigas naturacs , ou pelicas, que refiftin-
do a todas as tentativas de enxertia , vierao a fecum-
bir ás bexigas efpontaneas. Eftes faítos faõ os que An-
*0"!° de Haen abonou com o teftemunho de muitos
Médicos fabios , e de boa fé. E cada hum de nós tem
vifto em Portugal bexigas repetidas , nem hoje os ino-
culadores ouzaõ conftraftar efta verdade.
Parece poder-fe concluir nao fer a inoculaçao taõ
útil , como o fôra a reforma, que o experto Sydenham
fizera contra a multiplicidade de medicamentos, e be-
zoarticos mais terríveis do que o mefmo mal. NaÕ
cia elle reito para inocular, ou para fazer foffrer j mas
fitando a. vifta na fabia natureza , e indo-llie pelo raf-
to, mil vezes defarmou o braço da morte.

ARTIGO IV.

~J\T Enhum argumento, que podelTe inclinar por hu-


sa
ia nma, ou outra parte com alguma força , foi ommit-
° °s dous precedentes artigos; pois que o meu fim
he
Dissertaçaó
he deixar a cada hum livre o ajuizar , e decedir-fe fem
preocupação. .Todavia como a inoculaçao fermenta a-
gora entre nós , todos eíperaõ de hum Medico o feu
juízo 1 obre eíta matéria.
Peigunta-fe pois, fe deve, ou naó admittir-fe em
1 ojtugu a inoculaçao? Antes de relponder a eíta quei-
jo, nei por neceílano fazer algumas reflexões fobre
dous argumentos , que pezaõ muito a favor defta prá-
tica. O i°. he o Celebre argumento de Camper , com
o qual elle conclue; como já diffemos, fera ventagem
das bexigas artificiaes :: 100: i. Poíto que já nao he
tempo de argumentar com efpeculaçòes theoricas; pois
inais de 6o annos de prática , e mais de iooooo inocula-
dos na Europa miniltraõ exemplos que poffaõ decidir-
mos ■, com tudo o Douthor Camper encontrando talvez
a meima difficuldade, que o Barao de Vanfwieten, em
recolher faclos verdadeiros, fobre que fundaífe o calculo
comparativo entre as ventagens da inoculaçao , e das
bexigas efpontaneas ; voltou-lè a efpeculaçòes , e eltable-
ceo agora em noílos dias a utilidade da inoculaçao fo-
bre raciocínios , cujos princípios faò hum pouco falli-
veis; pois como acabamos de ver no 2o. artigo elle eí-
triba toda a fua theorica , em que o numero das be-
xigas decide do rifco defte mal ; porém tem contra li
a experiencia^ dos grandes práticos, que em todo o tem-
po obferváraó bexigas difcretas fummamente malignas j
e as difconveniencias do feu refultado com a oblerva-
çao provém , de que elle nao attendeo á indole da fe-
bre bexigola j pois que a malignidade das bexigas eftá
na razaõ compoíta do numero das puítulas , e da qua-
lidade da febre. Por tanto he precifo tirar dos ioo:
aquelles, que fim tiveraó mui poucas puílulas, porém
ardêrao em febre, que ou por influencia da quadra, ou
pela difpofiçaõ occulta do inoculado, foi de máo cara-
cter. E por certo que morrem muitos bexigofos por
falta de attenjaõ a obfervar-fe a indoie da febre , e
ava-
Sobre a Inoculada o. roç
a variar-fe o curativo das bexigas mais fegundo efta ,
que fegundo o numero dos botões.
Com tudo como eu nao me pretendo enganar -y
fempre reconheço, que ha mais probabilidade pela be-
nignidade das bexigas diícretas, do que das confluen-
tes , e que efte argumento de Camper tem alguma pro-
babilidade.
EiVoutro argumento , que pretende attribuir a
preferencia da inoculaçaó, a ler alfim o veneno intro-
duzido no langue j quando as bexigas efpontaneas
inoculadas por intervençaÕ da atmosfera inficionaõ
o boffe , e o eftomago , entranhas aliás taõ elíenciaes
á vida ; efte argumento , digo , hoje taõ acclamado
por todos os notíos Inoculadores , he para mim bem
pouco convincente , pois vejo , oue as coifas mais in-
nocentes para o eftomago introduzidas no fangue faõ
hum veneno mortífero , e que os mais refinados ve-
jjenos ás vezes bebidos naõ tem aítividade, e fó fe
inoculaÕ no fangue. As bexigas induzem certa modi-
ficação nos nolTos humores , eis-aqui hum faélo; po-
rem determinar , porque maneira inoculadas feraô mais
benignas , he outro faéto , de que fó a cxperiencia nos
pode defenganar.
Agora voltando á noíTa queílaõ , digo , que a de-
cidir-nos pelos cálculos dos Inoculadores j he eviden-
te , que os de Jurin , e de Mouro daõ menos venta-
gem na inoculaçaó , do que nos offerece a reforma ,
que o prudente , e experto Sydenhan fez no metho-
do de tratar as bexigas inflammatorias , principalmen-
a ro e
zf P y itarmos a diftincçao , que o celebre Hux-
" taõ fabiamente fizera entre o mefmo Sydcvham,
e Morto» relativamente ao que lie verdade cm ieus
iyltemas; pois que naõ lendo fempre a febre das be-
xigas innammatoria , o methodo geral de Syàenham naõ
nafta, e Jie precifo acudir aos enfermos com os reme-
íos animantes, para lhes levantar as forças sbatidas
O pe-
IG 6 Dissektaçaó
pela qualidade feptica da febre podre , ou nervofa. x
Todavia os cálculos dos Inoculadores modernos
faõ muito mais ventajofos a favor da inoculaçaó , e
naô fe pôde negar , que em alguns paizes ganhem em
fer inoculadas as peíToas , que fe íujeitaó d enxertia; po-
rém como ha outros paizes , em que as bexigas na-
turaes faó mais benignas , talvez que a enxertia ve-
nha neftes a íer fuperflua , e talvez nociva.
Por tanto , antes de admittir a inoculaçaó em Por-
tugal, he precito obfervar, fe as bexigas naturaes faó
entre nós hum mal benigno, ou violento. Porque a
ferem ellas taó malignas conio no Hofpital de Lon-
dres , aonde morrerão 2 de 9 bexigoiòs; ou como em
Stockbolm aonde de 300 meninos morrerão 27o, cer-
tamente a inoculaçaó he hum bem divino paia a nof-
fa gente. Agora fe ella he entre nós taó benigna co-
movera Hollanda , aonde Pedro Foreflo curou ( como
elle diz ) infinitos, e Antonio de Iíaen de 220 fó per-
deo hum ; ou como na Italia aonde o nolTo Amato de
l^o enfermos de bexigas, e farampo íó perdeo hum ;
e Baglivi nem hum fó. Se ella he taó benigna como
em Vienna , aonde Quarin em $ annos de prática naó
perdeo hum fó bexigoío. Se ella em fim he taó be-
nigna entre nós , como Miraudella attéifa fer na fua
provincia , aonde as crianças fem refguardo , nem re-
médios curaõ ao tempo elle mal; em taes circumftan-
cias a inoculaçaó fica luperflua para nós , e naó he pa-
ra adoptar huma prática, que excuzamos.
Outra razaó tenho contra a inoculaçaó, e por cer-
to de mui grande pefo ; vem a fer , que fe o vene-
no das bexigas he contagio futíl, e fácil de fc propa-
gar ; nelle caio a inoculaçaó , trazendo infecção pa-
ra a fociedade, lerá embora hum bem para os Ino-
Giilados , mas conliderada em refpeito do público lerá
hum grande mal , e hum fóco de contagio para o gran-
de numero. E por certo , que a provar-fe naó haver
be-
Sobre a Inocula q a 6. '107
bexigas fenaõ por contagio, feria a inoculaçso o mo-
do de propagar efte veneno. Ora que as bexigas fao
mal contagiolò he huma verdade, de que todos eib.o
perfuadidos , mas como taóbem quafi todos o eftao do
contagio da ufica , fem que talvez a razaÓ efteja por
elles , ferá precifo provar efta propofiçaô. Primeira-
mente a inoculaçaô feita na pelle , ou pela introducçao
de torcidas molhadas no veneno bexigolo pelo nauz
prova, que as bexigas tem contagio. ^
Em fegundo lugar confta-nos pelas obfervaçoes QC
Cleghorn na Minorca, que cm feu tempo fó alli appa-
recéraõ dous annos bexigas ; a primeira vez em Mar-
ço de 1742., as quaes eraõ taõ malignas , que em Ma-
hon havia dia de 10 e 12 enterros ; mas extinguio-íe
em fim efte flagello, e fó voltou em 46 por contagio
de hum Navio Real que abordára a efta Ilha , vindo
de Conftantinopla , de modo que a Minorca delconhe-
ceria por fortuna efte mal, a naõ lhe fer levado de
fóra.
Confta da hiftoria fobre a Groeland, que as bexi-
gas eraÕ aqui defconhccidas, até que hum natural as
levára para alli comfigo na volta de Copenhague.
Sendo poie de toda a evidencia o contagio das
bexigas , naõ fe pôde duvidar, que todos os alhílentes
dos inoculados levaráõ o contagio pelas famílias, que en-
contrarem ; e naõ confta , que efte contagio feja menos
maligno , do que o das bexigas naturaes ; antes talvez,
fe nos levarmos por exadtiílímas liftas de Londres , a-
creditaremos, como fuccedeo á Privgle, e mefmo ao
liarao Dimjdale, que nas vizinhanças das cazas de ino-
culaçao as bexigas naturaes foraõ de muito peor cara-
iter , do que nos annos anteriores. Talvez que outras
caufas influiíTem nefta terrível differença, porém como
Tiaô conftaó devemos eftar de cautela.
He verdade, que efeapando mui poucas peíToas a
€Íte contagio quafi univerfal, pouco importa ( dir-fe-ha )
O ii que
ic8 DrSSERTACAÓ
que elle fe derrame mais cedo, ou mais tarde, e que
venha de bexigas artificiaes , ou naturacs. Porém naõ
he fem refpoíh efta reflexão ; i.° porque póde fohrevir
ao tempo, que fe práncaõ inoculações, huma influencia
da quadra , que avive a malignidade das bexigas , de mo-
do que morrão mintas peilòas , que efcapariaõ talvez fen-
do atacadas depois em tempo de epidemia benigna, c
fem complicaçaõ de outros influxos. 20. Porque'fendo
certo , que as bexigas naturacs, como nao nega o mef-
mo Camper, repetem mais de huma vez, póde fer que
as pefíòas inficionadas pelo contagio procedido de be-
xigas artificiaes nao efcapem de o ferem ainda outra
vez, quando reinar a epidemia , e que haja , outros , que
nao obllante terem já tido bexigas, agora de novo ga-
nhem efte mal pelo contagio , que efpaihe a inoculaçaõ ,
os quacs talvez nao feriao depois comprehendidos quan-
do chegafle a epidemia.
Ainda me refta mais huma razaó contra a enxer-
tia das bexigas , e vem a fer, que morrendo grande
parte dos bcxigoíos na primeira idade , e muito antes
dos dous annos , pouco ferve a inoculaçaõ, excluindo
talvez mais de hum terço dos enfermos bexigofosj por-
que jegundo as Liftas de Genebra , tres fetimos das crian-
ças , que morrem de bexigas, naõ chegaõ a efta idade.
Pelas rasões acima referidas eu nunca me decidi-
rei a inocular , em quanto a inoculaçaõ naõ for hum
ponto, que mereça a^confideraçaõ do eftado: de manei-
ia, que le eítabeleçao Holpitaes , aonde á tempo deter-
minado fe inoculem todas as crianças, e donde naõ faia
para fóra pelfoa alguma, nem roupa, veftidos, ou qual-
quer outra coifa d'aquellas , que entrao no Hofpital ,
fem primeiro fer mui bem eníaboada, de modo que o
contagio de nenhum modo fe poífa propagar.
, Taõbem ferá precifo inocular defde a primeira
idade , viíto qne nella perecem a maior parte das crian-
ças j pois que o mefmo Dimsdale} prefcrevendo a re-
gia
Sobre a Inoculaçao. 109
gra de naõ inocular abaixo de dous annos , confeíTa
naõ ter obfervado danno do contrario.

ARTIGO V.

De algumas reflexões fobre a preparaça5, idade , e


tempo próprias para a inoculaçao.

SE as epidemias bexigofas vierem hum dia a fer


entre nos taõ malignas, como em outras partes da
Europa até agora o tem íido : ou fe por ventura hum
dia entrar ncs projeiflos políticos o eílabelecimenro de
Hofpitaes públicos , aonde fe fujeitem á enxertia todas
as crianças , com as cautelas precifas para evitar a pro-
pagaçaõ do cantagio bexigofò. Em qualquer deites ca-
los , digo, que a inoculaçao poderá fer-nos util , e ne-
ceíTaria; e por tanto naó me parece defafizado exami-
nar nefte artigo algumas queftões geraes relativas á
prática da enxertia.

i". Q_u e s t a 6.

Pergunta-fe, fe as peíToas , que fe fujeitao á ino-


culaçao devem antes fer preparadas?
A refpofta lie fim pies , e vem a fer, que os enfer-
mos iejaõ primeiro curados , e que os faôs excuzaÕ
preparaçafl.
Seria hum procedimento indifereto inocular huma
doença aguda em fujeitos enfermos, quando ha que
recear da complicaçaó dos males confequencias funef-
tas. He verdade, que eu naõ creio nas panacéas taò
decantadas deazouge, antimonio , cicuta, &c , em que
os inoculadores punhaô o bom fucceflo de fuas enxer-
tias. Igualmente reprovo a dieta tenue , e vegetal , as
diluentes, e as fangrias geralmente preícriptas a todos
os inoculados por 14, 10, ou 9 dias antes da inocu-
k
"
IIQ DrSSEfcTAÇAO
laçaó j pois que eíla prática eítribava na idéa falfa de
cjue a febre das bexigas era fempre inflammatoria , do-
utrina, que Sydenbam apprendèra de Rhafes , e paliara
a muitos Médicos.
í odavia naõ pofTo approvar a coragem daquelles,
que fetn attençaó alguma aos vicios da*^ conftituiçaS ,
inoculaõ indiferetamente rodos os indivíduos , que íe
lhes appreíentau ; quando he fem duvida , que as pef-
íoas debeis, c de fyítema nervofo nimiamente fenfivel,
e irritável extranhad menos o toque do veneno bexigo-
fo, fe primeiro tiverem reftablecido as luas forças , e
corroborado os feus nervos coma dieta plena-, e com
remédios animantes. Affim como as pelíoas plethoricas ,
-e nimiamente robullas precifaó, antes de ferem inocu-
ladas , desfazer-fe da íob'f)idaõ de fangue, e forças , que
auxiliariaõ muito a violência da febre eruptiva.

2". Qjj ESTÃO.

Pergunta-fe qual he a idade própria para a ino-


culação ?
Se attendermos á utilidade pública, he precifo ino-
cular o mais cedo pofllvel, e pelo menos antes dos 3
annos ; pois que revendo os catalogos de Londres ,
e ds Genebra achamos , que hum grande numero de
crianças morrem de bexigas, antes de tocarem efta ida-
de. He verdade, que a erupção dos dentes he huma
doença acompanhada de fyintomas violentos , e mui-
tas vezes mortaes ; de forte que feria muito mais arríf-
cado inocular nelte periodo : com tudo fe as regras
preferiptas 110 noifo compendio de educaçao fyfica fof-
le.n exactamente praticadas , entaõ nem a fahida dos
dentes, nem outras doenças da primeira idade feriaõ
de confequencia , antes as crianças robuítas paífariaõ
pela inoculaçaá fem outra dieta, nem mais remedio,
do que o leite materno.
e> 3a-
Sobre a Inocula q a õ. iii
:
• a '•.: "
3". Q_U ESTÃO.

Pergunta-fe qual hé a eítaçaô mais favoravel á ino-


cuáaçaõ ?
Certamente ferá aquella, em que as febres eítacio-
naes coítumaó fer mais benignas ; pois que a expe-
riência moftra o influxo , que rem a quadra febre todas
as doenças ; e como as bexigas faõ muito mais peri-
gofas , quando reinaõ febres de máo caracter, lie mii-
ter fugir das eftaçóes, que pelo commum faõ mais fer-
teis deite flagello. O Oicóno prenhe de febres podres,
e dyfen terias feria muito mal efeolhido para a inocu-
lação- O Ellio, e o Inverno faõ excelfivamente def-
temperados. A Primavera fempre lie a eítaçaó maia
aprazível, as fuas doenças laõ menos perigofas, e o
leu temperamento mais temperado, nao havendo nem
calor demafiado , que affroxe os nervos, nem íiio rigo-
rofo, que embarace a tranfpiraçaô.

4". QjJ esta Õ.

Pergunta-fe, fe a indole do veneno bexigofo influe


na graveza do mal , e fe deve efeolher-fe o mais be-
nigno na prática da enxertia ?
Se nós confultaífeinos a razaó , eítariamos pela at-
firmativa ; e por certo que ninguém duvida da influen-
cia, que rem geralmente fobre todos os fujeitos a natu-
reza da epidemia ; e ainda que a conftituiçaÕ particu-
lar de cada hum poila modificala de algum modo, to-
davia a fua malignidade derrama-fe com muita univer-
falidade.
Afrirmaõ porém os Inoculadores , que o mefmo ve-
neno benigno, ou maligno produz luima enxertia igual-
mente favoravel, e que a diiferença do fucceifo depende
unicamente do temperamento dos Inoculados. Conful-
tem-
112 Dissertaçao
tem-fe os práticos lobre efta matéria, em que eu nada
fei por minha experiencia.

$"• Q_U ESTA 6.

Pergunta-fe, fe a profundidade da inferçao do ve-


neno , ou a quantidade delle , ou a multiplicidade de
infersões podem influir no caraéter da erupção ?
A todas eftas queftões refpondem os Inoculadores
pela negativa. Pouco mais de 30 inoculações que eu
prefenciei em Hollanda , e em França; aonde efta prá-
tica encontra ainda muitos obftaculos, tendo contra li o
corpo da Sociedade Real de Medecina , naõ baftaõ pa-
ra eu tomar partido , e em matérias de faílo trabalho
íempre por efconder as minhas conjeíluras particulares.

6". Q_u e s t a ó.

Pergunta-fe, fe a inoculaçaó he d'aquelles officios ,


que fó pode preftar quem for dado em particular a ef-
te minilterio ?
Para refponder à efta queftaó , he mifter confide-
rar a inoculaçaó em quanto á inferfaõ do veneno , e
em quanto ao tratamento da moleftia. O primeiro of-
ficio confifte em levantar a pelle com huma agulha, ou
lanceta tocada em o veneno bexigofo ; ou taõbem cm
cobrir o lugar da inlerfao com hum emplafto aberto
no meio , em figura circular , a cuja abertura fe acerta
hum velicante, que excita bolha em pouco mais de feis
horas, e fobre ella fe poem hur.s fios embebidos nefte
veneno, os quaes fe cobrem com hum emplafto adhe-
livo bem ligado para ficar alguns dias.
Em quanto agora ao methodo curativo das bexi-
gas artificiaes , creio, que elle leja o mefmo , que o das
bexigas naturaes : pois , fendo a doença a mefma, nao
pode differir no feu tratamento. He certo, que os Ino-
cu-
SOBRE Á Inôculàçao. I r3
culadores prelcrevêra como regra geral aos Inoculados
a expoíiçaó livre ao ar, e nenhuma dieta : quando po-
rém a febre eruptiva fe anunciar com fymptomas graves,
ou quando a erupção retroceder, efta regra foíFrerá hu-
ma excepção, ou os doentes feraõ as vidlimas, como
fempre o tem fido, de caprichofos fyftemas.
Agora cada hum eftá no cafo de refolver a quef-
taõ; pois fendo taó fimples a prática da enxertia, e
o feu curativo conforme em tudo as regras da arte, ja
vemos, que todos os Médicos, e fomente elles cítao
no cafq dç ferem Inoculadores.

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REGRAS GERAES
EXTRAHIDAS DO TRATADO
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EDUCAÇAÕ FYSICA,

QUE DEVEM SERVIR


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manual practico.

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INTRODUCÇAÕ
Aforismos.

I.

CUmpre que todas as peíToas , antes de contra-


hirem conforcios, olhem para o eftado de fua
faude , certos de que as moleftias paííaõ em he-
rança de Pais a filhos.

II.

De commum naõ fe efpera para o ajuntamento


conjugal , fenaõ que appareçaó os menftruos na femea ,
e que o macho complete quatorze annos,; porém efta
pratica he errada; pois he precifo efperar , que a má-
quina fe fortifique, e por tanto a idade mais própria
para efpoforios he dos dezoito aos trinta annos.

III.

Sendo o trabalho da educaçaõ fyzica, e moral de


tanto pezo , e melindre , cumpre, que os Pais de famí-
lias fe amem, aliás acharáõ pezados feus deveres ; e
eif-aqui porque nem o interefíe , nem^ o capricho devem
ièr ouvidos em femelhantes convenções.

IV.

Como o commum das mulheres fejaõ debeis, e


devaó ter certas cautelas em fua dieta, e maneira de
jiver durante a prenhez j convém moftrar-lhes alguns
ii 8
fymptomas, pnr onde podão inferir eftarem prenhes :
por tanto a fufpençaó dos menftruos, fem preceder
outra cauza alguma , o fono , a nauzea, o '•omito , an-
ciedade , abatimento , faftio abfoluto , ou rel'pe"tivo aos
alimentos , que d'antes lhes eraõ do melhor fabor j appe-
tites defvairados, grolTura de ventre, dureza, e íenfi-
bilídade nos peitos faá os llnaes, que fazem provável
a prenhez. ^

Huma vez que haja razaó para que as mulheres


fe fupponhaó prenhes; fe ellas forem robuftas , e fans
deveráõ confcrvar lua coftumada dieta fem ajteraçaó al-
guma ; porque a prenhez nao he huma doença íenaé
para as pefloas debeis , e enfermas.

VI.

As mulheres fracas, e doentes de nervos devem u-


far de huma dieta compofta de fubítancias animaes, e
vegetaes fazendo ufo de frutos , e hortaliças com a
moderaçao devida á fraqueza de leys eitomagos; ad-
vertindo fempre, que os vegetaes laxaõ o ventre com-
mummente reítiillo no tempo da prenhez. Devem tao-
bem fugir de carnes , e peixes ieccos , e falgados ; de
molhos, maças, legumes, e de frutos muito mafuTos.
Igualmente devem ter por muito nocivos 9 chá , caffé,
bebidas fermentadas , ufando prudentemente de vinho,
a fer-Ihes precifo como remedio , ou por fatisfa&çaõ
com o coílume.
VII.

Bom ferá que padeem moderadamente defde o


principio da prenhez , mas evitem feitos , ç balanços
violentos de carruagem , corridas , ç qualquer outro
movimento defordenado.
VIII.
rr
9

VIII.

Naõ ufem de efpartilhos, nem apertem as faias;


antes em lugar de as colchetarem, bom ferá fufpende-
las por £ttas aos feus colletes.

IX.

Naõ fe fangrem fó por hirem com a rutina , rmas


confultem Medieo hábil fentindo-fe com dores vivas,
affrontamentos , fuíFocaqões , retenções de ourina , e in-
chações coníideraveis.

Taõbem devem confultar Medico, fe tiverem já


abortado fem preceder incidente , ou fe forem hyfte-
ricas , e convulfas , com cujo voto lerá talvez conve-
niente o uíarem de banhos frios, de amargos , e fer-
ro , fegundo a norma, que lhes for prefcripta.

Ei zino
'i

RÉ-
lio

REGRAS GERAES
EXTRAHIDAS DO TRATADO
D A
EDUCAÇAÕ FYSICA.

ARTIGO I.

Da nece [[idade de cobrir as crianças quando nafcem.


uij:j : ao , wib-fom rjí-K^q mil obsjiods
Aforismos.

E hum preceito da natureza , que as cri-


anças ie cubraõ apenas nafcem ; pois cjue
vemos todos os animaes occupados e:n bafe-
jar, c chegar a fi as fuas crias, ainda quan-
do ellas trazem alguma natural cobertura.

II.

Sendo certo, que as crianças fahem de hum lu-


gar mais quente, do que a noífa atmosfera , he forço-
fo , que ^ao entrarem nelta extranhem hum tempera-
mento taó differente do calor da matriz , principalmen-
te no Inverno ; e eis-aqui porque nao fe devem deixar
hum fo inftante expoftas ao ar, mas fun cobrirem-fe
logo que entraõ no mundo.
III.
/

do Tratado da Educaça6 Fysica. ixr

III.

Sendo taõbem muito neceflario , que as crianças


confervem livre a fua tranfpiraçaõ; para íe expurgarem
dos humores fobeos ; convém que as roupas de feu
uío fejaó muito bem enxutas , e que fejaó revezadas ,
logo que fe molharem.

ARTIGO II.

J)o temperamento da atmosfera , e da fua pureza.

I.

AMeíma natureza nos moftra em tudo, que tem.


vida , quanto importa a pureza da atmosfera á
fua confervaçaõ; pois que todos os animaes abafaó ,
entriftecem, e adoecem em hum lugar fechado ; ale-
graó-fe, e regofijao-fe, ailim que paflaó para o ar pu-
ro , e defembaraçado. Taõbem as mefmas plantas mur-
chas , e fo mb rias'em huma atmosfera corrupta, rever-
decem , e medraõ com a pureza do ar.

II.

Se o homem precifa de hum ar puro, quando a-


dulto , e forte , com maior razaó o naõ pode efcuzar hu-
ma criança tenra , e melindrofa. Por tanto cumpre que
a criança, aífirn que vem ao mundo, e por todo o
tempo da fua criaçaõ goze de huma atmosfera pura j
por cujo motivo evite-fe com muito cuidado aquella,
que palia por lagôas , charcos , ou fitios apaulados ,
e taõbem a que vem inficionada dos effluvios conta-
giofos de animaes corruptos, ou que fervio á fermen-
tação dos vegetaes. O ar dos hofpitaes, das cadêas,
122 Regras Geraes Extrahidas
c lugares fechados, e im mundos lie femprc contagiofo.

III.

Nao fo importa cuidar muito na pureza da atmos-


fera ; mas no léu temperamento; pois fe os adultos
extranhaò as alternativas de calor, e frio, como fera6
ellas imperceptiveis á huma criança débil , muito deli-
cada , e feníivel.
IV.

Em conformidade do que he precifo no Inverno


aquentar a atmosfera da Camera que fe deftina para
o recem-nafcido, para que o feu toque lhe naõ feja de-
mafiadamente extranho ; advertindo íempre , que o tem-
peramento do ar feja mais frio do que o he o do corpo
da criança , porque affim fe comcça a fortificar. Igual-
mente convém no veraõ abrir as janellas para refres-
car o calor do quarto; miniftrando-íe aífim hum ele-
mento puro, elaftico, e laudavel ao recem-nafcido.

ARTIGO III.

Do tempo, e modo de cortar a vide.

I.

SE as crianças abandonadas ao deftino ficaõ pega-


das ás fecundinas , nem por iílo morrem , antes ga-
nhão mais , do que fendo inftantaneamente feparadas del-
ias pelo corte do cordacl umbilical} por tanto tenho
por errada a prática ordinaria

II.

Em quanto a vide moítrar pulfaçaõ naõ fe corte,


mas
do Tratado da Educaçao Fysica. 129
mas fim tendo eíta já expirado , o que fuccede em pou-
cos minutos. Nem íirva de embaiaço , como íuccede
a celebres Parteiros, o ficar a criança expolia aos ef-
ffuvios do parto ; pois que eíta infecção em huma ca-
Z3 efpaçofa, e pouco abafada naó he attendivel, em com-
paração dos danos , que fe feguem do corte precipita-
do deite myíteriofo cordão.

III.

O modo de ligar a vide he atando-a quatro polle-


gadas diftante do embigo com hum cordão feito de
diferentes fios torcidos lobre fi ; entaõ fe fazem varias
voltas rematadas cada huma com dous ou tres nós, de
modo que naõ poíTa íoltar-fe fangue do embigo da
criança.
ARTIGO IV.

Das primeiras lavagens , e do banho.

I.

Dizemos lavar as crianças, quando as metemos den-


tro de agua , e as demoramos o tempo necefla-
rio para lhes delapegar da pelle a fordidez que lhe eltá
grudada. E dizemos banlialas, quando fomente as mer-
gulhamos , e retiramos promptamente da agua.

II.

A natureza he ainda quem nos enfina a neceífida-


de das primeiras lavagens , amoltrando-nos como os
brutos lambem feus filhos , logo que lhes cahem aos pés ,
procurando delpegar-lhes do corpo aquelie. humor ge-
latinolo , que-os involve.

ii Naf-
124 Regras Gera es Extrahidas

III.

Nafcendo pois as noífas crianças igualmente cober-


tas de huma côdea vifcofa , que lhes embaraça a tranf-
piraçaó taõ neceíTaria na primeira idade , convém que
ellas fejao efcrupulofamenre lavadas apenas nalcem ; e
como a agua pura pela fua nimia lubricidade naõ baf-
taria a diifolver a fordidez da pelle, deve a agua da
lavagem fer hum pouco viícofa , e diífolvente. Agua
quente em calor inferior ao do corpo da criança, em
que fe dilTolva qualquer coiza de fabaó , fatisfaz muito
bem a eíte miniíterio.

IV.

Como porém nem todos os lugares do corpo fao


igualmente cobertos defte humor pegajofo ; mas fim
o íaõ muito mais aquelles aonde ha glandulas , eftes
devem fer lavados, e esfregados com mais exacçaõ :
fao pois eltas partes as virilhas , as curvas das pernas,
os lovacos dos braços, o pefcoço, o nariz, a boca3
e por tras das orelhas.

V-

Em quanto ao ufo do banho frio , que eu repu-


to muito conveniente na primeira idade, elie deve com
tudo fer regulado pelas regras da prudência, e fegun-
do as forças do menino.

VI.

Por tanto deve a criança entrar , e fair da agua


velofmente ; para as crianças debeis , deve graduar-fe
o temperamento do banho lègundo fuas forças, adver-
ti n-
do Tratado da EducaçaÕ Fysica." u?
tíndo que dos oito dias em diante fe deve começar o
panho frio , mas fe a criança for muito débil, entaõ de-
more-ie cfte poderofo corroborante até aos quarenta dias.

ARTIGO V.

Sobre a maneira de penfar as crianças.

I.

LOgo que a criança cítá efcrupulofamente lavada,


deve ler envolvida em huma efpecie de camizola
atada , e naÕ pregada com alfinetes , mas de tal modo
loira , que os movimentos de íeus membros naõ fi-
quem embaraçados.
II.

Como os oflbs da cabeça das crianças naó vem to-


talmente oílificados , he precifo para reparar o cere-
bro das injurias externas, cobrilo com huma touca a
que eftejaõ cozidas eftopas molhadas cm clara d'ovo ,
tendo principal cuidado em defender a moleira, a nu-
ca , e a linha longitudinal, e media da cabeça.

III.
Ta6 fimples he pois a arte de penfar as crian-
ças ! E havemos por abulo íummamente nocivo, e bar-
baro rodos os artifícios das Parteiras , já amollegando o
cerebro dos mileraveis innocentes, ja expremendo-lhes
os peitos , c em fim cingindo taõ eftreitamente osfeus ten-
ros corpinhos , que aiém de os acanharem nas propor-
ções da nofla efpecie, efmagaõ-lhes as entranhas , e ai-
láilinao grande numero delias pobres viclimas.

AR-
126 Regras Geraes Extrahidas

ARTIGO VI.

Do modo de deitar as crianças , e das evacuações da


primeira idade.

I.

HE huma prática muito nociva aos recem-nafci-


dos ferem poftos aos lados das Mais no mefmo
leito j nao íò porque mal fupportaô o pezo das cober-
turas , com que ellas ordinariamente fe carregaõ, mas
pelos vapores corrompidos, que inficionao as íuas camas.

II.

Igualmente condemno o ufo das mantilhas , em que


fe envolvem cabeças, e rodos das crianças de modo , que
parece milagrofo nao morrerem todas fuffbcadas , mas
fim aquellas , que fe dizem viótimas de malefícios , e ou-
tros preíligios, com que fe encobrem femelhantes affaf-
finios.
III.

Por tanto cumpre, que as crianças tenhao cama


apartada, e que a cobertura feja .leve fegundo a efta-
çaó , e que o traveíTeiro fique hum pouco elevado , de
modo que fem affliçaõ fe.npre a cabeça fique mais le-
vantada do que o refto do corpo, e a pofiqaò do berço
feja tal que a luz fira feus olhos direitamente ; e nao
de ilharga, alias convidados pelo clarao ficaõ olhando
de travez.
IV.

Cumpre que o berço eíteja na mefma camera da


Mái, aonde a criança ferá melhor tratada j pois nao he
fa-
do Tratado da Educaçaõ Fysica. 127
Ail paflnr a extranlios a vigilância necelfaria nefta pri-
íiteira idade.
V.

Huma vez que a criança depois de mui bem la-


vada fe deita 110 feu bei ço , começa a evacuar pela bo-
ca huma efpecie de humor linfático , em tanto que os
inteftinos fe defoneraõ do ferrado. Eftas evacuações faô
muito necelfarias , e devem ler com grande cuidado at-
tendidas.
VI.

Por efta razaõ eu condeno o ufo de rolhas de af-


fucar, e marmelada ; pois que elles impedem a evacua-
çaõ da linfa, e emoaraçao a entrada do ar para o ef-
tomago , e para os boffes da criança.

VII.

Taobem he muito importante d faude da criança,


que ella teniia tres , ou quatro eameras nos primeiros
dias depois do nafcitnento , e quando naõ fuccedaõ ef-
pontaneamente he preeifo promovelas.

VIII.
A1 femilhança da natureza , que fe ferve do cloí-
tro como purgante muito conducente á evacuaçaõ do fer-
rado , ufo eu , fe he necelTario, do foro de leite prepara-
do com o cremor de tartaro , e adoçado cem peouena
porção de mel. Mas fe naõ baila efte laxante brando,
recorra-íe á purgantes de ouira ordem; porém naó fem
avizo do Medico.

IX.
n8 Regras Geraes Extrahidas

IX.

Pelo commum as primeiras vinte e quatro horas


laó dadas a eftas evacuações , e naõ fe devem pertur-
bar com alimento algum, nem mefino como leite ma-
terno.
ARTIGO VII.

Da criaçao dos Meninos.

I.

NAó contente a natureza de moftrar ás Mais ,


que ellas faõ as Amas de feus filhos; miniftran-
do-lhes em íeus peitos o luftento unicamente proprio
para eftas tenras creaturinhas , até pafla a caftigalas com
horríveis e tormentofas enfermidades , quando ellas fe
enfurdecem ao feu brado.
II.
He hum erro fuppor-fe , que o primeiro leite por
fer azedo leja improprio , e nocivo ao recem-nalcido \
ao contrario he util, e mui de propoíito azedado pa-
ra lhe fervir de purgante, entaõ afsàs neceflario para
a evacuaçaó do ferrado.

III.

Taóbem ha outro erro muito nocivo , que he dar


á criança, naquelle intervallo , em que a Mai lhe nega
o feu peito , o primeiro leite , que fe offerece , o qual
ás vezes por fer de muito tempo he demafiadamente
groffo, e indigefto para hum eftomago fraco , para o
qual a natureza prepara hum leite aguacento , e muito
íorofo : outras vezes he impuro, e maléfico.
IV.
do Tbatado da EducaçaÕ Física. 129

IV.

Poucas vezes fuccede , que as Mais fejaÓ razoadas


em luas excuzas ; pois que a naó ferem nimiamente
debeis , enfermas , e tocadas do veneno éfcrofulofo, ef-
corbutico, gallico , leprofo , ou de alguma outra efpe-
cie de mal de pelle, ailim como conlumidas de febres,
por certo que devem amammentar ellas mefmas Teus fi-
lhos.
Quando as Mais , vencidas das preocupações, e ca-
prichos do luxo 3 e da vaidade , íe negaõ a amammen-
ta.em feus filhos , nao fó fazem graviífimos males aos
pobres innocentes j mas deftroem-íe a fi mefmas , fican-
do lujcitas ás febres , que vem fobre parto, a hydro-
pezias , tubérculos , rheumatifmos , ao cancro, e a outras
enfermidades com que bem pagaõ o fcu crime.
For tanto, feguindo os diílames da razaõ, o im-
pulfo da natureza , e o exemplo das Nações mais alu-
iu iadas , criem^as Mais Portuguezas ellas mefmas os ieus
filhos , e terão o prazer de lhes paíTarem com o leite
faude , robuítez, e huma boa indole.

ARTIGO VIII.

Das qualidades que fe requerem nas amas.

I.

T—T E verdade que as Mais faõ as amas naturaes de


leus
, ■ filhos , mas fuccede ás vezes ferem taõ de-
beis , que faõ por desfortuna impoffibilitadas para efte
mmmerio , outras vezes naõ confervaõ o leite, ou eítaõ
de tal modo minadas de enfermidades, que em lugar
de nutrirem , antes inficionaõ os pobres innocentes j e
lie fó neites cazos que lhes lerá permittido bufearem
R • amas
130 Regras Geraes ExtrahidAs
amas , que tenhaó o maior numero poflivel das quali-
dades feguintes.
II.

Convém que a ama feja de vinte até quarenta an—


nos , robufta , e filha de Pais íadios , nafcida , e crea-
da no campo, de côr vermelha , olhos animados , den-
tes faós , e brancos , gengives vermelhas, e fem le-
zaò, hálito fem cheiro, refpiraçao livre, feio redon-
do, e abundante de leite , mas naõ com demalia ; de
bom appetite, regulada em todas as luas funeçoes, firme
de nervos , e lem mal de pelle.

III.

Convém que feja regulada em fua dieta , que naõ


ufe de liquores eipirituofos, e bebidas fermentadas; que
naõ abule de vinhos , que ícja boa criadeira , e pari-
da de pouco.
IV.

Convém que ella feja de génio pacifico, e fe al-


guma vez fe encolerizar, que fuja de miniftrar entaõ
o peito a fua criança ; porque o leite filtrado no accef-
fo da cólera he fummamente nocivo. Taõbem he pa-
ra dezejar, que ella naõ feja nimiamente libidinofa,
e que fem fugir da cohabitaçaõ , naõ a bufque amiúde ,
nem com muito ardor. Taõbem feria bom , que naõ
lhe baixaifem as conjuncções durante a criaçaõ, fe lhe
fuccede foífrer muito nelta evacuaçaõ.

V.

Em quanto ás qualidades do leite , bom ferá que


elle feja de côr branca , e igual fe;n fombras amarèj-
las, de labor doce, e de alguma confiltencia ; porém
ef-
do Tratado da EducaçaÕ Fysíca. 131
eftes finaes de pouco valem , fe a ama naõ tiver boa
faude , e fe a íua criança naõ for bem medrada.

VI.

Suppondo ja que fe acertou encontrar com amas


de todas as circumftancias requeridas, ainda falta exa-
minar , fe he poílivel paliar a eftas mulheres venaes a-
quelles fentimentos , que a natureza imprime no cora-
ção materno; pois que faõ tantos os cuidados , e cau-
telas , que requer huina criança , que fó debaixo dos
olhos dos Pais poderá ler bem tratada.

VII.

Por tanto importa muito, que as amas venhao criar


na preiènça das Mais ; pois que defobrigadas talvez
eftas de dar de mamniar a feus filhos , naõ tem excu-
za para naõ velarem íobre a lua criaçaÕ.

ARTIGO IX.

Do modo porque fe devem conduzir as amas.

I.

SE^ as amas houverem de apartar-fe dos olhos das


Mais , convém que ellas vivao no campo, onde o
ar, que as anima, e que defce de miltura com o leite
para o eftomago das luas crianças he mais puro , que
o das Cidades corrompido , abalado , e inficionado por
exhalaçoes podres.
Como as qualidades dos alimentos paííaõ ao leite,
convém , que as amas ufem de alimentos faõs , e que
fem fe apartarem muito da fua coftumada dieta , fu-
jaõ de carnes , e peixes falgados , e feccos; e que u-
R ii Ian-
131 Regras Geraes Extrahidas.
íàndo de vegetaes fejad moderadas em feu ufo , quan-
do elias forem fujeitas a flatulências , ou as fuas crian-
ças.
II.

Taõbem he muito nocivo ás crianças, que as fuas


amas ufem de iiquoies , e vinho fem modera çaõ; igual-
mente o ufo de chá , e caíFé envenena o leite.

III.

Como fó da boa digeftaâ refulta hum bom leite,


e eíta fe perturba ou pela falta de foccego, ou pela
nimia ociofidade ; convém , que a ama durma com def-
canço , e paíTèe ao ar livre por algum tempo. He
hum objefto muito importante , que as amas confer-
vem regularidade em todas as fuas evacuçoes j pois que
certamente daô hum máo fermento ao leite os humo-
res excrementicios demorados , ou repercutidos para
o fani;ue.
ARTIGO X,

Do fujlento proprio das crianças.

I.

O Leite he o fuftento mais analogo á criança, de


leite unicamente fe nutrem muitos dos animaes
viviparos nos primeiros tempos de íua vida , e elle
deve bailar taóbem á noila elpecie.

II.

AíTun mefmo fendo o leite humano hum alimento


renue , e de fácil digeliaó , nem por illo fe deve dar
em tanta quantidade, que iobrecarregue o eítomago
das
do Tratado da Educaçao Fysica." 133
das crianças , como ordinariamente fe pratica; pois quç
as Mais fe fervem de leu peito para caiiarein ô choro
das crianças , quando ás vezes a nimia repleção excita
as luas lagrimas , e os leus clamores.

III.

Como a noíía vida naõ lie mais do que habito ,


convém muito coftumar as crianças defde a primeira
idade a tomarem ofeu alimento a lioras regulares , cui-
dando fempre em naõ lhes interromper o lòmno da noi-
te muiio neceíTario na primeira idade ácrianca; e mui-
to conveniente á Mãi, que precilà deícanço', para po-
der velar de dia.

IV.

Nos primeiros dias naó eftando ainda as crianças


defembaraçadas no mecanifmo de mammar , he precifo
miniltrar-ihes o peito repetidas vezes: mas ao cabo de
hum mez bafta , que ellas mamem quatro , ou leis ve-
zes no dia conforme as fuás forças , e conforme a quan-
tidade de leite, que tomao de cada vez.

V.

Pafl~ados porém dous, ou tres mezes , fe as crian-


cas fao fortes , e fe foffrem algum movimento, já po-
dem começar no ufo de alimento extranho, e convém
que efte leja o leite dos animaes , entre os quaes fe
deve efeolher o mais analogo ao leite humano, como
he o de burras, ou de cabras.

VI.

Quando o leite fe azede nos eíloiyagos debeis das


cri-
134 Regras Geraes Extrahidas
crianças, deve recorrer-fe á geléa de ponta de viado,
ou algum caldo tenue de carne; o falepe, fagó, e a ta-
pioca fervem muito propriamente para os caldos da
primeira idade.
VII.

A papa , e outras gelêas aíTucaradas , que eítaó em


ufo faó muito nocivas, principalmente na primeira ida-
de.
VIII.

Aílim fe devem ir alimentando as crianças com o


leite j e gommas até lhes rebentarem os primeiros den-
tes , com os quaes podendo entrar por alimentos íoli-
dos bom he miniftrar-lhes huma côdea de paõ para os
exercitar no officio da maftigaçaõ , e de relto pouco
fuílento animal, nada de maflas, nem de guizados.

ARTIGO XI.

Do modo e tempo de dejmammar as crianças.

NAó he grande trabalho defmammar os meninos ,


quando elles foraó conduzidos fegundo as regras
preferiptas , nem he taô pouco obra de hum inftante;
pois muito detraz , e infcnlivelmente fe vaõ preparan-
do para efta occaíiao.
Quando elles faÕ fadios, e fortes , ao cabo de dous
ou tres mezes já podem entrar no ufo do leite de bur-
ras , ou de cabras, o qual paífados dias fe engrof-
fa com alguma gomtna ligeira , e quando apparecem
os primeiros dentes fe paíTaó a alimento falido de
modo , que no fim de hum anno , até dezoito mezes ef-
quecem-fe elles mefmos do peito , que pouco e pouco
íe lhes fora negando á proporção , que hiaò comendo ,
e aíTim per fi mefmos fe defmammaó fem vigílias, cho-
ros ,
do Tratado da EducaçaÕ Fysica. 135-
ros , doenças delles , e trabalho das Mais, e dos do-
meíticos.
Nem rcnhao as Alais por indifFerente o tempo da
criaçaõ, pois quando he nimiamente curto deixa as
crianças muito debeis , e enfermas ; e quando fe exten-
de além de dezoito mezes, naÕ fó obfla á fecundidade
das melmas Mais j mas desfalca inutilmente as luas for-
ças , impoffibilitando-as para novas criações.

ARTIGO XII.

Da dieta própria das crianças depois de defmammadas.

I.

HE hum máo coftume, e reprehenfível dar a's


crianças depois de defmammadas alimentos aíluca-
rados , doces , bolos , e outras golcdices , que lhes def-
troem o eftomago, o temperamento , e as forças.

II.

Tatíbem nao louvamos a prática de alguns Pais,


que alimentaõ os feus filhos de fuas mezas j pois quer
cilas fejaõ fervidas de manjares , e guizados muito va-
riados , quer fobrias, e bem reguladas, quer em fim
pobres , e de alimentos groíTeirosJ, nunca podem con-
vir aos eftomagos debeis das crianças de pouca idade.

III.

O alimento da primeira idade deve fer íimples,


tenue , de fácil digeftaõ, e pouco variado. Airoz co-
zido com poucos adubos, paõ bem fermentado , biícoi-
to , leite , ovos quentes baílaÓ a compor , e a variar
a dieta dos meninos.
O
136 Regras Geraes ExtrahidA9
O chá , e caffe taõ ufados entre nós deftròem a
aílividade dos nervos, e enfraquecem o eftomago.
O vinho , liquores efpirituofos , e bebidas fermen-
tadas faõ muito contrarias á conllituiçaó das crianças,
em tanto que a agua fria , e pura °he huina bebida
faudavel, e corroborante.

ARTIGO XIII.

Do defcanfo , e movimentos proveito/os 71a primeira


idade.

I.

SEguindo o exemplo univerfal da natureza anima-


da , devemos dar longo foflego ás crianças, as
quaes , como faó muito debeis, qualquer coiza as fa-
tiga , e preciiaõ dormir muito.

II.

A noite he o tempo proprio para o fomno, e o dia


para a vigília ; e como as crianças ainda faó fáceis
para contrahirem os coftumes, em que forem poftas ,
cumpre defde logo habitualas ao fomno no&umo.

III.

Aífim como he precifo , que as crianças durmaó


hum longo , e aturado fomno , taõbem he igualmente
neceíTario movelas , e exercitalas.

IV.

Em quinto ellas naá poiem firmar paíTos , tem lu-


gar o movim;nto, o qual fe lhes procura agitando-as
nos
do Tratado da Educaçao Física. 137
nos braços , levando-as em carrinhos , emballoiçando-as
em redes , mas naó com exceflò.
V.
Quando porém já começatí a arraftar-fe, cumpre dei-
xalas a íi ; pois que advertidas pela natureza da necef-
fidade que tem de acçaõ , e movimento , lidaõ todo o
tempo, que naõ dormem.

VI.

Advirta-fe porém que o ufo das andadeiras he mui-


to nocivo; porque além de opprimir os peitos das crian-
ças , entorta-lhes as pernas ; pois que ellas tem ainda
os olíos muito tenros , e ganhaõ aleijões fe ai obrigaò
a andar antes de tempo.

VII.

Cumpre que^ as crianças , quando já podem fazer


mais largos paíleios , os façaõ em hum lugar efpaço-
fo , livremente arejado , e ainda concorrendo com outras
crianças , paraque ajuntem á utilidade do exercício, a -
quclla, que lhes provem de refpirarem hum ar puro , e
de gozarem em alegria da conrerfaçaó de feus iguaes*

ARTIGO XIV.

Do modo de vejlir os Meninos.

I.

NEÍte artigo a moda tem reformado alguns abufos,


mas tem reforçado outros ; pelo que he precifo
confultar a razaó que he huma guia mais íegura , do
que naó he o capricho.
S II.
138 Regras Geraes Extrahidas

II.

A primeira regra, e a mais geral he, que íe de-


ve perfeverar em nao opprimir as crianças; mas vefti-
las de tal maneira, que fiquem livres em todos os léus
movimentos, e defembaraçadas em todas as acções vi-
taes, animaes, e naturaes.

III.

Por tanto condemno efte atavio ridiculo de five-


las , ligas , veftes , cazacas , e outros ornatos, que oxa-
lá os homens foubeflem efcuzar em idade mais adulta.
Por ventura efte abulo nos meninos machos eílá quaíi
vencido com o exemplo de huma Naçao polida, e diu-
minada.
IV.

Taôbem tenho por muito nocivo o ufo de efpar-


tillios , e colletes de barbas, que além de affligirem as
crianças, embaraçaõ-lhes o exercício, e movimento ;
amolegaó os oíTos de feus peitos , e iaõ huma das cau-
zas mais ferteis da phthilica , que leva grande parte das
gerações prelentes.
V•

Ao contrario cumpre , que os meninos machos ufem


de calças, e gibão de fazenda ligeira ; pois que affim
fe exercitaó melhor em feus jogos , e carreiras livres
deíTes adornos , com que barbaramente dantes fe ate-
nazavaõ. As meninas remeas com huma camizola, e
cinta larga ficao , quanto bafta , reparadas das injurias
do tempo; crefcem, e medrao defembaraçadas deltas
horríveis torturas, que a vaidade ainda hoje, por def-
dita, eutretem entre nós.
r
• ^
do Tratado da Educaçaõ Fysica. 139

ARTIGO XV.

Bo influxo das paixões na primeira idade.

I.

AS paixões fendo movimentos violentos executados


á cuila dos noflos orgaõs, necelTariamente devem
perturbar a economia de todas as acções do homem , e
maiormente das crianças muito mais debeis, e fenfiveis.

II.

A cólera , e o temor faõ as paixões dos primeiros


annos ; he precifo pois regulalas logo do principio.

III.

Os meninos dezejando com muito ardor faõ fáceis


em fe affligirem , e depois em fe enfurecerem , quando
lhes negaõ os feus appetites > por iíTo mefmo he necef-
lario naõ os attender, nem cumprir os leus capricho-
fos dezejos. Defte modo conhecendo a inutilidade de
feus furores, e de feu pranto mudaõ de fyftema, fa-
zexn-fe maníos, e dóceis.

IV.

Igualmente fe deve evitar toda a idéa trifte, e


pavorola , como própria a defordenar a faude dos me-
ninos , a tazelos ellupidos , e ás vezes a cauzar-lhes 2
morte. Por tanto evitem-fe-lhes contos fenís , e roman-
ces horríveis ^que convidando a fua curiolidade efpan-
taõ , e aíultao a fua imaginaçaõ.

V.
140 Regras Geraes Extrahidas

V.

Sendo muito natural ás crianças terem o fono ni-


miamente pezado , e os orgaõs muito fenfíveis , fucce-
de que ellas fe defoneram de fuas aguas , e excremen-
tos durante a noite ; porém fendo efta acçaõ necefiaria ,
he barbaro o coftume de as caftigar por eila, antes af-
íim ficaó fujeitas a inquietações no&urnas, e a fonho»
cheios de temor , e de receio.
I
VI.

Sendo taobem neceíTario, que as crianças fe mo-


va6, e exercitem continuamente nos primeiros annos, he
hum erro confumilos em eftudos intempeftivos , que ihes
gaftaó a faude, fem adiantamento algum em fuas idéas.

IN-
i4r

índice

Dos Artigos, que fe contém nefte Tratado.

INTRODUCÇAO. Das cautelas que fe reque-


rem no tempo da prenhez. pag. i
Artigo I. Da necejjidade de cobrir as Crianças
quando nafcem.
Art. II. Do temperamento da atmosfera, e da im-
portancia da fua pureza. - - jg
Art. III, Do modo , e tempo de cortar o cordaõ
umbilical. 2I
Art. IV. Da lavagem , e do banho. z6
Art. V. Sobre a maneira de penfar as crianças. 22
Art. VI. Do modo de deitar as crianças, e das
evacuações da primeira idade. ..... 4Q
Art. VII. Da criaçaõ dos Meninos. 44
ArT. VIII. Das qualidades que fe devem requerer
nas amas. -j
Art. IX. Como fe devem conduzir as amas.
Art. X. Do fujlento proprio das crianças. 62
Art. XI. Do modo, e do tempo proprio para def-
mammar as crianças.
Art. XII. Da dieta própria para as crianças de-
pois de defmammadas.
Art. XIII. Do defcar.ço, e movimento das crianças. 7*
Art. XIV- Do modo de vejlir os meninos. 80
Art. XV. Do influxo das Paixões na Economia
■ animal dos meninos. - - - 83

DISSERTAÇAÕ Sobre a Inoculaçaõ. pa£. Qi


Artigo I. Da Hijloria da InoculaçaÕ. 92
Ar-
I4s Índice
Art. II. Dos argumentos que provao a utilida-
de da inoculaçaõ. - - pag. 95:
Art. III* Dos argumentos contra a inoculaçaõ. 100
Art. IV. 103
Art. V. De algumas reflexões (obre a prepara-
ção , idade, e tempo proprio para a inoculaçaõ. 109

REGRAS GERAES EXTRAHIDAS DO TRATADO


DA EDUCAÇAÕ FYSICA.

ARTIGO. I. Da necejjidade de cobrir as cri-


anças quando nafcem. pag. 120
Art. II. Do temperamento da atmosfera, e da
121
fua pureza- ~ "
Art. III. Do tempo, e modo de cortar a vide. -122
Art. IV. Das primeiras lavagens , e do banho. 123
Art. V. Sobre a maneira de penfar as crianças. 125"
Art. VI. Do modo de deitar as crianças , e das
evacuações da primeira idade. 126
Art. VII. Da criaçaõ dos Meninos. 128
Art. VIII. Das qualidades que fe requerem nas
I2
amas. ~ 9
Art. IX. Do modo porque fe devem conduzir as
I I
amas. 3
Art. X. Do fujlento proprio das crianças. 132
Art. XI. Do modo e tempo de defmammar as
r
crianças. 34
Art. XII. Da dieta própria das crianças depois
de defmammadas. - 135*
Art. XIII. Do defeanfo , e movimentos provei-
tosos na primeira idade. 136
Art. XIV. Do modo de veflir os Meninos. - - - 137
Art. XV. Do influxo das paixões na primeira
idade. -139
CATALOGO

Das obras já imprejjas , e mandadas compor pela


Academia Real das Sciencias de Lisboa ; com
os preços , por que cada huma delias
Je vende brochada.

I" T3 Revés Inftrucçoés aos Correfpondentes da Aca-


JJ demia, íobre as remedas dos produítos natu-
raes , para formar hum Mufeo Nacional - - - - 120
II. Memorias fobre o modo de aperfeiçoar a Manufa&u-
ra do Azeite em Portugal, remettidas á Academia,
por Joaó Antonio Dalla-Bella , Socio da mefma. - - 480
III. Memoria lobre a Cultura das Oliveiras em Portu-
gal , remettida á Academia , pelo mefmo Author - 480
IV. Memorias dc Agricultura premiadas pela Acade-
mia , 1. vol. 8. 480
V. Pafchalis Joíephi Mellii Freirii, Hift. Júris Civilis
Lufitani Liber fingularis , 1. vol. 4. ----- - 640
VI. Ejufdem Inílitutionum Júris Civilis Lufitani Liber
primus de Jure Publico , 1. vol. 4. ----- - 480
■ Lib. fecundus de Jure Perfonarum. 1. vol. 4. 480
VII. Ofmia, Tragedia coroada pela Academia , 1. vol. 4. 240
VIII. Vida do Infante D. Duarte , por Andté de Re-
zende , 1. vol. 8. - -- -- -- -- -- 160
IX. Veíligios da Língua Arabica em Portugal , ou
Lexicon Etymologico das palavras , e nomes Fortu-
guezes , que tem origem Arabica , compofto por or-
dem da Academia, por Fr. Joaó de Soufa , 1. vol. 4. 480
X. Dominici Vandellii , Viridarium C3rysley Lufitani-
cum Linnxanis nominibus illuílratum , 1. vol. 8, - 2CO
XI. Ephemerides Nauticas , ou Diário Aítronomico pa-
ra o anno de 1789 , calculado para o merediano de
Lisboa , e publicado por ordem da Academia , 1. vol.
160
O mefmo para o anno de 1750 , 1. vol. 4. - - - -
O mefmo para o anno de 1791 , 1. vol. 4. - - - ^60
XII. Memorias Economicas da Academia Real das Sci-
en-
encias de Lisboa , para o adiantamento da Agricul-
tura , das Artes , e da Induftria em Portugal, e fuas
Conquiftas , z. vol. 4. - -- -- -- -- - 1600
XIII. Collecçaó de Livros inéditos de Hiftoria Portu-
gueza , dos Reinados dos Senhores Reys Dom Joaó I. ,
D. Duarte, D. Alionfo V., e Dom Joaó II., 1.
vol. foi. - -- -- -- -- -- -- -- 1800
XIV. Avifos interellantes fobre as mortes apparentes,
mandados recopilar por ordem da Academia. - - - gr.
XV. Tratado de Educaçaõ Fyfica para ufo da Naçaõ
Portugueza , publicado por ordem da Academia Real
das Sciencias , por Francifco de Mello Franco ,
Correfpondente aa mefma Sociedade. ----- 360
XVI. Documentos Arábicos da Hiftoria Portugueza,
copiados dos originaes da Torre do Tombo com per-
milfaó de Sua Mageftade , e vertidos em Portuguez
Por ordem da Academia, pelo feu Correfpondente Fr.
Joaó de Soufa. - -- -- -- -- -- - 480
XVII. Obfervaçoés fobre as principaes caufas da de-
cadência dos Portuguezes na Afia , efcritas por Dio-
go de Coutò em tórma de Dialogo , com o titulo de
Soldado Pratico ; publicadas de ordem da Academia
Real das Sciencias de Lisboa, por Antonio Caetano
do Amaral, Socio Effe&ivo da mefma ----- 480
XVIII. Flora Cochinchinenfis: fiftens Plantas in Re-
Í,no Cochinchina nafcentes. Quibus accedunt alise ob-
ervatx in Sinenfi Império , Africa Orientali , Indiae-
que locis variis. Labore , ac ftudio Joannis de Lou-
reiro Regix Scientiarum Academix Ulyfliponenfis So-
cii: Juííu Academ. R. Scient. in lacem edita. 2. vol.
in 4.0 maior. - -- -- -- -- -- -- 2400
XIX. Tratado de Educaçaõ Fyfica para ufo da Naçaó
Portugueza, publicado por ordem da Academia Real
das Sciencias , por Francifco Jofc de Almeida , Cor-
refpondente da mefma Sociedade. ------- ^60
XX. Synopfls Chronologica de Subfidios , ainda os mais
raros , para a Hiftoria , e Eftudo critico da Legislaçaó
Portugueza , por Jofc Anaftafio de Figueiredo , Cor-
refpondente da Academia , 2. vol. 4.0 ----- i8co
XXI. Obras Poéticas de Pedro de Andrade Caminha ,
publicadas de ordem de Academia. 1. vol. 8.° - - 600
f

Efiao debaixo do prélo as feguintts.

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D. Affonfo v. , c D. J„aô II 1™ £r »"« '
Dicconario da lingoa Portugueza. '*
^ N"""5 ' °» Di"io ^o-cmico pari 0 Mno
Memorias de Litteratura Portugueza.
Memorias de Agricultura premiadas pela Academia ,
2. vol.

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