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TRATADO
DA
EDUCAÇAÕ FÍSICA.
TRATADO
D A
EDUCAÇAÕ F Y SICA
DOS MENINOS,
PARA USO
D A
NAÇAÕ PORTUGUEZA,
LISBOA
NA OFFicina Da aCademia real daS SCIENCIAS.
M. D. CC.XCI.
°m licença da Real Meza da CommiJfaÕ Geral fvbre o Exa-
'"e j » Çenfara dos Livros.
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PR E-
PREFACIO.
IN-
tratado
D A
EDUCAÇAÕ FYSICA
DOS MENINOS,
PARA USO
D A
NAÇAÕ PORTUGUEZA
INTRODUCÇAÕ.
Das cautelas que fe requerem no tempo da prenhez.
fym-
•8 Tratado da EDtrcAqAíj Física
fymptomas da elevação do útero , afora os danos pro-
cedidos dos effluvios podres , ou gaz inflammavel , que
d'elles fe folta , e que exerce huma virtude fedativa lò-
bre o fyftema nervofo, e induz ou vai predifpondo pa-
ra as febres nervofas , da familia das podres. Como
faõ as puerperais , as de leite, e a meliar, que as ve-
zes bem de traz derivaÓ a lua origem.
Agora paliemos a outro artigo nada menos inte-
reffante , e aonde os abufos nunca faõ indiferentes.
Vem a fer que indifcreta , e indiftintftamente fe fangraó
parte das mulheres prenhes , attribuindo-fe a pletora iym-
ptomas que ordinariamente cellaó com a evacuaçaõ do
canal inteftinal. Tudo para os Dilcipulos de Botallo,
e de Sthaal faõ confequencias de proiufaõ de langue,
e por defgraça os feus argumentos tem huma força ap-
parente que pôde illudir ainda as melinas pelloai de
rafaõ; faltando-lhes os princípios para decidir em ma-
térias femelhantes. O fangue dizem , elles , que le eva-
cuava periodicamente era fobejo no equilíbrio do lyi-
tema vafcular , e agora demorado no tempo da pre-
nhez fica perturbando a economia da circulação ^ don-
de vem as caimbras , dores de virilhas , e região lom-
bar J os vomitos , as fuffocaçóes , fyncopes, e abortos.
Mas de preffa fe defmentem tlieoricas que nao cl-
tribaõ na natureza ; naô fe advertem eftcs Miniftros fan-
guinarios , de que o feto abforbe em fi todo ô fangue
que fazia o importe das evacuações menfais. O embrião
he hum átomo invifivel em lua origem, e vem depois
a ganhar tanto pezo , que ainda contando as menftruações
a 7 onças, ellas naõ igualaõ em fomma a mafla de hu-
ma criança de tempo. Daqui fe tira que experimen-
taõ maior desfalque as mulheres prenhes , acodindo a
vegetaçaõ do feto; e que nao lhes íobia langue , a
que podão attribuir-fe os graviffimos incommodos que
ás vezes apparecem no tempo da prenhez. Alem dato
nao confervaó o mefmo appetite durante eíte período }
nem
d'Os Meninos. 9"
nem podem por confequencia criar a mefma quantida-
de de fangue. Agora nao entra em duvida ( ta Ho pe-
lo commnm ) que a íàngria defneceíTaria miutas ve-
zes , até em alguns cafos vem a fer prejudicial enfra-
quecendo a Mai, e debilitando o filho, quando nados
mata a ambos.
Eu nao quero dizer, que nunca a fangria tenha lu-
gar, antes ao contrario muitas vezes tenho íangrado,
quando encontro hum pulfo forte , largo ., e duro ;
principalmente fe as faces , e beiços eilao nimiamente co-
rados ^ 00 ^Jlica fcíntiljances , a cabeça perturdada , a ref-
piraçao drfficil , e opprimida ; e fe antes da prenhez os
menítruos erad copiofos, e o appetite continua lem dimi-
nmçad , e ás vezes augmentado. Neftes cafos tres , ou
quatro onças de fangue tirado em duas fangrias acalmad
de repente todo o apparato de cólicas , caimbras, af-
®a ' convulsões, fyncope , retenção de fezes, luppref-
fcoes de ourmas , edemas, e anafarcas.
?otdr
Sa condefcender > q-ue
com '«uitas , vezes
o habito fomosfónecelfitados
e langrar porque a
doente citava nefte COÍtume ; pois que a repetição da
iangria lie huma das caufas da plethora , e o abulo vem
a lazer necelfario o mefmo que repreliendemos. Por
tanto como nao eflamos ligados a fyllema aigum , mas
ieguimos a natureza que nos guia , e nos enfina; de-
pois de tentar em vau outros remédios, recorremos em
hm a iangria, e com ella ás vezes atalhamos gravif-
hnios lymptomas. Mas poupemos íempre, quanto po-
der fer, efte fluido vital, nunca tao neceííario como no
1 e"odo da prenhez.
VCzeS fucc ede
mie . > crefcendo mais o utero :
Sa coino az
n inre(lino' , r
o inteitiuu .J , debaixo
le comprima delle
e nao poíTa entalada
defpeiar com
a ouri-
na; mas nem po m fe devefJ j P f .
13
rir
dos cozes das/r ' ,°UrraS
faias pois dos
e co nitra gi mento que TapU
efparti-
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TRATADO
D A
EDDCAÇAÕ FY SIC A
ARTIGO I.
ndV?!/
mal
r0
rnO
luffoca-le.
aS
n°|homem
luas lo
contracções, pára ^ refpira
vive em quanto e o ani-,
e rei pira para viver. Mas como he precifo , que o ar
vital palie aos nolíos bofes encorporado com a marta to-
tal da atmosfera , muitas vezes fomos incommodados pe-
lo temperamento delta nimiamente variavel , e pelos
ARTIGO III.
Do modo, e tempo de cortar o cordão umbilical.
vaie
bi-
22 Tratado da Educaçao Fysica'
bibulos j que fe abrem na periferia de feu corpo, de
embeber o hálito nutritivo, e gelatinofo da agua , que
enche a capacidade do útero. Deite modo podemos con-
íiderar o embrião como huma planta animal , pois que
ellas taobem pela raiz fe nutrem da terra , recebendo
pelo tronco , e pelas folhas parte da nutrição , que
lhes he própria. Elie cordão mifteriofo eítabelece a com-
numicaçaÕ entre a Mai , e o feto ; por elle paíTa o fan-
gue que deve fervir ao defenvolvimento do embrião ,
e por elle volta o fobejo, vivendo deite modo huma
vida commum a Mai, e o filho.
A maneira, e o temDO de cortar o cordão umbi-
lical he matéria de grande ponderaçaó, e a pratica or-
dinaria fummamente perniciofa , e errada. Seriaõ por
certo mais afortunados eíles innocentes abandonados íèm
loccorro, como acontece aos filhos das felvagens vaga-
bundas , as quaes entregues ao repoifo defeançao das
fadigas do parto , em quanto a natureza intende na
boa ordem dos fenomenos que fe paíTaõ nos primeiros
momentos da vida , e devem hir fuccedendo-fe huns
á outros fem perturbaqaó. Naó he poflivel que a na-
tureza defcançaíTe fobre nós, fe o corte do cordão um-
bilical foíTc eíTencialmente neceíTario a vida do animal ;
e para melhor defengano abandonemos a criança ao
feu deílino ; naô fe lhe corte o cordão , e veremos
como ella vive , e vai ganhando pouco , e pouco no-
vo alento , abatendo-fe por degrios a pullaçaó das
artérias umbilicaes , começando defde a placenta para
a parte do embigo , de lorte , que no intervalio de dez
a quinze minutos cella totalmente ; então o Menino
goza de outra fòrma de vida , e por fi fe nutre, e ref-
pira.
Eíta pulftçaó no cordão umbilical moítra , que
ainda depois do nafeimento , he precifo entreter por al-
gum tempo a communicaçaÓ entre a vidada Mai, e
a do feto 5 e erra-fe quando fe cortaapenas a criança
nos
dos Meninos. 23
ng§ cahe nas mãos , fcm attender , que nao fe pode ef-
Hielecer de repente huma nova forma de vida , e cef*-
J*ar em hum inftante a lei que regulava a antiga cir-
culação. ^
Como he noflo coftume , que aflim apprendemos de
Defcartes, duvidar de todas as propofiçóes admittidas >
em quanto nao palfao por hum elcrupulofo exame j e
Somo por outro lado, depois de obíervar a natureza,
preferimos antes eftudar a razaÕ dos feus procedimen-
tos, do que eílranhalos ; o mefmo fazemos na preíen-
ce matéria . refledlindo lifudamente fobre o que le pal-
P na economia particular do feto , por etfeito da paf-
[agem do útero maternal para eíte oceano , que o banha
dc improvifo , e defde logo infiue elíencialmente em
todas as fuas acções.
Antes do nafeimento o mecanifmo da circulação
dependia- do ligado como do orgaõ mais indiipenià-
*£l a efte officio ; por elle fe conduzia até ao cora-
do toda a maiTa do langue, que devia lervir ao des-
envolvimento do embriaõ , em tanto que o bofe cíla-
ya quafi ociolo. A' excepção dc pouco fangue , que
por hum pequeno ramo l'e elcapava para cila entra-
nha , o total lançava-fe de huma cavidade na outra do cc-
raçaõ por meio de hum buraco , que depois do naf-
eimento quafi fempre le cicatriza. Alas nafee a crian-
ça , o^ bofe começa logo a iogar nefta máquina : a ir-
ritaçaõ da atmosfera , a imprcíTao viva , e dolorofa ,
que experimenta o Menino cm tao repentina , e extra-
nha revolução , o mefmo choro faó talvez eftimulos ,
^Ue concorrem juntos a contrahir os mufculos, que
a arca do
•
1 e
- Peito ' feguindo-fe logo hum vazio
, 1 cav»dade , que ha dc forçofamente fer occupsdo
pela atmosíera , a qual tende como todos os fluidos a
equilibrai le por toda a parte : Eis-aqui como o bofe
v
ai forvendo o ar , evaporando o ácido aeréo , dando
entrada ao langue , e fazendo-fe ablblutamente n?ce^;1-
v v
, rio
24 Tratado da EduCaça5 Fysicà
te norminifterioqda diSaÕ g
''?nde dlíIbIv en
h -
S EÍ PTd
do DrcciniL r/ nao efta™ effeituada, quan-
n e
oual lera
qual T L - fena
fer/ a, perturbaçao Parou
economia
° cordão
animal
da placenta;
?
Eis-aqui porque fe deve efperar, que páre o pui-
fo no cordão umbilical antes de o cortar, dando tem-
D AR-
20 Tr AT A DO D A EDU CA Ç A Õ F YSIC A
ARTIGO IV.
Da lavagem , e do banho.
feS ™ui P-
Por tanto, naó me afaftando nunca da rigoroía ana-
ogia, que rae proponho feguir, aconfelho que as pri-
meiras lavagens iejao de agoa tépida no gráo do calor
natural do corpo, e em que efteja diíToJvida huma oe-
quena quantidade de íàbao , e di lai. Affim preTende-
mos imitar a faliva dos animaes , eíle liquido abfter-
gente , que ralpando o monco untfuolo da peile , ao
melmo tempo eftimula brandamente os nervos , e 'con-
vida a tranlpiraçaó.
He de notar, que naó fedeve continuar a lavaqem
com agua quente, mas fim apenas tépida ; pois que o
gráo de calor do corpo da criança ío fahir do útero
nao fe conlerva depois, e por tanto he precifo, que
nao lendo a agua inteiramente fria , feja com tudo
hum pouco eftranha , aliás deítroe toda a aftividade dos
íeus orgaos ainda molles, e efponjofos. Se acompanhar-
mos a natureza , veremos com que cuidado fe empe-
nha em endurecer os folidos delia pequena criatura.
Quem obferva attento como a cartilagem fe offifica ,
e como toma confidencia o que era apenas membra-
na molle , 011 mucilagem informe, precifamente con-
ue , que a lavagem quente afrouxando as fibras , ener-
ARTIGO VI.
DOSMENINOS. 41
mefma cinera de fuás Mais para poderem ellas nief-
mas vigiar fobre os mais pequenos reparos, e cautelas,
que mal íerao confiadas a peíToas extranhas. Bem ad-
veitido , como jica ponderado , que a atmosfera da ca-
a nao elteja tao quente como he coftume , por ler el-
e calor muito nocivo ás mefmas paridas , occafionan-
o-llies a tebre puerperal, laítea e miliar , cuja Índo-
le muito bem fe compadece com o abafo, e fordidez,
em c ue
,l cegamente fe confervaõ ellas infelizes mulheres
nutudas de carnes , golodices , e privadas de tudo que
ARTIGO VII.
a» gr. tsr, Sr
S que torna a
cull À , ° pedem feus filhos, e ef-
aS e aS & gaS d
o frudto da fua r ' ' u ° P3rt° fÒ c0nfldcra6
UÕ natUral efte fen im
to , que fe o luxo T'*' t en-
rado as procensões à°, llvera corrompido, e degene-
te olhadas Je ío r d o fc 'm—T rt0da *
e
iuftihV - ,?^m Mendes
) aonde as mulheres fe
i
coitei af'brandos nos
Locke, e ^Tuthor do F™,-'A6 °S difcurfos de
extranhos, e nc-ftc cafn nw"c delPertáraõ em paizes
penlao natural de amor» ''S íl tunado
s5 aquella pro-
Ya S fii)los
o C. Mavtcll nas fua^ wT ° ' c3ue hoJe 3ou~
Inglezas , e que já eftava em
"46 Tratado da Educaçao Física.
efquecimento defde os tempos de Tácito; pois que ef-
te Hiítoriador filofofo corroborou as provás da deca-
dência do Império com o defprefo , em que as marro-
nos Romanas haviao a educaçao de feus filhos.
Em idades muito anteriores l"uppunha-le ia que fo
o leite das Mais convinha ás fuas crianças ; pois lem-
brara attribuir ao primeiro leite naõ fó as modificações
fyficas do temperamento animal, mas ^até as propen-
sões do coraçao , as quaes le fuppozeraô lubordinadas a
efta poderofa influencia. Da fagacidade de Cicero da
braveza dos Romanos, da crueldade de Nero , e^de Ca-
lígula bufcárao-fe caulas no leite que mammárao. lou-
co importa a falfidade deitas ficções ao noflb intento;
pois fó nos intereíia a verdade, que delias fe infere ,
vem a íer: que ao menos houve em todo o tempo
homens perfuadidos da modificaca» do noiTo tempera-
mento em virtude do primeiro leite, fazendo-o influir
até fobre as acções mora es , e nao he muito extranho
refentirem-fe os homens do leite que mammarao, quando
a fua máquina entrava a defenvolverfe , te vemos- que
o calor, o frio , o alimento , as bebidas , as. qualidades
do ar atmosférico, os jogos, os prazeres, ainda depois
modificaÓ tao particularmente o caiaíler anral dos ho-
mens, que feguado as qua idades fyficas do folo, e os
coftumes particulares das Nações, fe difttngaem os leus
diverfos génios. Talvez que a deffemelhança do cara-
«fter obfervada hoje nas famílias, venha de nao feiem
os filhos nutridos aos peitos 'paternos ; pois que o^lei-
te extranho . tendo differentes qualidades, e talvez con
trarias á conftituiçaó individuai do menino, faz delle
lmm aggregado monftruofo de duas naturezas.
Ni corrupção geral do feculo as mais das vezes
faó frívolas as razoes , com que fe excufaó as Mais
defapiadadas de amimmentarem leus filhos. Bem longe
eftaõ ellas de imitar aquellas enternecidas mumeres ,
que a pezar dos confellios de Buchan, e de Lineais
d. os Meninos. 47
abnbi-çáraõ a nutrir feus filhos , e tivérao em premio
de fua ternura efcaparem de moleftias defefperadas.
Tajde fe capacitaráõ as peíToas de huma certa ordem,
de que o leite materno he o único fuftento proprio
das crianças j mas a fua incredulidade terá menos dcl-
culpa , quando forem obrigadas a refleítir que cada indi-
viduo he conftituldo por hum modo lingular ; a fua
maneira de fer parecida em muitas propriedades ao
geral da efpecie , naõ he comtudo a mefma. For tan-
to nutrindo as Mais o feto do feu proprio langue ,
paiTaõ-lhe as modificações de fuas naturezas : daqui ie
vê com quanta razaõ le pretende , que huma vida de-
pendente na fua origem , e commum com a da Mãi, fe-
ja continuada em feu defenvolvimento , depois que o
menino nafce, por hum alimento preparado nos mef-
mos orgaos , e tirado do mefmo fangue, que o animá-
ra. Xal he o leite materno , que traz imprefío o ca-
racter da economia privativa de ambos; e feparado dos
mefmos humores , qUe defenvolvêraõ os primeiros ru-
dimentos do embrião, he a melhor matéria de que as
crianças fe poilaÓ alimentar.
Que mal lupprido fica com o leite das amas , o
que a natureza fíltrára no feio das Mais ; pois que
modificado de outra maneira he pouco menos do que
hum veneno , que vai lentamente deítruindo a organi-
zaçaõ da criança tao femelhante a fua Mai, quanto ef-
ta ^ diffcre da Ama em temperamento , idade , educa-
çao , coftumes , maneira de viver , e em todos os ca-
raiíteres privativos de cada individuo..
E qual feráa Mai taõ barbara, e taõ infenííyeí,
<lue po(Ta receber das mãos da Ama coberta de chagas,,
c
, .con|Uff>ida de enfermidades a fua. criança, que aliàs
o 'mPa > e perfeita do ventre materno ? Pois deí-
engançm .e p0r jluma Yez as Mais, que nenhuma per-
Ipicacia balta , para diftinguir mo leite a fubtileza. de al-
guns venenos, quede tal modo .fe disfarçaõ, q.ueneni
a
\<
dosMeninos. 49
d'aquellas , que folapadas minaó por muitos annos o
temperamento , para rebentarem em certa eílaçao da
idade; ihuuem todo o curativo ; efcondem as íuas can-
jas , e zombao da iagacidade dos Médicos, quando el-
las foraõ bebidas com o leite das amas , e erao iá ra-
dicadas em lua geraçaõ.
Por nao trafpaffar as raias , que nós abalifamos ,
balearia o que eílá dito para convencer as Mãis do
muito que intereflaõ os pobres innocentes em ferem
criados aos peitos maternos ; mas nao deixaremos em.
' ,er"Ca
gaõ '°M ^s importante
tao -"^es immimmiílerio
ne„tes fobre pois
as Mais
que, aque fe ne-
repercu-
;
çao ^do leite , que a natureza tao advertidamente lhes
largea, traz comfigo graviffimos incommodos, muitos
dos quaes nao tardao a apparecer.
Supponhamos pois, que as Mais, trocando pelos
caprichos da vaidade os avilos da natureza , abandonaõ
ARTIGO VIII.
«mr e tem
cahir em P^ra"iento
epJepfia colérico
, e em ; poiscrianças
convulsões todos os, dias
que vemos
mam-
marao o leite filtrado no acceíTo da coJera. E por aca-
bar de huma vez, he muito de dezejar com liallex-
D O S M E N I N O S.
Ha das amas , refta-me aconfelhar, que naõ degradem
ap Mais para longe de ii os ieus filhos; pois ió ellas
podem defempenhar a vigilância , e os cuidados , que
requeij huma criança. IsJo mais leve delcuido fuccede
torcer , ou deslocar hum membro ; ganhar hum máo
•habito ; conftipar-íè ; cahir ; ler mordida , ou mutilada
por animaes. E fó quem he Mai fe naõ cança de ef-
tudar a expreíTaõ das vozes equivocas da primeira ida-
de , os gritos , os clamores , e certas gefticulações que
ora annunciaõ o padecimento , e he forçofb attendelas;
ora faó efFeito de impertinência , e de máos hábitos*
que tem produzido a indulgência indifereta , e huma
nimia promptidao a fatisfazer appetites caprichofos e
então he precifo defvanecelos , que tudo he fácil'na
primeira idade.
^ Mas fe ha tantas mulheres, que naõ fabem fer
Mais , como lerá pollivel paliar ás extranhas os fenti-
mentos maternos? Quando fucceda pois naõ poderem
as Mais criar feus filhos, ao menos , naõ me canoO de
o redizer , obfervem como elles faõ tratados, poifque
dilpenladas de^ nutrir, nunca podem feio dos dif-
velos, que deverão entrarem feus corações no momen-
to , em que forao Mais.,
ARTIGO IX.
Gomo fe devem conduzir as amas.
no
I
jó Tratado da Educaçaó Fystca
iio campo: aqui a atmosfera he nuis.enorgica, e mais
tranca ; os ventos loprando fem eftorvo a refreícaõ ,
e a renovad; e ella abunda d^quelle principio fubtil,
que conferva aftivo o movimento da noífa máquina ;
refrigera os humores ; corrobora o bofe , e o eftoma-
go; e inflnua-fe nos alimentos já durante o feu fabri-
co, já na acçad da maftigaçao.
Olhe-fe muito para que o alimento das amas fe-
ja faô; pois que deite he que o leite fe extrahe, e fe
compoem : elle he hum liquido vegeto-animal, que con-
ferva muitas propriedades da maffi alimentar. Pois bem
oblervamos , que fe os animaes paftao o abíínthio he
amargofo o feu leite , e- tem hum cheiro íuave, e hum
fabor agradavel quando .faó fragantes , e faborofas as
fuas paftagens. " .■■
Nunca eu entendi em que a ama tivefle huma ef-
treita dieta, pelo contrario tenho por primeira regra,
o nad fe afaftar, quanto for pofllvel, do feu coítuma-
do fuílento ; pois habituada aos alimentos grofleiros do
campo , extrariha guifados, que enfraquecem. E por cer-
to le o vigor natural do eftomago , e feus fuccos digef-
tivos faó taó energicos , que de alimentos rudes, e for-
tes extrahem a boa nutrição , que le diffunde pelos mem-
bros , e brilha na faca , e na agilidade do movimento
das gentes do campo ; para que he corromper os bons
humores da ama, e debilitar as forças do feu eftomago
com manjares taô inertes, que naò eftimulao as fuas
fibras, antes alteraô a economia de feus orgaós.
Os legumes , os frutos, as hortaliças , que de com-
mum fervem dc único fuftento nas mezas rufticas, faó
extranhos talvez ás pelToas debeis , e hypocondriacas j
mas de miftura com as carnes eftabelecem a dieta mais
faudavel , e mais própria i porém como no Tratado
fobre a utilidade dos fruítos impreífo em 1786 , fe
tratou efta matéria mais largamente , bafta dizer, que,
achamos mui conforme a razaõ, á experiencia, aos re-
Y
DOS Meninos." jy
íultados da anatomia comparada , e as efpeculaçoes fi-
lofoficas , que o homem feja hum animal fetifago por
natureza , e por organizaçaó , e que fó o coítume , e a
neceflidade o tornao carnívoro. Nao obíbndo a figura de
ieus dentes , a Simia reduz-fe á mefma ordem a que o
homem , e lie taõbem fetifago. Nem pode fer objec-
ção attendivel a debilidade , flatulências, e azias ,
que incommodao as pefloas fracas quando fe alimentaõ
de vegetaes ; pois mal fe pode avaliar o homem natu-
ra por aquelle , que hoje vemos habituado ás carnes
eafraquccuio p.,o3 vícios , debilitado pela vida alFemi-
Jiada da Corte, «^degenerado abfoluramente da fuPri-
mitiva energia. Mas deixemos huma queftao Que en-
gendra outras, e nao he muito própria deíle' lLar
. _ tudo temos fempre por muito errada a opi-
nião d'aquelles, que prohibem abfolutamente ás amas o
ulo dos tractos, pretextando o grave danno, que nro-
»
V
J
V
■■
• %
62 Tratado da Educaçaó Fvsica'
bem de feus filhos ao de fíihos alheios : em tal conf-
ternaçaõ derao-le a inventar máquinas, com que fup-
priflem a criação natural ; mas eu fupponho defnecef-
íario todo effe apparato , e quando nao baíte huina co-
lher, nada he melhor do que hum bocado de efpon-
ja bem Javada, e enfopada em leite; pois que a mef-
ma a.çao , com que o menino espreme a efponja ,
comprime as glandulas falivaes, e extrahe efte fucco di-
geliivo, que talvez mal fe pode difpçnfar : bem adver-
tido , que o leite dos animaes difficultofamente conveni
a hum menino nafeido de pouco, que apenas commu-
ta o leite deforado, e tenue do leio materno.
ARTIGO X.
k
i
dos Meninos. 63
Sigilamos o inftin&o dos brutos, e veremos como
__os dos que uiammaõ , fe contentaó nos primeiros
tcniyos fó com o leite , quando aliás melhor que as nof-
fas crianças poderiaõ loffrer alimentos groíleiros ■, pois
que faó mais capazes de exercício quafi logo depois de
leu|jiafcimento j como femelhante exemplo, fem bulcar
razles eíludadas , fe devem nutrir ló de leite as noilas
eriáiças ; e havemos por muito dannofo o coftume de lhes
djf: outras comidas, por leves que lejaó ;■ pojs nelta ida-
de começad os primeiros eílragos dos orgaos da digel-
ta6 ■■ e por certo , que os fuccos do eltomago , fendo en-
Plnuito fracos , mal podem difiòlver as farinhas , ge-
e mucilagens dos alimentos comniuns; e qualquer
Bcoifa que nao feja o leite de mulher grava , e danna.
,Nao baila cuidarmos, em que o alimento dos me-
jiinos feja proprio , lie precilo regular tãobem a fua
•quantidade. O alimento mais innocente mata fe he de-
mando. O leite aflas brando, e fuave, quando fobe-
, induz a cohca , a indigeftao, a diarrhêa , o vo-
mito , as^ convulsões , e a epilepfia. Nem por iíTo as
fao mais advertidas em nao offerecer o peito a
nèus filhos ainda mal defaffrontados do muito que mam-
Jnáraõ. O leite nao fó fuftenta a vida das crianças ;
mas-:, ferve por defgraça como huin meio prompto de
as callar quando chorão. E affiin defeançaõ as Mais
fobre hum abufo, em vez de elludarem com maior ef-
crujpfclo o génio deftes meninos , que nao fe queixao
em |a6 , principalmente antes que os máos liabitos lhes
jfrenhaó pervertido a imaginaçaõ.
■Defde o nafeimento logo começa a educaçao fy--
xica, Ie moral. Defde entaõ fe devem acoftumar as cri-
anças a matuíiiarem a huma hora regular, e nefta ida-
ãde , em qiie tujQ facjl.mentc fe confegue, pois que nós
ppouco _ mais f0vnos {jQ qUC hábitos , e educaçao ; nef-
ta idade, digo, jlc fácil arreigar hum coftume. Por iíTo
.deiaiQ nao ha acçaõ iudiíFerente y tudo deve fer bom 3.
64 Tratado da Edttcaçao Física
tudo deve fer meditado. O numero de vezes , que as
crianças devem mammar naõ pôde bem determinar-fe.;
pois que depende muito da quantidade de leite, que
ellas tomao por cada vez. Nos primeiros dias ainda mal
habituadas ao mecanifmo defta nova acçaõ , e prezas
de língua difficultofamente engollem algumas gotas de
leite , por tanto Ballexferd ordena por"então , que fe
lhes miniftre frequentemente^ o peito ; mas entendâ-fe
fempre , que o eftomago eftá muito fraco, e lie necef-
fario na6 o fatigar. Os intervallos que nos marca Man-
tell no leu Tratado da Educaçaõ Fyfica fao mui lon-
gos , para o primeiro tempo. Eu coítumo aconfelhar ,
que as crianças mammem muitas vezes nos primeiros
dias j quando porém ellas fe deícmbaraçao a mammar
com facilidade , baila que pelocommum o façaó quatro ,
ou íeis vezes ao dia , fegundo as fuas forças, ficando-Ihes
a noite para hum fono aturado, que lhes he natural,
e neceffario ás Mais , que, a ferem cuidadofas , alfas
precifaÓ defcançar de noite. Naó he indiílerente o lu-
gar aonde os meninos devem mammar , o qual deve
ler efpaçofo, e livremente arejado: por beneficio de
hum ar defembaraçado , e puro confegue-fe mais facil-
mente rarefazer efte vaõ enchendo a boca das crianças ,
que adim chupão melhor o leite; e efte melmo ar at-
mosférico entrando de miíhira com elie no eftomago,
concorre para a preparaçao de hum quylo mais aítivo,
além de miniftrar mais vigor ás fibras, e dar força ao
bofe , que fe regenera com taó laudavel refpiraçaó.
Já advertimos , ainda que a outro refpeito , quan-
to he nocivo o abufo univerfalmente efpaíhado de me-
ter rolhas na boca das crianças recem-nafeidas : fao
graves os inconvenientes, que provém do affucar, do
mel, e da marmelada , de que ellas fe compoem. Eftas
golodices deítroem a energia do eftomago ; debilitaõ 05
orgaõs da digeítaó ; depravaó a aélividade dos fuoj-
cos digeítivos ■, accumulaó cólera; e lançaõ as primei-;
t
y
D O S M E N I N. O S. 6$
ras Tementes da paixao hypocondriaca, hoje por infeli-
cidade taó conhecida da noiTa gente. Ainda me!mo
quando foffcin innocentes eftas rolhas pela fua qualida-
de feraó mortíferas opprimindo a refpiraçaõ , e impe-
dindo a entrada da atmosfera, que vai deiembrulhar os
vaíos, c facilitar a circulaçao.
Nao quero dizer , que fe deva abfolutamente vedar
qualquer fuftento além do leite materno em todo o tem-
po da criaçaõ, como já pareceo bem a alguns Médicos
doutos. Eu tenho experimentado, que ao cabo de dous,
ou tres mezes , fe o menino lie forte , e fadio , pode
ufar de algum alimento tenue, e liquido. He certamen-
te pelo leite dos outros animaes que fe deve começar. Em
razão da grande analogia , que tem com o noflo primeiro
íuftento. Elie he hum langue branco ( efte nome de que
ufa o Celebre XJnderwood com os Médicos anuguos pou-
pa largas definições) efte langue pois he tao adoptado
a refazer as partes conlumidas pelo trabalho da vida ,
c pelas excreções quotidianas , que o nao fupponho po-
der gravar o eftomago das crianças , íc ellas iaõ vigo-
rofas.
Por tanto aquelle que confervar maior analogia com
o leite humano , ferá o que melhor convenha ao
noflo intento. O de burras mais aguacento , como mof-
tra a experiencia , e mais fácil de digirir, he o que pri-
meiro deve entremear-fe com o leite humano , fendo
por certo preferível ao de vaccas , que tanto agrada ao
Doutor Smith. Crefcendo o menino em idade , no ç°.,
ou 6°. mez pode tomar no feu leite alguma gelêa, ou
mucilagem. O nimio efcrupulo de evitar a fermenta-
ção do leite , levou alguns Médicos a querer corregit
efte alimento faudavel com a gelêa de ponta de veado;
he certo, que a nao poder excuzar-fe o fuftento animal,
efta gelêa leria a mais leve ; mas ella corrompe-fe. lo-
<' gO, e preciía renovar-fe todos os dias, em tanto, que
o Salepe , 0 Sagu , e a Tapioca, além de nao eítarein íu-
Z jei-
I
■
66 T R A T A DO D A E D UCA q A O Fr SI CA
jeitas á fermentação animal , dao-fe taobem com os
eltomagos débeis principalmente fendo aromatifadal coxn
canella , e por iffo de ordinário prefcrevo eita dieta
aos meninos , que eltatí a meu cuidado.
Muitas vezes por variar alimento" ufo da farinha
de arros torrada ; cuja mucilagem he mais leve , que
a gelea do trigo, de que fe faz a papa. Efta rnalla
grolieira he conhecida pelo melmo nome de quafi to-
das as gentes da Europa , tanto poder tem o erro is
vezes, que fe excende ao longe a pezar das vanii ic-
clamaçoes de pelToa* humanas , e zelofas do benj pú-
blico. CoftumaÕ alguns educadores mais entendidos tor-
rar a farinha de trigo, bufcando aÚim attenuar a vif-
cofidade do feu grude ; mas fempre fallece aqueffa di-
vilãó myfteriofa , que refulta do movimento inteltino da
fermentaçatí entre as primeiras partículas ■ por tanto o
paõ levedado bem cozido, desfeito, e recozido no leite
lerá muito mais fácil de digerir, e mais làudavel do que
efta papa grolieira da farinha de trigo vifcofa . e na6
fermentada.
He taô ordinário coftume nos homens apartarem-fe
dos trilhos da natureza , que podemos alíegurar de tu-
do o que for util , que ha de fer rejeitado: afjirt í.i.
que o leite he negado ás crianças com o pretejítu cie
azias , e flatulências. Eu naõ duvido que de ice? tífóE
ninos haja 3, ou 4 , que fupportem mal efte alimen-
to , por lerem debeis em extremo , e taõ fenliveis de
nervos , que o ácido da fermentaçao, por brando qu_*
feja , lhes efcandalize a túnica villofa, que forra o ef-<
tomago , e os inteftinos ; porém qualquer tintara de -
flores de macella, de íementes de herva doçe , de ruu-
cho , huma pequena porção de canella junta com o leite
remedeaõ promptamente taõ leves incommodos, gu-
inas vezes fuccede naõ bailarem eílas cautelas entaí'-V -
ufo de 2 , ou 3 grãos de gengivre com 6, ou 1® '«og
de Rhabarbaro , e outro tanto de Magnezia et hum
§-; > xa-
f dos Meninos. 67
xarope de cafca de laranja. Outras vezes advirto, que ef-
te gaz, produto da fermentaçaõ do leite, emenda a cor-
rupção , que refulta da humidade , e do calor, e he hum
corredlivo contra os vermes , que aliás fe geraS, e ani-
níiao com facilidade nos inteftinos das crianças, accen-
dem febres, induzem cólicas, convulsões , epilepfias,
diarrhêas , maralma , ética, e morte.
O alimento folido , a alorda , e a papa concor-
rem para o choco dos vermes , e para que mais nocivas
nquem , faõ adoçadas nimiamente , quando he coifa ia-
bida, que os alimentos doces contém huma grande quan-
tidade de matéria aflucarada , que aliás muito nutritiva ,
iolta comtudo hum gaz, ou ácido carbonico, que cm
eítomagos traços accumula flatulências ; e de femelhantes
alimentos forma-fe hum chilo groíTeiro, e mal dirigido,
que obítrue os vafos lácteos, miniítra fuccos improprios
para o ofHcio da digeítaÕ, e convertido em langue he
térreo , a fua animalilaçaõ difficil, e a nutrição que delle
rtfulta v.cofa : por efe modo le t'orma6 ™ rempera-
- ««maricas , e frouxas , ,« apo-
diccem no ocio ; iníipidas para íi, e inúteis ao Eftado.
O alimento liquido convém melhor , que o foli-
do ás crianças, mas deite mefmo he precifo ufar mo-
deradamente ; no principio talvez baile huma vez ao
dia , porque eítomagos fracos , e defacoítumados de ali-
mentos maisdifficeis de digerir, tarde commutaõ , prin-
jfa I ta;ndo
primeira idade o exercício
porque , quafi
f do tempo he impraticável na
dado ao fonno.
Entrados porém os meninos nos oito, ou nove
mezes de lua idade, rebentaó-lhes os primeiros dentes,
incií res
tranco J
° > e cntaÕ a natureza mof-
r "frumento proprio da maítigaçaõ nos ad-
ados , jaí entiaõ os
a fbentos folidos que precifaõ corta-
er convenientes. Ainda mais nos ad-
Ku
V
AK*
Se-\ .
dos Meninos. 69:
V ARTIGO XI.
Do modo , e do tempo propriò para defmammar
as ôrianças.
ANdando os tempos , a criança munida de novos
dentes , e afeita ao trabalho da maftigaçao, abun-
dando de faliva , e mais firme de fibras , porque a a-
goa de fua cryftallifaçaó eftá mais enxuta , pode iá ir
entrando melhor com os alimentos duros , ccm tanto
que fejaõ em pequena quantidade, e miniftrados a ho-
ras regulares. Completo o anno de fua idade já conta
quatro dentes;, já dorme menos; já fupporta ao collo
largos paffeios ; em fim tudo moftra , que o leite ma-
terno lhe vai fendo fuperfluo , e talvez improprio por
fer pouco aftivo, de mui tenue alimento,, e incapaz
de excitar aquella acçao precifa que entretem a elafti-
cidade das fibras , as quaes nao iiipportando eftimulos'
fortes, fempre precifaõ , para naó entorpecerem, fer
brandamente eítimuladas. Por outra rafaõ fe alcança que
no fim do anno fe podem hir defmammando as crianças
pois vemos , que o útero até alli palmado , e raramente
íufceptivel de concepção, por cfte tempo , livres as Mais
para novos cuidados , continua a molhar os finitos da
lua benefica fecundidade.
O modo de defmammar as^ crianças he para a gen-
te
. d.e hoje huma arte de muito trabalho. Ella cufta
vigílias, fadigas ás amas; choros, e. doenças aos mi-
feraveis meninos. E tudo vem dos máos hábitos, que
por defcuido lhes foi livre contrahirem.
Naó faltao Médicos , que fupponhaó de tanta con-
iequencia efte periodo , e tcmaõ. tanto a pafíagem do lei-
te a "'mentos folidos , que femanas logo depois do
Jiafcimento entendem em nutrir com elles as luas crian-
ças , para evitar a extranheza, que eftas experimentará#
no tempo em que ie defmammarem. Outros cxtendem tao
Ion-
i
Juis
70 Tratado da Educaçaõ Física
longe o período da criaçaõ , que naò fe contentaõ
que ellas mamtnem menos de três annos, julgando que
até então o eftomago naó tem forças para digeftóes
mais deficultofas, maior meu te paliando fe nefte intervallo
as grandes dores da fahida dos dentes , as erupções
cutaneas , aftas , e muitas vezes o ferampo , bexigas,
e outros males , que requerem dieta tenue , e que deven-
do fer attendidos com medicamentos proprios, mas pou-
co agradaveis , fó podem ler bem remediados medican-
do-fe° o leite das amas , o qual temperado com hu-
111a dieta conveniente, e remédios adequados fatisfaz
ambas as indicações de nutrir, e curar.
He certo, que algumas vezes fe me apprefentaó
crianças taó debeis , e doentes, que eftando já em tres ,
ou quatro annos de idade , e abandonadas de Médi-
cos , iou de voto que fe lhes chamem amas que de no-
vo as amammentem , e fem outro remedio em pou-
co tempo tenho tido o prazer de curar , e reduzir a
huma vigorofa vegetaçaõ crianças marafmadas , e de
cuja penofa vida fó na morte fe efperava focego. Mas
quando ellas fao tratadas fegundo as regras preferiptas,
fadias , e bem nutridas excufao huma criaçaõ taõ di-
latada , inútil para ellas, e de certo muito prejudicial
ás Mais , que fe desfalcai) para outras criações. 1 oda-
via he precifo , para emendar huma prática abonada por
boas autoridades , expôr as rasoes , que me levaõ con-
tra as duas opiniões correntes relativas a efte artigo;
e vem a fer, que huns daó muito cedo o alimento
folido, outros confervaõ fó a leite as crianças por lar-
go tempo.
Primeiro que tudo, eu nao polfo convir com o
voto d'aquelles, por fuppôr fer contra a ordem da na-
tureza dar alimento extranho , quando ella tem prepa-
rado no leite da Mai hum fuftento fobejo á nutrição
nos primeiros mezes. De mais le nós vemos, q"e ef-
te mefmo leite, o mais brando 3 o mais digeítivel, e
o
\
N-*
dos Meninos. 71
O mais natural dos alimentes, logo no principio tem
muito menos confidencia , e que ío depois a vaj ga->
nhando, entendendo affim a natureza fabia em naõ gra-
var o eilomago deftes tenros indivíduos; fe o leite das
amas, fendo de muito tempo, he mal feffrido pelos
meninos recem-nafcidos, e he precifo que elle feja agua-
do, e forofo como vemos ler o cleftro j então como
íòffrerá alimento extranho huma criança , que nem iup-
porta hum leite mais grollo , e coniifíente ? Mas ao
paço que pouco , e pouco fe vai vigorizando efta pe-
quena yíiatura, o leu eilomago fe enrija; os feus ÍUC-
„os fe tornaõ mais efficazes j e o exercício vai fortifi-
cando os feus nervos. Por efta mefma gradaçaõ fe po-
de com cautela ir difpondo , para que paíle do leite
humano a ular de outro alimento ; mas nunca nos pri-
meiros mezes ferá innocente a prática , em que vulgar-
mente eftaó as amas , que enfartao de alimentos grof-
-(é íítes pobres innocentes.
r ^°ra re'atlonga
demanadamente *vanien
a tecriaçaõ
á fegunda opinião
de três, tenho por
ou quatro an-
nos e por certo , que os dentes naõ forao dados ao
animal fem deftino : elles devem preparar, dividir, e
triturar as matérias de fua nutrição. Quando a nature-
za miniftra efte inftrumento , já tem tonificado de tal
nodo os orgaõs da digeftaõ, que elles podem com a-
tOS ma s
^ : ;o A ' folidos do que os leites , e do que os
" Aos. oito mezes fe a criança naõ he muito de-
ii lorire alimentos extranhes j e algumas , que por ni-
aua debilidade nao podem fe naõ com o leite materno,
<-*o em pafíaô muito além defta idade, fem que os pri-
meiros de tes
', !" appareçaõ , e para o dizer de huma vez,
aífim
' V alimento extranho 110 principio debilita,
( 'T'i • r dos meninos, igualmente o leite por
k ío he iníuficiente , quando c]les mais
i^gora uppomos de nenhum trabalho defmammar
-JiançaSj com tanto que fe pratique o que fica ad-
ver-
S
71 Traiam da Educaçao FrsrcA-
■vertido, por todo o tempo que decorre do nafcimen-
■to ate ao termo da cnaçajS. Badi, que dos tres mezes
por diante tomem alem do peito algum tanto de leite
de burras ; depois paíTao-fe ao de vacas: do quinto e
inez
P°r miílura-fe-lhes com o leite algu-
ma gomma leve para encraifer efte alimento; e quando
■lhes apontao os dentes , e começao a maítigar , foge-
ie-Ihes pouco , e pouco com o peito; affim fe diftra-
hem da mamma lem que o fíntaõ * e na idade de hum
anno, ou anno e meio, fe forao convenientemente cria-
dos , achao-fe naturalmente defmammados lera traba-
lhos , nem extranheza , ou doenças.
ARTIGO XIL
k
\
r M-4
D o s M E N I N O S. 75
lebres os aconfelhao. Tanto pôde o collume de matar
animaes, e ban.iar em Tangue as mãos, e o peito , que
ie teve por licito , e conveniente o que fora barbari-
ade , ou penúria. Eu eftou bem feguro, que o efto-
mago das cnanças abundando de humidade, e calor lie
hum lugar difpofto a fomentar podridão ; por tanto as
carnes, que já de íi tendem a elca ultima fermentaçao,
entrando alli promptamente fe corrompem , e faõ hum
alimento improprio nefta idade.
Além dos males fyficos , que refultaõ do ufo das
carne3 , naõ he estranho que ellas induzao em noffa
conftituiçao crueza, e ferocidade; naó fòmcnte porque
acoftumados a fer duros efpeftadores do cruel decrolladoi-
ro de entes fenfiveis, com mais hum pairo facilmente nos
habituaremos a olhar com a mefma infenfibilidade os
males da nolTa elpecie j mas taóbem porque entrando
ellas na compofiçaõ de todos os noflbs humores, po-
dem mudar eilencialmente o nolTò temperamento , exal-
05 máo J,u,nor dos animac
íoze* ^mhora
rozes. Embora íi""
palie por° efpeculaçao filofofica , ous tal-
fe-
z poi hum delírio de eícola , a dieta Pythagorica , que
em tanto eu acho muita rafaó aos Egypcios excluindo da
Magiftratura criminal os homens occupados nos mata-
doiros. Mas em fim deleitem-fe os Filofofos neítas
eipeculaçoes humanas , e agradaveis, que naó pertence
aqui analyfar fentimentos moraes.
J-odavia fempre peço muito áquelles aue rr<*m
pouco em theoria. filoUcas , fupplndo fé Tom im-
pério abloluto fobre toda a natureza , que olhem para
K mef-
74 Tratado da Educaçaó Fí|íct
mefuio tempo, que vejo outros cevados com as carnes ,
e iguarias de exquiílto fabor , que enfraquecidos pelo
pefo do alimento animal morrem de d ia mira podre ,
de Ijrenteria , e de atrofia , mal foffrendo a fobrecarga de
taó luperfluo nutrimento. Por tanto eu tenho para mim,
e obfervo em minha prática confervar os meninos em
dieta vegetal , em quanto a debilidade de feus folidos,
ou alguma doença naõ moftra fer precifo paflalos ao
ufo das carnes.
O chá , caffé , agoas quentes , e aflucaradas , e
todas elías bebidas , que ufadas fem moderaç.aõ deftroem
a energia dos noflbs folidos , ainda quando já eftaó
fortificados pela idade , necella ria mente devem produ-
zir grande eftrago fobre as crianças , relaxando-lhes
os nervos, e augmentando mais a froxidaõ das fi-
bras de feus eftomagos debeis , e amollecidos pela hu-
midade , e que alias precifaõ de corroborantes para ga-
nharem vigor , e refiítirem ao continuo trabalho da di-
geftaõ.
Igualmente reprovo o ufo de vinho ; liquores efpi-
rituofos; e bebidas fermentadas, quaefquer que feiaõ j
a pezar de alguns Authores as terem aconfelhado com
o fim de corroborar as crianças debeis , e raquítica?.
Nos paizes feptentrionaes , onde hum frio intenfo con-
trahe os vafos. cutâneos , embaraça a tranfpiraçaõ , e
até fulfoca inteiramente a acçaõ da vida , neftas regioea
talvez fe polfa permittir femelhante liberdade ; ainda
aífitn as fricções brandas íobre a pelle luppririaõ bem
taõ arrifcado expediente. Entre nós o vinho he fem-
pre nocivo ás crianças, e pelo ordinário induz diar-
rhêas , tenelmo , caimbras , convulsões, epilepfia, e to-
da a efpecic de erupções cutaneas.
/ too-s Meninos. 7?
ARTIGO XIII.
e
76 Tratado da Edu-caçaíJ Fysica'|
porque o fufurro dos animaes inquieta, J perturba a
ionno; o calor da atmosfera augmenta o (boi, que já
lê' ^camPael«r& ^ W Çf
de
k°Lrror^ ^iu^°
mo outro "°a t" ^ ""
Douthor Smith entendo pelo prin,"™',
taçao , que nao fe faz a culta das noffas forças ; e ne*
lo fegundo, aquelle esforço , em quefe exercitao os nof-
fos mufculos , e nefte /entido he que eu digo mov -
mVd
ma 7 Cn? \g° e0Sas
disformidade, ; «wfciiíos, e aífim
vezes aleijão.,, fe fórma
Nunca hu-
vi (diz
„ hum educador Filofofo) que os homens na6 foubef.
„ lem andar por falta de enfino. E por-certo deixem i 1
» ° merm™' ^ ellf im»ará , e apprenderá : as ftjfo
„ ejas ferao a regra dos feus primeiros enfaios, e os feus
» Paírei0« medidos pelo feu vigor. Elie andará auan*
do poder andar, nem para iífo precifa de meftre
Tachem nap he. indiíFerente o lugar onde. fe pí^
\
oos Meninos. 77
ticao:«*os pafTeios na infância. Neõ he pois o mcfrr.o
fcaíTeai-fen_Jium lugar fechado, enjoar he impuro, e
Jcm elaftrcidade , cjuer íeja huma iala perfumada por
aromas, ou hum albergue inficionado de miajir.as cor-
rompidos , e de exhalações húmidas, naõ he o mel mo
digo, do que paíTear em hum prado eipaçofo , onde
a atmosfera fe renova peios ventos , e onde os vapo-
-rs'da terra, e os effiuvios das flores embalfamaõ de
vida , por aílim dizer, tile elemento vivificante. As fa-
mílias deita Corte , que ficaõ longe do campo , naõ
peidem ter lugar mais proprio para os exercidos da
míancm do que o Paíleio público. As horas da ma-
nhaa fao as melhores.
Seria para mim hum prazer infinito , fe chcgafle
a ver as Mais conduzindo feus filhos a efte ameno lu-
gar , onde deixados em liberdade os innocentes meni-
nos correilem com os feus companheiros , apprendendo
h ,am^re™"fe i e a e (tender a toda a humanida-
mna6s
Sáí , nno n ,e mais
q an A o o ai eítá
de
Pentes-
frefeo , A hora adalida
quando ma-
concurlo da gente naõ tem ainda levantado pó, e
movido os entulhos, e lameiros, que apodrecendo em
todas as ruas , inficionaõ a atmosfera , e quando em
m a evaporaçao do ar vital, que por intervenção da
ARTIGO XIV.
ARTIGO XV.
i
83 Tratado da EducacjAo FrsicA
vez o /eu remedio. TaÕ viva he a alteraçaÕ que iniuZ
na nofla maquina ! No frio da fezao contrahe-íe a pelle •
o langue recua para os grandes vazos ; opprime o co^
rapo, e faz ancias: o bofe taôbem contralto nao ref-
pira ; e o doente affl.ge-fe ; tirita com frio , e tem o fyf-
tetna nervoio em hum violento efpafmo, ás vezes tao
forte, que cahe em fyncope e aífim he que as inter-
mittentes quaii fempre mataõ no rigor do frio. Aço-
ra comparem-fe eíles fymptomas com os efFeitos do fuf-
to; nada he mais parecido! O homem a fuíhdo esfria ■
treme ; refpira com dificuldade , o coracaÕ pára : fo-
me-fe o pullo; fegue-fe o deJiquio e ás Vezes a mor-
te . eis-aqui os bons officios que ordinariamente rece-
bem as crianças de feus educadores. As impreísóes na
primeira idade gravaò profundiíimos veftigios fobre a
nofla maquina j pois que ainda he pouco firme o teci-
do de noflòs vazos ; os nervos faõ muito debeis e
moveiso fangue naô tem aquella fibra , que eítimula o
coraçaõ a continuar no leu jogo ; qualquer imprefao
baila a defarranjar huma maquina tao delicada; daqui
vem que as convulsões , a epileplia , a eftupidez , e
a mania jnuitas vezes laõ conlequencias de fuftos gran-
des , nao entrando em conta aquelles defarranjos que
por menos apparatofos efcapao ás percepções vulgares,
mas que nem por ido deixaõ de lançar a feuiente dos
polypos , dos tubérculos , e pelo menos da hypocon-
dna , e ji'afFecçaÕ nervofa.
Naõ podo deixar efte artigo , fem lembrar que te-
nho por exculado , e bárbaro todo o caftigo nos pri-
meiros annos ; pois facilmente fe dobra huma vergontea
flexível e tenra , quando alias nada fe tira deftes pro-,
cedimentos duros , que affligem , e intimidaõ as crianças.
Igualmente me caufa affliçao, ver como o povo igno-
rante nagella os pobres innócentes, quando íubmergidos
i?o profundo íono da primeira idade , foltaõ fem íg
advertirem as fuas ourinas} e deíle modo ou os ator-
men-
D
° s Meninos. 89
nientao inutilmente , ou confeguem perturbar o fono
pezado , plácido, e falutifero da infanda , ou em fim
obrigando-os a reter as aguas occazionaõ-lhes retenções
de ourinas, e outras moleftias dos orgaós ourinarios.
TaÕbem me defagrada , e tenho por inútil, e mef-
mo por muito nocivo a huma criança , confumila com
eítudos nada proprios de feus annos , e que além de lhes
embaraçarem o exercício , e a agitaçaõ continuada , e
neceifaria para a corroboraçaõ de feus folidos , affroxaõ
a energia da fua imaginaçaõ; cançaõ os feus nervos ;
perturbaõ as luas digeftões, e mirraõ a fua recente ve-
getaçao. E qual he o adiantamento que fe ganha deftas
applicaçoes intempeíhvas ? Decorar as opiniões dos ou-
tros; fallar muito, e naõ faber nada.
Baila o que eftá dito para fe ver de quanta confe-
quencia faõ as paixões na primeira idade , e como a
fua moderaçaõ influe para formar crianças robuftas, e
sas. He verdade que hum ente fem paixões he hum
autómato eíhipido, e defprezivel : Efte fogo he necef-
fano ao homem para a fua mefma confervaçaõ ; apagar-
.0 he. embrutecelo; mas he precifo prefcrever-Jhe
raias; eis-aqui em que eftriba toda a filolòíia , e todo
o artificio da educaçaõ moral. Bailaria efte artigo para
moíh-ar claramente por onde prende a cadêa dos conhe-
cimentos fyficos com os moraes da natureza do homem,
m
?o-nn°i ° a k°
igualmente
a
conducla
pendente da defua
de confi economia
rações fyficas ,animal eftá
e moraes.
me aqui havemos conduzido o homem em quanto
ao leu rynco, fegundo as intenções da natureza , e affir-
mamos de certo, que naõ faõ conjeéturas os noíTos ra-
S
flniiplh° ;4 jS°ra Porém <lue já o luppomos ter vingado
F &
defenvolvendo' T fordficand"T® fl
para hir ^
M DIS-
- ;G
'
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rJQoii i, is-r:-:
Sobre a Inocularão.
M ii AR-
Disser t a ça á I
ARTIGO I.
Da Hijioria da Inoculaçao.
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A Origem da Inocula ça 6 o nome do primeiro Ino-
culador, feu paiz natal, e os accafos , ou as ra-
zoes que fuggeriraõ a primeira idéa dcfta prática eítaõ
em fegredo para nós : confta porém com alguma pro-
babilidade , que a^China , e a Cifcaília abraçáraõ pri-
meiras a inoculaçaõ ; diz-fe que datava de mais de cem
annos na China , quando alli houveraó noticia deila os
Europeus , tendo-a já prefenciado na Europa, mas co-
mo nao fabemos ao certo quanto tempo vagára na Cir-
eaíha antes de vir ao noiTo conhecimento, naõ fomos
fenhores de difpôr da gloria deite achado.
Se nos damos á conjecturar fobre os motivos, que
poderiaõ lembrar a inoculaçaÓ aos Circa/liancs, logo
nos vem á idéa , que traficando efte povo em mulheres
e ganhando fomente nas formofas , a todo o rifco dé
vida eftaria prompto a admittir qualquer artificio , que
tornafie mais vendavel hum genero do feu commercio.
As bexigas affeiaó de tal maneira as mulheres , quando
as accommcttem na idade adulta , e deixaÕ taõ leves e
taó raros veftigios quando rebentão na infanda, que'fe-
ria hum a fortuna para a CircafHa , fe efte mal folie pri-
vativo da primeira idade. Ora como o veneno das be-
xigas traz contagio, lie muito provável, que os Circaf-
iianos em vez de arredar as fuás crianças dos enfermos
bexigofos, antes as expozeífem de boamente a c-fta in-
fecção , e naô contentes de os ajuntar no mefmo lei-
to , até esfrega flem com o- humor das puftulas os córpos
dos meninos faõs : e eis-aqui já huma efpecie de ino-
culaçaò.
He igualmente certo, que as bexigas naõ íó. des-
figura o menos , mas que fao mais benignas na idade
ten-
SOBREAINOCULAÇAÕ. frç
tenra ; por tanto he muito para appetecer, a haver de fe
palíar por efte contagio, que feja nos primeiros annos;
e eis-aqui agora huma razaõ de utilidade , que podia
fuggerir a idéa da inoculaçao.
Já nos hiamos deixando levar da curioíidade de
efpecular coifas inúteis , e efeondidas, quando he pre-
ciío contentarmonos com os fa&os. Por tanto como
quer que palFafle da Circallia á Gonílantinopla a noti-
cia da inoculaçao, ella foi aqui abraçada dos Gregos,
e Arménios, e felo-hia dos 1 urcos, a terem elles me-
nos fuperftiçaõ.
Nao achamos certeza do tempo, que a inoculaçao
tardou em tranfmigrar de Gonílantinopla para Europa
aonde chegou em 1713 por carta de hum Medico d'a-
quelia Corte ao Doutor Timoni ; mas delfa noticia
naõ refultou fucceílo. Era miíler algum enthufiafmo
para fe abraçar huma prárica , que nem por iiTò tra-
zia o melhor fobreferito. Huma Senhora de refpeito pó-^
de muito com outras , e aílim fuccedeo, pois que Wor-
tl-y Embaixatriz em Gonílantinopla voltando a Lon-
dres em 1721 perfuadio com o l'eu exemplo a tranf-
plantaçaõ das bexigas ; e por eíle tempo he que o Me-
dico de Jorge II. obteve a faculdade de inocular cin-
co réos de pena ultima , cuja operaçao praticada aos
vinte oito de Julho foi , como prefenciou o noífo Ja-
cob de Caibo , muito bem fuccedida. Seguio-fe logo no
anno de 1722 a inoculaçao dos filhos da Princeza de
Galles, cujo autorizado exemplo foi tao fobre maneira
efficaz , que ao cabo de dous annos contavaò-fe mais de
5c° ^ inoculados ; todavia os feus progreflos nao cref-
cerao á proporção nos 20 annos feguintes j mas por ef-
tes tempos ganhou outra vez tao grande partido , que
entre os annos de 49, e 5-0 apparecêraõ mais de 2000
inoculados , naõ contando mais de 150Q que fe inocu-
arao em Londres ; e quanto hia por diante eíla práti-
C
n 51 t.ant0 maiS cre c a
^ ^ o numero dos liiccellbs, que a
eítaheleciaó. Q
J
94 SobreaInocvlaça.Õ."
O Senhor Maitland foi certamente o primeiro
que inoculou em Londres , pois que havendo acom-
panhado a Embaixatriz em Conftantinopla , alxi appren-
dêra efta arte. Elie mefino voltando á Efcocia foi taõ-
b«m o primeiro, que ahi enxertou o veneno das bexi-
gas , ainda que já no paiz houveffe certa efpecie dc
inoculaçaó utada entre o povo , a qual fe fazia por
meio de hum cordaó embebido nefte veneno , como re-
fere o Doutor Mouro Pai , na fua conta dos fuccef-
fos da inoculaçaó na Efcocia.
Hum defaftre bailou a defacreditar a inoculaçao
nefte paiz, e defde o anno de 1726 até o de 33 pou-
co fe eftendeo. Então a Cidade de Dumfries acoííada
de huma epidemia violenta, voltou-fe a elle expedien-
te , e depois começou a praticar-le a inoculaçao por
todo efte Reino ; mas encontrando fempre tantos tro-
peços , que 110 efpaço de 30 annos nao pôde o Dou-
tor Monró fommar 6000 inoculados em toda a Efcocia.
Se deixamos eftes reinos, pouco temos que accref-
centar á hiíloria da inoculaçao; a pezar dos Médicos
acclamarem por toda a parte taó grande auxilio , ainda
naô eftá mui bem eftabelecida ; pois naõ foi dada a
todos a precifa coragem para bufcarem por fi mefmos
huma enfermidade, que nao he abfolutamente fem rif-
co, ainda pelo calculo mais ventajofo. Entre nós po-
rém , pofto que nao tiveife ganhado ainda grande ter-
reno femelhante prática , talvez porque as bexigas na-
turaes nefte clima fao menos perigolas , aftim mefmo
com tudo começavaõ alguns Pais a deixar-fe ir ás per-
fuasoes dos Médicos ; porém como a inoculaçao nao
he fempre fem rifco , a primeira ^ adverfidade defpertou
a calumnia , e intimidou os práticos mais prudentes.
Antes de acabar efte primeiro artigo he de no-
tar , que em algumas aldéas d'Entre-Doiro, e Minho
fe pratica huma efpecie de inoculaçao fuperfticiofa , cu-
ia data nao tem fido examinada , e que talvez recua
con-
Dissertaçao r??
conforme alguns entendem , a tempos anteriores á tranP-
plantaçaõ Circaffiana.
ARTIGO II.
A mt ■
S>6 Dissertaçao
IV. Comova febre das bexigas vem efcoltada de
iymptomas tao equívocos com os das outras febres
que podem confundir os práticos mais attentos prin-
cipalmente quando nao domina influencia bexigofa, fuc-
cede que as vezes o mal fe deteriora por naÓ fer co-
nhecido , e atalhado a tempo. Mas quem inocula nao
pode fer íurprehendido > e eis-aqui a inoculaçaó com
mais elta utilidade.
Hum pequeno numero de inoculações afortunadas
corroborou eíles argumentos , e decidio no principio
os Médicos a abraçar a invenção CircalEana. Com o
andar dos tempos engroíTou muito o catalogo dos ino-
culados e fobre milhares delles foi fácil fazer novas
oblervaçóes que provaô melhor a utilidade da inocula-
çaÕ. O Celebre Camper , cujos trabalhos tem enrique-
cido varias Academias , defcobrio em fim novos argu-
mentos , de que eu tive a fortuna de fer informado
por feu filho n'hum encontro de viagem, antes de efta-
rem impreflòs. Reduzem-fe os feus argumentos a eila
efpeculaçaõ.
i°. Argumento.
a°. Argumento.
30. ARGUMENTO.
N 4°«
98 D i s s e r t a q a 6
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V
4o. v Argumento.' - - I
6°. Argumento.
AR-
100 DlSSERTAÇAo
ARTIGO III.
i°. Argumento.
2°. Argumento.
30. Argumento.
ARTIGO IV.
ARTIGO V.
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6". Q_u e s t a ó.
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REGRAS GERAES
EXTRAHIDAS DO TRATADO
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EDUCAÇAÕ FYSICA,
manual practico.
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117
INTRODUCÇAÕ
Aforismos.
I.
II.
III.
IV.
VI.
VIII.
IX.
Ei zino
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RÉ-
lio
REGRAS GERAES
EXTRAHIDAS DO TRATADO
D A
EDUCAÇAÕ FYSICA.
ARTIGO I.
II.
III.
ARTIGO II.
I.
II.
III.
ARTIGO III.
I.
II.
III.
I.
II.
ii Naf-
124 Regras Gera es Extrahidas
III.
IV.
V-
VI.
ARTIGO V.
I.
III.
Ta6 fimples he pois a arte de penfar as crian-
ças ! E havemos por abulo íummamente nocivo, e bar-
baro rodos os artifícios das Parteiras , já amollegando o
cerebro dos mileraveis innocentes, ja expremendo-lhes
os peitos , c em fim cingindo taõ eftreitamente osfeus ten-
ros corpinhos , que aiém de os acanharem nas propor-
ções da nofla efpecie, efmagaõ-lhes as entranhas , e ai-
láilinao grande numero delias pobres viclimas.
AR-
126 Regras Geraes Extrahidas
ARTIGO VI.
I.
II.
VII.
VIII.
A1 femilhança da natureza , que fe ferve do cloí-
tro como purgante muito conducente á evacuaçaõ do fer-
rado , ufo eu , fe he necelTario, do foro de leite prepara-
do com o cremor de tartaro , e adoçado cem peouena
porção de mel. Mas fe naõ baila efte laxante brando,
recorra-íe á purgantes de ouira ordem; porém naó fem
avizo do Medico.
IX.
n8 Regras Geraes Extrahidas
IX.
I.
III.
IV.
ARTIGO VIII.
I.
III.
V.
VI.
VII.
ARTIGO IX.
I.
III.
I.
II.
III.
IV.
V.
VI.
ARTIGO XI.
ARTIGO XII.
I.
II.
III.
ARTIGO XIII.
I.
II.
III.
IV.
VI.
VII.
ARTIGO XIV.
I.
II.
III.
ARTIGO XV.
I.
II.
III.
IV.
V.
140 Regras Geraes Extrahidas
V.
IN-
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índice
1
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... 4
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