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PROJETO UTI PARA O XIX EXAME – OS 10 MAIS

Direito Civil
Cristiano Sobral

DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES devedor/credor, mas esta pode ser consubstanciada


em um dar (dinheiro ou qualquer bem), um fazer ou
um não fazer. Assim sendo, o respeito às limitações
1. INTRODUÇÃO dos direitos de vizinhança são obrigações propter
rem, pois consistem em obrigações de não fazer do
O direito das obrigações é o ramo do Direito proprietário para respeito a direito de vizinhos.
Civil que se ocupa em estudar a relação jurídica
que existe entre devedor e credor, onde este pode 2. MODALIDADE DAS OBRIGAÇÕES
exigir daquele o cumprimento de uma prestação,
que pode consistir em um dar, um fazer ou um não As modalidades de obrigações decorrem de
fazer. dois tipos de classificações: básica e especial. Em
uma classificação básica, a depender da natureza
A obrigação tem, portanto, três elementos: da prestação, a obrigação pode ser de três tipos:
devedor, credor e vínculo jurídico. O vínculo obrigação de dar, obrigação de fazer e obrigação de
jurídico é a ligação que existe entre o devedor e o não fazer. Em uma classificação especial, o CC
credor, que é composta por dois elementos: débito trata de mais três tipos de modalidades: obrigação
e responsabilidade. Significa que há duas questões alternativa, obrigação divisível ou indivisível e
ligando devedor e credor: a existência de uma obrigação solidária.
dívida (débito) e a possibilidade de cobrança judicial
em caso de inadimplemento (responsabilidade). 2.1. Obrigação de dar

Importante para prova da OAB: A obrigação de dar é aquela em que a


obrigação natural. É a obrigação em que o vínculo prestação do devedor consiste na entrega de um
jurídico é formado apenas pelo débito, não existindo bem. A obrigação de dar pode ser de dois tipos: dar
responsabilidade. Existe uma dívida, mas, se não coisa certa ou dar coisa incerta. Na obrigação de
for cumprida a prestação, o credor não tem o poder dar coisa certa, o devedor tem a prestação de
de exigi-la judicialmente. No entanto, se adimplida entregar um bem específico. Por exemplo, quando
espontaneamente ou até mesmo por engano, não alguém vende o cavalo campeão de sua fazenda.
se pode exigir devolução, pois o débito existe (art. Já a obrigação de dar coisa incerta é aquela em que
882 do CC). É o que chamamos de soluti retentio o devedor assume a obrigação de dar um gênero
(retenção de pagamento). Exemplo de obrigação em certa quantidade - por exemplo, quando alguém
natural: dívida de jogo ou aposta. vende três cavalos de sua fazenda.

Importante para prova da OAB: 2.1.1. Obrigação de dar coisa certa


obrigação propter rem (em razão da coisa).
Como o nome sinaliza, é direito obrigacional É a obrigação de dar um bem específico,
(confrontando devedor e credor) e não direito real. não servindo outro de mesma espécie, como
Todavia, tem uma especificidade: é a obrigação que quando uma pessoa vende o cavalo campeão de
surge em razão da aquisição de um direito real. Ao sua fazenda. Na verdade, há dois tipos de
se adquirir um direito real, seu titular adquire obrigação de dar coisa certa: dar e restituir. A razão
algumas obrigações de devedor perante credor. é que quando tenho a obrigação de devolver um
Exemplos: obrigação de pagar condomínio quando bem que recebi, não posso impor a entrega de outro
se adquire o direito de propriedade de um de mesma espécie. Portanto, tenho obrigação de
apartamento ou o dever que o proprietário tem de dar coisa certa tanto quando tenho que entregar um
indenizar o possuidor que realiza benfeitorias em cavalo que vendi quanto quando tenho que devolver
seu imóvel, nos termos destacados em direitos reais um cavalo que me foi emprestado.
neste livro.
Como a obrigação propter rem surge por O tema vem previsto entre os arts. 233 e
força da titularidade de um direito real, acompanha 242 do CC, onde um único tema é tratado: perda
o bem se houver transferência dele, ou seja, o novo ou deterioração do bem depois que assumo a
titular do direito real a assume. Exemplo: quem obrigação de dar, mas antes da efetiva entrega.
compra um apartamento assume as obrigações de Como é obrigação de dar coisa certa, não sendo
pagar condomínio, até mesmo aquelas que estejam possível a entrega de outro bem equivalente, qual é
em atraso. a consequência? Quem suporta o prejuízo? É isso
que a prova da OAB vai exigir de você saber e as
Cuidado: a obrigação propter rem não se possibilidades são muitas, pois pode ser com culpa
consubstancia apenas no pagamento de valor ou sem culpa do devedor, pode ser um dar ou um
pecuniário. Deve ser uma obrigação

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restituir, pode ser perda ou deterioração ou até o que significa desfazer o negócio. Veja que o dono
mesmo uma melhora no bem. (devedor do carro) sofreu a perda, pois ficou sem o
carro e sem o dinheiro.
Como é questão constantemente cobrada
na prova da OAB, apresento um macete para que c) Prestação de dar, deterioração do bem, com
você, caro leitor, conheça todos os casos previstos culpa do devedor (art. 236): Devedor de um carro
nos citados artigos. Basta conhecer uma regra por tê-lo vendido ao credor, mas antes da entrega o
básica, à qual somamos duas regras acessórias amassa ao bater por dirigir embriagado. O credor
lógicas: poderá escolher entre receber o equivalente mais
perdas e danos ou aceitar o bem no estado em que
REGRA BÁSICA: Se o devedor teve culpa se acha acrescido de perdas e danos, incluindo o
na perda do bem, a regra sempre será a mesma: abatimento do valor em razão da deterioração.
deverá pagar ao credor o equivalente acrescido de
perdas e danos. Se o devedor não teve culpa na d) Prestação de dar, deterioração do bem, sem
perda do bem, a regra será sempre a mesma: res culpa do devedor (art. 235): Devedor de um carro
perit domino (a coisa perece para o dono), será dele por tê-lo vendido ao credor, mas antes da entrega o
o prejuízo. E quem é o dono? Depende se a carro é amassado por bater em um poste ao ser
obrigação é de dar ou de restituir. Na obrigação de levado pela correnteza da inundação provocada por
dar, antes da entrega o dono é o devedor, pois a violenta tempestade. Consequência: credor poderá
aquisição da propriedade só se dá com a entrega optar em resolver a obrigação (desfazer o negócio)
do bem. Na obrigação de restituir, o dono é o ou aceitar o carro amassado, abatendo do seu
credor, pois ele sempre foi o dono, uma vez só ter preço o valor perdido pela deterioração. Note que é
emprestado para o devedor. o dono (devedor do carro) que sofre a perda, pois
ficou sem dinheiro e com o carro amassado ou sem
REGRA ACESSÓRIA 1: Se ao invés de o carro pagando pela deterioração.
perda, houver apenas deterioração do bem, a
solução é a mesma, mas com uma diferença: ele e) Prestação de dar, melhora do bem (art. 237):
poderá optar entre a solução da perda Devedor de uma fazenda por tê-la vendido ao
supramencionada ou receber o bem deteriorado, credor, mas antes da entrega o bem se valoriza em
abatendo-se o valor da deterioração. razão do acréscimo de terra trazido pela correnteza
das águas (fenômeno chamado de avulsão). O
REGRA ACESSÓRIA 2: Se a coisa perece vendedor poderá pedir aumento de preço, pois é o
para o dono, a coisa também melhora para o dono, dono e ele se beneficia com a vantagem. Se o
ou seja, se, ao invés da perda ou deterioração, comprador não aceitar pagar o acréscimo, poderá o
houver uma melhora no bem antes da entrega, vendedor resolver a obrigação, ou seja, desfazer a
quem dela se beneficiará será o dono. venda. E se, ao invés de melhoramento ou
acrescido, o bem deu frutos? Os frutos percebidos
Vamos analisar, com base no macete ou colhidos antes da tradição são do devedor, pois
apresentado, as regras dos arts. 234 a 242 do CC. ele ainda é dono do bem, mas se pendente quando
Qual a consequência da perda, deterioração ou da tradição, será do credor, pois o bem acessório
melhora do bem antes da tradição, no caso da segue a sorte do bem principal. Assim, se o devedor
prestação de dar e no caso da prestação de vende uma cadela para entregar tempo depois e
restituir? antes da entrega fica prenha, se na época da
entrega o filhote já nasceu será do vendedor, mas
a) Prestação de dar, perda do bem, com culpa se estiver na barriga da cadela na época da
do devedor (art. 234): Devedor de um carro por tê- entrega, será do comprador.
lo vendido ao credor, mas antes da entrega o
destrói porque provoca um acidente com perda total f) Prestação de restituir, perda do bem, com
do carro por dirigir embriagado. Será devedor no culpa do devedor (art. 239): Devedor de um carro
equivalente (devolve o valor recebido ou não o por tê-lo recebido emprestado do credor, mas antes
recebe) acrescido de perdas e danos. da entrega o destrói porque provoca um acidente de
perda total do carro por dirigir embriagado. Será
b) Prestação de dar, perda do bem, sem culpa devedor no equivalente (indeniza o valor do carro)
do devedor (art. 234): Devedor de um carro por tê- acrescido de perdas e danos.
lo vendido ao credor, mas antes da entrega o carro
cai em uma ribanceira por ser levado pela g) Prestação de restituir, perda do bem, sem
correnteza da inundação provocada por violenta culpa do devedor (art. 238): Devedor de um carro
tempestade. Consequência: resolve-se a obrigação, por tê-lo em empréstimo do credor, mas antes da

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entrega o carro cai em ribanceira levado pela No entanto, se antes da escolha o bem se perder ou
correnteza da inundação provocada por se deteriorar, mesmo que por caso fortuito ou
tempestade. O dono é o credor e ele sofre a perda, motivo de força maior, o devedor não se exime de
ou seja, o devedor não terá que indenizá-lo da cumprir a prestação, pois o gênero não perece,
perda do carro. podendo o bem ser substituído por outro da mesma
espécie para ser entregue ao credor.
h) Prestação de restituir, deterioração do bem,
com culpa do devedor (art. 240): Devedor de um 2.2. Obrigação de fazer
carro por tê-lo recebido emprestado do credor, mas
antes da entrega o amassa ao bater por dirigir A obrigação de fazer é aquela em que a
embriagado. O credor poderá escolher entre prestação do devedor consiste na realização de
receber o equivalente mais perdas e danos ou uma atividade, como na contratação da prestação
aceitar o bem no estado em que se acha acrescido de um serviço. A obrigação de fazer pode ser de
de perdas e danos, incluindo o abatimento do valor dois tipos: personalíssima (infungível) ou não
em razão da deterioração. personalíssima (fungível). Será personalíssima
quando só o devedor puder cumprir a prestação,
i) Prestação de restituir, deterioração do bem, como na contratação de um pintor famoso para
sem culpa do devedor (art. 240): Devedor de um pintura do retrato do credor em um quadro. Será
carro por tê-lo recebido emprestado do credor, mas não personalíssima quando não só o devedor, mas
antes da entrega o carro é amassado por bater em outra pessoa também puder cumprir a prestação,
um poste ao ser levado pela correnteza da como a contratação de um pintor para pintura das
inundação provocada por violenta tempestade. O paredes de uma casa.
dono é o credor, que sofrerá a perda, pois a lei diz
que ele receberá o bem deteriorado sem direito de Por que diferenciar? Se for obrigação
indenização. personalíssima e o devedor se recusa a cumpri-la
ou por sua culpa se tornou impossível, responde por
j) Prestação de restituir, melhora do bem (art. perdas e danos. Se for obrigação não
241 e 242): Devedor de uma fazenda por tê-la personalíssima, poderá o credor optar em reclamar
recebida emprestada do credor, mas antes da indenização por perdas e danos ou mandar
entrega o bem se valoriza em razão do acréscimo executar às custas do devedor. Como isso é feito?
de terra trazido pela correnteza das águas Ajuizamento de ação com orçamento do serviço,
(fenômeno chamado de avulsão). Por evidente, será pedindo condenação do devedor do fazer a pagar.
do credor o ganho, pois ele é o dono do bem, Todavia, se for urgente, poderá o credor mandar
recebendo-o de volta valorizado, desobrigado de executar o fato independente de prévia autorização
indenizar. Se para o melhoramento ou acréscimo judicial, buscando em juízo depois o ressarcimento
houve trabalho do devedor, é benfeitoria, razão pela do que foi gasto.
qual o art. 242 do CC determina aplicar as regras do
direito de indenização que o possuidor de boa-fé e As obrigações de fazer podem ser
de má-fé tem em razão das benfeitorias que faz no classificadas em obrigação de meio e de resultado
bem (sobre isso, ver o capítulo próprio na parte de ou de fim. Nas obrigações de resultado, o devedor
direitos reais neste livro, quando da abordagem dos se vincula a atingir determinado resultado, sob pena
efeitos da posse). de inadimplemento e, consequentemente, dever de
indenizar perdas e danos. Já na obrigação de meio,
2.1.2. Obrigação de dar coisa incerta o devedor não se vincula a atingir determinado
resultado, mas sim a corresponder no meio para
É a obrigação de dar um gênero em certa atingi-lo, ou seja, a empregar a diligência na busca
quantidade, como na venda de três cavalos de uma do resultado. Não responde se o resultado não for
fazenda. Em dado momento, os bens a serem atingido, apenas se não empregou a diligência
entregues deverão ser escolhidos, o que chamamos necessária. Um advogado ou um médico tem
de concentração da prestação. A quem cabe a obrigação de meio, enquanto que, segundo a
escolha? A quem definido no contrato. Se nada for jurisprudência do STJ, o cirurgião plástico, embora
dito, a escolha caberá ao devedor, que não poderá seja um médico, tem obrigação de resultado,
escolher o pior nem ser obrigado a escolher o quando se tratar de intervenção meramente estética
melhor. ou embelezadora.

Feita a escolha, a obrigação de dar coisa 2.3. Obrigação de não fazer


incerta se transforma em obrigação de dar coisa
certa, aplicando-se as regras que lhe são próprias.

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A obrigação de não fazer é uma obrigação a b) Impossibilidade de ambas as prestações: Se a


uma abstenção, por exemplo, não levantar um escolha couber ao devedor e este tiver culpa, ficará
muro divisório. Se o devedor descumprir a obrigado a pagar o valor da prestação que se
obrigação, fazendo o que se obrigou a não fazer, impossibilitou por último, acrescido de perdas e
deverá indenizar o credor em perdas e danos? Nem danos (art. 254 do CC). Se a escolha couber ao
sempre, pois às vezes se tornou impossível, sem credor e o devedor culpado, poderá reclamar o valor
culpa do devedor, abster-se do ato. Nesse caso, de qualquer uma delas acrescido de perdas e danos
apenas se resolve a obrigação (volta ao estado (art. 255 do CC, in fine). No entanto, se ambas as
anterior do negócio), não tendo que indenizar prestações tornaram-se impossível sem culpa do
perdas e danos. Exemplo: a pessoa se viu obrigada devedor, independe de quem cabe a escolha:
a levantar o muro para impedir que a água extinta estará a obrigação, ou seja, desfeito o
invadisse sua casa. Se, porém, simplesmente negócio jurídico (art. 256 do CC).
decidiu fazer o que se obrigara a não fazer, será
condenado a indenizar perdas e danos e, se o fizer, 2.5. Obrigações divisíveis e indivisíveis
consistir em uma obra, poderá o credor pedir
judicialmente para desfazê-la. Se for urgente, Obrigação divisível é aquela em que pode
poderá mandar desfazer independente de ser fracionado o objeto da prestação, o que não é
autorização judicial, buscando em juízo o possível na obrigação indivisível. Como exemplo, a
ressarcimento. obrigação de dar dinheiro é obrigação divisível e a
obrigação de dar um cavalo é obrigação indivisível.
2.4. Obrigações alternativas
Só há importância em determinar o tipo de
A obrigação alternativa é aquela que obrigação quando houver pluralidade de devedores
compreende duas ou mais prestações, mas se e/ou credores. Sendo obrigação divisível, não há
extingue com a realização de apenas uma delas. problema, pois cada um cobra ou é cobrado em sua
Exemplo: obrigação de dar um carro ou uma moto. parte (se não for determinada a parte que cabe a
A quem cabe a escolha de que prestação cumprir? cada um, presume-se dividida em partes iguais).
Em regra ao devedor, pois a obrigação se extingue Entretanto, sendo obrigação indivisível, como cada
com ele cumprindo uma ou outra prestação. um cobrará ou será cobrado em sua parte, já que o
Todavia, o contrato pode prever que a escolha cabe objeto não pode ser dividido?
ao credor. É o que diz o art. 252 do CC, que
completa: não pode o devedor obrigar o credor a Havendo mais de um devedor em obrigação
receber parte em uma prestação e parte em outra. indivisível, cada um responde por toda a dívida,
pois não há como fracionar a cobrança. Agora,
Importante: o que ocorre quando uma ou aquele que pagar a dívida, sub-roga-se nos direitos
todas as prestações não puderem ser cumpridas? do credor perante os demais coobrigados (art. 259
A resposta irá variar se a escolha cabia ao devedor do CC). Exemplo: se duas pessoas devem um
ou ao credor. cavalo, qualquer um deles pode ser cobrado, mas
quem pagar poderá cobrar do outro, em dinheiro,
a) Impossibilidade de uma das prestações: Se a metade do valor do animal.
escolha couber ao devedor, subsiste a obrigação
com a outra prestação (art. 253 do CC). Mesma Havendo mais de um credor em obrigação
solução, se a escolha couber ao credor e a indivisível, qualquer um deles poderá cobrar a
impossibilidade se deu sem culpa do devedor. dívida por inteiro, tornando-se devedor perante os
Todavia, se por culpa dele, o credor poderá exigir a demais credores nas suas respectivas partes em
prestação subsistente ou o valor em dinheiro da dinheiro (art. 261 do CC).
prestação impossibilitada, acrescido de perdas e
danos (art. 255 do CC). Exemplo: devedor de um 2.6. Obrigações solidárias
carro ou uma moto destrói a moto ao dirigir
embriagado. Consequência: se a escolha cabe ao Na pluralidade de credores ou devedores
devedor, obrigação simples de dar o carro; se cabe em obrigação indivisível, todos são obrigados ou
ao credor, pode cobrar o carro ou o valor em têm direito a toda dívida por ser fisicamente
dinheiro da moto mais perdas e danos. Se a moto impossível dividir o objeto da prestação. Todavia, é
foi destruída acidentalmente, mesmo cabendo a possível haver obrigação divisível em que todos são
escolha ao credor, obrigação simples de dar o obrigados ou têm direito a toda a dívida por
carro. determinação da lei ou da vontade das partes: é a
obrigação solidária.

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Imagine dois amigos devendo vinte mil reais Todavia, em dois casos, os herdeiros
a um credor. Em tese, cada um deve dez mil reais, poderão cobrar a dívida toda: se a obrigação for
mas, se for obrigação solidária, o credor pode indivisível (exemplo: o devedor deve um cavalo aos
cobrar toda a dívida de qualquer deles (quem paga três credores solidários) ou, segundo jurisprudência
se sub-roga nos direitos do credor perante os do STJ, se os herdeiros cobrarem juntos através do
demais devedores). Por outro lado, se um devedor espólio, pois no direito das sucessões aprendemos
deve vinte mil reais a dois amigos, em tese, deve que o espólio se sub-roga nos direitos do de cujos.
dez mil reais para cada um deles, mas, se for
obrigação solidária, qualquer dos credores pode Nos termos do art. 271 do CC, convertendo-
cobrar toda a dívida (quem recebe se torna devedor se a prestação em perdas e danos, nelas
perante os demais credores). subsistem a solidariedade. Imagine um devedor de
um carro a três credores solidários, mas o destrói
Portanto, haverá solidariedade quando ao dirigir embriagado. Trata-se de obrigação de dar
houver mais de um devedor ou mais de um credor coisa certa com perda do bem por culpa do
obrigados ou com direito à totalidade da dívida. A devedor. Conforme visto, torna-se devedor no
solidariedade não se presume, resultando apenas equivalente acrescido em perdas e danos, no que
da lei ou da vontade das partes. A solidariedade permanecerá havendo a solidariedade.
pode ser ativa ou passiva, a depender se a
pluralidade está no pólo ativo ou passivo da 2.6.2. Solidariedade passiva
obrigação.
É a obrigação em que há mais de um
2.6.1. Solidariedade ativa devedor, cada um deles obrigados a toda a dívida.
Significa que o credor tem direito de exigir de
É a obrigação em que há mais de um qualquer deles o valor total da dívida, mas quem
credor, cada um deles com direito a toda a dívida. pagar se tornará credor dos demais devedores nas
No vencimento, qualquer credor pode se antecipar e suas respectivas partes (internamente não há
cobrar toda a dívida ou, enquanto nenhum deles a solidariedade). Se o credor optar cobrar apenas
cobrar, o devedor se libera pagando a qualquer parcialmente de um dos devedores solidários, os
deles. Quem receber, responde perante os demais demais continuam obrigados solidariamente pelo
credores, tornando-se devedor nas partes que lhes resto.
cabe.
Se um dos devedores solidários falecer, a
O mesmo ocorre se um dos credores remitir solidariedade é transferida aos seus herdeiros?
(perdoar) a dívida. Devedor deve trinta mil reais a Não, pois, como visto, a solidariedade é
três credores solidários e um deles perdoa toda a personalíssima. Significa que os herdeiros só
dívida. Este se tornará devedor de dez mil reais a podem ser cobrados na quota que corresponde ao
cada um dos demais credores, como se ele tivesse seu quinhão hereditário. Todavia, há duas
se antecipado e cobrado o devedor (art. 272 do exceções: se a obrigação for indivisível (ex:
CC). Cuidado: é diferente quando credor solidário devedores solidários devem um cavalo) ou se os
perdoa sua parte. Nesse caso, subsiste a herdeiros forem cobrados juntos através do espólio,
solidariedade para os demais credores depois de pois o direito das sucessões preceitua que o espólio
sua parte ser descontada. No exemplo citado, o se sub-roga nos deveres do de cujos.
devedor continua a dever vinte mil reais a dois
credores solidários. Atenção: a lei dá tratamento diferente
quanto à manutenção da solidariedade no que se
A solidariedade é personalíssima, ou seja, refere ao pagamento de perdas e danos e de juros
se um dos credores falecer e deixar herdeiros, que podem ser irradiados da obrigação, pois nas
estes não se tornarão credores solidários. Significa perdas e danos não subsiste a solidariedade. Mas
que cada um de seus herdeiros só poderá exigir e nos juros, sim.
receber a quota que corresponder ao seu quinhão
hereditário. Imagine um devedor devendo trinta mil Se devedores solidários têm obrigação de
reais a três credores solidários, sendo que um deles dar um carro e, por culpa de um deles, este é
morre deixando dois filhos. Os filhos não poderão destruído, a obrigação se converte no pagamento
cobrar os trinta mil, pois não se tornam credores do valor equivalente acrescido de perdas e danos.
solidários. Cada um só poderá cobrar a parte que No valor equivalente, todos continuam devedores
lhe cabe na herança, ou seja, cada um só pode solidários, mas pelas perdas e danos só responde o
cobrar cinco mil reais. culpado (art. 279 do CC). Todavia, se um dos
devedores solidários dá causa a acréscimo de juros

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ao valor devido, todos respondem solidariamente cobrar do cedente, que indevidamente recebeu o
pelo valor dos juros, pois o pagamento de juros é pagamento.
uma obrigação acessória e o acessório segue a
sorte do principal (art. 280 do CC). Em regra, o cedente não responde pela
solvência do devedor, ou seja, caso o cessionário
Importante (art. 285 do CC): Conforme não consiga receber o crédito em razão da
vimos, o devedor solidário que paga a dívida pode insolvência do devedor, não poderá cobrar a dívida
cobrar dos demais devedores a parte que lhes cabe do cedente. No entanto, ele responderá se vier
(se nada for dito, presume-se dividida em partes expresso no contrato. Quando o cedente não
iguais). Todavia, se a dívida solidária interessar responde pela solvência do devedor, a cessão é
exclusivamente a um dos devedores solidários, chamada de cessão de crédito pro soluto; quando o
responderá este por toda a dívida quando da ação cedente responde pela solvência do devedor, é
regressiva aos demais credores. O exemplo típico é chamada de cessão de crédito pro solvendo.
o contrato de fiança. Quando há renúncia ao
benefício de ordem, devedor principal e fiador são Embora o cedente, em regra, não responda
devedores solidários. Se o fiador for cobrado, pela solvência do devedor, ele responde pela
poderá cobrar em regresso do devedor principal não existência do crédito, ou seja, se ceder um crédito
só a metade da dívida, mas sim sua totalidade, pois que não existe, aí sim poderá ser cobrado pelo
é uma dívida contraída no seu exclusivo interesse. cessionário. O cedente responderá pela existência
Da mesma forma, sendo caso de mais de um fiador do crédito tendo o cedido gratuita ou onerosamente.
e um deles sendo cobrado pela dívida, só terá ação Se ceder de forma onerosa, responderá tendo agido
regressiva contra o devedor principal na totalidade de má-fé ou até mesmo de boa-fé, pois recebeu
da dívida, não tendo ação contra os demais co- pela cessão, devolvendo o valor auferido. No
fiadores. entanto, na cessão gratuita, como nada recebeu em
troca, só responderá se tiver procedido de má-fé, ou
3. TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES seja, se sabia da inexistência do credito que cedeu.

Haverá transmissão da obrigação quando Por fim, na cessão de crédito vigora o


houver uma substituição subjetiva em seus polos, princípio da oponibilidade das exceções pessoais
ou seja, uma troca de devedor ou de credor. São contra terceiros. O que significa isso? Quando o
dois os tipos de transmissão das obrigações: cessionário cobrar a dívida do devedor, este poderá
cessão de crédito e assunção de dívida. Na cessão se defender alegando as defesas pessoais que
de crédito há uma substituição no polo ativo, ou cabiam contra o cedente (art. 294 do CC). Exemplo:
seja, há uma troca de credores, pois o credor cede o devedor comprou um carro usado do credor, mas
a um terceiro o seu crédito. Na assunção de dívida não vai pagar porque apresentou vício redibitório.
há uma substituição no polo passivo, ou seja, uma Só que o credor cedeu o crédito a um terceiro, que
troca de devedores, pois um terceiro assume a é quem cobra a dívida. O devedor poderá se
obrigação do devedor. defender contra o cessionário alegando o vício
redibitório, mesmo sendo uma defesa pessoal
3.1. Cessão de crédito contra o cedente.

A cessão de crédito se caracteriza pela 3.2. Assunção de dívida


substituição no polo ativo da obrigação, havendo
uma troca de credores em razão da alienação, A assunção de dívida se caracteriza pela
gratuita ou onerosa, de um crédito a um terceiro, substituição no polo passivo da obrigação, havendo
que se tornará o novo credor da obrigação. A lei uma troca de devedores. A lei permite que terceiro
permite a cessão do crédito quando a isso não se assuma a dívida do devedor, mas exige a
opuser a natureza da obrigação, a lei ou o acordo concordância expressa do credor. No entanto,
das partes. Quem cede o crédito é chamado de independe de consentimento do devedor, podendo
cedente e quem o recebe é chamado de a assunção de dívida ser por delegação (com
cessionário. consentimento do devedor) ou por expromissão
(sem consentimento do devedor).
A cessão do crédito independe da
concordância do devedor. A lei exige apenas a O terceiro que assume a obrigação é
notificação da cessão, para que ele não pague à chamado de assuntor. Quando ele assume a
pessoa errada. Caso o devedor não seja notificado obrigação, o devedor primitivo está exonerado, pois
e pague de boa-fé ao antigo credor, ele estará deixou de ser o devedor. Todavia, há um caso em
desobrigado, só restando ao verdadeiro credor que o devedor primitivo não estará exonerado,

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podendo ser cobrado pelo credor: se a cessão foi


feita a quem insolvente e o credor a aceitou por não O CC trata de quem deve pagar, mas, na
saber do fato. verdade, o que se estabelece são regras sobre
quem pode pagar. A obrigação pode ser paga por
Com a assunção de dívida, salvo qualquer pessoa que tenha algum tipo de interesse,
consentimento expresso do devedor primitivo, ou seja, pelo devedor ou por um terceiro. A lei, no
estarão extintas as garantias dadas por ele, afinal entanto, estabelece consequências diferentes para
ele não é mais o devedor. Se a substituição vier a o pagamento sendo feito pelo devedor, por terceiro
ser anulada, restaura-se o débito do devedor interessado ou por terceiro não interessado.
primitivo, com todas as garantias que existiam. Quando se fala em terceiro interessado ou não
Exceção: não retornarão as garantias dadas por interessado, fala-se em interesse jurídico, pois, se o
terceiros, por exemplo, hipoteca de um bem de terceiro paga, algum tipo de interesse ele tem. O
terceiro. Exceção da exceção: a garantia dada por terceiro será interessado quando puder ser cobrado
terceiro poderá retornar, caso ele soubesse da pela dívida. Assim, um fiador que paga a dívida do
causa que gerou anulação da substituição. afiançado é um terceiro interessado, mas o pai que
paga a dívida de um filho maior de idade, embora
O assuntor, como novo devedor, poderá tenha um interesse sentimental, é considerado um
alegar que tipo de defesa ao ser cobrado pelo terceiro não interessado.
credor? Com efeito, a defesa pode ser de dois tipos:
comum ou pessoal. Será comum quando for defesa Se o devedor efetuar o pagamento, extinta
de qualquer pessoa que venha a ser cobrado pelo estará a obrigação e ele estará exonerado. Se um
credor (ex. prescrição da dívida). Por outro lado, terceiro pagar, também estará extinta, mas ele
será defesa pessoal quando for exclusiva de uma poderá reaver o valor pago, embora de forma
pessoa (ex. compensação de dívida). O assuntor, diferente a depender de quem pagou: se terceiro
ao ser cobrado, poderá se valer das defesas interessado, sub-roga-se nos direitos do credor; se
comuns ou das suas pessoais, não podendo se terceiro não interessado, apenas tem direito de
valer das defesas pessoais que cabiam ao devedor reembolso, não se sub-rogando nos direitos do
primitivo (art. 302 do CC). credor. Em ambos os casos, o terceiro cobra do
devedor o que pagou por ele, mas diferem porque,
4. ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS ao se sub-rogar nos direitos do credor, terá as
OBRIGAÇÕES garantias especiais dadas a ele, o que não ocorre
no mero direito de reembolso. Detalhe: isso
O meio normal de extinção da obrigação é o ocorrerá se o terceiro pagar em seu nome, pois se
devedor cumprir a prestação, o que chamamos de pagar em nome do devedor, é considerado uma
pagamento. Note que o sentido técnico de mera ajuda, não tendo direito de reaver o que
pagamento difere do seu sentido leigo, pois pagou.
pagamento é coloquialmente usado no sentido de
dar dinheiro. Pagamento em sentido técnico é A quem se deve pagar? O pagamento deve
cumprir a prestação, seja um dar (dinheiro ou ser feito ao credor ou a quem de direito o
qualquer outro bem), um fazer ou até um não fazer. represente. Se o pagamento foi feito à pessoa
errada, pagou-se mal e quem paga mal, paga duas
No entanto, a obrigação pode ser extinta vezes, pois o verdadeiro credor poderá cobrá-lo. No
por meios anormais, havendo extinção da entanto, em dois casos, o pagamento feito a um
obrigação de uma forma alternativa, de uma forma terceiro libera o devedor: se o credor confirmar o
diferente do que o cumprimento da prestação. São pagamento ou tanto quanto provar ter se revertido
as formas anormais de extinção da obrigação: ao credor.
pagamento em consignação, pagamento com sub-
rogação, imputação de pagamento, dação em Há um caso em que o pagamento é feito a
pagamento, novação, compensação, confusão e um terceiro e o devedor está liberado, mesmo que
remissão. o credor não confirme nem se prove a reversão em
seu benefício. É o caso do pagamento feito ao
4.1. Pagamento chamado credor putativo. Putativo vem de putare,
que significa crer, acreditar. Haverá credor putativo
Pagamento é o meio normal de extinção da quando se paga de boa-fé a quem não é o credor,
obrigação, ou seja, o cumprimento da prestação ou seja, se pagou à pessoa errada, mas havia
(dar, fazer ou não fazer). O CC inicia o tema motivos para acreditar ser ele o credor. Um exemplo
abordando quem deve pagar (chamado de solvens) já foi visto quando da abordagem do tema cessão
e a quem se deve pagar (chamado de accipiens). de crédito. Vimos que o devedor não precisa

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concordar, mas deve ser notificado da cessão de No direito comparado, há dois tipos de
crédito para saber que o credor mudou. Vimos que obrigação: quérable ou portable. A obrigação
se não for notificado e de boa-fé pagar ao cedente, quérable (chamada no Brasil de quesível) é aquela
ele está exonerado e a razão é simples: pagou a que deve ser cumprida no domicílio do devedor e
credor putativo. obrigação portable (chamada no Brasil de portável)
é aquela que deve ser cumprida no domicílio do
No que se refere ao objeto do pagamento, credor. No Brasil, conforme previsão do art. 327 do
este será o cumprimento da prestação. O credor CC, em regra as obrigações devem ser cumpridas
não é obrigado a aceitar prestação diversa da que no domicílio do devedor, ou seja, são quesíveis ou
lhe é devida, ainda que mais valiosa, afirma o art. quérable. Poderá ser portável ou até em outro local
313 do CC. Ainda que a obrigação seja divisível, a depender da vontade das partes, da lei, da
como dever dinheiro, não pode o credor ser natureza da obrigação ou das circunstâncias. Como
obrigado a receber nem o devedor ser obrigado a exemplo, o art. 328 do CC determina que se o
pagar por partes, se assim não se ajustou. pagamento consistir na entrega de um imóvel ou de
prestações relativas a ele deverá ser cumprido onde
Quem paga tem direito de receber uma situado o bem.
prova de que pagou. É o que chamamos de
quitação. O instrumento da quitação é o recibo, que 4.2. Pagamento em consignação
sempre pode ser por instrumento particular. Se o
credor se recusar a dar quitação, o devedor pode Consignação de pagamento significa o
legitimamente reter o pagamento enquanto não lhe depósito judicial ou em estabelecimento bancário
for dada. da coisa devida, o que a lei equipara a pagamento,
extinguindo a obrigação. O devedor tem não só o
Assim sendo, em regra, quem prova o dever de pagar, mas também o direito de fazê-lo
pagamento é o devedor, apresentando o recibo para evitar as consequências de sua mora. A
recebido como instrumento da quitação. No entanto, consignação em pagamento é, portanto, um valioso
em três casos haverá presunção de pagamento, instrumento para o devedor não suportar os
dispensando o devedor de provar que pagou. encargos moratórios.
Ocorre que é uma presunção relativa, ou seja,
aquela que admite prova em contrário. Desta forma, Poderá o devedor consignar pagamento
sendo um dos casos de presunção de pagamento, basicamente quando houver mora do credor ou
não se fixa uma verdade absoluta de que existiu algum risco para o devedor na realização do
pagamento, mas sim uma inversão do ônus da pagamento direto. Nesse sentido, o art. 335 do CC
prova, pois o devedor não precisa provar que arrola casos de cabimento da consignação em
pagou, mas o credor pode provar que o devedor pagamento: se o credor se recusar sem justa causa
não pagou. a receber o pagamento ou não puder recebê-lo, se
o devedor tiver dúvida sobre quem é o verdadeiro
São os três casos de presunção de pagamento: credor ou se o credor for desconhecido, entre
outros.
a) Art. 322 do CC: quando o pagamento for em
quotas periódicas, a quitação da última estabelece, Feito o depósito, a princípio, suspende a
até em prova em contrário, a presunção de estarem incidência dos encargos moratórios, mas o devedor
solvidas as anteriores; deverá propor ação judicial para discussão da
matéria, podendo o credor impugnar o pagamento,
b) Art. 323 do CC: sendo a quitação do capital sem pois só exonera o devedor se observados os
fazer reserva que os juros não foram pagos, estes mesmos requisitos exigidos para validade do
se presumem pagos; e pagamento. Se julgado improcedente, o depósito
não terá efeito. O processo tem procedimento
c) Art. 324 do CC: a entrega do título firma especial previsto no CPC.
presunção do pagamento, presunção que pode ser
elidida no prazo de sessenta dias. 4.3. Pagamento com sub-rogação

Para se efetuar o pagamento, importa saber Pagamento com sub-rogação é a operação


o lugar do cumprimento da obrigação. É nesse pela qual o crédito se transfere com todos os seus
lugar que se devem reunir credor e devedor na data acessórios a um terceiro que paga dívida alheia.
marcada, não podendo o devedor oferecer nem o Sub-rogar é substituir, o que significa que haverá
credor exigir o cumprimento em lugar diverso. aqui uma substituição de credor, extinguindo a
obrigação com relação ao credor originário. A ideia

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é: A deve a B e um terceiro C paga essa dívida e difere da obrigação anterior pela substituição do
agora A deve a C, pois este se sub-rogou nos credor (novação subjetiva ativa) ou do devedor
direitos de B. (novação subjetiva passiva).

Como é uma simples substituição no polo Importante: qual a diferença entre


ativo, o vínculo se mantém e o novo credor tem pagamento com sub-rogação e novação subjetiva
todos os privilégios e garantias que tinha o credor ativa? Em ambos os casos, há troca do credor, mas
originário (art. 349 do CC). No entanto, é possível diferem porque no pagamento com sub-rogação o
que um terceiro pague dívida alheia e não se sub- vínculo se mantém, havendo apenas a troca de
rogue nos direitos do credor, caso em que terá mero credor, enquanto que na novação, extingue-se o
direito de reembolso contra o devedor, por não ser vínculo anterior, surgindo uma nova obrigação com
um dos casos de pagamento com sub-rogação. A um novo vínculo. Consequência: no pagamento
diferença é que poderá cobrar dele o que pagou, com sub-rogação se mantém para o novo credor os
mas sem ter os privilégios e garantias do credor privilégios e garantias do credor primitivo, enquanto
originário, pois surge um novo vínculo, uma nova que na novação, extinguem-se os privilégios e
obrigação (de reembolso), extinguindo a obrigação garantias do credor primitivo, não as tendo o novo
primitiva. credor.

A sub-rogação pode ser de dois tipos: legal Do exposto acerca da sub-rogação e


ou convencional, a depender se decorre de lei ou novação, podemos chegar a uma conclusão:
da vontade das partes. O CC prevê, em art. 346, os quando o pagamento é efetuado por um terceiro,
casos em que a sub-rogação se opera de pleno seja interessado ou não interessado, ele poderá
direito, ou seja, se um terceiro paga a dívida, ele se reaver do devedor primitivo o que por ele pagou. A
sub-roga automaticamente nos direitos do credor diferença é que quando o pagamento é feito por
primitivo, independente da vontade das partes. Se a terceiro interessado, há pagamento com sub-
lei não prevê como caso de sub-rogação, teria o rogação, enquanto que no pagamento feito por
terceiro mero direito de reembolso, mas as partes terceiro não interessado, há novação, pois se
poderão prever a sub-rogação, passando o terceiro extingue o vínculo anterior, surgindo uma nova
a ter os privilégios e garantias do credor primitivo, o obrigação com um novo vínculo (a obrigação de
que não existiria no mero direito de reembolso. reembolso). Por isso, o terceiro interessado terá os
privilégios e garantias do credor primitivo, mas o
Como exemplo, trago um caso visto no terceiro não interessado não, a não ser que se
estudo do pagamento. Se terceiro interessado paga valha do pagamento com sub-rogação
a dívida do devedor, sub-roga-se automaticamente convencional, ou seja, condicionando o pagamento
nos direitos do credor, mantendo-se os privilégios e a sub-rogar-se nos direitos do credor.
as garantias (art. 346, III, do CC). Se terceiro não
interessado paga a dívida do devedor, apenas terá 4.5. Imputação ao pagamento
direito de reembolso, não se sub-rogando nos
direitos do credor (sem os privilégios e garantias do Se um devedor tem várias dívidas diferentes
credor originário). No entanto, se o terceiro não com um credor, mas não lhe entrega valor
interessado pagar a dívida do devedor condicionado suficiente para pagamento de todas, é preciso
a sub-rogar-se nos direitos do credor, haverá identificar quais as dívidas foram extintas.
pagamento com sub-rogação convencional e terá o
novo credor os privilégios e garantias do credor Imputação ao pagamento é a indicação da
primitivo (art.347, II, do CC). dívida a ser paga quando uma pessoa se encontra
obrigada por dois ou mais débitos com o mesmo
4.4. Novação credor, sem poder pagar todos eles. Note que
imputação ao pagamento não é bem um meio de
Novação é o meio de extinção da obrigação extinção da obrigação, mas sim a determinação de
pelo surgimento de uma nova obrigação. A que obrigação está extinta quando nem todas forem
novação pode ser de dois tipos: objetiva ou pagas.
subjetiva. A novação é objetiva quando a nova
obrigação difere da obrigação anterior pela Antes de a lei definir quais obrigações estão
substituição da prestação (ex. obrigação de dar extintas (imputação legal), as partes têm o direto de
dinheiro transformada em obrigação de fazer ou definir (imputação convencional). Assim, em
obrigação veiculada em cheque substituída por primeiro lugar, quem define é o devedor. No seu
obrigação veiculada em nota promissória). A silêncio, o credor define em quais dá quitação. Se
novação será subjetiva quando a nova obrigação nenhum deles definir, a lei definirá, estabelecendo a

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seguinte ordem: (i) primeiro se pagam os juros requisitos, ainda sim poderá haver compensação,
vencidos e só depois o capital; (ii) pagamento mas será convencional, por depender da vontade
imputado às dívidas vencidas há mais tempo; (iii) se das partes. Nada impede, portanto, haver
todas vencidas no mesmo tempo, a imputação será compensação de uma dívida vencida com outra a
na mais onerosa (maiores juros ou multas); (iv) se termo, com bens infungíveis ou de natureza
todas no mesmo tempo e mesmos ônus, a lei não diferente (dinheiro por saca de café), mas será
dá solução, mas jurisprudência diz ser de forma compensação convencional, onde o que importa é a
proporcional em cada uma das obrigações. vontade das partes.

4.6. Dação em pagamento A reciprocidade é um requisito para a


compensação legal, ou seja, devedor deve ao
Dação em pagamento é a forma de extinção credor e vice-versa, mas há uma exceção: quando
da obrigação através da qual o credor aceita envolver o fiador. O devedor somente compensa
receber prestação diversa da que lhe é devida. sua dívida para o credor com a dívida do credor
Conforme visto, nos termos do art. 313 do CC, o contra ele, mas o fiador pode compensar sua dívida
credor não é obrigado a aceitar prestação diversa para o credor (é dele devedor porque é fiador) com
da contratada, ainda que mais valiosa. Porém, nada a dívida que o credor tem com o afiançado, ou seja,
impede que o credor aceite prestação diversa, caso não com ele, pois o fiador não é devedor em causa
em que haverá extinção da obrigação de uma forma própria, mas mero garantidor de uma dívida do
anormal, que não pelo pagamento, chamada de afiançado (art. 371 do CC).
dação em pagamento.
4.8. Confusão e Remissão
Conforme será visto em contratos neste
livro, evicção é a perda judicial ou até Confusão é a forma de extinção das
administrativa de um bem em razão de vício jurídico obrigações por reunirem na mesma pessoa a
anterior à alienação. Quem vende não poderia ter qualidade de credor e devedor. Imagine um pai que
vendido e quem compra perde para um terceiro, deve uma quantia em dinheiro a seu filho, que é seu
buscando do alienante uma indenização. Se o único herdeiro. Com a morte do pai, o filho assume
devedor dá coisa diversa em pagamento e o credor o débito, mas ele próprio é o credor, gerando
a perde pela evicção, restabelece-se a obrigação extinção da obrigação pela confusão. A confusão
primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, pode se verificar a respeito de toda a dívida (total)
ressalvados os direitos de terceiro (art. 359 do CC). ou só de parte dela (parcial). No exemplo citado, se
são dois filhos, tendo o credor um irmão, só haverá
4.7. Compensação extinção da obrigação relativa à metade da dívida
(espólio é devedor de metade do valor para o filho
Compensação é a forma de extinção das credor).
obrigações entre duas pessoas que são, ao mesmo
tempo, credora e devedora uma da outra. O meio Remissão é a forma de extinção da
normal de extinção da obrigação é o pagamento, ou obrigação com o perdão da dívida pelo credor.
seja, o cumprimento da prestação. Todavia, quando Cuidado: não confunda remissão com remição. A
duas pessoas são devedoras e credoras uma da causa de extinção da obrigação é a remissão, é o
outra, não há sentido que os pagamentos sejam ato de remitir, que significa perdão, perdoar.
feitos para extinção das obrigações. Compensam- Remição ou ato de remir não é causa de extinção
se as dívidas e extintas estão as obrigações até da obrigação, pois significa resgate, resgatar.
onde se compensarem.
Tanto na confusão quanto na remissão há
A compensação pode ser de dois tipos: um aspecto importante para você saber sobre
legal ou convencional, a depender se decorre da lei obrigações solidárias. Confusão ou remissão entre
ou da vontade das partes. A compensação legal se credor e um dos devedores solidários ou entre o
dará automaticamente, bastando presentes os devedor e um dos credores solidários: mantém-se a
requisitos legais, quais sejam: reciprocidade das solidariedade entre os demais, descontada a parte
obrigações (um deve ao outro e vice versa), liquidez remitida ou da confusão parcial.
e vencimento das prestações e envolverem bens
fungíveis entre si (não basta serem bens fungíveis, Exemplo: Imagine três devedores solidários
devem ser substituíveis entre si, ou seja, em trinta mil reais ao pai de um deles
homogêneos, por exemplo, dinheiro por dinheiro ou (solidariedade passiva). Com a morte do pai ou do
saca de café por saca de café, não podendo ser filho ou se o pai perdoar só a dívida do filho, os
dinheiro por saca de café). Mesmo ausentes tais outros dois devedores serão solidários em vinte mil

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reais. Da mesma forma, imagine que um devedor pagamento, sendo o pagamento em consignação a
deve trinta mil reais a três credores solidários, solução para o devedor se livrar dos encargos da
sendo um deles o pai do devedor (solidariedade mora.
ativa). Com a morte do pai ou do filho ou se o pai
perdoar só a dívida do filho, os outros dois credores Segundo art. 395 do CC, configurada a
serão solidários em vinte mil reais. mora, o devedor pode purgá-la, cumprindo a
prestação acrescida dos encargos moratórios.
5. INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES Todavia, se a prestação tornar-se inútil ao credor,
este poderá enjeitá-la e pedir perdas e danos. A
5.1. Diferença entre inadimplemento e mora razão é simples: se inútil ao credor, deixou de ser
mora e se transformou em inadimplemento
Quando o devedor não cumpre a prestação, absoluto.
estamos diante do inadimplemento, que pode ser
de dois os tipos: absoluto ou relativo. O Como exemplo, imagine uma costureira que
inadimplemento é absoluto quando a prestação não deixa de entregar o vestido de noiva no prazo
é cumprida e não é mais útil ao credor que o estipulado. É caso de mora ou inadimplemento?
devedor a cumpra - por exemplo, contratação de Depende. Se ainda não houve a cerimônia, em
cantor para cantar em um casamento que não razão de a data marcada lhe ser bastante anterior, o
comparece à cerimônia. O inadimplemento é caso é de mora; se já houve a cerimônia, em razão
relativo quando a prestação não é cumprida, mas da data marcada ter sido na véspera do casamento,
ainda é útil ao credor que o devedor a cumpra, por o caso é de inadimplemento, caso em que o credor
exemplo, não pagamento de uma dívida em poderá rejeitar a coisa e pedir perdas e danos, pois
dinheiro no dia do vencimento. O inadimplemento ao se tornar inútil a ela, a mora se transformou em
absoluto é chamado simplesmente de inadimplemento absoluto.
inadimplemento e o inadimplemento relativo é
chamado de mora. Completa a ideia de mora o art. 396 do CC,
que preceitua não incorrer em mora o devedor
Note que a diferença entre inadimplemento quando não haja fato ou omissão imposta a ele.
e mora reside no critério de utilidade para o credor. Significa que a mora é o não cumprimento culposo
Em ambos os casos, a prestação não é cumprida, da obrigação. Se não há culpa, não há mora. Se
sendo inadimplemento se a prestação não é mais uma conta do devedor só pode ser paga no banco e
útil ao credor e mora se a prestação ainda é útil ao o vencimento cai em um domingo, ao se pagar no
credor. dia seguinte, não há de se falar em mora, tanto que
se paga sem encargos moratórios.
Por que diferenciar mora e inadimplemento?
Se o caso é de inadimplemento, como a prestação O art. 397 do CC nos faz perceber haver
não é mais útil ao credor, a única solução é o dois tipos de mora: ex re e ex persona. A mora ex
pagamento de indenização por perdas e danos (ar. re é automática, ou seja, é aquela que independe
389 do CC). Por outro lado, se o caso é de mora, de ato do credor para o devedor ser constituído em
cabe o que chamamos de purgação ou emenda da mora (interpelação judicial ou extrajudicial,
mora. O que é isso? É cumprir a obrigação, porque notificação, protesto ou citação do devedor). Por
ainda útil para o credor, acrescido dos encargos sua vez, a mora ex persona é aquela que precisa de
moratórios. Purga-se a mora pagando-se com um dos citados atos do credor para o devedor ser
retardo, acrescido de: correção monetária, juros de constituído em mora. Quando a mora é ex re e
mora, perdas e danos decorrentes da mora e quando é ex persona?
eventual honorários de advogado (art. 395 do CC).
Há dois tipos de obrigações: com dia certo
5.2. Mora de vencimento e sem dia certo de vencimento.
Quando a obrigação tem um dia certo de
O art. 394 do CC diz que se considera em vencimento, o devedor não precisa ser constituído
mora o devedor que não efetuar o pagamento e o em mora por ato do credor, pois o simples não
credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e pagamento no vencimento o constitui em mora (dies
forma que a lei ou a convenção estabelecer. Note interpellat pro homine, ou seja, o próprio dia
haver mora não apenas quando não se paga no interpela o devedor). Por outro lado, quando a
tempo devido, mas também se não se paga no obrigação não tem dia certo de vencimento, o
lugar e na forma devida. Note ainda não haver mora devedor só estará em mora se for constituído por
só do devedor, mas também do credor, que ocorre ato do credor. Assim, quando a obrigação é com dia
quando este não quiser injustificadamente receber o certo de vencimento, a mora é ex re e quando a

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obrigação é sem dia certo de vencimento, a mora é 5.3. Responsabilidade Civil Contratual
ex persona.
Responsabilidade civil é o dever de
O art. 398 do CC demonstra que a mora é indenizar um prejuízo causado. Há dois tipos de
ex re quando a obrigação não cumprida decorre de responsabilidade civil: contratual e extracontratual.
ato ilícito. Com efeito, ato ilícito civil é causar dano a A responsabilidade civil contratual é aquela em que
alguém, gerando ao causador o dever de indenizá- há um contrato entre as partes, ou seja, um
lo. Poderíamos pensar ser caso de mora ex contratante não cumpre o contrato, causando
persona, pois o devedor deve ser constituído em prejuízo ao outro contratante, gerando dever de
mora por um ato do credor, propondo ação judicial indenização. A responsabilidade civil
(citação válida constitui o devedor em mora). No extracontratual, também chamada de aquiliana, é
entanto, tal entendimento é equivocado, pois a lei aquela em que não existe um contrato entre quem
diz que essa mora é automática, independendo de causa e quem sofre o dano, como no caso de
qualquer ato do credor. O art. neste momento em alguém bater no carro de outrem, tendo que
análise diz que nas obrigações provenientes de ato indenizá-lo. Responsabilidade civil extracontratual é
ilícito, considera-se o devedor em mora desde que o tema do capítulo responsabilidade civil.
praticou (a responsabilidade de reparar o dano Responsabilidade civil contratual é estudada aqui
fixada na sentença judicial retroage à data do ato em obrigações, pois ocorre diante de mora e
para aplicar os efeitos da mora). inadimplemento.

Os arts. 399 e 400 do CC trazem dois O contratante que não cumpre o contrato
efeitos da mora, um para mora do devedor e outro será civilmente responsabilizado, mas apenas se
para a mora do credor: isso gerar um dano ao outro contratante, pois
responsabilidade civil é o dever de indenizar um
a) Efeito da mora do devedor (art. 399 do CC): O dano causado. Conforme o art. 402 do CC, o
devedor em mora responde pela impossibilidade da inadimplente deverá indenizar não só o dano
prestação, ainda que esta se dê por caso fortuito ou emergente, mas também os lucros cessantes, que
força maior. Se a prestação do devedor se torna são os dois tipos de dano material. Dano
impossível sem culpa do devedor, simplesmente se emergente: prejuízo efetivamente experimentado;
resolve a obrigação sem qualquer ônus a lhe ser lucro cessante: o que se legitimamente se deixou de
imposto. Todavia, se a impossibilidade ocorrer ganhar. A eles se acrescenta dano moral.
durante seu atraso, o devedor ficará obrigado a
indenizar o credor pela impossibilidade da Diante de inadimplemento, seja absoluto ou
prestação, mesmo que esta tenha se dado por caso relativo, quem não cumpre o contrato causando
fortuito ou por força maior. Apenas em dois casos, dano ao outro contratante deverá indenizá-lo. A
estará desobrigado de indenização: quando provar questão é: a responsabilidade civil contratual é
isenção de culpa no seu atraso (evidente, pois subjetiva (depende de culpa) ou objetiva (independe
nesse caso não há mora, pois a mora é o não de culpa)?
cumprimento culposo da obrigação) e se provar que
o dano ocorreria mesmo se a prestação tivesse sido A responsabilidade civil contratual é
cumprida no tempo, lugar ou forma devida, ou seja, subjetiva, pois só há mora se o não cumprimento
mesmo se não houvesse mora. da prestação for culposo. Significa que não há mora
e, portanto, não há responsabilidade civil contratual,
b) Efeito da mora do credor (art. 400 do CC): A se não houver culpa do contratante em não cumprir
mora do credor, ou seja, se o credor se recusar a prestação. O mesmo ocorre com o
injustificadamente a receber o pagamento, gera três inadimplemento absoluto, que pode ser culposo
efeitos: (i) retira do devedor isento de dolo a (com culpa do devedor) ou fortuito (sem culpa do
responsabilidade pela conservação da coisa (só devedor), mas, em regra, só haverá obrigação de
indeniza perda ou deterioração do bem se teve indenizar se o devedor teve culpa no
dolo, não respondendo se teve culpa stricto sensu, inadimplemento. Se um cantor é contratado para
ou seja, imprudência, negligência ou imperícia); (ii) cantar no casamento e propositalmente não
obriga o credor a ressarcir o devedor das despesas aparece na cerimônia, será responsabilizado em
que teve para conservar o bem; e (iii) sujeita o perdas e danos, mas se não cumpriu o contrato
credor a receber o bem pela estimação mais porque foi sequestrado na véspera, não há de se
favorável ao devedor se o seu valor oscilar entre o falar em dever indenizatório.
dia estabelecido para o pagamento e o da sua
efetivação. Importante: O art. 393 do CC dispõe que “o
devedor não responde pelos prejuízos resultantes

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do caso fortuito ou de força maior, se se destruiu intencionalmente esse bem. Não


expressamente não se houver por eles responderá o doador, se o bem se quebrou porque
responsabilizado” Note que, conforme visto, a foi negligente ao usá-lo, caso em que simplesmente
responsabilidade civil contratual é subjetiva, mas as se resolverá a obrigação, desfazendo a doação sem
partes podem expressamente prever no contrato qualquer dever indenizatório ao doador. Se o
que o inadimplente responderá mesmo que não contrato for de compra e venda e a coisa se perde
tenha cumprido o contrato por caso fortuito ou com culpa do devedor, vimos que a solução é dar o
motivo de força maior, ou seja, sem ter tido culpa, equivalente acrescido de perdas e danos, que será
pois caso fortuito ou motivo de força maior são devido tanto no caso de dolo quanto de culpa, ou
situações inevitáveis, que o inadimplente não podia seja, se quebrou propositalmente ou se por
impedir, como no caso do cantor contratado para negligência, pois compra e venda é contrato
cantar em um casamento que não cumpre a oneroso.
obrigação por ter sido sequestrado na véspera.
5.4. Cláusula Penal
Qual a diferença, então, entre
responsabilidade civil contratual e responsabilidade Conforme vimos, tanto o inadimplemento
civil extracontratual subjetiva? Em ambos os casos quanto a mora podem gerar responsabilidade civil
só há responsabilidade civil diante da existência de contratual. Em caso de inadimplemento, o
culpa do devedor, mas na responsabilidade civil contratante deverá indenizar o outro em perdas e
contratual, a culpa é presumida. Todavia, é uma danos causados pelo não cumprimento do contrato
presunção relativa, ou seja, aquela que admite e, em caso de mora, o devedor poderá purgá-la,
prova em contrário, representando, assim, a cumprindo a prestação com retardado, acrescida de
inversão do ônus da prova. Na responsabilidade perdas e danos causados pela mora, correção
civil contratual, basta ao contratante provar que o monetária, juros de mora e honorários advocatícios.
outro não cumpriu o contrato. Se este não teve
culpa no inadimplemento, ele que prove. Por outro O grande problema na responsabilidade civil
lado, se é responsabilidade civil extracontratual contratual é provar o valor da indenização, ou seja,
subjetiva, a vítima do dano, ao cobrar perdas e a extensão do prejuízo causado pelo não
danos, deverá provar que o agressor teve culpa ao cumprimento do contrato. Para resolver esse
causar o dano, pois esta não é presumida. problema, a lei traz como solução a cláusula penal,
que é uma multa prefixando o valor das perdas e
Quando se diz que a responsabilidade danos em razão da mora ou do inadimplemento.
subjetiva exige a culpa, usa-se o termo culpa em
sentido amplo, ou seja, é o dolo ou a culpa em Cláusula penal, portanto, é um pacto
sentido restrito (imprudência, negligência ou inserido no contrato, impondo multa ao devedor
imperícia). A princípio, não há diferença na que não cumpre ou que retarda o cumprimento da
responsabilidade civil contratual se o prestação.
inadimplemento foi por dolo ou por culpa. O art. 404
do CC diz que não interfere no valor da indenização Note que há multa tanto para o caso de
se por dolo ou culpa, pois o valor da indenização mora quanto de inadimplemento. Assim, há dois
será o valor do dano sofrido. No entanto, a lei tipos de cláusula penal: moratória e compensatória.
consagrou uma diferença entre inadimplemento A cláusula penal moratória é para prefixar perdas e
doloso ou culposo no negócio jurídico benéfico, ou danos em razão da mora, ou seja, pelo
seja, no contrato gratuito. retardamento no cumprimento da obrigação, e a
cláusula penal compensatória é para prefixar perdas
Nos termos do art. 392 do CC, se o contrato e danos em caso de inadimplemento absoluto, ou
é oneroso, o contratante inadimplente responde por seja, pelo não cumprimento da prestação.
não ter cumprido o contrato por dolo ou por culpa,
mas, se for um contrato benéfico ou gratuito, a parte Como exemplo, imaginemos um contrato de
que não é favorecida (aquela que não recebe nada locação, cuja prestação do locatário é pagar,
em troca) só responde pelo inadimplemento se agiu durante três anos, mil reais por mês ao locador. Se
com dolo, ou seja, não será responsabilizado no contrato houver uma multa no valor de três
civilmente pelo não cumprimento do contrato por meses de aluguel para o caso do locatário devolver
culpa em sentido estrito. as chaves antes do fim do contrato, será uma
cláusula penal compensatória, pois o locatário
Assim sendo, ao doar um bem, o doador só pagará uma multa por não ter cumprido sua
responde pela impossibilidade de entregar a coisa prestação, pelo menos em parte. Por outro lado, se
doada, caso tenha agido dolosamente, por exemplo, houver no contrato uma multa em razão do locatário

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atrasar o pagamento do aluguel por não pagar no seguinte. Sendo cláusula penal moratória,
dia do vencimento, será uma cláusula penal sobrevindo mora, o credor pode exigir o
moratória, pois o pagamento da multa é para o cumprimento da prestação acrescido da multa, pois,
retardamento no cumprimento da prestação. se não pagou a dívida no dia, o credor a cobrará
acrescido da multa com os demais encargos
Note que há dois tipos de cláusula penal, moratórios.
cada uma com uma finalidade específica. A
cláusula penal compensatória tem a função de Para fechar o tema, é preciso saber que o
compensar o contratante por não ter o outro juiz pode reduzir o valor da cláusula penal
contratante cumprido sua prestação. Já a cláusula compensatória em dois casos previsto no art. 413
penal moratória tem a função de intimidar, pois o do CC:
contratante pagará uma multa se retardar o
cumprimento da prestação. a) Se o valor é manifestamente excessivo: O art.
412 do CC estipula um valor máximo da cláusula
O art. 408 do CC demonstra que a cláusula penal compensatória ao afirmar que ela não pode
penal é uma prefixação de perdas e danos e que a exceder o valor da obrigação principal. No entanto,
responsabilidade civil contratual é subjetiva, pois diz mesmo dentro desse limite, o juiz poderá reduzi-la a
que incorre de pleno direito na cláusula penal o pedido da parte se manifestamente excessivo
devedor que culposamente deixe de cumprir a segundo as circunstâncias do caso.
obrigação ou que se constitua em mora. Significa
que, em caso de inadimplemento, o outro b) Se a prestação tiver sido cumprida em parte:
contratante pode executar a multa, independente de a função da cláusula penal compensatória é
provar a extensão do dano em ação de compensar o contratante pelo fato do outro não ter
conhecimento. E a lei vai mais longe ainda com o cumprido a prestação. Assim, se este cumpre parte
art. 416 do CC, prevendo que sequer é necessário da prestação, a compensação deve ser apenas da
provar que houve dano, se este foi prefixado no parte não cumprida. Exemplo: se o contrato de
contrato. locação diz que o locatário deve pagar multa de três
meses de aluguel se devolver as chaves antes do
Uma questão pode ser levantada: se o fim do contrato, caso ele devolva tendo cumprido
prejuízo do contratante for maior do que o valor da metade do contrato, não deverá arcar com toda a
multa, poderá ele cobrar a diferença? A princípio multa, mas apenas metade dela.
não, pois o parágrafo único do art. 416 do CC diz
que só poderá cobrar eventual valor a mais, se esta 5.5. Arras
possibilidade estiver expressa no contrato. Se assim
for, o valor da multa já é objeto de execução e o Arras significam sinal, ou seja, é aquilo que
valor a mais deverá ser provado em ação de é entregue por um dos contratantes ao outro como
conhecimento para seguir a execução por título princípio de pagamento quando da celebração do
executivo judicial. Se não houver permissivo contrato para confirmação do acordo. A vantagem
contratual, limita-se a executar a multa. do adiantamento de um sinal é confirmar o negócio,
pois se houver desistência, aquele que desistiu
Há importante diferença na cobrança da perderá o valor das arras para compensar os
cláusula penal a depender se compensatória ou se prejuízos. Se quem deu o sinal desistir, não poderá
moratória (arts. 410 e 411 do CC): no cobrá-lo de volta; se quem o recebeu desistir,
inadimplemento o credor cobra cláusula penal devolverá o valor em dobro (como recebeu arras, a
compensatória ou o cumprimento da prestação perda efetiva será no valor das arras)
enquanto que na mora o credor cobra cumprimento
da prestação e cláusula penal moratória. São dois os tipos de arras: confirmatória e
penitenciais. A diferença decorre se no contrato
No caso da cláusula penal compensatória, existe ou não cláusula de arrependimento.
havendo inadimplemento, esta se converterá em
alternativa a benefício do credor, ou seja, este a) Arras confirmatórias: As arras serão
poderá escolher entre cobrar do contratante confirmatórias quando não houver previsão no
inadimplente a multa ou o cumprimento da contrato de direito de arrependimento. É o normal,
prestação. No exemplo do cantor contratado para pois as partes celebram um contrato não esperando
cantar no casamento, diante do não que a outra parte desista. Assim, estipulam um valor
comparecimento à cerimônia, o contratante poderá de sinal a ser pago imediatamente para confirmar o
cobrar a multa ou pedir para cantar depois, por negócio. Se quem deu arras desistir, perderá o sinal
exemplo, no aniversário dele que será na semana

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dado, mas se quem desistir foi quem recebeu o humana em que se escolhem os efeitos que dele
sinal, devolverá o dobro do valor. serão produzidos, mas não é um contrato, pois é
um negócio jurídico unilateral.
b) Arras penitenciais: As arras serão penitenciais
quando houver previsão no contrato de direito de 2. CLASSIFICAÇÕES DOS CONTRATOS
arrependimento. Qualquer das partes terá direito de
se arrepender, mas tem um preço para isso, ou 2.1. Contrato unilateral, bilateral e plurilateral
seja, o valor das arras. Se quem desiste deu arras,
perderá o sinal dado, mas se quem desistir foi quem Não se fala aqui no número de vontades
recebeu o sinal, devolverá o dobro do valor. envolvidas, pois vimos que não existe contrato com
uma vontade apenas. Fala-se aqui em número de
Ora, tanto nas arras confirmatórias como prestações.
penitenciais, a consequência é a mesma: se quem
desiste deu arras, perderá o sinal dado, mas se a) Contrato unilateral: é aquele em que há
quem desiste foi quem recebeu o sinal, devolverá o prestação apenas para uma das partes. Doação é
dobro do valor. Então, pergunto: para que contrato, pois há duas vontades, em razão da
diferenciar uma da outra? necessidade do donatário aceitá-la. Todavia, é
contrato unilateral, pois só tem prestação para o
Para o caso do prejuízo com a desistência doador (entregar o bem).
ser maior que o valor fixado a título de arras. Se
forem arras confirmatórias, não há previsão de b) Contrato bilateral: é aquele que, além de duas
direito de arrependimento e posso cobrar o prejuízo vontades, tem prestação para ambas as partes, por
que a desistência me acarretar. Como já me exemplo, contrato de compra e venda, pois o
beneficiei do valor das arras, cobro apenas o vendedor tem a prestação de entregar o bem e o
prejuízo que tive a mais. No entanto, se forem arras comprador tem a prestação de dar o preço.
penitenciais, há no contrato previsão de direito de
arrependimento, sendo fixado um preço para isso, c) Contrato plurilateral: é aquele em que há pelo
ou seja, o valor de arras, não podendo o menos três vontades envolvidas. Exemplo: contrato
prejudicado cobrar eventual valor a mais que tenha de sociedade, em que são partes os sócios e a
tido de prejuízo com a desistência do outro própria sociedade, como parte credora das
contratante. prestações dos sócios (contribuição para o capital
social).
Diferença: nas arras confirmatórias
(quando não há direito de arrependimento), o 2.2. Contrato oneroso e gratuito
contratante pode cobrar indenização suplementar,
enquanto que não poderá fazê-lo nas arras a) Contrato oneroso: é aquele em que as partes
penitenciais (quando há direito de arrependimento), ganham algo equivalente à sua prestação, ou seja,
pois se fixou um preço para isso. há equilíbrio econômico entre as partes porque
ambos perdem e ganham na mesma proporção
econômica, por exemplo, contrato de compra e
DIREITO DOS CONTRATOS venda.

I. TEORIA GERAL DOS CONTRATOS b) Contrato gratuito: é aquele em que a parte não
ganha algo equivalente à sua prestação, ou seja, há
desequilíbrio econômico, pois uma das partes só
1. CONCEITO ganha e uma das partes só perde, por exemplo,
contrato de doação.
Contrato é o negócio jurídico bilateral
formado pela convergência de duas ou mais 2.3. Contrato comutativo e aleatório
vontades, que cria, modifica ou extingue relações
jurídicas de natureza patrimonial. a) Contrato comutativo: é aquele em que as
partes podem antever os seus efeitos, ou seja, ao
É um negócio jurídico, pois é uma atuação celebrar o contrato, já sabem os efeitos que serão
humana em que as partes escolhem os efeitos que produzidos. Exemplo: contrato de compra e venda,
serão produzidos ao praticarem o ato. É bilateral, pois já se sabe que um entrega o bem e que outro
pois é formado pelo acordo de vontades, ou seja, entrega o preço.
são necessárias pelo menos duas vontades. O
testamento é um negócio jurídico, pois é atuação

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b) Contrato aleatório: é aquele em que as partes que dolosamente o vendedor se aproveite,


não podem antever os seus efeitos, ou seja, ao colocando alguns já quebrados.
celebrar o contrato não há como saber os efeitos
que serão produzidos. A razão é simples: contrato 2.4. Contrato consensual e real
aleatório é o contrato de risco (álea significa risco).
Exemplo: contrato de seguro, pois o segurado pode O contrato se forma, em regra, quando a
ou não receber a indenização, a depender se ocorre uma proposta se seguir uma aceitação, ou seja,
ou não o sinistro, o que não se sabe quando o com o acordo de vontade das partes. Essa regra é
contrato é celebrado. quebrada em alguns casos, quando o acordo de
vontades não é suficiente para a formação do
O contrato aleatório pode ser naturalmente contrato, o que só ocorre com a prática de um ato
aleatório (aleatório típico) ou acidentalmente posterior: a entrega do bem objeto da prestação.
aleatório (aleatório atípico). O contrato é
naturalmente aleatório quando for da sua essência a) Contrato consensual: é aquele que se forma
ser aleatório, por exemplo, contrato de seguro. O com o acordo de vontades das partes. É a regra em
contrato é acidentalmente aleatório quando for da matéria de contratos, por exemplo, o contrato de
sua essência ser comutativo, mas é aleatório em compra e venda.
razão de uma circunstância que lhe é específica.
Exemplo: contrato de compra e venda é comutativo, b) Contrato real: é aquele que se forma com a
mas o contrato de compra e venda de uma safra tradição, ou seja, com a entrega do bem, que se
que está sendo plantada é aleatório, pois não se segue ao acordo de vontade das partes. São três os
sabe qual será a quantidade da produção. contratos reais: mútuo, comodato e depósito.

Os arts. 458 a 461 do CC trazem dois tipos 2.5. Contrato de execução instantânea,
de contratos de compra e venda atipicamente continuada e diferida
aleatórios: compra e venda de coisa futura e de
coisa exposta a risco. a) Contrato de execução instantânea: é aquele
que é cumprido em uma só vez, no momento da
a) Compra e venda de coisa futura: O contrato de celebração do contrato (exemplo: compra e venda
compra e venda de coisa futura é aleatório, pois não com pagamento à vista).
se sabe se a coisa virá a existir e em que
quantidade. Pode o contratante assumir o risco da b) Contrato de execução continuada: é aquele
coisa não vir a existir, pagando mesmo assim o em que a prestação é cumprida em cotas periódicas
preço (chamado de contrato de compra e venda (exemplo: compra e venda com pagamento
emptio spei) ou assumir o risco de vir a existir em parcelado).
qualquer quantidade, pagando o preço se vier a
existir em quantidade inferior à esperada, mas não c) Contrato de execução diferida: é aquele em
pagando se nada do avençado vier a existir que a prestação é cumprida em uma só vez, mas no
(chamado contrato de compra e venda emptio rei futuro (exemplo: compra e venda com pagamento a
speratae). Em ambos os casos, não pagará o preço prazo).
se menos do esperado vier a existir por culpa ou
dolo do contratante. Como exemplo, pense na 2.6. Contrato entre presentes e entre ausentes
compra de peixes que ainda serão pescados, em
que se paga o preço mesmo que nenhum peixe seja É uma classificação que se refere à
pescado (emptio spei) ou se vier em qualquer formação do contrato. Pelos nomes, parece que
quantidade, só não pagando se nenhum vier depende se as partes estão ou não na presença
(emptio rei speratae). Em nenhum dos dois casos física um do outro. Não é bem assim, pois há
pagará, se o insucesso total ou parcial decorreu de tecnologias que fazem com que uma conversa entre
dolo ou culpa do pescador. pessoas distantes seja como se estivessem
fisicamente presentes, pois proposta e aceitação se
b) Compra e venda de coisa exposta a risco: O dão em tempo real.
contrato de compra e venda de coisa exposta a
risco é de coisa que já existe, mas é atipicamente a) Contrato entre presentes: é aquele em que
aleatório, pois o comprador assume o risco exposto. proposta e aceitação se dão em tempo real, sendo
Exemplo: compra de cerâmica a ser transportada firmado não só entre pessoas fisicamente
em navio, cujo risco de vir a se quebrar o presentes, mas também por telefone ou meio de
comprador assuma. Deverá pagar todo o preço, comunicação semelhante (vídeo conferência, chats,
mesmo que alguns venham quebrados, a menos entre outros).

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478 do CC). O exemplo típico é o contrato de


b) Contrato entre ausentes: é aquele em que leasing de um carro, com valor atrelado ao dólar
proposta e aceitação não se dão em tempo real, (locação com opção de compra ao fim do contrato
cujos principais exemplos são aqueles formados por mediante pagamento de valor residual). O dólar vale
carta ou por e-mail. um real e passa do dia para noite para dois reais,
dobrando o valor a ser pago. Poderá ser pedida a
3. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS resolução do contrato com base na teoria da
imprevisão ou da onerosidade excessiva.
3.1. Princípio da autonomia da vontade
São os elementos necessários para
As partes são livres para contratar, ou seja, incidência da teoria da imprevisão ou da
contratam se quiserem, com quem quiserem e onerosidade excessiva:
sobre o que quiserem. Isso decorre de simples
razão: contrato é um acordo de vontades. O limite a) Contrato de execução continuada ou diferida:
para suas atuações é a lei e, como veremos mais à A teoria da imprevisão se aplica a contratos cuja
frente, o interesse social e a boa-fé. execução se prolongue no tempo, ou seja, quando a
execução é continuada ou diferida no tempo. Como
3.2. Princípio da obrigatoriedade e a teoria da o contrato de execução instantânea tem prestações
imprevisão (pacta sunt servanda x cláusula cumpridas quando da celebração do contrato, estas
rebus sic stantibus) não serão atingidas pelo fato imprevisível
superveniente.
As partes contratam se quiserem, mas, se
contratarem, são obrigadas a cumprir o contrato. O b) Prestação excessivamente onerosa para uma
contrato faz lei entre as partes, o que traduz o das partes: É a ideia da teoria, a excessiva
conhecido pacta sunt servanda, ou seja, os pactos onerosidade para uma das partes, desequilibrando
devem ser cumpridos. o contrato.

Essa é a noção básica do princípio, mas o c) Extrema vantagem para a outra parte: Para a
seu estudo pode e deve ser aprofundado. O atual resolução dos contratos, não basta este ter ficado
CC adotou o princípio do pacta sunt servanda, mas muito oneroso para uma das partes. É preciso que,
não de forma absoluta, pois foi mitigado pela concomitantemente, tenha havido extrema
previsão da chamada cláusula rebus sic stantibus. vantagem para a outra parte. Assim sendo, se o
contratante perde seu emprego e consegue outro
Para entender essa cláusula, é necessária recebendo metade do salário anterior, o contrato
uma breve análise histórica. Desde a origem dos fica excessivamente oneroso para ele, mas não
contratos, vigora o princípio do pacta sunt servanda, poderá pedir a resolução pela onerosidade
ou seja, o contrato sempre fez lei entre as partes. excessiva porque não houve extrema vantagem
No entanto, a Idade Média foi uma época que para a outra parte.
ameaçou a sobrevivência desse princípio, pois foi
um período marcado por constantes guerras e c) Fato superveniente e imprevisível: A resolução
conflitos feudais, o que inviabilizava o cumprimento do contrato só terá lugar se o desequilíbrio das
de um contrato. Por isso, naquela época, tornou-se prestações decorrerem de um fato superveniente
comum vir nos contratos com prestação que se que as partes não podiam prever quando da
prolongava no tempo uma cláusula liberando o celebração do contrato.
contratante em caso de ocorrer uma guerra ou
conflito feudal, permitindo-lhe pedir o fim do Atenção: não confunda teoria da
contrato. Rebus sic stantibus significa “coisa assim onerosidade excessiva com lesão e estado de
ficar”, ou seja, o contratante é obrigado a cumprir o perigo. Nesses defeitos do negócio jurídico, o ato já
contrato, mas apenas se a coisa assim ficar. nasce viciado, enquanto que na aplicação da teoria
ora em estudo, o contrato nasce conforme a lei,
A inovação do atual CC foi tornar a cláusula mas se vicia por fato superveniente. A
rebus sic stantibus implícita aos contratos, quando consequência disso é que na lesão e no estado de
passou a prever a teoria da imprevisão ou da perigo o contrato é anulado, enquanto que na teoria
onerosidade excessiva. Se um contrato for assinado da imprevisão ele é objeto de resolução. Nos
e sobrevier fato imprevisível que o desequilibre, citados vícios da vontade, como o ato é invalidado,
tornando-o excessivamente oneroso para uma das a sentença anulatória retroage à data da prática do
partes e com extrema vantagem para a outra, ato, desfazendo todos os efeitos produzidos,
poderá aquela pedir a resolução do contrato (art. inclusive os anteriores à anulação. Na resolução do

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contrato pela onerosidade excessiva, a sentença superveniência de um fato imprevisível. O mesmo


não deveria retroagir, só aniquilando os efeitos a ocorre no caso de lesão e estado de perigo,
partir da resolução. Todavia, por expressa previsão podendo o juiz invalidar o contrato, por uma das
legal, efeitos anteriores à resolução serão desfeitos, partes ter assumido obrigação excessivamente
pois a lei determina que a sentença retroaja à data onerosa em razão de determinadas circunstâncias
da citação, ou seja, só são preservados os efeitos que forçam a contratação. Isso demonstra a
anteriores à citação. preocupação socializante do atual CC, pois, mesmo
preenchidos os requisitos formais de validade do
Importante lembrar que o contrato atingido negócio jurídico, a lei pretende amparar um dos
pela teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva contratantes da esperteza ou ganância do outro ou
pode se manter, sem ser objeto de resolução, o que do prejuízo econômico imprevisível com extrema
ocorrerá se o contratante beneficiado concordar vantagem para o outro contratante. Qual a razão
com a redução do seu ganho, reequilibrando as disso? O Poder Judiciário só pode chancelar
prestações. contratos que respeitem não só regras formais de
validade jurídica, mas, sobretudo, normas
3.3. Princípio da relatividade dos efeitos dos superiores de cunho moral e social.
contratos
Essa concepção social do contrato chega
O contrato só produz efeitos em relação às ao seu ápice quando o CC, já em seu primeiro
partes. É por isso que dizemos que o direito artigo sobre contratos, diz que a função social do
contratual é inter parte (entre as partes), diferente contrato representa uma limitação na liberdade de
dos direitos reais, que são direitos oponíveis erga contratar (art. 421 do CC). As partes são livres para,
omnes (contra todos). Significa que o contratante só dentro dos limites legais, colocarem no contrato as
pode opor seu direito contratual ao outro contratante cláusulas que quiserem, mas a limitação à
e não a pessoas estranhas à relação contratual, autonomia da vontade não se dá apenas pela lei,
pois só as partes podem ter direitos e deveres frutos mas também pelo interesse social.
do contrato que celebraram.
Imagine um contrato para a construção de
3.4. Princípio da função social do contrato uma obra de vulto ou de uma indústria. Não
obstante estejam observados os requisitos legais de
O contrato não interessa apenas às partes validade (agente capaz, objeto possível,
contratantes, mas sim a toda sociedade, porque ele determinado ou determinado e forma prescrita ou
repercute no meio social. Essa é a ideia do princípio não defesa em lei), alguns questionamentos podem
da função social do contrato, que reflete a atual ser feitos: e os reflexos ambientais? E os reflexos
tendência de sociabilidade do direito, ou seja, de trabalhistas? E os reflexos sociais? E os reflexos
subordinação da liberdade individual em função do morais, ou seja, no âmbito dos direitos da
interesse social. Assim sendo, se o contrato personalidade? Por melhor que seja o contrato do
repercute negativamente para a sociedade, o juiz ponto de vista econômico para os contratantes, não
pode nele intervir para preservação do interesse se pode chancelar como válido um negócio negativo
coletivo. para a sociedade em razão do desrespeito de leis
ambientais, que pretenda fraudar leis trabalhistas ou
Como exemplo, podemos pensar em um que viole a livre concorrência, as leis do mercado ou
contrato com juros excessivamente elevados. Não postulados de defesa do consumidor, mesmo sob o
é ruim apenas para a parte devedora, mas para pretexto da livre iniciativa.
toda a sociedade, pois aumenta o risco de
inadimplemento, o que aumenta ainda mais os Analisando os exemplos
juros, o que dificulta a circulação do crédito, supramencionados, podemos verificar que um
diminuindo os investimentos produtivos e fazendo contrato que não cumpre a sua função social pode
com que o Estado não se desenvolva. O juiz, sob o ser bom apenas para uma das partes, como ocorre
fundamento da função social do contrato, poderá com o contrato com juros excessivos. Neste caso,
intervir nessa relação entre particulares, trazendo os caberá ao contratante prejudicado pedir a tutela
juros para valor de mercado. jurisdicional com base na função social do contrato.
No entanto, até mesmo quando o contrato for bom
O CC, em várias oportunidades, tem regras do ponto de vista econômico para ambas as partes,
que refletem essa tendência da sociabilidade do poderá ser alvo de intervenção do juiz, caso
direito. É o caso, por exemplo, da teoria da contrarie o interesse social, como é o caso de um
imprevisão, podendo o juiz pôr fim ao contrato em contrato muito lucrativo, mas que gera danos
razão do seu desequilíbrio econômico pela ambientais ou que fraude leis trabalhistas. A

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questão é: nesse caso de mútuo benefício, a quem Este princípio vem consagrado no art. 422
caberá pedir a intervenção judicial? do CC, que obriga as partes contratantes a agirem
de boa-fé quando da celebração de um contrato. A
O papel de guardião do princípio da função palavra chave do princípio é confiança, que significa
social do contrato deve recair sobre os ombros do parceria contratual. A ideia é que os contratantes
Ministério Público. A princípio, o parquet não teria não são lutadores, um querendo prejudicar o seu
legitimidade ativa para pedir a intervenção do juiz adversário, mas sim parceiros, porque um confia no
no contrato, por tratar-se de interesse privado. outro, uma vez que são obrigados a agir conforme
Todavia, como o contrato tem uma função social, os ditames da boa-fé.
não podendo prejudicar a sociedade como um todo,
o interesse passa a ser coletivo, legitimando a Imagine um casal de noivos que compra
atuação ministerial. suas alianças em uma joalheria, optando por um
modelo que é feito com ouro amarelo e ouro branco.
Com efeito, o princípio da função social do Satisfeitos com a bela aliança, no dia da festa do
contrato possibilita uma nova tendência de controle noivado, um casal de amigos informa que toda
dos contratos inaugurada pelo atual CC: o dirigismo aliança com ouro branco fica amarelada com o
judicial dos contratos. O que significa isso? O decorrer do tempo. Revoltados, reclamam junto à
contrato sempre sofreu controle externo, limitando a joalheria, que diz nada poder fazer. Os noivos
atuação dos contratantes. Até então, prevalecia o poderão pedir a resolução do contrato de compra e
controle feito pela lei, razão pela qual esse controle venda, devolvendo as alianças e recebendo seu
é chamado de dirigismo legal dos contratos. Pense, dinheiro de volta, em função da quebra da boa-fé do
como exemplo, no contrato de locação, onde a lei vendedor, que não informou um relevante aspecto
do inquilinato limita a atuação do locador. Hoje, com do contrato, que interferiria na escolha do modelo
o CC vigente, prevalece o dirigismo judicial dos da aliança ou na própria realização do negócio.
contratos, ou seja, não é a lei que controla o
contrato, mas sim o juiz, na análise do caso O princípio que rege os contratos é o
concreto. princípio da boa-fé objetiva, mas, em realidade,
existem dois tipos: a objetiva ou a subjetiva. A
O que torna isso possível é a utilização das subjetiva, como o nome sinaliza, é a boa-fé interior,
chamadas cláusulas gerais ou conceitos jurídicos psicológica, ou seja, o que o contratante acredita
indeterminados, que tem como exemplo a função ser correto. Já a objetiva lhe é exterior, ou seja, é
social dos contratos. São expressões vagas em seu agir de forma correta, segundo um padrão normal
conteúdo, exigindo do aplicador do direito uma de conduta. A boa-fé que rege os contratos é a
análise do caso concreto para suprir a vacância. A objetiva, pois é mais segura, uma vez que não
lei diz que o contrato deve atender a função social, depende do que pensa o outro contratante, mas sim
ou seja, não pode ir contra o interesse social. O que em verificar se o contratante agiu seguindo um
é atender ou ir contra o interesse social? A lei não comportamento normal das pessoas.
enumera casos, preferindo usar uma expressão
vaga, permitindo ao juiz dizer, analisando o O que é um comportamento normal? Como
contrato, se ele atende ou não o interesse social. saber se o contratante agiu seguindo um padrão
normal de conduta? É o juiz que dirá na análise do
Em conclusão, não se pretende aniquilar o caso concreto. Com efeito, vimos que a tendência
princípio da autonomia da vontade ou o pacta sunt atual em matéria de controle contratual é o
servanda, mas temperá-lo, tornando-os mais chamado dirigismo judicial dos contratos, em
vocacionados ao bem-estar comum, sem prejuízo substituição da antiga prevalência do dirigismo
do interesse econômico pretendido pelas partes legal. Cabe ao juiz controlar os contratos, o que lhe
contratantes. A lei relativiza o princípio do pacta é permitido a partir do uso de cláusulas gerais ou de
sunt servanda com regras específicas, como a conceitos jurídicos indeterminados, que são
cláusula rebus sic stantibus ou com a previsão da expressões vagas, reclamando suprimento da
lesão ou do estado de perigo, mas também vacância pelo aplicador do direito na análise do
relativiza permitindo intervenção judicial em uma caso concreto. É o caso não só da função social
relação que deveria interessar unicamente às partes dos contratos, mas também da boa-fé objetiva. A lei
do contrato, mas que interessa a toda a sociedade, obriga as partes a agirem de boa-fé, sem, no
pois a lei diz que o contrato tem uma função social. entanto, enumerar as condutas permitidas e
proibidas sob esse aspecto. Esse papel caberá ao
3.5. Princípio da boa-fé objetiva juiz, que poderá intervir em um contrato, podendo
até resolvê-lo, mesmo tendo sido observados os

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requisitos formais de validade em uma livre


negociação entre particulares. a) Art. 423: quando houver no contrato de adesão
cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve ser
Atenção: Conforme o art. 422 do CC, a adotada uma interpretação mais favorável ao
boa-fé deve nortear o comportamento dos aderente.
contratantes não só no momento da conclusão do
contrato, mas também durante a sua execução. É o b) Art. 424: são nulas as cláusulas em um contrato
fundamento da chamada responsabilidade civil pós- de adesão que estipulem a renúncia do aderente de
contratual. Às vezes, um contrato produz efeitos um direito seu resultante da própria natureza do
após a sua celebração, devendo a boa-fé perdurar negócio. Exemplo: contrato de depósito é aquele
enquanto durarem esses efeitos. Imagine que uma em que o depositante entrega temporariamente ao
pessoa compre um carro junto a uma depositário a guarda e conservação de um bem,
concessionária. O carro quebra, mas não existe que tem o dever de devolver o bem tal como
peça para reposição e o comprador não poderá recebido. Note que é um direito do depositário
mais utilizá-lo. Ele poderá pedir a resolução do receber o bem tal como entregou ao depositário.
contrato alegando quebra da boa-fé objetiva em Sendo o estacionamento em estabelecimentos
razão de não ter informado fato que poderia ocorrer comerciais um contrato de depósito e de adesão, é
após a execução do contrato. nula a cláusula que diz não haver responsabilidade
pelos objetos deixados no interior do veículo.
Importante: embora não mencionado 4.2. Contratos atípicos
expressamente no art. 422 do CC, a boa- fé deve
nortear o comportamento dos contratantes até O CC, nos arts. 481/853, trata da
mesmo antes da proposta. É o fundamento da regulamentação das várias espécies de contrato.
chamada responsabilidade civil pré-contratual, que Não há como a lei prever todo tipo de contrato, pois
será analisada a seguir nas considerações sobre a este resulta do acordo de vontade das partes, que
formação dos contratos. Exemplo típico é a são livres para negociar de acordo com suas
proibição da propaganda enganosa. O contrato necessidades. Ademais, as alterações da lei não
celebrado a partir de uma propaganda enganosa conseguem acompanhar o surgimento de novos
poderá ser resolvido a requerimento da parte contratos em razão da dinâmica social.
prejudicada, pois a boa-fé já deve fazer-se presente
mesmo durante as negociações preliminares para Contratos típicos são aqueles previstos e
uma futura contratação. regulamentados em lei, enquanto que os contratos
atípicos não os são. São lícitos os contratos atípicos
4. PRELIMINARES em razão do princípio da autonomia da vontade.
Que normas são aplicadas a eles, já que não há
O CC trata da teoria geral dos contratos a regulamentação específica em lei? Nos termos do
partir do seu art. 421, iniciando com questões seu art. 425, as normas gerais do CC, tanto da sua
preliminares. De todos os princípios vistos, trata do parte geral quanto da teoria geral dos contratos, ora
princípio da função social dos contratos e da boa-fé em estudo.
objetiva. A seguir, trata de três temas: contrato de
adesão, contratos atípicos e pacto sucessório, o 4.3. Pacto Sucessório
que passamos a abordar.
Pacto sucessório é o contrato que tem por
4.1. Contratos de adesão objeto herança de pessoa viva, sendo também
chamado de pacta corvina ou pacto de abutres. Nos
Contrato de adesão é o contrato elaborado termos do art. 426 do CC, é um contrato proibido
unilateralmente por uma das partes contratantes, por lei, sendo inválido se praticado. A questão é:
opondo-se ao contrato paritário, em que elas será nulo ou anulável? A lei proíbe a prática sem
elaboram conjuntamente as cláusulas do contrato. dizer, no entanto, se nulo ou anulável, razão pela
Não é um negócio jurídico unilateral, pois o qual é considerado nulo pela lei, conforme prevê o
aderente, embora não tenha o poder de negociar as art. 166, VII, do CC.
cláusulas do contrato, tem que aceitar a proposta,
não perdendo, portanto, sua natureza contratual de Note não poder ser objeto de contrato
bilateralidade. herança de pessoa viva, ou seja, após morte do de
cujos, após a abertura da sucessão, os herdeiros
O aderente é parte mais fraca nessa relação podem negociar seus quinhões hereditários, mesmo
contratual. Para garantir a isonomia material ou antes da individualização obtida ao fim do inventário
real, o CC lhe confere duas proteções:

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com o formal de partilha, sendo considerado por lei Sobrevindo uma proposta à fase de
um contrato de bem imóvel (art. 80, II, do CC). puntuação, esta vincula o proponente, pois, se a
outra parte a aceitar, o contrato estará formado e
5. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ambos estarão obrigados em seus termos. A
questão é: podemos falar em responsabilidade civil
O contrato se forma, em regra, quando a nesta fase de negociações preliminares pela não
uma proposta se seguir uma aceitação, seja com o conclusão do contrato? Em regra não, pois não há
acordo de vontades das partes. Como exceção, qualquer problema em se iniciarem negociações e
temos os contratos reais, em que este acordo não é se perceber a inviabilidade ou inconveniência da
suficiente para a formação do contrato, o que só contratação. Todavia, em alguns casos, pode haver
ocorre com um ato posterior: a tradição, ou seja, a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana,
entrega do bem. É o caso de três tipos contratuais: pois não há ainda um contrato, sendo chamada de
mútuo, comodato e depósito. responsabilidade civil pré-contratual.

Não confunda a formação do contrato com a Quando isso ocorre? Quando, nas
sua validade. O contrato se formar significa passar negociações preliminares, uma das partes cria na
a existir no mundo jurídico, obrigando as partes ao outra a justa expectativa de contratação e, sem
seu cumprimento, enquanto que ser válido é estar qualquer justificativa, por mero capricho, não
de acordo com a lei e, portanto, apto a produzir formaliza a proposta. O fundamento é a quebra da
seus regulares efeitos. O art. 107 do CC prevê que boa-fé objetiva na fase das negociações
a validade dos contratos não exige forma especial, preliminares. Há um abuso de direito, que é
senão quando a lei exigir, ou seja, o contrato se considerado pela lei ato ilícito a ensejar
forma com o simples acordo de vontades, mas, em responsabilidade civil (art. 187 c/c art. 927, ambos
alguns casos, sua validade reclama uma forma do CC). Ora, ao criar a justa expectativa de
especial para produzir efeitos. Assim, destacando contratação, legitima a outra parte a contrair gastos
que em alguns casos deve haver uma forma e até a recusar outras propostas, e não concluir o
especial do contrato, o que tratamos aqui é do contrato sem qualquer justificativa é causar o que
momento da sua formação, pois passando a existir chamamos de “dano de confiança”, em razão da
no mundo jurídico, obriga as partes ao seu quebra da boa fé objetiva, que deve nortear o
cumprimento, sob pena de responsabilidade civil comportamento dos contratantes até mesmo antes
contratual, ou seja, indenização de perdas e danos da proposta.
em razão da mora ou do inadimplemento (tema
tratado em obrigações, para onde remetemos sua Como exemplo, cito um caso cobrado na
leitura). prova da OAB organizada pela FGV. Imagine que
durante anos um fabricante de extrato de tomate
O CC trata do tema formação dos contratos distribui gratuitamente sementes de tomate entre
nos arts. 427/435, mencionando a proposta e a agricultores de uma região, procurando-os na época
aceitação. Todavia, a formação do contrato não é da colheita para celebrar com eles contrato de
composta apenas por esses dois atos. compra e venda de toda a produção de tomate. No
Normalmente existe uma fase prévia, de décimo ano distribuiu as sementes, mas não
negociações preliminares, chamada de fase de apareceu para compra da safra. Procurada pelos
puntuação, que poderá culminar na formulação de agricultores, recusou-se, sem qualquer justificativa,
uma proposta, que, se aceita, formará o contrato. a celebrar o contrato. Nesse caso, há
São as fases que passamos a estudar. responsabilidade civil pré-contratual aquiliana do
fabricante de extrato de tomate, tendo que indenizar
5.1. Fase de puntuação e a responsabilidade os agricultores em razão dos prejuízos que
pré-contratual resultaram da não contratação, como os custos da
produção e eventual recusa de venda para outros
Fase de puntuação é a fase de negociações compradores. O fundamento da responsabilidade
preliminares que antecedem a proposta, marcada pré-contratual é a violação do princípio da boa-fé
por conversações prévias, ponderações, reflexões, objetiva nessa fase de negociações preliminares
sondagens, cálculos e estudos de viabilidade de anterior à proposta, pois o fabricante criou nos
negociação futura. Pode resultar, inclusive, em uma agricultores a justa expectativa de contratação e,
minuta contratual se alguns pontos acordados forem sem qualquer justificativa, por mero capricho, não
reduzidos a termo, ou seja, a escrito (difere da formalizou a proposta de compra e venda.
proposta, pois esta é completa, uma vez bastar um
sim para o contrato se formar). 5.2. Pré-contrato ou contrato preliminar

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O pré-contrato, também chamado de subjetivo da culpa. Além disso, como há um


contrato preliminar ou pacto de contrahendo, é um contrato, podemos pré-fixar as perdas e danos em
contrato em que as partes assumem a obrigação de uma cláusula penal, dispensando a parte
celebrar um contrato definitivo no futuro, por não ser prejudicada de provar não só o dano, mas,
possível a contratação agora ou por não ser o sobretudo, a sua extensão.
melhor momento.
No supramencionado exemplo da compra
Exemplo: Um time de futebol quer contratar dos tomates, o fabricante, por ser fase anterior à
um jogador. Não pode celebrar um contrato proposta, tem responsabilidade civil extracontratual,
definitivo agora, pois ele tem contrato em vigor com somente sendo responsabilizado civilmente se os
outro clube. No entanto, poderão celebrar um pré- agricultores provarem a justa expectativa de
contrato, em que se obrigam a contratar ao término contratação e a recusa sem qualquer justificativa,
do contrato em vigor. Caso o jogador negocie seu mas também a sua culpa na não celebração do
passe com outro clube ou este não queira mais contrato. No entanto, se na fase de negociações
contratá-lo, haverá descumprimento do contrato, preliminares, as partes reduzirem as bases do
devendo arcar com perdas e danos, que contrato a escrito em um pré-contrato, bastarão
provavelmente virá pré-fixada em uma cláusula provar que o fabricante assinou um pré-contrato e
penal. que houve inadimplemento, além de sequer precisar
provar o dano e a sua extensão, pois poderão
Importante: O pré-contrato deve ter os executar direto a cláusula penal.
mesmos elementos do contrato definitivo, à
exceção de um deles: a forma. As partes e o objeto O mesmo ocorre no exemplo da contratação
são os mesmos, mas a forma não precisa ser a do jogador de futebol. Se o clube apenas conversa
mesma. Se o contrato definitivo tem que ser por em negociações preliminares, acertando as bases
escritura pública, nada impede que o pré-contrato de um futuro contrato, pode ser que, ao final do
seja por instrumento particular. contrato em vigor, o atleta quebre a confiança e
resolva permanecer no clube que está ou contratar
Qual a importância do pré-contrato? Em com outro. Para responsabilizá-lo civilmente, deverá
princípio, a responsabilidade civil na fase de provar que o atleta não contratou culposamente,
negociações preliminares é extracontratual, pois mas, se assinar um pré-contrato, bastará comprovar
ainda não há um contrato. No entanto, se o inadimplemento, sem sequer precisar provar o
celebrarem um pré-contrato, as partes dano e a sua extensão.
transformarão essa responsabilidade pré-contratual
em contratual antes mesmo da celebração do 5.3. A proposta
contrato definitivo, pois o pré-contrato é um
contrato. Qual a vantagem? A parte prejudicada não O contrato se forma quando a uma proposta
precisará provar a culpa do inadimplente no se seguir uma aceitação. É raro uma pessoa fazer
descumprimento do contrato nem tampouco o dano, uma proposta e a outra simplesmente a aceitar, pois
seja sua própria existência, seja a sua extensão. é normal se sucederem sucessivas contrapropostas
Você lembra o que vimos a respeito do tema? até culminar em uma aceitação final. Essa fase de
sucessivas contrapropostas a partir de uma
Lembrando: tanto a responsabilidade civil proposta é chamada de fase de policitação ou fase
extracontratual (em regra) como a contratual são de oblação. Isso dá nome aos atores envolvidos:
subjetivas, mas esta tem culpa presumida. Assim, quem faz a proposta é chamado de proponente ou
se o caso é de responsabilidade contratual, basta de policitante e quem a aceita é chamado de
ao contratante prejudicado provar o aceitante ou de oblato.
inadimplemento, sem precisar provar que o outro
teve culpa no descumprimento do contrato (este Na fase de policitação, não deixa de haver
poderá elidir sua responsabilidade provando não ter uma negociação entre as partes, o que já acontece
tido culpa, pois a presunção de culpa é relativa, na fase de puntuação. Ora, qual a diferença entre a
admitindo prova em contrário, o que representa fase de puntuação e a fase de policitação na
inversão do ônus da prova). Por outro lado, se é formação dos contratos? É a existência de uma
caso de responsabilidade civil extracontratual proposta. A fase de puntuação é a fase de
subjetiva, a vítima do dano, ao cobrar perdas e negociações preliminares, ou seja, anterior à
danos, deverá provar que o agressor teve culpa em proposta. Já a fase de policitação se dá após a
causá-lo. Assim sendo, a responsabilidade civil proposta, sucedendo-se sucessivas
contratual é mais vantajosa para quem sofre o contrapropostas. A pergunta se mantém: como
dano, pois não precisará provar o difícil elemento saber se uma conversa entre as partes já configura

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uma proposta ou apenas negociações preliminares,


que até pode resultar em uma minuta, se reduzido a (iv) se feita uma proposta entre ausentes e antes
termo? É a seriedade da proposta. Significa que a dela ou simultaneamente chegar ao conhecimento
proposta é pronta e acabada, abordando todos os da outra parte a sua retratação.
elementos do contrato, pois basta um sim para a
formação do contrato. Se isso já existe, é fase de A proposta fixa o local de formação do
policitação; se ainda não existe, sendo conversados contrato (art. 435 do CC). A importância em saber o
apenas alguns pontos do contrato, a fase é de local de sua formação é determinar qual lei será
puntuação. aplicada ao contrato.

O aspecto mais importante da proposta é o 5.4. A aceitação


seu aspecto vinculatório, ou seja, a proposta obriga
o proponente. Se eu faço uma proposta, crio na Se a proposta obriga apenas o proponente,
outra parte a justa expectativa de contratação, que a aceitação vincula também o aceitante, pois ela
pode levá-la a contrair gastos e até a recusar outras faz o contrato se formar, passando a existir no
propostas. Feita a proposta, o proponente a ela se mundo jurídico, estando ambas as partes obrigadas
obriga, ou seja, se houver aceitação, não poderá ao seu cumprimento nos termos da
alegar desistência ou arrependimento, podendo o responsabilidade civil contratual.
aceitante pedir em juízo a execução forçada do
contrato ou indenização por perdas e danos. Já é A aceitação pode ser expressa ou tácita.
responsabilidade civil contratual, pois com a Expressa é a aceitação inequívoca, podendo ser
aceitação o contrato se formou, passando a existir escrita, verbal ou até gestual (ex. leilão). Tácita é a
no mundo jurídico. A proposta só obriga o aceitação presumida pela prática de um ato
proponente e a aceitação passa a obrigar ambas as incompatível com a não aceitação. Exemplo:
partes. doação de vaso não aceita de forma expressa, mas
o donatário manda buscá-lo na casa do doador e o
A questão é: a proposta sempre obriga o coloca exposto em sua sala. É por isso que o art.
proponente? Não, pois nos termos do art. 427 do 111 do CC prevê que o silêncio, embora não seja a
CC a proposta não obriga o proponente em três regra, até pode valer como aceitação, mas apenas
casos: quando as circunstâncias indicarem que a pessoa
aceitou tacitamente e, evidente, a lei não exija
a) Se isso resultar dos termos da proposta: se aceitação expressa.
no próprio corpo da proposta vier expressa a não
obrigatoriedade, não cria justa expectativa de Conforme visto, a proposta obriga o
contratação na outra parte. proponente. No entanto, essa obrigatoriedade não
é eterna, mas sim pelo prazo dado. Se houver
b) A depender da natureza do negócio: há certos aceitação fora do prazo ou até mesmo com
negócios jurídicos que, por sua natureza, não modificações, o proponente não é obrigado a
obrigam o proponente, como proposta de venda de concordar, mas se quiser poderá aceitá-la. Por isso,
produto com quantidade limitada em estoque, a dizemos que a aceitação fora do prazo ou com
partir do fim do estoque. modificações tem natureza de nova proposta.

c) A depender de determinadas circunstâncias: O contrato se forma quando a uma proposta


existem certas circunstâncias que fazem com que a se seguir uma aceitação. Se o contrato é entre
proposta deixe de ser obrigatória, estando elas presentes, fácil será determinar o momento, pois
elencadas no art. 428 do CC - a primeira delas para proposta e aceitação se dão em tempo real. E se o
contrato entre presentes e as três restantes para contrato for entre ausentes, quando se dá sua
contrato entre ausentes, a saber: formação? Em regra, quando a aceitação é
expedida, pois é quando o aceitante perde o
(i) se feita proposta sem prazo à pessoa presente e controle de sua vontade. Como exceção, o contrato
esta não foi imediatamente aceita; entre ausentes se forma quando a resposta chegar
ao proponente, se assim convencionado entre as
(ii) se feita proposta sem prazo a pessoa ausente e partes.
tiver decorrido tempo suficiente para chegar a
resposta ao conhecimento do proponente; 6. CONTRATOS QUE PRODUZEM EFEITOS A
TERCEIROS
(iii) se feita proposta com prazo à pessoa ausente e
esta não expedir a resposta no prazo;

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Em razão do princípio da relatividade de celebração e não apenas a partir da sua nomeação.


seus efeitos, o contrato só atinge as partes, ou Esse contrato exige muita confiança entre quem
seja, só quem é parte pode ter direito e deveres que indicará e quem será indicado, pois se não houver
dele decorrem. Todavia, há três contratos em que nomeação ou se esta não for aceita pelo indicado, o
um terceiro é por ele atingido, pois terão direitos e contrato produz efeitos entre os contratantes
deveres decorrentes de um contrato em que não originários.
celebraram originariamente:
7. GARANTIAS IMPLÍCITAS IMPOSTAS AO
6.1. Estipulação em favor de terceiro: É o ALIENANTE
contrato em que um dos contratantes estipula um
terceiro para quem o outro contratante deverá Quando uma pessoa aliena um bem, deve
cumprir a prestação. É um terceiro ao contrato garantir ao adquirente, em nome da boa-fé objetiva,
tendo um direito dele decorrente. Exemplo: contrato o seu normal uso e fruição, bem como a garantia de
de compra e venda em que o estipulante determina que não o perderá para terceiros por razões de
a entrega do bem para um beneficiário. Se a direito. Assim sendo, o alienante responde perante
prestação não for cumprida, o estipulante poderá o adquirente do bem tanto por defeitos materiais
exigi-la em juízo. O beneficiário também tem esse como por defeitos jurídicos.
poder, desde que não haja essa restrição no
contrato. Caso tenha sido retirado do beneficiário O alienante, responder por defeito material
esse poder, poderá o estipulante exonerar o é responder por vício redibitório, ou seja, o bem
devedor de cumprir a prestação. E a substituição do apresenta um defeito físico que o torna inútil ao seu
beneficiário é possível? Sim, independente da uso ou que lhe diminui o valor. Por sua vez,
anuência dele e do outro contratante, se reservar responder por defeito jurídico é responder pela
esta faculdade no contrato. evicção, ou seja, quem alienou o bem não poderia
tê-lo feito e o adquirente o perdeu para um terceiro,
6.2. Promessa de fato de terceiro: É o contrato podendo buscar uma indenização do alienante.
em que um dos contratantes promete que um
terceiro cumprirá a prestação para o outro Procederemos aqui ao estudo em separado
contratante. É terceiro ao contrato com um dever do vício redibitório e da evicção. No entanto, de
dele decorrente. Exemplo: contrato por meio do qual plano, merecem destaque três observações comuns
uma das partes promete que seu irmão, um cantor a ambos os institutos, pois são questões muito
famoso, concederá uma entrevista exclusiva a um recorrentes em prova e que merecem sua especial
programa de rádio. Se o terceiro não cumprir a atenção:
prestação, o promitente responde por perdas e
danos, mesmo que tenha feito todos os esforços a) O alienante responde por eles mesmo que não
para o cumprimento da prestação. O promitente não haja previsão expressa em contrato, pois são
responderá, mas sim o terceiro, se este aceitar a garantias implícitas, que decorrem de lei e não da
prestação e depois não cumpri-la. Ademais, o vontade das partes.
promitente não responde pelo descumprimento da
prestação do terceiro se, pendendo sua aceitação, b) O alienante responde por eles apenas diante de
forem casados e, a depender do regime de bens do alienações onerosas. Atenção: a doação é uma
casamento, a cobrança sobre o promitente recair de alienação gratuita, mas o alienante responderá por
alguma forma sobre o terceiro. eles quando a doação for com encargo, o que a lei
chama de doação onerosa.
6.3. Contrato com pessoa a declarar: É o contrato
em que um dos contratantes pode indicar uma c) O alienante responde por eles mesmo que a
pessoa que irá assumir a sua posição no contrato. É aquisição do bem tenha se dado em hasta pública,
um terceiro ao contrato tendo direitos e deveres que ou seja, através da venda pública de bem
dele decorrem. Exemplo: uma pessoa quer comprar penhorado em processo de execução.
uma casa, cujo dono jamais lhe venderá por
problemas pessoais, podendo se valer de uma 7.1. Vícios Redibitórios
pessoa para contratar com o proprietário, inserindo
no contrato cláusula que lhe permite indicá-lo a Aqui a responsabilidade é diante da
assumir sua posição no contrato. Essa indicação existência de defeitos materiais, ou seja, o bem
deve ser feita em quinze dias, se outro prazo não está quebrado. Importante você não confundir a
for estipulado, mas tem efeito retroativo à data da disciplina civil dos vícios redibitórios com a
celebração do contrato, pois o indicado assume os disciplina consumerista. Sendo o CDC uma lei
direitos e deveres do contrato desde a sua especial em relação ao CC, só aplicamos suas

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regras quando inaplicáveis as regras do CDC. apenas diante da má-fé será obrigado a indenizar
Quando, então, aplicamos as regras dos vícios perdas e danos. Nos termos do art. 443 do CC, se o
redibitórios previstas no CC? Quando não houver alienante agiu de boa-fé, apenas ressarcirá o
relação de consumo, o que ocorre em dois casos: (i) adquirente dos gastos que teve com o negócio em
quando o alienante não é fornecedor, como ocorre si, ou seja, devolução do valor recebido e
na venda ocasional de um bem usado, pois ser ressarcimento das despesas do contrato. Se o
fornecedor exige habitualidade da negociação; e (ii) alienante procedeu de má-fé, não só devolverá o
quando o adquirente não for consumidor, como valor recebido, mas também indenizará o
ocorre no caso de alguém adquirir um bem para adquirente de todas as perdas e danos decorrentes
renegociação, pois o CDC afirma que só é do vício redibitório.
consumidor quem adquire um bem como
destinatário final. Aqui nos concentraremos na Qual o prazo que tem o adquirente para
disciplina civil do tema, deixando as regras da reclamar vício redibitório em juízo? Depende do
relação de consumo para um estudo específico do bem adquirido: trinta dias para bem móvel e um ano
tema. para bem imóvel. A princípio, o prazo se inicia
quando da entrega efetiva do bem e não quando da
Por definição, vícios redibitórios são defeitos alienação, pois só com o seu uso é que ele
ocultos que tornam o bem impróprio para o uso a consegue perceber o defeito oculto. No entanto, se
que se destina ou que lhe diminuem o valor. Note o adquirente já tinha a posse do bem, o prazo se
que na disciplina civil, diferente da relação de iniciará quando da prática do ato, pois é quando
consumo, o alienante só responde por defeitos adquire legitimidade para reclamação em juízo, mas
ocultos, ou seja, que não poderia ter sido facilmente os prazos serão reduzidos à metade, por já ter tido
detectado pelos órgãos dos sentidos, pois se o vício contato com o bem. Além disso, se for um defeito
era aparente, presume-se que o adquirente o oculto que por sua natureza seja de difícil
admitiu, pois dele ciente. percepção, o prazo só se inicia quando o adquirente
dele tiver ciência. Todavia, a lei confere um prazo
Note que o vício redibitório é um defeito máximo para ciência do defeito a se somar ao prazo
material que pode tornar o bem impróprio para o de reclamação: cento e oitenta dias para bem móvel
seu uso ou que pode apenas lhe diminuir o valor. e um ano para bem imóvel. Por fim, não se
Portanto, haverá vício redibitório tanto no defeito esqueça que eventual prazo de garantia
oculto em um motor de um carro que o faz não mais convencional oferecida pelo alienante não substitui
funcionar, como também no defeito oculto de uma o prazo de garantia legal, mas sim a ele se soma,
máquina que produz determinado produto, pois, se houver garantia convencional, o prazo de
diminuindo a sua produção, embora ela ainda garantia legal só se inicia quando este for
funcione. Assim sendo, o adquirente pode reclamar encerrado.
do vício redibitório em juízo optando por uma de
duas ações judiciais: 7.2. Evicção

a) Ação Redibitória: ação judicial em que se pede Evicção é a perda ou desapossamento


para redibir o contrato, ou seja, desfazer o negócio judicial, ou excepcionalmente administrativo, de um
jurídico. Trata-se de anulação e não de declaração bem, em razão de um defeito jurídico anterior à
de nulidade, pois a lei impõe prazo para reclamá-lo, alienação. Quem alienou o bem não poderia tê-lo
sob pena de convalescimento. feito, e o adquirente o perdeu, tendo ação de
indenização contra o alienante. O adquirente que
b) Ação Quanti Minoris ou Ação Estimatória: perde o bem é o evicto, e o terceiro que dele o toma
ação judicial em que se pede abatimento do preço, é o evictor.
ou seja, o adquirente quer permanecer com o bem,
mas quer devolução do valor da desvalorização em Exemplo: estelionatário invade terreno e,
razão do defeito oculto ou, se ainda não pagou, falsificando a escritura pública, vende-o. O
descontá-lo quando do pagamento. Nessa ação se verdadeiro dono ajuíza ação reivindicatória
apura o valor a ser abatido do preço, o que justifica reclamando seu terreno. Ao se constatar a falsidade
o seu nomem iuris: “estimar” “quanto menos” vale o da escritura pública, o comprador perderá
bem. judicialmente o imóvel, o que chamamos de
evicção, tendo apenas direito indenizatório contra o
Detalhe importante para a prova da OAB: alienante.
o alienante responde por vícios redibitórios estando
ele de má-fé ou até mesmo de boa-fé, ou seja, Note que a evicção pode se dar
sabendo ou não do defeito oculto. A diferença é que excepcionalmente através de uma perda

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administrativa do bem, pois, em alguns casos, a Assim, se ele realizou benfeitorias


jurisprudência do STJ tem admitido a evicção necessárias ou úteis no bem antes da perda,
independente de decisão judicial. Destaque para o poderá reclamar indenização do evictor. O art. 453
caso em que há apreensão policial da coisa em do CC diz que o evicto pode cobrar do alienante o
razão de furto ou roubo anterior à alienação, que gastou com benfeitorias necessárias e úteis, se
podendo o caso ser resolvido no próprio âmbito da não foram abonadas, ou seja, se não foram pagas
delegacia. Exemplo: ladrão que vende carro pelo evictor. No entanto, completa o art. 454 do CC,
roubado, sendo o evicto parado em uma blitz e o se as benfeitorias foram feitas pelo alienante e
carro levado à delegacia e devolvido ao seu real abonadas, ou seja, pagas ao evicto pelo evictor, o
dono. valor será deduzido quando o evicto cobrar a
indenização do alienante.
Informação importante para a sua prova
da OAB: Nos termos do art. 448 do CC, as partes Para cobrar o direito que da evicção lhe
podem por cláusula expressa reforçar, diminuir ou resulta, o evicto poderá denunciar ao alienante da
até excluir a responsabilidade do alienante pela lide, para, em caso de sentença decretando a perda
evicção. Cuidado, pois a exclusão só valerá se o do bem, já determine o juiz na sentença a
evicto foi informado do risco da evicção e o tenha indenização por ele devida ao evicto. Em havendo
assumido (art. 449 do CC). sucessivas vendas antes de o dono reclamar o
bem, poderá o evicto cobrar indenização não só do
Ao perder o bem, o evicto poderá cobrar alienante imediato, mas também qualquer dos
indenização do alienante. A regra é o anteriores (art. 456 do CC).
ressarcimento da integralidade do dano do evicto, o
que lhe permite cobrar do alienante não só a Por fim, fechando o tema evicção,
devolução do que pagou pelo bem, como também precisamos entender o que é evicção parcial, tema
as perdas e danos em razão da evicção, os frutos que é tratado no art. 455 do CC. Haverá evicção
que eventualmente tenha sido obrigado a restituir parcial quando o evicto perder apenas parte do que
ao evictor e o que gastou com custas judiciais e adquiriu na alienação, por exemplo, quando compra
honorários advocatícios (art. 450 do CC). cem cabeças de gado e perde vinte ou trinta delas
pela evicção. Qual a consequência? Depende se a
Ainda dentro da regra da indenização da evicção é considerável ou irrisória, pois uma coisa é
integralidade do dano, o alienante responderá perder uma ou duas cabeças de gado, outra é
perante o evicto por eventual valorização do bem perder noventa delas. Se a perda for considerável, o
entre a época da alienação e da evicção. Se o bem evicto pode pedir a rescisão do contrato ou
se desvalorizou, o evicto cobrará do alienante o restituição da parte do preço correspondente ao
preço que lhe pagou, mas se houver valorização, desfalque sofrido, ou seja, devolver o que sobrou e
cobrará o valor do bem da época em que se cobrar devolução do que pagou ou ficar com o que
evenceu, ou seja, da época em que perdeu o bem sobrou e cobrar apenas o equivalente à sua perda.
pela evicção. Se, no entanto, a perda for irrisória, só poderá o
evicto cobrar a indenização pela perda sofrida,
Mais uma vez, ainda dentro da regra da permanecendo com o que sobrou.
indenização da integralidade do dano, ainda que o
bem esteja deteriorado, o evicto poderá cobrar do
alienante o valor total do bem, a menos que tenha 8. EXTINÇÃO DO CONTRATO
sido causado dolosamente por ele, quando só
poderá cobrar do alienante o valor que passou a Extinção do contrato é o fim de sua
valer o bem. Note que, se a título de culpa em existência, é a sua morte, é o seu desaparecimento
sentido estrito a deterioração, ainda assim o evicto do mundo jurídico. Extinção é o gênero, que
cobrará do alienante o valor integral do bem. contempla várias espécies, pois é a expressão mais
ampla para o fim do contrato, seja pela causa que
Conforme será visto no estudo da posse no for.
capítulo de direitos reais deste livro, para onde
remetemos a sua leitura, o possuidor que realiza Quando falamos em extinção do contrato,
benfeitorias no bem e vem a perdê-lo, tem direito de esta pode se dar, em princípio, por duas formas
ser indenizado quando as benfeitorias forem diferentes: por causa anterior ou superveniente à
necessárias e úteis. É o caso que ocorre aqui, pois formação do contrato.
o evicto tem a posse do bem e a perde para o
evictor. Se a causa de extinção do contrato é
anterior ou até concomitante à sua formação,

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temos um caso de imperfeição do contrato, pois ele inclusive, o sentido que caiu no gosto popular, que
já nasceu viciado. Nesse caso, o contrato é inválido, só fala em rescisão do contrato quando este chega
podendo ele ser nulo ou anulável, a depender do ao fim. Autores clássicos, como Orlando Gomes e
vício. Não é tema para aqui ser visto, pois é assunto Caio Mário, no entanto, com base na doutrina
da parte geral do direito civil, para onde remetemos italiana, ensinam que rescisão em sentido técnico
sua leitura. só ocorre quando um contrato é extinto em caso de
lesão ou de estado de perigo. Modernamente, esse
Se a causa de extinção do contrato é não é o entendimento, até porque são defeitos do
superveniente à sua formação, estamos tratando negócio jurídico, portanto, causas antecedentes ou
de um contrato perfeito, ou seja, que se formou de concomitantes à formação do contrato, caso de
forma válida, não sendo caso de nulidade nem de invalidade e não de inexecução, quando
anulabilidade. O contrato perfeito pode ser extinto pressupomos um contrato perfeito. Outros autores
de duas formas diferentes: por execução ou por mencionam rescisão como uma espécie de
inexecução do contrato. resolução do contrato, significando a resolução
culposa ou voluntária, ou seja, quando o contrato é
Execução do contrato é quando ele é extinto por inadimplemento culposo do outro
cumprido, o que pode ocorrer pelo pagamento ou contratante. O conselho é evitar o uso do termo
até pelas formas anormais de extinção das rescisão, pois, como não há consenso, é um risco
obrigações, quais sejam: pagamento em desnecessário em prova.
consignação, pagamento com sub-rogação,
novação, imputação ao pagamento, dação em
pagamento, compensação, confusão ou remissão.
Também não é tema para aqui ser tratado, pois é
assunto de obrigações, para onde remetemos a sua 8.1. Resilição do contrato
leitura.
Conforme visto, resilição do contrato ocorre
O caso é de inexecução quando não há quando há extinção do contrato unicamente em
cumprimento de um contrato perfeito, que é o tema razão da vontade das partes. A resilição pode ser
que aqui estudamos. Perceba a impropriedade do unilateral ou bilateral, a depender se a vontade é de
CC ao tratar do tema sob o título “da extinção dos apenas um dos contratantes ou de ambos. Não se
contratos”, quando, na verdade, deveria tê-lo discute aqui culpa da parte fazendo surgir uma
intitulado de “inexecução dos contratos” ou até causa de extinção do contrato, pois não há causa
mesmo “da extinção dos contratos pela jurídica que motive o seu fim, simplesmente não
inexecução”. quero ou não queremos mais.
A inexecução pode causar três tipos de
extinção do contrato: resilição, resolução e a) Resilição unilateral: ocorre quando apenas uma
rescisão. Vamos definir cada um dos institutos, para das partes não quer mais manter o contrato, sem
em seguida aprofundar o estudo. precisar externar qualquer razão para isso. O art.
473 do CC diz que se opera mediante denúncia
a) Resilição: extinção do contrato por vontade de notificada à outra parte, ou seja, o contratante deve
um ou de ambos os contratantes, ou seja, é quando notificá-la formalmente. A resilição unilateral do
eu termino o contrato porque quero ou quando contrato pode se dar quando a lei permitir ou
terminamos porque queremos, sem ter qualquer quando houver expressa previsão no contrato. Há
razão jurídica para isso. Exemplo: celebrei contrato casos em que a lei permite a resilição unilateral do
de aluguel pelo prazo de três anos e decido resili-lo contrato, razão pela qual não será devedor em
com dois anos por questão pessoal. perdas e danos à outra parte. Por exemplo: o
direito de revogação de contrato de mandato. Pode
b) Resolução: extinção do contrato em razão do a lei não permiti-la, mas a vontade das partes sim,
inadimplemento da outra parte, ou seja, um dos quando inserem no contrato cláusula permissiva,
contratantes não cumpre o contrato, legitimando a podendo ou não ser fixada uma multa a ser paga ao
outra parte pedir sua resolução. Exemplo: mesmo outro contratante se esta ocorrer. Se não houver
contrato de aluguel de três anos, resolvido pelo previsão legal nem contratual, a parte não poderá
locador em razão do inquilino não pagar o aluguel. unilateralmente resilir o contrato, podendo ser o
caso de reclamação judicial para sua execução
c) Rescisão: não há consenso na doutrina sobre o forçada. Exemplo: contrato de locação em que há
significado de rescisão do contrato. Muitos usam o previsão apenas para o locatário o resilir, tendo o
termo rescisão como sinônimo de extinção do locador que esperar o fim do contrato pela total
contrato, até mesmo por causa antecedente, sendo, execução.

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partes possa pedir a resolução em razão do


b) Resilição bilateral: ocorre quando a extinção do inadimplemento ou mora da outra parte.
contrato se dá unicamente por vontade, mas de Há vantagem da cláusula resolutória
ambas as partes, sendo chamado de distrato. É um expressa em relação à implícita, o que justifica sua
acordo das partes, pondo vim à avença contratual, inserção inclusive no contrato bilateral. Vindo
sem se externar qualquer causa para isso, razão expressa no contrato, haverá extinção automática
pela qual, em princípio, nenhuma das partes deve do contrato em caso de inadimplemento, enquanto
qualquer indenização ao outro contratante. que, se implícita, depende de interpelação judicial
Importante sobre o tema é o art. 472 do CC, que diz (art. 474 do CC). Além disso, vindo expressa no
que o distrato deverá ser feito na mesma forma contrato, já se insere cláusula penal prefixando o
exigida para ser feito o contrato. Como exemplo, se valor da indenização por perdas e danos.
o contrato de compra e venda de um imóvel de
valor superior a trinta salários mínimos deve ser por 8.2.1. Exceção de contrato não cumprido
escritura pública, o distrato assim também deve ser. (exceptio non adimplenti contractus)

8.2. Resolução do contrato Se uma das partes é inadimplente, legitima


a outra a pedir a resolução do contrato. Agora,
Resolução do contrato é a sua extinção em imagine que antes disso o inadimplente ajuíze uma
razão do inadimplemento ou da mora da outra ação cobrando o cumprimento da prestação da
parte. Aqui o contrato não termina apenas em razão outra parte. O que ela poderá fazer? Sendo um
da vontade das partes, pois há uma causa que contrato bilateral, poderá alegar a exceção de
autoriza uma delas a pedir sua extinção: o não contrato não cumprido, ou seja, que não cumprirá
cumprimento do contrato. sua prestação em razão do autor da ação não ter
cumprido a sua. A razão já foi exposta: como o
Esse descumprimento pode ser com culpa contrato bilateral é sinalagmático, a prestação de
ou sem culpa do contratante inadimplente, o que uma das partes é causa da prestação da outra
faz com que existam dois tipos de resolução do parte, razão pela qual quem não cumpre a sua
contrato: com culpa (voluntária) ou sem culpa prestação não pode exigir o cumprimento da
(involuntária). A grande diferença é que no caso de prestação da outra parte (art. 476 do CC).
resolução culposa, o inadimplente será devedor de
perdas e danos junto com a resolução, o que não 8.2.2. Resolução sem culpa ou involuntária
será devido quando a resolução não for culposa.
Perceba que aqui falamos de mora e de A extinção do contrato se dá pelo
inadimplemento, tema que abordamos no estudo inadimplemento da outra parte, sem ela ter tido
das obrigações neste livro, valendo lembrar que só culpa no descumprimento contratual. Aqui não há
há mora e inadimplemento indenizáveis em perdas indenização por perdas e danos, mas apenas
e danos quando com culpa do devedor, pois, se resolução do contrato, pois o contratante quer
sem culpa, apenas haverá resolução do contrato. cumprir o contrato, mas não consegue. Isso ocorre
em dois casos: caso fortuito ou motivo de força
Cláusula resolutória é a cláusula que maior e no caso de aplicação da teoria da
permite ao contratante resolver o contrato diante do imprevisão ou da onerosidade excessiva.
inadimplemento da outra parte. O contrato pode
trazer uma cláusula resolutória expressa, mas esta a) Caso fortuito ou motivo de força maior: são
também pode ser implícita aos contratos. Quando situações inevitáveis, insuperáveis, que impedem o
isso ocorre? contratante de cumprir sua prestação. Imagine
contrato de compra e venda de produto agrícola,
Todo contrato bilateral tem implícita a que não pôde ser entregue em razão de violenta
cláusula resolutória. A razão é que todo contrato tempestade que destruiu toda a plantação. Não há
bilateral é sinalagmático, o que significa que a culpa no inadimplemento, havendo simples
prestação de uma das partes é causa da prestação resolução do contrato, retornando as partes ao
da outra parte. Como uma das partes só cumpre a estado em que se encontravam antes de sua
sua prestação porque a outra cumpre a sua, o celebração, sem direito de indenização da parte
descumprimento autoriza a outra parte pedir a prejudicada.
resolução do contrato, mesmo que não tenha nele
cláusula permissiva expressa. Sendo contrato Cuidado: há dois casos em que haverá
unilateral ou plurilateral, necessária a cláusula resolução sem culpa do contratante inadimplente,
resolutiva expressa no contrato, para que uma das por decorrer de caso fortuito ou motivo de força
maior, mas que haverá dever indenizar o outro

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contratante em perdas e danos, o que já foi visto


neste livro, em obrigações, para onde remetemos Se o contrato é de execução única, ou seja,
sua leitura: de execução instantânea ou até diferida, a decisão
produz efeitos retroativos ou ex tunc, desfazendo-se
(i) quando houver previsão expressa no o que foi feito até então, pois resolver o contrato é
contrato impondo o dever de indenizar perdas e fazer retornar ao estado em que as partes se
danos pelo seu descumprimento, mesmo em razão encontravam antes da sua celebração. Assim, se
de caso fortuito ou motivo de força maior (art. 393 estamos diante da resolução de um contrato de
do CC); e compra e venda, o comprador devolve o bem e o
vendedor devolve o dinheiro recebido, buscando-se
(ii) quando a impossibilidade da prestação eventual indenização diante da perda ou
se dá por caso fortuito ou motivo de força maior deterioração do bem ou até em razão de algum
que ocorre durante a mora do contratante (art. 399 melhoramento por que passou.
do CC).
Se, no entanto, o contrato for de execução
b) Teoria da imprevisão ou da onerosidade prolongada no tempo, ou seja, de execução
excessiva: o tema já foi visto neste livro, neste continuada, os efeitos serão não retroativos ou ex
capítulo dos contratos, quando do estudo do nunc, mantendo-se os efeitos até então produzidos.
princípio da obrigatoriedade mitigado pela cláusula A razão disso é evitar um enriquecimento sem
rebus sic stantibus, para onde remetemos a sua causa de um dos contratantes. Imagine um contrato
leitura. É resolução do contrato sem culpa, pois de locação: se a resolução tivesse efeito retroativo,
acontece fato superveniente e imprevisível que faria com que o locador devolvesse o valor recebido
desequilibra economicamente o contrato, durante o contrato, não tendo como o inquilino
legitimando o pedido de resolução do contrato pelo devolver o tempo que usou o bem, o que lhe geraria
fato da lei não exigir mais o seu cumprimento. um enriquecimento sem causa por ter alugado o
imóvel por um tempo sem por isso pagar.
8.2.3. Resolução com culpa ou voluntária (que,
para alguns autores, é a rescisão) O efeito retroativo (ex tunc) da resolução
dos contratos de execução instantânea ou diferida
A extinção do contrato se dá pelo e o efeito não retroativo (ex nunc) da resolução dos
inadimplemento da outra parte, tendo ela culpa no contratos de execução continuada valem tanto para
descumprimento do contrato. Exemplo: contrato de a resolução com culpa quanto para a resolução sem
aluguel resolvido em razão do inquilino não ter pago culpa. A única diferença entre eles é que na
o aluguel porque não quis ou porque foi negligente. resolução culposa o inadimplente será devedor de
A diferença para a resolução não culposa é que indenização por perdas e danos, o que não ocorre,
aqui o inadimplente, além de suportar a resolução em regra, na resolução sem culpa.
do contrato, deve pagar indenização por perdas e
danos ao outro contratante (embora isso possa Cuidado com um detalhe: no caso da
ocorrer na resolução sem culpa, mas por exceção resolução sem culpa decorrente da aplicação da
nos casos supramencionados). teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva,
para cuja abordagem remetemos sua leitura, seja
A resolução com culpa não pode ser contrato de execução continuada ou diferida, o
bilateral, apenas podendo ser unilateral. Se ambas efeito será, por expressa previsão legal, retroativa,
as partes tiverem culpa no inadimplemento, a culpa mas até à data da citação do processo em que o
será daquele que primeiro tinha a obrigação de contratante pede a sua resolução (a teoria não se
cumprir sua prestação. A razão disso é o princípio aplica aos contratos de execução instantânea).
da exceção de contrato não cumprido, pois, se
houver prestações simultâneas e um dos E se o caso for de resilição do contrato, a
contratantes não cumpre sua prestação, o outro decisão tem efeito retroativo ou não retroativo?
está legitimado a não cumprir a sua prestação. Quando falamos em resilição, estamos falando de
contrato de execução continuada, pois na resilição o
8.3. Efeitos no tempo da resolução e da resilição contratante quer interromper o cumprimento da sua
dos contratos prestação prolongada no tempo. Por isso, a
resilição do contrato tem efeito não retroativo ou ex
Havendo resolução do contrato, essa nunc, não se desfazendo os efeitos produzidos até
decisão tem efeito retroativo ou não retroativo? então, mas apenas afastando a produção de efeitos
Depende se o contrato for de execução instantânea, daí para frente, até porque não há qualquer causa
diferida ou continuada. jurídica a gerar o seu término, apenas o acordo de

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vontades em acabar com um contrato que produziu


efeitos normalmente até então.

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