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Define-se perícia médico-legal como um conjunto de procedimentos médicos e técnicos que tem
como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça. Ou como um ato pelo qual a autoridade
procura conhecer, por meios técnicos e científicos, a existência ou não de certos acontecimentos, capazes de
interferir na decisão de uma questão judiciária ligada à vida ou à saúde do homem ou que com ele tenha
relação. A finalidade da perícia é produzir a prova, e a prova não é outra coisa senão o elemento
demonstrativo do fato. Assim, tem ela a faculdade de contribuir com a revelação da existência ou da não
existência de um fato contrário ao direito, dando ao magistrado a oportunidade de se aperceber da verdade e
de formar sua convicção. As perícias se materializam por meio dos laudos, constituídos de uma peça escrita,
tendo por base o material examinado.
Podem as perícias, de uma forma geral, ser realizadas nos vivos, nos cadáveres, nos esqueletos, nos
animais e nos objetos. Nos vivos, visam ao diagnóstico de lesões corporais, determinação de idade, de sexo
e de grupo étnico; diagnóstico de gravidez, parto e puerpério; diagnóstico de conjunção carnal ou atos
libidinosos em casos de crimes sexuais; estudo de determinação da paternidade e da maternidade;
comprovação de doenças profissionais e acidentes do trabalho; evidências de contaminação de doenças
venéreas ou de moléstias graves; diagnóstico de doenças ou perturbações graves que interessam no estudo
do casamento, da separação e do divórcio; determinação do aborto; entre tantos.
Mesmo que a prova médico-legal seja um julgamento pessoal obtido sobre fatos a partir de métodos
e recursos técnicos e científicos, ela não deixa também de ter sua apreciação subjetivista e, por isso, pode
não contar com a certeza absoluta. Ela não pode ter o caráter de incontrovertibilidade. A verdade real não
existe, é uma ficção. Na prova médico-legal exige-se identificar e justificar. Quem faz uma afirmação tem de
se explicar, principalmente através de uma exposição de razões que sustentem a verdade das afirmações.
Quanto mais justificada for a prova, mais credibilidade ela impõe. Nas ações penais, o laudo médico-legal
não é documento sigiloso. É uma peça pública, como o boletim de ocorrência e o inquérito policial no qual
ele é anexado.
A falta ou omissão do exame de corpo de delito leva à nulidade do processo, conforme tem-se
confirmada na prática forense. Em suma, corpo de delito direto é a base residual do crime, sem o que ele não
existe. Quando o exame de corpo de delito não é feito, de maneira direta ou indireta, em crimes que deixam
vestígios, o processo pode ser nulo (art. 564 III, b, do CPP).
O exame do corpo da vítima é apenas uma fase do exame de corpo de delito. O corpo de delito direto
se compõe da existência de vestígios do dano criminoso, da análise do meio ou do instrumento que
promoveu este dano, do local dos fatos e da relação de nexo causal.
OBS.: chama-se corpo de delito direto quando realizado pelos peritos sobre vestígios de infração existentes,
e corpo de delito indireto quando, não existindo esses vestígios materiais, a prova é suprida pela informação
testemunhal.
O corpo de delito direto fica limitado exclusivamente aos elementos materiais produzidos pela
infração ou que tenham concorrido para sua existência. Isso não quer dizer que outros elementos não sejam
Luísa Dunguel
significativos para se ter um melhor entendimento do corpo de delito e da ação ou do meio gerador desse
evento, como por exemplo o estudo de uma arma ou de um objeto utilizado no crime. No corpo de delito
devem ser considerados:
- Corpus criminis: a pessoa ou a coisa sobre a qual se tenha cometido uma infração e em quem se procura
revelar o corpo de delito. No entanto, sua presença isolada não configura a existência do elemento palpável
da antijuridicidade. Ou melhor, o corpo da vítima não é o corpo de delito, senão um elemento no qual
poderiam existir os componentes capazes de caracterizar o corpus delicti.
- Corpus instrumentorum: a coisa material com a qual se perpetrou o fato criminoso e na qual serão
apreciadas sua natureza e sua eficiência.
- Corpus probatorum: o elemento de convicção: provas, vestígios, resultados ou manifestações produzidos
pelo fato delituoso. Ou seja, o conjunto de todas as provas materiais de um crime.
Os peritos, para elaborarem os laudos ou autos de corpo de delito, devem imperiosamente examinar
o paciente, constatando as lesões existentes e analisando com critérios a quantidade e a qualidade do dano,
assim como toda e qualquer circunstância digna de registro, respondendo em seguida aos quesitos
formulados. Por isso, não podem eles se valer exclusivamente de cópias de prontuários ou relatórios
hospitalares. O máximo que a autoridade pode exigir da perícia, em forma de parecer, é a interpretação de
alguns pontos mais obscuros ou controversos contidos naqueles documentos, como, por exemplo, a
existência ou não do perigo de vida configurado em circunstâncias iguais àquela. Em síntese, existem duas
formas de consignar danos oriundos de uma agressão: a primeira em que, por terem de algum modo
desaparecido os vestígios, se confirma o fato de forma indireta por meio da prova testemunhal (corpo de
delito indireto), e a segunda em que este exame é lavrado a partir de vestígios deixados pela infração por
meio do exame pericial (corpo de delito direto).
O laudo de exame de corpo de delito é tão importante no processo, que nossa lei adjetiva penal o
considera insuprível e indispensável até mesmo diante da confissão do acusado (artigo 158): “o exame de
corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior”.
No mundo da Medicina Legal, não existem casos simples. Tudo é importante. Cada caso pode encerrar, por mais
simples que pareça, significações tão complexas quanto se possa imaginar.
E que “na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma
de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada
com a natureza do exame”.
Considerando-se o princípio constitucional expresso no artigo 5º - II que diz: “ninguém é obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e, ainda, o que assegura o STF dizendo
“ninguém pode ser coagido ao exame ou inspeção corporal, para a prova cível” (RJTJSP 99/35, 111/350,
112/368 e RT 633/70), resta evidente que ninguém está obrigado a ser submetido a qualquer tipo de exame
pericial sem sua permissão.
Luísa Dunguel
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a) notificações: são comunicações compulsórias às autoridades competentes de um fato médico sobre
moléstias infectocontagiosas e doenças do trabalho.
b) atestados: denominados, também, certificados médicos, são a afirmação simples e redigida de um fato
médico e de suas possíveis consequências. Classificam-se os atestados em oficiosos, administrativos e
judiciários. Os primeiros são solicitados pelos pacientes para justificar ausência ao trabalho, às aulas etc. Os
atestados administrativos são os reclamados pelo serviço público para efeito de licenças, de aposentadorias
ou abono de faltas, vacinações etc. E, finalmente, judiciários são os atestados que interessam à Justiça,
requisitados sempre pelos juízes (somente os atestados judiciários constituem documentos médico-legais).
Constitui infração ética atestar sem ter examinado o paciente, ainda que a doença seja verdadeira (art. 110 do
Código de Ética Médica).
c) atestado de óbito: também conhecido como declaração de óbito, é feito por um médico, ainda que a morte
não tenha ocorrido dentro de um hospital. Além de declarar o fim da vida de um indivíduo, no atestado o
médico também deverá inserir quais foram as causas daquela morte.
d) relatório médico-legal: é o registro escriturado minudente de todos os fatos de natureza específica e
caráter permanente pertinentes a uma perícia médica, requisitada por autoridade competente a peritos
oficiais ou, onde não os houver, a expertus não oficiais portadores de diploma de curso superior,
compromissados moralmente. O relat rio m dico-legal consta de sete partes: pre mbulo, quesitos,
comemorativo ou hist rico, descri o, discuss o, conclus es e respostas aos quesitos.
▸ Preâmbulo: é a parte onde os peritos declaram suas identifica es, t tulos e resid ncias, qualificam a
autoridade que requereu e a autoridade que determinou a per cia, e o examinando; o local, hora e data em
que a per cia realizada e a sua finalidade.
▸ Quesitos: são as perguntas que os técnicos irão responder, de forma afirmativa ou negativa. No c vel, e em
Psiquiatria Forense, n o existem quesitos previamente elaborados; desse modo faculta-se ao juiz (art. 426,
II, do CPC), ao curador e s partes formul -los livremente, conforme se apliquem ao caso (art. 421 do CPC).
▸ Comemorativo: é o hist rico de todas as informa es colhidas do interessado ou de terceiros, vinculados
ao caso, e sob responsabilidade dos declarantes, a respeito de detalhes e circunst ncias capazes de esclarecer
a per cia. O comemorativo ou hist rico corresponde anamnese da consulta cl nica, e, como nela, devem os
peritos arguir os declarantes sobre a hora, dia e local, a agress o, o n mero de agressores, o tipo de arma ou
armas utilizadas, local do atendimento m dico etc.
▸ Descrição: é a parte essencial e b sica e mais importante do relat rio. Visto e referido, sua fun o
reproduzir fiel, met dica e objetivamente, com exposi o minuciosa dos exames e t cnicas empregadas e de
tudo o que for observado pelos peritos. A forma, n mero, situa o, largura, disposi o, rela o com os
pontos fixos de refer ncia e tempo de ocorr ncia das les es, bem como todos os sintomas encontrados no
examinando, e os dados colhidos no local e das vestes etc., numerados e distribu dos em grupos e, quando
poss vel, ilustrados com desenhos, gr ficos, plantas, fotografias, microfotografias e videocassetes para
melhor compreens o e clareza, ou permitir, se for o caso, reformula o de opini es pelos peritos nomeados
posteriormente.
▸ Discussão: nesta fase, os peritos externar o suas opini es, afastando todas as hip teses poss veis, capazes
de gerar confus o, objetivando um diagn stico l gico, flu do de justificativas racionais. É a discuss o que,
por l gica e clareza, assegura o correto deduzir das conclus es e formular hipóteses.
▸ Conclusões: nesta parte, os peritos sintetizar o com clareza o diagn stico, opinio objectum da per cia,
deduzido pela descri o e pela discuss o. O perito toma uma postura após o diagnóstico, juízo de valor.
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▸ Resposta aos quesitos: os peritos devem responder a todos os quesitos, mesmo que redundantes ou que
escapem al ada dos profissionais, que, nesse caso, assim os declarar o sem receios, consignando uma
resposta; todavia, os quesitos oferecidos pelas partes devem ser rejeitados, desde que impertinentes e n o
exijam conhecimento especializado, como j foi dito. Sendo assim, Ao encerrar o relatório, os peritos devem
responder de forma sucinta e convincente SIM ou NÃO de acordo com o achado constante na descrição. Se
por motivo justo não tiver certeza, pode responder “sem elementos ou prejudicado”.
QUESTÕES
1. Há ofensa à integridade corporal ou à saude?
Lesão corporal é a ofensa à integridade corporal ou à saúde de outra pessoa. A integridade é definida em
sentido amplo: não é apenas lesão contra a integridade física do indivíduo, mas também contra a
integridade psíquica e mental; porém não é um crime crime contra a vida.
Código Penal - Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.
Tipos de lesão corporal segundo o Código Penal - Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940:
- lesão leve: agressão sem grandes consequências; pena de 3 meses a 1 ano de detenção; Artigo 129,
caput do Código Penal.
- lesão grave: quando resulta em sequelas temporária por mais de 30 dias ou perigo de vida ou fragilidade
de membro ou sentido ou função ou aceleração de parto; pena de 1 a 5 anos de reclusão; Artigo 129, § 1º.
- lesão gravíssima: quando resulta em incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável
ou perda/inutilização do membro, sentido/função ou deformidade permanente ou aborto; pena de 2 a 8
anos de reclusão; Artigo 129, § 2º.
- lesão seguida de morte: para configurar o crime, deve ficar claro que o autor não queria a morte, nem
assumiu o risco de causá-la; pena de 4 a 12 anos de reclusão; Artigo 129, § 3º.
OBS.: na reclusão regime de cumprimento pode ser fechado, semi-aberto ou aberto, e normalmente é
cumprida em estabelecimentos de segurança máxima ou media. Na detenção não admite que o inicio do
cumprimento seja no regime fechado.
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de, entrando em reação com os tecidos vivos, causar danos à vida ou à saúde. As energias de ordem
bioquímicas podem agir externa (cáusticos) ou internamente (venenos).
- energia de ordem Físico-Química: são aquelas que impedem a passagem do ar às vias respiratórias e
alteram a composição bioquímica do sangue, produzindo um fenômeno chamado asfixia; que alteram a
função respiratória, inibindo a hematose (transformação do sangue venoso em sangue arterial), podendo,
em consequência, levar o indivíduo até a morte.
- energia de ordem Bioquímica: são aquelas que se manifestam por ação combinada - química e
biológica, atuando lesivamente por meio negativo (carencial) ou de maneira positiva (tóxica ou
infecciosa) sobre a saúde, levando em conta ainda as condições orgânicas e de defesa de cada indivíduo.
É, portanto, diferente da ação química propriamente dita dos venenos. Nessa modalidade de energia tem-
se os danos causados à vida ou à saúde pelas perturbações alimentares, autointoxicações, infecções e
castração química.
- energia de ordem Biodinâmica: “são todas ocorrências ou fenômenos, de origem externa ou interna ao
corpo humano, que desencadeiam respostas orgânicas culminando em mecanismos fisiopatológicos
intrínsecos potencialmente letais”. Nessa forma de energia estudam-se a síndrome conhecida por choque,
a síndrome da falência múltipla de órgãos e a coagulação intravascular disseminada.
- energia de ordem Mista: as energias de ordem mista, também conhecidas como energias de ordem
bioquímica e biodinâmica, compreendem determinados grupos de ação produtores de lesões corporais ou
de morte analisados na causalidade de dano. Além do seu interesse nas demandas criminais e civis, o
tema desperta muito a atenção do capítulo das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho. Nesta
modalidade de energia, enquadram-se a fadiga, algumas doenças parasitárias e todas as formas de
sevícias (maus-tratos).
3. Foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo ou tortura, ou outro meio insidioso ou cruel (resposta
especificada)?
Veneno (energia de origem química): pode-se conceituar veneno como qualquer substância que,
introduzida pelas mais diversas vias no organismo, mesmo homeopaticamente, danifica a vida ou a saúde.
Os venenos se classificam em: líquidos, sólidos e gasosos (estado físico); animal, vegetal, mineral e
sintético (origem); óxidos, ácidos, bases e sais (funções inorgânicas): hidrocarbonetos, alcoóis, acetonas e
aldeídos, ácidos orgânicos, ésteres, aminas, aminoácidos, carboidratos e alcaloides (funções orgânicas)
(funções químicas); doméstico, agrícola, industrial, medicinal, cosmético e venenos propriamente ditos
(uso).
Explosivo (energia de origem mecânica - lesões produzidas por ação contundente): chama-se de explosão
um mecanismo produzido pela transformação química de determinadas substâncias que, de forma
violenta e brusca, produz uma quantidade excessiva de gases com capacidade de causar malefícios à vida
ou à saúde de um ou de vários indivíduos. As lesões produzidas por esses artefatos podem ser por ação
mecânica e por ação da onda explosiva. As primeiras são provenientes do material que compõe o artefato
e dos escombros que atingem as vítimas. As outras são decorrentes das ondas de pressão e sucção, que
compõem a chamada síndrome explosiva ou blast injury.
Tortura (energia de ordem mista): existem diversas maneira de definir Tortura, sendo a Lei no 9.455, de
7 de abril de 1997, que do artigo 5º da Constituição do Brasil de 1988, define tortura como o sofrimento
físico ou mental causado a alguém com emprego de violência ou grave ameaça, com o fim de obter
informação, declaração ou confissão de vítima ou de terceira pessoa, outrossim, para provocar ação ou
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omissão de natureza criminosa ou então em razão de discriminação racial ou religiosa. A verdade é que o
fato de o ser humano sofrer de forma deliberada de tratamento desumano, degradante e cruel, com a
finalidade de produzir sofrimentos físicos ou morais, é tão antigo quanto a história da própria
Humanidade.
Meio insidioso: seria aquele que se manifesta pela forma de dissimulação capaz de encobrir a prática
criminosa e impedir a defesa da vítima. O uso do veneno é um exemplo desta ação dissimulada.
Meio cruel: aquele em que o autor procura muito mais provocar o sofrimento físico ou psíquico da
vítima do que propriamente sua morte. Há na crueldade um ritual, um cronograma articulado de
procedimentos cujo fim é o sofrimento da vítima. A norma penal aponta como manifestação da crueldade
o emprego deliberado do fogo, do explosivo, da asfixia e da tortura.
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▸ aceleração de parto: esta qualificadora exige que devido à agressão realizada ocorra um nascimento
prematuro, se faz necessário que o feto nasça com vida e sobreviva, caso contrário o feto venha nascer
sem vida, restará configurado aborto, sendo a lesão gravíssima (Art. 129, CP). O agente deve saber da
existência da gravidez para que se configure a qualificadora, ou seja, trata-se de uma hipótese
preterdolosa, dolo de lesionar e, culposamente causa a aceleração do parto. Se a intenção do sujeito ativo
é causar o aborto e acaba causando o nascimento prematuro, responde pelo crime de aborto provocado
por terceiro na modalidade tentada (Art. 125, CP). É importante também salientar que se o agente não
tem conhecimento da gravidez, não há que se falar na imputação do crime de lesão grave, caso haja a
aceleração do parto.
CONCEITO: um crime preterdoloso é um tipo de crime que se torna mais grave pelo resultado ocorrido, isto é, o
crime é qualificado pelo resultado. Nessas situações, o autor pratica um ato com uma intenção menos grave e
obtém um resultado mais grave do que era esperado.
Luísa Dunguel
Descrição: Às dezoito horas do dia 03/02/98, nas dependências deste Instituto, Gustavo Henrique Alves
Rodrigues apresentava pequeninas equimoses avermelhadas, algumas coalescentes, correspondendo no
conjunto a uma faixa cutânea de aproximadamente 5 3 20 mm, disposta axialmente ao pescoço em sua
região cervical posterior superior esquerda (fotos nos). O segundo molar inferior esquerdo apresentava em
sua região distovestibular uma solução de continuidade do esmalte dentário, estendendo-se da ponta da
cúspide distovestibular até a região subgengival correspondente com limites agudos e cortantes (fotos nos).
A dentina subjacente a esta falha também apresentava perda de substância. As superfícies adamantinas e
dentinárias não naturalmente expostas apresentavam-se lisas, com colorações características e sem tecidos
cariados ou pigmentações. A gengiva relacionada com a falha dentária apresentava uma discreta hiperemia, e
não se apresentava colabada sobre o contorno não natural do dente. A oclusão do periciando era do tipo II de
Angle, ou neutro-oclusão (foto no), e durante o movimento de lateralidade direita a cúspide mesiolingual do
segundo molar superior esquerdo atingia o que seria o contorno natural da cúspide do segundo molar inferior
esquerdo. O estado dentário, excetuando-se a fratura dentária, era excelente. O exame das articulações
temporomandibulares não revelou anormalidades.
Discussão: As equimoses encontradas no pescoço, por suas localizações, morfologias e colorações são
condizentes com o histórico de um soco há menos de vinte e quatro horas naquela região. Esta coloração
encontrada apresentaria, provavelmente, uma tonalidade mais escura se decorressem quarenta e oito horas. A
falha dentária apresentada pelo segundo molar inferior esquerdo, por suas características, corresponde a uma
fratura dentária muito recente. A lisura e ausência de pigmentações da superfície fraturada e as bordas
cortantes do esmalte indicam que a fratura é muito recente, enquanto o estado da gengiva, que não colabou
sobre o espaço deixado pela fratura, não se manteria por mais de quarenta e oito horas após a fratura. O
histórico do soco no queixo pelo lado esquerdo não poderia ter causado a fratura diretamente, pois o
fragmento se desgarrou da direita para a esquerda, na mesma direção do golpe. O mecanismo que explicaria
a dinâmica seria o trauma indireto no qual, no golpe, a mandíbula seria deslocada bruscamente para a direita,
e a ponta da cúspide distovestibular do segundo molar inferior esquerdo se chocaria com a cúspide
mesiolingual do segundo molar superior homolateral. A dentina fraturada apresenta seus canalículos
dentinários expostos, o que leva a uma sensibilidade dentária naquela região, condizente com o histórico. A
evolução natural da equimose leva à cura. A evolução natural da fratura dentária, pela exposição da dentina,
provavelmente levará a uma lesão de cárie que poderá ao longo do tempo inutilizar o dente. A exposição da
dentina pode, diretamente ou por intermédio de uma lesão de cárie subsequente, causar lesão irreversível da
polpa dentária, levando a necessidade de tratamento endodôntico, popularmente conhecido como tratamento
de canal. A função mastigatória está diminuída atualmente pela sensibilidade e, em um futuro, dependerá da
evolução do caso, podendo ser nula caso a reparação dentária seja realizada com êxito. A perda de um dente
apenas compromete de imediato a função em uma proporção muito maior que a simples porcentagem que
aquele elemento perdido representava na oclusão, pois quebra-se a integridade do arco. A perda de um dente
leva, com o tempo, a alterações oclusais que incluem a extrusão do antagonista e a migração mesial com
inclinação do dente posterior à falha. Traumas mandibulares intensos podem eventualmente ocasionar, a
longo prazo, disfunção da articulação temporomandibular.
Conclusão: Houve lesões corporais representadas pelas equimoses cervicais e fratura dentária do segundo
molar inferior esquerdo. A função mastigatória está atualmente diminuída em função da fratura dentária. A
evolução natural da fratura dentária provavelmente incrementará esta debilidade funcional. Existe
tratamento restaurador eficaz.
Luísa Dunguel
Resposta aos quesitos:
Primeiro: Há ofensa à integridade corporal ou à saúde? Sim.
Segundo: Qual o instrumento ou meio que a produziu? Contundente.
Terceiro: Foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo ou tortura, ou por meio insidioso ou cruel?
(resposta especificada). Não.
Quarto: Houve perigo de vida? Não.
Quinto: Resultou em incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias? Não.
Sexto: Resultou em incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, debilidade permanente
de membro, sentido ou função, aborto ou aceleração de parto ou deformidade permanente? (resposta
especificada.) Sim, debilidade permanente da função mastigatória em grau mínimo (vide discussão).
Brasília, 25 de fevereiro de 1999
Dr. José Ribamar Souza Machado Filho
Médico-Legista
Dr. Malthus Fonseca Galvão
Médico e Odonto-Legista
REFERÊNCIAS
1. FRANÇA, Genival Veloso D. Medicina Legal, 11ª edição.
2. CROCE, Delton; JR, Delton C. Manual de Medicina Legal, 8ª edição.
3. Sítio da Internet (Jusbrasil): https://ailsonsilveiraf.jusbrasil.com.br/artigos/1161981742/diferencas-entre-
lesoes-corporais-de-natureza-grave-e-gravissima
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