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PROGRAMA EMERGENCIAL PARA ATIVIDADES REMOTAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS


FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÉNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: HIPS.
PROFESSORA: Heloisa Murgel Starling
CARGA HORÁRIA: 60 h/ª
NÍVEL: Graduação
PERÍODO: Segundo semestre de 2021

Guia de Estudos IV. Na contramão da


Democracia: a onda populista e a fragilidade
democrática
(Guia de circulação restrita aos alunos inscritos
na disciplina)
Heloisa Murgel Starling

Dia 04 de Fevereiro
Atividades previstas:

Ensino remoto emergencial por correspondência:

Nesse Guia de Estudos vou propor uma reflexão no campo da história dos conceitos e
das idéias para tratar do tema do populismo na contemporaneidade.

1. O termo “populismo” tem recebido uma ampla variedade de definições e usos


políticos. Não é incomum conceitos políticos serem utilizados de diferentes modos e
com significados a serem discutidos.

Conceitos sociais e políticos possuem uma pretensão substancial à generalidade e tem


sempre muitos significados. O conceito ligado a uma palavra é sempre mais do que essa
palavra. Uma palavra torna-se um conceito quando a plenitude de um contexto político
e social de significado e experiência no e para o qual uma palavra é usada pode ser nela
condensado.
Na verdade, os conceitos são o concentrado de inúmeros significados substanciais, o
que lhes confere uma necessária ambigüidade. Reparem: uma palavra pode ser em seu
uso, não-ambígua; um conceito, não.

Observem também o que ocorre nas relações entre conceitos e realidades. Supondo que
de um lado haja um estado de coisas e de outro um conceito desse estado de coisas,
quatro situações são possíveis: a realidade e o conceito permanecem estáveis ao longo
de um período de tempo; o conceito e a realidade se modificam simultaneamente de
modo harmônico; o conceito muda sem que haja uma mudança concomitante da
realidade; a realidade muda e o conceito permanece o mesmo.

Para quem deseja se aprofundar: Reinhart Koselleck. Futuro passado: contribuição à


semântica dos tempos históricos. (Contraponto/Editora PUC Rio, 2006);

Vamos então examinar o conceito de populismo em sua necessária ambigüidade, e a


partir de suas características singulares. Vamos considerar “populismo” como uma
forma política que opera com certo tipo de discurso e que estabelece uma ligação direta
entre líder e povo.

O conceito “populista” define uma forma política que opera com uma concepção que
simplifica e radicaliza a sociedade. Estabelece uma relação direta e não mediada (por
partidos ou instituições políticas) entre um líder (que entende e sabe o que o país
precisa) e o “povo” considerado como uma totalidade, moralmente puro e plenamente
unido.

2. O conceito “populismo” não diz respeito nem a uma doutrina teórica nem a uma
tradição do pensamento, como ocorre, por exemplo, com o republicanismo, o
liberalismo ou o socialismo. Mas podemos identificar a origem de seus padrões em três
momentos muito distintos no tempo e no espaço.

O ponto de origem provavelmente nós vamos encontrar no movimento político dos


“narodnik”, que ocorreu na Rússia no meio do século XIX. “Narod’ significa “pessoas”
e “volya” significa vontade. O nome queria indicar isso: um movimento do povo como
uma totalidade e não apenas uma parte dele.

Os “narodnik” eram, na maioria, um grupo de intelectuais que construíram uma


representação da vida dos camponeses em romances e poemas. Eram representações
próprias do Romantismo. Vamos pensar no Romantismo como uma visão de mundo que
persiste de muitas maneiras, até os dias de hoje e tem o propósito de oferecer uma
resposta ao modo de vida da sociedade capitalista. Suas raízes estão na Alemanha do
final do século XVIII.

O Romantismo expressa uma reação ao atraso econômico, à opressão política e, claro,


aos valores que começam a se perder com a entrada em cena da modernidade
capitalista. É uma critica formulada contra os procedimentos da alienação, a reificação e
a generalização do fetichismo da mercadoria.

Os principais componentes da visão romântica envolvem a experiência da perda e a


nostalgia melancólica. Envolvem, também, a busca pelo que está perdido: a valorização
da subjetividade dos indivíduos, da liberdade de seu imaginário e a unidade comunitária
pré-capitalista como algo que precisa ser inseparável da recusa da fragmentação do
coletivo na modernidade.

Na Rússia não foi diferente. Os “narodnik” defendiam que a cultura russa rural
precisava ser preservada e, mais do que isso, deveria ser aprofundada. Defendiam a vida
camponesa no “mir” – a comuna – como uma forma de socialismo que precisava ser
protegida dos avanços capitalistas.

Também enxergavam nos camponeses uma honestidade e uma autenticidade que


precisava ser preservada para a construção de uma forma propriamente russa de
socialismo. O populismo significava, nesse caso, um ideal romântico que apelava para a
idéia de que a “alma” ou o “espírito” da Rússia estava na terra e poderia ser acionado
nas lutas do povo russo contra o czarismo e a autocracia.

Vocês vão encontrar esse universo romântico nos livros do escritor Liev Tolstoi que fez
parte do movimento “narodnik”. O panorama da Rússia decadente está em “Anna
Karenina” (Companhia das Letras, 2017). Um fragmento desse panorama vocês podem
ler em “Os cossacos” (Amarilys, 2012).

O segundo momento de origem dos padrões do populismo surge no final do século XIX
e se estende até por volta de meados do século XX, no interior dos Estados Unidos.
Assume a forma de lideranças e ou/partidos independentes que defendem causas
ignoradas pelos dois partidos principais, Republicano e Democrata.

No caso do populismo, são os interesses dos agricultores e pequenos proprietários em


áreas rurais e agrícolas que se consideram prejudicados pelo fato de ter a agricultura se
transformado em empreendimento comercial, quase industrial. É o último suspiro do
mito agrário norte americano: o Partido Populista surge em 1891.
A retórica do partido se voltava para o “homem comum” – no caso, para o homem
branco comum – que protestava contra a imposição de valores capitalistas na área rural.
O populismo expressou perfeitamente o sentimento desse homem comum agricultor que
se sentia ignorado ou desprezado por uma Republica com interesses concentrados em
áreas urbanas de rápido crescimento.

A principal novidade desse segundo momento é o aparecimento de lideranças


carismáticas – Huey Long, na Louisiana; George Wallace, no Alabama. São lideranças
que expressavam a causa dos pequenos agricultores e dos moradores da área rural e se
pareciam com os eleitores no modo de ser. Também falavam diretamente a eles e em
linguagem muito acessível.

O terceiro momento de origem do populismo surge no decorrer do século XX, na


América Latina. Está centrado na imagem do governo de um homem forte – o caudilho.
Nesse caso, o elemento constitutivo principal para o conceito está voltado para a
dinâmica política entre governantes e governados.

Numa ponta dessa dinâmica nós vamos encontrar a imposição de uma ideologia da
nacionalidade. O objetivo é matizar ou reescrever o passado histórico e sustentar o
exercício do poder em nome da unidade da nação.

Na outra ponta, nós vamos encontrar o populismo no governo. Isso incluiu a aplicação
direta de poder militar e policial por presidentes caudilhos que se propunham a unificar
o povo no líder e por meio dele. Observem: o caudilho prescinde da Constituição. A
figura populista clássica desse terceiro momento é Juan Perón, na Argentina, um ex-
oficial do Exercito que chegou ao poder, em 1943, após um golpe militar.

Para quem deseja se aprofundar ver: Maria Helena Capelato “Populismo latino-
americano em discussão”. In: Jorge Ferreira (org.) O populismo e sua história; debate e
crítica (Civilização Brasileira, 2001). Federico Finchelstein. “O surgimento do
populismo moderno na América Latina”. In:_. Do fascismo ao populismo na história
(Edições 70, 2019).

3. Observem então que as características principais do conceito estão se constituindo a


partir e no decorrer desses três momentos originários. Se retomarmos, a partir de agora,
a definição de que o populismo é uma ferramenta ou uma forma de fazer política,
podemos identificar seus elementos estruturantes. Ele parte de uma concepção de
sociedade cindida em que o ente constitutivo “povo” está sendo ignorado ou descartado.
O populismo também pressupõe que o establishment político é inadequado – por
corrupto, voraz, excludente ou defensor de privilégios – e precisa ser destruído. Além
disso: a visão política para solução dos problemas é redentora; a liderança se afirma
como única e excepcional.

Também apresenta uma visão redentora da política. Seu discurso alimenta uma
nostalgia por uma sociedade ou um momento do passado que foi perdido. E precisa ser
resgatado ou recriado. É uma visão radicalmente simplificada e falsa. Um povo
renascido e liberto da complexidade e das divisões que engoliram o país. Apela aos
medos atuais e desperta emoções.

O populismo apresenta uma forma específica de discurso político. Vale muito à pena,
então, identificar os elementos constitutivos da linguagem do discurso populista. É uma
linguagem voltada para o confronto. Também é truculenta e vulgar. Oferece às pessoas
uma simplificação brutal da sociedade. Constrói igualmente uma imaginação moralista
da política: o povo plenamente unido e moralmente puro versus uma prática política
velha, corrupta e corrompida.

É uma linguagem que incita ao recurso da violência política para calar o adversário.
Num comício em Cedar’s Rapid, Iowa, em 2017, Trump, por exemplo, convocou seus
apoiadores a “knock the crap out of them”, referindo-se às pessoas que interrompiam
seus discursos com protestos.

Para quem deseja se aprofundar ver: Bérengère Viennot. “A língua de Trump”. (Âyiné,
2020)

4. A emergência do populismo ocorre em contexto de grave crise democrática. Sem


crise há pouca chance do populismo ganhar força. Observem que ele avançou na Europa
nas duas últimas décadas em um contexto contemporâneo de crise democrática
relacionada especialmente à imigração, ao afluxo de refugiados, e ao medo de que o
crescimento de uma minoria mulçumana chegue ao ponto de desafiar o ethos cristão
dominante da sociedade européia.

O discurso populista vai sustentar exatamente isso. A saída para a crise é uma Europa
capaz de virar às costas ao cosmopolitismo, às fronteiras abertas, à globalização e cuidar
de si própria. Pensem, por exemplo, em um argumento insistentemente utilizado na
votação a favor do Brexit, no Reino Unido. O argumento defendia a visão de que os
serviços públicos tinham sido ocupados majoritariamente por milhões de imigrantes da
Europa Oriental.

Um exemplo para quem quiser se aprofundar é o romance “Submissão” (Alfaguara,


2015), de Michel Houellebecq, que trata do colapso da Europa moderna e a ascensão de
uma Europa mulçumana.

Essa seria a dimensão cultural, digamos assim, da crise democrática. Está concentrada
em temas como a ameaça à identidade e à inserção social apresentada pela migração. A
outra dimensão da crise democrática contemporânea é econômica e se concentra no
impacto provocado pela recessão e pelas políticas de austeridade.

Vale lembrar rapidamente a origem da crise econômica. Até 2006 a economia global
desfrutou de um momento de crescimento que incluiu desregulamentação dos bancos
para promover liquidez necessária para sustentar o investimento. Deu errado. A bolha
financeira estourou em 2008, inicialmente na Islândia, onde deu origem ao protesto da
“Revolução das panelas e das frigideiras”, e se espalhou recessão pelo mundo.

A dimensão econômica da crise deu origem a uma série de movimentos de protesto.


Creio que podemos marcar como emblemáticos os movimento # 15M na Espanha, em
2011, ou o “Occupy Wall Street”, em Nova York, em 2011 e se alastrou por algum
tempo com a mudança na designação do local a ser ocupado – “Occupy Berkeley”,
“Occupy Oakland. Em geral, esses movimentos traziam com pautas fragmentadas, eram
transitórios e sem objeto especifico e fundado em uma pluralidade de razões
individualizadas para protestar.

O que não impediu a eclosão posterior de movimentos com pauta específica. Por
exemplo, o movimento “Nuit debout”, na França, em 2017, protestando contra as novas
leis trabalhistas.

Na esteira da recessão, o slogan do “Occupy Wall Street” é indicativo da percepção


pública acerca da incompetência dos agentes políticos, pouco importando se de centro-
esquerda ou conservadores. O slogan “Somos os 99%” indica que o mundo da política
está coligado com 1% da população – os ricos e muito ricos – cujos interesses e
necessidades têm mais peso e importância na ordem política vigente. Indicam frustração
das oportunidades pela mobilidade regressiva em particular das classes médias, pelo
desemprego e pela desigualdade crescente.
Vale notar que esses movimentos de protesto não são populistas. São indicativos de
uma transformação no pensamento das pessoas e sintoma da crise – como se partidos
políticos e representação fossem todos iguais e incapazes de oferecerem respostas às
necessidades da população.

Mas são sintomas de uma crise que atinge a vida política. São indícios de saturação:
aumento das desigualdades, crescimento do desemprego estrutural, insatisfação e
ressentimento provocados pela frustração das expectativas. Reparem a análise de
Manuel Castell: “Ocorreu quando ninguém esperava. Em um mundo prisioneiro da crise
econômica, do cinismo político, do vazio cultural, da desesperança, simplesmente
ocorreu”. Está em “Redes de indignação e esperança; movimentos sociais na época da
internet” (Zahar, 2013).

Para quem quiser se aprofundar vale o ensaio curto de Castell, publicado em 2018:
“Ruptura; a crise da democracia liberal” (Zahar, 2018).

Há um terceiro elemento apontado por analistas. Tempos difíceis de recessão produzem


a emergências de afetos primários. Cresceu o número de pessoas que devido à
quantidade, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não tem relações
comunitárias, não se integram nem compartilham propósitos comuns. Uma multidão de
indivíduos isolados entre si, preocupados apenas em cuidar da própria segurança e
escapar da violência urbana, salvaguardar seus negócios e desfrutar de uma vida
meticulosamente privada.

Essa multidão é o resultado de alguns cruzamentos que fazem sentido no seu conjunto:
esgarçamento das relações de confiança interpessoais, desigualdade, exclusão,
desemprego, empobrecimento. Por conta disso, a multidão é o lugar em que todos estão
sós – e cada um sente de modo ressentido e reativo que precisa cuidar de si mesmo. É a
sociedade do “indivíduo por contra própria”.

É nesse contexto que o ressentimento constrói sua base própria de afetos: rancor, raiva,
inveja. Essa base afetiva, de seu lado, termina por criar um forte sentimento de
identidade cultural entre pessoas flagradas na disposição de fazer valer seus interesses.

O ressentido se aferra à idéia de ser alguém que foi destituído de seu lugar e, por essa
razão, se identifica com o lugar da vítima. Isso traz conseqüências: eleva a voltagem do
radicalismo, faz aflorar a intolerância que nega qualquer divergência e elimina o
horizonte da igualdade.
Vejam como o populismo contemporâneo investe nesse caldo emocional: “Ponha a
França em ordem”, é o slogan da Frente Nacional, de Marine Le Pen, um partido de
extrema direita que incluiu entre suas propostas a retirada da zona do euro (e da União
Européia), a reafirmação da herança cristã francesa e redução do apoio estatal a
iniciativas multiculturais.

“Retome o controle” é o slogan para o referendo Brexit. É um slogan forte. Indica ao


eleitor que, em troca de incertos benefícios econômicos, a filiação do Reino Unido à
união européia havia cedido um excesso do poder de tomar decisões.

O slogan é nacionalista e falseia a realidade. Possivelmente a contribuição mais


importante da UE é proteger seus cidadãos de alguns dos piores impactos da
globalização. Em especial: de pressões sobre os direitos dos trabalhadores; da redução
de padrões ambientais e de acesso ao bem estar.

“Faça a América voltar a ser grande”, é o slogan de Trump. Soa como um compromisso
em chave dupla. Por um lado, promete restaurar a supremacia militar dos Estados
Unidos. Por outro, sublinha a decisão de restaurar a supremacia econômica norte-
americana contra a concorrência da China e do leste da Ásia. O slogan fala diretamente
às áreas fortemente afetadas pela recessão nos estados do Meio Oeste e no “Cinturão da
Ferrugem”, área de mineração de carvão e de indústrias metalomecânicas de baixa
produtividade e sem competitividade.

Aliás, cabe anotar. A crescente tensão entre China e EUA no campo econômico e
político também exprime uma dimensão do slogan. A China desafia a supremacia norte-
americana e Trump alimenta a sensação de inevitabilidade da guerra – conflitos
comerciais, ataques cibernéticos, crise da Coreia, qualquer coisa parece poder funcionar
como o gatilho.

Alguns analistas chamam essa situação de “Armadilha de Tucídides”. Ele chamou a


atenção, em seu livro sobre a guerra do Peloponeso, que quanto mais Atenas se
expandia, maior era o temor de Esparta e essa combinação – o momento em que uma
potência em ascensão ameaça o lugar de quem dominou o poder até então – cria a
armadilha que pode tornar uma guerra inevitável.

Para quem deseja se aprofundar ver, por exemplo, o livro de Graham Allison: “A
caminho da guerra; os Estados unidos e a China conseguirão escapar da Armadilha de
Tucídides?” (Intrínseca, 2020)
Na verdade, a crise mostra o percurso da globalização em sintonia com o movimento de
inovação tecnológica e da profunda alteração dos padrões e sociais. Em particular, a
recessão atingiu antigas áreas industriais e manufatureiras. Por exemplo, no “Cinturão
da Ferrugem’; mas, atingiu igualmente e de modo agudo o norte da Inglaterra, o
nordeste da França e a parte oriental da Alemanha.

5. Quando o populismo começou a ganhar eleições na Europa e, em seguida, nos


Estados Unidos foi possível formular alguns elementos de análise. Havia uma tendência
global – a “onda populista” – que se beneficiou dos componentes culturais, emocionais
e econômicos da crise da democracia.

A forma política do populismo, na cena contemporânea, é majoritariamente de direita,


tem um forte componente de reacionarismo, em alguns casos traz embrionariamente
ingredientes totalitários e seu avanço está associado à falta de respostas estruturais em
um cenário de mudança global. Líderes populistas contemporâneos são uma ameaça
generalizada às democracias inclusive às democracias maduras.

Um marco possível para o inicio desse avanço pode ser observado em 2016. Começa
possivelmente na eleição de Rodrigo Duterte como presidente das Filipinas, em maio de
2016. Em seguida, o referendo Brexit do Reino Unido, em junho de 2016. E, é claro, a
eleição de Trump, em novembro de 2016. A partir daí, a “onda populista” tornou-se um
fenômeno global e a ameaça à democracia é generalizada.

Alguns analistas vislumbram sinais de refluxo da onda populista. Por exemplo: a vitória
da centro-direita sobre a direita ultranacionalista na França. A derrota do PP na Espanha
seguida da vitória e do governo liderado pelo PSOE. A eliminação da representação
parlamentar do partido de extrema direita “Laikos Syndesmos Chrysi Avgi” (Aurora
Dourada), nas eleições para o Parlamento grego, em julho de 2018. A derrota de
Erdogan, na eleição em março de 2019 para a prefeitura de Istambul, na Turquia. O
resultado aquém do esperado dos ultranacionalistas, nas eleições para o Parlamento
europeu, de maio de 2019 e na Áustria, em setembro de 2019. E a retomada social
democrática na Islândia, Finlândia, Suécia e Dinamarca. Mas vale considerar. São
apenas sinais de refluxo: indicam uma fragmentação política e apontam para possíveis
realinhamentos partidários futuros.

Alguns autores, por sua vez, tendem a se concentrar no outro lado da equação política.
Nessa visão o populismo assumiria um aspecto distinto. Ele poderia ser uma estratégia
política e ter um papel a desempenhar na mobilização das pessoas em torno de um
projeto para renovar e expandir a democracia.

Nessa vertente, uma forte liderança unificadora poderia evitar, em partes do mundo em
desenvolvimento, a desagregação da democracia como efeito do risco de desintegração
social. O populismo também teria potencial para gerar formas de políticas capazes de
incluir pessoas cujas necessidades são, com freqüência, ignoradas.

Para Ernesto Laclau, em “A razão populista” (Três Estrelas, 2013) o populismo é uma
forma de construção do discurso político. Carrega uma dimensão de autonomia que se
refere à mobilização espontânea a partir de uma pluralidade de demandas sociais. E
carrega também uma dimensão de hegemonia que se refere à sua condição de
transformar o Estado e ampliar a esfera pública.

No argumento de Chantal Mouffe, em “Por um populismo de esquerda” (Autonomia


Literária, 2020), o populismo é uma estratégia discursiva de construção de uma fronteira
política. Essa fronteira divide a sociedade em dois campos e a estratégia discursiva
apela para mobilização dos excluídos contra aqueles que estão no controle do Estado.
Nesse caso, o populismo forneceria a possibilidade de desencadear uma ofensiva
política no interior da crise por que passa o neoliberalismo e radicalizar a democracia no
contexto das chamadas “pós-democracias”.

Contudo, se entendido como uma forma política na contemporaneidade, não tem saída:
o populismo tem uma concepção instrumental da democracia. O líder populista vê a
democracia como um meio para chegar ao poder, mas não a aceita quando oferece
meios legítimos para limitar legalmente suas demandas. O populismo corrói de dentro
para fora as instituições democráticas e as unidades vitais da máquina pública e, com
isso, provoca retrocesso democrático.

Mas é uma forma transitória. A questão final é essa. O populismo pode ser uma forma
política passageira que se alimenta da crise democrática. Mas pode também se tornar
mais difundido e alcançar longevidade. E pode, ainda, desembocar em regimes
autoritários de novo tipo, intolerantes e com ingredientes potencialmente totalitários.

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