Poéticas
PG Alencar
DADOS CATALOGRÁFICOS
De todas as cidades que falei,
era de PIO IX que eu estava a falar!
Prefácio
viagem descritivamente belíssima. Depois de contar
inúmeras cidades, ansiando que o Kublai bocejasse e
que, enfim, ele pudesse se retirar, Polo queda-se cansado:
“nobre Kublai, eu já vos contei todas as cidades que
conheço. Não tenho mais cidades para contar”. O Kublai,
então, retruca: “sábio Marco, tu me contastes todas as
cidades mas esquecestes de uma!”. Surpreso, Marco
Polo pergunta: “de que cidade esqueci, nobre Kublai?”,
ao que o Khan lhe responde: “De Veneza. Tu me falastes
de todas as cidades mas esquecestes Veneza!”. Marco
Polo, então, aliviado, responde: “nobre Kublai, de todas
as cidades que falei, era de Veneza que eu estava a falar.
Eu tenho os olhos de Veneza, de modo que em todas as
cidades eu enxergo Veneza”.
O PG Alencar tem algo de Marco Polo. Se a
identidade é aquilo que nos sutura à realidade, nos
conectando a um sistema de racionalidade, parece
indubitável que ele queda-se prazerosamente suturado
a sua cidade natal, PIO IX, um longínquo município do
extremo leste do Piauí, encravado no centro do polígono
das secas. Em que pese ter-se constituído agrônomo,
mestre em desenvolvimento e meio ambiente com título
obtido no Núcleo de Referência em Ciências Ambientais o menino peralta que explorava as veredas de baladeira
do Trópico Ecotonal do Nordeste e estar presentemente em punho agora vê o homem que se constituiu intelectual
desenvolvendo estudos com vistas à elaboração de sua sem perder de vista as suas raízes. E que desenvolveu, a
tese de doutoramento, o que o coloca na condição de longo dos anos, um pensamento social comprometido
interlocução com os grandes centros urbanos do país, com a humanidade lato sensu. Nisto consiste o mais
PG Alencar segue sendo o garoto de baladeira em punho belo do livro ora apresentado: nas poesias aqui contidas
singrando pelas veredas de PIO IX. pode-se ouvir o rebuliçar da vida. No presente caso, a
vida sertaneja forjada entre vivências e livros. Evoé, PG
Minha terra não tem palmeiras Alencar! Com esta leitura, ouvindo imaginariamente
Mas o sabiá canta lá sangues-de-boi e fogo-apagou cantando sob o sol
Canta bem nas laranjeiras escaldante do sertão, garimpando uma sombra aqui e
E gorjeia como cá outra acolá, eu vou brindar à vida. Evoé, PG Alencar!
Sobre
O que revolta
Ou maravilha
Para transcrever
De dentro da alma
O sentido da vida.
a poesia
Poesia, a companheira O poeta contemporâneo
De repente, aparece
Amadurece renovada
Pra vida adoçar Apaixona-me, ilude
Pra ela encantar A cada olhada
Pra conquistar Assume formas
Pro tempo passar Inesperadas
E o sono chegar
Corpo escultural
Às vezes, sei lá....
Mágica, encantada
Ao meu desejo
Pra brincar Molda-se, numa piscada
Pra exercitar De cor, sem credo
Pra homenagear Satisfaz-me, empinada
Pra esculachar
Pra tudo... Olhos furta-cor
Pra nada... De cor variada
O ângulo define
A matiz visada
Olha-me cativante
Apaixonada
Fala de tudo
Liberada
Crítica, amável
Não recatada
Sexo, amor, política
Bem despachada
Sonho antigo
Como eu queria
Renova-se bela
A cada dia
Perfeita musa
Minha poesia.
Fluxo da arte A pena do poeta1
A arte de dentro
Aflora
A arte segue o mundo O poeta pena
Afora Quando falta tinta
A arte reflete o estado Na massa cinzenta
De agora E quando na pena
Tem tinta sobrando
A arte é um caminho O poeta tá penando.
Irrestrito
A dimensão da arte Se a tinta fluir
É o infinito Constante na pena
O feio da arte
É bonito Sem faltas ou sobras
Com cores e temas
O samba não é Feliz é o poeta
Do sambista Com a vida serena.
O quadro não é
Do pintor
A cena não é
Do ator
E a arte não existe
Sem amor (pela arte)
A arte não é
Do artista
As vezes vem
Da sua dor
Trás cheiro e luz
Movimento e cor
Sem nexo
Sem sexo
Com anonimato
Ou esplendor.
territorialidade
Exílio do Sertão 2
No final do ano
Um dia todos vão Se tudo der certo
A estiagem longa Voltam Tonho, Laley e Zé
Exclui do Sertão O Girunga e o Preta
O agricultor e o criador O Francisco e o Chico
A falta de oportunidade Os meninos de Ulisses
Empurra os sem labor Bastião e o Bode Zé
O imaginário de riqueza
Ilude o sonhador Sonhando em voltar
Vez em quando
Nas oportunidades Para cá terram os pés
Em outros lugares O reencontro no natal
Nascem outras identidades E no forró dos “Gringos”
O Crediarista Celebram a amizade
O “Gringo” A família e a vida
O Camelô E renovam essa fé
Em São Paulo ou no Rio
Fortaleza e Castanhal
Belo Horizonte e Recife
Feira de Santana e Coxim
Aracaju ou Salvador
Quatrocentos ou quinhentos?
Seis horas ou mais?
Na caminhada à beira rio
Não importa a distância
Viajo para o futuro
Vou é com gosto de gás
Faço projeto de vida
Na BR-316, Demerval e Lagoa
E traço mentalizando
Passo vexado demais
Um caminho mais seguro
Monsenhor Gil e Barro Duro
Na caminhada à beira rio
Com as matas de Cocais
Ativamos a memória
Até Passagem Franca
Frente às casas das leis
Vão ficando para trás
De tarde, já sem a escória
Um café em Elesbão
As paredes de concreto
Deixa aceso e fulgás
Escondem-nos triste história
Numa piscada de olhos
Na caminhada à beira rio
Vou passando de Valença
Árvores seguem seu passo
Observo a esquerda
Dos fósseis ao angico branco
A cidade bem serena
Vivemos em descompasso
Lembro-me boas farras
Pois na busca do progresso
Do Crovapi e as falenas
Só plantamos mais asfalto
Vejo Inhuma de relance
Da caminhada à beira rio
Em Ipiranga nem pisco
A camisa volta suada
Os seus brejos me encantam
A consciência tranquila
Na paisagem me inspiro
E a mente volta curada
E pé na tábua de novo
Nas reflexões profundas
Ronca forte em alto giro
Sinto a minh’alma lavada.
Por fora de Dom Expedito O posto Fortaleza II
Passo despercebido Fica logo na divisa
Na Serra da Mirolandia Chego na baixa do poço
Me aumenta a libido E já sinto aquela brisa
Pra comer uma castanha Com cuidado, entro à direita
Ou um caju escolhido Pouco antes da Capisa
As carradas se formavam
Dos capuchos de algodão
Tal qual uma de verdade
Em cima de caminhão
Com algumas diferenças
O cabresto é a direção
Mola de zinco que é forte
De flandre não guenta não
Festas Juninas A feira de Pio IX3
O cevado tá no ponto
Sanfoneiro puxa o fole
A cachaça é da boa
Seu “dotô” tome um gole
A música lá do vaqueiro
Mas nesse “Estado” de atraso
Podia ser diferente
Falta gestão e vontade
E escrachar com político
Pra encerrar essa saga
Esses da terra da gente
De Raimundo e Honorata
Que enxergam bem pouquinho
Pra reconhecer o certo
E não pensam lá na frente
Com cada qual no seu canto
Seja preto ou seja branco
Política no Piauí
Desbancando o mais esperto
É um bem familiar
A mulher e o filhinho
Que o vaqueiro que sumiu
Todos têm que trabalhar
Nas paredes da igreja
Se não sabe fazer nada
Escondido ainda veja
Político tem que virar
Essa questão acabar
Como se diz com o que é certo
O cargo de Deputado
Que seja preto no branco
No Piauí já ganhou
E não tem pra que espanto
Até um rebatimento
Terra para preto, é sim!
Veja só onde chegou
Pois já tem demais o branco
Meu filho é deputadinho
Pois FEDERAL eu já sou
Que o branco do papel
Receba o preto da tinta
Se já sou um deputado
Que o futuro governante
Meu filho também vai ser
Não seja ruim como pinta
Eu já tenho os currais
Sua caneta de assinante
Meu filho tem que aprender
Nem precisa ser de ouro
A cuidar do eleitor
Basta que devolva aos Negros
Que nem rebanho de gado
As terras do Sumidouro.
Dos tempos do seu avô
Nossa terra, nosso futuro
E se já for Senador
Enxergar dimensões diversas
A mulher tem que virar Num sentido holístico
Deputada Federal Ver o planeta como Gagarin
Que é pra nós não separar De fora, do alto, mas realístico
Viver juntinho em Brasilia No seu todo, mas como parte
No champanhe e caviar Esse deve ser o princípio
Se o desenvolvimento é estéril
Fogo espalhado para esterilizar
Ignora o grileiro
Ao nosso povo expulsar
O Piauí segue esse rumo
Em 19 de outubro
As velas estão acesas
Queimando o cerrado
Para não comemorar.
Reflexões
cotidianas
Pelo sinal da amizade Compartilhar...
Que não nos falte a força Compartilhar...
Que não nos falte alegria Sonhos, versos e imagens
Que não nos falte esperança Sucesso, alegria e arte
E o pão de cada dia Risos, graças, molecagens
Que não nos falte humildade Amizade e gargalhadas
Antes de ir pra terra fria Trabalhos e malandragens
Emboladas
Versos
O trem passou e eu não vi Repentes
Fiquei brincando e aí perdi Cantadas
Estou parado na estação Rimadas
Tal qual os trilhos, presos ao chão Trocadilhos
Com a vista longe a se perder Poemas
Vendo o dia escurecer Forrós
Xotes
Com a escuridão, me vem o frio Fraca poesia
Sinto tremores, dá calafrio De aprendiz
Sem maestria
Busco as forças pra me mover
Como num sonho, sinto prender Mas nada em vão
As pernas, braços e tudo enquanto Tudo inspirado
Só caem as lágrimas do meu pranto Na paixão viva
Sertaneja
Imóvel, preso na estação Desvelada
Plantado num mundo de ilusão
Espero o trem findar seu ciclo Hoje caminho
E andar de novo no meu sentido Meio triste
Capiongo
Essa esperança me enche a alma
Me acompanha
E me dar enfim, um pouco de calma. A parceira rima
Agora quebrada
Desanimada
E de braço dado
A saudade
Arretada
Substantiva
Concreta
Cortante
Feito facada.
Inspiração vacilante Refeição poética
Surpreendente
Fecho os olho pra tentar Me surpreendeu
Esquecer um pouco dela Amante da liberdade
Mas sua imagem aparece Estranhamente
Com se abrisse uma janela Me prendeu
No meio do inconsciente Como uma sereia
Com seu canto
Me mostrando a face bela
Me encantou
E o sentido de ser
A sua cor me vem forte Do ser profundo
Como se fosse em novela me mostrou
Palpita no coração
A saudade cor de canela Como uma alma
Fixada na minha mente De vida passada
Da beleza em tudo dela. Leu códigos
E pensamentos
Deletou seus medos
E meus sofrimentos
Aninhou-se
No meu ninho
Me deu...
E sentiu carinho
Colou
Ficou juntinho
E ao me sentir
Gemeu baixinho
Me deu amor
Sem preconceito
Deitou o rosto
Sobre o meu peito
Chegou bem mansa
Devagarinho
E expandiu
Meu mundinho
Amor pagão
A distância atrapalha
Mas ela é maravilhosa
Quando bate a saudade
Digita bem carinhosa
E com fotos sensuais
Faz minha vida prazerosa.
Morenice Olhar azul
Gosto do céu
Adoro as estrelas
Vi o azul do lago
Amo a Preta
E olhei pra o céu
Aguardo ansioso
Enxerguei a tinta
O crepúsculo do dia
Do meu papel
Para revê-la
Fitei teus olhos
Gosto da penumbra
Tirei o véu
Da noite enluarada
Senti bater
Amo a mulata
Na porta do céu
Brilhando linda
Ao meu lado
Abriu-se o horizonte
Qual brilho de prata
Exuberante
No teu olhar
Gosto da noite
Desconcertante
Adoro a lua
Amo a morena
Olhei com ternura
Na minha cama
De professor
Ou ao relento
Mas fraco homem
Toda nua
Perdi o pudor
O planeta azul
Mais se azulou
No teu olhar mágico
Encantador.
Viver só Lua prateada
Viver só Lua de lá
Sem um par Do luar do sertão
Desatado, sem nó De longe, vejo-te linda
Uns chamam solidão Virtualmente
No sertão é caritó Bem enluarada
Estado intermediário
Entre erros e acertos Lua atrevida
Apegos e desapegos Ofusca o sol
Amores e desesperos Bem prateada
Tempo de viver intenso Espelha daí
Seus amores verdadeiros A musa amada
Sua família e herdeiros
Tempo de ser egoísta Reflete pra cá
De olhar pra si mesmo Longe do sertão
De si amar inteiro A musa nua
De sair sem rumo Tal como a foto
De bar em bar De uma lua pelada
De puteiro em puteiro.
Amar e (ani)amar-se
Apoio:
EDITORA
Educando com amor, responsabilidade e compromisso
Se a identidade é aquilo que nos sutura à realidade, nos
conectando a um sistema de racionalidade, parece indubitável
que PG Alencar queda-se prazerosamente suturado a sua Territorialidades
cidade natal, PIO IX, um longínquo município do extremo
leste do Piauí, encravado no centro do polígono das secas. [...]
E esse estar ali, manter-se embebido na cidade natal a despeito
Poéticas
das promissoras imagens do fora, não é algo fácil. Mas, ao PG Alencar
mesmo tempo, é algo visivelmente vigoroso e portador de
rara potência criadora. A poesia, assim como a arte de modo
geral, é uma das linhas que utilizamos para nos suturarmos à
realidade. E, no presente caso, PG Alencar se apresenta como
“o homem de responsabilidade mais ampla” ao qual se refere
Nietzche em Além do bem do mal: ele não esgrime a sua
poesia como se fosse a verdade universal. Apenas a apresenta
como a sua verdade, o seu ponto de vista sobre o mundo.
[...] A pequena cidade que viu nascer o menino peralta que
explorava as veredas de baladeira em punho agora vê o homem
que se constituiu intelectual sem perder de vista as suas raízes.
E que desenvolveu, a longo dos anos, um pensamento social
comprometido com a humanidade lato sensu. Nisto consiste o
mais belo do livro ora apresentado: nas poesias aqui contidas
pode-se ouvir o rebuliçar da vida. No presente caso, a vida
sertaneja forjada entre vivências e livros. [...] Com esta leitura,
ouvindo imaginariamente sangues-de-boi e fogo-apagou
cantando sob o sol escaldante do sertão, garimpando uma
sombra aqui e outra acolá, eu vou brindar à vida. Evoé, PG
Alencar!
EDITORA
EDITORA