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UNIDADE II

A PRÁTICA DE LEITURA E DE ESCRITA

Profa Me. Andrea Escame Brandani


Profa Me. Érica Danielle Silva

OBJETIVOS
Ao finalizar esta unidade você deverá ser capaz de compreender o modo como as
diferentes concepções de língua e de linguagem podem direcionar de modos
distintos os processos de leitura e de escrita no âmbito escolar. Além disso,
esperamos que sejam esclarecidas as formas de fundamentar teórico-
metodologicamente a prática de leitura e de produção textual como eixos
norteadores do ensino de Língua Portuguesa. A proposta ainda busca a reflexão
sobre atividades de leitura e de escrita de um livro didático utilizado no ensino de
Língua Portuguesa nas séries finais do Ensino Fundamental II.

PLANO DE ESTUDO
Nesta unidade, serão abordados os seguintes tópicos:
 O processo de leitura.
 Concepções de língua e de linguagem, o texto e o processo de leitura.
 Etapas.
 A produção textual.
CONVERSA INICIAL
Geraldi (1997) considera que o texto, seja oral ou escrito, é o ponto de partida e o de
chegada do processo de ensino e de aprendizagem da língua. Consoante com essa
ideia, podemos encontrar vários outros estudiosos que ressaltam a importância de
ter o texto como norte do ensino, cujas práticas de leitura e/ou de produção devem
considerar os alunos como sujeitos historicamente situados.
Entretanto, essa concepção nem sempre foi a predominante no âmbito escolar. A
prática pedagógica sofreu, no decorrer da história, a influência de vários estudos e
correntes teóricas. E mesmo com toda a produção acadêmica que temos sobre o
assunto, ainda sim temos muitas discrepâncias entre a teoria e a prática.
Vamos, então, nessa unidade, destacar algumas concepções inerentes à prática de
leitura e de produção textual a partir de diferentes concepções de língua e de
linguagem. Além disso, abordaremos as etapas que compõem o processo de leitura
e de escrita. Ensinar a ler e a escrever é, pois, uma questão essencial para você,
caro aluno, que se prepara para a atuação em sala de aula.

Sensibilização
Retome o seu percurso escolar como aluno e reflita sobre:

 As atividades de leitura:
(a) Você lia textos de gêneros diversos?
(b) Você lia apenas os textos do material didático?
(c) Que estratégias a professora utilizava para promover a leitura de um texto (voz
alta, individual, coletivo, em casa)?
(d) A professora indicava livros de literatura para ler? Havia prova sobre eles? Você
gostava de ler os livros indicados?

 As atividades de redação/produção textual:


(a) Quando a professora pedia para escrever um texto, ela apenas indicava o
assunto, sem contextualização, ou fazia um trabalho de leitura de vários textos para
reunir as informações/argumentos?
(b) Havia uma aula específica só para escrever ou as redações eram feitas em
casa?
(c) Havia prova de redação?
(d) Você escrevia diferentes gêneros ou apenas textos dissertativos e/ou narrativos?
(e) A professora era a única que corrigia seus textos?
(f) Depois da correção, havia oportunidade para reescrever o texto?
(g) Você se lembra de como era a correção – que tipos de “erros” a professora
destacava?
1. O PROCESSO DE LEITURA
Desde que nascemos, aprendemos a interpretar gestos, palavras e imagens. Esse
processo se intensifica quando vamos para a escola. Por meio da leitura e da
escrita, temos acesso à grande parte da cultura humana.
Ainda assim, quem é que nunca parou para se questionar: porque eu preciso ler?
As justificativas são infinitas: “passear é melhor que ler”, “ler dá um sono”, “não
tenho paciência para ler” ou ainda “prefiro ver televisão”. Pois é, a prática da leitura
exige esforço e são muitas as justificativas para não ler. No entanto, assim como
existe uma infinidade de motivos para não ler, existem muitas razões que nos
incentivam a leitura.
Ora, muitas pessoas acreditam que ler é somente decifrar as palavras, já que desde
pequenos aprendemos a decodificar as letras e deduzimos que sabemos ler. No
entanto, a leitura é muito mais que isso, uma vez que exige interação entre autor,
texto e leitor. Este conceito é amplamente discutido por vários estudiosos da
linguagem, dentre eles, Viana (2004). Vejamos:

[...] Não significa somente a capacidade de juntar letras, palavras,


frases. Ler é muito mais que isso. É compreender a forma como está
tecido o texto. Ultrapassar sua superfície e inferir da leitura seu
sentido maior, que muitas vezes passa despercebido a uma grande
maioria de leitores. Só uma relação mais estreita do leitor com o
texto lhe dará esse sentido. Ler bem exige tanta habilidade quanto
escrever bem. (VIANA, 2004, p. 9)1

É neste sentido, que quando lemos precisamos refletir sobre a finalidade do que se
lê, porque podemos utilizar a leitura para fins de informação, conhecimento ou
prazer. A leitura informacional é voltada para manter o leitor informado dos
acontecimentos do mundo, o que permite a ele se posicionar criticamente diante dos
fatos. A leitura de conhecimento está voltada para a pesquisa e o estudo, tanto para
aprender sobre determinado assunto, quanto para colocar um equipamento novo em
funcionamento e, geralmente, está relacionada a área de atuação do sujeito na
sociedade. A leitura de prazer está ligada à literatura e ao prazer que a leitura nos
proporciona. Tais objetivos nos ajudam a estabelecer quais estratégias serão
abordadas durante o processo de construção do significado.
Como a leitura deve, então, ser feita? Viana (2004) nos auxilia explicando:

1
VIANA, Antonio Carlos (Coord.). Roteiro de redação: lendo e argumentando. São Paulo: Scipione,
2004.
Numa primeira leitura, temos sempre uma noção muito vaga do que
o autor quis dizer. Uma leitura bem feita é aquela capaz de
depreender de um texto ou de um livro a informação essencial. Para
isso, é preciso ter pistas seguras para localizá-la. Uma boa estratégia
é buscar as palavras mais importantes de cada parágrafo. Elas
constituirão as palavras-chave do texto, em torno das quais as outras
se organizam e criam um intercâmbio de significação para
produzirem sentidos [...] A tarefa do leitor é detectá-las, a fim de
realizar uma leitura capaz de dar conta da totalidade do texto.
(VIANA, 2004, p. 9)

Vale acrescentar que o ato de ler é imprescindível aos homens, pois proporciona
sua inserção no meio social e o caracteriza como cidadão participante. Logo, ler é
uma forma de nos ajudar a perceber, compreender e elaborar nossa própria
subjetividade, contribuindo para dar sentido ao mundo, a nós próprios e aos outros.
A leitura estabelece, nessa perspectiva, relações entre os conhecimentos prévios do
leitor e seus objetivos, diferenciando-o do sentido constituído pelo autor do texto. É
por esse motivo, como já foi mencionado, que diferentes significados podem ser
atribuídos para um mesmo texto, visto que a construção do sentido é elaborada de
forma individual. Sendo assim, o mesmo texto pode despertar em cada leitor e
mesmo em cada leitura uma visão diferente da realidade. Essa visão é provocada
pela presença do texto e depende exclusivamente da bagagem cultural de
experiências prévias (conhecimento prévio) que o leitor traz para a leitura. Todavia,
não é demais frisar, que isto não significa dar ao texto o sentido que lhe achar
melhor.
É preciso ressaltar, ainda, que a proficiência da leitura não está associada somente
à leitura de grandes obras clássicas, como se supõe, mas na experiência do leitor ao
processar o texto, já que envolve compreensão, percepção e assimilação do que é
lido e carece da mobilização dos conhecimentos prévios para atualizar o texto é
fazer com que ele tenha sentido, pois o significado, muitas vezes, não está
totalmente explícito no texto, mas está na relação com as informações que o texto
desencadeia na mente do leitor.
Aliás, ler com proficiência é familiarizar-se com diferentes textos produzidos em
diferentes esferas sociais (jornalística, artística, judiciária, científica, didático-
pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária, entre outras) para desenvolver
uma atitude crítica, que leve o leitor a perceber as vozes presentes nos textos e
torne-o capaz de posicionar-se diante delas.
Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura
constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que
utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de outras
estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação, sem
as quais não é possível rapidez e proficiência. É o uso desses
procedimentos que permite controlar o que vai sendo lido, tomar
decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante
do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições
feitas, etc (BRASIL, 1997, p. 41) 2

E qual seria, então, o papel do leitor, nesse processo?


Se a leitura é um processo complexo, um processo de compreensão do sentido, ela
envolve uma característica essencial do homem: sua capacidade de interação com o
outro pela mediação de palavras. Justamente por este motivo o ato de ler não pode
se caracterizar como uma atividade passiva, já que, é através da leitura que o
homem e interage com outros homens por meio da palavra escrita. Sendo assim, o
leitor é um ser ativo que dá sentido ao que lê e a palavra ganha significados a partir
da ação do leitor sobre ela.
Neste sentido, o leitor é quem constrói o significado do texto, pois

a leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de


construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe
sobre a língua [...]. Não se trata simplesmente de extrair informação
da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-
se de uma atividade que implica [...] estratégias como seleção,
antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível
rapidez e proficiência. (BRASIL, 1997, p. 41)

Dentro dessa abordagem, o leitor constrói o sentido do texto partindo do fato de que
o texto apresenta os dados que são necessários a sua compreensão. Esses dados,
provenientes do texto, acionam outros dados provenientes do leitor e na medida que
os dados do leitor completam as lacunas encontradas no texto, dá-se a construção
do sentido.
Todavia, o leitor não só deve contribuir para completar o significado do texto, mas
deve fazê-lo adequadamente. Ora, ele não pode compreender algo sobre o qual
nada conhece, isto é, para ler proficientemente um texto sobre medicina, o leitor
precisa ter certos conhecimentos técnicos.

2
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC, 1997. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. Acesso: 10/12/2014.
Além disso, o fato de que o mesmo texto pode proporcionar uma leitura diferente em
cada leitor e até que o mesmo leitor não fará leituras idênticas de um mesmo texto,
geram variadas discussões. Isso porque embora toda experiência com o texto
remeta o leitor a um determinado sentido, ainda que seja em princípio um ato de
leitura, há a necessidade de se limitar as possíveis interpretações de um
determinado texto.
Entra aí a releitura que oportuniza ao leitor a possibilidade de ampliar sua
compreensão, na medida em que torna possível explorar novas direções e
incorporar aspectos desconsiderados preliminarmente.
Diante disso, o leitor precisa conhecer o jogo que se interpõe entre ele e o texto, isto
é, ele precisa possuir, além da competência sintática, semântica e textual, uma
competência específica da realidade histórico-social refletida pelo texto.
Compartilhando desta mesma visão os PCNs esclarecem que:

Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda


o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito,
identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o
texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos
podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar a
sua leitura a partir da localização de elementos discursivos (BRASIL,
1997, p. 41).

A partir dessas considerações, é essencial que iniciemos algumas reflexões sobre o


processo de leitura que estão implicadas na formação de professores de línguas. O
primeiro ponto é a concepção de leitura que você assumirá em sua prática, que
dependerá da concepção de língua e de linguagem adotada. Você sabe quais são
essas concepções?
Vejamos algumas características principais de cada uma delas, na próxima seção.

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Indicação de leitura
Ler e compreender: os sentidos do texto

Autor: Ingedore Villaça Koch; Vanda Maria Elias


Editora: Contexto
Sinopse: Ingedore V. Koch, uma das mais importantes autoras de obras de Língua Portuguesa e
Linguística em nosso país, com a colaboração de Vanda Maria Elias, apresenta neste livro seu
pensamento sistematizado como uma ponte entre teorias sobre texto e leitura e práticas docentes. O
objetivo deste livro é apresentar, de forma simples e didática, as principais estratégias que os leitores
têm à sua disposição para construir um sentido que seja compatível com a proposta apresentada
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2. CONCEPÇÕES DE LÍNGUA E DE LINGUAGEM, O TEXTO E O PROCESSO DE
LEITURA
Durante os conteúdos deste material, você terá a oportunidade de ler algumas
obras, documentos oficiais e diretrizes que orientam o ensino de Língua Portuguesa
e você perceberá que o texto é o objeto principal, o ponto de partida e o de chegada
no processo de ensino e aprendizagem de língua. Essa configuração atual se deve
inserção dos estudos linguísticos no debate sobre o ensino da Língua Portuguesa,
que se desenvolve com mais vigor a partir da década de 1980.
Entretanto, apesar dos inúmeros estudos produzidos, até hoje dúvidas sobre o que e
como ensinar permeiam a prática pedagógica em praticamente todos os níveis de
ensino. É por isso que, primeiramente, temos que pensar sobre quais as relações
estabelecidas entre as concepções de texto e de leitura e as concepções de língua e
de linguagem, visto que essas interferem diretamente nas escolhas e,
consequentemente, nos objetivos estabelecidos para as atividades de leitura, no
âmbito escolar.
Basicamente, existem três concepções distintas, que levarão a diferentes
tratamentos do texto e da prática de leitura, pelo professor. Sintetizamos as
principais características no quadro abaixo:

Quadro 1 - Concepções de língua e de linguagem e a leitura.


Concepção tradicional Concepção da Concepção
comunicação interacional
A linguagem é A linguagem é É um “lugar de
representação do instrumento de interação humana, de
mundo e expressão comunicação. interação comunicativa
do pensamento: se as pela produção de
pessoas não se efeitos de sentido entre
Linguagem expressam bem é interlocutores, em uma
porque elas não dada situação de
pensam. A linguagem é comunicação e em um
uma espécie de contexto sócio-histórico
“tradução” do e ideológico”
pensamento. (TRAVAGLIA, 2001, p.
23).
Abstrata, homogênea, É um conjunto de O indivíduo utiliza a
estável e imutável signos que se língua para realizar
combinam, a partir de ações.
determinadas regras
(níveis fonológico,
Língua morfológico e sintático)
que transmitem
mensagens, de um
emissor para um
receptor.
Psicológico, individual, Individual. Pré- Tanto o autor como o
senhor absoluto de seu determinado pelo leitor são ativos e
Sujeito dizer. sistema. constroem e são
construídos no texto.
Ato monológico, Monológica, que se Evento comunicativo
individual, que não afeta limita ao funcionamento para o qual concorrem
Enunciação nem é afetado pelo interno da língua. Afasta aspectos linguísticos,
outro ou pelas o indivíduo falante do cognitivos, sociais e
circunstâncias. processo de produção. interacionais.
Produto lógico do Produto resultante da O sentido do texto é
pensamento – codificação de uma construído na interação
representação mental mensagem, que é texto-sujeitos.
do escritor/falante. transmitida de um
Texto emissor para um
leitor/ouvinte. Nessa
perspectiva, basta
dominar o código para
compreender o texto.
Significa decodificar Conforme Koch e Elias É prática social,
códigos. Segundo Koch (2008, p. 10) “a leitura é “atividade interativa
e Elias (2008, p. 10), a uma atividade que exige altamente complexa de
leitura “é entendida do leitor o foco no texto, produção de sentidos,
como a atividade de em sua linearidade, que se realiza
captação das ideias uma vez que ‘tudo está evidentemente na
do autor, sem se levar dito no dito’. [...] Nesta superfície textual e na
em conta as concepção, cabe ao sua forma de
experiências e os leitor o organização, mas
Leitura conhecimentos do leitor, reconhecimento do requer a mobilização de
a interação auto-texto- sentido das palavras e um vasto conjunto de
leitor com propósitos estruturas do texto”. saberes no interior do
constituídos sócio- evento comunicativo”
cognitivo- (KOCH; ELIAS, 2008, p.
interacionalmente”. 11).
Basta, portanto, captar
as intenções do autor.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Considerando todas essas concepções, é possível distinguir dois tipos básicos de


processamento de informação que ocorrem durante o processo de leitura: Top-down
(descendente) e Bottom-up (ascendente).
Figura 1. Processo descendente de leitura (Top-down)

Fonte: https://blog.udemy.com/reading-comprehension-3rd-grade/

Figura 2 – Processo ascendente de leitura (Bottom-up)

Fonte: https://blog.udemy.com/reading-comprehension-3rd-grade/

No primeiro caso, o foco é no leitor, que faz uso intensivo e dedutivo de informações
não visuais para partir da macro para a microestrutura (da função para a forma).
Segundo Kato (2007, p. 50-51) o leitor, no processo descendente, é aquele que

[...] apreende facilmente as ideias gerais e principais do texto, é


fluente e veloz, mas por outro lado faz excessos de adivinhações,
sem procurar confirmá-las com os dados do texto, através de uma
leitura ascendente. É, portanto, o tipo de leitor que faz mais uso de
seu conhecimento prévio do que da informação efetivamente dada
pelo texto.

Já no processo ascendente, ou bottom-up, o foco é o texto e o leitor constrói o


significado a partir da análise de partes do texto para obter o significado do todo.
Apreende detalhes do texto, mas tem dificuldade de sintetizar as ideais mais gerais
do texto, pois tem dificuldade em distinguir o que é mais importante do que é
ilustrativo ou redundante.
Segundo Kato (2007), para que os processos ascendentes e descendentes de
leitura sejam eficientes, eles devem agir em uma relação de complementaridade. A
autora propõe que
[...] o leitor proficiente é aquele que faz uso apropriado desses
processos, o que o torna um leitor ao mesmo tempo fluente e
preciso. As estratégias são determinadas por vários fatores: o grau
de novidade do texto, o local do texto, o objetivo da leitura, a
motivação para a leitura, etc. (KATO, 2007, p. 68)

Fonte: https://blog.udemy.com/reading-comprehension-3rd-grade/

O texto deve ser considerado, assim, não apenas como uma unidade formal, mas
como uma unidade funcional. A leitura é um processo dialógico: não é totalmente
estanque, já que não é apenas reconhecimento e também não é totalmente livre.
Nem o autor, nem o leitor são, assim, fonte única dos sentidos produzidos no
processo de leitura. Conforme explica Geraldi (1997, p.167),

o texto é, pois, o lugar onde o encontro se dá. Sua materialidade se


constrói nos encontros concretos de cada leitura e estas, por seu
turno, são materialmente marcadas pela concretude de um produto
com ‘espaços em branco’ que se expõe como acabado, produzido, já
que resultado do trabalho do autor escolhendo estratégias que se
imprimem no dito. O leitor trabalha para reconstruir este dito baseado
também no que se disse e em suas próprias contrapalavras.

Isso significa que na perspectiva atual, desenvolvida no interior dos estudos do


letramento, da sociolinguística interacional e da análise do discurso crítica, dentre
outros campos de investigação que fundamentam o ensino de leitura na escola, o
leitor não é um sujeito “consciente e dono do texto, mas ele se acha inserido na
realidade social e tem que operar sobre conteúdos e contextos socioculturais com os
quais lida permanentemente” (MARCUSCHI, 2008, 231). Kleiman (2004 apud
MARCUSCHI, 2008, p. 231) explica que

a concepção hoje predominante nos estudos de leitura é a de leitura


como prática social que, na linguística aplicada, é subsidiada
teoricamente pelos estudos do letramento. Nessa perspectiva, os
usos da leitura estão ligados à situação; são determinados pelas
histórias dos participantes, pelas características da instituição em
que se encontram, pelo grau de formalidade ou informalidade da
situação, pelo objetivo da atividade de leitura, diferindo segundo o
grupo social. Tudo isso realça a diferença e a multiplicidade dos
discursos que envolvem e constituem os sujeitos e que determinam
esses diferentes modos de ler.

Em suas reflexões, Marcuschi (2008) corrobora com essa perspectiva considerando


que é preciso observar os processos de funcionamento da linguagem, além das
atividades sociais envolvidas. Para o estudioso, tal quadro teórico tem algumas
consequências, dentre elas:

1) entender um texto não equivale a entender palavras ou frases;


2) entender as frases ou as palavras é vê-las em um contexto maior;
3) entender é produzir sentidos e não extrair conteúdos prontos;
4) entender o texto é inferir numa relação de vários conhecimentos.
A isso subjazem algumas suposições bastante centrais, como:

1) os textos são em geral lidos com motivações muito diversas;


2) diferentes indivíduos produzem sentidos diversos com o mesmo
texto;
3) um texto não tem uma compreensão ideal, definitiva e única;
4) mesmo que variadas, as compreensões de um texto devem ser
compatíveis;
5) em condições socioculturais diversas, temos compreensões
diversas do mesmo texto. (MARCUSCHI, 2008, 233-234)

A leitura compreende, pois, uma série de procedimentos complexos, em que o


leitor/ouvinte participa de algumas etapas, que coexistem e são acionadas
concomitantemente pelo leitor. São elas que estudaremos na próxima seção.

xxx
Fique por dentro
Muito do que sabemos hoje sobre os aspectos cognitivos da leitura se deve à Psicolinguística. No
início dos estudos desse campo, as pesquisas centravam-se na leitura de textos em língua
estrangeira. Uma das pioneiras a perceber que as descobertas também se aplicavam à língua
materna foi Mary Kato, professora da Universidade Estadual de Campinas. Angela Kleiman e
Ingedore Villaça Koch também são estudiosas que se destacam por dar importantes contribuições
para o ensino da leitura no Brasil. Neste material e em outras disciplinas do curso, você encontrará
várias proposições dessas estudiosas, bem como a indicação de várias de suas obras. Aproveite
para aprofundar o assunto!
xxx
3. ETAPAS
Vamos iniciar essa seção com um texto produzido pelo Laboratório Clínico de
Leitura da UFSC, que foi utilizado por Menegassi (1995) para demonstrar as
diferenças entre as etapas de leitura, sobretudo a de compreensão e de
interpretação. Reproduzimos o texto abaixo. Você consegue responder a todas as
perguntas?

Leia o texto abaixo e responda às questões:

Era uma vez dois trafelnos, Mirimi e Gissitar. Os dois trafelnos


eporavam longe das perlogas. Um masto, porém, um dos trafelnos,
Mirimi, felnou que ramalia rizar e aror uma perloga. Gissitar regou
muito. Ele rurbia que Mirimi não rizaria mais da perloga. Gissitar
felnou, felnou, regou, regou, mas nada. Mirimi estava leruado:
ramalia rizar e aror uma perloga. No masto do fabeti, Mirimi rizou
muito lonto. No meio do fabeti, proceu Gissitar e os dois rizavam
ateli. Gissitar não ramalia clenar Mirimi.

1. Quem eram os dois trafelnos?


2. Onde eporavam?
3. O que aconteceu, um masto?
4. No 5º período, a que se refere o pronome “ele”?
5. Quem felnou?
6. Mirimi estava leruado para quê?
7. O que aconteceu no masto do fabeti?
8. Por que Gissitar rizou com Mirimi?

Fonte: GRIMM-CABRAL (s/d). Disponível em:


https://periodicos.ufsc.br/index.php/desterro/article/download/11655/11236.

Você achou essas palavras “estranhas”? Sim, elas não existem na Língua
Portuguesa. Mesmo assim, você conseguiu responder tudo? Provavelmente, você
não teve dificuldades até a questão 7, não é mesmo? Isso significa que você
conseguir “ler” o texto?
Na verdade, você conseguiu passar por algumas etapas de leitura. Menegassi
(1995) explica que há quatro momentos: o da decodificação, o da compreensão, o
da interpretação e o da retenção. Embora assim separadas, é importante lembrar
que elas podem ser acionadas concomitantemente pelo leitor.
Na primeira etapa, a da decodificação, o leitor reconhece o código utilizado,
associando o significado internalizado às palavras. Se a decodificação for
malsucedida, todas as outras etapas estão comprometidas. Dentre as dificuldades
que podem existir nesse primeiro momento, estão o nível ou a área do vocabulário e
as figuras de linguagem. No texto acima exposto, a princípio, mesmo não sabendo o
significado de várias palavras, é possível passar por alguns níveis de leitura,
inclusive o da decodificação, pois conseguimos fazer algumas inferências e deduzir
o significado literal das expressões.
A segunda etapa do processo de leitura corresponde à compreensão, que em
linhas gerais, diz respeito ao reconhecimento da temática do texto. Segundo
Menegassi (1995, p. 88), nessa fase

[...] o leitor/ouvinte depreenderá a significação pretendida pelo autor


e os principais tópicos abordados a partir do reconhecimento das
regras textuais do gênero e da situação de leitura - que é
determinada pela ocasião em que o leitor se encontra frente ao texto.

Por isso, é importante que, na escola, o professor proporcione momentos em que o


aluno entre em contato com diversos tipos de texto e que conduza a produção de
resumos. Dessa forma, ele terá a oportunidade de localizar as principais
informações do texto. Esta fase ainda está centrada no texto e foi contemplada nas
questões sobre os textos dos trafelnos.
Na fase seguinte, a da interpretação, o leitor utilizará sua capacidade crítica, de
forma dirigida ou não. Menegassi (1995, p. 88) explica que

[...] o leitor, ao compreender, faz uso de seus conhecimentos


anteriores, que se interligam aos conteúdos que o texto apresenta.
No momento em que o leitor alia os conhecimentos que possui aos
conteúdos que o texto fornece, ele amplia seu cabedal de
conhecimentos e de informações, reformulando conceitos e
ampliando seus esquemas sobre a temática do texto.

É por causa dessa manifestação de diferentes conhecimentos que há várias


possibilidades de leitura: diferentes leitores acionam diferentes tipos de
conhecimento; logo, há diferentes interpretações.
No caso do texto dos trafelnos, essa etapa está materializada na questão 8 e não
pode ser concretizada. Isso porque, dado o caráter interpretativo da pergunta, não é
possível responder com as informações presentes no texto – diferentemente das
questões de 1 a 7, em que as respostas podem ser localizadas literalmente no texto.
Não é possível, portanto, produzir novos sentidos e/ou reformular os conhecimentos
e inferências.
A última etapa, a retenção, diz respeito ao armazenamento das informações na
memória do leitor/ouvinte. Esse processo se dá em dois níveis, resultantes dos dois
processos precedentes, o da compreensão e o da interpretação. No primeiro caso,
são armazenadas a temática e as informações principais do texto e, no segundo, as
alterações provocadas pelo acréscimo de informações a partir do julgamento
realizado pelo leitor.

xxx
Fique por dentro
Essas “etapas” de leitura podem ser reorganizadas dependendo da perspectiva teórico-metodológica
mobilizada. Um exemplo vem do campo da Análise de Discurso, de linha francesa. Para Eni Orlandi
(1988, 2001, 2007), que se filia nessa base epistemológica, a leitura passa, de um modo geral, por
três estágios: a inteligibilidade, que se refere à decodificação das palavras, a interpretação, fase
em que se atribui um sentido ao texto, buscando as informações que estão explícitas e a
compreensão, atividade complexa que considera a inscrição do texto no contexto histórico,
percebendo, assim, sua opacidade e que o sentido sempre pode ser outro.
xxx

Agora que você já estudou alguns aspectos sobre o processo de leitura, vamos à
outra prática que deve fundamentar os encaminhamentos pedagógicos do trabalho
com o texto em sala de aula: a produção textual.
4. A PRODUÇÃO TEXTUAL
A escrita não está presente apenas no âmbito escolar. Considerando essa prática
como um objeto social, Pasarelli (2012) propõe pensar, primeiramente, sobre as
funções da escrita em nossa vida. Há pelo menos quatro grandes funções: a
comunicativa, a informativa, a utilitária (textos produzidos na escola, como resumos,
relatórios...) e a estética (textos escritos por prazer, para elogiar, sensibilizar...). A
autora destaca um quadro muito bem organizado para demonstrar, a partir do
propósito comunicativo, o para quê escrevemos (objetivo), tanto na vida escolar
quanto em nosso cotidiano. Reproduzimos o quadro aqui, para que você, aluno,
perceba a riqueza de gêneros (coluna da direita) que nós todos produzimos para
atender aos propósitos comunicativos (coluna da esquerda):

Quadro 2. Funções sociais da escrita: para que escrevemos.


Função social e/ou propósito Gênero
comunicativo
Cheque; carta comercial; ofício,
memorando, relatório técnico, circulares;
Fornecer/obter informações e curriculum vitae; textos de procedimentos;
resolver problemas práticos do dia- e-mails; provas, redações e trabalhos
a-dia. escolares; convites; textos para mural;
regras de jogo; manuais de instrução;
receita médica; bula de remédio.
Partilhar vivências Depoimentos em redes sociais, em colunas
de revistas; blogue; ágora.
Reivindicar, manifestar e/ou formar Carta de leitor; carta de reclamação; artigo
opinião de opinião; editorial.
Fichamentos, resumos, resenhas etc.;
Não esquecer anotações pessoais em calendários;
Escrever para

Fornecer suporte à memória páginas de agendas, receita, datas de


aniversários; listas.
Formalizar registros permanentes Convites; certidões; certificados; diplomas;
frases em tatuagens.
Substituir comunicações próprias Bilhetes, cartas; telegramas, mensagens
do contato face a face eletrônicas [via computador, telefone].
Folhetos religiosos; mensagens que
Satisfazer curiosidades, inteirar-se orientam papéis sociais; propagandas
institucionais; cadernos de perguntas
pessoais dos adolescentes.
Passar o tempo, ter momentos de Poemas, pichações em muros, cadernos
lazer pessoais.
Obter informações,
esclarecimentos ou trocar Torpedo; telegrama; carta; e-mail ou outra
mensagens atinentes a relações correspondência eletrônica; cartões de
sociais com parentes, amigos e Natal, de aniversário.
namorados.
Acrósticos, crônicas, contos, romances,
Produzir literatura poemas, haicais, limeriques
Fonte: Passarelli (2012, p. 118).
A produção de alguns desses gêneros pode ocorrer na escola, como forma de
simulação da vida cotidiana dos alunos. Entretanto, você já percebeu a dificuldade
que os alunos têm para escrever na escola? Vamos pensar um pouco sobre a sua
experiência escolar como aluno: em algum momento de sua vida escolar, você já
teve que escrever uma redação com o título “minhas férias”?
Até pouco tempo atrás era comum essa prática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. No primeiro dia de aula, os alunos deveriam escrever o que fizeram
durante as férias. Você acredita que essa atividade pode ser considerada uma
produção textual, já que propõe a narração de algo que aconteceu na vida do aluno,
portanto, ele escreverá sobre algo que conhecem bem?
Para responder a essa questão, vamos discutir sobre alguns elementos envolvidos
nessa prática. Vamos começar com a relutância dos alunos em escrever no
ambiente escolar. Passarelli (2004) aborda essa questão, a partir de vários autores,
elencando algumas razões para as dificuldades no ensino do texto escrito:
(a) Objetivo da produção textual: muitos deles estão equivocados, já que estão
voltados para habilidades gramaticais, de vocabulário e, consequentemente,
quantificação de erros;
(b) A tradição escolar orienta a prática de ensinar a escrever a partir de três tipos de
textos: o descritivo, o narrativo e o dissertativo. Espera-se que o aluno domine as
características desses tipos de texto saiba escrevê-los de forma precisa, a partir da
norma padrão da Língua Portuguesa;
(c) A abordagem do livro didático adotado pelo professor opera com os textos
narrativos, dissertativos e descritivos a partir de textos de escritores consagrados.
Esses exemplos modelares se tornam artificiais, dada a existência de inúmeros
outros textos a que o aluno tem contato fora da sala de aula.
(d) O texto escrito, muitas vezes, é apresentado com uma “aura mítica”. Um dos
mitos com mais evidência é o de que o indivíduo deve ter talento especial para
escrever. Isso pode dar a entender que não há um processo de produção textual –
tem-se a impressão de que os escritores mais experientes escrevem do início ao fim,
sem parar.
Passarelli (2004) salienta que a questão da imitação de um modelo vinculada, em
muitos casos, a autores consagrados, não pode ser reduzida à imitação:
Com o advento da psicologia cognitiva, a aprendizagem passou a ser
concebida como um processo complexo e criador, submetido mais
aos mecanismos internos do sujeito estudante do que às influências
externas. Os indivíduos não aprendem uma língua pela simples
imitação, pois eles são levados a produzir enunciados que nunca
ouviram antes. Aprender uma língua consiste, portanto, em aprender
a formar regras que permitem produzir novos enunciados em vez de
repetir enunciados já ouvidos num contexto escolar. O aprendiz
desempenhará um papel na descoberta dessas regras de formação
dos enunciados. (PASSARELLI, 2004, p. 23)

É preciso, portanto, buscar soluções metodológicas para sanar as dificuldades da


prática escrita em sala de aula. É preciso destacar que essas soluções apenas
estarão adequadas se tivermos consciência de qual concepção de língua e de
linguagem estamos nos filiando. Você se lembra que discutimos a interferência
dessas concepções em relação à leitura? Agora vejamos como isso se dá na prática
escrita:

Quadro 3 – Concepções de língua e de linguagem e a produção textual.


Concepção Concepção da Concepção
tradicional comunicação interacional
A construção de um Basta dominarmos as É o ponto de partida e o
texto escrito é estruturas linguísticas de de chegada no
fundamentada pela uma determinada língua processo de ensino e
Produção gramática normativa. para produzirmos um aprendizagem de
textual Somente aqueles que texto escrito com Língua Portuguesa.
nascem com o “dom” proficiência.
de escrever, escrevem
bem.
Busca pelos erros de A preocupação também Além da forma, avalia-
grafia, desvios de é localizar as estruturas se se o aluno atende às
Parâmetro para concordância, de linguísticas que não condições de produção
a correção de regência e de estão de acordo com a e o emprego dos
textos colocação pronominal gramática normativa. recursos linguísticos
(dentre outros tópicos para produzir sentidos.
abordados pela
gramática tradicional).
Não há delimitação do Pode ser solicitado como Deve haver uma
gênero. Os alunos consequência de uma necessidade real para
escrevem sobre um atividade realizada – que o aluno escreva. É
tema qualquer, filme, passeio, debate. preciso considerar as
geralmente sem condições de produção:
Como os textos atividade prévia finalidade, interlocutor,
são solicitados (pressupõe-se que o gênero, suporte,
aluno possui circulação social e
informações sobre o posição do autor.
tema internalizado e
pode exteriorizá-los em
um texto). Em alguns
casos, utilizam um
tópico gramatical que
aprenderam.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Vamos pensar um pouco mais sobre a perspectiva interacionista da escrita. Para
isso, iniciemos com Antunes (2003, p. 45), que explica que a perspectiva
interacionista da escrita supõe

[...] encontro, parceria, envolvimento entre sujeitos, para que


aconteça a comunhão das ideias, das informações pretendidas.
Assim, por essa visão se supõe que alguém selecionou alguma coisa
a ser dita a um outro alguém, com quem pretendeu interagir, em vista
de algum objetivo. A atividade escrita é, então, uma atividade
interativa de expressão (ex-, “para fora”), de manifestação verbal de
ideias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos que
queremos partilhar com alguém, para, de algum modo, interagir com
ele. Ter o que dizer é, portanto, uma condição prévia para o êxito da
atividade de escrever. Não há conhecimento linguístico (lexical ou
gramatical) que supra a deficiência do “não ter o que dizer”. As
palavras são apenas a mediação, ou o material com que se faz a
ponte entre quem fala e quem escuta, entre quem escreve e quem lê.
Como mediação, elas se limitam a possibilitar a expressão do que é
sabido, do que é pensado, do que é sentido. Se faltam ideias, se falta
informação, vão faltar palavras. Daí que nossa providência maior
deve ser encher a cabeça de ideias, ampliar nosso repertório de
informações e sensações, alargar nossos horizontes de percepção
das coisas. Aí as palavras virão, e a crescente competência para a
escrita vai ficando por conta da prática de cada dia, do exercício de
cada evento, com as regras próprias de cada tipo e de cada gênero
de texto. O grande equívoco em torno do ensino da língua tem sido o
de acreditar que, ensinando análise sintática, ensinando
nomenclatura gramatical, conseguimos deixar os alunos
suficientemente competentes para ler e escrever textos, conforme as
diversificadas situações sociais. (ANTUNES, 2003, p. 45-46, grifos
da autora)

Geraldi (1997) corrobora com essa questão propondo uma interessante distinção
entre redação e produção de textos. No primeiro caso, ao fazer uma redação, o
aluno produz um texto PARA a escola, o que significa que ele seguirá uma tipologia
textual (narração, descrição e dissertação) para fazer um texto cujo destinatário é
sempre o professor.
Já na produção textual, o texto é produzido NA escola e sua finalidade é definida por
uma questão social específica. O professor ainda é o interlocutor real, mas também
é estabelecido um interlocutor virtual. Dessa forma, o professor não estará
preocupado apenas com a correção da norma padrão da língua no texto, mas estará
atento também para o modo de dizer, indicando alternativas mais adequadas para
dizer o que se quis dizer. Há, desse modo, uma relação interlocutiva, a partir de um
quadro de condições necessárias, em que:
a) Se tenha o que dizer;
b) Se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
c) Se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;
d) O locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz
para quem diz;
e) Se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c), (d).
(GERALDI, 1997, p. 137)

A partir desses princípios, Geraldi organiza um esquema muito interessante:

Pautando-se nessa relação interlocutiva o trabalho com a produção textual em sala


de aula requer um processo de escrita, que didaticamente pode ser dividido em
algumas fases. A primeira delas é o planejamento, em que o aluno entra em
contato com diversos textos, a fim de buscar informações sobre a temática. Com
isso, o aluno pode buscar ideias e argumentos que sustentarão o seu texto e não
depende mais apenas de sua memória e de seu conhecimento – que pode ser
nenhum! – para redigir. É também nesse primeiro momento que o professor define
as condições de produção, que serão responsáveis pelas escolhas dos recursos
linguísticos mais adequados, pelos alunos.
A partir das informações reunidas, os alunos seguirão para a próxima etapa, que diz
respeito à execução do texto. Não é possível estabelecer uma estratégia única de
produção do texto, já que esse processo depende de cada autor; cada um traça
suas estratégias de escrita. É preciso salientar que nem sempre o sistema escolar
pode respeitar essas diferenças de ritmo dos alunos. O tempo para a execução do
texto é, geralmente, limitado. Lembre-se, por exemplo, das “provas de redação”!
A etapa seguinte é a da revisão, em que é feito um levantamento das inadequações
de ordem linguística e de conteúdo. Na perspectiva interacionista, é interessante que
o professor crie oportunidades para que o aluno seja revisor de seus próprios textos
e dos textos dos colegas. Assim, o trabalho de correção não fica centrado apenas na
figura do professor e o aluno deixa de se interessar apenas na nota que alcançou.
Em seguida, é preciso proporcionar a etapa da reescrita que, por falta de tempo,
muitas vezes não é desenvolvida. É muito importante que os alunos pensem sobre
como adequar os recursos linguísticos para dizer o que quer dizer e reorganizem as
informações de seu texto, para deixá-lo mais coerente e coeso.
Por fim, é preciso avaliar o texto. Para tanto, é preciso considerar todo o processo e
não apenas o texto como um produto, sobretudo o atendimento às condições de
produção estabelecidas no início.
Agora que você já leu um pouco sobre o processo de leitura e de produção textual,
vamos à proposta de análise e de ação. Lembre-se de que essas atividades práticas
são essenciais para as reflexões iniciais sobre o ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa.

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Indicação de leitura
Discurso e Leitura

Autor: Eni Pulcinelli Orlandi


Editora: Cortez
Sinopse: Eni Orlandi propõe, nesta obra, uma reflexão crítica acerca da leitura, fundamentando-se
na Análise de Discurso. Na busca da percepção da multiplicidade de sentidos, a autor aborda as
diversas relações que perpassam o processo social de produção da linguagem. pelo seu produtor.
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ANÁLISE
PARTE I
Escolha uma atividade de leitura proposta em um livro didático, utilizado nas séries
finais do Ensino Fundamental II. Geralmente, elas aparecem no início de cada
unidade. Reflita sobre as seguintes questões:
 Qual concepção de linguagem fundamenta as atividades propostas?
 Você consegue identificar se as atividades contemplam as etapas de
decodificação, de compreensão e de interpretação?
 É possível afirmar que o texto está sendo utilizado como forma de interação
entre leitor-autor ou apenas como um pretexto para ensinar regras gramaticais? Há
exercícios em que, por exemplo, são retirados exemplos do texto para ilustrar
alguma noção da gramática normativa?
 Considerando todo o processo de leitura, você acredita que as atividades
propostas pelo livro didático são suficientes?

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Reflita
A partir da análise da atividade de leitura proposta no livro didático, vamos pensar sobre a leitura de
outros tipos de linguagem. Observe o modo como o texto que você escolheu está exposto no livro
didático. Há imagens acompanhando o texto escrito? Qual é a função dessas imagens? Há
atividades que abordam a leitura específica de textos não verbais?
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PARTE II
Observe as atividades de produção textual propostas em algumas unidades do
livro e reflita:
 Das etapas estudadas, quais são contempladas na proposta do livro didático?
 São considerados vários gêneros, ou os alunos produzem apenas textos
dissertativos e narrativos?
 As condições de produção são ressaltadas nos comandos das atividades (nos
enunciados)?
 A proposta de produção textual aparece no final da unidade e segue a temática
trabalhada nas atividades anteriores?

AÇÃO
Elabore um relato sobre as reflexões realizadas no item anterior, avaliando como os
exercícios se estruturam considerando todos os conceitos estudados até aqui. Você
faria alguma adaptação nas atividades que você analisou? Se você tiver sugestões
de reorganização das atividades ou até mesmo se quiser propor novas
questões/ações que poderiam deixar as atividades de leitura e de escrita mais
eficientes, elabore sua sequência!
Lembramos, apenas, que essa é uma atividade hipotética. Se julgar necessário,
estabeleça um possível contexto de trabalho, para justificar a adaptação. O que
importa, neste momento, é tomarmos nosso lugar de professores!
Bom trabalho!

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Indicações de leitura

Indicação de filme

Central do Brasil é um drama, dirigido por Walter Salles, lançado em 1998. Dora (Fernanda
Montenegro) trabalha escrevendo e lendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, no
Rio de Janeiro. A escrivã ajuda Josué (Vinícius de Oliveira), um garoto de 9 anos, a encontrar seu pai
no interior do Nordeste, depois que sua mãe foi atropelada. Além de abordar os deslocamentos
sociais e culturais provocados pela migração, o filme retrata as dificuldades e problemas sociais e de
relação familiar que as pessoas analfabetas enfrentam em seu cotidiano.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao final de mais uma unidade! Esperamos que você tenha compreendido
quão importante é o trabalho com leitura e produção textual na escola, seja na aula
de Língua Portuguesa, Estrangeira ou em qualquer outra disciplina. O processo de
leitura e de escrita é o mesmo, não importa o tipo/gênero de texto, nem a língua!
A partir do que foi proposto nessa unidade, esperamos, também, que você tenha
notado a importância de fundamentar suas escolas pedagógicas e metodológicas no
trabalho com a leitura e a escrita, já que filiar-se a uma perspectiva teórica leva a
procedimentos específicos de ensino e de aprendizagem. Isso não significa que
você deve seguir sempre a mesma linha. Tudo depende dos objetivos traçados. E
eles devem estar bem claros para você e para os alunos!
Ressaltamos, mais uma vez, a necessidade de se aprofundar no assunto a partir
das leituras sugeridas. Bons estudos!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola,


2003.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC,


1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. Acesso:
10/12/2014.

GERALDI, João Wanderley. A leitura de textos. In.: ______. Portos de Passagem.


4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 165-188. (Texto e linguagem)

KATO, Mary Azawa. Processos de decodificação: a integração do velho com o novo


em leitura. In.: ______. O aprendizado da leitura. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 49- 63 (Texto e linguagem).

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MENEGASSI, R. J. Compreensão e Interpretação no processo de leitura: noções


básicas ao professor. Revista Unimar, Maringá, v. 17, n. 1, p. 85-94, 1995.

PASSARELLI, Lílian Ghiuro. Ensinando a escrita: o processual e o lúdico. 4. ed.


ver. São Paulo: Cortez, 2004.

______. Ensino e correção na produção de textos escolares. São Paulo: Cortez,


2012.

VIANA, Antonio Carlos (Coord.). Roteiro de redação: lendo e argumentando. São


Paulo: Scipione, 2004.

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