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O AMOR É VELHO E MENINA

Novas cantoras mostram


outros jeitos de ser romântico

CASA QUE SE TRANSFORMA


Em Museus do Mundo, a memória
de um relacionamento às escondidas

MARÇAL PLURAL
O escritor Marçal Aquino fala, na
Entrevista, de cinema, TV e literatura

ANIMAIS EM FUGA
Lourenço Mutarelli estreia
distribuição gratuita HQ em seis capítulos

EM BUSCA DE IDENTIDADE
Seção Mirada revela o Paraguai
que o brasileiro não conhece

SEM POUPAR
CORAÇÃO
O amor foi a matéria-prima da arte de Leonilson

30
abril - maio 2011
{ nesta edição: FICHÁRIO – abordagens
}
diferentes sobre um mesmo tema: amor

revista . itaú cultural


ilustração: fernando chamarelli
MUSEUS DO MUNDO

itaucultural.org.br/ CONTINUUM

30 31
andré penteado
andré seiti
UMA NOVA REVISTA COORDENAÇÃO EDITORIAL
Ana de Fátima Sousa

EDIÇÃO EXECUTIVA
Marco Aurélio Fiochi
ASSISTÊNCIA À EDIÇÃO
Carlos Costa
PROJETO GRÁFICO E DESIGN
Com três anos de estrada e um prêmio da Academia Brasileira de Crí- romantismo, sobre por que nos identificamos com determinadas cidades Marina Chevrand

CONSELHO EDITORIAL
ticos de Arte no currículo, a CONTINUUM já passou por outras mudanças, ou ainda sobre os barracos de alguns casais de artistas famosos. Ana de Fátima Sousa
Claudiney Ferreira
mas não tão grandes quanto esta. Com a chegada da 30a edição, era o Eduardo Saron

momento de se aproximar de pessoas que não leem a publicação. Claro, As novidades continuam do lado de fora dessa seção. Lourenço Mutarelli 10 14 Guilherme Kujawski
Jader Rosa
Marco Aurélio Fiochi
isso sem perder de vista o público que já é fiel às nossas páginas. Dessa passa a ser o quadrinista da revista, estreando em grande estilo com a HQ

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REPORTAGEM E REDAÇÃO
André Seiti
forma, acreditamos, a CONTINUUM contribui para uma das missões mais Animais em Fuga, na página 39. Marçal Aquino, o escritor multimídia que Roberta Dezan

importantes do Itaú Cultural: fazer com que a arte e a cultura sejam um sempre rende um bom papo, fala de sua arte na Entrevista; e a seção

10
EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA
André Seiti
direito de todos os brasileiros. Mirada ganha mais destaque a partir deste número, em que mostramos
MIRADA | em busca de identidade REVISÃO
Polyana Lima
uma reportagem especial feita no Paraguai.

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Paraguai prepara-se para comemorar 200 anos de
PRODUÇÃO EDITORIAL
A reforma começou com a escolha de um formato maior que o anterior e independência. Isabella Protta
Lara Daniela Gebrim
que permitisse dobrar a revista, facilitando seu manuseio. Um novo projeto A Área Livre, que desde o começo da revista abre espaço para que os E N T R E V I S T A | marçal plural
Maria Clara Matos

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO


gráfico foi elaborado, com a criação de logomarca, mudança de fonte e leitores participem mostrando sua arte, vai mudar um pouco a sua cara. No cinema, na TV e nas estantes, Marçal Aquino Adriana Lisboa
não para. Adrienne Myrtes
mais espaço para “brincar” com fotos, ilustrações e recursos gráficos que A partir da próxima edição, não será necessário se prender a um tema André Penteado
Andréa del Fuego
enriquecem a leitura e alimentam o olhar. Seções foram criadas e outras fixo. Contos, ensaios, poemas, reflexões, fotografias, pinturas digitalizadas, REPORTAGEM | londres tropical Antonio Prata
A dupla brasileira Tetine agita a cena musical da Augusto Paim
renovadas. É o caso da novíssima Museus do Mundo, que a cada edição ilustrações sobre qualquer assunto serão bem-aceitos. A redação analisará capital inglesa com seu tropical mutante punk funk. Bia Abramo
Caio Kauffmann
vai enfocar uma instituição cuja atuação seja diferenciada, ou cuja concep- todas as contribuições, mas apenas um trabalho será publicado a cada nú- Cristina Ortega
Daniel Galera
Daniela Arrais
ção fuja do modelo tradicional. mero. E para recompensar o profissional escolhido doaremos exemplares Dea Lellis
F I C H Á R I O A M O R

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Estevan Pelli
de produtos do Itaú Cultural que possam contribuir para o aprimoramento Estúdio Ludens
Fernanda Castello Branco
Não se muda de verdade se não se faz uma aposta. Seguindo essa máxi- do processo criativo do vencedor da ação. Então comece a pensar no seu mente e coração Fernando Chamarelli

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Saiba por que todo ser humano está biologicamente Ferréz
ma, a redação ousou e decidiu abandonar a linha editorial de um tema trabalho. Envie quantos materiais desejar para o e-mail participe conti- programado para amar. Giulia Moon
Guilherme Castoldi
único a cada edição. Agora, a CONTINUUM é uma revista de arte e cultura nuum@itaucultural.org.br. O espaço já está aberto à sua participação! Ivana Arruda Leite
ouro de artista é amar bastante João Silvério Trevisan
contemporânea antenada com o que acontece no Brasil ou em qualquer Um dos principais artistas visuais brasileiros, Luiz Ruffato
Lourenço Mutarelli
Leonilson criou obras sobre todas as formas de amor.
parte do mundo. Mas nem por isso deixamos de lado as reflexões sobre de- Se gostou da nova CONTINUUM, escreva para continuum@itaucultural.org.br: Mariana Lacerda

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Mariana Sgarioni
Maurício Pereira
terminados aspectos da vida: no Fichário, matérias vão tratar de um tema queremos muito ler sua opinião, críticas e elogios. As mensagens, que po- espelho, espelho meu
Micheliny Verunschk
Amar determinadas cidades do mundo tem estreita Pedro Henrique França
que aguça a curiosidade dos leitores. Para começar escolhemos o Amor, derão ser editadas a critério da redação, serão publicadas sempre na edição

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ligação com a formação de nossa personalidade. Reinaldo Pamponet
Rodrigo Levino
inspirados pelo grande artista brasileiro Leonilson, que em suas telas, de- seguinte à do assunto comentado. Tatiana Diniz
sexo, mentiras e posts Zé Otávio
senhos e bordados mostrou todas as dores e alegrias de amar. O assunto

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Na Ficção, minicontos mostram jeitos Zéu Britto
nem sempre românticos de amar.
rendeu reportagens sobre a forma como as novas cantoras interpretam o Boa leitura! AGRADECIMENTO
Rodrigo Lacerda (consultoria)
o amor é velho e menina

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ISSN 1981-8084 Matrícula
Jovens cantoras ainda têm o amor como tema de 55.082 (dezembro de 2007)
suas canções, mas agora de uma forma diferente. Tiragem 10 mil –
distribuição gratuita.
Sugestões e críticas devem ser
casa que se transforma encaminhadas ao Núcleo de
Na seção Museus do Mundo, a história da Casa

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Comunicação e Relacionamento
ilustração: fernando chamarelli

Rietveld Schröder, marco da arquitetura. continuum@itaucultural.org.br


Jornalista responsável
Ana de Fátima Sousa MTb 13.554
entre tapas e beijos
Uniões afetivas entre artistas podem gerar grandes
histórias de amor, ou grandes problemas.

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capa: leonilson
foto: ronaldo miranda
tratamento: fujocka
arquivo projeto leonilson

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BALAIO | na vida e na arte
Dicas que ampliam os assuntos da revista. O AMOR É VELHO E MENINA
Novas cantoras mostram

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Em Museus do Mundo, a memória
de um relacionamento às escondidas

MARÇAL PLURAL
O escritor Marçal Aquino fala, na
Entrevista, de cinema, TV e literatura

ANIMAIS EM FUGA
Lourenço Mutarelli estreia
distribuição gratuita HQ em seis capítulos

na web: itaucultural.org/continuum R E P O R T A G E M | cultura, uma nova moeda


EM BUSCA DE IDENTIDADE
Seção Mirada revela o Paraguai
que o brasileiro não conhece

A economia criativa ganha força e passa SEM POUPAR


a ser prioridade na política cultural.
CORAÇÃO
O amor foi a matéria-prima da arte de Leonilson

COMPARTILHE SUA CONTINUUM A R T I G O | economia para todos

39
O empreendedor Reinaldo Pamponet analisa como as
Leia e passe adiante! Pratique o desapego. Assim, você fará com que mais pessoas tenham acesso a este conteúdo, sem que seja necessária a impres- indústrias criativas reinventaram o trabalho.

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^
são de mais exemplares. Estamos organizando os pontos de distribuição da revista. Assim que eles estiverem fechados, a gente conta onde é possível
abril - maio 2011 nesta edição: FICHÁRIO – abordagens
`
diferentes sobre um mesmo tema: amor

pegar o seu exemplar. Por enquanto, eles estão disponíveis gratuitamente na sede do Itaú Cultural, na Avenida Paulista, 149, metrô Brigadeiro. QUADRINHOS | animais em fuga
Lourenço Mutarelli cria HQ em formato de folhetim.
revista . itaú cultural

Mas lembre-se, assim que acabar de ler, compartilhe sua CONTINUUM!

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CONTINUUM
paraguai
MIRADA |

O INVESTIMENTO DO GOVERNO PARAGUAIO EM


CULTURA É RECENTE E TEM LIGAÇÃO COM A
PROXIMIDADE DO ANIVERSÁRIO DE 200 ANOS
DA INDEPENDÊNCIA, A SER COMEMORADO EM
MAIO DE 2011.

Arquitetura colonial, como


nas demais capitais de
antigas colônias ibéricas
Em 2010, durante a Copa do Mundo, o canal de tros países de língua espanhola onde há editoras equilíbrio e destreza”, conta. Em apresentações de
TV a cabo SporTV veiculou uma matéria que de grande porte. gala, no entanto, usam-se mais garrafas.
ridicularizava a cultura do Paraguai. Embora em
tom de humor, o conteúdo teve repercussão ne- Na direção contrária à hegemonia dessa cultu- MÚSICA

EM BUSCA
gativa. Pouco tempo depois, a emissora se retra- ra estrangeira, os paraguaios estão lentamente O investimento público no setor cultural é
tou com outra matéria que mostrava o respeito retomando sua identidade, e o estímulo ao recente. Existe um fundo nacional, o Fondec,
que antes faltara. Os ânimos se acalmaram, mas resgate da autoestima cresce a reboque das co- mas, na opinião de Sergio Ferreira, essa verba

DE IDENTIDADE
ficou no ar uma pergunta: o que de fato sabe o memorações do Bicentenário da Independên- “não atende à demanda dos artistas paraguaios”.
brasileiro sobre o seu vizinho? cia do país, a ser celebrado em maio de 2011. O editor do caderno de artes e espetáculos do
Diário ABC, maior jornal do país, observa que
Uma visita a uma livraria da capital, Assunção, Como a maior parte da população é jovem, as os projetos mais caros, como os de cinema, só
foi a forma escolhida por esta reportagem para ações do governo para a data têm se voltado es- vingam com investimentos privados.
começar a conhecer a cultura do país. As obras, pecialmente para as crianças. É o caso da revista
de modo geral, carecem de um acabamento grá- 1811, uma história em quadrinhos infantil. Outra A Orquestra Sinfônica Nacional do Paraguai
A seção Mirada, que trará, a cada edição, reportagens sobre a América Latina, volta os olhos para o Paraguai neste número. fico cuidadoso e é difícil identificar os grandes iniciativa ufanista esteve no palco do Teatro Muni- ensaia em um prédio antigo de Assunção. São 75
Prestes a comemorar o Bicentenário da Independência, o país investe na nova geração para reforçar sua herança cultural. nomes das letras nacionais. Depois de pesquisar cipal de Assunção: Lizza Bogado y Cía, espetáculo músicos contratados, a maioria jovem. O grupo
mais, fica-se sabendo que Augusto Roa Bastos criado pela cantora Lizza Bogado. A encenação existe há pouco tempo, desde 2008, e é baseado
(1917-2005), autor de mais de 20 livros, é o gran- traz músicas e danças tradicionais que festejam em outra formação, de 2004. O maestro e diretor
TEXTO augusto paim FOTOS caio kauffmann de escritor local. Seguem-no Helio Vera, Elvio a “paraguayidad”. Acompanham a cantora mais da orquestra, Juan Carlos dos Santos, conta que no
Romero, Moncho Azuaga, Gabriel Casaccia e de 30 profissionais, entre músicos, corpo de baile país há duas faculdades de música. Interrogado so-
Rubén Bareiro Saguier. A literatura em guarani, e um coro de crianças. Em um dos números, as bre a existência de uma música clássica paraguaia,
segundo idioma oficial do país, também tem dançarinas equilibram garrafas e vasos. Jessica opina: “Temos déficit, mas há compositores, que
destaque, inclusive com obras sobre temas con- Fernandes, a coreógrafa, explica que essas são desenvolvem uma produção mais nacionalista”. O
temporâneos. No entanto, os livros que chamam danças folclóricas do país. “Normalmente a dança governo, inclusive, pede peças específicas a jovens
mais atenção nas livrarias são importados de ou- é com uma só garrafa e o objetivo é mostrar criadores, estimulando o surgimento de talentos.

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06
CONTINUUM
paraguai
MIRADA |

1 2 3

A situação da música está melhorando graças do Congresso Nacional. Uma pequena sala Questionado sobre as grandes peças do teatro 1. Na fachada da casa, as
marcas do tempo e da
a projetos como o Sonidos de la Tierra, dirigido dessa instituição reúne parte da história do paraguaio, ele recorda uma versão do diretor
intervenção da população
pelo maestro Luis Szarán, que tem aberto cinema local, desde as produções audiovisuais Agustín Núñez para Yo el Supremo, novela de
conservatórios e formado orquestras em todo mais recentes até filmes antigos. O cinema Augusto Roa Bastos. “Foi uma aposta espeta- 2. O tapete carcomido não
atrapalha o ensaio da Orquestra
o país. Já alcançou milhares de jovens, e os ainda é incipiente, embora seja a área que mais cular, tiraram-se as cortinas e todo o cenário Sinfônica Nacional
primeiros frutos começam a aparecer e inspirar cresce no país. O filme Hamaca Paraguaya, da era a biblioteca do ditador.” O ditador era
3. Carpilla Sixtina, 1990, obra de
iniciativas similares na Argentina e no Uruguai. diretora Paz Encina, é um exemplo de sucesso: Gaspar Rodríguez de Francia, o “Supremo”. A Ricardo Migliorisi feita de acrílico
O sucesso deve-se a incentivos públicos e priva- foi premiado em Cannes, em 2006. peça foi encenada nos anos 1990, logo após o e técnica mista sobre tela, que
mede 500 x 400 cm. Coleção
dos e a ações voluntárias, como a da sul-coreana fim da ditadura. Centro de Artes Visuales/Museo
Angela Jung-Eun, codinome Chae, de 29 anos, Em outro lado da cidade, no bairro San Jorge, del Barro
que está no Paraguai há cerca de dois anos ensi- está localizado o Centro de Artes Visuales O Teatro Municipal de Assunção é o palco mais 4. Chiquitín em sua casa
nando música clássica a crianças e adultos. Museo del Barro. Criado em 1979, é dividido importante das artes cênicas paraguaias. O pré- improvisada nas coxias do Teatro
Municipal de Assunção
em três espaços: um destinado à arte indígena, dio foi construído em 1844, mas só em 1855 foi
A polca e a guarânia são os ritmos mais co- outro à arte sacra e o último à arte contempo- inaugurado. Nos anos 2000, houve uma reforma 5. Espetáculo de Lizza Bogado
nhecidos da música popular, mas há espaço geral e o edifício foi reaberto, depois de 13 anos sobre o bicentenário, no
rânea. Atualmente, destacam-se no circuito
mesmo teatro
para outros estilos. É o caso do grupo de metal artistas visuais como Osvaldo Salerno, Carlos sem atividades.
alternativo Flou e dos movimentos musicais de Colombino e Olga Blinder. Colombino tornou- 6. O transporte público em
ônibus antigo
protesto, como o Nuevo Cancionero Paraguayo, se internacionalmente conhecido por ter criado No teatro, há 54 anos, vive o octogenário Ciriaco
com composições contra a ditadura feitas na uma técnica chamada xilopintura – em que Lambaré Blanco, mais conhecido como Chiquitín. 7. Conciliábulo II, 2010, obra de 4 5
Carlos Colombino feita com a
década de 1970, e o mais recente Canción Social se pinta sobre a madeira talhada, no lugar de Funcionário da prefeitura de Assunção há cerca técnica da xilopintura. Coleção
Urbana. Nesse grupo, destaca-se o trabalho de usá-la como molde. O prédio dessa instituição de 70 anos, ele foi morar no teatro para garan- Centro de Artes Visuales/Museo
del Barro
Víctor Riveros, que canta em guarani. Outros também é dividido com a Fundação Miglio- tir a segurança do local, no final da década
nomes de destaque são Félix Pérez Cardozo (“El risi, responsável por expor a obra de Ricardo de 1940. Chiquitín controlou a bilheteria do
Padre del Arpa Paraguaya”), Luis Alberto del Pa- Migliorisi, artista contemporâneo do país com Municipal durante muito tempo, e isso fez dele
rana y Los Paraguayos e José Asunción Flores, destaque internacional. uma figura muito conhecida. Ele está sempre
criador da guarânia. Dessa lista poderia ainda lá, todas as noites, recebendo o público, quando
constar Agustín Pío Barrios, também conhecido ARTES CÊNICAS o teatro abre as portas. Quando acabam os
como Mangoré. Famoso violonista clássico do O Paraguai tem larga tradição teatral, com espetáculos, vai dormir na sua casa improvisa-
século XIX, ele foi homenageado, em meados ênfase para o El Ateneo Paraguayo, curso para da atrás do palco, no lugar onde antigamente
dos anos 1990, pelo australiano John Williams, atores fundado em 1883, de onde saíram nomes ficavam os camarins.
com o disco The Great Paraguayan – From the como o da atriz María Elena Sachero, diva dos
Jungles of Paraguay. palcos nacionais com peças como Tartufo, de O BICENTENÁRIO
Molière, no currículo. Em meados do século As comemorações do Bicentenário estão me- 6 7
ARTES VISUAIS, CINEMA E MEMÓRIA XX, um importante núcleo de formação foi xendo com o povo paraguaio. Depois de dois
Assunção possui muitos prédios que preservam criado: a Escola Municipal de Artes Cênicas. conflitos bélicos que dizimaram o país, segundo
a memória cultural, histórica e artística, como Mais recente é a Fundação Arlequín Teatro, Luiz Vera, chefe de imprensa do Centro Cultural PARAGUAI EM SEGUNDOS
o Museo Juan Sinforiano Bogarín, o Centro de 1982. Mas existem várias outras escolas de de la República el Cabildo, há um esforço comum O Paraguai tem área de 400 mil metros quadrados e 6 milhões de habitantes. Faz fronteira com a Argentina, a
Cultural de la Ciudad, o Museo Memoria de La teatro no país. de buscar uma identidade e assumi-la. O maestro Bolívia e o Brasil, sem saída para o mar. Possui dois idiomas oficiais: o espanhol e o guarani – falado mais no interior
Ciudad, a Casa de la Independencia e o Pante- Santos concorda: “Ainda se está construindo a do país. Fala-se também o jopará, mistura coloquial de espanhol, guarani e português.

ón de los Héroes. Outras instituições, como o Uma particularidade das artes cênicas é o identidade cultural do país”.
Sua história é marcada por conflitos bélicos: a Guerra do Paraguai, em que enfrentou, na segunda metade do século
Centro Paraguaio Japonês, o Centro Cultural teatro em guarani. Surgido na década de 1930,
XIX, a Tríplice Aliança, formada pelo Brasil, pelo Uruguai e pela Argentina; e a Guerra del Chaco, na década de 1930,
Paraguaio Americano e o Centro Cultural de tem como criador o diretor Julio Correa. Hoje E como poderá ser definida, daqui a alguns
contra a Bolívia. As consequências dessas guerras, agravadas pelas ditaduras que governaram até 1989, podem
España Juan de Salazar, também contribuem há um bom número de diretores que seguem anos, a cultura paraguaia? O que terá a memória
ser sentidas no país até hoje.
para a cena artística da capital. essa vertente, qualificada por Angel Franco, das guerras e da ditadura a ver com a constru-
funcionário do Teatro Municipal de Assun- ção dessa identidade? De que forma o legado
O Centro Cultural de la República el Cabildo, ção, como “muito difícil”. Franco tem 55 anos guarani fará parte disso? São perguntas que o
Na Rádio Itaú Cultural (itaucultural.org.br),
principal reduto da história da cultura para- e há 14 é o responsável por tudo que envolve brasileiro não tem como responder. E, por ora, ouça o programa Rumos 2007-2009
guaia, foi criado há seis anos, no antigo prédio cenário e palco em cada apresentação na casa. nem mesmo o paraguaio. sobre a música paraguaia contemporânea.

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CONTINUUM
marçal aquino
ENTREVISTA |

Como foi o início de tudo? Como a literatura aconteceu Toda boa literatura é uma criação de mundos. Como você
na sua vida? cria os seus mundos, já que dispensa um planejamento
Eu sou de Amparo, interior de São Paulo. Interior do interior, prévio?
porque nasci numa fazenda. Então, para ter uma ideia, não sou Tem uma coisa que não era para ter importância, mas vem ao
cria da televisão. A primeira televisão entrou na minha casa caso. Eu escrevo a mão, em cadernos. Pode parecer uma idiossin-
quando eu tinha 14 anos. Fui criado ouvindo as pessoas contar crasia, e de fato talvez seja, mas está ligado ao ato da criação. Para
histórias e isso sempre me fascinou; elas narram um aconteci- todo o resto, roteiro, jornalismo, eu uso o computador, mas para a
mento e semana que vem o mesmo fato. Por uma habilidade literatura é como se eu reservasse um lugar sagrado, precisasse
do contador, não há nenhum estudo para isso, ele percebe que pôr uma roupa especial.
mudando um pouquinho aqui e ali a narrativa melhora e vai se
tornando primorosa. Assim, a minha primeira vontade de con- Talvez isso aconteça porque o tempo da literatura é ou-
tar histórias está ligada à infância. Na minha casa não havia tro, não é o tempo acelerado da máquina...
livros e eu não venho de uma família que tenha uma tradição Sim, literatura é cachaça, precisa ficar curtindo. Não é uma pro-
livresca. Mas eu descobri os quadrinhos e me apaixonei perdi- dução industrial, é artesanal. A minha literatura é artesanal. Veja
damente pelos gibis. você, eu tenho tudo isso em cadernos que foram rabiscados e
passo depois tudo para o computador. Então o importante para
Os gibis alfabetizaram toda uma geração, não? mim é que a literatura impõe o tempo dela. Não adianta dizer que
Para mim foi exatamente isso, mas eles eram malvistos pelos pro- vou terminar um livro até sexta-feira, por exemplo. Todos os ou-
fessores, pelas famílias. No entanto, foram tão importantes para tros trabalhos, sim; faço roteiros para televisão e isso tem prazos
meu desenvolvimento. Vem deles também meu desejo de con- absurdos, daí sento em frente do computador e mando ver. Já a
tar histórias. E, finalmente, do cinema. Muito antes de sonhar em literatura, é como se exigisse uma liturgia diferente. Para mim
trabalhar com cinema, fui levado a um e fiquei completamente o grande momento, o grande prazer é, como dizia [o escritor ar-
apaixonado, siderado. Imagine o impacto para uma pessoa que gentino Adolfo] Bioy Casares, la hora de escribir, o momento da
não assistia a TV ver uma tela daquelas numa sala escura. Foi criação. Eu entro naquele mundo como convidado e vou vendo
uma experiência fundamental. aquilo se passar diante de mim, vou registrando. Esse seria, mais
ou menos, o meu processo de criação literária.
E quando surgiram os livros nesse processo de formação?
Por volta dos 10 anos de idade fiz a transição, larguei os gibis e fui Você falou rapidamente sobre seu trabalho como rotei-
ler um livro e descobri que eles eram muito mais interessantes rista. Como foi, para aquele menino de Amparo, sem uma,
que as histórias em quadrinhos. Encontrei a obra de Monteiro digamos, educação televisiva, começar a fazer cinema e
Marçal Aquino: “A minha
literatura é artesanal, não é
Lobato, os livros de aventura e os de uma coleção chamada Terra, televisão?
uma produção industrial” Mar e Ar. Descobri esse mundo de modo autodidata, pois nunca Não é louco isso? E penso que não escolhemos mesmo o que
tive uma orientação para a leitura, ou melhor, só fui ter algo nesse vai acontecer com a gente. Sempre gostei de cinema, mas nunca
sentido mais tarde, com 16, 17 anos. Antes disso, fui lendo tudo de pensei em trabalhar com cinema, nunca fiz nenhum esforço nes-

MARÇAL PLURAL
forma voraz, era onívoro. Li Nietzsche com 13 anos e não entendi sa direção. Não fui estudar cinema, não fui atrás. Vários filmes
nada, ao mesmo tempo que li Moby Dick. foram feitos na minha cidade; se eu quisesse trabalhar com isso
teria ao menos visitado um set de filmagens, tentado me aproxi-
Juntando essas formas de linguagem, como é que se dá o mar de alguém. Isso não me interessava. Nunca me interessou. O
seu processo de escrita? cinema veio a mim. Acidentalmente um diretor quis filmar uma
Costumo dizer que, quando escrevo, a linguagem não é minha história minha, teve problemas na hora de fazer o roteiro e me
primeira preocupação. Conscientemente, eu me interesso mais chamou para ajudar, e eu virei roteirista de cinema. A mesma coi-
TEXTO micheliny verunschk FOTOS andré seiti por aquilo que vai ser contado. Tanto que quando escrevo um sa com a televisão. Fui convidado a desenvolver um seriado po-
livro não sei o que vai acontecer. Nunca tenho o livro pronto. Co- licial. Gosto do tema, pois o registro policial me interessa muito.
nheço pessoas que planejam e dizem que no primeiro capítulo Assim comecei a trabalhar com televisão.
Uma das vozes mais contundentes de sua geração, Marçal Aquino revela a contemporaneidade em tudo o que ela traz de violên- vai acontecer isso, no segundo capítulo vai acontecer aquilo. Têm
cia, amor e perturbação da ordem estabelecida. A literatura é o caminho que baliza as trilhas que segue, numa vida que bem daria uma espécie de esquema, um roteiro. Eu não. Não posso fazer
isso. Se souber o que acontece no livro, mesmo em linhas gerais,
um livro ou um filme. Tradutor, revisor, ex-repórter policial, jornalista freelancer, é também roteirista de cinema e televisão, tendo no
fatalmente não vou escrever. Prefiro colocar uma frase numa pá-
currículo os bem-sucedidos Os Matadores (1997), Ação entre Amigos (1998), O Invasor (2001), Nina (2004), Crime Delicado (2005), gina e ir atrás para descobrir o que é que aquilo significa. Natu-
ralmente, sou um escritor que parte do real, mas evidentemente O público leitor hoje no Brasil é muito pequeno.
Cão sem Dono (2007) e o premiado Cheiro do Ralo (2007). Apesar de não ser espectador de TV, é um dos roteiristas do seriado Temos uma seita de leitores. Cada livro aqui tem
aquilo que faço no livro é o real transfigurado pela ficção. Então,
policial Força-Tarefa, exibido na Rede Globo. Autor, entre outros, do romance Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios a tiragem de 3 mil exemplares, então são 3 mil
por que é importante que eu não saiba o que vai acontecer? Por- leitores. Destes, 1.500 são escritores. Sobram
(Cia. das Letras, 2005) – que renderá um longa, com direção de Beto Brant e Renato Ciasca, cuja estreia está prevista para este que naquele primeiro momento eu sou o meu primeiro leitor e se uns 500 jornalistas. Então temos mil leitores que
semestre –, nesta entrevista ele fala de seus processos de criação, do trabalho em cinema e da literatura brasileira hoje. eu não ficar satisfeito com aquilo não será publicado. leem verdadeiramente por prazer.”

11
10
CONTINUUM
marçal aquino

SE SOUBER O QUE ACONTECE NO LIVRO, MESMO EM LINHAS


ENTREVISTA |

GERAIS, FATALMENTE NÃO VOU ESCREVER. PREFIRO COLOCAR


UMA FRASE NUMA PÁGINA E IR ATRÁS PARA DESCOBRIR O QUE
É QUE AQUILO SIGNIFICA.”

Você foi repórter policial, não é? E existe a crise da adaptação? No romance Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus
Sim, do Jornal da Tarde. E isso é outra coisa importante sobre Não. Eu nunca tive. O lugar para que me cobrem alguma coisa é Lindos Lábios, o amor (ou talvez a teoria do amor) ganha
escrita, pois diz a lenda que o jornalismo é uma péssima profissão o livro, lá estou sozinho com os meus fantasmas. Quando falamos voz nas citações do personagem Benjamin Schianberg. É
para escritores. Tem até uma frase do [escritor americano Ernest] de adaptação estamos falando de um coletivo, estou a serviço de impossível viver o amor sem teorizá-lo, sem enquadrá-lo
Hemingway, que é muito boa: “O jornalismo é uma excelente pro- um coletivo de criadores e tenho um desprendimento total. Não em conceitos e estatísticas?
fissão desde que abandonada a tempo”. Para mim foi o contrário, existe cinema de uma pessoa só e eu costumo dizer que cinema é A nossa invencível tentação de racionalizar tudo explica, em
a experiência como repórter de rua foi fundamental para que eu como suruba, não dá para fazer sozinho. parte, por que teorizamos tanto sobre o amor. Ainda bem que as
pudesse treinar o olhar, saber olhar para uma cidade como São explicações nunca satisfazem. E seguimos tentando, esquecidos,
Paulo, por exemplo, e entender que nela acontecem mil mundos. Que tipo de cinema você prefere? Que diretores destaca? muitas vezes, de que amor é muito melhor de ser vivido do que
O cinema de que eu gosto hoje, que eu sempre gostei, mas hoje de ser explicado.
Você assiste a TV? mais do que nunca, é o cinema onde não entra o computador.
Não. Digo que sou o cara ideal para fazer seriado porque não Onde tudo o que você vê efetivamente está dentro da câmera e Esse livro foi adaptado para o cinema e deve ser lança-
trago vícios, mas posso cometer a inocência de fazer algo onde se conta a história de pessoas. A pirotecnia nunca me atraiu. do em breve. Outro filme, O Amor Segundo B. Schianberg,
achando que estou inovando, por desconhecimento. Gosto Aqui no Brasil, os diretores com os quais trabalho são grandes também é um produto saído do mesmo livro. Você parti-
mesmo é de cinema. diretores. Não é porque eu trabalho com ele, mas o Beto Brant é cipou do processo de feitura de ambos?
um grande cineasta. O Heitor Dhalia, realizador pernambucano O livro rendeu o longa homônimo, dirigido pelo Beto Brant e
Como é a relação com os seus filmes? Você os vê? com quem trabalhei em dois filmes, é um dos quais gosto muito. com estreia prevista para o fim do primeiro semestre, do qual es-
Sim. É muito mais que escrever um roteiro e mandar filmar. Nor- O Karin Aïnouz é um diretor fascinante. Dos estrangeiros eu gos- crevi o roteiro. O texto literário inspirou ainda a série O Amor Se-
malmente estou muito próximo, trabalho com diretores que são to muito do Michael Haneke, o cinema dele é um dos que mais gundo B. Schianberg, que Beto rodou para a TV Cultura e depois
parceiros, inclusive na escolha do elenco, ou pelo menos troca- me interessam. Existe um franco-argentino chamado Gaspar Noé transformou num longa, mas não participei desse processo como
mos opiniões, compartilhamos decisões. Até porque, embora te- que faz um cinema ao contrário daquele de que falei, não diria de roteirista. Por fim, a obra também rendeu a peça Amor de Servi-
nha adaptado obras de outros autores, acabo trabalhando muito pirotecnia, mas um cinema em que a forma está a serviço do que dão, que escrevi em parceria com a Marília Toledo e que ganhou
com minha própria literatura. é narrado. Curiosamente, também me interessa. o Prêmio Shell de Dramaturgia em 2009.

“A pirotecnia no cinema nunca


Como você vê o panorama literário brasileiro hoje? me atraiu. Gosto mais daquele
A literatura mudou muito. Tenho a sensação de que é mais fácil onde não entra o computador”

publicar. Eu atravessei dez anos para lançar meu primeiro livro.


Os livros de Marçal nascem
de anotações a mão em cadernos Hoje as tecnologias estão muito mais disponíveis ao escritor. Um
guardados a sete chaves pelo escritor autor de Manaus não precisa mais de uma resenha do eixo Rio-
São Paulo para existir. Ele pode chegar ao mundo inteiro de uma
forma muito louca. Você acredita em oficinas de criação literária?
Acredito que não se forma escritor em lugar nenhum fora dos
Você fala da internet... livros. No entanto, as oficinas têm o poder de juntar gente com as
Também. Mudou a tecnologia e com as festas literárias também mesmas ideias e isso é altamente subversivo, pode gerar coisas
mudou muito a relação do escritor com a mídia e com seus leitores. porque é quase uma sociedade secreta. O público leitor hoje no
Outra coisa importante: há muitas mulheres publicando. Nunca na Brasil é muito pequeno. Temos uma seita de leitores. Cada livro
história da literatura brasileira, nunca em tempo nenhum houve aqui tem a tiragem de 3 mil exemplares, então são 3 mil leitores.
tantas mulheres escrevendo prosa e poesia. Se for olhar retrospec- Destes, 1.500 são escritores. Sobram uns 500 jornalistas. Então
tivamente, houve uma época em que havia a Rachel de Queiroz, a temos mil leitores que leem verdadeiramente por prazer. As ofi-
Lygia Fagundes Telles, a Clarice Lispector, uma poeta aqui, outra cinas acabam se tornando um caldo de cultura muito importante.
ali. A Hilda Hilst e pronto. Hoje não. Há variedade de assuntos,
variedade de vozes. Antigamente a mulher tinha muita dificuldade Vem por aí um livro novo, não? O que pode dizer dele?
em publicar, era oprimida até nisso. O universo masculino é muito O livro está atrasado, mas espero publicar até o final do ano.
cruel. Ou ela era Clarice ou ela era Carolina de Jesus, a coisa exó- Chama-se Como se o Mundo Fosse um Bom Lugar e trata de uma
tica, uma favelada escrevendo. Não se tinha a média, falta-nos o história de amor que causa uma derrocada familiar. É o que posso
registro disso na história da nossa literatura. dizer, o que sei do livro.

O AMOR É UM FATOR DE REDENÇÃO E DE TRANSCENDÊNCIA.


É ISSO QUE MEUS PERSONAGENS BUSCAM, AINDA QUE PELOS
CAMINHOS MAIS TORTOS E ÁSPEROS. E JÁ SABENDO QUE
SEMPRE SERÁ INCOMPLETO, POSTO QUE HUMANO.”

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CONTINUUM
tetine
REPORTAGEM |

LONDRES
TROPICAL
Como os brasileiros Eliete Mejorado e Bruno Verner, que formam Eliete Mejorado
a dupla Tetine, conquistaram a cidade onde nasceu o punk TRABALHOS SÃO COMO FILHOS, VOCÊ GOSTA IGUAL DE TODOS.”

TEXTO tatiana diniz FOTO andré penteado

A paulistana Eliete Mejorado e o mineiro Bruno Bruno sempre fez muita coisa ao mesmo tempo. seu amor. “Sempre gostei de Londres. Gosto do
Verner se conheceram, e se conquistaram, no Estudou linguística na USP, teve uma bolsa de ritmo da minha vida aqui”, afirma.
Teatro Oficina, em São Paulo, em janeiro de iniciação científica em que trabalhava na orga-
1995. No ensaio de uma cena de cabaré, ela nização de um dicionário de astronomia, foi pes- Eliete também gosta. Explica que aprendeu a
interpretava um travesti, e ele improvisava ao quisador do Datafolha, ensinou literatura portu- lógica da cidade e destaca o senso de humor
piano e com a voz. Eliete nunca se esqueceu guesa na rede estadual, deu aulas particulares inglês: “Amo muito”. Em Londres, eles tiveram
desse encontro: “foi amor à primeira nota”. Não de violão. A música chegou até sua vida pelo uma filha, Yoko, há um ano. O parto dentro
se separaram mais. Pouco depois, nascia a dupla pai, que tocava piano, e pela avó, violinista. Com d’água ficou na memória como uma experiência
Tetine (chupeta em francês), e a música se espa- 13 anos, foi estudar na Fundação de Educação maravilhosa. Mas é claro que às vezes ela fica
lhou pela vida dos dois. Intensamente. Artística, em Belo Horizonte, onde se envolveu de saco cheio da cidade, pois sente o estresse e
com a produção contemporânea e eletrônica e observa que a competitividade é enorme, e que
Em 1999, foram aceitos em uma residência começou a compor. “Entrei de cabeça na cena as pessoas às vezes podem parecer frias. “Mas
artística oferecida pela Queen Mary University, pós-punk, de poesia e performance de BH, nos acho que meu amor é maior”, enfatiza.
em Londres. Com a mudança, deram continui- anos 1980. Tocava no R. Mutt, no Divergência
dade ao trabalho da dupla e conquistaram a Socialista e no Ida & os Voltas”, lembra. Depois PUNK TROPICAL
cidade que inventou o punk. E o resto da Europa foi para São Paulo, onde o Tetine começou. E dentre os trabalhos do Tetine há um preferido
também. Muitos invernos depois, mas ainda ou uma música de que se goste mais? Essa é
tremendo de frio, os dois falaram separadamen- INVERNO E ESTRESSE a pergunta mais difícil para Bruno, que gosta
te à CONTINUUM sobre a carreira, o amor, a filha Nenhum dos dois havia pensado em morar em muito de “Let the X Be X”, do oitavo disco (pela
nascida na água e o trabalho recém-lançado. Londres. Eliete estudou inglês americano numa Soul Jazz Records). Também gosta muito de
escola e achava que, se fosse morar fora do país, uma performance que fizeram em 1998 chama-
LÁ NOS PRIMÓRDIOS o destino seria os Estados Unidos. Mas, no final da “Música de Amor”, gravada em disco.
Eliete cresceu em São Paulo. Aos 5 anos viu de 1999, veio o convite para a residência artísti-
Os Pássaros, de Alfred Hitchcock, na televisão. ca na capital inglesa. Na universidade, tinham Eliete não titubeia ao responder: “Trabalhos são
“Foi uma das maiores influências da minha um estúdio com piano, teclados, mesa de som e como filhos, você gosta igual de todos”. Mas há
vida”, lembra. Filha de mãe espanhola que microfones e criaram uma performance chama- horas em que ela se identifica mais com um do
ouvia muito Joselito e Juanito Valderrama, da Living Room. que com outro. Atualmente, gosta mais de “Tro-
conta que a “mistura estranha de ingredientes” pical Punk”, faixa do último disco, From a Forest
determinou sua visão de mundo. O prazo inicial de estada era de nove meses. Near You [De uma Floresta Perto de Você]. O
No final, veio o convite da gravadora inglesa último vídeo, “Revolver”, gravado nos Estados
Bruno cresceu em Belo Horizonte. A memória Sulphur Records: gravar um disco em colabora- Unidos, é outro preferido da cantora. “Está bem
mais forte dessa época é a de, mais ou menos ção com outro artista. A parceira escolhida foi a fresquinho no coração.”
com 6 anos, ser viciado em locução de rádio. Ti- francesa Sophie Calle. Quando o disco saiu, não
nha “fascinação absurda” pelas vozes dos apre- voltaram mais para São Paulo. Para quem quiser escutar o novíssimo From
sentadores da Del Rey, emissora local. Gostava a Forest Near You, o caminho são as lojas
tanto de música que sua brincadeira predileta Bruno diz que foi por acaso. Não tinham planos. especializadas e os canais virtuais de down-
era fazer programas de rádio para si mesmo: No meio-tempo, ele ganhou uma bolsa de mes- load como iTunes e Amazon – músicas como
“Era uma coisa bem autista e solitária, mas me trado em performance na Middlesex University. “Tropical Punk”, “Shiva”, “Revolver”, “Let’s Get
dava grande prazer. Tenho certeza de que meu A dupla começou a promover o disco na Europa. Together” e “Não” estão todas lá. Eliete diz que
interesse por música veio daí”. Tocaram na Itália, na França, na Alemanha e em esse trabalho traz uma sonoridade muito pecu-
Portugal. Samba de Monalisa – Tetine vs Sophie liar. “Chamamos de tropical mutant punk funk.
Eliete estudou piano por muito tempo, mas Calle virou um disco cult no cenário da música Dá uma ouvida!”
nunca pensou que iria trabalhar com esse eletrônica europeia. Foram “ficando” e vieram
instrumento. Fazia teatro e pesquisava diferen- outros discos, outros shows.
tes ressonâncias sonoras pelo corpo. “Tentava
extrair a voz dos joelhos.” Seu envolvimento Os invernos são o calo de Bruno. “É o que não Em 2008, Tetine produziu para a Rádio Itaú Cultural
o programa Three Bullets, para a série on-line Cena
com música era secundário. “Mudou totalmen- tenho aguentado mais, realmente. No começo
Sonora. Confira: itaucultural.org.br/radio
te quando conheci o Bruno”, conta. “Seja com a eu não me importava, agora cada ano que passa A dupla também está no Facebook e mantém
voz, seja com o corpo, tudo vira performance.” fica pior”, reclama. O frio, porém, não invalida o site tetine.net.

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Tudo vira performance no

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trabalho musical do Tetine CONTINUUM
o que é o amor
REPORTAGEM |

“Doei com muito carinho e muito amor.” Com A Natureza e a Química do Amor Romântico), da e eterno, e o mundo real, finito e imperfeito, mera
essa frase, a cabeleireira Midori Assami, de 62 editora americana Henry Holt and Co. cópia mal-acabada do mundo ideal. Segundo
anos, deixou um hospital de Londrina, depois da psicanalistas, o amor platônico revela uma dose
cirurgia de retirada de um rim. Ela doou o órgão A BIOLOGIA NO COMANDO de imaturidade emocional, à medida que nunca
ao ex-marido, com quem viveu por 20 anos – e Além dos fatores sociais, especialistas apontam experimenta os limites e as frustrações de uma
está separada há 19. Com a atitude, Midori uma primeira explicação que não é lá muito relação concreta.
afirma que amor não é sinônimo de casamento, romântica e envolve a questão biológica. O
convivência diária, paixonite. Nem de apego, ob- psicólogo Ailton Amélio da Silva, autor de Por outro lado, há quem diga que o amor
sessão ou presença. Amor significa querer bem. O Mapa do Amor (Editora Gente, 2001), con- romântico está com os dias contados. O psica-
Simples assim. É o “sentimento que predispõe corda com Helen Fisher ao dizer que amar é nalista Flavio Gikovate afirma, em Uma História
alguém a desejar o bem de outrem, ou de algu- uma necessidade da natureza humana. Sem se do Amor com Final Feliz (MG Editores, 2008),
ma coisa”, como escolheu Aurélio Buarque de relacionar com o seu semelhante, o ser humano que só sobrevive aos tempos atuais o amor que
Holanda, pai do dicionário que leva seu nome, não teria como procriar. E, para se envolver com respeita a individualidade. Ele sustenta que o
para a primeira das 13 definições da palavra. alguém, ele precisa estabelecer algum tipo de casamento, por exemplo, pode não ser uma boa
Mais do que querer bem ao ex-marido, a cabe- vínculo afetivo. expressão do amor. Melhor do que casar e viver
leireira mostrou ainda um amor maior pelo filho junto para sempre, diz o especialista, talvez seja
do casal, que havia proposto doar o rim ao pai. De que maneira acontece esse vínculo? No morar em casas separadas – ou ainda continuar
“Como ele é moço e tem duas filhas pequenas eu cérebro, cientistas já descobriram há algumas solteiro. “No Brasil, o número de divórcios já é
falei: ‘Deixa que eu doo, porque já vivi bastante’. décadas que essa conexão é movida por um maior que o de casamentos no ano. Atualmen-
E por um filho a mãe faz qualquer coisa.” hormônio chamado oxitocina. Até 20 anos atrás, te, muitos homens e mulheres consideram que
ela estava associada apenas a dois importantes ficarão sozinhos para sempre ou aceitam a ideia
Amor por um filho, um homem ou uma mulher, processos fisiológicos ligados à maternidade – de aguardar até o momento em que encontra-
uma causa, uma crença religiosa... Esse sentimen- as contrações uterinas no momento do parto rão alguém parecido tanto no caráter quanto
to assume várias faces no decorrer da vida. De e a liberação de leite durante a amamentação. nos interesses pessoais.”, afirmou, em entrevista
modo geral, todo amor envolve a formação e a Hoje, sabe-se que a oxitocina também atua no à revista Veja (veja.abril.com.br/entrevistas/fla-
manutenção de um vínculo emocional. Estímulos cérebro materno de modo a fortalecer os laços vio_gikovate.shtml). Será que o amor do futuro
sensoriais e psicológicos são necessários para de carinho com o filho e os cuidados básicos e está fadado a ser vítima do individualismo?
essa motivação. de proteção. Todos os seres são dotados dessa
qualidade, basta ver, por exemplo, os cuidados Difícil acreditar no fim do amor romântico, uma
Definindo assim, de maneira quase técnica, até dos animais com a cria – seja a deles, seja a dos vez que ele parece estar entranhado na natureza
parece que o amor – e amar – é simples. Que outros. Nos mamíferos, as fêmeas amamentam humana. Fisher afirma que em um levantamento
nada. Suas variantes são tantas que chegam a filhotes de outras espécies, como aconteceu em de 166 culturas variadas foram encontradas provas
dar nó na mente dos mais apaixonados. “O cará- fevereiro deste ano, na cidade de Itapetininga do amor romântico em 147 – quase 90% delas. Da
ter enigmático do amor é uma das razões pelas (SP). Uma cadela labrador resolveu amamentar Sibéria ao interior da Austrália e passando pela
quais nós amamos. Amar é surpreender-se e isso dois filhotes de gato abandonados em seu quin- Amazônia, as pessoas cantavam canções, compu-
é viver”, afirma a psicanalista Betty Milan. tal. O instinto materno faz com que as fêmeas nham poemas e contavam mitos e lendas do amor
produzam o hormônio e passem a ter leite. Da romântico. Muitos fazem a magia do amor com
Se amar é inerente à vida, você sabe por que, afinal mesma maneira, mulheres amamentam filhos amuletos e encantamentos ou condimentos e pre-
de contas, amamos? “Porque somos biologica- adotivos normalmente. parados para estimular o sexo. Alguns matam os
mente programados para isso. A necessidade de amantes. Outros se matam. Muitos rompimentos
procriar é tão poderosa quanto a de se alimentar PLATÔNICO E ROMÂNTICO causam uma tristeza tão profunda que a pessoa
ou dormir, criando no cérebro uma energia que Se o amor precisa de vínculo, o que dizer, então, mal pode comer ou dormir.
abastece quatro sentimentos básicos: paixão, obses- do amor platônico, aquele que nunca se concre-
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são, alegria e ciúme”, escreve a antropóloga Helen tiza? Platônico vem de Platão, justamente porque Romeu, de Shakespeare, expressou este senti-
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MENTE E CORAÇÃO
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Fisher em seu livro Why We Love? – The Nature and o filósofo grego acreditava na existência de dois mento mais sucintamente, dizendo de sua adora-
Chemistry of Romantic Love (Por Que Amamos? – mundos: o das ideias, em que tudo seria perfeito da: “Julieta é o Sol”. Impossível viver sem.
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Dizem que ele é fogo que arde sem se ver, talvez por isso seja cego. Que só ele constrói, mas que é mortal, posto que é chama.
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TEXTO mariana sgarioni ILUSTRAÇÃO dea lellis


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leonilson
REPORTAGEM |

OURO DE
De meu corpo o Amor se apoderou ali com sua força incrível.
Constantin Cavafy, “Ao pé da casa” [trecho], 1918

ARTISTA
É AMAR
BASTANTE
Vida e obra se confundem na trajetória de Leonilson,
um dos mais importantes artistas brasileiros

“Quanto tempo faz mesmo?”, pergunta a dona a capital de Rondônia anos antes para viver em
TEXTO marco aurélio fiochi de restaurante Rosa Raw sentada à mesa em seu Fortaleza, onde o artista nasceu, em 1957, fixou
estabelecimento em São Paulo. “Quase 18 anos”, de vez moradia em São Paulo em 1961 e optou
respondo. A interjeição que se segue é um misto pelo bairro por ser, naqueles tempos, um reduto
de espanto pela rápida passagem do tempo e de migrantes como eles, segundo conta a irmã,
de pesar pela ausência remota de um amigo. A a psicóloga Ana Lenice da Silva, a Nicinha.
mesma lacuna temporal que transforma a dor Leonilson foi temporão. Entre ele e Nicinha são
em algo abrandado e coloca em seu lugar uma cinco anos de diferença. “Quando nasceu, foi
saudade morna percorre a fala de outros amigos uma ciumeira danada”, relembra. “Nas famílias
e parentes de José Leonilson Bezerra Dias (1957- nortistas, o caçula é o rei. Eu estava acostumada
1993). Zé, Leó, Léo – formas carinhosas adotadas a ser a caçula e de repente perdi o trono.” Irmãs
por quem conviveu com ele –, não se conside- mais velhas, Nicinha e Tilda (Ana Lenilda Dias
rava um artista, mas, sim, um “andarilho”, um Salvatore) eram como mães para o menino.
“curioso”. No entanto, tornou-se o maior expo-
ente de sua geração ao pintar e bordar as várias No início da adolescência, passava o tempo
faces do amor. tentando aprender a andar de skate, novida-
de da época, com os vizinhos Luís, Gustavo e
“Muito inteligente”, “falador”, “crítico”, “com uma Ana Cândida Machado. O estudo no Colégio
grande verve para fazer comentários apimenta- Arquidiocesano e a leitura atenta dos volumes
dos sobre tudo”, “estudioso”, “introspectivo”, “de da Enciclopédia Barsa também faziam parte da
uma memória sem igual, capaz de dizer os no- sua rotina. Brincar com a máquina de escrever
mes de todos os presidentes do Brasil na ordem e a de fotografar, aparelho do qual colecionou
exata”, “temperamental”, “sarcástico”, “ranzinza”, vários modelos, era um passatempo. “Ele não
“apaixonante”, “assertivo”, “extraordinário”, “mui- fazia esportes nem jogava futebol, pois tinha cri-
to querido”, “bom caráter”, “espontâneo”, “verda- ses fortíssimas de asma, que o acompanharam
deiro”, “corajoso”, “batalhador”. A voz daqueles durante toda a vida”, conta Nicinha.
que o conheceram tanto na vida quanto na arte é
superlativa ao qualificá-lo. E ao ler depoimentos Leonilson acompanhava o pai, seu Theodorino,
dele próprio a sensação de integridade aumen- proprietário da rede de lojas de artigos variados
ta: “É claro que eu penso na minha carreira, em Casa Saudade, em Porto Velho, em compras nas
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ganhar dinheiro, fazer exposição. Mas penso fábricas de tecidos da capital paulista e sempre
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em mim, nos insights que surgem para fazer acabava ganhando retalhos. Panos e linhas eram
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um trabalho. Acredito em outra coisa. O mundo presença constante na casa paterna. A mãe,
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real que a gente vive, acho superlegal. Mas isso dona Carmen, ensinou a costura e o bordado às

foto: ronaldo miranda/arquivo projeto leonilson


não tem valor”, declarou à crítica de arte Lisette filhas. “Em nossa casa, havia um quartinho de
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Lagnado, em entrevista em 1992, publicada em costura, e ficávamos todos lá brincando, vendo


Leonilson: São Tantas as Verdades (DBA/Melho- mamãe costurar”, diz Nicinha, que foi quem lhe
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ramentos, 1998). ensinou os segredos do bordado, corrigindo


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falhas, mostrando como deixar o lado avesso tão


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ENTRE O SKATE E A ENCICLOPÉDIA perfeito quanto o visível. Uma das lembranças


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Vindo de Porto Velho para São Paulo com ape- do período, revelada pelo próprio artista em
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nas 4 anos, Leonilson morou praticamente toda entrevista a Lagnado, mostra a tranquilidade
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a vida na Vila Mariana. A família, que já deixara daqueles tempos: “Perto da minha casa, tinha um
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Leonilson se destacou em meio
a uma nova geração de artistas

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surgida nos anos 1980
itaucultural.org.br/ CONTINUUM
leonilson
REPORTAGEM |

Thomas Cohn
LEONILSON NÃO DEIXOU ‘ESCOLA’. CABE, PORÉM, A ELE O MÉRITO
DE AGITAR O CIRCUITO DAS ARTES E AJUDAR A INSERI-LO NO
CENÁRIO INTERNACIONAL.”

foto: eduardo ortega/arquivo projeto leonilson


hospício de loucos. A gente ia brincar no jardim da galeria de renovar o mercado e lançar nomes

foto: eduardo brandão/projeto leonilson


do hospício. Eles eram tão legais, tão diferentes começaria por ele”, conta o galerista Thomas
da vida da gente, eram os ídolos da rua”. Cohn. Luisa Strina, que o representou até 1990,
comprou todos os trabalhos do artista tão logo o
Entrando na vida adulta, ganhou de seu pai um conheceu. Com Cohn, ela foi a responsável pelo
Fiat 147 branco, novinho em folha, que mais tarde lançamento conjunto de Leonilson no cenário
venderia para juntar dinheiro e fazer a primeira nacional, em 1983.
viagem à Europa. Dessa fase, em que ficou mais
próximo da vizinha Ana Cândida, a melhor lem- Era o início da Geração 80, movimento artístico
brança é uma ida frustrada de carro até Fortaleza, que tinha como principal característica uma
Sem Título, 1988, acrílica e chapa de cobre pregada sobre lona, 51 x 47 cm.
interrompida no meio quando uma manobra retomada da pintura, ou do prazer de pintar. Coleção Miguel Chaia
fez o veículo cair num buraco, quebrando-o. O Junto de Leonilson, surgem Leda Catunda,
automóvel teve de voltar para São Paulo reboca- Sergio Romagnolo, Ciro Cozzolino, Luiz Zerbini

foto: rômulo fialdini/projeto leonilson


do. “Leonilson era muito barbeiro!”, confidencia o e Daniel Senise, entre tantos outros. Segundo Todos os Rios Levam a Sua Boca, hidrocor e
irmão de Ana, Luís Machado. Lagnado, as influências imediatas do jovem tinta preta a pena sobre papel, 210 x 100 cm.
Coleção Família Bezerra Dias
artista são o pintor Antonio Dias, com suas telas

foto: rômulo fialdini/projeto leonilson


Desde cedo, Leonilson mostrou-se um arguto de cobre e grafite, e o americano Keith Haring,
colecionador. Seu alvo eram os brinquedos, que com seus grafites. “As figuras [...] nas primeiras
comprava aos montes em feiras de artesanato e pinturas [...] surgem com a marca da ilustração
em viagens ou eram presenteados por amigos. [...] desfilam, pouco elaborados, ringues, ferros
Parte deles viria tempos depois a integrar sua de passar, aviões, dinossauros, gatos e patos. [...]
obra. Outra fixação eram os desenhos de plantas elege alguns elementos que serão retomados e
arquitetônicas, feitos em papel milimetrado. O desenvolvidos até o final da vida: o livro aberto,
aprendizado da arte iniciou-se aos 11 anos, na a torre, o radar, o transformador de energia, o

projeto leonilson
foto: rômulo fialdini/
Escola Panamericana. Os trabalhos iniciais do raio, o átomo, a escada, o coração, a montanha e
artista foram feitos nessa faixa etária, sendo o o vulcão, a espiral, o relógio, a bússola e, princi-
primeiro bordado, Mirro, criado aos 14 anos. palmente, a ampulheta que se funde ao símbolo
do infinito”, escreve a crítica.
O contato com o meio teve continuidade com KMS - Horas, c. 1991, acrílica e bordado
a entrada nas artes plásticas da Faap, em 1977, Zerbini e Leonilson dividiram ateliê em 1977, sobre lona recortada, 17 x 17 cm.
Coleção Valdirlei Dias Nunes Voilà Mon Coeur, 1990, bordado, cristais e feltro sobre lona, 22 x 30 cm.
que acabou em 1980. Antes disso, fez um curso além de morarem juntos em Maresias, no litoral Coleção particular, São Paulo
técnico de turismo. Durante toda a vida, cole- paulista por um tempo. Os dois criaram o cená-
cionou centenas de envelopes de cartas, blocos rio de A Farra da Terra, peça do grupo Asdrúbal
e cartões com os logotipos dos hotéis onde se Trouxe o Trombone, em 1982. O espetáculo, São Tantas as Verdades, 1988, acrílica,
pedras semipreciosas bordadas e fio
hospedou; tíquetes e folhetos de companhias que estreou no ano seguinte, contava com de cobre sobre lona, 213 x 106 cm.
aéreas também fazem parte dessa coleção, que atores convidados, que vez ou outra faltavam às Coleção particular, São Paulo

demonstra o seu amor por viajar. E é com a pri- sessões. Eles eram então convocados a subir no
meira grande viagem, para Madri, em 1981, que palco e atuar. “Mas Leonilson era um péssimo

foto: rômulo fialdini/projeto leonilson


Leonilson se profissionaliza, realizando uma ator”, diverte-se Zerbini.
exposição individual.
Outro amigo e parceiro de trabalho foi o artista

foto: rômulo fialdini/projeto leonilson


NO CENTRO DE UMA NOVA GERAÇÃO alemão Albert Hien. Os dois se conheceram na
A entrada no cenário artístico brasileiro ocorreu Bienal de São Paulo em 1985 e realizaram duas
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num momento em que as galerias procuravam exposições conjuntas: em 1986, em Munique, e


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novos talentos para renovar suas coleções. “An- em 1988, em Amsterdã. “Nosso relacionamento O que Você Desejar, o que Você Quiser,
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tonio Dias nos apresentou em outubro de 1982. foi como o de irmãos que se encontraram depois Eu Estou Aqui, Pronto para Servi-lo, 1990,
costura e cabide de cobre, 132 x 42,5 cm.
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Ele tinha 25 anos. Trouxe uma pasta de dese- de um tempo separados. Havia muita coisa em Coleção particular
nhos e ao vê-la tive a certeza de que a proposta comum. É claro que a maneira poética de re-
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Luiz Zerbini
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SEU PIONEIRISMO NA LINGUAGEM FEZ DELE UM PRECURSOR, QUE ABRIU


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Converso no Seio de Cristo, 1993, tinta J.L.B.D., 1993, bordado sobre veludo, 14 x 12,5 cm. O Perigoso, 1992, tinta preta a pena sobre papel,
CAMINHO PARA OS COLEGAS DE SUA GERAÇÃO. GOSTARIA DE VER ELE VELHO. preta a pena sobre papel, 15,5 x 8,5 cm. Coleção Família Bezerra Dias 30,5 x 23 cm. Coleção Inhotim, Minas Gerais
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POR SER MUITO RANZINZA, DARIA UM VELHO ENGRAÇADO.” Coleção Rita e Marcelo Secaf
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cidades
leonilson

REPORTAGEM |
REPORTAGEM |

presentar o mundo real e os símbolos em nosso ENFIM, O AMOR A relação amorosa servil também aparece como
trabalho foi um vínculo entre nós também”, ob- A produção de Leonilson sempre fez alusões à tema, por exemplo, no bordado sobre voil O que
serva Hien, com quem Leonilson trocou extensa sexualidade, ao homoerotismo e aos encontros e Você Desejar, o que Você Quiser, Eu Estou Aqui,
correspondência por vários anos. impossibilidades do amor. Leitor do poeta grego Pronto para Servi-lo, de 1990. Em entrevista a
Constantin Cavafy, entre outros autores que Lagnado, o artista afirma que todas as suas obras
A marchand Regina Boni, galerista de Leonilson exploram as possibilidades eróticas dos relacio- são objetos de desejo. “Uma das características
por oito anos, “depois de tê-lo assediado por 18”, namentos humanos, o artista criou uma narrati- do meu trabalho é a ambiguidade. Os bordados
também manteve uma forte amizade com o artis- va poética por meio de versos e frases soltas que revelam a minha ambiguidade na minha relação
ta. Além da arte, a afinidade dos dois passava pela integraram toda a sua obra. como homem”, observou.
gastronomia. “Ele sempre ia jantar na minha casa.
Eu fazia seus pratos prediletos: torta de frango e, A temática já aparecia nos anos 1980, com Com a doença, sua produção passa a ter um
de sobremesa, tiramissu ou bolo de laranja. Ele pinturas de contexto fetichista e erótico, segun- tom autorreferente, melancólico e confessional,
foi uma das grandes paixões da minha vida, um do analisa Lagnado em Leonilson: São Tantas como se fizesse um ato de contrição por meio
filho para mim.” Regina foi uma das pessoas mais as Verdades. O amor era por vezes associado à da obra de arte. O símbolo do infinito surge
próximas de Leonilson depois da descoberta da espiritualidade, como na obra Voilà Mon Coeur, também com o desenho de peixinhos, como em
infecção pelo vírus HIV, em 1991. de 1990, em que reproduz no verso uma fala de J.L.B.D., bordado de 1993. Exemplo maior é a
Jesus Cristo a São João Batista (“Aqui está meu série de sete desenhos O Perigoso, de 1992, em
A doença mudou radicalmente a vida e a obra coração, faça dele o que você quiser”), além da que ironiza sua condição. O amor passa de uma
do artista. “Ele se tornou mais introspectivo e frase que dá nome a esta reportagem. pulsão carnal a um sentimento universal, e a es-
autocrítico”, relembra Thomas Cohn. Lagnado piritualidade se aprofunda. “O trabalho me aju-
escreveu: “o assombro da doença sobre a obra é Outras obras falam do desejo, como a pintura da. Nele, coloco minha força. Ele não me deixa
antigo. [...] Mas o ano do compromisso do artista Jogos Perigosos, de 1989, que traz as inscrições esmaecer. Fico fazendo esses trabalhos como
com a tomada de consciência da passagem por “Esses jogos perigosos/Não são guerra/Nem orações. É como uma religião que fornece os
este mundo seria 1991 [...] quando [...] formal- estão no mar ou no espaço/Mas por detrás de um símbolos. Meu trabalho é mais guiado por esse
mente encontra uma maneira de expressar o in- óculos e um par de jeans”. A figura da ponte inútil, sentido do que pelo valor estético”, declarou à
quietante ‘eu’ que o habita. Seria o ano do teste”. que não consegue ligar dois pontos, é recorrente. crítica de arte.

As cidades são o amor que aprendemos a amar desde crianças

Albert Hien
ELE ERA UM ILUSTRADOR GENIAL E UM OBSERVADOR ATENTO DA SOCIEDADE. TEXTO mariana lacerda
SE ESTIVESSE VIVO E NÃO OBTIVESSE MAIS SUCESSO NO MERCADO DA ARTE,
PROVAVELMENTE ENVEREDARIA PARA A LITERATURA E O CINEMA.”

De onde vem e como nasce o amor que temos por algumas cidades que segundo Lacan. É a mãe quem nos informa, ainda que sem saber, que
conhecemos? Por que elas são tão especiais e nos fazem, até, adormecer somos uma pessoa inteira. E mais, é ela quem nos empresta os primei-
LEONILSON EM SEGUNDOS Leonilson está em cartaz no Itaú Cultural melhor? Como explicar o apego a certos territórios, lugares que parecem ros traços de personalidade, bons ou não. A mãe, por sua vez, é produto
Na Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais você encontra várias informações sobre Leonilson, como a biografia até 29 de maio com a exposição Sob o traduzir em tijolo, cimento e telha nossos desejos de dias tranquilos? de uma cultura. “E a cidade é parte privilegiada da manifestação da
Peso dos Meus Amores. Saiba mais em cultura”, diz Lúcia.
do artista e a cronologia de sua carreira, além de imagens de obras. Nascido no Ceará em 1957, ele morou toda
itaucultural.org.br/leonilson.
a vida em São Paulo, mas era um cidadão do mundo. Ao realizar obras de arte como quem escreve um diário, o Cineastas e poetas já se debruçaram sobre esse assunto. O turco Orhan Pamuk,
artista tornou-se famoso. Após a morte, em 1993, sua produção tem sido cada vez mais aclamada como uma das que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2006, por exemplo, dedicou Talvez por isso mesmo Michel de Certeau, em seu livro A Invenção do
principais criações artísticas brasileiras. Acesse e confira: itaucultural.org.br/enciclopedias. um livro inteiro à sua Istambul, dando à obra o nome da cidade (Cia. das Cotidiano (Vozes, 2002), tenha escrito: “Praticar o espaço é portanto repe-
Letras, 2007). Os músicos do conjunto português Madredeus têm um CD tir a experiência jubilatória e silenciosa da infância”. A palavra metrópole,
só para Lisboa. E no Recife, nas vésperas de carnaval, não se canta outra aliás, deriva do grego, em que “mete” significa mãe e “poli” cidade.
coisa senão o refrão: “Quando eu me lembro que o Recife está longe a
AMIGOS E PARCEIROS ARTÍSTICOS saudade é tão grande que eu até me embaraço”. Trata-se do Frevo Nº 2 do Por isso é possível imaginar que exista uma relação, “inconsciente por de-
Se você gostou das obras de Leonilson, conheça trabalhos de outros Recife, composição de Antônio Maria, jornalista e escritor pernambucano finição”, diz Lúcia, no modo como vivenciamos a cidade e a infância. Além
artistas da Geração 80 que conviveram e trabalharam com ele. que morava no Rio de Janeiro. A canção é um exemplo da transformação disso, existem ainda os significados simbólicos que damos aos lugares que
foto: sergio guerini

em arte desse sentimento coletivo de apego a uma cidade. testemunharam partes importantes de nossa vida.
foto: rômulo fialdini

Há alguns anos, a arquiteta e urbanista Lúcia Leitão, pesquisadora da Cinemas, livrarias, praças, por exemplo, são testemunhos sólidos de fatos
Universidade Federal de Pernambuco, dedica-se a entender, à luz da psi- que aconteceram e não foram fruto da imaginação, da lembrança. É isso
canálise, os mecanismos que nos levam a transformar ruas, casas, escolas, igre- que possibilita que nasça dentro de nós a feliz sensação de pertencimento
jas em símbolos de uma experiência pessoal e, posto que única, insubstituível. espacial, “sem a qual nós nos sentiríamos exilados em nossa própria casa”,

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diz Lúcia. Em outras palavras, nós nos apegamos a uma cidade. Sentimen-

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Em um dos seus estudos, Lúcia comparou a cidade ao espelho de Jacques to, portanto, que nos leva a nos referir a ela como “a minha cidade”, embora

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Lacan, um dos pais da psicologia moderna. Em sua teoria do espelho, o se trate de um ambiente coletivo por natureza.

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psicanalista francês discorre sobre os momentos em que nós, ainda bebês


(mais precisamente entre o quinto e o 18º mês de vida), começamos a Não seria exagero imaginar que modificar ou apagar os espaços de um

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entender quem somos. Na verdade, bebezinhos costumam ver a si mesmos lugar seja o mesmo que roubar um pedaço importante do sentido de nossa

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como partes fragmentadas. Os pés, por exemplo, que comumente levam à existência. Mantê-los vivos é acolher as narrativas, as histórias de quem
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boca, parecem não lhes pertencer. Olhar no espelho é ter talvez o primei- ali está ou partiu. Não sem razão, o sociólogo J. Dewitte, em um artigo
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LUIZ ZERBINI SÉRGIO ROMAGNOLO DANIEL SENISE LEDA CATUNDA ríssimo sinal de que ele, o bebê, é um ser completo. intitulado “A Unidade na Multiplicidade” (La Revue du M.A.U.S.S., n. 14,

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Barra 7 (Tela 6), 1995, acrílica Sem Título, 1993, plástico Atlas, 1982, óleo sobre tela, Véus Coloridos, 1998, acrílica sobre 1999), escreveu: “Se por um acaso eles [os habitantes de uma cidade] se

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sobre tela, 200 x 200 cm moldado, 160 x 210 cm. 230 x 190 cm. Coleção Gilberto tecido, 102 x 75 cm. Acervo Banco PRESENÇA DE PEDRA esquecerem do que são, é suficiente, por assim dizer, retornar a esse lugar

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Coleção do artista Chateaubriand/MAM, RJ Itaú S.A., São Paulo O segundo sinal que temos de quem somos vem, e agora o sentido do para se recordar: ele é, na sua presença de pedra, a recordação sensível do

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espelho é figurado, pelos olhos dos outros, particularmente os da mãe, que eles são”.

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CONTINUUM
jovens cantoras

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REPORTAGEM |

Tema número 1 na música popular brasileira, o amor continua a sair da


boca das novas cantoras tanto quanto no passado, embora as chances
de finais felizes sejam maiores agora

TEXTO fernanda castello branco FOTOS andré seiti

AMOR
É
VELHO
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MENINA
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Bárbara Eugênia: “Quando

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estamos sofrendo, a inspiração
vem muito mais” CONTINUUM
itaucultural.org.br/ CONTINUUM
jovens cantoras

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REPORTAGEM |

izem que Dalva de Oliveira, sensualidade e na ironia. “Percebi que as músicas a viver (“Amor I Love You”). “Antigamente as
fora do palco, era alegre. Essa que eu escolhia estavam longe desse amor não cantoras viviam mais o coração rasgado”, define
alegria, no entanto, só os que puderam convi- correspondido. Não defini um conceito previa- Tulipa Ruiz. “Hoje em dia, dá para fazer músicas
ver com a cantora viram de perto. O público mente, mas tive uma predileção pelas canções de amor com final feliz, de forma mais leve”, diz.
enxergava Dalva, a “Rainha da Voz” nos anos mais sensuais. O amor mais sensorial, mais irôni-
1930, encarnada numa espécie de personagem co e menos dramático”, analisa. Há quem não acredite que a grande mudança do
desesperada, cantando o amor e suas desilusões. amor cantado ao longo dos tempos sejam essas
Em cena, ela não era triste sozinha. Muitas letras A paulistana Ana Cañas, que, se pudesse, teria nuances de alegria e tristeza. “Para mim, isso
e interpretações marcantes entraram na história escrito “Olha”, de Roberto e Erasmo Carlos, não é uma questão. Tenho músicas que falam do
para comprovar que a turma da desilusão amo- conseguiu se distanciar do amor de casal e amor triste e outras que falam do amor feliz. Nun-
rosa era grande: o “Adeus, Querido”, na voz de explorou terrenos ligados ao aspecto familiar. ca parei para pensar se ia fazer uma música de
Ângela Maria (“E em nome do amor/Que houve “São canções que vão entrar no disco novo”, um jeito ou de outro”, afirma Nina Becker. “Acho
entre nós dois/Deixemos pra depois/O adeus”); anuncia. “Nelas eu canto sobre o amor que sinto que o que muda de geração para geração é o jei-
a fossa incomparável de Maysa; o “Amor, Meu pela minha incrível avó e pelo meu falecido pai. to de cantar, a forma de colocar a voz. No entan-
Grande Amor”, de Ângela Ro Ro; o “Amor Per- Foi difícil escrever sobre esses amores. Demorei to, a maneira de falar sobre o amor não mudou
feito”, de Clara Nunes; todas as dores de Dolores a colocar para fora do jeito que eu gostaria, mas muito. Acho até que hoje em dia essa abordagem
Duran; o samba-canção na voz potente de Nora finalmente consegui falar sobre eles”, completa. é mais careta”, completa a cantora.
Nei; Elis Regina, bem ali, totalmente dramática,
“Atrás da Porta”. Outra canção sobre amor familiar também previs- Segundo os ouvidos de Márcia Castro, “a gente
ta para um disco futuro foi composta pela carioca vive um momento em que as interpretações são
O amor é velho e menina, já diria Tom Zé. Seja radicada em São Paulo Bárbara Eugênia para mais clean, sem muitos arranjos dramáticos. ‘Atrás
doído como na era do rádio, tranquilo como um seu sobrinho. “Quero chamar algumas crianças da Porta’, cantada por Elis Regina, é um clássico
barco a deslizar nas águas da bossa nova ou múl- para fazer o coro, mas é só uma ideia. Ela ainda desse estilo dramático”, analisa. Karina Buhr Ana Cañas canta e compõe
tiplo como em tempos mais modernos, ele seguiu não tem nome e está anotada apenas no meu concorda com Nina Becker e acredita que “não sobre o amor, mas aquele
que sente pela avó
sendo cantado por muitas outras mulheres: Maria caderno”, conta. tem regra” na hora de compor. “A vida pessoal de
Bethânia, Gal Costa, Nara Leão, Joyce, Miúcha, quem escreveu é uma coisa menor do que a letra,
Diana, Zizi Possi, Marina, Simone. O tempo pas- Abrir o leque a vários tipos de amor é mesmo que é fantasia”, explica.
sou, os nomes são muitos, mas até hoje o amor se uma saída para não ser repetitivo, especialmente
NOUTRAS PALAVRAS, SOU MUITO ROMÂNTICO FAÇA SUA ESCOLHA
desdobra em inúmeros versos que costuram boa quando se trata de intérpretes em busca inces- Da aclamada estreia, com Efêmera (2010), ao
Intérpretes reafirmam o poder da canção de amor Se falar de amor já é difícil, muito mais é ter de escolher apenas uma entre
parte da música popular brasileira. sante por novidades. “Eu já cantei quase todas as caminho que vai levar ao segundo disco, pre-
tantas interpretações inesquecíveis sobre o tema. Mas elas conseguiram
formas de amor, porque eu o vejo de uma maneira visto para 2012, Tulipa Ruiz diferencia bem as
“O amor é um tema muito importante na vida das maior, mais ampla. Não que o amor entre duas suas composições feitas em momentos alegres e
Nina Becker Sou romântica. Adoro novela. Adoro todas essas coisas que Karina Buhr São tantas! Sou ruim de escolher uma, mas a primeira que
pessoas e inevitável no trabalho do compositor. É pessoas não seja grande, diverso, mas a forma tristes. “Escrever sobre o amor na alegria é mais
as pessoas acham bobas. O amor romântico e a canção formaram o meu me ocorreu foi “Da Maior Importância”, de Caetano Veloso, por Gal Costa.
uma necessidade vital que obviamente aparece como ele é tratado o deixa muito restrito e doloro- celebração. Na dor, é muito reflexivo. Reflexão
emocional, o meu imaginário, a minha cabeça e o meu coração. Então, eu
na música”, analisa a carioca Nina Becker. “Beber so”, explica a maranhense Rita Ribeiro. e pulsos cortados. Acho mais difícil escrever na Tulipa Ruiz Gal Costa em “Da Maior Importância”. E o vídeo é
tenho apego a essas coisas.
o amor, se embriagar, sofrer ou celebrar esse sen- dor, porque você fica conceituando. Fundo do o mais sensual da face da Terra.
timento é uma coisa que a gente vai fazer a vida Se antes o ofício de cantora andava de mãos poço e lama não me inspiram”, conclui. Tulipa Ruiz Eu me considero romântica, mas, às vezes, em situações que
Zélia Duncan Vou citar duas: “Atrás da Porta”, com Elis Regina,
inteira”, diz a paulista Tulipa Ruiz. Zélia Duncan dadas com a palavra romântica, a inclusão de são românticas demais eu fico um pouco ruborizada, envergonhada. Fico
e “Explode Coração”, com Maria Bethânia. Mas há tantas outras...
concorda: “Mudam as formas, as palavras dão situações corriqueiras nos repertórios imprimiu No entanto, mesmo em época de pouca fossa, há com vergonha e não quero assumir. Sou uma romântica disfarçada.
cambalhotas, se disfarçam, mas sempre desembo- mais personalidade e ampliou as possibilidades, também a turma que se inspira mais na tristeza. Bárbara Eugênia Eu adoro “Estou Completamente Apaixonada”,
Zélia Duncan Sou romântica, mas não tenho essa preocupação em relação
cam nesse tema em algum momento”. permitindo passeios destemidos por novos ca- “Quando estamos sofrendo, a inspiração vem muito gravada pela Diana.
ao trabalho, não escolho os temas antecipadamente, deixo fluir. Só que não
minhos. Hoje a pernambucana Karina Buhr canta mais. Fico curtindo aquilo e daí escrevo”, confessa me incomoda em nada o romantismo. Márcia Castro Uma interpretação que eu acho fabulosa é a de
Com tanto amor assim, para todo o sempre, seria sobre o conflito no Iraque (“Nassiria e Najahf”) e Bárbara Eugênia. Para Zélia Duncan, esses períodos Maria Bethânia cantando Gonzaguinha: “Grito de Alerta”.
Rita Ribeiro Claro que sou romântica. Gosto desse romantismo muito co-
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possível esperar novidades? A baiana Márcia sobre a lei de incentivo à cultura (“Ciranda do também são ricos. “Eu me sinto mais profunda, mais Bethânia cantando aquilo é lindo.
mum na música. Sou uma cantora romântica, mesmo não cantando sempre
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Castro não espera. “É o assunto mais desgastado Incentivo”). Márcia Castro canta sobre o esporte conectada com meus sentimentos”, afirma.
o amor afetivo. Ana Cañas “Atrás da Porta”, com Elis Regina, e “Ne Me Quitte Pas”,
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e por isso há uma dificuldade em encontrar um favorito do brasileiro (“Futebol para Principian-
com Maysa. Essas duas empatam.
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jeito novo de abordá-lo. Sempre que você ouve tes”) e Tulipa Ruiz sobre um atraso na ida para o Até quem aposta no “escracho” prefere falar de Márcia Castro Sou muito romântica. Talvez por isso eu nem queira refor-
uma canção de amor, acha que já ouviu aquele cinema (“Pontual”). amor na tristeza. “É mais fácil compor nas crises. çar esse lado meu nas músicas. Já sou tanto isso! Catarina Dee Jah Dolores Duran cantando “Fim de Caso”.
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verso, que aquele sentimento já foi traduzido de Depois você se emociona, releva, dá risada. Eis
Ana Cañas Eu me considero uma pessoa apaixonada pela vida e seus Nina Becker Uma música que eu acho linda é “Você Não Sabe Amar”,
algum modo. Eu considero o amor um dos temas DE UM AMOR EM PAZ (OU NÃO) o poder da música!”, garante a pernambuca-
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percalços. de Dorival Caymmi. Ela expressa os sentimentos profundos de uma


mais delicados de cantar”, afirma. Se Maysa assumia em alto e bom tom que tinha na Catarina Dee Jah. O coro da tristeza quase
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forma poética.
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pensado em morrer de amor (“Andei sozinha, necessária para falar de amor é engrossado por Bárbara Eugênia Sou totalmente romântica. Incurável.
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OUTROS AMORES cheia de mágoas/Pelas estradas de caminhos Ana Cañas. “Quando fico mais angustiada e
Karina Buhr Costumo dizer que sou uma romântica defeituosa.
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Uma solução que Márcia Castro encontrou para sem-fim/Tão sem ninguém que pensei/Até em infeliz, o jeito que eu tenho para lidar com isso é
No site da CONTINUUM você encontra vídeo exclusivo com um
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incluir o amor em seu disco de estreia (Pecadinho, morrer, em morrer”), Marisa Monte canta leve e compondo. O violão torna-se um grande compa- Catarina Dee Jah Sou artista, qualquer pessoa que se presta a viver de bate-papo sobre amor, carreira, lançamentos, dificuldades e
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de 2008), sem cair na mesmice, foi apostar na fagueira que o amor acalma, acolhe a alma e ajuda nheiro na fossa”, conclui. arte é romântica. alegrias das cantoras da nova geração.
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minicontos
FICÇÃO |

Só vigia um ponto negro

Ele foi o primeiro grande amor da minha vida, o cara com quem eu quis
casar e ter filho. Éramos jovens e descobrimos que, para viver um grande
amor, às vezes é preciso encarar uma dose de mágoa.

Ele tinha banda, groupies, uma vez pedi pra uma amiga queimar uma delas
com o cigarro e fui atendida. Olhava o celular dele, ficava puta se ele dava aten-

SEXO,
ção a quem não devia. Ciúme típico de quem podia virar a esquina e aprontar.

Hoje, nem “feliz ano novo” ele me dá. Perdi as contas das vezes que olhei a vida
dele pelo Facebook – meu coração vinha na garganta quando ele colocava

MENTIRAS
uma música pra namorada nova, uma foto dos dois. Era uma vida sem a gente.

Nos meus sonhos ele ainda aparece. Outro dia, quis contar que Patti Smith
escreveu “Caminhos que se cruzam voltarão a se cruzar”. Robert era o

E POSTS
menino que queria ser mau, ela era a menina má. Juntos, viveram princípios
opostos, luz e trevas, um pouco de tudo. Bem assim, como a gente.

DANIELA ARRAIS é jornalista, blogueira e DJ. Mantém o blog donttouchmymoleskine.com.


O título do seu conto vem de um verso da música “O Ciúme”, de Caetano Veloso.

Quatro escritores produziram pequenos contos sobre


certos aspectos do amor: luxúria, ódio, medo e ciúme.
Filhotes

ILUSTRAÇÃO zé otávio Eu quero chorar.


Chora não. Ajuda aqui, vamos limpar tudo antes de mãe chegar.
Não tá certo.
E o que pai faz toda vez que bebe tá certo?
Mesmo assim a gente não podia ter feito isso.
E deixar ser machucado o tempo todo? Ficar sangrando num canto? Não.
Era nossa obrigação cuidar dele.
Agora só a gente é que vai apanhar.
Vem logo, vamos esconder tudo, enrolar num lençol e depois a gente diz que
ele fugiu, que ninguém viu.
Deixa eu chorar, meu Deus.
Não. Garoto agora tá salvo e vai ter vida eterna. Daqui a pouco ele volta.
Facas Feito Jesus?
Feito Jesus. A gente só precisa esperar três dias.
“Puto!”, ela pensou. Com os dentes. Encarava com tanta força que podia até
arrancar a cabeça dele fora do pescoço. Ele, facas na mão, também olhava ADRIENNE MYRTES publicou A Mulher e o Cavalo e Outros Contos (Alaúde); A Linda
História de Linda em Olinda (Escala), em parceria com Marcelino Freire; e participou de
fixo pra ela, mas seu olhar varava, ia até o infinito, sereno. Uns seis, sete me- coletâneas como o e-book Possibilidades da Fotografia Contemporânea: Mezanino e
tros longe dela, ela encostada na tábua. Como sempre. “Puto!”, ela pensou, Portfólio (Itaú Cultural).

de novo. E ele começou a atirar as facas. Matinê de sábado, lombra, pouca


gente, maçã do amor a 0,50. Normal. Só mais três facas: as duas da cara,
uma de cada lado, e a do cocuruto. Ela, de novo, “Puto!”, pensou, imagens na Orgasmo mensal
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cabeça, o filme mais velho do mundo: a contorcionista, loira de um amarelo


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intenso, carne nova, nem fala português direito, romena, chegou outro dia, Porra, esse motel exacerbou, a comida aqui é boa demais, disse ele. Uhmmm,
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contente, se via pela janela do trailer, por cima dele. “Puto!” A penúltima faca chega a dar arrepio, disse ela. Foi a melhor sacada pra comemorar nossos 30
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roçou suave a sua orelha esquerda. Assustou. “Puto!”, ela disse, baixinho. anos de casamento, disse ele. A gente podia vir mais vezes, sussurrou ela. É,
Com os dentes. Quase uma lágrima no canto do olho direito. Deu a impres-
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nunca comi tão bem assim, disse ele. Eu nunca fui tão feliz, disse ela. Chega
são que ele notou essas coisas, seu olhar tava um pouquinho diferente de transinha requentada, disse ele. Olha, tou toda molhada, disse ela. Ah, que
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enquanto lançava a última faca. tesão, uma foda dessas por mês nem fica tão caro, gemeu ele. Ai, bem, acho
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Quem foi ao circo aquele sábado – quase ninguém – conta que o ingresso – que enfim vou ter um orgasmo, gemeu ela. Vai, putinha, goza, gritou ele, antes
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muito barato – valeu cada centavo. de ejacular sobre o jantar íntimo no melhor motel da cidade.
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Leia os minicontos de Adriana Lisboa, Andrea Del


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MAURÍCIO PEREIRA é músico. Com André Abujamra, formava Os Mulheres Negras. Fuego, Antonio Prata, Bia Abramo, Daniel Galera, Ferréz, JOÃO SILVÉRIO TREVISAN publicou, entre outros, Em Nome do Desejo, Ana em Veneza,
Na carreira solo, é autor da maioria de suas canções. Ao enviar o texto acima, afirmou Giulia Moon, Ivana Arruda Leite, Luiz Ruffato, Rodrigo ganhador dos prêmios Jabuti e APCA de 1995, e Devassos no Paraíso, todos pela
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não lembrar a última vez que escreveu uma ficção. Levino e Zéu Britto em itaucultural.org.br/continuum. Editora Record. É colunista da revista G Magazine.
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fotos: ernst moritz
casa rietveld schröder

CASA QUE
MUSEUS DO MUNDO |

Cadeira Vermelha Azul e fachada da casa –

SE TRANSFORMA
formas assimétricas e cores primárias
como o abstracionismo de Mondrian

Integrada ao Museu Central de Utrecht, na Holanda, a Casa Rietveld Schröder,


marco da arquitetura moderna, guarda uma história de amor

TEXTO carlos costa

Em 2010, o governo da Holanda homenageou PARCEIROS ATÉ A MORTE


a memória do arquiteto Gerrit Rietveld (1888- Truss e Rietveld se empenharam por um ano
1964) promovendo o ano Rietveld. Estrela maior no projeto, a tal ponto de a obra ser considerada
do neoplasticismo na arquitetura, ele foi tema da uma parceria do casal. Depois de concluído, SCHRÖDER E RIETVELD SE EMPENHARAM POR UM ANO NO
exposição O Universo de Rietveld, que terminou o imóvel abrigou, no térreo, o escritório do PROCESSO DE CRIAÇÃO DA CASA, A TAL PONTO DE A OBRA
em fevereiro de 2011, no Museu Central de Utrecht, arquiteto até 1933. A dupla repetiu a parceria: SER CONSIDERADA UMA PARCERIA DO CASAL.
e de outras atividades, como a digitalização dos ela criava interiores de projetos dele e produziu
mais de mil objetos criados por ele, agora dispo- textos sobre arquitetura e design. Truus virou
níveis em catálogo on-line. referência do feminismo na Europa, e Rietveld
um dos grandes nomes da arquitetura moderna.
Fora da Holanda, Rietveld é conhecido ape- Após a morte de sua esposa, em 1958, o arqui-
nas no meio dos arquitetos e designers, e sua teto foi morar com a viúva na casa, onde ambos
grande obra, localizada numa via chamada Prins morreram. Ele, em 1964, aos 67 anos. Ela aos 95
Hendriklaan, em Utrecht, é pouco conhecida. anos, em 1985. compartimentos fixos são: o banheiro e a caixa transformando os ambientes, que são extrema-
de escada. O restante é [...] subdivisível com mente abertos e naturalmente iluminados.
Construído em 1924, o pequeno edifício de for- Dois anos depois, o edifício, reformado, tornou- painéis corrediços, que podem transformar o
mas geométricas assimétricas e cores primárias, se um espaço aberto à visitação, integrado ao amplo espaço em espaços menores [...]. Os destaques estão ligados às teorias do neo-
similar a uma pintura do também holandês Piet Museu Central de Utrecht. Em 2000, foi tombado plasticismo. Não existem adornos e todos os
Mondrian, chama-se Casa Rietveld Schröder. É como patrimônio histórico da humanidade pela Cristina ressalta que a casa Rietveld Schröder é objetos são funcionais. O tampo de uma mesa
um ícone da arquitetura moderna e materializa Unesco, por ser “expressão notável do gênio o primeiro edifício construído de acordo com os se transforma no painel que veda a claridade da
uma estética que traduziu os ideais revolucio- criativo humano” e “ocupar lugar seminal no de- princípios do neoplasticismo. Por isso, “seu in- janela, o sofá vira uma cama e móveis retráteis
nários de libertação e reconstrução da socieda- senvolvimento da arquitetura na era moderna”. terior possui um mobiliário intimamente ligado ou dobráveis são comuns.
de do início do século XX. A casa corporifica à concepção arquitetônica. A casa se apresenta
também a história de amor clandestino de seus PAINÉIS CORREDIÇOS com uma independência visual de cada um dos Outras soluções também entraram para a histó-
arquivo

criadores, uma viúva e um arquiteto casado. A arquiteta Cristina Ortega defendeu na Faculdade componentes, que se destacam cromaticamente, ria da arquitetura e ainda despertam importan-
de Arquitetura e Urbanismo da USP, em 2003, para identificar diferentes elementos e a separa- tes questões. Os elementos construtivos foram
A viúva, Truus Schröder-Schrader, mãe de três fi- um mestrado no qual discutia o diálogo entre ção física dos planos”. pré-fabricados, com a intenção de baixar os cus-
lhos, culta e rica, após a perda do marido, em 1923, a casa e um dos principais objetos desenhados tos. As formas são puras, blocos retangulares; as
resolveu construir uma moradia adaptada a suas por Rietveld, a Rood-Blauwe Stoel (Cadeira Além da leveza e flexibilidade, a arquiteta su- cores, simples, indicam usos e funções das áreas
necessidades e a conceitos sobre vida em família Vermelha Azul). Cristina produziu um dos raros blinha na obra o uso das cores. “Azul, amarelo e e objetos. O artifício de paredes que correm,
e o papel da mulher na sociedade. Para o desafio, textos em português que descrevem a edificação: vermelho, assim como os acromáticos, branco, no andar superior, transformando os quartos
contratou o então marceneiro Rietveld, com quem cinza e preto, estão presentes no interior e no ex- em um grande vão, foi pensado por Truus para
havia, dois anos antes, reformado um ambiente “O pavimento térreo abrigou um vestíbulo terior, como que sublinhando cada componente: integrar os filhos à vida dos adultos.
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da residência em que vivera com o esposo. com acesso para o pavimento superior, um plano ou longitudinal”, completa.
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banheiro, área de serviço, e dois ambientes que Vale salientar que, nos anos 1920, não era
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Rietveld morava com a mulher e seis filhos e era tiveram diversas finalidades – um deles foi, du- ADULTOS E CRIANÇAS comum uma mulher contratar um arquiteto,
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um promissor designer de móveis ligado a um rante sete anos, o estúdio de Rietveld – e uma Mas o que torna a construção tão surpreenden- muito menos se intrometer de forma tão decisi-
movimento artístico admirado por Truus e do cozinha planejada. [...] No pavimento superior te? Com cerca de 140 m2, o imóvel possui formas va em um projeto.
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qual um dos mais importantes representantes foram projetados: as salas de jantar e estar, O casal em foto de 1936 inovadoras até hoje e esconde um interior tão
foi Mondrian: o neoplasticismo. três dormitórios e um banheiro. Os únicos notável quanto o exterior. Nela, tudo tem uma
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HISTÓRIA ENCOBERTA
função, inclusive as cores; e as paredes deslizam, Segundo a curadora de design do Museu Central
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casais de artistas
casa rietveld schröder

E N tapas
T Re beijos
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SAIBA MAIS SOBRE O NEOPLASTICISMO

CURIOSIDADES |
MUSEUS DO MUNDO |

Idealizado pelo artista plástico Theo van Doesburg com o pintor Piet Mondrian, o neoplasticis-
mo pregava a eliminação das formas históricas, das técnicas tradicionais e da distinção entre
as artes, utilizando elementos puros e cores primárias. De Stijl, estilo em holandês, era o nome
da revista impressa de 1917 a 1932, na Holanda, que divulgou o movimento e influenciou, entre
outros, os cubistas, o grupo da Bauhaus e o arquiteto Mies van der Rohe.

O corte de excessos era regra geral. Segundo Mondrian, dois procedimentos guiavam as cria-
ções: redução dos elementos às unidades básicas (linha, plano e cor primária) e rearticulação
segundo princípios assimétricos. Van Doesburg escreveu um texto composto de 17 pontos

© the estate of francis bacon/licenciado por autvis (brasil, 2011)


conceituando o movimento na arquitetura. Esses preceitos se tornaram realidade na Casa
de Utrecht, Ida van Zijl, o relacionamento do Rietveld Schröder.
arquiteto com a viúva é notório há tempos.
“Quando começou, em 1924, era muito difícil

jannes linders
a aceitação social, mas, ao mudar para a casa, 1. Abolir a simetria e a repetição.
Rietveld já era um arquiteto bastante conhecido O equilíbrio pode ser obtido por
e a relação foi aceita pela maioria.” meio de diferenças, ao contrário
da igualdade simétrica do

Ida escreveu um livro sobre a casa, The Rietveld classicismo.

Schröder House, editado em inglês pela Paperback,


2. Os volumes que se sobressaem
no qual a história sentimental do casal é co- às fachadas, como as
mentada, levando-se em conta o contexto so- varandas, são consequência
cial da época, de forte influência protestante, do dimensionamento que se dá
e que os personagens envolvidos tinham uma do interior para o exterior, o que
natureza introvertida. Referências ao relacio- confere uma nova expressão
namento também surgem em declarações de plástica à volumetria.
parentes, como Han, filha da viúva, que dizia
que a mãe havia coberto com uma sombra o
kim zwarts

relacionamento com Rietveld. 3. As paredes fixas foram


suprimidas, em consequência
Segundo Ida, em 1974, em uma entrevista, Truus uma nova planta é concebida:
Tríptico Em Memória de Geroge
assumiu o relacionamento: “Entre o jovem aberta, que possibilita a Dyer, Francis Bacon, 1971
integração entre os espaços
arquiteto e a jovem mulher se desenvolveu uma
exteriores e interiores, onde luz
relação... que cresceu para um grande amor que
durou por toda a vida”.
e transparência são elementos Os casais célebres sempre atiçaram a curiosidade alheia, seja pela fama, seja pelas histórias conturbadas que se tornaram
essenciais.
públicas. Conheça a seguir três casais notórios, cujas relações – de amor e ódio – influenciaram suas trajetórias profissionais.

Ernst Moritz
O MUSEU
O Museu Central de Utrecht abriga a maior co-
4. A nova arquitetura é aberta. Um
leção de desenhos de Gerrit Rietveld do mundo. TEXTO andré seiti
cômodo pode ser subdivido em
O arquiteto é responsável por mais de cem pro- espaços menores, por meio de
jetos de edifícios construídos na Holanda, inclu- divisórias móveis. Os ambientes
sive o turístico Museu van Gogh, em Amsterdã, são transformáveis e ágeis. Francis Bacon & George Dyer registrou as crianças em seu nome. As crises de ciúmes se intensificaram.
além de quase mil objetos, como os criados para Certo dia, em 1964, o pintor anglo-irlandês Francis Bacon surpreendeu um Em 1909 Anna abandonou Euclides para ficar com o amante. Em 15 de
a casa da Prins Hendriklaan. jovem tentando arrombar sua casa. Em vez de chamar a polícia, o artista agosto daquele ano, Euclides descarregou seu revólver em Dilermando,
kim zwarts

resolveu “adotar” o meliante, George Dyer. Desse encontro surgiu uma das que revidou alvejando o escritor até a morte. Sete anos depois, o filho de
5. A cor é um dos meios
Outra atração é a obra de Dick Bruna, artista grandes paixões e obsessões da vida de Bacon e que viria a influenciar toda Euclides com Anna, para vingar a morte do pai, atirou no amante da mãe,
elementares para fazer visível
contemporâneo que desenhou diversos perso- a harmonia e as relações a sua produção. Dyer, criado em uma família de criminosos, passou boa novamente sem êxito: ferido, Dilermando matou o enteado. Em ambos os
nagens infantis, entre eles um coelho chamado arquitetônicas. Os quadriláteros parte de sua juventude frequentando centros de detenção, devido a peque- casos, foi absolvido, declarando legítima defesa.
Miffy (em holandês Nijntje), bastante conhecido dos pisos resumem a proposta nos roubos. Extremamente vaidoso e alcoólatra, encontrou em Bacon uma
na Europa e no Japão. cromática do neoplasticismo. espécie de figura paterna e passou a ser tema de grande parte das obras Ronaldo Bôscoli & Elis Regina
do amante. No entanto, afogava-se cada vez mais no álcool – sustentado O casamento da cantora Elis Regina com o produtor musical Ronaldo
O acervo contém ainda vasta coleção que abran- financeiramente por Bacon. Às vésperas de uma importante exposição, em Bôscoli durou cinco anos e rendeu um filho, João Marcello Bôscoli, e
ge diversos movimentos artísticos, com foco em Consultoria: Cristina Ortega Paris, sobre a carreira de Bacon, Dyer morreu de overdose de barbitúricos. A inúmeros barracos que fizeram a festa das colunas sociais da época. Os

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arte contemporânea e na produção de Utrecht. morte, então, tornou-se um tema constante na obra do pintor. dois se conheceram em 1964, quando Bôscoli e Luiz Carlos Miele produzi-

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Entre os artistas com maior relevo estão os anti- ram shows de Elis no Beco das Garrafas, no Rio. Os produtores se desen-

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gos mestres da pintura holandesa Jan van Scorel, Euclides da Cunha & Anna de Assis tenderam com a cantora, que começou a faltar às apresentações. Bôscoli

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Abraham Bloemaert e Hendrick ter Brugghen. Traição, ciúme e assassinatos. O enredo de romance policial marcou a descobriu Elis cantando em outras casas e mandou pichar os cartazes nos
Visite virtualmente a Casa Rietveld Schröder relação amorosa entre o escritor Euclides da Cunha e sua esposa, Anna quais aparecia o nome dela. Em contrapartida, ela boicotou os artistas do

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world-heritage-tour.org (europe/benelux/netherlands/rietveld-schroder)
Composto de quatro edifícios restaurados (um de Assis. Ambos se conheceram por intermédio do major Sólon Ribeiro, Beco das Garrafas em seu programa televisivo, O Fino da Bossa. Por ironia

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antigo convento medieval, um orfanato, está- Acesse o site do Museu Central de Utrecht pai de Anna. Ficaram casados por 15 anos e o final do relacionamento se do destino, Miele e Bôscoli foram convidados pela direção da Rede Record
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centraalmuseum.nl

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bulos militares e um hospital psiquiátrico) ao tornou um caso de polícia. Durante as longas ausências do marido (que a assumir a produção do programa da cantora, que despencava na audi-
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redor de um pátio central, no centro da cidade, o Conheça mais sobre a obra de Rietveld (inclui catálogo on-line) viajava a trabalho como engenheiro militar), Anna, com 34 anos, conheceu ência. Bôscoli e Elis fizeram as pazes e se casaram, em dezembro de 1967.

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rietveldjaar.nl/en
museu tem entradas de 9 a 20 reais. Para visitá- o tenente Dilermando de Assis, 17 anos mais jovem. Tiveram um caso e Os desentendimentos voltaram e a crise se refletiu nas apresentações: o

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lo e também a Casa Rietveld Schröder há preços Leia sobre o neoplasticismo na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais dois filhos (um deles morreu ainda bebê e o outro era chamado por Eu- show É Elis saiu de cartaz antes do fim da temporada, em 1972, e a cantora

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especiais e é bom estar atento aos horários, que itaucultural.org.br/enciclopedias


clides de “a espiga de milho no meio do cafezal”, por ser o único loiro em acusou o marido de obrigá-la a subir no palco com oito meses de gravidez

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podem ser consultados no site da instituição. uma família de morenos). Apesar da desconfiança, o autor de Os Sertões para ganhar dinheiro.

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* fotos cedidas pelo Museu Central de Utrecht

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BALAIO

NA VIDA E NA ARTE DICAS PARA QUEM QUER IR ALÉM DA REVISTA

LITERATURA
fotos: divulgação

Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe (Martins Martins Fontes, 2007)


Obra que marca o início do romantismo, narra a desventura de um amor não correspondido. As cartas
trocadas entre Werther e seu amigo Guilhermine, o narrador, dão a intensidade da verdadeira devoção
do personagem por Charlotte, que, comprometida com outro homem, rejeita o rapaz, apesar de tam-
bém amá-lo. Não vendo outra solução, Werther entrega-se à morte, fim de seu tormento. Lançado em
1774, o romance teve enorme impacto na sociedade alemã, causando uma série de suicídios de jovens
que, como Werther, amavam demais. Há teorias de que esta seja uma narrativa autobiográfica: o con-
turbado amor de Werther e Charlotte teria, na verdade, sido vivido por Goethe, porém sem o desfecho
trágico do suicídio.

Carta a D. – História de Um Amor, de André Gorz (Cosac Naify, 2008)


CINEMA O austríaco André Gorz, teórico da esquerda libertária e pioneiro do pensamento ecológico na década de
1970, conheceu a inglesa Dorine (Doreen) Keir em 1947, na Suíça. Viveram 60 anos juntos. Ela sofria de
O Inferno de Henri-Georges Clouzot, de Serge Bromberg e Ruxandra Medrea, documentário, rara doença degenerativa, causada pelo acúmulo de uma substância que lhe fora injetada durante uma
2009, 94 min; em DVD, 2010, 102 min, com extras radiografia de coluna. No entanto, bem menos do que uma descrição desse sofrimento causado por erro
Imagine a situação: em 1964, um dos mais talentosos diretores franceses recebe carta branca médico, Carta a D., último livro de Gorz, é o registro de um amor urgente e também um balanço final de
(em outras palavras, uma verba considerável) para fazer um filme. O roteiro posto em ação é um anos de parceria e convívio. A carta aberta se sustenta e emociona justamente pela sinceridade contida
thriller de suspense e ciúme, estrelado por uma atriz em ascensão naquele momento, a bela em cada linha de amor declarado. Nela está escrito: “Nós desejaríamos não sobreviver um à morte do
ARTES VISUAIS
Romy Schneider, e a locação é nada mais nada menos do que a Provença. Três semanas de fil- outro” e, de fato, nessa história de amor, todos os pontos foram vividos a dois, inclusive o final.
magem e o diretor, pressionado por prazos e por dar conta de sua empreitada, entra em profunda
Oneness, de Mariko Mori
depressão, deixando o trabalho inconcluso. Esse seria o desfecho da história de O Inferno (L’Enfer),
Oneness é unidade em inglês e o título da mostra
cujas cenas repousaram por 40 anos até ser redescobertas e dar origem a este documentá-
de dez trabalhos da artista japonesa Mariko Mori,

foto: beto scliar


rio, que disseca a história por trás do filme. No roteiro de Clouzot – que anos depois inspiraria O
exibida em Brasília e em itinerância pelo Rio de
Ciúme – O Inferno do Amor Possessivo (1994), de Claude Chabrol –, um gerente de hotel (Serge MEMÓRIA
Janeiro e São Paulo, nas sedes do Centro Cultural
Reggiani) vai gradativamente enlouquecendo devido ao ciúme que sente por sua esposa (Romy
Banco do Brasil. É a primeira vez que trabalhos da
Schneider). Para demonstrar a alucinação do personagem, as cenas mudam do preto e branco Moacyr Scliar (1937-2011)
artista, nome essencial na produção contempo-
para um colorido psicodélico, gerando imagens de grande impacto visual e extrema sedução. Moacyr Scliar não vive mais entre nós. Permanece
rânea, chegam ao público brasileiro. A curadoria
é do italiano Nicola Goretti e a exibição já passou nos mais de 70 livros que publicou em 73 anos de
pela Holanda, pela Dinamarca e pela Ucrânia. vida, findos em fevereiro. Gaúcho, judeu, torcedor
Entre as obras, desenhos, vídeos e instalações, do Cruzeiro, médico, deixou vaga uma cadeira
HQ da Academia Brasileira de Letras, esposa, filho
há o trabalho que batiza a exposição – círculo de MÚSICA
seis alienígenas, confeccionados em material e netos e a unânime recordação de um homem
Lost Girls, de Alan Moore e Melinda Gebbie (Devir Livraria, 2007)
entre sólido e suave (technogel) –, que interage ao bem-humorado, inteligente e de escrita cuidadosa.
Com desenhos de Melinda Gebbie e texto de Alan Moore, é um Bibi Ferreira Brasileira – Uma Suíte Amorosa,
toque do visitante e alude ao conceito budista de Contribuiu para o registro da história judaica bra-
clássico dos quadrinhos adultos que reúne em uma história de Bibi Ferreira (Biscoito Fino, 2011)
unidade. A monumental Wave Ufo, híbrido de má- sileira (O Centauro no Jardim, 1980, entre outros),
refinada, de traço erótico e repleta de referências históricas e Para comemorar os 70 anos de carreira, Bibi
quina e escultura, com mais de seis toneladas, em eternizou a lembrança do sanitarista Oswaldo
literárias, três personagens fictícias: Alice (Alice no País das Ma- Ferreira, uma das maiores atrizes do país, que no
formato de cápsula, permite a três visitantes por Cruz (Sonhos Tropicais, 1992) e enriqueceu a lite-
ravilhas), Dorothy (O Mágico de Oz) e Wendy (Peter Pan). Adultas, palco já deu vida a Edith Piaf e Amália Rodrigues,
vez sentar e ver fundir-se, em tempo real, suas ratura brasileira, com um particular gosto pela fan-
elas se encontram em um hotel na Áustria, antes da Primeira em espetáculos que fazem parte da história do
ondas cerebrais em som e imagem projetados no tasia. Dois livros ganharam as telas, Caminho dos
Guerra Mundial, para rememorar suas aventuras sexuais. No teatro nacional, resolveu cantar a música brasi-
ambiente. Mariko Mori mora em Nova York e jus- Sonhos (Lucas Amberg, 1999) e Sonhos Tropicais
texto de Moore, escritor premiado e reconhecido como um leira. O CD, com direção musical de Francis Hime,
tapõe o pop ocidental das ficções científicas às (André Sturm, 2002). Saiba mais sobre o escritor
dos principais nomes dos quadrinhos no mundo, a pornografia é recheado de clássicos de Dorival Caymmi,
filosofias orientais zen, criando outros mundos. na Enciclopédia Itaú Cultural de Literatura Brasileira
adquire densidade existencial. Os seis primeiros capítulos da Vinicius de Morais, Tom Jobim, Chico Buarque. As
(itaucultural.org.br/enciclopedias)
história vieram a público encartados em edições da revista de canções se sucedem sem pausa, apenas cos-
Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (9 de
HQ americana Taboo, em 1991. No Reino Unido e nos Estados maio a 17 de julho) e São Paulo (22 de agosto a 23 de turadas pelo piano de Hime, em clima intimista.
novembro) Entre os bons momentos estão a releitura meio
Unidos, as edições da obra completa geraram polêmica pelo uso
de personagens infantis num contexto sexual. No Brasil, está falada, meio cantada de “Todo Amor que Houver
na terceira tiragem. Depois do trabalho juntos, Moore e Melinda Nessa Vida”, de Cazuza, e “Vambora”, sucesso de
tiveram um romance e estão casados até hoje. Adriana Calcanhotto.

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BALAIO.COM

economia criativa
REPORTAGEM |
googleartproject.com
A Google pôs no ar em fevereiro último mais uma ferramenta que a ajudará em seu
objetivo de organizar toda a informação do mundo. No Google Art Project, o usuário é
convidado a passear por 17 dos maiores e melhores museus do mundo. Ao clicar em
qualquer obra, com recursos de aproximação, surgem detalhes invisíveis a olho nu.
Cada reprodução de tela chega a ter 7 bilhões de pixels. Isso corresponde a cerca de
mil vezes mais definição do que fornece uma câmera digital. Outro recurso possibilita
ao usuário escolher as obras de que mais gosta em cada museu e formar uma coleção.
Para isso, é necessário criar uma conta. Interatividade bem semelhante se encontra em
outro site, o Artfinder (artfinder.com), no qual internautas postam comentários, formam
galerias de obras preferidas e as compartilham nas redes sociais.

CULTURA, UMA NOVA MOEDA


O setor cultural faz girar, anualmente, no Brasil cerca de R$ 380 bilhões, e a economia criativa propõe novos modelos de gestão

TEXTO pedro henrique frança ILUSTRAÇÃO estevan pelli


adobemuseum.com
O Adobe Museum of Digital Media (AMDM) é o primeiro e único
museu estritamente virtual. O artista americano Tony Oursler foi
o escolhido para a inauguração, em fevereiro deste ano, com a Há tempos o jornalista e produtor Rodrigo mudanças econômicas e sociais, as atividades de do sem um olhar da Secretaria da Economia
thecreatorsproject.com
mostra Valley. Em março foi a vez de ABC, de John Maeda, designer Maia se interessava pelos conceitos de Crea- serviços ligados ao conhecimento foram reconhe- Criativa”, observa a ministra.
Um bom lugar na internet para descobrir novos artistas e
e cientista de novas mídias, seguido, em abril, pela artista japonesa tive Commons, Open Business e licenças de cidas como detentoras de um impulso e projeção
saber o que está acontecendo de mais interessante nos
Mariko Mori. O AMDM conta com a curadoria de Tom Eccles, diretor software. O que é uma série de palavrões para que superou o foco das atividades industriais”. O EXEMPLO DA MÚSICA
campos da cultura e da tecnologia é o site The Creators
do Center for Curatorial Studies and Art in Contemporary Culture, alguns para ele eram ferramentas que ajudavam Em outras palavras, a força da grana. Em 1997, Reinaldo Pamponet [leia artigo na próxima
Project. Criado em 2010 com o objetivo de celebrar,
do Bard College, Nova York. Ao entrar no site, reserve tempo para a disseminar conteúdo sem os entraves da velha o primeiro ministro inglês Tony Blair percebeu página] utiliza a tecnologia para fazer a cultura
incentivar e divulgar projetos criativos de produtores
carregar as páginas que abusam de recursos de áudio e vídeo. Todo burocracia. Depois de assistir ao documentá- o potencial do setor cultural para reerguer a girar. Em 2002, deixou o cargo de executivo na
espalhados pelo mundo, também funciona como um
o conteúdo está em inglês. rio A Era da Estupidez (The Age of Stupidity, economia inglesa, integrando essas atividades no Microsoft para promover inclusão digital pela
estúdio de criação de conteúdo. Em 2011, seu compro-
2009), Rodrigo viu que poderia ir mais longe grupo que chamou de Indústrias Criativas. música. Para ele, a prometida revolução que
misso de apoio à arte foi ampliado com o The Studio,
com esses mecanismos. Para ser realizado, o esse modelo econômico pode insurgir ainda
iniciativa que pretende facilitar a produção e a divulga-
filme inglês utilizou o crowdfunding, sistema Como define Lala Deheinzelin, consultora e em- é incipiente. “Há uma discussão grande sobre
ção de novos trabalhos, bem como colaborações entre
de financiamento colaborativo em que pessoas preendedora cultural, “é uma nova economia ba- conjuntura quando temos de falar de estrutura.
artistas de diversas áreas. A distribuição de conteúdo
investem em projetos em troca de benefícios seada em recursos intangíveis, como criatividade, A economia criativa vem justamente questionar
acontece na rede e em mais uma variedade de veículos,
como dedução de imposto de renda, convites cultura, experiência”. Está na música, no cinema, esse modelo industrial: ela está mais centrada
como televisão, celular e mídia impressa. Também são
ou o nome nos créditos finais. Foi dali que veio no design, na arquitetura e até na moda, a exemplo na produção de subjetividade do que na de
realizados eventos em centros culturais de cidades como
a ideia que ele e seu irmão, Thiago Maia, e mais da São Paulo Fashion Week, que discute o modelo objetividade. Vivemos um momento ímpar, mas
Nova York, São Paulo, Londres, Seul e Pequim.
dois amigos colocaram na rede: o Multidão de produção em fóruns paralelos às passarelas. não estamos sabendo aproveitar.”
(multidao.art.br), plataforma que abre espaço
para artistas divulgarem trabalhos e buscarem O segmento cultural representa uma das Pablo Capilé também viu na música um jeito de
patrocínio para concretizar suas obras. três maiores indústrias do mundo e faz girar, ajudar os outros e, sobretudo, redesenhar a econo-
anualmente, no Brasil cerca de R$ 380 bilhões, mia. Com o Espaço Cubo, implantou, em Cuiabá
issuu.com/itaucultural/docs/possibilidades_da_fotografia Rede e internet são concomitantes nessa moda- segundo a Federação das Indústrias do Estado (MT), um centro que se tornou polo musical e, com
A memória de dois projetos do Itaú Cultural ligados à fotografia está registrada no e-book Possibilidades lidade de negócios que vem pavimentando um do Rio de Janeiro (Firjan). A pauta chegou ao outros movimentos, articulou o festival Fora do
da Fotografia Contemporânea: Mezanino e Portfólio. Em 2004, foi realizada a primeira edição do Mezanino novo jeito de fazer cultura e ganhar dinheiro: a Ministério da Cultura e é uma das prioridades Eixo. Ele observa que é a “circulação de conheci-
de Fotografia, voltada a novos talentos da produção fotográfica contemporânea. Dois anos depois, a litera- economia criativa. O termo nasceu na Austrália da gestão, que criou uma pasta designada mento livre que dá oportunidade a quem tinha
tura também passou a ser contemplada, e o projeto ganhou nova dimensão. Essa mudança de foco exigiu nos anos 1990. No livro Guia Brasileiro para exclusivamente para o assunto, gerenciada dificuldade”. Isso só foi viabilizado em razão da
uma troca de nome e assim surgiu o Portfólio. Quem baixar o e-book terá acesso a textos atualizados dos Produção Cultural 2010-2011 (Edições Sesc SP), por Cláudia Leitão, ex-secretária da Cultura conexão de pequenos empreendimentos que apro-
catálogos das exposições, a um conjunto de entrevistas inéditas com curadores e idealizadores e a uma de Cristiane Olivieri e Edson Natale, o tema do Ceará. “Essa secretaria é transversal e veitam a mistura de moda, música, teatro, cinema
seleção de imagens das obras apresentadas, entre outros conteúdos exclusivos. é citado: “[...] este conceito surgiu quando em trabalhará perpassando todos os programas e literatura para escoar conteúdo, tendo a internet
alguns países industrializados, em função das do ministério. A ideia é que nada seja realiza- como principal canal.

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reinaldo pamponet filho

lourenço Mutarelli
QUADRINHOS |
ARTIGO |

ECONOMIA
ilustração em foto de guilherme castoldi

Reinaldo Pamponet Filho


PARATODOS
Fundador da Eletrocooperativa e da Rede Itsnoon
(itsnoon.net), marketplace de economia criativa

Este século traz a novidade das mídias sociais, o mundo mais conectado e Em última instância o que sustenta o indivíduo de fato é a “riqueza” da sua
aparentemente mais próximo. Ao mesmo tempo, temos uma sensação es- subjetividade. Criar é o espaço da geração da vida e da evolução. O ciclo
quisita, como o Paradoxo de Gramsci: “Uma velha ordem agoniza enquan- da criação oxigena, traz novidades, gera novas formas de ver e fazer, em
to uma nova ordem parece não ser capaz de nascer”. O modelo econômico um fluxo orgânico e sustentável. Ainda, criar supõe refletir, inquirir, estudar,
clama para ser redesenhado, o meio ambiente e as sucessivas crises são potencializando os indivíduos e colocando-os em uma posição de igualdade.
claros sinais de que alguma coisa está fora da ordem...
Gosto muito do conceito da economia criativa porque é uma grande
E nós, brasileiros, de uma hora para outra somos a bola da vez. País das possibilidade em si mesma; abre o espaço da abundância (criação) a algo
tendências, Cristo Redentor decolando, Copa do Mundo, Olimpíadas e um que está patinando nas suas limitações e/ou artificialidades da escassez
fosso muito grande entre o que parece ser uma sociedade desenvolvida e (economia dita convencional). A nossa capacidade de criar é o nosso bem
o que somos de fato. Nunca nos acostumamos nem nos preparamos para mais precioso, e quanto mais exercitado mais tende a aumentar. O que
essa hora, que me faz pensar em uma frase que ouvi outro dia: “Está muito precisamos é desenvolver modelos que possibilitem a geração de fluxos e
difícil viver e ser exemplo ao mesmo tempo”. interações contínuas dos indivíduos hoje conectados.

Não há melhor momento para descolonizarmos de vez o olhar sobre nós A economia criativa traz benefícios pelo viés econômico, porque criar é em
mesmos e perceber o que temos de único e valioso. Precisamos reforçar si um ato fundamental de aprendizagem integral – ao conjugar a subjeti-
o papel do indivíduo como parte fundamental e protagonista dessa histó- vidade do indivíduo com a sua capacidade de fazer acontecer, aprender
ria. Assim, reinventar a forma como trabalhamos hoje é um dos desafios, consigo mesmo e com os outros com base em interações. Uma sociedade
e a economia criativa, uma das grandes possibilidades, junto com a que ganha com o que aprende. Não seria fascinante exercitarmos o apren-
economia verde. der (criar) e ainda se sustentar economicamente com essa criação?

Sustentar-se é ser capaz de viver bem sem causar prejuízo a outras pessoas. O Esse é o espaço econômico que quero ajudar a construir. Espaço em que
que leva ao prejuízo é o que hoje enaltecem: tornar a sociedade cada dia mais a abundância esteja presente e o conceito de elasticidade seja percebido
produtiva, com crescimento material, dentro de uma economia extremamen- como uma borracha de bodoque, que puxamos ao máximo para lançar
te carbonizada e baseada na produção de coisas (objetiva) e não no fortaleci- ideias, inspirações e sentimentos. E que as pessoas se sintam mais alegres,
mento de processos humanos para produção do intangível (subjetiva). inspiradas, amorosas e ricas. Espaço que se consolida em “ser mais” – mais
você e mais o que você valoriza. Sem demandas desnecessárias e consu-
Economicamente, valorizamos demais o que temos e o que vemos, e de mos destrutivos, mas um consumo que estimule o potencial maior de cada
menos o que sentimos ou criamos. O filósofo português Agostinho da um. Um consumo que faça expandir nossa vida e nossa consciência.
Silva disse que “o homem não veio ao mundo para produzir e sim para
criar” – na ânsia de produzir, vejo o Brasil com modelos de negócios ainda Avante e vamos inaugurar um espaço econômico para todos. E já que a
mal estruturados para surfar a grande onda da economia criativa, e com moda é o crowd, essa é uma verdadeira possibilidade de crowd economy,
baixo investimento em novas saídas, limitando o potencial econômico e em que cada um pode participar interagindo com o outro com o que tem A CONTINUUM convidou Lourenço Mutarelli para estrear a seção Quadrinhos, que será composta
quiçá arriscando a perder a oportunidade... de melhor – você mesmo! de histórias exclusivas em seis capítulos. Um folhetim em HQ. Apresentamos o primeiro capítulo.

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artes visuais
jornalismo cultural
educação, cultura e arte

Estão abertas as inscrições para o Rumos 2011


Mais informações itaucultural.org.br/rumos

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