Texto publicado no Programa de Concerto da - OSESP - Orquestra Sinfônica do Estado de
São Paulo, Fevereiro de 2000. Projeto Criadores do Brasil. Foi também publicado no encarte do CD gravado pela OSESP em 2009 pela Biscoito Fino, com obras de Francisco Braga gravadas pela primeira vez (Jupyra, Cauchemar).
Susana Cecilia Igayara
Cauchemar, que significa Pesadelo, foi escrita em Paris, em 1895. Nessa
época, Francisco Braga está radicado na França, onde foi aluno de Jules Massenet. Romântica em sua temática e em sua elaboração, Cauchemar soma-se ao Episódio Sinfônico, Paysage, Marabá, outras obras que demonstram a vocação prioritariamente sinfônica do compositor. Depois da estadia na França, que muito influenciou sua produção, Braga irá para Viena, Áustria, e Dresden, Alemanha. Visitará Bayreuth duas vezes, e Wagner será uma influência importante. No conjunto de sua obra, Braga transita livremente entre o romantismo europeu e a tendência de aproveitamento dos materiais musicais nacionais. Tem entre seus amigos representantes das duas correntes, como Henrique Oswald e Alberto Nepomuceno. O poema sinfônico Cauchemar traz como epígrafe um texto de Shakespeare: Tive um sonho! Está aquém da capacidade humana dizer o que foi o meu sonho...Não há olho de homem que tenha visto, nem orelha de homem que tenha ouvido, nem mãos de homem que tenham tocado, nem sentido que tenha concebido, nem língua que tenha exprimido em palavras o que foi o meu sonho. Tomado isoladamente, o texto parece bastante enigmático, o que torna a música enigmática também. Na verdade, trata-se de uma fala da personagem Bottom, no Sonho de uma Noite de Verão. Podemos reter, da epígrafe, o espírito de fantasia sobre o amor deste sonho que, em Francisco Braga, é pesadelo. Braga destina o fagote para um solo inicial que já expõe toda potencialidade expressiva do tema, com cromatismos que serão bem explorados durante a obra. Cheia de gradações dinâmicas, com crescendos e decrescendos do pianíssimo ao fortíssimo, Cauchemar trabalha o movimento, a transitoriedade, e foge ao clima estático. O tratamento da orquestra por naipes, formando acordes pelo agrupamento de instrumentos semelhantes, valoriza o elemento harmônico, em que se percebe uma predileção pela harmonia tensa, que explora o uso de suspensões harmônicas. Alguns elementos aparecem no decorrer da obra, como se fossem constantes: a intervenção do tímpano, algo soturna, anunciando sempre o mesmo intervalo de 5a, as rápidas escalas cromáticas, interferindo e competindo com o desenvolvimento temático, os coros de trompa, insistindo sobre a mesma ideia (em Shakespeare, são as trompas que trazem o despertar do sonho).