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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DISCIPLINA: História do Tempo Presente – Historiografia e Metodologia
Professora: Dra. Márcia Ramos de Oliveira
Discente: Patrícia Carla Mucelin
PAPER: HARTOG, François. Regimes de Historicidade: Presentismo e experiências
do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. P. 133-191.

No quarto capítulo de seu livro, “Regimes de historicidade”, denominado


Memória, História, Presente, François Hartog nos mostra a diferença na relação com o
tempo, de Chateaubriand a Pierre Nora com a obra “Lieux de mémoire” (1993).
Partindo de uma visão do tempo como progresso, e aperfeiçoamento para a escrita de
Nora, que não evocava nenhum tempo progressista, mas se prendia ao círculo do
presente e observava o desaparecimento da memória nacional francesa, e a conseguinte
necessidade do seu inventário.
O “Lieux de Memoire” não restabelece o regime moderno de historicidade e
assim o autor se serviu da obra de Nora para mostrar as temporalidades mobilizadas
pelo gênero da história nacional francesa ao longo de sua história. Inicialmente ele
demarca o regime moderno. A exigência de previsões vem substituir as lições da
história, o passado já não explica mais o futuro e o historiador está em busca do único,
em oposição à exemplaridade: “A história passou a ser essencialmente um ultimado
dirigido pelo Futuro ao Contemporâneo” (p. 138).
Enquanto na história magistra havia uma lição da história, segundo a qual o
futuro repetia o passado tal e qual, no regime moderno, se ela existe, ela está em um
futuro que deve romper com o passado, pois é diferente dele. Hartog não descarta,
entretanto, que tenham existido crises da ordem do tempo do regime moderno – assim
como existem questionamentos em qualquer regime de historicidade estabelecido. O
autor explica que um regime de historicidade não é, afinal, uma entidade
metafísica e de alcance universal, mas antes uma maneira de traduzir e ordenar
experiências no tempo, ou seja, articular e dar sentido ao passado, presente e
futuro. Um regime de historicidade instaura-se lentamente, é contestado assim que
é instaurado, mas mesmo nunca completamente instaurado, dura muito tempo.
Não seria essa constatação sobre o regime de historicidade uma volta à historia
magistra? Ou seja, o que Hartog prevê sobre o fenômeno que descreve é que ele sempre
vai se instalar e predominar da mesma maneira em todos os tempos históricos? Será que
podemos ser tão enfáticos, em especial, se pensarmos nos regimes de historicidade que
o Brasil atual está vivenciando? É possível prever regimes de historicidade?
Hartog explica também que passar de um regime ao outro implica em períodos
de sobreposição com interferências que podem ser, muitas vezes, trágicas, como a
revolução. O século XX acabou por aliar futurismo e presentismo. Mas o presente
dominante não surgiu de um dia para o outro. A sociedade pode contar apenas
com o seu presente, mas podem ocorrer estratégias para valorizá-lo ou para se
tentar sair dele o mais depressa possível.
As inovações tecnológicas e a busca de benefícios cada vez mais rápidos tornam
obsoletas as coisas e os homens, assim o consumo atual tende a valorizar o efêmero.
Especialmente a mídia, é acelerada para o ao vivo, comprime o tempo ao produzir e
consumir. Outro instrumento presentista é o turismo, o mundo inteiro está ao alcance
das mãos em um piscar de olhos. Já o desempregado, sem perspectiva de futuro, conduz
a um presentismo penoso e desesperado. O presente valoriza o imediato: pois produz
o passado e o futuro que necessita.
No momento mesmo em que o presente se faz, ele deseja olhar-se como já
passado, já histórico. Ele tenta antecipar o olhar que será dirigido a ele, como se
quisesse “prever” o passado ou se fazer passado antes de ter acontecido como
presente. Trata-se da tendência de transformar o futuro em futuro anterior. Será
que essa é uma tendência apenas da mídia que muito acelera e compacta? Como o
historiador do tempo presente pode tomar a distância necessária para extrair a análise do
passado de objetos que estão se resignificando, produzindo seu passado e futuro,
continuamente?
O presente, pela ânsia de previsões, cercou-se de especialistas. Assim, o
historiador é requisitado como expert da memória. A partir dos anos 1970 o presente
começa a se mostrar preocupado com a conservação, especialmente dos
monumentos e do meio ambiente. Assim, conservação e renovação tendem a
substituir a tentativa de modernização, procura-se reconstituir um passado extinto
ou prestes a desaparecer: o presente está em busca de suas raízes, da sua
identidade, passa a se preocupar com a memória. Para Hartog entramos
definitivamente nos anos patrimônio: tudo pode ser arquivado, afinal os arquivos
constituem a memória da nação. Já as comemorações definiram um calendário novo da
vida pública.
Esse presente, entretanto, mostra-se inquieto, pois queria ser seu próprio
ponto de vista sobre si mesmo, e não pode fazê-lo: é incapaz de preencher a lacuna
que ele próprio não cansou de aprofundar entre o campo da experiência e o
horizonte de espectativa.
Será que o olhar da história voltada sobre si mesma, sobre os seus próprios
conceitos, sua historicidade e ao estudo dos objetos do Tempo Presente é uma
conseqüência do presentismo em que nós historiadores estamos inseridos? Se no regime
presentista nós produzimos o passado e o futuro (imediatos) de que necessitamos, não
estaríamos lidando então com diferentes regimes de historicidade ou questionamentos
acerca do regime presentista?

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