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A gestação é acompanhada de alterações metabólicas e endócrinas que visam garantir o adequado aporte

nutricional para o concepto. Esse “teste de estresse” em pacientes com reserva pancreática subnormal ou
limítrofe, ou com aumento da resistência periférica à insulina, tem impacto significativo na morbimortalidade
perinatal e materna e constitui um motivo de grande preocupação para os obstetras em todo o mundo.

A placenta funciona como um órgão endócrino durante a gestação. Os hormônios placentários interferem no
metabolismo lipídico, glicêmico e hidroeletrolítico materno com o objetivo principal de fornecer ao feto todos
os nutrientes necessários ao seu crescimento adequado.

 Fase de anabolismo: até 24 a 26 semanas (formação de reservas maternas).


 Fase de catabolismo: > 26 semanas (maior aporte energético para o feto).

Durante a fase de anabolismo, ocorre aumento da produção de lipídios e da glicogênese hepática com
transferência preferencial de glicose para o feto. Ocorre também fisiologicamente a redução da glicemia basal
materna e de jejum. Na fase de catabolismo, o metabolismo glicêmico visa suprir o feto com glicose e
aminoácidos e emprega ácidos graxos livres e cetonas como base para a produção da energia utilizada pela mãe.
Verifica-se, assim, um discreto aumento fisiológico do colesterol e dos triglicerídeos maternos. Para favorecer
essa lipólise ocorre aumento da resistência insulínica com o avançar da gestação por ação do hormônio lactogênio
placentário e da prolactina. Estima-se que a sensibilidade periférica à insulina tenha sua atividade reduzida de
40% a 70% na fase de catabolismo materno.

As classificações do diabetes utilizadas na prática clínica levam em consideração a etiopatogenia da doença.


Segundo a American Diabetes Association (ADA, 2017), temos:

 Diabetes mellitus tipo 1: absoluta deficiência de insulina causada pela destruição células beta.
 Diabetes mellitus tipo 2: causado pela perda progressiva da secreção de insulina associada à resistência à
insulina.
 Diabetes mellitus gestacional: diabetes diagnosticado no segundo ou terceiro trimestre da gestação que
não é claramente um diabetes prévio (overt diabetes).
 Tipos específicos de diabetes em função de outras causas: síndromes monogênicas (como o diabetes
neonatal e MODY 1 a 6) e doenças do pâncreas exócrino (pan-creatite, fibrose cística) induzidas por
medicamentos ou outras substâncias (uso de glicocorticoides, tratamento de HIV/AIDS e após transplantes
de órgãos).
Segundo o The American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG, 2017), o diabetes mellitus
gestacional (DMG) é uma condição em que a intolerância aos carboidratos se desenvolve na gestação. Quando
adequadamente controlado somente com dieta e sem medicações, é classificado como A1DMG; quando a
euglicemia é atingida apenas com a administração de medicações, é chamado A2DMG.
A International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG, 2010), a Organização Mundial
da Saúde (OMS, 2013), a International Federation of Gyneco-logy and Obstetrics (FIGO, 2015) e a American
Diabetes Association (ADA, 2017) recomendam que a hiperglicemia diagnosticada em qualquer momento da
gestação seja classificada como diabetes preexistente em gestante (diabetes na gestação) ou diabetes mellitus
gestacional (DMG). Como diabetes na gestação estão englobados os diagnósticos prévios de diabetes mellitus
tipos 1 e 2 e aqueles que foram realizados durante a gravidez. O DMG consiste no diagnóstico de hiperglicemia
estabelecido geralmente entre 24 e 28 semanas que não preenche os critérios da diabetes mellitus em não
gestantes.
O IADPSG baseou sua classificação nos achados do HAPO Study (Hyperglycemia and Adverse Pregnancy
Outcome). Essa pesquisa, realizada entre julho de 2000 e abril de 2006, envolveu mais de 25 mil mulheres em
15 centros de nove países e teve como objetivo correlacionar níveis crescentes de glicemia em gestantes sem
diabetes mellitus evidente, com os seguintes desfechos primários: peso do neonato acima do percentil 90, taxa
de cesariana, hipoglicemia neonatal e hiperinsulinemia fetal, diagnosticados pela elevação dos níveis de peptídeo
C acima do percentil 90 no sangue do cordão umbilical, e outros desfechos secundários. Os resultados foram
muito claros, mostrando uma associação contínua, independente de outros fatores de risco, dos níveis crescentes
de glicemia materna com taxas de cesariana, hipoglicemia neonatal e valores de peptídeo C no cordão acima do
percentil 90, pré-eclâmpsia, parto prematuro, distocia de ombro, toco-traumatismos, hiperbilirrubinemia e
admissão em unidades de terapia intensiva.
Em 2013, a OMS reformulou seus critérios diagnósticos que não eram fundamentados em evidências até aquele
momento e aceitou a classificação e os critérios do IADPSG com o objetivo de progredir rumo a um padrão
universal de diagnóstico para o diabetes mellitus gestacional.
As recentes diretrizes da ADA (2017) reconhecem que os critérios do IADPSG podem aumentar os custos e levar
ao aumento da medicalização das gestações, mas, mesmo assim, recomendam sua utilização em benefício do
número crescente de mulheres obesas e com diabetes tipo 2 não diagnosticado que ficam grávidas anualmente.
O ACOG (2017) continua a adotar o critério diagnóstico que foi recomendado pelo consenso do National
Institutes of Health (NIH) em 2013 (diagnóstico em duas etapas) por considerar que as evidências disponíveis
são insuficientes para apoiar mudanças nacionais de protocolo que acarretariam altos custos. No entanto, não
contraindica que as instituições ou os profissionais individualmente escolham utilizar os critérios do IADPSG.
A classificação de Priscilla White (1978), por sua vez, avalia a extensão do diabetes e estabelece o prognóstico
de acordo com a idade da paciente, a duração do diabetes e a presença de complicações. Especificamente em
relação ao diabetes gestacional, subdivide as pacientes de acordo com o controle realizado com dieta ou a
necessidade de insulina. Diante de classificações mais simples e recentes, atualmente tem uso limitado na prática
clínica.
São considerados fatores de risco de DMG:

 História pessoal de intolerância aos carboidratos ou de DMG.


 História familiar de diabetes em parentes de primeiro grau (pais e irmãos).
 IMC ≥ 25kg/m2 (sobrepeso ou obesidade) ou excessivo ganho de peso na gestação atual ou entre gestações
anteriores.
 Idade materna > 25 anos.
 Antecedente obstétrico de óbito fetal não explicado por outras causas ou malformações fetais.
 Presença de condições médicas associadas ao desenvolvimento de diabetes, como síndrome metabólica,
síndrome de anovulação crônica hiperandrogênica, uso de corticoides e hipertensão.
Nas mulheres com diabetes diagnosticado antes da gestação, o descontrole metabólico no período da
organogênese está estreitamente relacionado com a ocorrência de malformações. Nas pacientes com retinopatia
pode ocorrer rápida progressão do quadro durante a gestação, podendo ocasionar perda da visão.
O HAPO Study evidenciou aumento crescente da ocorrência de desfechos desfavoráveis associado ao aumento
da glicemia materna na gestação, da prevalência de cesarianas, hipoglicemia neonatal e valores do peptídeo C no
cordão acima do percentil 90, outros distúrbios metabólicos, pré-eclâmpsia, parto prematuro, distocia de ombro,
tocotraumatismos, hiperbilirrubinemia e admissão em unidades de terapia intensiva. A mortalidade perinatal é
mais elevada, atingindo 5,6:1.000 nascidos vivos. A repercussão não é apenas imediata, também ocorrendo a
médio e longo prazo com maior prevalência de obesidade na infância e na adolescência. Além disso, os adultos
submetidos a um ambiente intrauterino hiperglicêmico apresentam maior incidência de diabetes, obesidade,
hipertensão e síndrome metabólica.
As mulheres com diagnóstico de DMG apresentam aumento do risco de diabetes clínico no decorrer da vida. O
ACOG estima que mais de 50% delas podem desenvolver diabetes tipo 2 em 22 a 28 anos, porém esse tempo
pode ser consideravelmente diminuído por influência da obesidade concomitante e em grupos étnicos específicos.
A Biblioteca Cochrane publicou em agosto de 2017 uma atualização de sua revisão sistemática comparando os
efeitos de diferentes protocolos e programas de rastreio para DMG (Tieu e cols., 2017). Os revisores
consideraram que as evidências disponíveis atualmente são insuficientes para definir a superioridade de um ou
outro protocolo com relação aos desfechos maternos e neonatais a curto e a longo prazo, apesar dos benefícios
evidentes do tratamento do DMG e do maior número de diagnósticos realizados quando se adota o rastreio
universal. Assim, segundo vários autores, a decisão de rastreio universal ou com base em fatores de risco para
DMG deve ser tomada considerando a prevalência de hiperglicemia na população e o contexto do local. O
IADPSG (2010), a OMS (2013), a FIGO (2015) e a ADA (2017) recomendam o rastreio universal, especialmente
em países com poucos ou médios recursos, onde se concentram quase 90% de todos os casos diagnosticados de
DMG.
O Ministério da Saúde (Manual Técnico de Gestação de Alto Risco, 2012, e Protocolos da Atenção Básica, Saúde
das Mulheres, 2016) recomenda que todas as gestantes, independentemente da presença de fatores de risco para
DMG, devem realizar uma dosagem de glicemia em jejum no início da gravidez, preferencialmente antes de 20
semanas, ou assim que possível na primeira consulta de pré-natal. Os resultados do rastreio são interpretados de
acordo com a presença ou ausência de fatores de risco, a menos que sejam > 110 mg/dL (nesse caso: repetir
glicemia de jejum e se confirmado > 110mg/dL o diagnóstico é de DMG).
O CAM-IMIP, por sua vez, adota os critérios preconizados pelo IADPSG/OMS. Na primeira consulta de pré-
natal todas as gestantes são testadas para diabetes por meio da glicemia de jejum (de preferência). Os resultados
indicarão se existe diabetes prévio à gestação. Em caso negativo, será realizado rastreio para DMG com 24 a 28
semanas utilizando teste de tolerância com 75g de glicose anidra dissolvida em água (jejum de 8 horas) para
todas as gestantes.
O Quadro 33.5 sintetiza o protocolo do CAM-IMIP e mostra a correlação entre os resultados dos exames e os
diagnósticos das gestantes. O Quadro 33.6 apresenta as recomendações da ADA (2017) para o diagnóstico de
diabetes em qualquer indivíduo. Essas recomendações podem ser utilizadas na gestação e devem ser usadas como
auxiliares na interpretação dos resultados do Quadro 33.5.
Originalmente, o IADPSG (2010) recomendava que fossem consideradas portadoras de DMG as pacientes com
valores de glicemia de jejum na gestação ≥ 92mg/dL, aferidos em qualquer trimestre, com base no risco relativo
de complicações associadas a esse valor. Apesar disso, considerando-se que em gestantes não obesas a glicemia
de jejum cai cerca de 9mg/dL no final do primeiro e início do segundo trimestre e que não existem evidências de
benefícios do tratamento de gestantes antes de 24 semanas, houve muita discussão na comunidade científica
sobre as repercussões desse critério tão rígido: possíveis sobrediagnósticos em gestantes com resultados pouco
acima do va-lor de referência, aumento de custos e repercussões psicológicas nas pacientes.
Em 2013 foi publicado um estudo multicêntrico realizado em 13 hospitais chineses e que envolveu 17.186
gestantes. Foram analisados os prontuários médicos de pacientes submetidas ao protocolo do IADPSG (adotado
oficialmente pelo governo chinês) no primeiro trimestre de gestação (realização de glicemia de jejum – 8 horas)
e comparados os resultados com a curva após sobrecarga de 75g de glicose com 24 a 28 semanas (rastreio
universal).
As pacientes reconhecidamente diabéticas antes da gestação foram excluídas da pesquisa. Os autores concluíram
que as pacientes que receberam diagnóstico de DMG com base na glicemia de jejum do primeiro trimestre
representavam cerca de 26% dos diagnósticos totais de DMG naquela população. Destas, apenas 30%
mantiveram os valores alterados de glicemia de jejum quando realizaram a sobrecarga com 24 a 28 semanas.
Assim, demonstrou-se que, apesar de os valores crescentes de glicemia de jejum no primeiro trimestre estarem
fortemente relacionados com o diagnóstico de DMG por teste de sobrecarga com 75g entre 24 e 28 semanas, esse
dado não pode ser usado isoladamente como diagnóstico de DMG no primeiro trimestre, porque a maioria das
pacientes (mais de dois terços) não desenvolverá DMG com o avançar da gestação.

O principal objetivo do tratamento das pacientes diagnosticadas com hiperglicemia durante a gestação é a
normalização da glicemia a fim de diminuir os desfechos desfavoráveis.
 Monitoramento e objetivos
Segundo uma revisão sistemática publicada pela Biblioteca Cochrane em abril de 2016, ainda não existem
evidências suficientes, oriundas de ensaios clínicos randomizados, que determinem qual a melhor frequência de
monitoramento nem os valores de glicemias-alvo para gestantes com DMG (Martins e cols., 2016). As
recomendações atuais são fundamentadas em opiniões de especialistas com base em estudos de coorte e
observacionais. De modo geral, no início do acompanhamento recomendam-se no mínimo quatro avaliações
diárias: dosagem da glicemia de jejum e glicemias pós-prandiais com 1 hora ou 2 horas. Em 2017, a ADA
unificou os protocolos com os valores--alvo de glicemias para DMG e para diabetes na gestação, tipo 1 e tipo 2.
O objetivo foi simplificar o acompanhamento, mas a organização reconhece que manter esses valores com
segurança pode ser um desafio na prática clínica, principalmente para o diabetes tipo 1, devido a frequentes
hipoglicemias. Nessa situação a recomendação é valorizar a experiência dos profissionais e individualizar os
objetivos. De acordo com o controle apresentado pela paciente, as avaliações poderão ser realizadas a intervalos
maiores, a cada 3 dias por exemplo, buscando maior conforto e redução de custos. Recomenda-se o registro
preciso de todo o monitoramento, se possível acompanhado de resumo da alimentação correspondente e possível
atividade física a fim de controlar a evolução da paciente.

Os valores das glicemias pós-prandiais são preditivos de desfechos perinatais (macrossomia e morbidade fetal).
Assim, isoladamente, os valores da glicemia de jejum não devem ser utilizados como parâmetro para o início da
terapia medicamentosa; alterações apenas no jejum geralmente são controladas com redistribuição da dieta.
Recentemente, a ADA (2016) e o National Institute for Health and Care Excelence (NICE, 2015) defenderam a
inclusão da avaliação pré-prandial nas gestantes com diabetes, associada aos valores pós-prandiais, para ajustes
de dose de insulina à semelhança do que ocorre em não gestantes. Os argumentos têm como base a secreção
fisiológica de insulina, tornando o controle mais rígido. Entretanto, essa prática ainda não foi avaliada por estudos
clínicos randomizados e, em 2017, a ADA a recomenda apenas para gestantes com diabetes preexistente que
fazem uso de insulina em bombas de infusão ou em bolus basal.
Ensaios randomizados evidenciaram que, quando a dosagem pós-prandial é mais próxima, com 1 hora, o controle
glicêmico é facilitado e a incidência de fetos grandes para a idade gestacional diminui, como também as taxas de
cesariana indicadas por macrossomia. No entanto, não existe consenso sobre o melhor intervalo; assim, podem
ser utilizadas tanto as dosagens com 1 hora como com 2 horas.

O monitoramento da glicemia capilar realizado pela própria paciente em seu domicílio, com o auxílio de
glicosímetros, é defendido na literatura como o método ideal de acompanhamento, principalmente porque não
altera a rotina alimentar normal da gestante e fornece parâmetros fidedignos de controle. Recomenda-se que a
gestante e um membro da família sejam adequadamente orientados sobre o manuseio do aparelho e sobre a
importância dos registros, antes do início do acompanhamento, a fim de reduzir a ansiedade e o estresse
relacionado com o procedimento. O custo de manutenção dos aparelhos e de reposição das fitas tem limitado a
universalização dessa prática nos serviços de assistência médica pública do Brasil. Por sua vez, o monitoramento
contínuo (sensores subcutâneos que registram as variações plasmáticas de glicose) teoricamente facilita a
avaliação do período noturno e se correlaciona com variações satisfatórias de A1C (extrapolações de estudos
realizados em não gestantes). No entanto, não existem evidências claras de modificação dos desfechos perinatais
e avaliações de custos, uma vez que os estudos publicados em gestantes com DMG ainda estão limitados a
populações específicas. A esse respeito, a Biblioteca Cochrane publicou em junho de 2017 uma revisão
sistemática comparando as diversas técnicas de monitoramento da glicose em gestantes com diabetes preexistente
(tipo 1 e tipo 2) (Moy e cols., 2017), e os revisores não encontraram evidências de superioridade de uma técnica
em relação às demais.
 Ganho de peso
A obesidade durante a gestação atua como fator de risco independente para desfechos maternos e perinatais
adversos (distúrbios hipertensivos, induções e risco de cesarianas, admissões em unidades de cuidados intensivos,
óbito fetal etc.). Várias estimativas internacionais calculam aumentos de cinco a 16 vezes nos custos dos cuidados
pré-natais em gestantes com sobrepeso e obesas em comparação com gestantes de peso normal. Todos esses
dados adquirem importância especial em pacientes com diabetes. As recomendações gerais sobre o ganho de
peso na gestação, buscando bem-estar fetal, baseiam-se no índice de massa corporal (IMC) e são as mesmas para
as pacientes com DMG ou diabetes preexistente durante a gestação.

 Dieta
A dieta das pacientes com DMG faz parte da primeira linha terapêutica (mudança de estilo de vida) e deve
promover bem-estar materno e fetal, com ganho de peso adequado durante a gestação, mantendo a normoglicemia
e a ausência de cetose (ADA, 2017). Recomenda-se que um profissional de nutrição seja consultado para realizar
um acompanhamento individualizado, mas, na ausência temporária desse profissional, o médico clínico deve
fornecer pelo menos as orientações iniciais. É importante que a dieta recomendada respeite os hábitos pessoais e
culturais da gestante, levando em consideração as atividades físicas desempenhadas ao longo do dia e os
resultados do monitoramento da glicemia.
Normalmente, a gestante necessita de 1.800 a 2.500kcal/dia. Pode-se estimar a necessidade diária em
40kcal/kg/dia (para gestantes abaixo do peso), 30kcal/ kg/dia (para gestantes com ganho de peso ideal durante a
gestação), 22 a 25kcal/kg/dia (para gestantes com sobrepeso) e 12 a 14kcal/kg/dia (para gestantes obesas durante
a gestação). O ACOG (2017) recomenda que a ingestão de carboidratos seja limitada a 33% a 40% da dieta
(preferencialmente os carboidratos complexos que são relacionados com taxas menores de hiperglicemia pós-
prandial). As gorduras corresponderiam a 40% (de preferência as mono e poli-insaturadas) e as proteínas a 20%;
todos esses nutrientes devem ser distribuídos em todas as refeições.
Na prática, recomenda-se o fracionamento da alimentação em três refeições principais e dois a quatro lanches (se
necessários) a fim de reduzir as flutuações glicêmicas pós-prandiais e os longos períodos de jejum. O lanche
noturno evita a cetose durante o período de sono materno e, portanto, é recomendado. Evidentemente, as fontes
de carboidratos devem ser naturais, com proscrição dos açúcares refinados e das gorduras saturadas e trans. O
aspartame deve ser usado com moderação. Normalmente, recomenda-se o consumo > 28g/dia de fibras para
melhorar a constipação e diminuir as variações da glicemia. Os alimentos com baixo índice glicêmico geralmente
são ricos em fibras; além disso, estudos recentes têm encorajado seu uso em pacientes com DMG.

Índice glicêmico: é um indicador com base na elevação da glicose pós-prandial após a ingestão de 50g de
determinado alimento que contenha carboidrato, quando comparado a um alimento de referência – geralmente pão
branco ou glicose. Não depende da composição do carboidrato (se é simples ou complexo), mas da velocidade de
absorção e digestão dos alimentos. Fatores como a presença de fibra solúveis, o nível do processamento do alimento
e a interação amido-proteína e amido-gordura podem influenciar os valores do índice glicêmico.

Não há consenso sobre a melhor dieta, e vários ensaios clínicos já foram realizados. A Biblioteca Cochrane
publicou em fevereiro de 2017 a atualização de uma revisão sistemática em que comparou as dietas recomendadas
para gestantes com DMG (Han e cols., 2017). No total, foram incluídos 19 ensaios clínicos (1.398 mulheres) e a
grande maioria das comparações não demonstrou diferenças significativas para os principais desfechos primários
(pré-eclâmpsia ou hipertensão materna, taxas de cesariana, fetos grandes para idade gestacional, mortalidade
perinatal). Apenas a dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) mostrou uma possível redução do
número de cesarianas (RR: 0,53; IC 95%: 0,37 a 0,76; dois ensaios clínicos, 86 mulheres) quando comparada
com a dieta padrão. Os revisores concluíram que os estudos disponíveis são escassos e pequenos, além de
apresentarem grande variação metodológica, impossibilitando uma análise clara dos benefícios de cada tipo de
dieta. São recomendadas novas pesquisas sobre o tema, incluindo avaliações de efeitos a longo prazo, custos e
qualidade de vida das pacientes durante a dieta. Nesse ínterim, as orientações devem ser individualizadas.
No entanto, existem evidências de que as dietas restritivas em excesso (< 1.500 calorias/dia ou redução de 50%
no consumo) não devem ser utilizadas em virtude do risco de aumento da cetose com consequente prejuízo ao
desenvolvimento neurológico fetal. Esses dados são especialmente significativos em pacientes reconhecidamente
diabéticas tipo 1. Do mesmo modo, não se recomenda a perda de peso, exceto em pacientes acentuadamente
obesas. Como discutido anteriormente, a obesidade é um fator de risco independente para desfechos
desfavoráveis na gestação e atua em associação com o diabetes convergindo para esse fim.
 Exercícios
Na ausência de contraindicações obstétricas ou clínicas, é recomendado um plano de exercícios moderados para
gestantes com DMG adaptado às características de cada paciente. Poucos estudos analisaram os efeitos da
atividade física no acompanhamento de pacientes com DMG. Dados extrapolados de trabalhos em não gestantes
mostram que o aumento da massa muscular melhora o controle glicêmico e a sensibilidade à insulina.
Recentemente, em junho de 2017, a Biblioteca Cochrane publicou uma revisão sistemática avaliando os efeitos
do exercício especificamente em pacientes com DMG (está disponível protocolo ainda sem resultados para
avaliação semelhante em gestantes com diabetes preexistente). Os revisores incluíram 11 ensaios clínicos (total
de 638 mulheres) e os resultados demonstraram redução significativa dos valores de glicemia de jejum (média
da diferença –0,59; IC 95%; –1,07 a –0,11; quatro ensaios, 363 mulheres) e de glicemias pós-prandiais de
gestantes que realizaram exercícios (média da diferença – 0,85; IC 95%: –1,15 a –0,55; três ensaios, 344
mulheres). Além disso, a atividade física auxilia o controle do peso, reduz o risco cardiovascular e promove a
sensação de bem-estar da gestante.
Estima-se que 30 minutos de atividade física reduzam a glicemia em mais de 23mg/dL em mulheres com DMG.
Recomenda-se que a gestante monitore a atividade fetal (movimentação) e a glicemia antes e após os exercícios.
As mudanças de estilo de vida, com
manutenção das medidas de educação
alimentar e da prática de exercícios físicos
no pós-parto de mulheres com história de
DMG, estão associadas a redução
significativa do risco de desenvolvimento
de diabetes tipo 2 no futuro.

 Terapia medicamentosa com insulina


Historicamente, essa terapia constitui a primeira opção medicamentosa diante de controle glicêmico inadequado
com dieta e exercícios em pacientes com DMG. Durante a gestação, podem ser utilizadas insulina regular, lispro,
aspart, NPH e determir, que não atravessam a placenta e têm mostrado segurança nos estudos realizados.
Portanto, as pacientes diabéticas tipo 1 que engravidam podem manter os esquemas em uso com os cuidados
habituais para monitoramento e prevenção da hipoglicemia.
Não existem evidências de que um tipo isolado seja superior ao outro (Cochrane, O’Neill e cols., 2017). Vários
protocolos são propostos de acordo com a disponibilidade dos serviços e os custos na tentativa de simular a
secreção natural e reduzir os desfechos desfavoráveis. No entanto, os esquemas que utilizam combinações de
diversos tipos de insulina são mais utilizados porque apresentam maior probabilidade de sucesso no controle
glicêmico (esquemas individualizados).
Sabe-se que a necessidade de insulina cresce durante a gestação em virtude do aumento progressivo da resistência
periférica. Doses menores podem ser suficientes, mas, em geral, estima-se a necessidade das gestantes com
diabetes em:

 0,7UI/kg/dia: primeiro trimestre


 0,8UI/kg/dia: a partir da 18º
 0,9UI/kg/dia: a partir da 26ª semana
 1UI/kg/dia: a partir de 35º semanas

Em nosso serviço, a insulinoterapia é utilizada em todas as pacientes que dela já faziam uso antes da gestação ou
em diabéticas gestacionais que não conseguem obter um controle satisfatório com a dieta ou com modificações
do estilo de vida. O início da administração geralmente é ambulatorial, acompanhado de monitoramento da
glicemia capilar realizada pela própria paciente duas vezes por semana, utilizando a dose de 0,3UI/kg/dia dividida
em duas tomadas (dois terços pela manhã e um terço à noite). Habitualmente, utilizamos uma combinação de
insulina de ação rápida (regular) com insulina de ação intermediária (NPH), correlacionando a farmacodinâmica
das medicações com os resultados do monitoramento, embora no início da insulinoterapia algumas gestantes
possam ser beneficiadas apenas com a introdução de insulina NPH (dois terços pela manhã e um terço à noite,
este entre 20 e 22 horas).
 Terapia medicamentosa com hipoglicemiantes orais
No passado, o uso de hipoglicemiantes orais era completamente contraindicado na gestação. Atualmente, esse
cenário mudou, apesar de seu uso não ter sido aprovado oficialmente (uso off-label). As vantagens da via de
administração e o baixo custo se somam aos resultados de ensaios clínicos e estudos observacionais que
comprovam os efeitos benéficos semelhantes ao controle glicêmico realizado com insulina sem aumento dos
efeitos adversos materno-fetais a curto prazo. Assim, essas medicações têm sido indicadas para o início do
controle glicêmico em pacientes sem complicações ou como adjuvantes à insulino-terapia em pacientes de difícil
controle por diversas organizações.
No início de 2017, a Biblioteca Cochrane publicou revisão sistemática avaliando os efeitos das diversas terapias
com hipoglicemiantes orais no tratamento de pacientes com DMG. As comparações foram realizadas com
placebo/cuidado padrão (mudança no estilo de vida), entre diferentes hipoglicemiantes orais e entre terapias
combinadas. Os estudos que utilizaram insulina foram excluídos dessa revisão. No total foram incluídos 11
ensaios clínicos (19 publicações envolvendo 1.487 mulheres e seus neonatos) e apenas oito ensaios foram
utilizados para a metanálise. Os revisores concluíram que as evidências atuais são insuficientes para definir a
superioridade de um hipoglicemiante oral em relação aos demais e que a escolha da medicação deve ser baseada
na preferência clínica, na disponibilidade e na adequação aos protocolos nacionais. Novas pesquisas devem ser
realizadas para elucidar esses e outros aspectos, como custos, desfechos a longo prazo e satisfação das mulheres.
As pacientes que antes da gestação faziam uso de inibidores da alfaglicosidase (acarbose), glitazonas, glitinidas,
sulfanilureias de primeira geração, como a clorpropamida e a tolbutamida, devem ter a medicação suspensa e
iniciada a terapêutica com insulina.
Metformina
Essa medicação pertence à classe das biguanidas. A metformina atua reduzindo a produção hepática de glicose e
aumentando sua sensibilidade periférica (captação e utilização nos músculos e no fígado). Além disso, reduz a
absorção de carboidratos pelo intestino delgado e diminui o apetite, aumentando a sensação de saciedade.
Atravessa livremente a placenta e apresenta concentrações fetais em torno de 50% ou mais em relação às
identificadas na circulação materna. No entanto, as taxas de malformações e de hipoglicemia neonatal são
semelhantes às encontradas na população de gestantes que não fizeram uso da medicação. A metformina pode
ser mantida em pacientes que já faziam uso antes da gestação ou iniciada com dose baixa de 500mg/dia, com
reajuste da dose a cada 7 ou 15 dias, de acordo com o controle glicêmico alcançado (máximo: 2.500mg/dia).
Inicialmente, a metformina foi usada em pacientes com diabetes clínico que apresentavam síndrome de
anovulação crônica e infertilidade e, nessas condições, frequentemente é continuada com o diagnóstico da
gestação até o final do primeiro trimestre. Atualmente, o uso des-sa medicação na gestação associada à DMG
tornou-se frequente e vários estudos já compararam os desfechos com o uso de insulina e outros hipoglicemiantes.


 Avaliação fetal
Não existe consenso sobre a periodicidade ou sobre os exames que devem ser realizados para a avaliação do
bem--estar fetal em pacientes com DMG controlado. As gestantes com diabetes gestacional controlado apenas
com dieta, sem macrossomia ou polidrâmnio, são avaliadas a partir da movimentação fetal referida pela mãe.
Consideramos que o feto de uma gestante que está euglicêmica apresenta risco de óbito fetal muito semelhante
ao dos fetos de gestantes sem diabetes. Caso a gestante não consiga controlar a glicemia adequadamente com
dieta e exercícios, necessitando de insulinoterapia e/ou hipoglicemiantes, deverá realizar vigilância fetal
semelhante às pacientes com diabetes clínico preexistente ou diagnosticado na gestação. Essa vigilância pode ser
iniciada com 32 semanas, dependendo da de compensação, ou a partir de 35 ou 36 semanas, se o controle estiver
adequado, apesar da necessidade do uso da insulinoterapia. O mesmo ocorre quando estão presentes
complicações, como a pré-eclâmpsia.
As possíveis abordagens incluem:

 Cardiotocografia: pode ser iniciada a partir de 32 semanas.


 Ultrassonografia: acompanhamento do ganho de peso fetal, associada à realização da dopplervelocimetria.
 Mobilograma: avaliação quantitativa da movimentação fetal. Não deve ser utilizada isoladamente. São duas
as possibilidades de realização: (1) “contar até 10” – com a gestante em repouso, esta deve contar até 10
movimentos fetais em um período máximo de 2 horas (pode interromper se atingir o total antes das 2 horas);
ou (2) até quatro movimentos – gestante em repouso; período de observação de 1 hora (pode interromper a
contagem se o número mínimo de movimentos fetais for atingido antes).

Normalmente, as pacientes com bom controle metabólico e sem outras intercorrências clínicas são acompanhadas
ambulatoriamente em unidade de gestação de alto risco.
 Outros exames complementares
No momento do diagnóstico, devem ser solicitados alguns exames complementares.

Em pacientes com diabetes na gestação:

 A dosagem de hemoglobina glicosilada (A1C) pode ser utilizada para avaliação dos níveis glicêmicos por
ocasião da concepção, como também da confiabilidade dos relatos maternos em relação às dosagens de
glicemia e manutenção da dieta. Não deve ser utilizada para ajustar as dosagens de insulina ou
hipoglicemiantes orais, mas, como tem boa correlação com a presença de macrossomia, deve ser mantida
entre 6% e 6,5%.
 As doenças cardíacas fetais são mais frequentes na população de pacientes com diabetes tipos 1 e 2
descompensados durante a embriogênese. São comuns as anomalias que acometem a saída das grandes
artérias, mas comunicações anormais do septo interventricular também podem ocorrer. Além disso, cerca de
um quarto a um terço dos fetos de mães diabéticas apresenta hipertrofia miocárdica, especialmente do septo
interventricular. Assim, a ultrassonografia morfológica e a ecocardiografia fetal são fortemente
recomendadas para essas pacientes. Em relação aos casos de DMG com morfológico alterado, esses exames
devem apenas ser considerados.
 Deverá ser realizada fundoscopia com avaliação da retina por especialista: nas gestantes diabéticas tipos 1 e
2 e nas com diabetes gestacional nas quais os níveis glicêmicos sugerirem que o diabetes é anterior à
gestação. Em caso de retinopatia, o controle será definido pelo oftalmologista.


 Uma vez ocorrido o parto, com a expulsão da placenta, provavelmente os níveis glicêmicos voltarão à
normalidade. Não há necessidade de manutenção da dieta ou da insulina e não é recomendado
monitoramento da glicemia das pacientes controladas apenas com dieta na gestação. Alguns autores
recomendam a realização de glicemia de jejum ou glicemia aleatória nas primeiras 72 horas de puerpério
como tentativa de flagrar diabetes tipo 2 não diagnosticada em pacientes que necessitaram de insulina e/ou
hipoglicemiantes.
 Incentivar e promover suporte à amamentação. Os neonatos grandes para a idade gestacional não costumam
sugar bem e podem ocorrer dificuldades na pega. Reforçar com a mãe os benefícios da amamentação em
relação à perda de peso materno e prevenção da obesidade infantil.
 Orientar contracepção apropriada a cada paciente. Um adequado intervalo entre as gestações favorece a
redução de peso e diminui a incidência de sobrepeso e obesidade nas futuras gestações.
 A paciente deverá ser rastreada para diabetes em 4 a 12 semanas após o parto, preferencialmente com
glicemia 2 horas após sobrecarga de 75g de glicose. A ADA (2017) e o ACOG (2017) recomendam que,
após o primeiro rastreio negativo, no mínimo a cada 1 a 3 anos a paciente realize a investigação do diabetes
e que sejam adotadas modificações no estilo de vida, principalmente relacionadas com reeducação alimentar
e exercícios físicos a fim de evitar e retardar o surgimento do diabetes tipo 2. O uso de metformina pode ser
considerado adjuvante em pacientes intolerantes aos carboidratos.


 Manter dieta para diabético. Normalmente, ocorre diminuição das necessidades de insulina nos primeiros
dias após o parto, retornando aos níveis pré-gestacionais em 1 a 2 semanas. Convém manter controle
glicêmico mais rigoroso durante 2 a 3 dias e, caso necessário, realizar insulina regular de acordo com os
resultados: < 200mg%: não administrar insulina; 200 a 250: 2UI; 251 a 300: 4UI; 301 a 350: 6UI; ≥ 351:
8UI.
 Vigiar sinais de hipoglicemia, principalmente em virtude do aumento das exigências calóricas da
amamentação e privações de sono decorrentes dos cuidados com o neonato.
 Manter alta suspeição para infecções puerperais, especialmente em pacientes submetidas à cesariana – maior
incidência em diabéticas.
 Orientar contracepção apropriada.
 Incentivar amamentação como estratégia de controle glicêmico e perda de peso.
 Orientar a manutenção dos exercícios: relembrar ganhos adquiridos na qualidade de vida durante a gestação.
 Adequar o uso de hipoglicemiantes orais: preferencialmente metformina em lactantes – menor incidência de
hipoglicemias neonatais.

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