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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3

2 HISTÓRIA DA TERAPIA FAMILIAR NO BRASIL ....................................... 4

3 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A ABORDAGEM SISTÊMICA ............... 8

3.1 A psicologia sistêmica e a terapia familiar .......................................... 11

3.2 A escola estrutural na terapia familiar .............................................. 13

3.3 A escola estratégica na terapia familiar ........................................... 17

3.4 A escola Boweniana na terapia familiar.............................................. 21

3.5 Escola de Milão na terapia familiar ..................................................... 27

3.6 A escola processual na terapia familiar .............................................. 28

3.7 Sistêmico-construcionista ................................................................... 34

3.8 Cibernética de Primeira Ordem .......................................................... 36

3.9 Cibernética de Segunda Ordem ......................................................... 41

3.10 Teoria Geral dos Sistemas .............................................................. 43

3.11 Origem da teoria sistêmica.............................................................. 44

4 A FAMÍLIA NA PERSPECTIVA SISTÊMICA ............................................ 46

4.1 Relações familiares ............................................................................ 52

5 A TEORIA DO APEGO ............................................................................. 54

5.1 Conceito de vínculo ............................................................................ 58

6 CONCEITO DE RESILIÊNCIA .................................................................. 61

6.1 TEORIAS E TERAPEUTAS FAMILIARES ......................................... 63

6.2 O papel das emoções do terapeuta no atendimento às famílias ........ 66

7 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 73

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

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2 HISTÓRIA DA TERAPIA FAMILIAR NO BRASIL

Fonte: ivanabrito.com.br

Segundo Féres-Carneiro e Ponciano (2005 apud DALMASO M; 2010), a terapia


familiar no Brasil teve início nos anos 70, e foi marcada por um momento histórico de
autoritarismo, representado pela ditadura militar. No âmbito da “doença mental”,
predominavam nos hospitais psiquiátricos métodos tradicionais de tratamento, que
não rompiam com os ciclos de “internação-alta” frequentes.
Vivia-se uma expansão da psicanálise, tanto nas instituições públicas como
privadas. Havia também uma grande influência dos especialistas da área sobre as
famílias e uma tentativa, no âmbito institucional, de uma maior participação dos pais
e comunidade nos tratamentos das crianças e adolescentes, baseada na reflexão
sobre a indiferença e na pouca participação destes nos tratamentos, conforme
DALMASO M; (2010).
No contexto socioeconômico, o Brasil passava por um momento de
modernização. Havia um crescimento econômico e uma consequente melhoria nas
condições de vida da população, o que possibilitava, para algumas famílias, ascensão
social e um certo grau de afastamento das famílias de origem, em busca de mais
individualidade para a família nuclear (FÉRES-CARNEIRO; PONCIANO, 2005 apud
DALMASO M; 2010).

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O processo de modernização do país possibilitou o contato com outros valores
e novas culturas, o que, segundo Féres-Carneiro e Ponciano (2005 apud DALMASO
M; 2010), deu oportunidade à entrada da “novidade” terapêutica que a terapia de
família representava naquele momento. Porém, para estes autores, os pioneiros no
Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, fizeram sua formação em outros países,
principalmente nos Estados Unidos, compondo grupos com profissionais brasileiros
interessados nesta abordagem ao retornarem ao país.
Há uma grande diversidade de teorias e práticas que fundamentam a formação
dos terapeutas de família no Brasil, sendo a abordagem sistêmica a de maior
importância. Assim como em outros países, também aqui no Brasil foram sendo
fundados centros que se ocuparam com os cuidados não só do indivíduo, mas
também das famílias (HINTZ; SOUZA, 2009; apud DALMASO M; 2010).
Na década de 1970, foram criados no Brasil centros de orientação baseados
nos modelos americanos. A terapia de casal recebeu influências de grupos religiosos
que promoviam Encontros de Noivos e Encontros de Casais em Cristo, com o objetivo
de prevenir a dissolução dos casais e das famílias, uma vez que, nesta década, foi
instituída a lei do divórcio no Brasil. A família brasileira começou, então, a procurar
atendimento buscando qualidade nas suas relações familiares (HINTZ; SOUZA, 2009;
apud DALMASO M; 2010).

Esse movimento da Igreja Católica estendeu-se pelos vários Estados do país


servindo de estímulo para a abertura de centros e instituições onde
profissionais terapeutas e pesquisadores dedicaram-se a ampliar o
conhecimento da terapia de família, atendendo famílias com dificuldades de
relacionamento. Cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador,
Fortaleza, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre foram testemunhas da
formação desses centros de atendimentos, alguns já na década de 1970,
outros no início dos anos de 1980. A maioria desses centros usava a
abordagem sistêmica (HINTZ; SOUZA, 2009, p. 97 apud DALMASO M;
2010).

A década de 1980 foi um momento de crescimento muito significativo para a


terapia familiar no Brasil. De experiências isoladas, passa-se a se formalizar grupos
que criam espaços de discussão de ideias e práticas que tornam a terapia familiar
mais acessível e difundida entre os profissionais. A partir destes grupos, foram sendo
formados outros em diversas cidades do Brasil e incluídos cursos de terapia familiar
nas universidades, conforme DALMASO M; (2010).

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Nesta época, Encontros de Terapia Familiar foram iniciados em São Paulo,
ocorrendo o I Encontro Nacional de Terapia Familiar em 1982. O segundo aconteceu
em 1984, e o terceiro em 1986. Em 1988, foi realizado o I Encontro Brasileiro de
Terapia Familiar, sob a coordenação de Margarida Rêgo, em Salvador. “Esse
encontro foi realizado pelos grupos de Salvador, Fortaleza, São Paulo, Brasília,
Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, e foram realizadas atividades
práticas com atendimentos de famílias ao vivo” (HINTZ; SOUZA, 2009, p. 98 apud
DALMASO M; 2010).
No encontro de Florianópolis, em 1986, os participantes também assistiram
atendimentos de família, feitos ao vivo, por Andolfi. Os próximos encontros foram o II
Encontro de Terapia Familiar, em Belo Horizonte, em 1990, e o III Encontro de Terapia
Familiar, em Brasília, em 1992 (HINTZ; SOUZA, 2009; apud DALMASO M; 2010).
De acordo com as autoras, o IV Encontro de Terapia Familiar, que seria
realizado em 1994, foi transformado em I Congresso Brasileiro de Terapia Familiar,
devido ao grande interesse dos terapeutas de todo o Brasil. Este foi realizado em São
Paulo em 1994. Também neste Congresso, numa atividade pós-congresso, foi
fundada a Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF), ficando decidido que
os estados organizariam suas associações regionais, que seriam sedes da ABRATEF,
já que esta seria itinerante e sediada sempre na regional promotora do congresso
brasileiro. A Associação Gaúcha de Terapia Familiar (AGATEF), fundada em 1º de
outubro de 1994, foi sua primeira sede e José Ovídeo Waldemar seu primeiro
presidente, conforme DALMASO M; (2010).
Assim, em diversos estados brasileiros a terapia familiar foi se estabelecendo.
Citaremos, a seguir, alguns pioneiros no Rio Grande do Sul, Brasília e Goiás, já que
estes estados fazem parte das regiões que esta pesquisa abrange, conforme
DALMASO M; (2010).

No Rio Grande do Sul, são pioneiros Alberto Stein, Ana Ibraíma da Cunha,
Ana Néri Nascimento, Cláudia Deitos Giongo, Helena Centeno Hintz, Janecy
Lopes, José Ovídeo Waldemar, Lea Pares Day, Leila Suslik, Luiz Carlos
Osório, Luiz Carlos Prado, Maria Fátima Galarza Rosa, Maria Heloísa
Fernandes, Maria Inês Santos Rosa, Maria Theresa Ritter, Marilene Marodin,
Marli Kath Sattler, Marli Olina de Souza, Nair Terezinha Gonçalves, Nira
Lopes Acquaviva, Olga G. Falceto, Olga Tartakowsky, Rosa Lúcia Severino,
Sueli Brunstein, Suely Teitelbaum, Zelda Svirski Waldemar (WAGNER, 1996,
apud HINTZ; SOUZA, 2009, p. 102 ; apud DALMASO M; 2010).

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Em Brasília, foram pioneiros:

Gláucia Diniz, Ileno Izídio da Costa, Júlia Bucher, Marcel Nunes de Carvalho,
Maria Aparecida Penso, Maria do Socorro Pereira Gonçalves, Maria Inês
Padrão Lira, Marília Couri, Silvia de Oliveira Magalhães, Sueli de Castro
Amorim e Terezinha Lamounier. Após vieram Joana D’Arc Cardoso dos
Santos e Denise de Mendonça Rodrigues (ACOTEF, apud HINTZ; SOUZA,
2009, p. 102 e 103; apud DALMASO M; 2010).

Acreditamos ser importante ressaltar que a história da terapia familiar foi


construída também por muitos pioneiros que pertenciam a centros de estudos
conceituados e que hoje são referência nos atendimentos às famílias. Inicialmente,
porém, alguns desses profissionais não estavam vinculados às associações regionais
ou à Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF), o que não diminui a
importância de sua colaboração para o estabelecimento e crescimento da terapia
familiar no Brasil. Exemplos disso são os profissionais que têm trabalhado na
formação, pesquisa e atendimento conjugal e familiar, através do Centro de Estudo e
Atendimento da Família (CEFAM) desde 1985, em Brasília, no Distrito Federal
(RIBEIRO; GALLI; AMORIM, 2006; apud DALMASO M; 2010).
No Rio Grande do Sul, o instituto DOMUS (2009) e o Instituto da Família de
Porto Alegre (INFAPA), também atuam na formação de profissionais, em parceria com
universidades e no atendimento de famílias e de casais. Esses são apenas alguns
exemplos, entre outros também importantes, para o desenvolvimento do campo da
terapia familiar no Brasil, conforme DALMASO M; (2010).
Como podemos ver, são muitos os pioneiros no Brasil. Essas pessoas
buscaram novos conhecimentos, com o objetivo de descobrir diferentes formas de
ajudar as famílias. Esses profissionais ainda estão fazendo a história da terapia
familiar no Brasil. Acreditamos ser impossível olhar para essa história sem perceber a
influência das emoções destes profissionais no seu trabalho terapêutico, conforme
DALMASO M; (2010).

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3 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A ABORDAGEM SISTÊMICA

Fonte: revistamomento.com.br

Para o surgimento de um modelo teórico alguns desdobramentos, mudanças


de paradigmas e visões são essenciais para fundamentar e dar consistência ao
trabalho. Dessa forma, a construção do modelo teórico sistêmico partiu de indagações
aos modelos tradicionais de abordagem do ser humano, dando ênfase às relações
sistêmicas, nos contextos: familiar, social, escolar, comunitário, conforme MIRANDA
A; (2014).
O nascimento deste modelo ocorreu nos Estados Unidos num contexto de
mudança de paradigma: a passagem do pensamento analítico ao pensamento
sistêmico que tem como principal corolário “é preciso reunir para
compreender”, colocando a tônica no estudo das relações e das interações,
substituindo a causalidade linear pela causalidade circular. Assim, torna-se impossível
isolar o indivíduo do seu meio, ambos evoluem simultaneamente e mudam
reciprocamente. A importância do contexto torna-se mais clara, bem como a noção de
coevolução, que é determinante da terapia familiar (RELVAS, 1999 apud MIRANDA
A; 2014).

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Para entender, se faz necessário uma contextualização histórica. A abordagem
sistêmica teve seu início na década de 40, em que era utilizado apenas o enfoque
psicanalítico e um diagnóstico linear de causa-efeito para observar as relações
sistêmicas, conforme MIRANDA A; (2014).
Nos anos 50, as sessões começam a serem realizadas com todos os membros
da família, ainda com foco nas ideias psicanalíticas. Posteriormente, esse movimento
ganhou um novo enfoque na compreensão do funcionamento sistêmico. A partir de
1960 as linhas terapêuticas vão se diferenciando. Tal diferenciação ocorre devido aos
vários grupos de terapeutas que se interessam em desenvolver seus estudos sobre
os vários aspectos da compreensão sistêmica, conforme MIRANDA A; (2014).
Entre os mais importantes autores no âmbito da terapia familiar e do seu
desenvolvimento, encontra-se: Milton Erickson (psiquiatra americano) que
desenvolveu a história clínica e uma forma muito particular de fazer terapia assente
numa invulgar intervenção terapêutica, conforme MIRANDA A; (2014).
Embora nunca se tenha centrado no trabalho terapêutico com famílias,
influenciou em muito as ideias dos homens de palo alto. Também não devemos
ignorar as contribuições de Bateson (1904-1980 apud MIRANDA A; 2014), que depois
de formações em biologia, trabalhos de cibernética com Foerster, N.Wiener e K.Lewin,
vai para Palo Alto, com um convite para participar num projeto, aplicando os conceitos
sistêmicos à comunicação, e desta à psicopatologia e psicoterapia da esquizofrenia
(RELVAS, 1999; apud MIRANDA A; 2014).
Na área "psi", podemos ressaltar algumas postulações teóricas de autores que
colaboram para o surgimento da terapia familiar. Um importante precursor, sem
dúvida, foi Adler que enfatiza, na sua teoria do desenvolvimento da personalidade, a
importância dos papéis sociais e das relações entre estes papéis na etiologia da
patologia. Influenciado pelas teorias de Adler, Sullivan coloca que a doença mental
tem origem nas relações interpessoais perturbadas e que um entendimento mais
completo do indivíduo só pode ser alcançado no contexto de sua família e de seus
grupos sociais. Sullivan coloca, assim, a patologia na relação, na dimensão
interacional (CARNEIRO, 1996; apud MIRANDA A; 2014).

A teoria sistêmica surgiu no final da primeira metade do século XX e apontou


que o todo não pode ser entendido a partir do desmembramento de suas
partes, nem a parte pode ser compreendida de forma isolada. Entre as
décadas de 1950 e 1960 nasceu nos Estados Unidos a terapia de família
orientada sistemicamente, possibilitando o surgimento de estratégias de
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intervenção que culminaram nas várias abordagens de atendimento
sistêmico, conhecidas hoje como abordagens clássicas da terapia familiar
sistêmica (Diniz & Alves, 2014 apud ALVES C; 2018).

Grandesso (2000 apud ALVES C; 2018) aponta que as terapias sistêmicas


orientadas pela Cibernética de Primeira Ordem estavam situadas dentro do modelo
de pensamento moderno. Os pressupostos pós-modernos aparecem de forma
significativa na terapia familiar sistêmica com o desenvolvimento da Cibernética de
Segunda Ordem, podendo ser representados pelas epistemologias construtivistas e
construcionistas sociais (Narvaz & Koller, 2007; Paula-Ravagnani, 2015 apud ALVES
C; 2018).
As práticas orientadas sistemicamente, ao incorporarem as propostas da
Cibernética de Segunda Ordem, apresentaram mudanças significativas no papel de
terapeutas familiares e estes passam a ser vistos como integrantes que constroem o
sistema terapêutico. Essa mudança implicou também a orientação para o presente e
a importância da contextualização para se compreender os dilemas humanos. Assim,
o comportamento humano passa a ser considerado dentro de um contexto interacional
ou interpessoal e os sintomas passam a ser vistos como produtos de inter-relações
dentro do sistema do qual fazem parte, conforme ALVES C; (2018).
Essa nova perspectiva possibilitou a estruturação das terapias sistêmicas
construtivistas e construcionistas sociais, representadas nos modelos
conversacionais, dialógicos ou narrativos. Os sistemas humanos passaram então a
ser compreendidos como sistemas linguísticos, como é proposto principalmente pelo
construcionismo social (Grandesso, 2000; apud ALVES C; 2018).
A função performática da linguagem é valorizada pelo construcionismo social
como produtora de descrições de si e de modos de ação. De acordo com Corradi-
Webster (2014, p. 81; apud ALVES C; 2018), “os discursos são o pano de fundo
conceitual no qual baseamos nossas afirmativas e sentidos, com os quais
compreendemos o mundo e nossas experiências e construímos nossas práticas”. À
medida que se considera que a linguagem constrói realidades, é possível então fazer
uma avaliação crítica das formas de vida que ela constrói.
A experiência pessoal é entendida como um discurso e o self como uma
construção social. Ou seja, vocabulários que utilizamos para nos referirmos a nós
mesmos legitimam e sustentam práticas culturais específicas e impedem outras
formas de construção de identidade (Souza, 2014; apud ALVES C; 2018).
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A partir de um enquadramento criado pelos discursos, certos modos de vida
são restringidos e outros estimulados (Moscheta, 2014; apud ALVES C; 2018).
Corradi-Webster (2014; apud ALVES C; 2018) aponta que os discursos mais
hegemônicos terão mais chances de impactar a construção das subjetividades e de
balizar modos de se relacionar.
O discurso construcionista social valoriza os processos relacionais (Souza,
2014; apud ALVES C; 2018). Nessa perspectiva, a experiência humana é construída
em um contexto histórico, cultural e linguístico. As ideias, os conceitos, as recordações
surgem na interação social e se expressam na linguagem e no diálogo. Em vez de um
reflexo de processos inerentes à psique individual, nossa experiência de mundo
interno é moldada na atividade da fala entre indivíduos (Grandesso, 2000; apud
ALVES C; 2018).

3.1 A psicologia sistêmica e a terapia familiar

Vasconcellos (2005 apud COELHO V; 2015) afirma que muito se fala sobre o
pensamento sistêmico e suas práticas com seus novos paradigmas. Essa visão
sistêmica do mundo é considerada algo contemporâneo, muito novo, em que se
destacam três dimensões.
A primeira dimensão é o reconhecimento da complexidade organizada do
universo, ou seja, ver e pensar as relações existentes em todos os níveis da natureza,
buscando a compreensão dos acontecimentos, podendo ser eles físicos, biológicos
ou sociais, em relação aos contextos onde ocorrem; a segunda dimensão é a visão
sobre o dinamismo das situações em que não há previsão de situações, pois o mundo
está em constante processo de mudança; a terceira dimensão diz do reconhecimento
de que não há realidades objetivas, mas vamos nos constituindo à medida que nos
interagimos com o mundo, conforme COELHO V; (2015).
Riveiro (2009 apud COELHO V; 2015) afirma que a abordagem sistêmica,
como todas as demais abordagens da psicologia é complexa, desenvolvendo-se ao
longo da história. Tal abordagem permite a visão do todo e das múltiplas relações e
funções dos seus componentes, permitindo-nos ganhar perspectiva sobre a realidade
social, o que nos poderá facilitar a compreensão e intervenção.

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De acordo com Miranda (2014 apud COELHO V; 2015), a construção do
modelo teórico sistêmico partiu de indagações aos modelos tradicionais de
abordagem do ser humano, dando ênfase às relações sistêmicas, nos contextos no
qual está inserido o sujeito, havendo uma passagem de uma perspectiva individual
para uma sistêmica. Tal processo, segundo Nichols (2007 apud COELHO V; 2015),
foi uma mudança revolucionária, fornecendo aos terapeutas uma poderosa ferramenta
para entender e resolver os problemas humanos.
Para Vieira Coelho (2005 apud COELHO V; 2015), foi uma mudança
revolucionária porque, durante muito tempo na história, houve uma predominância do
pensamento introduzido por Descartes, que consistia na ruptura das ciências naturais
com a filosofia. A própria psicologia, na tentativa de compreensão da subjetividade
humana, aproximou-se muito do pensamento filosófico, afastando-se da ciência
tradicional, não em muitos casos o sujeito em seus diversos sistemas de relação.
De acordo com Miranda (2014 apud COELHO V; 2015), a construção do
modelo teórico sistêmico partiu de indagações aos modelos tradicionais de
abordagem do ser humano, dando ênfase às relações sistêmicas, nos contextos no
qual está inserido o sujeito, havendo uma passagem de uma perspectiva individual
para uma sistêmica. Tal processo, segundo Nichols (2007 apud COELHO V; 2015),
foi uma mudança revolucionária, fornecendo aos terapeutas uma poderosa ferramenta
para entender e resolver os problemas humanos.
Para Vieira Coelho (2005 apud COELHO V; 2015), foi uma mudança
revolucionária porque, durante muito tempo na história, houve uma predominância do
pensamento introduzido por Descartes, que consistia na ruptura das ciências naturais
com a filosofia. A própria psicologia, na tentativa de compreensão da subjetividade
humana, aproximou-se muito do pensamento filosófico, afastando-se da ciência
tradicional, não percebendo em muitos casos o sujeito em seus diversos sistemas de
relação.
Para Vasconcellos (2005 apud COELHO V; 2015), a ciência tradicional tem
como base três pressupostos: simplicidade, estabilidade e objetividade. Porém, a
ciência contemporânea se enraíza nos princípios da complexidade, instabilidade e
intersubjetividade.

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O pensamento sistêmico é um paradigma emergente desta ciência
contemporânea e visa a aproximação dos diversos ramos da ciência, valendo-se de
pesquisas e conceitos até então não incorporados à Psicologia. Foi procurando
compreender o homem em seus diversos contextos e sob suas diferentes
perspectivas que apareceu a Terapia Familiar tal como conhecemos hoje, conforme
COELHO V; (2015).
Aun (2005 apud COELHO V; 2015) destaca que, entre a as décadas de 70 e
80 do século XX, houve um grande foco de discussões nas limitações do paradigma
da ciência tradicional, e questões que já haviam sido feitas de modo isolado ganharam
uma repercussão mais abrangente. Vários intelectuais, filósofos, cientistas de renome
começaram a sugerir novas perspectivas, novos paradigmas.
Vasconcellos (2007 apud COELHO V; 2015) salienta que muitas disciplinas se
interagiram na tentativa de compreensão do funcionamento da família, tais como:
Sociologia, Serviço Social, Psicanálise, Direito, Psicologia, Economia, Educação,
Aconselhamento, Antropologia, dentre outros. Essa integração formou o cenário para
o surgimento da terapia familiar, mas a autora destaca, como principais pontos, a
ampliação do tratamento para um maior número de problemas pela Psicanálise; as
pesquisas sobre a esquizofrenia; a Teoria Geral dos Sistemas; o aconselhamento
conjugal e infantil; e, as terapias de grupo.
O campo da terapia familiar não deve ser reduzido a uma revisão simples e
linear, visto que, durante a história, houve várias correntes, tendências e
metodologias, acontecendo também a evolução das abordagens. Podemos afirmar
que a Psicologia Sistêmica, tal como a Psicanálise, o Existencialismo e as demais
abordagens da psicologia, encontrou diferentes formas, modelos e escolas para se
constituir como uma nova maneira de visão de homem dentro da psicologia. Contudo,
todas essas formas visam compreender o sujeito em seus sistemas, ou seja, em sua
totalidade, nos contextos em que estão inseridos, conforme COELHO V; (2015).

3.2 A escola estrutural na terapia familiar

A abordagem estrutural da Terapia Familiar foi desenvolvida por Salvador


Minuchin e foi o enfoque dominante na área na década de 70 do século XX, em virtude
da sua clareza teórica, de seu foco na ação e também das características pessoais

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de seu principal fundador: carisma e combatividade. Essa escola recebeu tal
denominação em virtude do foco na estrutura familiar, que pode ser acessada através
da observação das repetidas interações que ocorrem entre os membros da família e
que sinalizam de que forma as fronteiras estão configuradas, quais as alianças
(funcionais ou não) existentes e como se delineia a hierarquia na família, conforme
CRAMER C; (2006).
Minuchin, psiquiatra argentino de origem judaica, complementou sua formação
em Nova Iorque com os psiquiatras e psicanalistas Nathan Ackerman e Harry Sullivan.
Embora não tenha sido um dos precursores na Terapia de Família, foi um dos que
entrou cedo no campo, iniciou atendimento a famílias, cujos filhos apresentavam
comportamentos delinquentes, na Wiltwyck School for Boys, conforme CRAMER C;
(2006)
Posteriormente, foi convidado para atuar na Philadelphia Child Guidance, lá
permanecendo de 1965 a 1981, período no qual desenvolveu os fundamentos da
abordagem estrutural, extraídos de sua prática junto a famílias de diferentes classes
sociais, cujos filhos apresentavam sintomas comportamentais. Também analisou a
correlação entre sintomas psicossomáticos, como asma, diabetes infanto-juvenil e
anorexia, e a estrutura familiar, tendo obtido excelentes resultados no atendimento a
tais famílias, conforme CRAMER C; (2006).

Utilizando os conhecimentos provenientes da Teoria Geral dos Sistemas,


Minuchin encarava a família, como um organismo, como um sistema aberto,
composto de subsistemas, cada um dos quais é envolvido por um limite
semipermeável, que é, na verdade, um conjunto de regras que governa quem
está incluído dentro daquele subsistema e o modo como eles interagem com
quem está de fora dele. (NICHOLS; SCHWARTZ, 1997, p. 97; apud CRAMER
C; 2006).

O modelo de família nuclear proposto por Talcott Parsons também foi


incorporado em sua abordagem; nele, cabe ao pai a responsabilidade pelos papéis
instrumentais e cabe à mãe o desempenho dos papéis expressivos (BERTRANDO;
TOFFANETTI, 2004; apud CRAMER C; 2006).

Na concepção de Minuchin, a família é a menor unidade da sociedade e


possui um papel fundamental na estruturação da identidade humana, a
experiência humana de identidade tem dois elementos: um sentido de
pertencimento e um sentido de ser separado. O laboratório em que estes
ingredientes são misturados e administrados é a família, a matriz de
identidade. (MINUCHIN, 1982, p. 53; apud CRAMER C; 2006).

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De acordo com a teoria estrutural, uma família saudável possui fronteiras
claras, subsistema decisório atuante e flexibilidade para se adaptar às inúmeras
transições que ocorrem ao longo da vida; por outro lado, as famílias “disfuncionais”
possuem fronteiras extremamente rígidas, estabelecendo poucas trocas entre os
subsistemas, ou fronteiras difusas, o que desencadeia falta de clareza no
desempenho dos papéis. “Uma família disfuncional é um sistema que respondeu a
estas exigências, internas ou externas, de mudança, estereotipando seu
funcionamento. ” (MINUCHIN, 1982, p. 108; apud CRAMER C; 2006).
O surgimento do sintoma ocorre quando a família, em função de circunstâncias
alteradas, não consegue implementar as modificações que se fazem necessárias. “O
terapeuta estrutural considera o paciente identificado meramente como um membro
da família, que está expressando, de modo mais visível, um problema que afeta o
sistema inteiro. ” (MINUCHIN, 1982, p. 124; apud CRAMER C; 2006) O sintoma,
então, é o modo como o sistema sinaliza uma dificuldade contextual.
Consequentemente, de acordo com o enfoque estrutural, as “famílias
disfuncionais” possuem sua estrutura comprometida, e a prática do terapeuta deve
ser voltada a promover uma reestruturação na família, o que garantiria um “retorno”,
por parte da família, a um funcionamento “saudável”. “O terapeuta une-se à família
com o objetivo de mudar a organização familiar, de tal maneira que as experiências
dos membros da família modificam-se.” (MINUCHIN, 1982, p. 22; apud CRAMER C;
2006).
As características estruturais da família podem ser facilmente representadas
graficamente, através do levantamento do Mapa Estrutural, instrumento desenvolvido
por Minuchin e que “foi recebido como um presente divino pelas legiões de terapeutas
desnorteados que estavam perdidos em meio a uma selva confusa de envolvimentos
familiares. ” (NICHOLS; SCHWARTZ, 1998, p. 97; apud CRAMER C; 2006) A mera
observação da configuração do mapa estrutural possibilitava a definição dos passos
necessários que, através da intervenção do terapeuta, viriam a resultar na
reestruturação da família.

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Nessa abordagem, o terapeuta caracteriza-se por ser extremamente
participativo, diretivo e intervencionista, assumindo uma postura de especialista que
“conduzirá a família novamente para a funcionalidade”. Segundo Goldbeter- Merinfeld,
o enfoque estrutural reivindica a 1ª Cibernética, “na qual aquele que realiza a
intervenção observa de forma neutra o espaço familiar e as ‘danças’ que aí se
produzem. ” (GOLDBETER-MERINFELD, 1998, p. 228; apud CRAMER C; 2006).

De forma clara, Minuchin expressa a influência que sua família de origem


desempenhou na elaboração de seu método de intervenção: o meu estilo é
parcialmente um produto de uma infância, passado em uma família
emaranhada, com quarenta tias e tios e, aproximadamente, duzentos primos,
dos quais todos formavam, num ou outro grau, um entrelaçamento familiar
estreito [...] quando eu andava pela rua, achava que uma centena de primos
estava me observando. Desta maneira, tive de aprender, como criança, a me
sentir confortável em situações de proximidade, contudo a me desligar
suficientemente para proteger minha individualidade. O meu estilo
terapêutico está organizado ao longo de dois parâmetros: como preservar a
individuação e como apoiar a mutualidade. Estou sempre preocupado em
preservar as fronteiras que definem a identidade individual. (MINUCHIN,
1982, p. 116-7; apud CRAMER C; 2006).

Entretanto, conforme CRAMER C; (2006), no que diz respeito à formação de


futuros terapeutas familiares, o autor enfatiza, de forma marcante, a aprendizagem e
o domínio das técnicas, acreditando que, da mesma forma que no papel de terapeuta,
o supervisor deve ser atuante e diretivo, ensinando aos alunos, preferencialmente ao
vivo, como fazer, e não orientando depois que o aluno efetuou intervenções
adequadas. Com relação a atividades direcionadas à pessoa do terapeuta, afirma:

Parece ineficaz treinar um terapeuta fazendo-o representar papéis


correspondentes de sua posição em sua família de origem em diferentes
estágios de sua vida, se o que ele necessita é expandir seu estilo de contato
e intervenção, a fim de que possa se acomodar a uma variedade de famílias.
Parece também inadequado requerer ao terapeuta em treinamento mudar
sua posição na sua família de origem, quando seu objetivo é tornar-se um
expert em desafiar a variedade de sistemas diversos. (MINUCHIN; FISHMAN,
1990, p. 15; apud CRAMER C; 2006).

Por outro lado, refere-se à importância do crescimento pessoal e da maturidade


do terapeuta:

Com a aceitação tanto de minhas habilidades, quanto de minhas limitações,


tenho aumentado o alcance de minha ação eficaz [...] aprendi a usar minha
experiência de vida e o meu sentimento de companheirismo para com as
famílias como parte do processo terapêutico. (MINUCHIN; FISHMAN, 1990,
p. 276; apud CRAMER C; 2006).

16
Em escritos posteriores, justifica o “desaparecimento” da pessoa do terapeuta
como decorrente da necessidade do campo da Terapia Familiar diferenciar-se da
Psicanálise e de seus conceitos de transferência e contratransferência. Ele admite
que, em seus primeiros livros, privilegiou as técnicas para modificar as famílias.
Atualmente, compara as técnicas com as letras do alfabeto: não basta conhecê-las
para se saber ler (MINUCHIN; LEE; SIMON, 1998; apud CRAMER C; 2006).
A postura ideal do terapeuta, o seu papel no processo terapêutico e o uso que
faz do poder, segundo Minuchin (1998; apud CRAMER C; 2006), são questões ainda
presentes, desafiadoras e que geram divergências; porém, em sua opinião, tal
discussão é pertinente, enriquecendo e ampliando o campo da Terapia Familiar.

3.3 A escola estratégica na terapia familiar

A abordagem estratégica teve seus postulados principais desenvolvidos por


Jay Haley; posteriormente, contou com preciosas contribuições efetuadas por Cloé
Madanes e foi um enfoque que provocou grande impacto no campo da Terapia
Familiar nas décadas de 70 e 80 do século XX. Caracteriza-se por ser uma forma
diretiva de tratamento que busca, primariamente, o desaparecimento do sintoma e,
posteriormente, a resolução dos problemas estruturais que deram origem ao sintoma
(NICHOLS; SCHWARTZ, 1998; apud CRAMER C; 2006).
Jay Haley teve a oportunidade de trabalhar junto a figuras fundamentais na
história da Terapia Familiar, atuando, na década de 50, com Gregory Bateson, no
projeto que estudava a comunicação dos esquizofrênicos. Através de Bateson, teve
contato com Milton Erickson, psiquiatra e hipnólogo, que marcou, de forma definitiva,
a si próprio, bem como a sua maneira de atender as famílias: “Erickson pode ser
considerado o mestre da abordagem estratégica à terapia. ” (HALEY, 1991, p. 20;
apud CRAMER C; 2006).
Erickson, diferentemente de outros profissionais atuantes da época, acreditava
que as pessoas possuíam recursos internos, que poderiam auxiliá-las a implementar
mudanças rápidas em suas vidas, e que cabia ao terapeuta, centrado na ação e no
contexto, possibilitar que tais recursos emergissem. “Há um desejo natural de
crescimento dentro das pessoas [...] há forças pessoais que precisam ser liberadas

17
para um maior desenvolvimento pessoal. ” (HALEY, 1991, p. 35; apud CRAMER C;
2006).
A história de vida de Erickson influenciou, provavelmente, seu modo otimista
de encarar as limitações. Aos 17 anos, sofreu de poliomielite, sendo obrigado a
permanecer acamado por um ano, aproximadamente; precisou de muita determinação
para recuperar parcialmente suas habilidades motoras e, apesar de apresentar
sequelas decorrentes de tal enfermidade, teve uma vida longa e produtiva. Sua forma
original de tratar as mais variadas problemáticas humanas incluía uso da hipnose,
metáforas, desafios, paradoxos, prescrição de recaídas, entre outras, que Haley
incorporou e aperfeiçoou em sua abordagem estratégica, conforme CRAMER C;
(2006).
Além de Erickson, Haley trabalhou também com Salvador Minuchin, a partir de
1967, na Philadelphia Child Guidance, onde participou ativamente na elaboração dos
conceitos que se tornaram fundamentais na escola estrutural. Com Minuchin,
implementou longo treinamento a profissionais leigos da comunidade interessados em
atuar junto a famílias. A importância da estrutura familiar e, principalmente, os
conceitos de hierarquia e fronteiras foram incorporados na abordagem estratégica,
conforme CRAMER C; (2006).

A avaliação de Haley e seus objetivos são estruturais: melhorar a hierarquia


da família e os problemas de fronteiras que dão suporte a essas fronteiras
disfuncionais. Sua abordagem calculada e sua tática passo a passo é que
são estratégicas. (NICHOLS; SCHWARTZ, 1998, p. 346; apud CRAMER C;
2006).

Haley extraiu da Cibernética os conceitos de retroalimentação e homeostase e


dos estudos da Comunicação o conceito de duplo vínculo e sequências interacionais,
correlacionando tais pressupostos com o funcionamento da família que apresentava
problemas. Além disso, buscava compreender qual função o sintoma desempenhava
na família que procurava por atendimento; em seus escritos originais, enfatiza que o
portador do sintoma obtém uma vantagem no relacionamento; sua premissa era: os
relacionamentos humanos caracterizam-se por uma luta pelo controle e poder
(MINUCHIN; LEE; SIMON, 1998 apud CRAMER C; 2006).

18
Os sintomas, então, cumpririam uma dupla função: por um lado, estabilizavam
a estrutura familiar disfuncional; por outro, proporcionavam poder ao seu portador.
Sendo assim, cabe ao terapeuta, em primeiro lugar, estabelecer-se como aquele que
detém o poder no contexto terapêutico e, posteriormente, através de suas estratégias
e intervenções, atuar no sentido de reestruturar a estrutura familiar e reagrupar os
membros da família em torno de um poder que favoreça a todos (BERTRANDO;
TOFFANETTI, 2004; apud CRAMER C; 2006).
A terapia estratégica visa ser uma forma de tratamento breve, com o foco
naquilo que é considerado problema pela família, postulando que a mudança é obtida
através de modificações nos comportamentos, e não através da obtenção de insights;
dentro desse enfoque, ter a consciência não implica, necessariamente, em mudança.
Ao terapeuta, cabe ocupar um papel de especialista, de intervencionista, bem como
elaborar estratégias específicas de acordo com as problemáticas apresentadas,
conforme CRAMER C; (2006).

A terapia estratégica está voltada para premissa de que o terapeuta deve


estabelecer sua prática de modo ativo, diretivo e capacitado [...] planeja e dá
início ao que desejaria que ocorresse na terapia. A responsabilidade pela
derrota é do terapeuta. (KEIM, 1998, p. 270 apud CRAMER C; 2006).

Provavelmente, em função de posicionamentos tão deterministas, a terapia


estratégica, que é também denominada de “reengenharia social”, tenha recebido
críticas na década de 90 do século XX, por seu caráter manipulativo, segundo Nichols
e Schwartz (1998). Entretanto, tais autores ressaltam a evolução que o pensamento
estratégico tem apresentado e afirmam que, mesmo na atualidade, “época de
terapeutas não-especialistas, há ainda espaço para estratégias ponderadas de
solução de problemas e orientação terapêutica. ” (NICHOLS; SCHWARTZ, 1998, p.
366 apud CRAMER C; 2006).
No que se refere à formação dos terapeutas familiares, Haley, da mesma forma
pragmática que encara as famílias que se encontram em atendimento, assume como
sua a responsabilidade de treinar, supervisionar e garantir o desenvolvimento do
futuro profissional: “Aprendem-se técnicas de entrevistar e técnicas terapêuticas para
a variedade de clientes que procuram auxílio, técnicas estas que precisam ser
ensinadas. ” (HALEY, 1998, p. 12; apud CRAMER C; 2006). Seus métodos enfatizam
a necessidade de os terapeutas dominarem o maior número possível de técnicas para
poder prestar um atendimento adequado.
19
O que deve ser ensinado são as técnicas para condução de terapias bem-
sucedidas, ou seja, como fazer uma pergunta ou um comentário, como deve
dar uma diretiva, como determinar quem deverá comparecer às entrevistas e
como planejar a estratégia de um caso. (HALEY, 1998, p. 12; apud CRAMER
C; 2006).

Apesar do foco marcante na aquisição de técnicas, acrescenta que a terapia


não pode ser comparada à carpintaria, pois se trata de um processo conduzido por
pessoas que podem apresentar “limitações”. Sendo assim, cabe ao supervisor atentar
que “além de ensinar técnicas clínicas ao terapeuta, o supervisor deve ajudá-lo a
superar dificuldades pessoais e atingir o mais alto nível de competência clínica. ”
(HALEY, 1998, p. 22; apud CRAMER C; 2006).
O supervisor, então, é o responsável por encontrar alternativas que possibilitem
ao treinando superar impasses decorrentes de sua vida pregressa ou presente. No
entanto, desaconselha que os profissionais se submetam a longos processos
terapêuticos, considerando que tal fato acaba sendo um empecilho em seu
treinamento. “A meu ver, quanto mais terapia teve o trainee, mais difícil será treiná-lo
numa terapia de abordagem social ativa. ” (HALEY, 1998, p. 24; apud CRAMER C;
2006).
Haley (1998; apud CRAMER C; 2006) condena as supervisões que se norteiam
por uma abordagem conversacional, nas quais prevalecem hierarquias mais
igualitárias, e chega a questionar se tal postura não seria uma sinalização do não
comprometimento do supervisor.
Ele também se recusa a incluir, no treinamento de terapeutas estratégicos,
qualquer tipo de atividade relacionada às suas famílias de origem, justificando sua
postura por temer que tal configuração predisponha o profissional a focalizar,
exageradamente, no material histórico familiar, dando menos atenção aos dilemas
vivenciados pelos clientes no presente, segundo McDaniel e Landau-Stanton (1996;
apud CRAMER C; 2006). Seu posicionamento torna-se compreensível se for levada
em consideração a oposição que Haley demonstrou, durante toda a sua trajetória,
contra a Psicanálise e as inúmeras manifestações públicas que fez acerca de seu
modo de encarar tal método psicoterapêutico.

20
Entretanto, parece que Haley parte do princípio de que qualquer trabalho
voltado à família de origem teria como foco carências, traumas e impedimentos, ou
seja, de quanto a família ocupa um papel de agente limitador ou repressor ao
crescimento do indivíduo. De forma interessante, acaba por incorporar um dos
pressupostos da Psicanálise (NICHOLS; SCHWARTZ, 1998; apud CRAMER C;
2006).
Acredita-se que, se houver um redirecionamento do olhar, através do qual as
vivências familiares sejam vistas como fonte de contribuição no desenvolvimento de
competências, tal postura seria coerente com a crença ericksoniana, incorporada pelo
próprio Haley, de que as pessoas possuem mais recursos do que imaginam, sendo o
grande desafio do ser humano acessá-los e implementá-los em suas vidas, a fim de
viver de uma forma mais satisfatória, conforme CRAMER C; (2006).

3.4 A escola Boweniana na terapia familiar

O principal expoente da escola experiencial é Carl Whitaker, considerado um


dos terapeutas que, com sua espontaneidade e criatividade, despertou maior
admiração no campo da Terapia Familiar. A abordagem que desenvolveu recebeu
contribuições evidentes das tradições existenciais, humanísticas e fenomenológicas
(NICHOLS; SCHWARTZ, 1998; apud CRAMER C; 2006).
Whitaker formou-se em Medicina e, na época em que decidiu se especializar
em Psiquiatria, teve dificuldades em encontrar supervisores, pois a maioria dos
psiquiatras estava de alguma forma envolvida com a Segunda Guerra Mundial. Tal
fato obrigou-o a extrair e desenvolver seus conhecimentos através da experiência
vivenciada, prestando atendimentos a esquizofrênicos, “praticando por si mesmo a
aproximação à loucura, ao invés de assistir a cursos a respeito, desenvolve uma
autêntica fascinação pelo mundo dos psicóticos. ” (BERTRANDO; TOFFANETTI,
2004, p. 111; apud CRAMER C; 2006).

21
O conhecimento adquirido através de seu trabalho com psicóticos, tanto adultos
quanto crianças e delinquentes, propiciou que encontrasse os elementos com os quais
elaborou sua abordagem, culminando com o tratamento de famílias. Foi um dos
pioneiros que se depararam com esta problemática: à medida que resultados positivos
eram obtidos no tratamento de esquizofrênicos, “intervinha a família e destruía nossos
esforços terapêuticos. Esta pauta nos aproximou cada vez mais da decisão de
começar com a família. ” (WHITAKER, 1992, p. 41; apud CRAMER C; 2006).
Quando passou a atender mais e mais famílias, percebeu que essa é a melhor
forma de atuar, a que possibilitava um crescimento real dos indivíduos, chegando a
postular: “não há tal coisa como o indivíduo. Nós somos apenas fragmentos de
famílias, flutuando, tentando viver a vida. ” (WHITAKER; BUMBERRY, 1990, p. 30;
apud CRAMER C; 2006) sendo assim, reunir todo o grupo familiar proporciona
experiência terapêutica em seu melhor nível.
O modelo experiencial enfatiza que as pessoas aprendem de modo mais eficaz
através da experiência; as mudanças não podem ser ensinadas às pessoas, e sim
vivenciadas por elas mesmas. Uma suposição básica refere-se ao fato de que o
crescimento dos indivíduos e das famílias engloba um processo de alternâncias
dialéticas entre diferenciação e pertencimento; o perigo da primeira é a solidão e da
segunda, a escravidão, conforme CRAMER C; (2006).
Outro aspecto importante enfatizado na abordagem experiencial relaciona- se
ao mundo simbólico, que Whitaker compara à infraestrutura de uma cidade (sistema
de esgoto, canos etc.), que pode não ser percebida à primeira vista, mas que existe e
é essencial para o seu funcionamento. No processo de socialização, muitos aspectos
do mundo simbólico do indivíduo ficam relegados, pois “a estrutura social só tolera
certas versões de personalidade. ” (WHITAKER, 1992, p. 67; apud CRAMER C; 2006)
Um dos objetivos do processo terapêutico é propiciar que as pessoas, à medida que
tomem contato com sua própria “loucura”, com excentricidades, aspectos ilógicos e
vulnerabilidades que permeiam seu mundo simbólico, humanizem-se e engajem-se
em relacionamentos mais plenos e satisfatórios.

22
No enfoque experiencial, as famílias normais são aquelas nas quais os
indivíduos têm a oportunidade de serem eles mesmos, recebendo apoio em seu
crescimento e no estabelecimento de experiências individuais. Tais famílias são
dinâmicas, estão em constante processo de evolução e mudança; frente a desafios
ou crises, têm a capacidade de se reorganizar, pois são flexíveis e criativas. Suas
regras “servem de guias e estão a serviço dos esforços de crescimento. ” (WHITAKER;
BUMBERRY, 1990, p. 137; apud CRAMER C; 2006) além disso, existe clareza entre
as gerações; triângulos e coalizões eventuais podem ser suportados por seus
membros sem que haja a emergência de sintomas.
Já as famílias disfuncionais não apresentam flexibilidade frente aos desafios;
seus esforços direcionam-se a manter a estabilidade; seus componentes apresentam
dificuldades de estabelecer tanto relacionamentos íntimos, quanto movimentos
autênticos de autonomia (NICHOLS; SCHWARTZ, 1998; apud CRAMER C; 2006).
Na opinião de Connell, Mitten e Whitaker, o sintoma pode surgir em decorrência
de impasses nas transições do ciclo vital ou como sinalizador do clima de morte
emocional presente na família. O sintoma pode também se referir aos processos
interativos presentes na família, sendo visto como “tentativas criativas que tendem a
ensejar o crescimento familiar. ” (CONNELL; MITTEN; WHITAKER, 1998, p. 72; apud
CRAMER C; 2006) É através do sintoma, considerado por Whitaker e Bumberry
(1990) como o “bilhete de entrada”, que as famílias podem, fazendo uso da dor que o
mesmo desperta, sair de sua paralisia e efetuar um pedido de ajuda terapêutica.
Os objetivos terapêuticos na abordagem experiencial são: possibilitar o
crescimento real da família, restituindo-lhe a direção de seu processo de mudança;
resgatar e aumentar sua liberdade criativa, propiciando que, ao recuperar seu próprio
potencial para a experiência, as habilidades de cuidar um do outro se intensifiquem.
Além disso, é necessário que os membros da família aceitem que as divergências e
diferenças não são destrutivas e que a dor e a ansiedade podem mobilizar o seu
desenvolvimento. Acredita-se que, através da expansão do mundo simbólico dos
membros da família e da respectiva integração em suas vidas, o resultado será um
viver mais pleno, conforme CRAMER C; (2006).

23
Na escola experiencial, o desaparecimento do sintoma não é priorizado, pois
adaptação não corresponde, necessariamente, a crescimento; as mudanças de
segunda ordem são vistas como as únicas que são realmente válidas, pois alteram o
funcionamento da família como um todo. “O objetivo essencial de toda psicoterapia é
libertar-se do passado, bom e mau, e do futuro, bom e mau, e somente ser.”
(WHITAKER, 1992, p. 70; apud CRAMER C; 2006).
Para que os objetivos terapêuticos levantados sejam atingidos, é de
fundamental importância o papel que o terapeuta desempenha nesse processo, uma
vez que ele atua como “modelo” para os membros da família. “Sua disposição para
trazer mais e mais de si para as sessões é o ingrediente catalítico que pode
desencadear a experiência de crescimento da família. ” (WHITAKER; BUMBERRY,
1990, p. 33; apud CRAMER C; 2006).
Sendo o terapeuta o principal instrumento de trabalho nesse enfoque, as
técnicas não são priorizadas; acredita-se, inclusive, que a sua utilização, bem como a
preparação antecipada da sessão, pode ocasionar um distanciamento entre o
terapeuta e a família. Connell, Mitten e Whitaker (1998; apud CRAMER C; 2006)
assinalam: quem precisa da técnica é o terapeuta, e não a família, e o impacto que
ela terá na família dependerá do envolvimento pessoal que se estabelecerá.
Os terapeutas que atuam orientados pela abordagem experiencial são ativos,
diretivos, alternadamente provocativos e apoiadores. Na fase inicial do processo
terapêutico, o terapeuta sinaliza à família que busca seu auxílio que é ele quem está
no comando dos aspectos administrativos do processo; de maneira clara, determina
quem deverá comparecer na primeira entrevista; procura incluir o máximo de pessoas
significativas, a fim de que haja motivação suficiente para se iniciar a terapia.
Preferencialmente, Whitaker incluía três gerações da família no atendimento e
postulava que a forma mais efetiva de se modificar uma pessoa engloba a modificação
do sistema no qual ela está inserida: “a presença de toda a família é a única forma
que eu conheço para gerar suficiente ansiedade e motivação para a mudança. ”
(WHITAKER; BUMBERRY, 1990, p. 37; apud CRAMER C; 2006).
À medida que o processo terapêutico avança, o terapeuta torna-se menos
diretivo e responsabiliza a família mais e mais pelo seu processo de crescimento;
através dessa postura, sinaliza que cabe a eles, como família, encontrarem o seu
próprio modelo. Ao terapeuta, cabe compartilhar do seu mundo simbólico, de

24
experiências vivenciadas em sua família de origem ou de estórias relevantes aos
conteúdos que a família apresenta. Além disso, deve gerar estresse que desestabiliza
e induz a família à confusão, pois acredita que ela é “a essência real da
desaprendizagem e da nova aprendizagem. Até que você rompa com seus padrões,
a rotina continua a se aprofundar. ” (WHITAKER; BUMBERRY, 1990, p. 66; apud
CRAMER C; 2006).
Nessa abordagem, a aquisição de insight não é considerada relevante, pois se
crê que ele ocorre em decorrência da experiência. Ao final do processo terapêutico, a
relação entre o terapeuta e a família apresenta uma maior simetria, “uma relação
existencial e de iguais. ” (WHITAKER, 1992, p. 199; apud CRAMER C; 2006) O foco
principal e que pode, até certo ponto, ser considerado o lema desse enfoque refere-
se à importância de priorizar o processo em vez do progresso.
Levando-se em conta o uso que o terapeuta faz de sua pessoa e a sua extrema
implicação nos processos simbólicos e emotivos das famílias que atende, o seu
desenvolvimento pessoal é de fundamental importância. Suas experiências de vida, a
forma como se envolve em relacionamentos significativos, sua espontaneidade e
criatividade são fatores preponderantes e que repercutirão na maneira como
conduzirá o processo terapêutico, conforme CRAMER C; (2006).
Além disso, o autoconhecimento obtido pelo terapeuta auxilia na percepção
mais clara do quanto as suas experiências, os seus valores e estereótipos funcionam
como “lentes” que filtram as vivências trazidas pela família em atendimento. “Os
referenciais que, automaticamente, aplicamos refletem nossa própria constelação de
perspectivas pessoais, preconceitos e distorções. Nós podemos ver os outros apenas
através dos olhos de nossa própria experiência. ” (WHITAKER; BUMBERRY, 1990, p.
135; apud CRAMER C; 2006).
Segundo Neil e Kniskern (1990; apud CRAMER C; 2006), um fator que mobiliza
a escolha de ser psicoterapeuta refere-se às vivências efetuadas em sua família de
origem, “os terapeutas parecem ter sido ajustadores ou esclarecedores ou pais
substitutos. ” (NEIL; KNISKERN, 1990, p. 124) para que o psicoterapeuta obtenha
maior clareza quanto a seu papel profissional e não confunda suas necessidades com
as de seus clientes em atendimento, os autores aconselham a busca de terapia
didática pessoal.

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Connell, Mitten e Whitaker (1998; apud CRAMER C; 2006) assinalam que se
tornar um terapeuta experiencial é um processo que só pode ser aprendido através
da prática. Ser um terapeuta envolve além de desempenhar um papel, estar como
pessoa implicada no processo; tal desenvolvimento requer tempo, disposição e
abertura ao novo. Além disso, o acesso e a compreensão de seu próprio mundo
simbólico e impulsivo são “pré-requisito para ver e entender o mundo simbólico dos
outros. ” (WHITAKER; BUMBERRY, 1990, p. 61; apud CRAMER C; 2006) “É loucura
pensar que você possa trabalhar com uma família e seu mundo impulsivo se você não
pode ter acesso ao seu próprio. ” (WHITAKER; BUMBERRY, 1990, p. 128; apud
CRAMER C; 2006).
A formação de um futuro terapeuta de família na abordagem experiencial segue
um caminho semelhante ao da terapia: inicialmente, o supervisor assume um papel
mais central, o qual se encaminha para uma maior simetria à medida que o terapeuta
avança em seu processo de crescimento. O “treinando” é estimulado a conhecer sua
própria interioridade, a efetuar contato com suas peculiaridades, seu universo
simbólico, sua “loucura”, bem como com suas forças e potencialidades. Também é
incentivado a estabelecer, com sua família de origem, um relacionamento em que
tanto o pertencimento quando as individuações sejam possíveis, conforme CRAMER
C; (2006).
Tornar-se um terapeuta pode ser visto como um processo: “primeiro, aprende-
se coisas sobre a psicoterapia; depois, como fazer psicoterapia; e após, se tudo vai
bem, dá-se o passo de converter-se em um terapeuta. ” (WHITAKER, 1992, p. 247;
apud CRAMER C; 2006).
Um ponto característico da abordagem experiencial, que a distingue de outros
enfoques, situa-se na importância de contar com um co-terapeuta na condução do
processo terapêutico. Levando-se em consideração o grande envolvimento afetivo do
terapeuta com a família, a co-terapia propicia maior liberdade para experienciar, ser
criativo, aproximar-se e distanciar-se, diminuindo o risco de ficar absorvido no campo
emocional da família. O co-terapeuta também é alguém com quem se pode
compartilhar a condução do processo terapêutico, suas repercussões internas e que,
ao término da psicoterapia, reduz o sentimento de perda do terapeuta, conforme
CRAMER C; (2006).

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Outra contribuição interessante de Whitaker (1992 apud CRAMER C; 2006) diz
respeito ao crescimento pessoal que pode ser obtido através de “psicoterapeutas não
profissionais”, denominação que pode ser recebida por qualquer pessoa leiga com
quem é possível estabelecer um relacionamento significativo e desencadeante de
crescimento pessoal. Esse terapeuta não profissional pode ser um familiar, um amigo
ou, inclusive, o co-terapeuta com quem se trabalha. Em seu relato autobiográfico,
Whitaker (1992; apud CRAMER C; 2006) menciona várias pessoas que ocuparam
esse papel ao longo da sua vida. Por exemplo: seu avô, quando tinha 5 anos; seus
colegas na escola, que lhe asseguraram a sensação de pertencimento; a experiência
compartilhada com Jonh Warketin, no atendimento em co-terapia de esquizofrênicos.
Segundo Whitaker (1992 apud CRAMER C; 2006 apud CRAMER C; 2006),
mesmo os acontecimentos dolorosos ou difíceis que acontecem na vida podem
desempenhar um aspecto terapêutico e impulsionador do crescimento dos indivíduos;
em suas próprias palavras: “a vida em si pode ser terapêutica. ” (WHITAKER, 1992,
p. 183 apud CRAMER C; 2006).

3.5 Escola de Milão na terapia familiar

Féres-Carneiro (1994 apud COELHO V; 2015) afirma que a mais importante


representante desse grupo é Mara Selvini Palazzoli, que, ao lado de Boscolo, Ceccin
e Prata formou o centro de Estudo da Família. Este grupo nasceu dos pressupostos
da teoria estratégica. Considerou que os problemas emergem quando os mapas
familiares não são mais adequados, ou seja, se os padrões de comportamentos
estabelecidos não são mais úteis às situações atuais.
Para Féres-Carneiro (1994 apud COELHO V; 2015), um dos princípios
fundamentais desse grupo é a conotação positiva dos comportamentos da família, ou
seja, quando se qualificam como positivos os comportamentos sintomáticos,
motivados pela tendência homeostática do sistema. Outro princípio de intervenção é
o de ritual familiar, que são ações que levam todos os membros da família a
participarem, sendo usados para engajar as famílias em uma série de atitudes que se
opunham ou exageravam as regras e as normas rígidas do contexto familiar, sendo
também usados para dramatizar conotações positivas.

27
A autora ainda afirma que Palazzoli estabeleceu três princípios indispensáveis
ao terapeuta: a formação de uma hipótese, a circularidade e a neutralidade. Todas as
hipóteses devem ser sistêmicas, incluindo todos os membros da família na explicação
da função da relação, sendo obrigatoriamente reformulada ou até mesmo descartada
durante a sessão; e, se rejeitada, o terapeuta deve se fazer valer de outras; contudo,
não deverá terminar a sessão sem uma hipótese formulada; a circularidade é a
capacidade do terapeuta de conduzir a sessão, baseando-se no que foi recebido pela
família como resposta à informação em termos relacionais que solicitou; a
neutralidade diz respeito à atitude de imparcialidade do terapeuta que se une a cada
membro da família, sem qualquer tentativa de coalizão ou de preferência por qualquer
um do grupo familiar, conforme COELHO V; (2015).
O terapeuta deve intervir; todavia, deve permanecer neutro, ou seja, o
terapeuta aceita as soluções familiares como sendo as únicas possíveis para o
momento presente, tentando agir como um estímulo, um elemento perturbador que
faz a família obter suas próprias soluções, conforme COELHO V; (2015).

3.6 A escola processual na terapia familiar

Virginia Satir, dentre os pioneiros da Terapia Familiar, foi a única mulher,


possuía formação em Serviço Social e prestava atendimento a famílias desde 1951.
Em 1955, passou a fazer parte do Mental Research Institute e, na atuação com Don
Jackson, incorporou os conceitos advindos da Teoria Geral dos Sistemas em sua
prática: a família é vista como um sistema, que possui tendência à homeostase e cujos
membros apresentam padrões repetitivos e previsíveis de comportamento e de
comunicação (BERTRANDO; TOFFANETTI, 2004; apud CRAMER C; 2006).
A abordagem de Virginia Satir no campo da Terapia Familiar é analisada, de
acordo com alguns autores, como Nichols e Schwartz (1998; apud CRAMER C; 2006),
Bertrando e Toffanetti (2004; apud CRAMER C; 2006), como situada dentro de um
enfoque experiencial, uma vez que busca, através da experimentação, levar os
indivíduos ao crescimento decorrente da ampliação do repertório de comportamentos
disponíveis. Entretanto, optou-se pelo uso da classificação proposta por Joan Winter
e Maria Gomori, representantes e formadoras do modelo desenvolvido por Virginia

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Satir, explicitado no livro Panorama das Técnicas Familiares, organizado por Mony
Elkaim (1998; apud CRAMER C; 2006), que a situa na abordagem processual.
Virginia Satir foi considerada uma força humanizadora na Terapia Familiar, pois
possuía “o olhar direcionado à vida emocional, ao contrário de outros pioneiros que
estavam enamorados da nova metáfora dos sistemas. ” (NICHOLS; SCHWARTZ,
1998, p. 54; apud CRAMER C; 2006).
O modelo processual alia conhecimentos advindos da Terapia da Gestalt, do
Psicodrama, bem como do Enfoque Comunicacional; os pontos principais abordados
nesse modelo referem-se à importância do afeto, da autoestima, da comunicação e
dos padrões de interação, conforme CRAMER C; (2006).
Virginia Satir demonstrava uma visão positiva e otimista das pessoas;
acreditava que todos os seres humanos possuem, dentro de si, competências e
recursos que podem ser mobilizados em direção à saúde e ao crescimento. A
mudança é vista como oportunidade; é “um processo natural e constante pelo qual os
indivíduos vêm a conhecer a si mesmos, realizar seu potencial e vincular-se aos
demais. ” (WINTER, 1998, p. 101; apud CRAMER C; 2006).
Nesse enfoque, as famílias saudáveis são vistas como flexíveis, portadoras de
positiva autoestima individual e familiar, adaptando-se, de forma criativa, aos desafios
que surgem em suas vidas. Os membros dessas famílias demonstram afeto, validação
e aceitação uns pelos outros; as discordâncias podem ser comunicadas, pois serão
ouvidas e respeitadas. As famílias disfuncionais evidenciam limitada expressão de
afetividade, falta de flexibilidade frente às crises, papéis familiares rígidos e padrões
de comunicação destrutiva que se relacionam à baixa autoestima presente em seus
componentes (NICHOLS; SCHWARTZ, 1998; apud CRAMER C; 2006).
Satir (1993; apud CRAMER C; 2006) postulava que a autoestima dos indivíduos
se estabelece no convívio com a família de origem, nos cinco primeiros anos de vida,
através das interações com os membros significativos, geralmente os pais. Os
indivíduos que crescem com baixa autoestima buscam, em seus relacionamentos
futuros, gratificações que venham a alterar a forma como se sentem acerca de si
mesmos. Quando frustrados em suas necessidades, surgem dificuldades de
comunicação nas interações, que podem desencadear o surgimento de conflitos.
Esses indivíduos também podem vir a utilizar seus filhos para manter ou aumentar a
sua própria auto- estima, estabelecendo com eles relações de triangulação.

29
O surgimento do sintoma ocorre em decorrência da presença de estresse no
sistema e pode ser encarado como um sinalizador da tensão presente na díade
conjugal e que repercute no desempenho dos papéis parentais. O Paciente
Identificado emite uma mensagem “que denuncia estar ele distorcendo seu próprio
crescimento devido aos esforços feitos no sentido de aliviar e absorver a tensão
existente entre seus pais. ” (SATIR, 1993, p. 22; apud CRAMER C; 2006).
Os objetivos terapêuticos do modelo processual visam alterações no processo
de comunicação, entendida em seus aspectos verbais e não verbais, entre os
componentes da família. Acredita-se que, a partir do momento em que os indivíduos
passam a expressar de maneira mais clara seus pensamentos, sentimentos, em um
clima de aceitação e cordialidade, a integração e a adaptação familiar aumentarão,
repercutindo de forma positiva na autoestima individual. Além disso, é necessário que
cada pessoa seja considerada em sua singularidade; a existência de diferenças
necessita ser aceita e valorizada. A mudança, por si só, não é o objetivo, e sim o
crescimento e a expansão das possibilidades individuais que virão a repercutir no
sistema como um todo, conforme CRAMER C; (2006).
“...não se trata de obter mudanças nas pessoas, e sim procurar lhes oferecer
uma profunda sensação de compreensão. ” (BERTRANDO; TOFFANETTI, 2004, p.
159; apud CRAMER C; 2006).
O foco do tratamento é o processo de interação entre os membros da família,
em detrimento dos conteúdos da comunicação; a mudança ocorre como resultado da
alteração das interações familiares. No modelo processual, o terapeuta possui um
papel ativo frente ao processo terapêutico; deve demonstrar interesse, aceitação,
acolhimento e validação àqueles que buscam sua ajuda. Necessita ser “um modelo”
no que se refere à clareza e à congruência em sua forma de se comunicar, prestando
especial atenção, sempre que possível, a incrementar a autoestima dos clientes. O
encontro terapêutico é visto como uma oportunidade preciosa de crescimento tanto
para o cliente, quanto para o terapeuta, conforme CRAMER C; (2006).
O desenvolvimento da pessoa do terapeuta é um aspecto de grande relevância
no modelo processual. Satir propunha a necessidade de que, na formação dos
terapeutas familiares, um trabalho direcionado a seus processos internos fosse
realizado. Para tanto, no treinamento, utilizava-se de vários métodos, tais como:
cronologia da vida familiar, dramatizações, esculturas, tendo por objetivo o aumento

30
da autoestima, a ampliação das possibilidades de escolha, a maior responsabilização
e a obtenção de congruência pessoal (WINTER; GOMORI, 1998; apud CRAMER C;
2006).
Acreditava que, assim como os clientes, os terapeutas também carregam
impactos negativos de seu passado que, ao serem trabalhados, virão a propiciar
melhores resultados na interação e no tratamento de seus clientes (LUM, 2002). No
que se refere às suas famílias de origem, “espera-se que [os terapeutas] tenham se
aceito e se vinculado com seus próprios pais no nível de ‘pessoalidade’ de cada um.
” (WINTER; GOMORI, 1998, p. 134; apud CRAMER C; 2006).
O trabalho com a pessoa do terapeuta permite, além da resolução de questões
pendentes, aumentar a consciência acerca dos aspectos positivos, que foram
adquiridos ao longo de sua história. Portanto, cabe a pergunta: “Quais forças e
recursos eu ganhei da minha família de origem? ” (LUM, 2002, p. 185; apud CRAMER
C; 2006) essa visão direcionada ao impacto positivo que a família de origem
desempenha na vida dos indivíduos repercute favoravelmente no tratamento, pois os
indivíduos passam a ser vistos como dotados de recursos e de poder para enfrentar
e manejar criativamente as dificuldades que se apresentam ao longo de suas vidas;
passam a ter uma visão positiva de si mesmos; passam a estabelecer
relacionamentos profundos, gratificantes e significativos.
Pelo exposto, observa-se que diferentes pioneiros na Terapia Familiar
propunham formas diversas acerca de qual seria o papel ideal do terapeuta, ênfases
diferentes em suas histórias de vida e diferentes processos relacionados à formação
de um terapeuta de família. Torna-se claro, então, que os enfoques estruturais e
estratégicos priorizavam a aquisição e o manejo de técnicas como fundamentais ao
bom desempenho terapêutico. Por outro lado, nos enfoques boweniano, experiencial
e contextual, o manejo das técnicas relega-se a um papel secundário, sendo o
desenvolvimento da pessoa do terapeuta visto como fator preponderante para o
desenvolvimento de uma prática terapêutica eficiente, conforme CRAMER C; (2006).
Boscolo e Bertrando (2000; apud CRAMER C; 2006) assinalam que os
enfoques iniciais da Terapia de Família, ou seja, todos os já descritos neste trabalho,
utilizavam-se do referencial da Cibernética de Primeira Ordem, ou Cibernética dos
Sistemas Observados, que possui como premissas: a possibilidade de separar o
sistema observado (a família) do sistema observante (o terapeuta) e o foco nos

31
mecanismos de retroalimentação, tanto positiva quanto negativa, que possibilitam a
morfogênese e homeostase dos sistemas, respectivamente.
Outras características das abordagens que se utilizavam desse referencial
relacionam-se à possibilidade de uma explicação objetiva do sistema familiar
observado, à neutralidade do observador, à exigência de verdade e objetividade na
descrição das estruturas e processos familiares alvo de modificação e à consequente
postura hierárquica do terapeuta como o especialista que “modificaria” a família,
conforme Sluzki (1987; apud CRAMER C; 2006), Hoffman (1990; apud CRAMER C;
2006) Boscolo e Bertrando (2004; apud CRAMER C; 2006).
A partir dos anos 80 do século XX, no campo da Terapia Familiar, ocorreu uma
“revolução epistemológica” (BOSCOLO; BERTRANDO, 2000; apud CRAMER C;
2006); uma “grande mudança” (GRANDESSO, 2000; apud CRAMER C; 2006); um
“novo desequilíbrio e salto evolutivo” (SLUZKI, 1997; apud CRAMER C; 2006). Tais
fatos ocorreram em virtude da incorporação de conceitos provenientes da Cibernética
de Segunda Ordem, ou Cibernética dos Sistemas Observantes, e do Construtivismo.
A Cibernética de Segunda Ordem considerava os sistemas vivos como “auto
criadores” e entidades independentes, que não poderiam ser programados de fora,
uma vez que não seguem padrões pré-determinados (HOFFMAN, 1990; apud
CRAMER C; 2006). O centro de interesse de tal disciplina passa, então, a ser o
observador, que é possuidor de “seus prejuízos, teorias e sensibilidade; constrói e
descreve a realidade observada” (BOSCOLO; BERTRANDO, 2004, p. 236; apud
CRAMER C; 2006).
Outro aporte importante foram os estudos realizados por Maturana e Varela
referentes à percepção, nos quais demonstraram que aquilo que se enxerga é o
resultado da atividade interna desencadeada pelo mundo externo. Além disso, as
contribuições provenientes do Construtivismo, desenvolvidas por Heinz Von Foester
e Ernest Graserfeld, relacionadas ao conhecimento como resultado de uma
construção mental, e não como representação fiel de uma realidade independente do
observador, tiveram um impacto marcante no campo (ELKAIM, 2000; apud CRAMER
C; 2006).

32
A partir do momento que tais conhecimentos foram assimilados, percebe-se a
impossibilidade de separar sistema observado e sistema observante; ou seja,
nenhuma descrição é independente daquele que a efetua, conforme CRAMER C;
(2006).
O observador encontra-se recursivamente conectado com o sistema que
observa, e aquilo que ele descreve relaciona-se com suas limitações, seus
pressupostos teóricos e preconceitos. Com a incorporação de tais conceitos, as
implicações de ordem prática são fundamentais: o terapeuta perde o seu poder e
status de especialista, de conhecedor da realidade de seu cliente e de interventor
objetivo que conduziria a família em direção à “funcionalidade”, conforme CRAMER
C; (2006).
O terapeuta passa, então, a ser mais um elemento no sistema, cujo papel é o
de facilitar, num processo dialógico estabelecido junto a seus clientes, a emergência
de realidades alternativas e o aumento de possibilidades que sejam mais úteis a eles,
conforme CRAMER C; (2006).
A partir do momento que é mais um no sistema, todo terapeuta carrega consigo,
ao atender seus clientes, premissas e elementos provenientes de sua formação
pessoal e de sua vida passada e presente que, inevitavelmente, interferirão naquilo
que ele observa e seleciona, bem como em suas intervenções posteriores. Adentra-
se, pois, no conceito de auto - referência, que pode ser definida como “aquilo que o
terapeuta leva de si mesmo no contexto do encontro terapêutico em relação a
elementos pessoais, familiares e sociais. ” (ANDOLFI, 1996, p. 70; apud CRAMER C;
2006) sendo as percepções e observações efetuadas pelos terapeutas auto-
referentes, torna-se necessário que ele assuma uma postura constante de
interrogação acerca dos significados que atribui ao que o cliente traz para o contexto
terapêutico, bem como de reflexão cuidadosa acerca de suas reações e seus
envolvimentos afetivos frente ao que ocorre nos atendimentos; ou seja, é necessário
que o terapeuta desenvolva a auto - reflexividade.
Outro conceito importante advindo das modificações que se fizeram presentes
na Terapia Familiar refere-se à ressonância, que é considerada o conjunto das
“ligações particulares devido à intersecção de dois sistemas diversos em torno de um
único elemento. ” (ANDOLFI, 1996, p. 67; apud CRAMER C; 2006) Tais conexões,
que podem dizer respeito às histórias do terapeuta e dos membros da família, podem

33
representar tanto fatores que interferem negativamente no processo terapêutico,
quanto possibilidades de estabelecer um contato empático e verdadeiro.
Sendo assim, percebe-se a importância de que os terapeutas de família tenham
consciência acerca de sua história passada e presente, dos recursos que
desenvolveram, de suas premissas pessoais e profissionais e das suas construções
de mundo, a fim de que possam, realmente, atuar como verdadeiros facilitadores junto
à clientela que atendem, conforme CRAMER C; (2006).
Aos aportes provenientes da Cibernética de Segunda Ordem e do pensamento
construtivista à Terapia Familiar, já tendo obtido reconhecimento no campo da Saúde
Mental como uma modalidade de intervenção psicoterapêutica eficaz, seguiram-se
outros questionamentos que serão descritos no próximo capítulo, conforme CRAMER
C; (2006).
Tais questionamentos, que ocorreram nos anos 80 e 90 do século XX,
referiam-se às questões de Gênero e Cultura que, de certa forma, ampliaram o olhar
limitado à família e passaram a considerar o contexto mais amplo no qual as mesmas
se inserem. As críticas recebidas e as alternativas que foram propostas alertam os
terapeutas acerca da necessidade de considerarem, em suas práticas, quais são suas
“lentes” ou seus “mapas” profissionais e pessoais, a fim de que suas intervenções não
venham a representar prejuízos na condução do trabalho terapêutico propriamente
dito e a reverter em sérias situações de injustiça, conforme CRAMER C; (2006).

3.7 Sistêmico-construcionista

Nichols (2007 apud COELHO V; 2015) afirma que as teorias visam trazer ordem
ao caos, organizando nossa consciência, nos ajudando a compreender o que as
famílias estão fazendo. As várias perspectivas do campo da terapia familiar procuram
nos auxiliar a entender a dinâmica familiar buscando modificar suas relações e
comportamentos.
De acordo com Grandesso (2008 apud COELHO V; 2015), as teorias
sistêmicas pós-modernas estão cada vez mais próximas entre si, sendo redefinidas a
partir da epistemologia construtivista e do acompanhamento da evolução da
cibernética de primeira ordem para segunda ordem. O terapeuta pós-moderno deixa
o lugar de especialista, como era difundido pelas teorias estruturais e estratégicas,

34
para ser um iniciador do jogo da linguagem, ou seja, um articulador que interage com
os familiares em busca da solução de problemas.
A autora ainda afirma que, nos dias atuais, vivenciamos na terapia familiar uma
“multiplicidade de abordagens, tantas quantas forem os terapeutas em questão”
(GRANDESSO, 2008. p. 116 apud COELHO V; 2015). Todavia, essa multiplicidade
não significa desordem, pois há uma coerência epistemológica que une as práticas
pós-modernas de terapia, organizando, assim, a ação dos terapeutas. Pode-se dizer
que tal coerência parte dos seguintes pressupostos:
 O terapeuta é um co-construtor no sistema terapêutico, tendo uma ação
conjunta com a família para solução de problemas;
 O terapeuta deve ser o responsável pela organização da conversação
terapêutica, mas a mudança só pode acontecer a partir da própria
pessoa e de sua organização sistêmica autopoiética;
 A legitimação do saber local das pessoas e contextos;
 A concepção não-essencialista de self que passa a ser construído no
contexto das relações;
 A pessoa é autora de sua história e existência, responsável pelas suas
escolhas, podendo criar e expandir suas possibilidades;
 A ênfase nas práticas de conversação e nos processos de
questionamentos como recursos de reflexão e mudanças, conforme o
aumento da interação entre terapeuta e cliente.
Vasconcellos (2007 apud COELHO V; 2015) afirma que, no processo de
tratamento, há uma exploração das forças que interagem, tanto dento do indivíduo,
como entre os indivíduos. Portanto, as abordagens dirigem-se a dois níveis de
compreensão e intervenção: o que está reprimido dentro de cada sujeito, seus
conflitos inconscientes, suas emoções e lembranças; e, as interações entre os
membros e a dinâmica familiar, visto que “o sintoma individual se torna uma unidade
de comportamento interpessoal, manifestado em um contexto de conflito, ansiedade
e defesas compartilhados pela família” (VASCONCELLOS, 2007, p. 244 apud
COELHO V; 2015).

35
Por fim, podemos dizer que a terapia familiar sistêmica, procura entender o
sintoma individual não isoladamente, mas na sua relação com a família. Machado
(2012 apud COELHO V; 2015) afirma que a Terapia Familiar pós-moderna se centra
na família como um todo, não a considera como uma mera soma de suas partes.
Essa terapia baseia sua intervenção na família enquanto sistema, composta
de elementos que possuem relações de interdependência entre si, mas proporciona o
desenvolvimento uns dos outros. Pode-se dizer que a Terapia Familiar é um bom
método terapêutico, no qual permite que todos os membros da família trabalhem pela
resolução do problema, responsabilizando-os e permitindo que eles consigam tomar
suas decisões necessárias para o progresso do ciclo da vida. A mudança individual
favorece a mudança familiar, mas também a mudança familiar favorece a mudança
do indivíduo, conforme COELHO V; (2015).

3.8 Cibernética de Primeira Ordem

O estudo da Cibernética dividiu a própria Cibernética em duas fases: primeira


ordem e segunda ordem. Como esclarecimento vale situar, que a Cibernética de
Primeira Ordem se divide em dois momentos: o primeiro momento, que se dá por
Primeira Cibernética e o segundo momento, a Segunda Cibernética, conforme
FILOMENO k; (2002).
Um dos princípios norteadores da Primeira Cibernética é o interesse pela
estabilidade, pela estrutura, entendendo que os sistemas funcionam com uma meta,
um propósito que equivale a um equilíbrio. Interessam-se então pelo que denominam
mecanismo de homeostase, que são as estratégias de ação dos sistemas e
organismos para o mantenimento de sua estabilidade, conforme FILOMENO k;
(2002).

“O primeiro período da cibernética de primeira ordem (primeira cibernética),


se ocupava dos mecanismos e processos pelos quais os sistemas, em geral,
funcionavam com o intuito de manter a sua organização. O sistema, de
acordo com essa concepção, operava de acordo com um propósito ou meta,
cujo alcance era garantido por mecanismos de regulação e controle (...)
regulação, enquanto um mecanismo, visa manter a sobrevivência do sistema
à medida que controla os distúrbios que o atingem, impedindo-os de
evoluírem para uma mudança, que possa quebrar a sua organização. Nesse
sentido, o sistema cibernético era compreendido como equivalente a uma
máquina trivial, fosse ele uma máquina, um organismo biológico, ou um
sistema social, que, tendo uma organização e um propósito, operava na
correção dos desvios, de modo que se mantivessem estável e sobrevivesse.
36
Esse processo conhecido como retroalimentação negativa, por meio do qual
um sistema vivo sobrevive mantendo a sua constância apesar das mudanças
do meio, convencionou-se chamar de morfostase”. (Grandesso, Marilene.
2000, p.124 apud FILOMENO k; 2002).

Aplicada à clínica o conceito de homeostase negativa, advinda da Primeira


Cibernética leva a ideia de que a permanência ou surgimento do sintoma é uma forma
de não mudança, uma forma do sistema voltar a ser o que era antes, no sentido de
autorregulação do sistema, conforme FILOMENO k; (2002).
Por estes motivos os terapeutas da Primeira Cibernética são mais diretivos,
planejando ativamente suas estratégias e ações. Têm como objetivo definir o
problema de forma clara e aplicar técnicas para a eliminação ou redução do problema
ou sintoma apresentado pela família, pois os sintomas são considerados, nesta época
uma ameaça de desequilíbrio, conforme FILOMENO k; (2002).
Neste sentido nasce a ideia de homeostase familiar, ao se observar que os
esforços psicoterapêuticos dirigidos ao membro da família que trazia o sintoma
(paciente identificado) podiam ser frustrados pelo comportamento de outros membros,
ou que outros membros poderiam tornar-se perturbados na medida em que o membro
em tratamento melhorasse. Isso sugeria que a família é algo como um sistema estável
e o sintoma existe para manter o status quo, conforme FILOMENO k; (2002).
Assim o terapeuta dedicava-se a entender os padrões de relação da família que
mantinham ou alimentavam o sintoma. As técnicas destinavam a burlar a homeostase
e a induzir uma crise na família que se reorganizava mais funcionalmente, sem a
necessidade do sintoma. O que importava então era a função do sintoma e não o
comportamento em si. O ponto chave da terapia era que o terapeuta assumia a
responsabilidade de planejar ações a fim de resolver o problema, de seu cliente. Isso
implica uma definição clara do problema com o qual vai se trabalhar a partir da queixa
trazida pela família, conforme FILOMENO k; (2002).
A ideia básica é gerar, a partir de intervenções, situações que vençam a
homeostase, sua resistência a mudança e empurrar a família para outro padrão de
funcionamento que não necessite a presença do sintoma. Assim, enfatizavam o
sintoma, para quebrá-lo. O tratamento rapidamente se efetivava e a terapia de família
se tornou um tratamento eficiente e breve, se contrapondo aos tratamentos
psicoterapêuticos da época. Porém, passando algum tempo do tratamento, muitas

37
famílias voltavam a fazer sintomas em busca da sua homeostase conforme se
acreditava, conforme FILOMENO k; (2002).
Surge então a chamada Segunda Cibernética onde coloca que o sintoma não
é o foco, o sintoma é apenas para identificar que algo não vai bem na família, sendo
o foco agora as relações e não o sintoma ou a pessoa que traz o sintoma. A pessoa
com o sintoma, denomina-se como paciente referido (P.R.), que é a pessoa que leva
a família à terapia. Dentro dessa visão, não significa que o problema é do paciente
referido somente, mas sim que o problema passa por todos os membros da família,
conforme FILOMENO k; (2002).
Na Segunda Cibernética se acrescenta a homeostase positiva, cuja
equilibração leva a permanência ou surgimento do sintoma como forma de mudança,
porque se há sintoma tem que se procurar ajuda terapêutica, aumentando assim a
possibilidade de mudança (autotranscedência). Não temos mais como modelo um
sistema resistente, “paralisado” em seu movimento, mas sim um sistema que,
inevitavelmente, muda para novas coerências e onde o sintoma não é mais um
“mecanismo homeostático” que impede a família de mudar ou de sucumbir a uma
crise, mas apresenta-se como alternativa amplificada, solução possível naquele
momento, para aquele sistema, conforme FILOMENO k; (2002).
Esta visão implica a ideia de que o sistema tem e adquire, ao longo do tempo,
seus próprios recursos para realizar mudanças, possuindo autonomia e uma
capacidade de auto-organização. A crise, ao invés de ser considerada como um
perigo, como na Primeira Cibernética, é vista agora como parte do processo de
mudança, e o sintoma como surgido no meio dela, conforme FILOMENO k; (2002).

“A sobrevivência dos sistemas vivos não dependia apenas de sua capacidade


de morfostase. Além de conseguir manter sus estabilidade, um sistema vivo
necessitava, também de ser capaz de modificar sua estrutura básica, para
adaptar-se às situações de mudanças do meio. Esse processo, chamado de
morfogênese, não poderia ser explicado por uma retroalimentação negativa,
mas, sim, por uma retroalimentação positiva, consistindo de sequências que
amplificavam o desvio de modo que o organismo, adaptando-se às condições
do contexto, conseguisse sobreviver. Esses processos de amplificação do
desvio, por meio da retroalimentação positiva, e os processos sistêmicos de
mudança, daí decorrentes, foram descritos por Maruyama como segunda
cibernética, constituindo-se assim no segundo período da cibernética
primeira ordem. Até então, os teóricos dos sistemas costumavam ver a
retroalimentação positiva como indesejável, associando-a à destruição do
sistema. Diferentemente da primeira cibernética que se constituía como uma
visão homeostática dos processos sistêmicos, a segunda cibernética
caracterizou-se por uma visão hemodinâmica, termos cuja grafia assim

38
cunhada por Sluzki salientam a dialética estabilidade-mudança”. (Grandesso,
Marilene. 2000, p.125 apud FILOMENO k; 2002).

Portanto, o foco da Teoria Sistêmica está nas relações, e a proposta terapêutica


é trabalhar com todos os membros da família juntamente. Uma vez que se entende a
família como um sistema em interação, em que cada um dos seus membros tem
responsabilidades e funções a desempenhar, criando assim um jogo de
interdependência e inter-relação, seria então contraditório pensar que somente um
membro está “doente”, conforme FILOMENO k; (2002).

“Quando consideramos a intervenção terapêutica numa perspectiva


sistêmica, temos de redefinir a terapia não como uma intervenção centrada
num indivíduo „doente‟, mas como um ato de participação e crescimento num
grupo com uma história”. (Andolfi. M, 1996, p.87 apud FILOMENO k; 2002).

“A patologia que se manifesta nele (P.R.) é a ponta do iceberg, que reflete e


esconde toda uma intrincada rede de relações que existem na família (...) Na medida
que aceitamos que o problema reside na interação afastamos uma explicação linear
dos fenômenos, de causa e efeito, e nos aproximamos da noção de circularidade e,
assim, da responsabilidade compartilhada da patologia familiar. A questão deixa de
ser de um para ser de todos”. (Groisman. M, 1991, p.26 apud FILOMENO k; 2002).
Além da preocupação com a homeostase positiva ou negativa, um sistema
pensado a partir da Cibernética de Primeira Ordem, pode ser operado “de fora”,
entendendo seus modelos como correspondentes a uma realidade independente do
observador. Este seria o outro princípio importante da Cibernética de Primeira Ordem,
a não inclusão da ideia de autorreferência, caracterizada pelo postulado de
independência entre observador do sistema e sistema observado. Esta ideia de
autorreferência, onde o observador faz parte da observação, foi trazida pela
Cibernética de Segunda Ordem, portanto estarei descrevendo melhor no item que se
refere a esta cibernética, conforme FILOMENO k; (2002).
Resumindo, toda esta ideia de Cibernética de Primeira Ordem, Primeira
Cibernética, Segunda Cibernética, Cibernética de Segunda Ordem, embasado em
Maruyama podíamos até esquematizar4 desta maneira, conforme FILOMENO k;
(2002):
1ª Ordem: palavras e princípios básicos: não inclusão da autorreferência:
 Primeira Cibernética: homeostase negativa.
 Segunda Cibernética: homeostase positiva.
39
2ª Ordem: palavras e princípios básicos: autorreferência:
 Relação
Foi Maruyama em 1963, quem introduziu, na área da Cibernética, este conceito
de Segunda Cibernética, conforme FILOMENO k; (2002).

“A 1ª cibernética trataria dos processos morfostáticos, resultantes de


retroação negativa ou retroação autorreguladora. Diante do desvio, a
retroalimentação negativa conduz o sistema de volta a seu estado de
equilíbrio homeostático, otimizando a obtenção do objetivo. A 1ª cibernética
trataria da capacidade de autoestabilização do sistema. Por outro lado, a 2ª
cibernética trataria dos processos morfogenéticos, resultantes de retroação
positiva ou amplificadora do desvio, amplificação que pode – caso não
produza a destruição ou ruptura do sistema – promover a sua transformação,
levando-o a um novo regime de funcionamento. Poderíamos dizer que a 2ª
cibernética trataria da capacidade de auto-organização – no sentido de auto
mudança – do sistema, enquanto a 1ª cibernética trataria da capacidade de
reorganização – no sentido de automanutenção – do sistema”. (Maruyama in
Mª José de Vasconcelos, 1995, p.105 apud FILOMENO k; 2002).

Entretanto, Maruyama, acaba contribuindo para a confusão conceitual quando


nomeia um segundo momento da Cibernética de Primeira Ordem, como Segunda
Cibernética pois acaba-se confundindo com Cibernética de Segunda Ordem, o que
não seria a mesma coisa. É claro que acaba recebendo críticas por isso. Keeney in
Maria José de Vasconcelos, fala que as ideias cibernéticas surgiram mais ou menos
simultaneamente por diversos autores, sendo que cada um nomeia de uma forma
diferente as mesmas coisas, não havendo concordância entre eles, conforme
FILOMENO k; (2002).
São os termos: Cibernética de Primeira Ordem, Cibernética de Segunda
Ordem, Primeira Cibernética, Segunda Cibernética, Primeiro Grau da Cibernética,
Segundo Grau da Cibernética, Cibernética da Cibernética, Si-Cibernética, Segunda
Potência, Visão de Segunda Ordem, entre outros, conforme FILOMENO k; (2002).

“Devo preveni-los, imediatamente, de que certos terapeutas de família têm


feito uso da distinção estabelecida por Maruyama entre o primeiro e o
segundo grau da cibernética, que reenvia respectivamente aos processos de
estabilidade e mudança. Essa é uma distinção não-cibernética, diferente da
enunciada por Von Foerster. A distinção de Maruyama entre o primeiro e o
segundo grau de cibernética não se inscreve na tradição histórica do
pensamento cibernético a que estamos nos referindo. ” (Keeney in Mª José
de Vasconcelos, 1995, p.107 apud FILOMENO k; 2002).

40
3.9 Cibernética de Segunda Ordem

A velha noção de consertar uma estrutura que apresenta um problema, não


serve mais. Os problemas não estão nas famílias, mas em sua construção da
realidade, em sua relação e na forma pela qual esta permite a emergência de
realidades, sujeitos, crenças e sintomas, conforme FILOMENO k; (2002).
Não há uma família dada “lá fora” a ser conhecida, previsível e manipulada,
mas uma família ou um sistema, imprevisível, incerto, dependente de uma história,
auto organizador e autônomo, regidos por suas próprias leis. Com base no conceito
de autonomia, questiona-se o valor e a pertinência de intervenções que pretendem
dirigir o sistema para determinado lugar, conforme FILOMENO k; (2002).
Questiona-se também a ideia de que tais intervenções causam mudanças, já
que o meio (terapeuta) não determina o que acontece no sistema (família), conforme
FILOMENO k; (2002).
O interesse dos terapeutas desloca-se assim das sequências de
comportamento a serem modificadas para os processos de construção da realidade e
identidade familiar, para os significados gerados no sistema. Não é o sistema que
determina o problema, mas o problema que determina o sistema, conforme
FILOMENO k; (2002).
A terapia transforma-se em uma rede de conversações em torno do problema
e o terapeuta em um participante ativo da transformação do sistema. O terapeuta não
é mais um implementador de técnicas. Ele trata de tentar criar um espaço para a
conversação, busca compartilhar e acompanhar a visão de mundo trazida pela família,
para co-construir realidades alternativas, novas conotações, com as quais o sistema
terapêutico desenvolva novas perspectivas que não trazem em si o comportamento
sintomático, conforme FILOMENO k; (2002).
Não se trata de solucionar problemas, mas de solucionar impasses na
resolução de problemas, através da mudança de perspectiva que permita um melhor
agenciamento do próprio sistema para tomada de decisões e mobilização de seu
potencial auto organizativo. A terapia introduz complexidade nas narrativas, sugere
ações, que não têm caráter fundante, mas que dão lugar ao surgimento de alternativas
possíveis de ação, conforme FILOMENO k; (2002).

41
“A tarefa terapêutica é facilitar o diálogo entre diferente vozes do sistema,
operando com a ambiguidade, fontes de mal-entendido e contradições, diferenças que
permitam gerar descrições mais abrangentes, menos antagônicas do problema
compartilhado. Neste sentido, a terapia deve promover um canal de expressão”.
(Rapizo, Rozana.1998, p.75 apud FILOMENO k; 2002).
A intervenção é feita através de perguntas conversacionais, reflexivas,
circulares. Perguntas que procuram explorar a influência do problema na vida da
família e a influência da família na vida do problema. Investigam conexões, padrões,
relações. Perguntas conversacionais, são aquelas que abem espaço para novas
perguntas e criam oportunidade para que novos significados do cliente emerjam e
promovam a mudança de visão e comportamento, conforme FILOMENO k; (2002).
Boscolo e Cecchin (in Rapizo, Rosana. 1998, p.79 apud FILOMENO k; 2002),
divulgaram o primeiro modelo discursivo ou de conversação para a terapia de família.
Adotando estas premissas, o terapeuta, ou equipe terapêutica questiona também suas
próprias crenças a respeito da família e de seu trabalho. Temos então, a valorização
de um contexto terapêutico mais colaborativo e menos hierárquico.
Enfim, com o passar do tempo a Cibernética amplia seu olhar e começa a se
deslocar para o entendimento de sistemas que não são, e não podem ser organizados
de fora, colocando em cheque a possibilidade de se falar em uma observação objetiva
de uma realidade independente, livres das influências do observador, conforme
FILOMENO k; (2002).
A noção de autorreferência é fundamental, na Cibernética de Segunda Ordem,
surgindo à ideia de que o observador está inserido na observação que realiza, pois
aquele que descreve suas observações, descreve a respeito de si. Conceito não
trazido pela Primeira Cibernética, onde entende seus modelos como correspondentes
a uma realidade independente do observador. Então, quem traz esta ideia é a
Cibernética de Segunda Ordem e o Construtivismo e Construcionismo Social, que veio
dar consistência ao pensamento Cibernético, conforme FILOMENO k; (2002).

“Nossa estrutura enquanto observadores, desde a nossa corporeidade até a


nossa linguagem e a nossa cultura, impõe restrições ao tipo de observações
que podemos fazer. Essa nova cibernética implicou uma teoria sobre o
observador, a crença na impossibilidade de separar o observador do sistema
observado e, portanto, o questionamento da possibilidade de conhecimento
objetivo, de previsão e controle. Um discurso científico passa a ser entendido
não apenas como um discurso sobre um referente, mas também como um
discurso sobre os limites da linguagem e dos processos mentais de quem o

42
produz (...) a incorporação dessa nova epistemologia às práticas sistêmicas
implicou mudanças fundamentais no papel do terapeuta e na própria
concepção da terapia. Antes de ser um interventor que opera sobre um
sistema (família, casal, indivíduo, por exemplo) para mudá-lo em uma dada
direção, previamente definida como „mais funcional‟ para o sistema, o
terapeuta passa a ser visto como mais um no sistema. No lugar de intervir, o
terapeuta coparticipa do sistema terapêutico, atuando para uma
transformação co-evolucionária que conta com a surpresa e o imprevisível à
medida que os sistemas produzem sua própria mudança. Da mesma forma
que a cibernética de segunda ordem, enquanto uma epistemologia, se define
como construtivista/construcionista social, as terapias, segundo este modelo,
também passam a ser chamadas de terapias de segunda ordem ou de terapia
sistêmica construtivista/construcionista social”. (Grandesso, Marlene. 2000,
p.131 apud FILOMENO k; 2002).

3.10 Teoria Geral dos Sistemas

A partir do momento em que se adota uma visão de sistema, a ciência tende a


não isolar os fenômenos de seus contextos, examinando unidades cada vez maiores.
Sob o título comum de investigação dos sistemas, convergem os avanços de diversas
especializações científicas, conforme FILOMENO k; (2002).
Várias disciplinas se incluem entre as “ciências dos sistemas”, entre elas e às
que são relevantes neste momento, são: Teoria Geral dos Sistemas e Cibernética,
uma organicista e outra mecanicista. A tendência mecanicista se relaciona a técnicas
de controle, automatização, inovações tecnológicas, tendo como teoria a cibernética,
conforme FILOMENO k; (2002).
Já a tendência organicista, partindo do princípio que um “organismo é uma
coisa organizada”, trata-se de especificar as leis de funcionamento desse tipo de
sistema. As duas tendências desenvolveram-se paralelamente, Wiener – Cibernética
e Bertalanflly – Teoria Geral dos Sistemas, conforme FILOMENO k; (2002).
Bertalanffy preocupava-se com os sistemas biológicos e sociais,
diferentemente dos matemáticos (mecanicistas) da cibernética. Para ele, o modelo de
retroalimentação (homeostase negativa e positiva), podia muito bem explicar o
processo das máquinas, portanto era insuficiente para explicar ou descrever sistemas
biológicos. O organismo vivo mantém através destas interações dinâmicas múltiplas
um estado de desequilíbrio constante. E, a desconsideração do potencial evolutivo e
de crescente organização dos organismos vivos na cibernética inviabilizava sua
aplicação ao mundo biológico ou social. Para ele sistemas de retroalimentação são
sistemas fechados, aonde não se considera a possibilidade de transição a estados de
maior complexidade, conforme FILOMENO k; (2002).
43
Portanto, estas considerações apontam certamente para limitações que foram
parte dos problemas da aplicação do modelo cibernético ao mundo biológico e social.
No entanto, com a retomada do estudo dos sistemas auto organizadores (homeostase
positiva) e as novas concepções daí decorrentes, muitas destas lacunas foram
preenchidas. E, apesar do esforço de Bertalanffy em diferenciar sua teoria da
Cibernética, as duas praticamente se confundem e o modelo desenvolvido por ele é
absorvido, transformado e mesmo ultrapassado pela Cibernética de Segunda Ordem,
conforme FILOMENO k; (2002).

3.11 Origem da teoria sistêmica

A Teoria Sistêmica tem suas origens na física quântica, a partir da mudança na


visão de mundo, onde passou-se da concepção linear-mecanicista de Descartes e
Newton para uma visão holística e ecológica. O termo holístico, do grego “holos”,
totalidade, refere-se a uma compreensão da realidade em função de totalidades
integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores.
Vivemos hoje num mundo globalmente interligado, no qual fenômenos biológicos,
psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes, intimamente
interligados, sistêmicos, conforme FILOMENO k; (2002).
Num primeiro momento a ênfase dada ao método cartesiano levou à
fragmentação do pensamento e a uma atitude generalizada de reducionismo na
ciência, na crença que todos os aspectos dos fenômenos complexos poderiam ser
compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes. Para Descartes, o universo
material era uma máquina, nada além de uma máquina. Não havia propósito, vida ou
espiritualidade na matéria, conforme FILOMENO k; (2002).
A natureza funcionava de acordo com leis mecânicas, e tudo no mundo
material podia ser explicado em função da organização e do movimento de suas
partes. Animais, plantas e seres humanos eram considerados simples máquinas. O
pensamento de Descartes compara um homem doente com um relógio mal fabricado
e um homem saudável com um relógio bem feito, conforme FILOMENO k; (2002).

44
A evolução do pensamento reducionista de Descartes leva ao surgimento de
um novo paradigma: o universo é um todo unificado que pode, até certo ponto, ser
dividido em partes separadas, em objetos feitos de moléculas e átomos, compostos,
por sua vez, de partículas. Mas atingindo esse ponto, no nível das partículas, a noção
das partes separadas dissipa-se. As partículas e todas as partes do universo, não
podem ser entendidas como entidades isoladas, devem ser definidas através de suas
inter-relações. Cada evento é influenciado pelo universo todo, embora não possamos
descrever essa influência em detalhe, conforme FILOMENO k; (2002).
Neste novo paradigma o universo então, é visto como uma teia dinâmica de
eventos inter-relacionados. Nenhuma das propriedades de qualquer parte dessa teia
é fundamental, todas elas decorrem das propriedades das outras partes do todo, e a
coerência total de suas inter-relações determina a estrutura da teia, conforme
FILOMENO k; (2002).
A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração. Os
sistemas são totalidades interligadas, cujas propriedades não podem ser reproduzidas
a unidades menores. Todo e qualquer organismo é uma totalidade integrada e,
portanto, um sistema vivo. Embora possamos discernir suas partes individuais em
qualquer sistema a natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes.
Um outro aspecto importante reconhecido a partir do estudo dos sistemas é sua
natureza intrinsecamente dinâmica. Suas formas não são estruturas rígidas, mas
manifestações flexíveis, embora estáveis, de processos subjacentes, conforme
FILOMENO k; (2002).
O aspecto dinâmico do sistema leva a conceitos como “Cibernética” que estuda
a comunicação e o sistema de controle dos organismos vivos e também nas
máquinas. Este pensamento desenvolvido pelas diversas áreas de conhecimento
científico, reiterado pelo pensamento filosófico da época, também foi absorvido pela
prática clínica dentro do campo das psicoterapias. Ocorre então uma mudança de foco
das teorias clínicas, que passa a observar mais os sistemas humanos do que o
indivíduo recordado do seu contexto. O foco da visão clínica deixa de ser o
intrapsíquico e passa para o inter relacional. Surge então, a Teoria Sistêmica aplicada
à atividade clínica, conforme FILOMENO k; (2002).

45
4 A FAMÍLIA NA PERSPECTIVA SISTÊMICA

A terapia familiar sistêmica breve formula, consoante Calil (1987 apud


BOECHAT L; et al., 2015), seu arcabouço teórico a partir da Teoria Geral dos
Sistemas de Von Bertallanfy que define a família como um sistema aberto, devido ao
movimento de seus membros dentro e fora de uma interação uns com os outros e com
os sistemas extrafamiliares, tendendo a funcionar como um sistema total, onde as
ações e os comportamentos de um dos membros influenciam e, simultaneamente, são
influenciados pelos de todos os outros.
As propriedades dos sistemas abertos, encontrados também nos sistemas
familiares, segundo Watzlawick, Beavin e Jackson (1981 apud BOECHAT L; et al.,
2015), são: globalidade (quando uma parte do sistema se modifica, as demais também
se modificarão para se adaptarem, pois os sistemas são um todo coeso e a interação
entre seus elementos é circular e não linear; um sistema jamais equivale à soma de
suas partes, pois há que se considerar os contextos interacionais); retroalimentação
(por feedback positivo, o sistema se transforma e evolui, promovendo a morfogênese;
por feedback negativo, o sistema reduz as perturbações para voltar ao equilíbrio e
manter a homeostase – equilíbrio dinâmico que permite, ante a mudanças, o sistema
manter sua estabilidade e seu funcionamento por um processo de autorregulação);
equifinalidade (um resultado é gerado por condições iniciais diferentes e um mesmo
evento pode determinar diferentes resultados), conforme BOECHAT L; et al., (2015).
Considerando tais pressupostos, a terapia familiar sistêmica oferece
abordagens que pretendem ajudar as famílias nas dificuldades que porventura
possam atravessar em suas relações interpessoais, conforme BOECHAT L; et al.,
(2015).
Diz Calil (1987 apud BOECHAT L; et al., 2015) que a escola estrutural dedica-
se, em especial, à reorganização da família pela modificação das características das
fronteiras do sistema familiar e seus subsistemas ou do relacionamento hierárquico
de seus membros; a escola estratégica breve enfatiza os padrões de comunicação e
de interação, considerando que estes definem relacionamentos humanos; e o grupo
de Milão ressalta o dilema mudar/não mudar experimentado pelas famílias que
tendem a limitar seu crescimento e evitam alterar seus padrões relacionais por
considerarem mudanças uma ameaça aos padrões estáveis de relacionamento.

46
Desse modo, a família pensada de modo sistêmico pode ser comparada em
suas características ao sistema aberto e ser concebida como uma estrutura em que
as pessoas se comportam, organizam-se e funcionam sob certos padrões de
interação e de comunicação, seguindo regras para alcançarem seus objetivos. No
entanto, a manutenção de tais padrões exige reflexão e atualização, mas, muitas
vezes, isso não acontece, conforme BOECHAT L; et al., (2015).
A família, na perspectiva sistêmica, segundo Carter e McGoldrick (2007 apud
BOECHAT L; et al., 2015), constitui-se pela união de duas pessoas (adultas) que
modifica dois sistemas familiares inteiros e desenvolve um terceiro sistema com
identidade própria. O novo sistema efetivamente se constitui família com a chegada
do primeiro filho, que a inaugura, trazendo novamente muitas mudanças. Importa
realçar que essas pessoas que se unem eram e continuarão sendo membros de
sistemas que já possuíam suas características e expectativas próprias como grupo,
assim como suas expectativas pessoais, inclusive, em relação às gerações futuras.
Isso requererá, a cada nova fase vivenciada pela nova família, reorganização e
atualização.
No entanto, algumas pessoas parecem apenas reagir automaticamente às
vivências em família. Talvez pelo fato de que tais vivências lhes sejam tão “familiares”,
ou seja, tão próximas e tão próprias que não conseguem o distanciamento necessário
para uma reflexão que favoreça mudanças naquilo que, obviamente se houver, não
lhes seja interessante viver. Sob a convicção de que “na minha família era assim”,
imersas na atmosfera familiar, fazem aquilo que sabem fazer da melhor forma
possível, muitas vezes, certas de estarem fazendo o melhor, mas sem troca dentro e
fora do sistema familiar e sem avaliar as consequências de suas atuações, conforme
BOECHAT L; et al., (2015).
Assim, além de todas as diferenças anteriormente mencionadas que podem
gerar conflitos entre os familiares, dois fenômenos relacionais parecem comprometer
as relações interpessoais no âmbito da família, por não considerarem a
metacomunicação e impedirem a metacognição, quais sejam, a pseudomutualidade e
o duplo vínculo, conforme BOECHAT L; et al., (2015).

47
De acordo com Rapizzo (2002 apud PADILHA L; et al., 2014) a visão sistêmica
da família é acompanhada, historicamente, pelas transformações na concepção e
compreensão de outras ciências, como a física, a teoria geral dos sistemas,
cibernética e biologia. Com significativas evoluções técnicas e teóricas a terapia de
família abrange uma nova visão, desprendendo-se de visões mecanicistas e lineares
e adquirindo uma visão mais complexa, mais holística das relações humanas
(RAPIZO, 2002 apud PADILHA L; et al., 2014).
Conforme PADILHA L; (2014), a autora supracitada faz referência à terapia de
família, em primeira ordem, que abarca uma terapia mais comportamentalista,
agregada à teoria de controle da comunicação, com ênfase nas técnicas e eficiência
do tratamento/intervenção. Posteriormente no desenvolvimento teórico e prático
surgiram novos enfoques, conforme apresentado pela autora a seguir, surgem
modelos clínicos que consideram o terapeuta como construtor de realidades
alternativas das quais o sintoma relatado não faça parte.
A ênfase desloca-se do comportamento para seu significado. A terapia passa
a ser considerada um domínio de conversação e a proposta é abrir mão de técnicas
diretivas, como tarefas, rituais [...] originalmente ligadas a modalidades terapêuticas
de primeira ordem, notadamente às terapias conhecidas como estratégicas. (RAPIZO,
2002, p. 24 apud PADILHA L; et al., 2014).
A autora Rapizo (2002 apud PADILHA L; et al., 2014) apresenta em sua obra
os aportes gerais da cibernética, as quais fundamentam uma visão sistêmica familiar.
Originalmente, os fundadores dessa visão compreenderam que a mente, como uma
organização, é relacional, em que se deve focalizar as relações entre os elementos e
não o elemento em si.
Paralelo a isso, Rapizo (2002 apud PADILHA L; et al., 2014) apresenta a ideia
de ordenação e regulação de forma mais complexa, que envolve a
interdisciplinaridade, em que o sistema busca mover-se para se ordenar de forma
positiva. A retroalimentação conceitua o circuito circular que rege um sistema de
forças que se alimentam e influenciam.
A partir dos conceitos apresentados por Rapizo (2002 apud PADILHA L; et al.,
2014) na cibernética de segunda ordem, compreende-se o sistema familiar do ponto
de vista que o sintoma é parte do próprio sistema, não pertencente a um indivíduo,
mas às inter-relações.

48
Deste modo, entende-se a família não como a soma de indivíduos, mas como
uma totalidade, com identidade grupal (RAPIZO, 2002 apud PADILHA L; et al., 2014).
Assim sendo, a movimentação de um dos membros gera a busca por compensação
por outro membro, ou seja, a família tende a permanecer em homeostase.

Supondo que as pessoas nas relações correntes funcionam como


‘reguladores’ em relação umas às outras, e supondo que é a função de um
regulador diminui a mudança, então a primeira lei das relações humanas é a
seguinte: Quando uma pessoa mostra uma mudança em relação a outra, a
outra agirá sobre a primeira para diminuir e modificar a mudança. (HALEY,
1972 apud RAPIZO, 2002 apud PADILHA L; et al., 2014).

Rapizo (2002 apud PADILHA L; et al., 2014) apresenta que as características


dos membros da família e a natureza do comportamento de um membro como
paciente envolvem um motivo de manutenção do status quo, “como se fosse típico
daquela família e para reagir em direção a este status quo, sempre que haja mudança,
tal como aquela proposta pelo tratamento de seus membros”, (JACKSON E
WEAKLAND 1961 apud RAPIZO, 2002 apud PADILHA L; et al., 2014).
A terapia sistêmica envolve duas ramificações, as abordagens estratégicas e
as escolas construtivistas. A primeira apoia-se em conceitos da cibernética de primeira
ordem e teoria da comunicação, envolvendo os conceitos de circularidade,
homeostase e controle. A segunda, escolas construtivistas, abarcam conceitos
oriundos dos estudos das linguagens, da construção social da realidade e do sujeito
(RAPIZO, 2002 apud PADILHA L; et al., 2014).
De acordo com Nichols e Schwartz (2007, p. 24 apud PADILHA L; et al., 2014)
os indivíduos são definidos e sustentados por redes de relacionamentos, em especiais
os familiares, entretanto apenas nos anos 1950 os terapeutas iniciaram o tratamento
com a família inteira. No século XX as abordagens de psicoterapia tinham duas
grandes influências a psicanálise de Freud e a abordagem centrada na pessoa de Carl
Rogers; ambas abarcavam a família questões significativas para a compreensão do
sujeito.
Em termos de organização da terapia, as autoras supracitadas apresentam que
há certa polêmica nesse quesito e divergências de opiniões, já que alguns autores
afirmam que se deve trabalhar com todo o sistema familiar e outros incluem a terapia
individual como geradora de mudanças no sistema como um todo, entretanto afirmam
tanto a psicoterapia individual, quanto a terapia familiar oferecem uma abordagem de

49
tratamento e uma maneira de compreender o comportamento humano. (NICHOLS E
SCHWARTZ, 2007 apud PADILHA L; et al., 2014).
Quanto aos objetivos da psicoterapia, entende-se que serão de acordo com o
objetivo trazido pelo cliente, frente a isso os autores Brosco & Bertrando (2012 apud
PADILHA L; et al., 2014) sugerem que o terapeuta tenha atenção constante aos
objetivos do cliente e a evolução com o tempo de terapia, em geral o objetivo
primordial do cliente é a eliminação do seu mal-estar ou sofrimento, entretanto com
na evolução da terapia o objetivo pode se modificar, o importante é a avaliação do
terapeuta frente aos objetivos do cliente.

Fonte: personare.com.br

Os autores apresentam que o terapeuta deve explorar se necessário, questões


obscuras à resolução do problema trazido pelo cliente, ou seja, o terapeuta “tentará
criar com seu cliente um contexto terapêutico de exploração e investigação comum,
no qual a globalidade da pessoa do cliente ocupará a posição central”. (Brosco &
Bertrando, 2012 apud PADILHA L; et al., 2014).
O manejo utilizado na terapia segue um modo em que o objetivo é permitir uma
relação de compreensão, como apresenta Brosco & Bertrando (2012 apud PADILHA
L; et al., 2014) aprender a aprender, para que o cliente possa encontrar suas soluções
do sofrimento enfrentado, incluindo a influência do contexto, sistema, significados e
ações que envolvem os sintomas apresentados. Os autores destacam a participação
influente da família, tanto nuclear como os parceiros, profissionais e o próprio
terapeuta.

50
Quanto ao terapeuta na relação terapêutica, os autores Brosco & Bertrando
(2012 apud PADILHA L; et al., 2014) demonstram que, inicialmente na década de
1970 – com fundamentos da terapia estratégico sistêmica, concentrou-se a atenção
na família deixando de fazer relevância ao terapeuta e suas emoções. Entretanto, com
fundamentos na cibernética e o pensamento construtivista (de segunda ordem), a
atenção se deu para a auto -reflexão, ou seja, para o indivíduo, deste modo o interesse
voltou-se para as relações estabelecidas pelo indivíduo consigo ou com seu self,
incluindo o self do terapeuta.
A necessidade de apego ao outro é compreendida como essencial ao homem,
que é um ser social. As relações com pessoas significativas, principalmente com a
família de origem, são estabelecidas por relações de proximidades e distâncias
afetivas. Assim, os autores Brosco & Bertrando (2012 apud PADILHA L; et al., 2014),
elencam a importância da consideração desses vínculos para o cliente, tanto o vínculo
afetivo consigo mesmo, como os sistemas externos de referência e com o terapeuta.
O sistema familiar e as relações exercidas nesse sistema representam certo
poder, como apresenta Brosco & Bertrando (2012 apud PADILHA L; et al., 2014) a
relação do poder tem extrema influência, tanto na construção do sujeito, em que os
papeis são estabelecidos dentro da família e em sentido macro, como na relação
cliente-terapeuta. Paralelo a isso os autores discutem o que envolve a citação
seguinte:

[...] o problema para um terapeuta não é de ter excessivo poder nem o de


sucumbir ao poder. Antes, o terapeuta deveria assumir suas
responsabilidades por seu poder de construir no interior dos vínculos do
domínio relacional/social. [...] assim como o poder não é unilateralmente
determinado, tampouco o são o igualitarismo e o respeito pelos outros. Estes
são resultados de um processo interativo, no qual é necessário tanto o
oferecimento do respeito como a aceitação/reconhecimento dessa oferta.
(FRUGGERI, 1992 apud BROSCO & BERTRANDO, 2012, p. 125 apud
PADILHA L; et al., 2014).

Os mesmos autores discutem a questão dos papéis estabelecidos aos sujeitos,


já que há interferência da construção social e das crenças que cada um alimenta
assim se torna muito importante o terapeuta estar consciente dos próprios
preconceitos e conhecer os preconceitos e concepções de seu cliente e o sistema
onde está inserido, conforme PADILHA L; et al., (2014).

51
Alguns conceitos fundamentam o curso das terapias, como por exemplo, as
perguntas circulares, que são apresentadas por Brosco & Bertrando (2012 apud
PADILHA L; et al., 2014) a busca pela compreensão por de trás dos fatos falados pelo
cliente, direciona-se, em vezes, por perguntas feitas pelo terapeuta que abarcam
sistematicamente suas respostas através de conexões. Os autores agregam que “esta
modalidade pode desafiar o egocentrismo do cliente, posto na condição de refletir ou
formular hipóteses sobre pensamentos e emoções de outras pessoas, nos seus
encontros” (BROSCO & BERTRANDO 2012, p. 128 apud PADILHA L; et al., 2014).
No percurso da terapia originam-se desconstruções e construções, como os
autores acima propõem; o terapeuta não utiliza apenas perguntas circulares, mas
também o silêncio, os sons e palavras, assim como proferem perguntas simples e
também didáticas, ou até mesmo reformulações de sentidos; envolvendo assim as
desconstruções e reconstruções. (BROSCO & BERTRANDO, 2012 apud PADILHA L;
et al., 2014).
Para que haja possibilidades de intervenções, sejam elas mais diretivas ou não,
há a necessidade de criação de um contexto terapêutico, que para os autores Brosco
& Bertrando (2012 apud PADILHA L; et al., 2014) é formado por elementos comuns
do cliente e do terapeuta, como a motivação e escolha de estar realmente buscando
a mudança e a confiança entre ambos.
Por parte do terapeuta, é fundamental a escuta íntegra, a capacidade de
colocar-se como ouvinte ativo mais do que passivo, a empatia, curiosidade ao cliente,
à história, à evolução do processo, estar atento ao sentido do que o cliente traz à baila,
ter uma visão circular do caso, ter consciência das relações terapêuticas existentes,
assim como, o terapeuta deve ter em mente que sua leitura não é objetiva, mas que
são influenciadas por suas próprias concepções. (BROSCO & BERTRANDO, 2012
apud PADILHA L; et al., 2014).

4.1 Relações familiares

Sabe-se que a constituição do sujeito, desde seu nascimento, recebe


contribuições do contexto em que o mesmo está inserido, em especial do sistema
familiar. Segundo autores, o contexto de família tem apresentado mudanças diversas
na contemporaneidade. Conforme Wagner et. al; (2011 apud PADILHA L; et al., 2014)

52
essas mudanças na configuração familiar estão relacionadas as transformações da
sociedade em gera.
O conceito de estrutura família, para Wagner et al (2011 apud PADILHA L; et
al., 2014) engloba a composição, arranjos e também o funcionamento e dinâmica da
família. A organização da família acontece através de sistemas, que para os autores
compreendem “um grupo de pessoas que interagem a partir de vínculos afetivos,
consanguíneos, políticos, entre outros, que estabelecem uma rede infinita de
comunicação e mútua influência”. (WAGNER et al, 2011, p. 21 apud PADILHA L; et
al., 2014).
Dentro de um sistema familiar existem os subsistemas, compreendido por
serem agrupamentos de membros do sistema familiar que tenha uma interlocução
diferente do sistema principal. Os autores Wagner et al (201121 apud PADILHA L; et
al., 2014) apresentam o subsistema conjugal que acontece entre os progenitores,
subsistema parental, que é derivado do subsistema conjugal e envolve o papel de pai
e mãe, e o subsistema fraternal, que designa a relação entre iguais.
Algumas formas de funcionamento compreendem as famílias. São expostas
por Wagner et al (2011 apud PADILHA L; et al., 2014) os papéis, que representam a
função estabelecida por cada membro; as regras que definem a maneira da
organização da família, e as fronteiras que delimitam as relações emocionais, com
intuito de proteção e diferenciação.
Há características distintas entre as diferentes famílias, como por exemplos a
presença de fronteiras entre os subsistemas. Wagner et al (2011; apud PADILHA L;
et al., 2014) expõem a configuração de fronteiras rígidas, que permitem uma
delimitação extrema de emoções entre os subsistemas, as fronteiras difusas, que se
caracterizam por serem fragmentas gerando certo emaranhado emocional, e por fim
as fronteiras nítidas, que representam um meio termo na delimitação emocional entre
os sistemas. Essa configuração de fronteiras, segundo os autores, permite que cada
membro exerça suas funções de maneira adequada, evitando interferências
prejudiciais.
Além de a família compreender suas estruturas e funcionamento interno entre
os subsistemas, há também um movimento e transformação em relação ao tempo, ou
seja, o sistema familiar move-se através do tempo. Carter (1995 apud PADILHA L; et
al., 2014) apresenta o seguinte:

53
O estresse familiar é geralmente maior nos pontos de transição de um estágio
para outro no processo desenvolvimental familiar, e os sintomas tendem a
aparecer mais quando há uma interrupção ou deslocamento no ciclo de vida
familiar em desdobramento. (CARTER 1995 p. 8 apud PADILHA L; et al.,
2014).

Na compreensão da citação acima, entende-se que a família é acompanhada


de estágios, os quais variam de acordo com a idade cronológica de seus membros e
situações vividas. Ou seja, a família que tende a permanecer em sua homeostase de
funcionamento, quando chegada a uma necessidade de mudança, poderá apresentar
sintomas, os quais podem se deslocar entre os membros da família, conforme
PADILHA L; (2014).
Pode-se dizer que a família tem um modo de resolução de conflitos e acredita
que fazendo daquele jeito dá certo. Essas crenças e mitos que permeiam a instituição
família cria um estado de lealdade dos membros a ela (OSÓRIO e VALLE, 2009 apud
PADILHA L; et al., 2014).
Frente a essas compreensões da dinâmica que envolve o funcionamento da
família e das relações conjugais, a autora Krom (2000, p. 26 apud PADILHA L; et al.,
2014) apresenta que “os indivíduos desenvolvem nas famílias de origem vícios
emocionais, em forma de expectativas e reatividade a acertos vícios individuais e
relacionamentos”. Desta maneira, quando os indivíduos constroem uma nova família,
a partir da união com outro sujeito, que também carrega os mitos e crenças da família
de origem, criam-se um novo sistema, em que devem-se reestruturar a organização,
conciliando a carga familiar de cada um.

5 A TEORIA DO APEGO

Fonte: gravidez.online.com
54
A teoria do Apego foi criada pelo psiquiatra e psicanalista Bowlby (1973, 1980,
1982 apud GHISI A; 2013), a partir dos vínculos estabelecidos nas relações entre
mães e bebês. Sua inspiração para a criação desta teoria se deu a partir da
observação de bebês e crianças separadas de suas mães ou de suas figuras
cuidadoras primárias.
De acordo com as respostas que se revelavam através do tempo e de forma
invariável, ele criou o conceito de sistemas afetivos relacionados à forma como se
estabeleceu o apego (criança) e cuidado (figura cuidadora). Segundo o autor, o
desconforto e a ansiedade gerados pela separação dos cuidadores ajudam na
compreensão de questões da psicopatologia, assim como sobre o desenvolvimento
da personalidade do indivíduo, conforme GHISI A; (2013).
Esta teoria compreende o ser humano sempre em relação a outros da sua
espécie. A criança quando nasce já está predisposta a formar vínculo com seu
cuidador. O processo de identidade que se forma a partir dos primeiros vínculos
estabelecidos entre a figura cuidadora e o bebê, servem de modelo para futuros
relacionamentos no decorrer da vida adulta. Nossos pais ou cuidadores servem de
exemplo, como professores mais importantes que nos ensinaram maneiras de amar,
e que mais tarde servirão como modelo para nossas relações fraternas, de pais/filhos
e casal (MONTORO 2004 apud VITALE, 2004 apud GHISI A; 2013).
Para Bowlby (2009 apud GHISI A; 2013) o apego é um sistema afetivo que tem
a proximidade, a procura por contato, segurança e cuidado como resposta previsível
por parte do ente querido. É uma espécie de porto seguro. A necessidade de
proximidade, manutenção, contato e dependência é inata ao ser humano.
Através dessa interação com a figura de apego, a pessoa descobre que sendo
ameaçada por algum perigo, pode ou não contar com respostas favoráveis. A
estruturação do sistema de apego durante os primeiros anos de vida cria modelos
mentais da vida social, e das relações interpessoais. As interações sociais funcionam
como organizadoras das representações de mundo interno e externo Wogau (2010
apud Montoro 2010 apud GHISI A; 2013).

55
As experiências relacionais vivenciadas geram impactos positivos ou negativos
e formam representação mental de si, promovendo a construção da personalidade
(autoimagem). Esses modelos mentais servirão de alicerce para o desenvolvimento
de outros sistemas de apego, a partir deles é que se aprende o que esperar dos outros
e das relações interpessoais no contexto ao nosso redor. “...o vínculo da criança com
sua mãe é um produto da atividade de um certo número de sistemas comportamentais
que tem a proximidade com a mãe como resultado previsível” (BOWLBY, 1984, p.193
apud GHISI A; 2013).
As pesquisas sobre a Teoria do Apego vêm examinando diversas relações
humanas como as relações entre as experiências de apego da infância e o
comportamento parental, a transmissão intergeracional do padrão de apego, o
impacto das experiências de apego da infância nos relacionamentos de adolescentes
e adultos, o papel de apego entre adultos, tanto na parentalidade como nas relações
românticas (VITALE, 2004 apud GHISI A; 2013).
A dependência, particularidade presente no sistema de apego, não se refere
unicamente a uma característica infantil, tratando-se de um componente que faz parte
de nossa existência. Segundo BRETHERTON e Munholland (1999 apud Johnson
2012 apud GHISI A; 2013), não existe a independência completa dos outros ou a
super dependência. Existe a dependência eficaz e a ineficaz. A dependência eficaz
ou segura promove a autonomia e a autoconfiança nos relacionamentos. Um
relacionamento saudável seria aquele que mantêm um senso de interdependência. Já
a dependência ineficaz que não se estabelece de forma segura, pode acarretar a
autossuficiência e a separação do outro.
Montoro (2006 apud GHISI A; 2013) cita os três tipos de apego que podem ser
observados nas relações que as pessoas estabelecem com as outras, onde são
visíveis as seguintes tendências:
As pessoas que desenvolverem um padrão de apego seguro provavelmente
desenvolverão um equilíbrio entre a proximidade e a autonomia em suas relações,
tenderiam a buscar em seus relacionamentos intimidade e não demonstrariam medo
de abandono. Em geral possuem relações duradouras e satisfatórias com seus
parceiros, lidam de forma construtiva com afetos negativos e tendem a agir da melhor
forma. São sociáveis, possuem boa autoestima assim como uma impressão positiva
do outro, conforme GHISI A; (2013).

56
No apego conjugal seguro os cônjuges provavelmente se relacionam de forma
empática em relação aos sentimentos e pensamentos do outro, podendo haver
alternância entre ser dependente do parceiro e ser objeto de dependência do outro. A
relação é estabelecida e mantida como um sistema simétrico (MONTORO, 2006 apud
GHISI A; 2013).
No apego ansioso-ambivalente, existe uma preocupação com a falta de
proximidade atrelada ao medo do abandono, desejo constante de união e medo de
rejeição. A intimidade prevalece sobre a autonomia, ocorre a amplificação dos
problemas e sofrimento psíquico. Frequentemente é possível perceber a manifestação
exagerada de sofrimento e raiva, servilismo e submissão para ganhar aceitação;
assim como ciúmes extremo, facilidade para se apaixonar, sensação de ser mal
compreendido e injustiçado, conforme GHISI A; (2013).
Esse modelo de apego costuma aparecer em relações marcadas por um
perpétuo sentimento de carência e a crença de que o outro nunca será capaz de nutrir
a necessidade de intimidade e de atenção. Neste caso, as relações entre pais/filhos
geralmente foram marcadas por um cuidado inconsistente e imprevisível, conforme
GHISI A; (2013).
O apego evitativo pode ser caracterizado pelo medo e desconforto em relações
de intimidade, com necessidade de manter distância. A necessidade de autonomia
acaba prevalecendo sobre a de intimidade, sendo o vínculo baseado na desconfiança,
em dificuldade em confiar. Muitas vezes ocorre a dúvida quanto à integridade e
honestidade dos próprios pais e das pessoas em geral. Outras características que às
vezes podem ser percebidas são: valorização da realização e do sucesso profissional,
manejo do sofrimento psíquico suprimindo a raiva da consciência, pouca expressão
emocional do sofrimento, pouca disposição em discutir problemas, baixa
autoconfiança em situações sociais, menor investimento e pouco compromisso nos
relacionamentos amorosos, conforme GHISI A; (2013).
Os sujeitos que apresentam esse tipo de padrão provavelmente tiveram como
experiência na infância que chorar e pedir proximidade ou contato eram atitudes
geralmente seguidas de rejeição. Constantemente apresentam uma postura
defensiva, pois aprenderam a reprimir os sentimentos de vulnerabilidade e
dependência. Assim, o desejo de intimidade e dependência do outro é visto como
ameaçador, conforme GHISI A; (2013).

57
Segundo os posicionamentos de Weiss, (1975 apud HAZAN & SHAVER 1994),
é importante ressaltar que algumas diferenças são percebidas entre o apego primário
e o apego adulto. As relações de apego adulto são normalmente recíprocas com cada
parceiro, sendo o prestador e o destinatário dos cuidados. Já na infância, somente a
mãe ou substituto exerce o papel de cuidadora. Outra diferença essencial é quanto ao
contato físico que traduz uma exigência da criança para sentir-se segura, enquanto
que um adulto se sente confiável só em saber que uma figura de apego poderá ser
contatada se preciso for, embora a necessidade de contato físico não seja totalmente
desprezada, conforme GHISI A; (2013).

Nos modelos funcionais do mundo que cada pessoa constrói, um fator chave
é a ideia que faz de quem são as suas figuras de apego, onde podem ser
encontradas e como respondem. Analogamente, no modelo funcional do eu
que cada pessoa constrói é a noção que tem de quão aceitável ou inaceitável
ela é, aos olhos de suas figuras de apego (BOWLBY, 2004, p. 254 apud
GHISI A; 2013).

5.1 Conceito de vínculo

Historicamente, a psicanálise ao estudar as relações de objeto, ou seja, a


maneira como cada indivíduo se relaciona com outro, criou um construto chamado
vínculo. O conceito de vínculo pertence à psiquiatria e a psicologia social. Pichón-
Riviére desenvolveu uma psiquiatria orientada ao estudo das relações interpessoais,
que denominou psiquiatria do vínculo, construída com postulados da psicanálise.
Concebe o vínculo como: (1989 apud SILVEIRA J; et al., 2005).

(...) uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que engloba tanto o


sujeito quanto o objeto, tendo esta estrutura características consideradas
normais e alterações interpretadas como patológicas. A todo o momento o
vínculo é estabelecido pela totalidade da pessoa, como uma gestalt, em
constante processo de evolução. (PICHÓN-RIVIERE, 1998, p. 11 apud
SILVEIRA J; et al., 2005).

O autor acima salienta que nunca existe um só tipo de vínculo, mas que as
relações que o sujeito estabelece com o mundo são mistas, na medida em que sempre
emprega, simultaneamente, estruturas vinculares diversas, conforme SILVEIRA J; et
al., (2005).

58
Em sua teoria do vínculo, a despersonalização é interpretada como a negação
do vínculo, como uma tentativa de perda do ser, de si mesmo, de não ser ninguém
para não ter compromisso no vínculo com o outro. Considera vínculo “normal” aquele
que se estabelece entre o sujeito e um objeto quando ambos têm possibilidade de
fazer uma escolha livre, como resultados de uma boa diferenciação entre ambos,
conforme SILVEIRA J; et al., (2005).
Segundo Pichón (1998 apud SILVEIRA J; et al., 2005), a estrutura do vínculo
funciona acionada por motivações psicológicas resultando daí uma determinada
conduta, que tende a se repetir tanto na relação interna como na relação externa com
o objeto. Então, o vínculo se expressa em dois campos psicológicos: o interno e o
externo. O vínculo interno constitui-se na forma particular que o objeto se relaciona
com o objeto introjetado dentro dele.
A psicanálise ocupa-se do vínculo interno e a psicologia social se ocupa mais
do externo. Os vínculos internos e externos se integram em processo que configura
uma permanente espiral dialética. Produz-se uma passagem constante daquilo que
está dentro, para fora, e do que está fora, para dentro. A psicanálise, com o seu
método, só pode realizar um trabalho profundo se levar em conta o trabalho social.
Para ele a investigação de qualquer tensão individual precisa ser realizada dentro do
contexto em que ela ocorre. As análises psicossocial, sociodinâmica e institucional
partem das dimensões básicas de investigação do indivíduo, do grupo e da sociedade.
Dessa integração total, a partir das relações interpessoais, é possível construir uma
psiquiatria, que Pichón-Riviére denomina Psiquiatria do vínculo, conforme SILVEIRA
J; et al., (2005).
O vínculo com o outro é o objetivo central de sua teoria, tanto na aproximação
quanto no isolamento. Assim, a análise dos vínculos internos e externos, em relação
a estruturas criadas entre o sujeito e o outro, tem como propósito recuperar a
qualidade dialética, que é o que permite o desenvolvimento normal da personalidade.
“O caráter do sujeito torna-se mais compreensível à medida que se descobrem seus
vínculos internos”. (Pichón-Riviére, 1998, p. 14 apud SILVEIRA J; et al., 2005). Assim
sendo, a teoria do vínculo pode ser usada como um instrumento de trabalho para
abordar e compreender o campo intrapsíquico do paciente.

59
A concepção dele sobre o vínculo é de um vínculo social através das relações
se repetem os vínculos que foram determinados em um tempo e espaço. Dentro dessa
concepção encontra-se a noção de papel, status e comunicação. O autor estuda o
indivíduo não isoladamente, mas em seu contexto familiar, constituindo assim uma
investigação psicossocial e sociodinâmica. De acordo com ele é fundamental
investigar o conjunto de forças que atuam no meio familiar, de onde emergem os
desequilíbrios e patologias psíquicas, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).
Para este autor é fundamental tanto conhecer as tensões da família enquanto
grupo, quanto estudar o momento em que a ruptura do grupo ocorreu, bem como os
motivos da mesma. Considera que a doença é um todo, embora seja atuado através
de um dos membros da família, que é o porta-voz das tensões do grupo, conforme
SILVEIRA J; et al., (2005).
O autor ao questionar-se sobre o que seria vínculo normal, depara-se com a
análise das relações de objeto, as diferenciações: o objeto diferenciado e o objeto
não-diferenciado, ou seja, das relações de independência e de dependência. A não-
diferenciação se transforma em simbiose, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).

“Quando a criança depende totalmente de seu objeto - a mãe - deposita


partes internas nela, e quando a mãe faz o mesmo, ou seja, deposita na
criança partes internas dela, ocorre entre ambas um entrecruzamento de
depósitos, criando para cada uma delas dificuldades para reconhecer o que
é propriamente seu. ” (PICHÓNRIVIERE, 1998, p. 14 apud SILVEIRA J; et
al., 2005).

Na relação mãe-criança existe intercâmbio de situações emocionais e de afeto.


Com o tempo e dependendo das condições egóicas de ambos, vai se estabelecendo
um limite preciso, onde mãe e criança já não se confundem mais, mas sim se
diferenciam, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).
O autor considera importante, no trabalho psicoterápico, captar o vínculo que o
paciente estabelece com o terapeuta, como forma de compreender o tipo de relação
de objeto e como funcionam os processos internos no paciente. Salienta ainda que
através da transferência é possível reviver o primitivo vínculo que o paciente tem com
os objetos arcaicos, nos seus primeiros anos de vida. Assim, introduz a possibilidade
de retificação da natureza dos vínculos de aprendizagem, conforme SILVEIRA J; et
al., (2005).

60
É no campo psicológico, objetivo central das investigações psicológicas, que
ocorrem as interações entre o indivíduo e o meio, configurando-se assim o campo da
interação como objetivo da psicologia, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).

6 CONCEITO DE RESILIÊNCIA

Fonte: periodicoketzalkoatl.wordpress.com

Os conceitos resiliência familiar e relacional ampliam nossa compreensão a


respeito do que consideramos funcionamento familiar normal e se estende para as
particularidades dos recursos, limitações e desafios aos quais as famílias são
submetidas, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).
O autor destaca que algumas famílias sobrevivem a estados persistentes de
crise e ainda saem delas com mais recursos e fortalecidas. Outras, porém, não
possuem a mesma capacidade. O que possibilita a primeira a se sustentar e
desenvolver é a capacidade de resiliência, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).
O conceito de resiliência permite pensar o indivíduo e a família como um
sistema em crescimento que pode desenvolver-se através e apesar das adversidades.
Inúmeros desafios e problemas acometem os indivíduos e as famílias ao longo da
vida. A forma como cada família lida com esses desafios e problemas influencia
decisivamente na sua recuperação e integração, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).

61
De acordo com SILVEIRA J; et al., (2005), ao mesmo tempo, esse conceito tem
influenciado satisfatoriamente as investigações sobre a saúde mental das crianças.
Isso se deve ao fato de que a maioria dos estudos sobre resiliência partiu das
investigações de indivíduos que sobreviveram em famílias disfuncionais e a pais
mentalmente enfermos. Ampliando as investigações e teorias clínicas que se
centraram na resiliência individual dos sobreviventes de famílias disfuncionais, a
autora aponta para resiliência no sistema familiar, afirmando:

O foco colocado na resiliência familiar tende a identificar e promover certos


processos fundamentais que permitem que as famílias lidem de forma mais
eficaz com crises ou estados persistentes de estresse, sejam internos ou
externos à família, e emergir fortalecido deles. Ao consolidar a resiliência
familiar como uma unidade funcional e lhe permitimos incutir essa capacidade
em todos os seus membros. (WASH, 1998, p. 13 apud SILVEIRA J; et al.,
2005).

Há muito tempo as teorias e investigações clínicas dedicaram-se a estudos a


partir das patologias, considerando-se os fatores de riscos que contribuem para
formação do sintoma e o desenvolvimento dos transtornos nas crianças. Seguindo por
outro caminho, especialistas em saúde mental, tem destinado especialmente atenção
nos fatores de proteção que promovem e fortalecem os recursos internos das
crianças, desenvolvendo assim a resiliência, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).
Dentre os fatores que contribuem para a resiliência, encontramos os traços
individuais de personalidade, os recursos familiares, e a rede de apoio social. Os
traços individuais são caracterizados pela autoestima, esperança e confiança. Além
disso, pessoas que acreditam que são capazes de controlar suas experiências e
sobreviver a elas, que são comprometidas com o que fazem e que veem a mudança
como desafio que conduz ao desenvolvimento, têm maior probabilidade de resistir às
adversidades, conforme SILVEIRA J; et al., (2005).
De acordo com SILVEIRA J; et al., (2005), outros aspectos ainda são: fé, fontes
morais, otimismo e bom humor. Dentro dos recursos familiares encontramos o
carinho, o afeto, apoio emocional, limites claros e razoáveis. Se os pais não
dispuserem dessas habilidades, ainda assim, outros membros da família podem
substituí-los satisfatoriamente, como por exemplo, irmãos, avós. Já o apoio social que
favorece e estimula a resiliência pode provir de amigos, professores, padres, e outras
pessoas da comunidade com a qual o indivíduo mantém uma relação satisfatória e
saudável.

62
“A cerca desta questão Waslh (1998, p. 16; apud SILVEIRA J; et al., 2005)
salienta, em famílias perturbadas, crianças resilientes recorrem ativamente a
alguns adultos com influência no seu meio social e estabelecer com ele um
vínculo especial. Eles aprendem a escolher seus relacionamentos com
sabedoria e tendem a escolher seu futuro se conjuga entre membros de
famílias saudáveis. ”

6.1 TEORIAS E TERAPEUTAS FAMILIARES

De acordo com DALMASO M; (2010), os primeiros terapeutas familiares não


estavam interessados nos conceitos psicanalíticos, nem nos sentimentos de
transferência e contratransferência, que, naquele momento, para eles, eram conceitos
considerados irrelevantes. Não parecia haver sentido no terapeuta ficar analisando os
sentimentos que o paciente tinha em relação a algum membro da família e que
estivesse projetando no terapeuta, uma vez que a família toda estava na sala de
terapia. Com isso, os pioneiros não se permitiam olhar também para a pessoa do
terapeuta, sempre enfatizando a técnica. Isso se deve ao contexto histórico, mas
também é resultado de uma escolha teórica. Porém, isso trouxe como ônus o fato de
que o terapeuta se tornou invisível na literatura dos pioneiros da terapia familiar
sistêmica. “Essa divisão entre técnicas terapêuticas e o uso do self do terapeuta
começou a ocorrer bastante cedo no desenvolvimento da área” (MINUCHIN; LEE;
SIMON, 2008, p. 21; apud DALMASO M; 2010).
No entanto, como o pensamento dos teóricos sistêmicos era circular, nesse
conceito de circularidade era impossível não incluir a pessoa do terapeuta como fator
de influência nas interações dentro do processo de terapia, conforme DALMASO M;
(2010).

[...] não podemos mais encarar o terapeuta como um indivíduo ativo e o


cliente como indivíduo passivo. O terapeuta e a família reagem um ao outro
também de maneiras circulares e, consequentemente, os terapeutas de
família começaram a se considerar elementos dos campos que estavam
tentando modificar (NICHOLS; SCHWARTZ, 1998, p. 105; apud DALMASO
M; 2010).

No que diz respeito ao terapeuta familiar, Nichols e Schwartz (1998 apud


DALMASO M; 2010) descrevem o início da terapia familiar sistêmica dividida entre
dois grupos, sendo um voltado para os padrões de comunicação e o outro voltado
para os padrões de interação. No entanto, para Minuchin, Lee e Simon (2008 apud

63
DALMASO M; 2010) a área de terapia familiar foi dividida em dois grupos de clínicos
que se diferenciam nos atendimentos, de acordo com o seu papel.
Para estes autores, alguns terapeutas buscavam desaparecer em seus
atendimentos familiares de maneira intencional, enquanto outro grupo buscava estar
consciente do self do terapeuta, como instrumento de mudança dentro do encontro
terapêutico. No primeiro caso, há o grupo dos terapeutas moderados, cautelosos, não
intervencionistas e voltados para a narrativa e posturas colaborativas. No outro, há o
grupo do terapeuta que instiga, intervém, voltado para a ação, com postura
desafiadora (MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008 apud DALMASO M; 2010).
Carl Whitaker foi um exemplo deste estilo de atuação na abordagem
experiencial. Com sua irreverência, criatividade e espontaneidade, contribuiu para a
avanço da área, acreditando na capacidade de mudança das famílias através da
vivência e da experiência, conforme DALMASO M; (2010).
Buscando um melhor entendimento desta forma de compreender a postura dos
terapeutas, de acordo com a divisão de Minuchin, Lee e Simon (2008 apud DALMASO
M; 2010), os terapeutas familiares sistêmicos se dividem em dois grandes blocos:
terapeutas moderados e terapeutas intervencionistas ou ativistas.
Os terapeutas moderados concentram-se na maneira de controlar suas
intervenções e em trabalhar no problema identificado pela família. Seu foco é a
preocupação com as intervenções, de modo que estas não sejam opressivas para as
famílias. Os terapeutas moderados procuram usar a definição da própria família sobre
o problema e trabalhar dentro desse prisma. Segundo Minuchin, Lee e Simon (2008
apud DALMASO M; 2010), na visão dos intervencionistas o enfoque dos terapeutas
moderados bota a perder os elementos não verbais e a interação afetiva entre os
membros do sistema.
Os terapeutas que trabalham com uma postura intervencionista, segundo os
autores, têm um envolvimento ativo com o sistema familiar, e o foco de sua prática
são intervenções que pontuam para a família a dinâmica de suas interações e seu
consequente potencial para a cura ou desmantelamento. Os terapeutas
intervencionistas apresentam como marca registrada o comprometimento pessoal
com o processo terapêutico. Este enfoque considera que a vida familiar é drama e
história. Como exemplo de terapeutas intervencionistas, destacam-se Virgínia Satir,

64
Carl Whitaker e Jay Haley, entre outros (MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008 apud
DALMASO M; 2010).
A partir da divisão dos terapeutas familiares em dois grupos, Minuchin, Lee e
Simon (2008 apud DALMASO M; 2010) defendem a postura do terapeuta como um
catalisador e acreditam que, para promover a mudança do sistema, este deve fazer
mais do que simplesmente ouvir. Deve escutar, mas também observar as mudanças,
os movimentos e os gestos e se responsabilizar por suas intervenções, uma vez que
estas podem estar orientadas por suas respostas pessoais.
É claro que isso não deve ser feito aleatoriamente, já que “[...] intervir dessa
maneira tem seus perigos. Adiciona-se uma outra força a um campo interpessoal já
decifrado com forças. Mas a resposta a esse problema não é evitar o engajamento,
mas monitorá-lo” (MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008, p. 32 apud DALMASO M; 2010).

Minuchin, Lee e Simon definem com clareza o papel do terapeuta


intervencionista quando dizem, é importante engajar-se e também é vital
afastar-se, encorajando os membros da família a interagir diretamente entre
si. É importante ser instigado pelo emocionalismo da área, mas também é
importante observar. É essa modulação de distância que dá às intervenções
do terapeuta o efeito de um catalisador. [...] se as intervenções do terapeuta
forem úteis, os membros da família encontrar-se-ão interagindo de novas
maneiras que produzem expansão e enriquecimento. A cura acontece nesses
momentos e os curadores são tanto o terapeuta quanto os membros da
família (MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008, p. 32 apud DALMASO M; 2010).

Portanto, na concepção dos autores, mesmo utilizando o termo “curador”, o


terapeuta é percebido como alguém que promove a mudança, mas que também pode
ser mudado nessa interação. Alguém que deve atuar e observar, modulando a
distância necessária de acordo com a necessidade da família. Sobre o encontro
terapêutico, dizem: “Tanto Satir quanto Whitaker assumiram que seus
relacionamentos com os pacientes mudaram não apenas os pacientes, mas eles
mesmos” (MINUCHIN; LEE; SIMON, 2008, p. 71 apud DALMASO M; 2010).

Apesar de Minuchin definir-se como um terapeuta intervencionista, a partir


dos anos 90 aparecem influências de Whitaker e do Construtivismo em sua
obra, Minuchin sempre foi um construtivista, embora tenha chegado a isso
intuitivamente. [...] Minuchin sempre esteve interessado na literatura e na
narração de histórias. Mas, adverte ele, quando o construtivismo não está
fundamentado no entendimento estrutural ou quando ele rejeita o lado
emocional dos seres humanos, transforma-se em um intelectualismo árduo
(NICHOLS; SCHWARTZ, 1998, p. 212 apud DALMASO M; 2010).

65
Para Minuchin, Lee e Simon (2008 apud DALMASO M; 2010), seja
intervencionista ou moderado, o terapeuta é sempre um agente de mudanças que
trará consigo seu estilo pessoal e suas pré-concepções sobre as famílias. Mesmo que
estas concepções não sejam examinadas, são elas que darão forma à maneira com
que ele organiza o conteúdo trazido pelas famílias às suas intervenções.
Nascida na diversidade das práticas teóricas, a terapia familiar não se define
por uma teoria coesa e compartilhada por todos. Existem diferentes teorias e
diferentes estilos de atuação. Mas, atualmente, todos concordam que qualquer
escolha teórica, bem como a definição do estilo de atuação do terapeuta, passa pela
sua visão e vivência pessoal, o que nos leva a pensar que o self do terapeuta é
fundamental no desenrolar da terapia. Porém, este ainda é um ponto pouco valorizado
como recurso nos atendimentos às famílias, conforme DALMASO M; (2010).

6.2 O papel das emoções do terapeuta no atendimento às famílias

Quando entra no campo dos afetos e das emoções, não podemos deixar de
pensar na importância do terapeuta perceber-se como um ser humano e profissional
integrado na sua história, seu desenvolvimento e em seus recursos pessoais e
terapêuticos. Não existe afastamento entre o que fazemos e o que somos, portanto
não podemos olhar para o que fazemos sem valorizar as emoções que este trabalho
nos desperta, conforme DALMASO M; (2010).
Dificilmente conseguimos definir precisamente o que são emoções. Podemos
dizer que as emoções são fenômenos humanos que permeiam toda nossa vida e são
parte integrante de nossa subjetividade. Expressam-se nos nossos pensamentos e
em nossas ações através dos desejos, sonhos e expectativas. Referem-se tanto a
estados de prazer, como por exemplo, alegria, gratidão e amor, como também de
desprazer, como angústia, dor, raiva, ciúme e medo. Em várias situações de nossas
vidas, são as emoções que determinam nosso comportamento, conforme DALMASO
M; (2010).
Algumas emoções são difíceis de discriminar ou são desagradáveis e
tentamos eliminá-las. Outras nos agradam e as sentimos como fortalecedoras, então
procuramos intensificá-las (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999 apud DALMASO M;
2010).

66
Além de serem pesquisadas no campo da psicologia dinâmica, as emoções
são também objetos de investigação da psicologia social e são temas de estudos em
vários outros campos de conhecimento, como a Literatura, a Medicina, a Biologia e a
Antropologia. Existem várias definições para o tema, todas elas fundamentadas nas
convicções específicas da área de estudo na qual estão sendo pesquisadas. Porém
todas as definições buscam determinar o que são, de que elementos são compostas,
aonde se produzem e como se manifestam (BELLI; IÑIGUEZ-RUEDA, 2008; BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 1999; NEUBERN, 2000, 2001; apud DALMASO M; 2010).
Segundo Belli e Iñiguez-Rueda (2008; apud DALMASO M; 2010), as emoções
são experiências corporais naturais que se expressam através da linguagem. Essas
emoções são geradas no inconsciente. Primeiro sentimos no corpo o que mais tarde
sai de nossas bocas em forma de discurso. Para esses autores, alguns estudos mais
recentes acreditam que as emoções não são processos exclusivamente individuais,
mas sim que são construções sociais de natureza discursiva.
A crítica a essa linha é que esta não valoriza adequadamente o processo de
construção das emoções, nem o significado e a natureza das mesmas. De outro lado
da controvérsia, a crítica é direcionada ao fato de que alguns estudos, apesar de
acreditarem que são as emoções que definem o indivíduo, não levam em
consideração o seu contexto, minimizando-o, embora não o subestimem por
completo. De qualquer maneira, pode-se dizer que o que mais influenciou o estudo
das emoções foram as mudanças constantes da Psicologia, durante sua evolução
como campo de estudos, conforme DALMASO M; (2010).
De acordo com Neubern (2001; apud DALMASO M; 2010), no campo da
Psicologia existem dificuldades de bases epistemológicas para a compreensão das
emoções, que denunciam as contradições da Psicologia para se firmar enquanto
ciência. Na divisão ocidental do paradigma do conhecimento, as ciências, como a
Física e a Matemática, buscavam uma linguagem técnica e objetiva e viam seus
objetos de estudo dentro de uma noção de controle e previsão. Já outros campos do
conhecimento, como, por exemplo, as artes, a religião, a filosofia e o senso comum,
buscavam se ocupar de temas referentes à subjetividade humana, tais como a
existência, a alma e as relações. Na Psicologia, assim como existiam setores que
buscavam sua cientificidade, também existiam interesses em temas que seriam

67
considerados subjetivos e que, portanto, colocavam em risco sua busca por uma
objetividade científica.
Essa busca causou grandes contradições no campo, trazendo consequências
para o estudo das emoções. As diversas escolas de Psicologia, assim como
sistematizaram as emoções enquanto objetos de estudos, também as
descaracterizaram. Mutilações e recortes foram feitos, buscando objetividade e
confiabilidade no estudo das mesmas, algumas vezes reduzindo-as a subprodutos de
reações bioquímicas, contribuindo, assim, para uma visão pejorativa das mesmas
(NEUBERN, 2001; apud DALMASO M; 2010).
Como a Psicologia buscava firmar-se como ciência e o conhecimento científico
era visto como mais confiável, já que era conduzido por leis universais que regiam os
fenômenos, toda a forma de subjetividade era descartada. Então, apesar da
importância do mundo subjetivo do pesquisador em sua produção, suas opiniões
informais, desejos e emoções não eram valorizados, sendo vistos até mesmo como
perigoso (NEUBERN, 2000; apud DALMASO M; 2010).
No campo específico das emoções, estas são compreendidas, tanto no senso
comum como no campo profissional, como forças primitivas, diferentes dos processos
mentais superiores e que provocam desorganização no comportamento humano.
Algumas emoções (ódio e raiva, por exemplo) são vistas como perigosas e
indesejáveis e os esforços profissionais em relação a elas são ligados ao seu controle,
eliminação e, em último caso, à compreensão das mesmas, conforme DALMASO M;
(2010).
Segundo Neubern (2000; apud DALMASO M; 2010), apesar de nossas
emoções possuírem um substrato biológico, estas, por serem complexas, compõem-
se de outras dimensões, desenvolvendo-se nas interações sociais do indivíduo. Não
podemos, então, analisar as emoções humanas examinando apenas um componente
(o fisiológico, por exemplo), uma vez que existem vários elementos subjetivos
interligados, influenciando estes processos.

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Apesar das visões sobre as emoções serem diversas, alguns pontos são
comuns. Alguns autores destacam, em seus estudos sobre as emoções, a existência
de um bloqueio ou resistência para expressá-las em determinados contextos
particulares, como, por exemplo, no campo do trabalho. Nestas concepções, o
trabalho é visto como um espaço em que não há lugar também para as emoções
(BELLI; IÑIGUEZ-RUEDA, 2008; apud DALMASO M; 2010).
O papel das emoções no trabalho do psicólogo tem sido alvo de pesquisas nas
últimas décadas. Penso et. al. (2008, p. 212; apud DALMASO M; 2010), num estudo
sobre a emoção no trabalho do psicólogo com a temática da violência sexual, afirma
que “[...] a intervenção do psicólogo, quase sempre, envolve sentimentos e emoções,
já que seu objeto de trabalho, muitas vezes, confunde-se com ele mesmo”. Segundo
o estudo das autoras, esse tipo de atendimento pode suscitar emoções que paralisam
(nojo, raiva, etc.) ou que impulsionam para a ação.
Faz-se necessário, portanto, conhecer quais os tipos de sentimentos e
emoções que esse trabalho provoca nos profissionais, já que este é um encontro
subjetivo interligado por emoções e sentimentos que não podem ser vistos de forma
separada. Segundo as autoras, somente assim é possível adequá-los e utilizá-los para
um bom atendimento a essas famílias, conforme DALMASO M; (2010).
Diversos campos de estudos possibilitaram uma visão mais integrada das
emoções. A visão antropológica, por exemplo, analisa as emoções estabelecendo
uma relação entre a vivência individual, subjetiva, e os diferentes contextos em que
esta se manifesta (NEUBERN, 2001; BELLI; IÑIGUES-RUEDA, 2008; apud
DALMASO M; 2010). Por sua vez, as noções da Cibernética de segunda ordem
fizeram com que o terapeuta fosse visto como parte do sistema com o qual está
atuando e que tudo que se diz sobre esse sistema está relacionado com o que se
observa. A isso chamamos de co-construção da realidade ou Construtivismo.
Segundo Colombo (2009; apud DALMASO M; 2010), a partir daí, passa-se a
reconhecer que a autorreferência é a única possibilidade de se falar de uma
experiência. Obviamente, ao se falar em autorreferência abre-se espaço para a
discussão sobre as emoções.

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Esses conceitos contribuíram para uma visão do terapeuta como alguém que
pertence ao sistema em que está atuando terapeuticamente e que, portanto, suas
emoções fazem parte deste contexto. Porém, Neubern (2000; apud DALMASO M;
2010) acredita que, apesar das contribuições das ciências pós-modernas, que
trouxeram consequências significativas para essa reflexão, influenciando também nas
práticas psicoterápicas, essa visão também apresenta limitações, implicando na perda
definitiva da investigação dos processos subjetivos.
No nosso entendimento, Neubern defende a ideia do meio termo entre a
narrativa e a subjetividade, pois, dentro da visão descrita anteriormente, a análise e a
compreensão dos processos subjetivos, como as emoções, e a sua integração com
outros processos que constituem o ser humano ficam comprometidas, conforme
DALMASO M; (2010).
Para Neubern (2001; apud DALMASO M; 2010), não é só a linguagem que dá
acesso à subjetividade e ao universo cultural. As emoções também permitem a
entrada do ser humano a este universo e ao mundo social, produzindo sentido para
os componentes desse processo complexo, no qual as emoções têm papel
fundamental. Somos constituídos por dimensões afetivas, cognitivas, sociais e
culturais, todas elas inter-relacionadas, constituindo-nos enquanto sujeitos, dentro de
uma dimensão histórica.
Essas dimensões, apesar de se interligarem sem se esgotar em si mesmas,
foram subjugadas umas às outras dentro dos estudos da Psicologia. Somente a
integração de contribuições de diferentes campos da Psicologia, como a
fenomenologia, a sistêmica, e as abordagens pós-modernas, entre tantas outras,
podem contribuir no entendimento de uma questão tão complexa (NEUBERN, 2001;
apud DALMASO M; 2010).
O estudo das emoções permite-nos entender uma questão que tem
características subjetivas, uma vez que diz respeito ao sujeito, mas que é também
construída na relação que se estabelece com outros contextos, como o social, por
exemplo. Os processos emocionais têm outras funções, além daquela de
organização interna do sujeito, conforme DALMASO M; (2010).

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Essas emoções, segundo Neubern (2001 apud DALMASO M; 2010), não têm
domínio absoluto sobre nós, nem são absolutas, já que, ao estarem em contato com
outras dimensões sociais, mostram-se de outras formas. Portanto, têm relações com
outras dimensões humanas, mas não possuem a mesma forma.
Nossa concepção é a de que, nas vezes em que saímos mobilizados pela dor
e sofrimento de alguém que atendemos a ponto de nos sentirmos vulneráveis a essa
emoção, ou mesmo quando compartilhamos uma imensa alegria vivida por essas
pessoas, fomos atingidos por experiências que nos modificaram e que agora também
são partes de nós, conforme DALMASO M; (2010).
Naturalmente, as emoções que o nosso trabalho nos desperta interferem no
nosso desempenho, tanto de maneira construtiva como destrutiva. Em pesquisa que
analisa as práticas dos terapeutas familiares brasileiros, Prati (2009; apud DALMASO
M; 2010) conclui que quando a teoria não dá uma direção clara do caminho a seguir,
em um atendimento de família, os recursos pessoais do terapeuta são ativados,
caracterizando que há uma ampliação da noção de self como recurso terapêutico.
Nesse sentido, é fundamental que o terapeuta, para que possa dar sentido ao
seu trabalho, faça uma reflexão sobre o que pode oferecer, além do seu conhecimento
teórico- técnico. Esse caminho “[...] passa pela condição de sentir-se pertencente à
história humana e de legitimar a própria experiência, ao confirmar a existência do
outro” (COLOMBO, 2009, p. 443; apud DALMASO M; 2010).

É de suma importância, no cenário terapêutico, conhecermos e estudarmos


as emoções, uma vez que estas reflexões podem nos ajudar a vê-las de
forma inovadora, como processos complexos, interligados, assumindo seu
papel na construção de nossa subjetividade, como também na qualidade dos
vínculos que criamos, tanto em nossas vidas como em nosso trabalho. Isto
significa que somos sujeitos de emoção em todas as situações. Assim, não
existe forma de ficar à margem dos acontecimentos, apenas como um
observador passivo. Neste sentido, Penso et. al. (2008, p. 217; apud
DALMASO M; 2010) afirmam que, falar em neutralidade, imparcialidade e
objetividade na psicologia é impossível, uma vez que o profissional dessa
área também é um sujeito constituído por todas as suas relações, interações
sociais, emoções e afetividades, vivenciadas durante sua história de vida.

Mas é preciso compreender realmente o que significa este envolvimento,


porque, como assinala Vieytes-Schimitt (1991, p. 47; apud DALMASO M; 2010), não
se trata de ‘assumir’ o sistema portador de demanda, o outro em um movimento em
que parte de si e vai para o exterior, mas sim de aceitar o ser confundido, transtornado,

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atingido, para criar, a partir dessa base, uma aliança humana fundamental e, nesse
contexto, terapêutica.

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