Você está na página 1de 158

DIREITO CIVIL

Prof. Maitê Damé Teixeira Lemos


DIREITO CIVIL – PARTE GERAL

1. Direito Civil e Constituição


Apesar de o Direito Civil ser ramo do direito privado, em razão de ter utilidade
particular, deve ser interpretado a luz das normas constitucionais. Os ramos do Direito não
podem ser interpretados de forma isolada e estanque. Há, nesse sentido, a chamada
constitucionalização do direito privado ou do direito civil. Este processo refere-se a
aplicação das normas constitucionais na interpretação do direito privado.
Então, se houver a interpretação das leis civis de acordo com a Constituição e os
direitos fundamentais haverá a possibilidade da permanente evolução do Direito Civil,
adaptando-se, dessa maneira, à evolução da sociedade.
No direito brasileiro, este processo ocorreu, especialmente, a partir da Constituição
Federal de 1988, quando as normas garantidoras de direitos e garantias fundamentais
passaram a ser aplicados e respeitados no âmbito civil. Com isto, o direito civil está,
permanentemente sob a tutela constitucional e os direitos fundamentais, que já eram
respeitados por parte do Estado, passam a ser, também, no âmbito privado, nas relações
entre particulares. Exemplo disto são os direitos fundamentais da igualdade, liberdade,
dignidade, devido processo legal, etc.

2. Divisão da Parte Geral


O Código Civil divide a parte geral em três partes. A teoria das pessoas, que trabalha
com os sujeitos de direitos (pessoas naturais e jurídicas); a teoria dos bens, que se destina
a estudar os objetos de direitos; e a teoria dos fatos, que são os eventos que criam,
modificam, conservam, transferem ou extinguem direitos (negócios jurídicos, atos jurídicos
– lícitos e ilícitos, prescrição e decadência, prova).
Existe, portanto, uma lógica de estudo. 1) estudam-se as pessoas; 2) estudam-se os
bens, que são os objetos dos direitos; 3) estuda-se os fatos jurídicos, ou seja, o meio pelo
qual nascem, modificam-se e extinguem-se os direitos.

1
pessoas naturais

DAS PESSOAS pessoas jurídicas

PARTE GERAL domicílio

DOS BENS negócios jurídicos

atos jurídicos lícitos

DOS FATOS
atos ilícitos
JURÍDICOS

prescrição e decadência

prova

3. Pessoas Naturais
A função do Direito é regular a sociedade e esta última é formada de pessoas. A todo
direito, corresponde um sujeito, que é, então, o titular.
É nesse sentido o art. 1.º, CC: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem
civil”.
Somente as pessoas podem ser sujeitos de Direito, sejam elas naturais ou jurídicas.
Animais e coisas são objetos do Direito, mas não podem ser sujeitos dele.
A questão, agora, é saber a partir de quando a pessoa pode ser considerada sujeito
de Direito, ou seja, basta que uma pessoa nasça para que seja assim considerada e, dessa
forma, adquira personalidade.

3.1. Personalidade/ Aquisição da personalidade jurídica


Personalidade jurídica é a “aptidão genérica para titularizar direitos e contrair
obrigações, ou, em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito de direito”1. A

1GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte geral. 18.ed. v.1.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 132.
2
partir do momento em que o sujeito tem personalidade, que ele se torna sujeito de direito,
podendo praticar atos e negócios jurídicos.
O art. 2.º, CC afirma que a personalidade civil começa com o nascimento com vida,
mas traz a ressalva de que a lei protege os direitos do nascituro desde a concepção:

Art. 2.º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com


vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro.

Dessa maneira, o marco inicial da personalidade é o nascimento com vida. O


nascimento ocorre quando a criança é separada do ventre materno, seja por parto natural,
seja por cesárea. O importante é que a unidade biológica seja desfeita, de forma que mãe
e filho sejam dois corpos, cada um com uma vida biológica e orgânica própria.
Mas como saber se houve nascimento com vida? Basta que a criança tenha respirado.
Se respirou, viveu, mesmo que tenha morrido em seguida. Neste caso, lavra-se o assento
de nascimento e o de óbito (art. 53, § 2.º, LRP).
Qual o motivo de toda essa importância dada ao nascimento com vida, a saber se a
criança respirou ou não? Traga-se um exemplo para clarificar.
Ex.: casal João e Maria, casados pelo regime da separação de bens. João falece e
Maria está grávida. Se o filho de Maria e João nascer com vida, respirar, tornar-se-á
herdeiro do patrimônio junto com Maria. Assim, se ele falecer em seguida, Maria receberá
todo o patrimônio, pois é herdeira do filho. Contudo, se a criança não tiver respirado, o
patrimônio de João será transmitido a Maria e aos pais de João.
Como é feita a constatação do nascimento com vida? Através de um exame chamado
docimasia hidrostática de Galeno, que se baseia no princípio de que se o feto respirou,
inflou de ar seus pulmões. Assim, retirando-se os pulmões do feto que veio a falecer,
colocando-se em um recipiente com água, se tiver havido respiração, o pulmão flutuará.
Caso não tenha havido respiração, o pulmão, não tendo recebido ar, estando com as
paredes alveolares unidas, afundará. Atualmente já existem outras formas de verificar a
respiração, pois é possível, através de exame microscópio de fragmentos do pulmão
verificar se possui bolhas de ar ou não.

3
3.1.1. Nascituro
Nascituro é aquele que está por nascer, ou seja, aquele que está se desenvolvendo
no ventre materno, que foi concebido, mas não nasceu ainda.
O art. 2.º, CC protege os direitos do nascituro desde sua concepção.
Ao nascituro são reconhecidos certos direitos, desde que reconhecida sua
personalidade e, posteriormente, sua capacidade. Sendo assim, possui capacidade
reduzida.
Mas o art. 2.º, CC também protege os direitos do natimorto, ou seja, aquele que não
chegou a nascer com vida (não chegou a respirar). Nesse aspecto, o enunciado 1 das
Jornadas de Direito Civil prevê que há a proteção do nome, da imagem e da sepultura:

A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no


que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome,
imagem e sepultura.

3.2. Capacidade de fato e Capacidade de direito


As pessoas naturais possuem dois tipos de capacidade: capacidade de direito e
capacidade de fato.
Adquirida a personalidade jurídica, toda pessoa passa a ser capaz de direitos e
obrigações. Dessa forma, passa a ter a capacidade de direito, ou seja, a aptidão que as
pessoas têm, conferida pelo ordenamento jurídico, para serem titulares de uma situação
jurídica.
Assim, toda pessoa tem capacidade de direito. Contudo, nem todos podem exercer
seus direitos pessoalmente, pois pode faltar a consciência para o exercício de atos de
natureza privada, em razão de determinadas limitações (orgânicas – idade, p.ex. – ou
psicológicas – viciados em tóxicos). Estes detêm apenas a capacidade de direito.
Aqueles que puderem atuar pessoalmente no exercício de seus direitos terão, além
da capacidade de direito, a capacidade de fato.
Assim, aqueles que tiverem as duas capacidades – de fato e de direito – terão a
capacidade civil plena.

4
comum a toda pessoa.

inerente a personalidade

CAPACIDADE CIVIL PLENA Capacidade de Direito


toda pessoa é capaz de
direitos e deveres

termina com a morte

relacionada com o exercício


dos atos da vida civil

nem todas as pessoas


Capacidade de Fato
possuem capacidade de fato

adquire-se com a maioridade


civil ou emancipação

Contudo, capacidade é diferente de legitimidade/legitimação. Muitas vezes, uma


pessoa capaz não é legitimada a praticar determinados atos.
Ex.: art. 1521, IV, CC – dois irmãos, ainda que capazes, não poderão casar entre si,
pois não há legitimação. Se não for respeitado esse impedimento, haverá nulidade do
matrimônio.
Ex.: art. 1.647, I – atos de alienação, praticados por pessoa casada. Há a necessidade
de autorização do cônjuge. Se não for respeitada essa legitimação e a alienação for feita
sem a autorização do cônjuge, o negócio será anulável, dentro do prazo de 2 anos, a contar
do fim da sociedade conjugal (art. 1.649, CC).

3.3. Incapacidades
As pessoas que não possuem a capacidade de fato têm capacidade limitada e são
chamadas de incapazes. Não existe incapacidade de direito, já que, conforme o art. 2.º,
CC todos que nascem com vida adquirem a capacidade de direito (mas não a de fato).
Dessa maneira, as incapacidades são restrições impostas às pessoas, em condições
peculiares, que necessitam, em razão dessa condição, de proteção especial.

5
Deve-se destacar que o Estatuto da pessoa com deficiência, lei 13.146/2015, alterou
significativamente a teoria das incapacidades.

3.3.1. Pessoas Absolutamente Incapazes


Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os
atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

A incapacidade absoluta impede que a pessoa exerça por si só o direito. Dessa forma,
o ato só poderá ser praticado pelo representante legal do absolutamente incapaz.
O absolutamente incapaz possui direito. Porém, não pode exercê-lo por si próprio.
São as pessoas que não tem aptidão para praticarem, sozinhas ou por si próprias, os atos
da vida civil. Significa dizer que possuem capacidade de direito, mas não possuem a
capacidade de fato ou exercício.
Nestes casos, o ato jurídico é praticado por outra pessoa (o representante legal), em
nome do incapaz. Trata-se da REPRESENTAÇÃO. Dessa maneira, o ato é praticado pelo
incapaz, representado pelo pai ou responsável legal.
Ex.: Fulano de tal, menor absolutamente incapaz, representado por seus pais,
Beltrano e Beltrana de Tal.
A inobservância dessa regra gera a nulidade do ato, nos termos do art. 166, I, CC.
Como já mencionado, o Estatuto da pessoa com deficiência alterou a teoria das
incapacidades. Atualmente, não há outra hipótese de incapacidade absoluta que não seja
em razão da idade (menor de 16 anos). Antes dessa alteração, as pessoas com deficiência
eram absolutamente incapazes. Agora, não são. As pessoas com deficiência são, via de
regra, plenamente capazes de exercer atos da vida civil. Não há mais, portanto, interdição
absoluta. Poderá ocorrer alguma situação de incapacidade relativa (art. 4.º, CC).
O art. 6.º do Estatuto da pessoa com deficiência (lei 13.146/2015) determina que a
deficiência não afeta a plena capacidade para gestão do plano familiar e existencial do
indivíduo:
Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa,
inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

6
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter
acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento
familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização
compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como
adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas.

Além disto, às pessoas com deficiência é permitida a adoção da tomada de decisão


apoiada ou o estabelecimento da curatela, conforme art. 84 do Estatuto da pessoa com
deficiência.
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao
exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as
demais pessoas.
§ 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à
curatela, conforme a lei.
§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de
tomada de decisão apoiada.
§ 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui
medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às
circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
§ 4º Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de
sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.

A tomada de decisão apoiada está prevista, também, no art. 1.783-A, CC. Trata-se de
um processo pelo qual o deficiente pode escolher duas pessoas idôneas e de sua confiança
para auxiliar nas decisões de atos da vida civil.

3.3.2. Pessoas Relativamente Incapazes


Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de
os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por
legislação especial.

7
A incapacidade relativa permite que o incapaz realize o ato, desde que esteja assistido
pelo representante legal. Nesses casos, o próprio indivíduo, relativamente incapaz, pratica
o ato, sendo assistido pelo representante legal. Trata-se da ASSISTÊNCIA.

Maiores de 16 anos e menores de 18 anos.


Aqueles indivíduos que estejam entre os 16 e os 18 anos de vida podem praticar atos
da vida civil, mas assistidos pelos representantes legais, sob pena de ser anulado o ato.
Caso seja praticado o ato, poderá ser anulado (art. 171, I, CC), desde que a ação
seja proposta no prazo de 4 anos a contar do momento em que cessar a incapacidade (art.
178, CC).
Contudo, existem atos que podem ser praticados pelo relativamente incapaz, mesmo
sem a assistência do seu representante legal, como p. ex., ser testemunha (art. 228, I),
aceitar mandato (art. 666), fazer testamento (art. 1.860, § único), casar (art. 1.517, CC –
necessita de autorização dos genitores).
Havendo conflito de interesses entre o pai/representante legal e o relativamente
incapaz, o juiz deverá nomear curador especial (art. 1.692, CC).
Deve-se observar que o objetivo do Código Civil é estabelecer uma proteção
diferenciada para os maiores de 16 e menores de 18 anos.
Dessa forma, caso o relativamente incapaz pratique um ato ocultando sua idade, não
poderá invocar a idade para eximir-se de obrigação, pois o Código não protege a má-fé.
Nesse sentido é a disposição do art. 180, CC:
Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para
eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a
ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se,
declarou-se maior.

Se, contudo, não houver malícia por parte do relativamente incapaz, o ato será
anulável, nos termos do art. 171, I, CC:
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável
o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;

8
Mas essa incapacidade, por se tratar de exceção pessoal, só pode ser arguida pelo
próprio incapaz ou pelo representante legal. Nesses termos, o art. 105, CC:
Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser
invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-
interessados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do
direito ou da obrigação comum.

Deve-se observar que esse ato pode ser convalidado:


Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo
direito de terceiro.

Ébrios habituais e viciados em tóxicos


Aqueles que sejam viciados em álcool ou tóxicos serão considerados relativamente
incapazes. Situações de uso de tóxicos ou álcool que seja habitual e reduza a capacidade
de discernimento. Os que forem usuários eventuais e que, temporariamente não puderem
exprimir sua vontade, serão enquadrados o inciso III, do mesmo dispositivo.
Deverá haver um processo de interdição relativa, com a instituição da curatela,
analisando se é caso de incapacidade ou não. Neste caso, o processo de interdição e
curatela está disposto no CPC/2015, no art. 747 e seguintes.
Especificamente, o art. 753, § 2.º, CPC/2015 dispõe que a perícia a ser realizada no
processo de interdição, definirá a extensão da mesma, ou seja, para quais atos o interditado
estará impedido.

Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a


vontade
Aqui enquadram-se todas as pessoas que não possam exprimir sua vontade, seja por
situação permanente ou transitória. Nesse quadro estão os surdos-mudos, desde que não
tenham recebido educação adequada e permaneçam isolados. Se tiverem recebido
educação e puderem, por qualquer forma, exprimir sua vontade, serão capazes.
Também se encaixam os portadores de mal de Alzheimer.
Em todos os casos, necessária a interdição, conforme já mencionado.

9
Alguns, mais desavisados, podem questionar: e os portadores de síndrome de down,
são enquadrados como? Em razão do Estatuto da pessoa com deficiência que, sabiamente,
alterou a teoria das incapacidades, estes indivíduos – até por questões de desenvolvimento
e estímulo – são, via de regra, plenamente capazes. Eventualmente, pode ser caso de
tomada de decisão apoiada ou, então, enquadrados como relativamente incapazes por
força do inciso III, do art. 4.º, CC. Contudo, é situação excepcional. A regra é a capacidade
plena.

Pródigos.
Pródigo é aquele que dissipa seu patrimônio desvairadamente, aquele que gasta
imoderadamente, colocando seu patrimônio em risco. Contudo, o pródigo só passará a ser
considerado relativamente incapaz com a sentença de interdição que lhe qualifique como
tal.
A justificativa da interdição do pródigo é o fato de que está permanentemente em risco
de se submeter a miséria, colocando todo seu patrimônio fora. Sua interdição refere-se tão
somente quanto a atos de disposição e oneração do patrimônio. Pode administrar seu
patrimônio, mas não poderá praticar atos que venham a desfalca-lo. Os demais atos (votar,
ser jurado, testemunha, etc) poderá praticar.

Situação dos índios


O art. 4.º, no seu § único traz a normatização com relação aos índios, deixando para
lei especial a apreciação. O Estatuto do Índio (lei 6.001/73), deixa a responsabilidade,
quanto a sua proteção, a cargo da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). A Lei 6.001/73
(Estatuto do Índio) considera que o índio que não estiver integrado ficará sob tutela,
reputando-se nulos todos os atos praticados por eles sem a devida assistência do órgão
responsável (art. 8.º). Contudo, se o índio demonstrar discernimento, aliado à inexistência
de prejuízo pelo ato praticado, será considerado plenamente capaz para os atos da vida
civil.
Sabe-se que os índios estão constantemente sendo integrados na sociedade
brasileira, de forma que não há mais justificativa para que sejam considerados incapazes.
Assim, os índios somente poderão ser considerados incapazes quando restar comprovado
10
que não são civilizados e que não possuam discernimento sobre os atos a serem
praticados.

3.4. Modos de suprimento das incapacidades (representação e


assistência)
A incapacidade absoluta é suprida através da representação pelos pais ou
representantes legais. Se o absolutamente incapaz praticar atos sem a devida
representação o ato será nulo. Dessa forma, no caso da representação, é o representante
quem pratica o ato, no interesse do incapaz.
A representação (legal ou voluntária) está disciplinada nos arts. 115 a 120 do CC.
Contudo, deve-se ter em mente que existem dois tipos de representação diferentes: a
representação legal e a representação voluntária (aquela que ocorre através de mandato –
procuração) – art. 115, CC. A representação voluntária – mandato – será tratada nos
negócios jurídicos.
O suprimento da incapacidade relativa, por sua vez, se dá pela assistência, ou seja,
o relativamente incapaz pratica o ato jurídico em conjunto com o assistente, sob pena de
nulidade.

3.5. Cessação da incapacidade


A incapacidade cessa quando desaparecem os motivos que a determinam. Quando a
causa da incapacidade é a idade, desaparece pela maioridade ou pela emancipação.

3.5.1. Maioridade
Nos termos do art. 5.º, CC, a incapacidade cessa aos 18 anos, quando a pessoa passa
a estar habilitada para praticar todos os atos da vida civil. A menoridade cessa, dessa forma,
no primeiro momento do dia em que o indivíduo perfaz os 18 anos, ou seja, se o nascimento
ocorreu em 29 de fevereiro de ano bissexto, completa a maioridade no dia 1.º de março.
Ex.: nasceu em 05/10. Completa a maioridade em 05/10.
O critério é etário e não há diferença entre o homem e a mulher. Contudo, essa
capacidade civil não pode ser confundida com a capacidade eleitoral ou a capacidade para
o casamento, previstas em dispositivos especiais, nem mesmo com a maioridade penal.
11
Com a maioridade, os jovens passam a responder civilmente pelos danos causados
a terceiros, ficando autorizados a praticar todos os atos da vida civil, sem a necessidade de
assistência de seu representante legal.

3.5.2. Emancipação
Mas a capacidade plena também pode ser antecipada, em razão da autorização dos
representantes legais do menor ou do juiz ou, ainda, pela ocorrência de fato que a lei atribui
força para tanto. Trata-se dos casos de emancipação.
A emancipação é, portanto, uma forma de aquisição da capacidade civil antes da
idade legal. É a antecipação da aquisição da capacidade de fato (exercício da capacidade
civil por si próprio).
Nos termos do art. 5.º, § único, a incapacidade cessará:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro,
mediante instrumento público, independentemente de homologação
judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver
dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de
relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com
dezesseis anos completos tenha economia própria.

Deve-se observar que se trata de aquisição de capacidade para fins civis. Mas o
indivíduo não deixa de ser menor, ou seja, segue sendo aplicado o Estatuto da Criança e
do Adolescente. Nesse sentido, o enunciado 530 da Jornada de Direito Civil:
A emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da
Criança e do Adolescente.

Sendo assim, mesmo emancipado, não pode retirar carteira de motorista, ou entrar
em locais proibidos ou, então, ingerir bebida alcóolica.
A emancipação, uma vez realizada, é definitiva, irretratável e irrevogável, salvo por
ocorrência de vício de vontade (todos os negócios jurídicos ou atos praticados podem ser
anulados em razão de vício de vontade). Neste sentido, o enunciado 397 das Jornadas de
Direito Civil:
12
A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está
sujeita à desconstituição por vício de vontade.

Pela redação do § único do art. 5.º, CC, a emancipação, conforme a causa ou origem,
pode ser de três espécies: voluntária, judicial e legal.
a) Emancipação voluntária: Ocorre pela concessão dos pais, quando estes, em conjunto
(ou, um deles, na falta do outro), concedem, mediante escritura pública,
independentemente de homologação judicial, a emancipação para o filho que tenha
completado 16 anos. A emancipação é ato irrevogável, de forma que os pais não podem, a
posteriori, arrependerem-se de ter emancipado o filho. Contudo, respondem pelos danos
causados pelo filho que emanciparam. Deve ser registrada no Cartório do Registro Civil,
nos termos do art. 107, § 1.º, Lei 6.015/73.
b) Emancipação judicial: A emancipação judicial é aquela concedida pelo juiz, nos casos
em que o menor está sob tutela, sendo ouvido o tutor, se o menor contar com 16 anos
completos. Pode ser, também, nos casos em que um dos genitores concordar e o outro não
com a emancipação. Deve ser registrada no Cartório do Registro Civil, nos termos do art.
107, § 1.º, Lei 6.015/73. No caso de incapacidade relativa declarada por decisão judicial
(aplicável aos ébrios habituais, pródigos, etc.), bem como nos casos de incapacidade
superveniente (ou não afastada) pela maioridade, a retomada da capacidade dar-se-á
apenas mediante nova decisão judicial. Até tal reconhecimento, será realizada nomeação
de responsável (curador, para maiores; tutor, para menores) pela assistência ou
representação do incapaz (relativo ou absoluto).
c) Emancipação legal: A emancipação legal é aquela que advém da disposição legal.
Trata-se dos casos previstos nos incisos II, III, IV e V, CC, ou seja, em razão de casamento,
emprego público, constituição de empresa ou colação de grau em curso superior. Dispensa
o registro no Cartório de Registro Civil, produzindo efeitos independentemente desse
registro.

CASAMENTO: O homem e a mulher podem casar a partir dos 16 anos de idade,


desde que autorizados pelos pais ou representantes legais, nos termos do art. 1.517,
CC. Dessa forma, caso haja o casamento de menor de 18 anos, adquire, este

13
indivíduo, a capacidade civil plena, pois não faria sentido que, após casados, os
cônjuges permanecessem sob o poder familiar, já que constituíram um novo núcleo
familiar.

EXERCÍCIO DE EMPREGO PÚBLICO EFETIVO: Havendo a nomeação de


caráter efetivo em cargo ou emprego público efetivo (independentemente se celetista
ou estatutário, desde que não seja cargo em comissão), o agente adquire plena
capacidade civil, emancipando-se. Contudo, essa disposição está esvaziada de
conteúdo, já que é difícil algum cargo ou emprego público efetivo antes dos 18 anos
de idade.

COLAÇÃO DE GRAU EM CURSO SUPERIOR: Essa hipótese também é


bastante rara de ocorrer, pois o próprio período de estudo anterior (1.º e 2.º grau) é
extenso. Normalmente, quando o estudante cola grau, já é maior de idade.

ESTABELECIMENTO CIVIL OU COMERCIAL, OU EMPREGO QUE O MENOR


TENHA ECONOMIA PRÓPRIA: Trata-se, também, de uma hipótese remota, pois é
difícil que alguém com 16 anos estabelecer-se comercialmente.
EMANCIPAÇÃO

Natural 18 anos

Parental vontade dos pais - escritura pública

Judicial sentença

casamento, exercício de emprego


público efetivo, colação de grau em
Legal
curso superior, independência
econômica

14
3.6. Personalidade/Extinção da personalidade/Morte
O art. 6.º, CC define que a extinção da personalidade natural se dá com a morte,
presumindo-se esta quanto aos ausentes, quando autorizada a abertura da sucessão
definitiva. O art. 7.º, CC, por sua vez, estabelece os casos de declaração da morte sem
decretação da ausência:
Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-
se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a
abertura de sucessão definitiva.
Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de
ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo
de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não
for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos,
somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e
averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do
falecimento.

A morte divide-se, portanto em (o aprofundamento dessas situações será feito no


direito sucessório):

15
art. 7.º, CC

provável a morte de
sem decretação de quem estava em perigo
ausência de vida;

Real desaparecido ou
prisioneiro de guerra não
encontrado até dois anos
após o término da guerra.
Presumida
art. 6.º + art. 22, CC
MORTE

alguém que desaparece


com decretação de sem dar notícias
ausência
três fases: curadoria dos bens
do ausente + sucessão
art. 8.º, CC provisória + sucessão definitiva
(neste momento considera-se a
Comoriência morte)
morte simultânea

3.1. Registro Civil - Pessoa natural:


Registro Civil é o local onde se encontra a história da vida de uma pessoa. É a
perpetuação de seus dados pessoais. Trata-se de anotação feita por pessoa autorizada
(Registrador Civil) de dados pessoais e fatos jurídicos de maior relevância na vida de
alguém. Sua função é dar autenticidade, segurança, eficácia e publicidade a tais dados.
O Registro Civil está disciplinado no Código Civil e na Lei dos Registros Públicos. O
art. 9.º, CC determina os atos que serão registrados no Registro Público:
Art. 9o Serão registrados em registro público:
I - os nascimentos, casamentos e óbitos;
II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.

Por sua vez, o art. 10, CC trata das averbações em registros públicos:
Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:

16
I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do
casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da
sociedade conjugal;
II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou
reconhecerem a filiação;

Averbação é anotação feita à margem do registro para informar sobre alguma


alteração ocorrida no estado jurídico do registrado. Nesse sentido, o casamento é
registrado e o divórcio, averbado.

Todo nascimento deve ser levado a registro no local onde ocorreu o parto ou no lugar
da residência dos pais, no prazo de 15 dias ou, no prazo de até 3 meses quando o local do
parto ou da residência for distante mais de 30 km da sede do cartório.
Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser
dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da
residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será
ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta
quilômetros da sede do cartório.
§ 1º Quando for diverso o lugar da residência dos pais, observar-se-á
a ordem contida nos itens 1º e 2º do art. 52.
§ 2º Os índios, enquanto não integrados, não estão obrigados a
inscrição do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio do
órgão federal de assistência aos índios.
§ 3º Os menores de vinte e um (21) anos e maiores de dezoito (18)
anos poderão, pessoalmente e isentos de multa, requerer o registro
de seu nascimento.
§ 4° É facultado aos nascidos anteriormente à obrigatoriedade do
registro civil requerer, isentos de multa, a inscrição de seu
nascimento.
§ 5º Aos brasileiros nascidos no estrangeiro se aplicará o disposto
neste artigo, ressalvadas as prescrições legais relativas aos
consulados.

O registro de nascimento do indivíduo compete, pela ordem legal (art. 52, LRP):
Art. 52. São obrigados a fazer declaração de nascimento:
1o) o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, observado o
disposto no § 2o do art. 54;
2º) no caso de falta ou de impedimento de um dos indicados no item
1o, outro indicado, que terá o prazo para declaração prorrogado por
45 (quarenta e cinco) dias;

17
3º) no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior
achando-se presente;
4º) em falta ou impedimento do parente referido no número anterior
os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, que
tiverem assistido o parto;
5º) pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência
da mãe;
6º) finalmente, as pessoas (VETADO) encarregadas da guarda do
menor.
§ 1° Quando o oficial tiver motivo para duvidar da declaração, poderá
ir à casa do recém-nascido verificar a sua existência, ou exigir a
atestação do médico ou parteira que tiver assistido o parto, ou o
testemunho de duas pessoas que não forem os pais e tiverem visto o
recém-nascido.
§ 2º Tratando-se de registro fora do prazo legal o oficial, em caso de
dúvida, poderá requerer ao Juiz as providências que forem cabíveis
para esclarecimento do fato.

Deve-se observar que a Lei nº 13.484, de 2017 prevê, uma alteração no art. 54 da lei
dos registros públicos, no que diz respeito ao local da naturalidade do indivíduo, que será
o município do nascimento ou o de residência de sua genitora:
§ 4º A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o
nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na
data do nascimento, desde que localizado em território nacional, e a
opção caberá ao declarante no ato de registro do nascimento.

3.2. Direitos da personalidade


Ao lado dos direitos patrimoniais, existem direitos, não menos importantes, que estão
fora do comércio e encontram-se inseridos na personalidade do indivíduo. Os direitos da
personalidade, também chamados de liberdades públicas têm proteção especial por parte
do Estado. São tutelados tanto pelo Direito Público, como também, pelo Direito Privado.
São direitos inerentes e ligados à pessoa humana e a sua dignidade, de forma perpétua e
permanente. Dentre estes direitos destacam-se a vida, liberdade, nome, próprio corpo,
imagem e honra.
O enunciado 274 das Jornadas de Direito Civil prevê que:
Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva
pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da
pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio
da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles,
18
como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica
da ponderação.

Pode-se dizer que são direitos da personalidade: vida e integridade físico-psíquica,


nome da pessoa (natural ou jurídica), imagem (imagem-retrato e imagem-atributo), honra
(subjetiva e objetiva) e intimidade. Essa proteção dos direitos da personalidade encontra-
se, tanto no Código Civil, como, também, na Constituição Federal de 1988, que prevê, no
seu art. 5. º, X:
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação”.

O Código Civil destinou um capítulo especial para a proteção dos direitos da


personalidade – art. 11 a art. 21, CC. Esse rol, contudo, é exemplificativo, conforme dispõe
o enunciado 274 das Jornadas de Direito Civil.
Esses direitos tratam-se, portanto, de direitos que “têm por objeto os atributos físicos,
psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” (GAGLIANO e
PAMPLONA FILHO, p. 184).

3.2.1. Natureza
Quanto a natureza jurídica desses direitos, a maior parte da doutrina entende que, por
se tratarem de direitos inatos ao ser humano, cabe ao Estado apenas reconhecê-los e
sancioná-los no âmbito do direito positivo, de forma que o indivíduo possa proteger tais
direitos contra arbítrios do poder público ou de particulares.
No caso do Brasil, esses direitos, além de serem protegidos no âmbito do Direito Civil,
também tem uma proteção constitucional, conforme visto (art. 5.º, X, CF), o que lhes confere
um status diferenciado – direito subjetivo (possibilidade de exigir respeito) + direito objetivo
(vinculação a todos, dever de não infringir).

3.2.2. Titularidade

19
Os direitos da personalidade são próprios dos seres humanos. Contudo, como já
discutido, também protege o nascituro que, embora não tenha personalidade jurídica,
detém proteção, desde a concepção, dos seus direitos da personalidade (art. 2.º, CC).
Não se pode excluir, contudo, as pessoas jurídicas desta proteção, pois, nos termos
do art. 52, CC, aplica-se “às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade”. Dessa forma, as pessoas jurídicas também têm a faculdade de exigir
respeito e proteção quanto à sua imagem (intimidade, vida privada e honra, não é possível
em razão das particularidades de tais direitos), podendo ser requerida indenização pela
violação a tal direito. Este entendimento consubstancia-se na redação da súmula 227 do
STJ, que diz que: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.” Tenham cuidado com o
enunciado 286 das Jornadas de Direito Civil, que diz que não pode a pessoa jurídica ser
titular de direitos da personalidade. Este enunciado contraria o que determina a súmula 227
do STJ. Esta súmula é que poderá ser cobrada no Exame da OAB, por ser a posição
majoritária.

3.2.3. Características
Os direitos da personalidade são ligados à pessoa humana, representando seus
direitos íntimos e fundamentais. São qualidades que se agregam ao homem e, portanto,
intransmissíveis e irrenunciáveis. O art. 11, CC traz algumas das características dos direitos
da personalidade: Contudo, existem outras características:
• Inato: inerente, pertencente desde o nascimento.
• Absolutos: os autores falam que os direitos da personalidade são absolutos,
sendo uma forma de materialização da oponibilidade erga omnes.
Apesar dessa característica, deve-se ressaltar que os direitos da personalidade
podem ser restringidos, dependendo da situação.
Os enunciados das Jornadas de Direito Civil dispõem sobre essa possibilidade
de relativização ou limitação voluntária dos direitos da personalidade.
Enunciado n.º 4: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer
limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.

20
Significa dizer, portanto, que em cada caso concreto deverá ser feito um
sopesamento a fim de verificar se é ou não necessária a relativização do direito
da personalidade.
Ex.: biografias não autorizadas. Podem ser publicadas, embora sem
autorização, referente a pessoas públicas. Relativização dos direitos da
personalidade em nome a vedação da censura.
Enunciado n.º 139: “Os direitos da personalidade podem sofrer limitações,
ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos
com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons
costumes”.
Ex.: proteção da intimidade e vida privada é relativizada quando há uma
exposição desse direito. Top less em praia pública – relativização da
intimidade.
Ex.: art. 15, CC. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de
vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Um paciente, a beira da
morte, necessita de cirurgia. A intervenção trará alto risco, gerando dúvidas se
o médico deve ou não realizar o procedimento. Isso gera uma série de
discussões, pois há resoluções do Conselho Federal de Medicina que
autorizam o médico a suspender o tratamento de pacientes terminais, de
doenças incuráveis quando assim for de sua vontade (ortotanásia). Contudo,
decisões judiciais já foram contrárias a essa prática.
Há, ainda, o Enunciado 528, das Jornadas de Direito Civil, que autoriza o
chamado testamento vital ou biológico, que nada mais é do que uma
autorização para a prática da suspensão do tratamento médico:
“É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também
chamado "testamento vital", em que a pessoa estabelece disposições sobre o
tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se
encontrar sem condições de manifestar a sua vontade”.
De igual modo, há, também a situação de paciente que, em razão de sua
crença religiosa, não permita submissão a tratamento médico. No caso de este
paciente estar sob risco real e iminente de morte, pode ser dispensada a
21
autorização para a realização de cirurgia. Significa dizer, então que, nestes
casos, o médico pode salvar a vida, mesmo sem a autorização do paciente ou
familiar. Trata-se de um conflito entre o direito a vida e o direito a liberdade
religiosa. Deve-se utilizar a técnica da ponderação, neste caso. Há quem diga
que, pela ponderação, deve prevalecer a vida. Outros dirão que a vontade do
paciente deve ser respeitada. Neste sentido, o enunciado 403 das Jornadas de
Direito Civil:
“O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI,
da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento
médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão
do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a)
capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente;
b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que
diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.”
• Generalidade: são outorgados a todas as pessoas, pelo simples fato de
existirem.
• Extrapatrimonialidade: ausência de conteúdo patrimonial direto, ou seja, os
direitos, em si, não possuem valor patrimonial, ainda que, havendo lesão,
possa haver indenização pecuniária (mas, neste caso, em razão do dano
causado).
• Indisponibilidade: significa que tais direitos não podem, por vontade do
indivíduo, mudar de titular. Abrange tanto a intransmissibilidade
(impossibilidade de modificação de titular gratuita ou onerosa, ou seja, não é
possível ceder tal direito a outrem), como a inalienabilidade (não podem ser
alienados), a inacessibilidade (não podem ser objeto de cessão), e a
intransacionabilidade (não podem sofrer transação ou compromisso de
arbitragem). É permitida, contudo, a cessão de uso da imagem, por exemplo,
(famoso que autoriza a utilização de sua imagem em outdoors). Isso significa
que há uma parcela dos direitos da personalidade, que se relaciona a direitos
patrimoniais, que pode ser passível de disposição (direitos de imagem, direitos

22
autorais, cessão de partes do corpo para fins científicos ou altruísticos – art.
14, CC).
• Irrenunciabilidade: trata-se da impossibilidade voluntária do abandono, de
abdicar, de forma que ninguém pode renunciar direitos da personalidade.
Exemplo: contrato de namoro. Este contrato é nulo, pois seria uma forma de
pessoas que vivem em união estável renunciarem aos direitos dela
decorrentes. A união estável envolve direitos existenciais de personalidade.
Ademais, é uma espécie de fraude a lei imperativa, o que conduz a nulidade
absoluta do documento firmado (art. 166, VI, CC).
Outro exemplo seriam os reality shows (Big Brother Brasil), onde o participante
renuncia a qualquer direito de buscar indenização por danos morais em
decorrência da exibição de sua imagem. Tal contrato também é nulo, pois não
é possível a renúncia a direitos da personalidade, a teor dos arts. 11 e 166, VI,
CC. Nestes casos é possível, inclusive, que se utilize das medidas previstas no
art. 12, CC para fazer cessar a exibição das imagens que violem a moral do
participante.
• Imprescritibilidade: não se extinguem pelo não uso, de forma que não há
prazo para o seu exercício. Salienta-se que esta imprescritibilidade é quanto
ao direito em si, não quanto ao exercício do direito de reparação quanto a dano
moral pela violação do direito da personalidade (honra, p.ex.).
O exercício do direito a reparação de danos se sujeita a prazos prescricionais
– 3 anos, no caso, nos termos do art. 206, § 3.º, V, CC.
Contudo, existem decisões do STJ que reconhecem a imprescritibilidade do
pleito de reparação de danos: “É pacífico o entendimento no Superior Tribunal
de Justiça segundo o qual as ações de indenização por danos morais e
materiais decorrentes de atos de violência ocorridos durante o Regime Militar
são consideradas imprescritíveis, independentemente dos legitimados ad
causam.”
“Como é cediço, a prescritibilidade é a regra, só havendo falar em
imprescritibilidade em hipóteses excepcionalíssimas, como no tocante às
ações referentes ao estado das pessoas. Somente alguns direitos subjetivos,
23
observada sua envergadura e especial proteção, não estão sujeitos a prazos
prescricionais, como na hipótese de ações declaratórias de nulidades
absolutas, pretensões relativas a direitos da personalidade e ao patrimônio
público”. (EDcl no AgRg no REsp 1229068/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 16/10/2015)
• Impenhorabilidade: em razão de serem inerentes à pessoa e dela
inseparáveis, não podem ser penhoráveis, pois a função da penhora é a venda
judicial para satisfação de um crédito. Contudo, esta indisponibilidade é quanto
ao direito em si (vedação da penhora do direito à imagem), mas não se refere
a penhora dos direitos patrimoniais resultantes do exercício deste direito (a
cessão de uso da imagem gera um ressarcimento patrimonial e, este, pode ser
penhorado). O art. 832, CPC/2015 determina que estão a salvo da execução
os bens que a lei considere impenhoráveis ou inalienáveis. Neste caso,
enquadram-se os direitos da personalidade.
• Vitaliciedade: são adquiridos no momento da concepção e acompanham a
pessoa até sua morte, ainda que alguns desses direitos sejam resguardados
mesmo após a morte da pessoa (honra, memória, direito de autor, p. ex.). Ex.:
não é porque o Chico Anísio faleceu que sua imagem caiu no domínio público.
Há o direito de indenização pelo uso indevido da imagem do humorista. Neste
sentido, o art. 12 define que a legitimação para requerer a indenização é do
cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta (filho, neto, pais, avós)
ou colateral até quarto grau (primos).

3.2.4. Classificação
Apesar de haver um rol de direitos da personalidade previsto no Código Civil, este rol
não é taxativo (enunciado 274, Jornada de Direito Civil). São direitos inatos ao ser humano,
qualidades que se agregam ao homem. O texto protege a vida, nome integridade físico-
psíquica, honra, imagem, intimidade e produção intelectual. Contudo, não tutela questões
de liberdade sexual, por exemplo. A proteção quanto aos direitos da personalidade divide-
se em:
a) CORPO – Vida e integridade física (corpo vivo, cadáver, voz).
24
b) MENTE – integridade psíquica e criações intelectuais (liberdade, criações
intelectuais, privacidade, segredo).
c) ESPÍRITO – integridade moral (honra, imagem, identidade pessoal).

3.2.5. Proteção dos direitos da personalidade


A proteção aos direitos da personalidade está prevista tanto na Constituição Federal
quanto no Código Civil.
Considerando que visa resguardar a dignidade humana através de medidas judiciais,
esta proteção pode ser: preventiva ou tutela inibitória; repressiva ou tutela reparatória.
PREVENTIVA – objetivando suspender atos que ameacem ofender a integridade do
indivíduo
REPRESSIVA ou TUTELA REPARATÓRIA – ação indenizatória, que visa uma
reparação patrimonial pelo dano causado. A reparação pode ser por DANO MORAL,
quando a agressão for contra um direito da personalidade e não houver conteúdo
econômico dessa lesão. Poderá ser, também por DANO MATERIAL, quando houver perda
ou prejuízo por lesão a bem patrimonial. Esses danos podem ser danos emergentes (o
que a pessoa perdeu) e lucros cessantes (o que a pessoa deixou de ganhar). A
jurisprudência do STJ vem admitindo a possibilidade cumulação de danos materiais, morais
e, ainda, danos estéticos, conforme súmula 387, STJ: “é lícita a cumulação das
indenizações de dano estético e dano moral”.

3.2.6. Direito à vida


Sem a vida, não há nenhum outro direito à pessoa jurídica. Esse direito é protegido
desde a concepção, de forma que é vedado o aborto. O direito à vida compreende tanto o
manter-se vivo, quanto o viver de forma digna. Dessa forma, alimentos transgênicos estão
relacionados ao direito à vida, pois violam o direito à saúde (diretamente relacionado com
a vida).

Aborto: interrupção criminosa da vida em formação. É crime previsto nos arts. 124 a
227, CP. Contudo, há a exclusão do crime em diferentes hipóteses:
Aborto terapêutico – não houver outro meio de salvar a vida da Mãe. Art. 128,I, CP
25
Aborto sentimental (ético) – consentido pela gestante, quando a gravidez resultar de
estupro. Art. 128,II, CP
Aborto de feto anencefálico – feto que, comprovadamente, não possui atividade
cerebral – decisão do STF na ADPF 54 (2012).
Aborto dentro do primeiro trimestre de gestação – “... 3. Em segundo lugar, é preciso
conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal
– que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a
interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização,
nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o
princípio da proporcionalidade. 4. A criminalização é incompatível com os seguintes
direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser
obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve
conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da
gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a
igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de
gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria”. (HC 124306,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO,
Primeira Turma, julgado em 09/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 16-
03-2017 PUBLIC 17-03-2017).

Fertilização in vitro: nos casos de fertilização in vitro, mesmo havendo o descarte


dos embriões que tenham sido fecundados, o STF decidiu, no julgamento da Lei de
Biossegurança (ADI 3510), que não há aborto neste caso, pois não houve a gravidez ainda,
sendo, portanto, permitida a realização de pesquisa em células tronco embrionárias.

Eutanásia: configura eutanásia a suspensão do tratamento ordinário a que está


submetido o paciente ou a interrupção da alimentação do paciente, mesmo que por via
intravenosa, a fim de provocar a morte por inanição. Também configura a eutanásia a
suspensão do auxílio externo para respiração.

26
Com isso, em razão da proteção de uma vida digna, há a discussão sobre a questão
do fim da vida através da eutanásia (proibida no Brasil). Ex.: filme “A menina de ouro”. No
exemplo do filme, haveria uma vida digna após o acidente?
Portanto, mesmo que a eutanásia seja praticada com o consentimento do paciente é
contrária ao ordenamento jurídico, por ferir o direito à vida.
Ortotanásia = eutanásia passiva – suspensão de medicamentos – morte digna.
Distanásia = prorrogar a vida com medicamentos.

3.2.7. Direito ao próprio corpo – integridade física


Os arts. 13 a 15, CC tratam do direito ao próprio corpo. Prevê o art. 13 do CC a
proteção a integridade física do indivíduo:
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do
próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade
física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Este artigo refere-se a possíveis mutilações a que os indivíduos possam se submeter.


Autoriza, contudo a realização de um transplante. Mas a doação só é permitida de partes
duplas do corpo (rins) ou regeneráveis (fígado) ou tecidos (medula, pele), desde que não
prejudique, nem mutile o doador.
O § único do art. 13, CC permite, contudo, a realização de transplantes de partes do
corpo humano, conforme disposição em lei especial. A lei que rege os transplantes é a
9.434/97, com as alterações da lei 10.211/01. Referidas leis permitem a retirada de partes
do corpo (tecidos, órgãos e partes do corpo vivo), desde que gratuitamente e desde que
não representem risco para a sua integridade física e mental. O enunciado 532 das
Jornadas de Direito Civil é claro nesse sentido:
É permitida a disposição gratuita do próprio corpo com objetivos
exclusivamente científicos, nos termos dos arts. 11 e 13 do Código
Civil.

Pode haver, também, cessão de direitos de uso de material biológico, para fins de
pesquisa, nos termos do enunciado 401 das Jornadas de Direito Civil:

27
Não contraria os bons costumes a cessão gratuita de direitos de uso
de material biológico para fins de pesquisa científica, desde que a
manifestação de vontade tenha sido livre, esclarecida e puder ser
revogada a qualquer tempo, conforme as normas éticas que regem a
pesquisa científica e o respeito aos direitos fundamentais.

Não se enquadra, nesta situação, conforme diversas decisões judiciais, os casos de


transexualidade. Muito se discutiu sobre a cirurgia de adequação sexual, se seria
mutiladora ou não. Restou pacificado pela jurisprudência que não se trata de mutilação,
mas sim de uma adequação da realidade biológica à realidade psicológica, já que o
contrário não é possível, eis que o transexual não aceita. O Conselho Federal de Medicina,
através de resolução, considera lícita a intervenção cirúrgica.
Nesse sentido, o enunciado 276, das Jornadas de Direito Civil:
O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por
exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em
conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho
Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do
sexo no Registro Civil.

O corpo é a expressão da individualidade da pessoa, sendo, em razão disso,


inalienável, tanto em vida, quanto após a morte.

O art. 14, por sua vez, dispõe sobre a disposição post mortem do próprio corpo:
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição
gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a
qualquer tempo.

Para tanto, é preciso que seja diagnosticada a morte encefálica. Assim, se o indivíduo
pretende ser doador, deverá deixar declaração escrita. Se nada dispuser a respeito, a
família deverá anuir expressamente para que seja feita a doação. Nesse sentido, o
enunciado 277 das Jornadas de Direito Civil:
O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita
do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da
morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos
em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a

28
aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de
silêncio do potencial doador.

Não poderá haver remoção de órgãos de pessoa não identificada.


Após a retirada dos órgãos o corpo deve ser recomposto e entregue à família para
que realize o sepultamento.
É VEDADA A COMERCIALIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS DO CORPO HUMANO. Permite-
se, apenas, o transplante gratuito. Art. 199, § 4.º, CF:
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a
remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta,
processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo
vedado todo tipo de comercialização.

Segundo o art. 15, CC, ninguém pode ser obrigado a submeter-se a tratamento
médico ou cirúrgico que importe risco de vida.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de
vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Não significa que tratamentos de risco sejam vedados, mas o indivíduo deve estar
ciente, antes de se submeter a tal tratamento, dos riscos dele provenientes. Cabe, portanto,
ao médico, informar ao paciente, devendo registrar tal fato por escrito, para evitar
responsabilidades futuras.
O doente pode, portanto, negar-se a tratamento de risco. Nesse aspecto, o enunciado
403 das Jornadas de Direito Civil prevê:
O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art.
5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se
nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou
sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde
que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena,
excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b)
manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição
que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.

Também o enunciado 533 das Jornadas de Direito Civil dispõe:


O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os
aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar
29
risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de
emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que
não possam ser interrompidos.

Caso esteja impossibilitado de decidir, caberá a seu representante legal. A


autorização, caso o paciente não tenha condições de fornecê-la deve ser requerida a
qualquer parente maior, em linha reta ou colateral até 2.º grau (irmão) ou cônjuge.
Se, contudo, não houver tempo hábil para consultar o paciente ou o representante
legal, o médico tem o dever de realizar o tratamento (ex. emergência de parada cardíaca).

3.2.8. Direito ao nome


A proteção ao nome é prevista nos arts. 16 a 19, CC. O art. 16 prevê:
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o
prenome e o sobrenome.

Nome é a designação jurídica pela qual a pessoa é conhecida no mundo. Assim,


envolve o sentido completo do termo → nome + sobrenome. Esse elemento serve para
individualizar a pessoa, tanto durante a vida, quanto durante a morte, passando a integrar
a personalidade do indivíduo (tanto que é protegido o nome enquanto direito da
personalidade).
O nome é um código identificador de cada pessoa. É uma designação pela qual a
pessoa identifica-se na família e na sociedade. É uma característica marcante da
personalidade, sendo inalienável e imprescritível da individualidade da pessoa. Dessa
forma, todo ser humano deve portar um nome.
Dessa forma, nome é o nome completo. Ex.: Maitê Damé Teixeira Lemos. Constitui-
se de prenome e sobrenome. Ex:
Maitê – prenome (nome próprio)
Damé Teixeira Lemos – sobrenome, apelido familiar, nome de família (nome).

No Brasil, os pais podem escolher livremente o prenome dos filhos, desde que não o
exponham ao ridículo. Ex.: FACEBOOKSSON.
Nesse sentido, o § único, do art. 55 da Lei dos Registros Públicos dispõe que:

30
Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de
expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se
conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o
caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à
decisão do Juiz competente.

O sobrenome (ou nome) é o sinal identificativo da origem da pessoa, de forma a


indicar sua filiação. Trata-se de uma característica da família, transmissível por sucessão.
É o apelido familiar. O prenome pode ser escolhido. O sobrenome é herdado dos pais.
NÃO HÁ UMA ORDEM OBRIGATÓRIA DE APOSIÇÃO DOS SOBRENOMES. Via de
regra, em razão dos costumes, se utiliza, primeiro o último sobrenome da Mãe e, depois, o
último sobrenome do Pai. Contudo, não há lei que disponha nesse sentido. Dessa maneira,
é possível que se faça requerimento ao registrador de forma diferente. Exemplo: Vinicius
Damé Teixeira Lemos. Também poderia ser: Vinicius Lemos Damé Teixeira.
Nesse sentido, a Lei dos Registros Públicos, assim como a Consolidação Normativa
Notarial e Registral determinam que, se não for indicado o sobrenome pelos pais, o
registrador lançará o sobrenome do pai e, na sua falta, o da mãe. Contudo, isto não se
justifica em razão da igualdade constitucional.

ALCUNHA – apelido depreciativo, normalmente relacionado com a característica


física ou moral. Ex.: o bandido “Seco”.
COGNOME – designação dada a alguém em razão de uma característica especial.
Ex.: Tiradentes.
EPÍTETO – designação qualificativa. Ex.: Dom Pedro, o Justiceiro.
HIPOCORÍSTICO – diminuitivo do nome, usado na intimidade familiar, normalmente.
Ex.: João (Joãozinho), Sebastião (Tião), José (Zé ou Zezinho), etc.
AGNOME – sinal distintivo de pessoas que, em uma mesma família, possuem o
mesmo nome. Trata-se das expressões Júnior, Filho, Neto, Sobrinho, Segundo, etc. Ex.:
Roberto Carlos Braga e Roberto Carlos Braga Segundo (filho do cantor).
AXIÔNIMO – forma de tratamento, como p. ex., Vossa Santidade, Conde,
Comendador, etc., que passam a integrar o nome para todos os efeitos.

31
O nome, enquanto característica pessoal e individual de cada pessoa, via de regra, é
imutável. Contudo, é admissível sua alteração em alguns casos, quando houver motivo
relevante: erro gráfico, expor o portador ao ridículo. Dessa forma, não é qualquer capricho
pessoal que autoriza a modificação do nome.
Aquele que completar a maioridade civil (18 anos ou emancipação) poderá, no prazo
de 1 ano, alterar, de forma administrativa (art. 56, LRP), seu nome (completo), desde que
não prejudique os apelidos de família. Assim, alguém registrado apenas com o sobrenome
do Pai poderá incluir o da Mãe, por exemplo.
Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade
civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o
nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-
se a alteração que será publicada pela imprensa.

Depois de passado esse prazo de 1 ano a alteração poderá ser feita mas, neste caso,
dependerá de ordem judicial, nos termos do art. 57, LRP.
O art. 57 da Lei dos Registros Públicas autoriza a alteração quando houver evidente
erro gráfico, a alteração poderá ser feita, nos termos do art. 57, Lei dos Registros Públicos,
através do procedimento previsto no art. 110, da mesma Lei:
Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e
motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida
por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o
mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a
hipótese do art. 110 desta Lei.

Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a


constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser
corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se
encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo
interessado, representante legal ou procurador, independentemente
de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do
Ministério Público.
§ 1º Recebido o requerimento instruído com os documentos que
comprovem o erro, o oficial submetê-lo-á ao órgão do Ministério
Público que o despachará em 5 (cinco) dias.
§ 2º Quando a prova depender de dados existentes no próprio
cartório, poderá o oficial certificá-lo nos autos.
§ 3º Entendendo o órgão do Ministério Público que o pedido
exige maior indagação, requererá ao juiz a distribuição dos autos a
um dos cartórios da circunscrição, caso em que se processará a
32
retificação, com assistência de advogado, observado o rito
sumaríssimo.
§ 4º Deferido o pedido, o oficial averbará a retificação à margem
do registro, mencionando o número do protocolo e a data da sentença
e seu trânsito em julgado, quando for o caso.

Quando a mudança for necessária em razão de expor seu portador ao ridículo,


assim como outras alterações, dependerá de procedimento judicial de retificação de nome,
nos termos do art. 109, LRP:
Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique
assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada
e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que
o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os
interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório.
§ 1° Se qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público
impugnar o pedido, o Juiz determinará a produção da prova, dentro
do prazo de dez dias e ouvidos, sucessivamente, em três dias, os
interessados e o órgão do Ministério Público, decidirá em cinco dias.
§ 2° Se não houver impugnação ou necessidade de mais provas,
o Juiz decidirá no prazo de cinco dias.
§ 3º Da decisão do Juiz, caberá o recurso de apelação com
ambos os efeitos.
§ 4º Julgado procedente o pedido, o Juiz ordenará que se expeça
mandado para que seja lavrado, restaurado e retificado o
assentamento, indicando, com precisão, os fatos ou circunstâncias
que devam ser retificados, e em que sentido, ou os que devam ser
objeto do novo assentamento.
§ 5º Se houver de ser cumprido em jurisdição diversa, o mandado
será remetido, por ofício, ao Juiz sob cuja jurisdição estiver o cartório
do Registro Civil e, com o seu "cumpra-se", executar-se-á.
§ 6º As retificações serão feitas à margem do registro, com as
indicações necessárias, ou, quando for o caso, com a trasladação do
mandado, que ficará arquivado. Se não houver espaço, far-se-á o
transporte do assento, com as remissões à margem do registro
original.

Esta hipótese serve para os casos de pessoas do sexo masculino registradas com
nome feminino. Ex.: Arlete, Salete, etc.
Também é possível a alteração do prenome registral pelo prenome de uso. Essa
autorização está contida no art. 58 da Lei dos Registros Públicos:

33
Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua
substituição por apelidos públicos notórios.
Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em
razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com
a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz
competente, ouvido o Ministério Público.

Isto porque, a função da imutabilidade do prenome é pelo fato de que a pessoa é


conhecida por aquele signo distintivo. Contudo, se a notoriedade é em razão de outro
prenome, este é que passa a ser imutável. Ex.: Pelé = Edson Arantes do Nascimento. A
notoriedade do prenome Pelé é muito maior do que Arantes. Neste caso, é possível que,
caso ele tenha interesse, faça requerimento para alterar o prenome para “Pelé Arantes do
Nascimento” ou “Zezé de Camargo” = Welson David de Camargo.
Também há a possibilidade de alteração em razão da situação de transexual
operado, quando o registro civil passa a não corresponder com a realidade física, não
correspondendo, portanto, a verdade. Nesse sentido, essa alteração tem sido autorizada,
tanto do registro do nome, quanto do sexo. Deve-se observar que a ADI 4275, julgada em
março de 2018 autorizou a alteração do prenome dos transexuais, independentemente de
alteração do sexo e de autorização judicial:
... julgou procedente a ação para dar à lei dos registros interpretação
conforme a Constituição Federal e pactos internacionais que tratam
dos direitos fundamentais, a fim de reconhecer aos transgêneros que
desejarem o direito à alteração de nome e gênero no assento de
registro civil, independentemente da cirurgia. Para ela, são
desnecessários a autorização judicial e os requisitos propostos.
(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=
371085)

Também pode haver a mudança do prenome em razão de adoção. Segundo o ECA,


no seu art. 47, § 5.º, a sentença que define a adoção poderá autorizar, a requerimento do
adotante, a alteração do prenome do adotado.

É possível, também, acrescentar os apelidos notórios, sem que prejudique o prenome.


Ex.; Lula: Luiz Inácio “Lula” da Silva.

34
Também se pode acrescentar ouro nome para solucionar problemas de homonímia.
Ex.: existência de 500 Maria da Silva. É possível que se acrescente Maria “de Fátima” da
Silva.
O acréscimo de outros nomes (sobrenomes) poderá ocorrer também em casos de
casamento (art. 1.565, § 1.º, CC prevê que qualquer dos nubentes poderá assumir o
sobrenome do outro). No caso da união estável a inclusão do nome do outro só é
autorizada quando um deles tiver impedimento para casar, nos termos do art. 57, § 2.º, CC.
Também o reconhecimento de paternidade é motivo para a alteração do nome do
indivíduo, a fim de acrescentar o patronímico paterno.
Com relação ao registro dos filhos fora do matrimônio, os arts. 59 e 60 da Lei dos
Registros Públicos dispõe:
Art. 59. Quando se tratar de filho ilegítimo, não será declarado o nome
do pai sem que este expressamente o autorize e compareça, por si
ou por procurador especial, para, reconhecendo-o, assinar, ou não
sabendo ou não podendo, mandar assinar a seu rogo o respectivo
assento com duas testemunhas.

Art. 60. O registro conterá o nome do pai ou da mãe, ainda que


ilegítimos, quando qualquer deles for o declarante.

Trata-se de forma de reconhecimento de filiação. A regra é que os filhos havidos


durante a relação matrimonial têm a paternidade presumida (art. 1.597, CC).
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os
filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida
a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da
sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e
anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido
o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha
prévia autorização do marido.

Nestes casos, para que haja o registro dos filhos, basta que compareça a mulher
portando a certidão de casamento. Neste caso, o filho será registrado como filho do casal.
35
Contudo, se o filho não for advindo de relação matrimonial, dependerá da presença do pai
para que faça o registro, quando, então, estará reconhecendo voluntariamente o filho.

O nome tem uma importância tanto pública quanto individual. A importância pública
do nome se dá em razão de que o Estado tem interesse na identificação correta e precisa
dos indivíduos, determinado, assim, que seja procedido seu registro (nos termos da Lei dos
Registros Públicos), vedando sua alteração (somente em casos excepcionais é admitida).
A importância individual está no direito ao nome, que cada indivíduo tenha direito a portar
um signo identificador e, mais do que isto, de exigir o respeito e proteção a este signo
identificador, podendo reprimir abuso por parte de terceiros. A proteção ao nome é feita
através de ações (dano moral, p.ex.). Através dessas ações podem ser exigidos, por
exemplo, que seja divulgado o nome verdadeiro: ex.: sai uma foto publicada no jornal, de
dois amigos (João e Carlos). Logo em seguida a descrição: Joãozinho e sua namorada.
Cabe, neste caso, uma ação para contestar o nome publicado, exigindo a retificação, a fim
de que conste o nome correto.
Nesse sentido, os arts. 17 e 18, CC preveem:
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em
publicações ou representações que a exponham ao desprezo público,
ainda quando não haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em
propaganda comercial.

Havendo violação ao direito ao nome é cabível a reparação por danos. Ex.: Luciano
Huck entrou com processo de indenização por danos contra um empreendimento imobiliário
que, para vender maior número de imóveis, veiculou que seria um atrativo o fato de que
Huck seria um dos moradores.
Nesse sentido, há a súmula 403, STJ que determina que “Independe de prova do
prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins
econômicos ou comerciais”.
Os responsáveis pelo ressarcimento serão tanto o autor da publicação quanto o
veículo de divulgação. É o que prevê a súmula 221, STJ: “São civilmente responsáveis pelo

36
ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito
quanto o proprietário do veículo de divulgação”.

Além disso, também não se pode esquecer que há a utilização dos chamados
pseudônimos, ou seja, nomes figurativos ou codinomes, nomes fictícios que servem para
identificar o autor do escrito, normalmente artistas. Ex.: Fafá de Belém (Maria de Fátima
Palha de Figueiredo); Cazuza (Agenor de Miranda Araújo Neto); Lima Duarte (Ariclenes
Venâncio Martins); Xuxa (Maria da Graça Meneguel). Esses pseudônimos, quando usados
licitamente, gozam da mesma proteção que se dá ao nome (art. 19, CC):
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da
proteção que se dá ao nome.

Assim, o mau uso do pseudônimo de alguém também gera o dever de indenizar.

3.2.9. Proteção à palavra e à imagem


O art. 20, CC faz a previsão da proteção à palavra e à imagem:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da
justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos,
a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização
da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento
e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra,
a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins
comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes
legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou
os descendentes.

O enunciado 275 das Jornadas de Direito Civil incluiu o companheiro também como
legitimado:
O rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20,
parágrafo único, do Código Civil também compreende o companheiro.

Trata-se da tutela da voz, também protegida pelo art. 5.º, XXVIII, a, CF. Neste caso
se enquadra o caso de Galvão Bueno, por exemplo.

37
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à
reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades
desportivas;

A pessoa que tiver sua imagem ou voz utilizadas de forma indevida, sem autorização,
poderá acionar a justiça para impedir o uso e, ainda, receber indenização pelo uso indevido.
Contudo, o STJ julgou a ADIn 4815, que dá ao art. 20, CC interpretação conforme a
Constituição. Nesta ação, foi autorizada a publicação das “biografias não autorizadas”, ou
seja, a possibilidade de publicação de obras biográficas literárias ou audiovisuais,
independentemente do consentimento do biografado. O Presidente do STF a época
(Ricardo Lewandowski) afirmou que “não é possível que haja censura ou se exija
autorização prévia para a produção e publicação de biografias”, de forma que “a censura
prévia está afastada, com plena liberdade de expressão artística, científica, histórica e
literária, desde que não se ofendam os direitos constitucionais dos biografados”.
Trata-se de uma forma de limitação dos direitos da personalidade, que acaba
ocorrendo através da ponderação ou aplicação do princípio da proporcionalidade. Nesse
sentido é a redação do enunciado 279 das Jornadas de Direito Civil:
Trata-se de uma forma de limitação dos direitos da personalidade, que
acaba ocorrendo através da ponderação ou aplicação do princípio da
proporcionalidade.

a) Proteção à intimidade
O art. 5.º, X, da CF prevê:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação;

De início, é preciso que se diferencie privacidade e intimidade, pois são diferentes.


Contudo, a linha divisória é muito tênue, quase imperceptível.
Privacidade ou vida privada = comportamentos e acontecimentos atinentes aos
relacionamentos pessoais em geral, relações comerciais e profissionais que o indivíduo não
deseja que se espalhem ao conhecimento público. Se refere àquilo que a pessoa deseja

38
excluir do conhecimento pelos outros. É o controle das informações sobre si mesmo. É o
direito do indivíduo não ter seus assuntos pessoais e profissionais expostos a terceiros.
Intimidade = conversações, episódios mais íntimos, envolvendo relações familiares
e amizades mais próximas. A intimidade, como atributo da personalidade, é a vida familiar,
pessoal, a vida interior da pessoa; é aquela vivida entre quatro paredes, em sua residência,
incluindo-se na esfera mais íntima.

Deve-se destacar que há interesse público sobre acontecimentos que ocorram com
determinadas pessoas, por serem públicas. É o que acontece com as celebridades, artistas,
quando fatos relativos a sua privacidade são expostos para o público, para satisfazer o
interesse geral. Assim, existem fatos da privacidade de alguém que, levados a público,
podem ser tidos como admissíveis ou como abusivos, tudo dependendo da maneira como
o indivíduo que está sendo exposto vive.
Os direitos fundamentais, como vimos, podem ser objeto de restrições, no limite da
dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, é possível que alguém, por ocasião da morte
de um ente querido, dê entrevista a respeito. Ex.: caso da morte de Rafael Mascarenhas,
filho da atriz Cissa Guimarães. O caso teve maior publicização em razão da mãe do rapaz
ser pessoa pública. A atriz limitou sua intimidade e expôs o caso para a imprensa, dando
entrevistas e falando sobre a dor da perda do filho.
Nesse sentido, é de se verificar até que ponto houve a autorização para a publicação
da imagem da pessoa, invadindo sua intimidade. Por isso, deve-se levar em conta a forma
como a pessoa leva a vida, ou seja, seu modo de agir. Como exemplo, tem-se o fato de
uma mulher, fazendo “top-less” ser fotografada em uma praia pública. O seu agir está a
expor sua intimidade. Dessa forma, não há como querer impedir a publicação de uma foto
na qual ela apareça.
Nesse sentido é o julgado do STJ:
DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM
CENÁRIO PÚBLICO.
Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade,
estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para
torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem.

39
Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita
ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção
à privacidade encontra limite na própria exposição realizada.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 595600/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA
TURMA, julgado em 18/03/2004)

Contudo, a questão do interesse público não deve ser confundida com o interesse do
público. Isso porque, por óbvio, a revelação de algum hábito sexual heterodoxo de um
político não possui o mesmo coeficiente de interesse relevante que teria o noticiário de igual
comportamento praticado por um cidadão comum. Assim, não deve-se confundir o
interesse público com o interesse do público, de maneira a expor a vida de pessoas pública
apenas para satisfazer as curiosidades do público, sem qualquer relevância pública.
Dessa forma, deve haver uma ponderação entre o interesse público da notícia e a
privacidade do indivíduo, a fim de verificar qual dos dois direitos fundamentais será mais
importante se proteger no caso concreto.
Isso não quer dizer que todo homem público, por assim o ser, terá seu direito à
privacidade sempre preterido em razão do interesse público. Pelo contrário, ele possui igual
proteção desse direito, como se sujeito comum fosse. Contudo, existem casos, que sua
conduta, em razão da exposição pública, gera o interesse público, de maneira que possa
haver a limitação do seu direito à intimidade.
E mais, para que haja a exposição da privacidade do homem público, deve haver o
interesse público, no sentido de constituir um elemento útil a que o indivíduo que vai receber
a informação se oriente melhor na sociedade em que vive, ou seja, não basta só o interesse
do público, mas o interesse público, a utilidade da informação veiculada. Não se inclui,
portanto, os hábitos sexuais ou alimentares do homem público, pois isso em nada traz
utilidade da informação para a sociedade.
O mesmo ocorre com quem deixou de ser homem público e volta ao anonimato. Essa
pessoa deve ser “deixada de lado”, de maneira a ser respeitada sua intimidade e sua vida
privada, pois deixou de ser de interesse público. Também no mesmo sentido é a proteção
daqueles que deixam a penitenciária e precisam se reajustar à sociedade. Eles possuem o
direito de não ter expostos os motivos que o levaram à prisão, pois já cumpriram com sua
pena e, agora, tem o direito de recomeçar, de maneira a não terem sua vida privada exposta
40
novamente. Esta é a tutela do chamado “direito ao esquecimento”, conforme previsão dos
enunciados abaixo:
Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na
sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
Enunciado 576: O direito ao esquecimento pode ser assegurado por
tutela judicial inibitória.

Verifica-se, pois, que cabe se utilizar de tutela inibitória para evitar a lesão e reparação
de danos para a vítima, a fim de reparar o dano sofrido.
O direito ao esquecimento deve ser reconhecido, portanto, como direito da
personalidade.
Na verdade, como resumo, para verificação da proteção à intimidade e à vida privada,
em conflito com o direito à liberdade de informação, deve-se levar em conta o princípio da
proporcionalidade e suas máximas (necessidade, adequação e proporcionalidade em
sentido estrito). Trata-se da utilização da técnica de ponderação que se encontra tipificada
no Código de Processo Civil. Essa técnica, embora possa sofrer críticas é utilizada pelo
STJ:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DA REALIZAÇÃO DE
EXAME DE HIV NÃO SOLICITADO, POR MEIO DO QUAL O
PACIENTE OBTEVE A INFORMAÇÃO DE SER SOROPOSITIVO -
VIOLAÇÃO AO DIREITO À INTIMIDADE - NÃO OCORRÊNCIA -
INFORMAÇÃO CORRETA E SIGILOSA SOBRE SEU ESTADO DE
SAÚDE - FATO QUE PROPORCIONA AO PACIENTE A PROTEÇÃO
A UM DIREITO MAIOR, SOB O ENFOQUE INDIVIDUAL E PÚBLICO
- RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - O direito à intimidade, não é absoluto, aliás, como todo e qualquer
direito individual. Na verdade, é de se admitir, excepcionalmente, a
tangibilidade ao direito à intimidade, em hipóteses em que esta se
revele necessária à preservação de um direito maior, seja sob o
prisma individual, seja sob o enfoque do interesse público. Tal exame,
é certo, não prescinde, em hipótese alguma, da adoção do princípio
da dignidade da pessoa humana, como princípio basilar e norteador
do Estado Democrático de Direito, e da razoabilidade, como critério
axiológico;
II - Sob o prisma individual, o direito de o indivíduo não saber que é
portador do vírus HIV (caso se entenda que este seja um direito seu,
decorrente da sua intimidade), sucumbe, é suplantado por um direito

41
maior, qual seja, o direito à vida, o direito à vida com mais saúde, o
direito à vida mais longeva e saudável;
III - Mesmo que o indivíduo não tenha interesse ou não queira ter
conhecimento sobre a enfermidade que lhe acomete (seja qual for a
razão), a informação correta e sigilosa sobre seu estado de saúde
dada pelo Hospital ou Laboratório, ainda que de forma involuntária,
tal como ocorrera na hipótese dos autos, não tem o condão de afrontar
sua intimidade, na medida em que lhe proporciona a proteção a um
direito maior;
IV - Não se afigura permitido, tão-pouco razoável que o indivíduo, com
o desiderato inequívoco de resguardar sua saúde, após recorrer ao
seu médico, que lhe determinou a realização de uma série de exames,
vir à juízo aduzir justamente que tinha o direito de não saber que é
portador de determinada doença, ainda que o conhecimento desta
tenha se dado de forma involuntária. Tal proceder aproxima-se, em
muito, da defesa em juízo da própria torpeza, não merecendo, por
isso, guarida do Poder Judiciário;
V - No caso dos autos, o exame efetuado pelo Hospital não contém
equívoco, o que permite concluir que o abalo psíquico suportado pelo
ora recorrente não decorre da conduta do Hospital, mas sim do fato
de o recorrente ser portador do vírus HIV, no que o Hospital-recorrido,
é certo, não possui qualquer responsabilidade;
VI - Sob o enfoque do interesse público, assinala-se que a opção de
o paciente se submeter ou não a um tratamento de combate ao vírus
HIV, que, ressalte-se, somente se tornou possível e, certamente, mais
eficaz graças ao conhecimento da doença, dado por ato involuntário
do Hospital, é de seu exclusivo arbítrio. Entretanto, o comportamento
destinado a omitir-se sobre o conhecimento da doença, que, em
última análise, gera condutas igualmente omissivas quanto à
prevenção e disseminação do vírus HIV, vai de encontro aos anseios
sociais;
VII - Num momento em que o Poder Público, por meio de exaustivas
campanhas de saúde, incentiva a feitura do exame anti HIV como uma
das principais formas de prevenção e controle da disseminação do
vírus HIV, tem-se que o comando emanado desta augusta Corte, de
repercussão e abrangência nacional, no sentido de que o cidadão
teria o direito subjetivo de não saber que é soropositivo, configuraria
indevida sobreposição de um direito individual (que, em si não se
sustenta, tal como demonstrado) sobre o interesse público, o que,
data maxima venia, não se afigura escorreito;
VII - Recurso Especial improvido.
(REsp 1195995/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão
Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em
22/03/2011, DJe 06/04/2011)

42
3.3. Morte Real e Ausência
A morte decreta o fim da personalidade jurídica. Ausente, nos termos do art. 22 do CC
é aquele que desaparece de seu domicílio sem deixar notícias. Os arts. 22 a 39 serão
trabalhados no direito sucessório, assim como a questão do fim da personalidade, que se
opera com a morte.

4. Pessoas Jurídicas
As pessoas jurídicas são o resultado da associação humana, ou seja, a criação da
pessoa jurídica se dá por um ser humano, mas não há confusão entre a pessoa jurídica e
a pessoa física. A existência e o patrimônio são distintos. Em razão disso, o direito passou
a reger essas entidades e conceder personalidade jurídica, de forma a viabilizar sua
atuação funcional e realização de seus objetivos.

4.1 Pressupostos existenciais


Para a existência da pessoa jurídica, necessária a configuração de três pressupostos:

4.1.1 Vontade humana criadora: a manifestação da vontade dos indivíduos que compõe
a pessoa jurídica é indispensável para sua existência. Não há como se compreender
a formação de uma pessoa jurídica por determinação estatal, por exemplo.

4.1.2 Observância das condições legais para a instituição: devem ser cumpridas as
exigências legais para que a pessoa jurídica passe a existir e ser dotada de
personalidade jurídica. Assim, há a necessidade de que os atos constitutivos da
pessoa jurídica (estatuto social ou contrato social) sejam registrados no registro
peculiar (registro das pessoas jurídicas). Dependendo do tipo de atividade, há,
também, a necessidade de autorização do governo para o funcionamento (ex.:
companhias de seguro).

43
4.1.3 Licitude do objeto: o objeto da pessoa jurídica (a atividade a ser desenvolvida) deve
ser lícito e não ser proibido pelo sistema jurídico, ou seja, não é possível uma pessoa
jurídica criada para comercialização de drogas ilícitas.

4.2 Surgimento da pessoa jurídica – início da personalidade


A pessoa jurídica, por sua vez, surge por obra humana (atos bilaterais – criação por
contrato ou unilaterais – criação por testamento) e com a inscrição dos atos constitutivos
no registro competente. É nesse sentido a determinação do art. 45, CC:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito
privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro,
precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que
passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição
das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo,
contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Dessa forma, o registro da pessoa jurídica tem caráter constitutivo, atribuindo-lhe


personalidade. Referido registro deverá ser feito no registro civil das pessoas jurídicas ou
na junta comercial (para as sociedades mercantis).

Registro Civil das


REGISTRO

pessoas jurídicas não empresárias


Pessoas Jurídicas

Junta Comercial pessoas jurídicas empresárias.

O registro deverá declarar, nos termos do art. 46, CC:


Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo
social, quando houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos
diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente,
judicial e extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e
de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas
obrigações sociais;
44
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu
patrimônio, nesse caso.

A pessoa jurídica só surge no momento do seu registro. Antes disso, não se fala em
pessoa jurídica enquanto sujeito de direito. Assim, antes de realizado o registro civil da
pessoa jurídica, só se pode falar em sociedade irregular ou de fato, que é a pessoa
jurídica desprovida de personalidade jurídica, mas com capacidade para se obrigar perante
terceiros. A disciplina desse tipo societário é trazida pelo livro referente ao Direito de
Empresa, no Código Civil, no art. 986, CC:
Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a
sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste
Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem
compatíveis, as normas da sociedade simples.

Assim, se a sociedade é irregular, a responsabilidade dos sócios é ilimitada e


subsidiária, ou seja, só após de exaurir os bens da empresa é que o sócio poderá ser
demandado (art. 989, CC + art. 1.024, CC):
Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas
obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art.
1.024, aquele que contratou pela sociedade.

Assim, existe o benefício de ordem (executar primeiro os bens da sociedade para,


depois, os do sócio), mas não para o sócio que contratou pela sociedade (sócio
representante).
Uma questão se impõe: uma sociedade foi criada em 01/06/2011, mas só foi
registrada em 03/04/2012. Durante este período realizou negócios jurídicos. Como ficará
esta situação? Durante o período em que não houve o registro a sociedade é irregular e,
com isso, há a responsabilidade ilimitada dos sócios. Após o registro, passará a existir a
personalidade jurídica da sociedade e, em razão disso, será diferida da personalidade de
seus sócios.
Contudo, a constituição irregular da sociedade/pessoa jurídica não é justificativa para
que os contratantes se neguem a pagar o valor devido à pessoa jurídica.

4.3 Extinção das pessoas jurídicas – fim da personalidade


45
A dissolução da pessoa jurídica poderá ocorrer de forma convencional, administrativa
ou judicial.
Convencional: os integrantes da pessoa jurídica deliberam e resolvem colocar fim nas
suas atividades. Deve respeitar o estatuto social ou contrato social.
Administrativa: há a dissolução administrativa quando houver a cassação da
autorização de funcionamento que possa ser exigida para determinadas sociedades
funcionarem.
Judicial: o juiz, por sentença, determina sua extinção, a requerimento de qualquer dos
sócios.
O art. 51, CC, define a forma de dissolução da pessoa jurídica:
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a
autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de
liquidação, até que esta se conclua.
§ 1o Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a
averbação de sua dissolução.
§ 2o As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no
que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3o Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da
inscrição da pessoa jurídica.

A “morte” da pessoa jurídica só ocorre com a liquidação. Havendo dissolução da


sociedade, o patrimônio que sobrar após a liquidação, pagamento de eventuais débitos,
etc, deverá ser partilhado entre os sócios, conforme a participação de cada um, exceto no
caso das associações, conforme determina o art. 61,CC. Após a liquidação poderá haver o
cancelamento do registro da pessoa jurídica (correspondendo ao registro do óbito na
pessoa natural).

4.4 Classificação ou categorias das pessoas jurídicas


O art. 40, CC afirma existirem pessoas jurídicas de direito público (interno ou externo)
e de direito privado.

46
União
Estados
Distrito Federal
Territórios
Direito Público - art.
41 Municípios
autarquias
Pessoa Jurídica

associações públicas
demais entidades de caráter público criadas por lei
associações
sociedades
fundações
Direito Privado - art.
44 partidos políticos
organizações religiosas
empresas individuais de responsabilidade limitada

São pessoas jurídicas de direito público interno a União, Estados, Distrito Federal,
Territórios, Municípios, autarquias e demais entidades de caráter público.
São pessoas jurídicas de direito público externo as organizações internacionais (ONU,
OIT, etc) e a Santa Sé ou outras entidades congêneres.
Para o direito civil interessam apenas as associações, sociedades e fundações.

a) Associações
Nos termos do art. 53, CC, as associações são entidades, formadas pela união de
indivíduos, que tem como objetivo fim não econômico. Não são, portanto, empresas. Não
visam lucro. Podem ter lucro, mas não podem ter fins lucrativos. Seus lucros devem ser
revertidos para a própria associação. O que não há, neste caso é a partilha de dividendos
advindos da sociedade. A receita obtida serve para reverter em benefício da própria
associação, visando a melhoria das atividades.
Não existem direitos e obrigações recíprocos entre a associação e os associados (art.
53, §único, CC). Dessa forma, o associado constitui-se de uma individualidade, com seu
patrimônio, direitos e obrigações próprios e, a associação, outra individualidade, com seus
bens, obrigações e direitos, sem que haja reciprocidade.
47
Sua criação se dá através de estatuto, nos termos do art. 54, CC, que faz a previsão
do que é necessário conter no estatuto das associações, no mínimo:
Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:
I - a denominação, os fins e a sede da associação;
II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos
associados;
III - os direitos e deveres dos associados;
IV - as fontes de recursos para sua manutenção;
V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos
deliberativos;
VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para
a dissolução.
VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas
contas.

A aquisição da personalidade pela associação só ocorre quando, após elaborado o


estatuto este for registrado.
O art. 55, CC afirma que os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto
poderá instituir categorias com vantagens especiais como, por exemplo, as categorias de
“sócio”, “sócio-proprietário”, “sócio torcedor”, enfim.
O art. 56, CC determina que salvo disposição expressa no estatuto, a qualidade de
associado é intransmissível.
A exclusão só pode ocorrer nos termos previstos no estatuto, sendo assegurado o
contraditório e a ampla defesa (art. 57, CC).
A Assembleia Geral é o órgão máximo da associação, ainda que, no geral, o estatuto
autorize a composição de um Conselho Administrativo (Diretoria) e do
Conselho Fiscal. Compete à Assembleia Geral destituir os administradores e alterar o
estatuto (art. 59, CC). A Assembleia com esse fim deve ser convocada especialmente para
tanto, conforme o quórum estabelecido no estatuto. Há a garantia de convocação da
Assembleia Geral por 1/5 dos associados (art. 60, CC), não podendo o estatuto estabelecer
quórum maior.
Ninguém é obrigado a manter-se preso à associação, de forma que o associado pode,
a qualquer tempo, desligar-se da corporação. Nestes termos, o art. 5.º, XX, CF. Mas o
direito de retirado não exime o associado das obrigações assumidas.

48
No caso de dissolução da sociedade, o patrimônio líquido deverá ser transferido para
outra entidade sem fins lucrativos, estabelecida no estatuto (art. 61). Caso não haja
previsão no estatuto, caberá aos associados deliberarem uma entidade, de fins
semelhantes ou idênticos para a qual será destinado o patrimônio.
b) Sociedades
O Código Civil de 2002 revogou a parte inicial do Código Comercial, passando, dessa
forma, a disciplinar a matéria relativa ao direito societário. No Direito Civil trabalha-se
apenas com noções gerais a respeito do direito societário, já que existe matéria específica
com este fim.
De qualquer forma, sociedade pode ser conceituada como sendo uma agregação de
pessoas com mesmos objetivos e fins econômicos – pretende ganhar dinheiro. Ex.:
floricultura, empresa de ônibus, etc.
O objetivo da sociedade é exercer uma atividade econômica e partilhar os lucros.
Constitui-se via contrato social, através da união de duas ou mais pessoas, nos termos do
art. 981, CC:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que
reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o
exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou
mais negócios determinados.

As sociedades podem ser empresárias ou simples. Empresárias, que são as que


exploram empresa, desenvolvem atividade econômica de circulação de bens ou serviços.
Empresário, por sua vez, é aquela pessoa que desenvolve profissionalmente a atividade
econômica organizada (art. 966, CC). Simples são as que exploram atividades econômicas
específicas. (art. 982, CC). As sociedades simples foram introduzidas pelo novo Código
Civil em substituição às sociedades civis, abrangendo aquelas sociedades que não
exercem atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 982), isto é, atividades não
empresariais ou atividade de empresário rural. Ex.: sociedade de advogados.
A sociedade só adquire personalidade com o registro de seus atos constitutivos no
Registro Público de Empresas Mercantis – Junta Comercial dos Estados (se empresária)
ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas 9se não empresárias).

49
c) Fundações
As fundações são patrimônios personalizados, pois não são compostas, não resultam
da união de pessoas, mas sim da afetação de um patrimônio. A finalidade da fundação está
determinada na lei, não podendo ser criadas fundações para fins diferentes daqueles
previstos no art. 62, CC:
Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura
pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando
o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de
administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins
de:
I – assistência social;
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e
artístico;
III – educação;
IV – saúde;
V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e
promoção do desenvolvimento sustentável;
VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de
informações e conhecimentos técnicos e científicos;
VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos
humanos;
IX – atividades religiosas;

Para a criação da fundação, o instituidor determina que seu patrimônio (e os frutos


dele) seja empregado na concretização dos fins por ele escolhidos (dentre o rol do
parágrafo único do art. 62, CC. O instituidor via testamento ou escritura pública, afeta seu
patrimônio, definindo o fim para o qual se destina.
Para a criação de uma fundação devem ser seguidas algumas etapas:
1) Afetação de bens livres por meio de ato de dotação patrimonial: deve ser
destacada uma parcela do patrimônio pessoal do instituidor, composta por bens
móveis e/ou imóveis.
2) Instituição por escritura pública ou testamento: não é possível por escrito particular,
apenas nestas formas.

50
3) Elaboração dos estatutos: o próprio instituidor pode elaborar o estatuto da
fundação (forma direta) ou determinar que alguém o faça.
4) Aprovação dos estatutos: o MP tem o dever de aprovar os estatutos da fundação,
com recurso ao juiz, em caso de discordância.
5) Realização do registro civil: deve ser feito o registro dos atos constitutivos no
Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Se os bens destinados forem insuficientes para constituir a fundação, se nada dispor


o instituidor, serão incorporados em outra fundação que tenha fim igual ou semelhante (art.
63, CC).
Com relação ao estatuto social da fundação, poderá ser alterado, desde que o art.
67, CC seja observado:
Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que
a reforma:
I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e
representar a fundação;
II - não contrarie ou desvirtue o fim desta;
III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo
de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério
Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do
interessado.

Não havendo aprovação unânime, o art. 68, CC prevê que os administradores da


fundação deverão submeter o estatuto ao MP, sendo dado vista a parte vencida para
impugnação.
Caso houver desvirtuamento da finalidade da função ou, caso o prazo da existência
tenha se expirado, define o art. 69, CC que o MP promoverá a extinção da fundação e seu
patrimônio será incorporado em outra fundação com fim semelhante ou igual, designada
pelo juiz, salvo se houver disposição contrário no ato constitutivo.
Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa
a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do
Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção,
incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no
ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo
juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.

51
A extinção da fundação também faz cessar a personalidade jurídica da fundação,
necessitando a liquidação do passivo e do ativo, quando, só então, o restante do patrimônio
poderá ser destinado a outra fundação com fim igual ou semelhante.

d) Organizações religiosas
Organizações religiosas são os agrupamentos de pessoas, cujo propósito é o culto da
fé, possuindo doutrina e rituais próprios. Enquadram-se Igrejas, seitas, confrarias ou
irmandades. Visam a manifestação da espiritualidade humana. É livre a criação de
organizações religiosas, por força do art. 44, § 1.º, CC, bem como do art. 19, I, da CF.

e) Partidos políticos
Partidos políticos são associações de pessoas, unidas por uma ideologia ou
interesses comuns, que, organizadas estavelmente, influenciam a opinião popular e a
orientação política do país2.
É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, tendo como
limitações a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos
fundamentais da pessoa humana.
O art. 17, CF, prevê, ainda, alguns preceitos que devem ser observados:
• Caráter nacional: aquele que tiver repercussão no Brasil inteiro, não sendo
possível partido que atue em apenas uma região. Serve para evitar que
interesses de grupos minoritários e que não representem toda a sociedade
venham a ter legitimidade.
• Proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo
estrangeiros ou de subordinação a estes: controle financeiro que se embasa
na soberania nacional – evita que o Brasil fique subordinado a capital
estrangeiro.

2 BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de direito constitucional. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 882.
52
• Prestação de contas à Justiça Eleitoral: trata-se de regra que, contudo,
sabe-se não é cumprido, pois, se fosse, não haveria “caixas dois” ou “recursos
não contabilizados”.
• Funcionamento parlamentar de acordo com a lei: a lei é que define os
critérios aferidores do status de nacional.

Autonomia dos partidos políticos – os partidos possuem autonomia para definir


sobre sua organização interna, estatuto, forma de escolha dos candidatos, critérios de
filiação, etc., devendo, contudo, obedecer às normas de fidelidade e disciplina partidárias.
Assim, o Estado não pode intervir nos partidos políticos que, devem estar de acordo com
as diretrizes legais.
Registro partidário – os partidos só adquirem personalidade jurídica depois de
efetuarem o registro de seus estatutos na forma da lei civil e no TSE (art. 17, § 2.º, CF).

f) Empresas individuais de responsabilidade limitada


São pessoas jurídicas constituídas por apenas uma pessoa. Essa modalidade de
pessoa jurídica possui responsabilidade limitada ao capital integralizado (art. 980-A, CC).

4.5 Capacidade e representação da pessoa jurídica


A personalidade jurídica da pessoa jurídica é adquirida com o registro dos atos
constitutivos.
Deve-se considerar, ainda, o art. 52, CC estabelece que, no que couber, serão
estendidos às pessoas jurídicas os direitos da personalidade das pessoas naturais
(integridade moral, imagem, segredo, etc).
A capacidade da pessoa jurídica é especial, de forma que seu campo de atuação está
delimitado no contrato social, estatuto ou na própria lei. Não pode, portanto, praticar
negócios jurídicos que extrapolem sua finalidade social.
Além disso, para o exercício da capacidade, por não ser pessoa física, a pessoa
jurídica demanda a existência de órgãos de representação. Assim, são as pessoas físicas
que compõe o órgão de representação ou conselho deliberativo que irão atuar em nome da
pessoa jurídica. Nesse sentido:
53
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores,
exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões


se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato
constitutivo dispuser de modo diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a
que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem
eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.

Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a


requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador
provisório.

4.6 Responsabilidade civil e penal das pessoas jurídicas


O exercício das atividades da pessoa jurídica está sujeito, como em qualquer atividade
humana, ao cometimento de atos ilícitos. No que se refere às atividades empresariais, essa
possibilidade torna-se aumentada, pelo fato de que seu objetivo é o lucro. Esse crescimento
da criminalidade empresarial vem sendo relacionado ao surgimento das grandes
sociedades multinacionais. Além disso, a maior parte dos ilícitos ocorre no âmbito
econômico e ambiental. A penalização, contudo, será no âmbito da imposição de multas e
penas restritivas de direitos (art. 21, Lei 9.605/98).
Todos os atos ilícitos praticados pelos representantes legais da pessoa jurídica, esta
última responderá, com seu patrimônio.
Com relação a responsabilidade civil, independentemente da natureza da pessoa
jurídica (direito público ou privado), haverá a responsabilidade de cumprimento da
obrigação contraída, respondendo, a pessoa jurídica, pelo inadimplemento contratual, nos
termos do art. 389, CC.

4.7 Desconsideração da personalidade jurídica


A pessoa física e a jurídica são separadas. Possuem patrimônios e responsabilidades
separados. Contudo, pode haver casos de desvio de finalidade (atividades realizadas por
meio da pessoa jurídica não são relacionadas com a atividade-fim dela, visando beneficiar
seus integrantes) ou de confusão patrimonial (não se consegue distinguir o patrimônio
particular e o patrimônio da pessoa jurídica).
54
Para essas situações, ou seja, para os casos de desvio de finalidade e confusão
patrimonial, o sistema jurídico, em razão da potencial lesividade das ações, criou a
possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica.
O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine)
é coibir a fraude, sem que, com isso, o instituto da autonomia da pessoa jurídica seja
comprometido. Significa dizer que a desconsideração da personalidade jurídica não coloca
em xeque a personalidade jurídica da empresa, mas tão somente, em certos casos,
visando, coibir fraudes ou abuso de poder, desconsidera a personalidade jurídica da
empresa, para atingir o patrimônio pessoal dos sócios.
A previsão da desconsideração da personalidade jurídica está no art. 50, CC3:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado


pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada
pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a
utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores
e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela
Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação
de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela
Medida Provisória nº 881, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou
do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Medida Provisória nº
881, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas
contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante;
e (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia
patrimonial. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

3
A redação originária do art. 50 do Código Civil é: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

55
§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à
extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa
jurídica. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos
requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Medida Provisória
nº 881, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a
alteração da finalidade original da atividade econômica específica da
pessoa jurídica. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

Essa doutrina visa, em certos casos, desconsiderar a personalidade jurídica, a fim de


atingir o patrimônio pessoal dos sócios, reconhecendo sua responsabilidade.
Não se trata de declarar nula a personalidade, mas sim de tornar a personalidade
jurídica ineficaz em certos casos. Assim, desconsiderando-se a personalidade jurídica das
empresas, nos casos concretos, pode-se evitar o abuso de direito ou as fraudes praticadas
por meio de pessoas jurídicas. Contudo, a desconsideração não importa em desfazimento
do ato constitutivo da empresa, não o invalida, nem mesmo importa na dissolução da
empresa. Significa dizer que a desconsideração se aplica exclusivamente ao caso em
julgamento, permanecendo a autonomia patrimonial para todo o restante dos negócios
(ineficácia episódica).
Existem teorias sobre a desconsideração da personalidade jurídica: teoria maior
(objetiva e subjetiva), teoria menor e teoria inversa.
A teoria objetiva dispensa a intenção de lesar, aplicando-se nos casos de confusão
patrimonial, por má administração, mesmo que não haja necessária intenção de fraudar.
Significa dizer que, se a sociedade paga dívidas do sócio ou se o sócio recebe créditos da
sociedade ou, ainda, se existem bens do sócio registrados em nome da empresa ou vice-
versa; nestes casos, há confusão patrimonial, indicativa de intuito fraudulento. Assim, a
formulação objetiva facilita a prova em juízo do intuito fraudulento, já que, muitas vezes, o
pressuposto subjetivo (intuito fraudulento) é quase que impossível de ser demonstrado.
A teoria subjetiva exige o pressuposto intenção de lesar, aplicando-se nos casos de
desvio de finalidade. Neste caso há a intenção de fraudar os credores.

56
A teoria menor aceita a desconsideração em outros casos, além dos de abuso da
personalidade jurídica da pessoa jurídica. É a utilizada pelo CDC, por exemplo (art. 28,
CDC).
A teoria inversa serve para os casos em que se busca responsabilizar a pessoa
jurídica por obrigações de seus sócios, nas situações em que ele abusa da pessoa jurídica,
transferindo bens, visando ocultá-los. Assim, essa desconsideração inversa visa coibir a
fraude do desvio de bens, quando o sócio desvia patrimônio particular para a empresa na
qual detém o controle absoluto. Dessa forma, seus credores pessoais não podem executar
tais bens por dívidas da pessoa física. Os casos mais típicos de desconsideração inversa
são os de família (alimentos e partilha de bens do casal). Se um dos cônjuges adquire bens
de maior valor e os registra em nome da pessoa jurídica, estes bens não são partilhados.

4.8 Grupos despersonalizados ou entes de capacidade reduzida


Existem entidades que não podem ser consideradas pessoas jurídicas por lhe faltarem
requisitos para subjetivação. São entres que se formam independentemente da vontade
dos seus membros, sem que exista o affectio societatis.
São sujeitos de direitos, de forma que gozem de personalidade, embora não possam
ser classificados como pessoas jurídicas, nem como pessoas naturais. Possuem a
capacidade de direito reduzida, se comparado com outras categorias. Possuem
capacidade de atuar em juízo.
Dentre os grupos despersonalizados, pode-se destacar:
a) Família: o agrupamento familiar, constituído pelo conjunto de pessoas que a
compõe (Mãe, Pai e filhos, p.ex.) e a massa comum de bens, não possui
personalidade jurídica. Não há responsabilidade da família por eventuais débitos,
mas só de seus membros.
b) Massa falida: trata-se do acervo de bens deixados pelo falido após a sentença
declaratória de falência. A massa falida exerce os direitos do falido, podendo agir,
inclusive, contra ele. É representada pelo síndico.
c) Herança jacente e vacante: art. 1.819 a 1.823, CC: conjunto de bens deixados
pelo de cujus enquanto não entregues para o sucessor devidamente habilitado.
Quando abre-se a sucessão (com a morte do indivíduo), sem que deixe testamento
57
conhecido ou herdeiros conhecidos, diz-se que a herança é jacente. É um acervo
de bens administrado por um curador até a habilitação dos herdeiros. A herança é
considerada vacante após a declaração de jacência, arrecadação e praticadas
todas as exigências legais, caso não apareçam herdeiros.
d) Espólio: complexo de direitos e obrigações do falecido (bens de toda a natureza).
Surge com a abertura da sucessão (morte), sendo representada pelo
administrador provisório até a nomeação do inventariante. Após o julgamento da
partilha desaparece o espólio, sendo substituído pelo herdeiro a quem coube o
direito ou a coisa.
e) Condomínio: duas pessoas são co-proprietárias de um mesmo bem. Cada co-
proprietário tem direito sobre o todo e cada uma das partes. É administrado pelo
síndico, que é eleito e age em nome dos condôminos. O condomínio é registrado
e possui CNPJ. Não é pessoa jurídica, mas possui personalidade, podendo atuar,
efetuar contratos.

5. Domicílio
Domicílio tem a ver com morada, residência, local onde se localiza. Pode ser civil
(local de residência) ou político (local de votação). Os arts. 70 a 78 tratam do domicílio,
tanto da pessoa natural, quanto da pessoa jurídica.

5.1 Domicílio da pessoa natural


Domicílio é o lugar onde a pessoa natural estabelece sua residência com ânimo
definitivo, bem como o centro de suas atividades. Como o Direito vive de obrigações, para
que se possa dar cumprimento às obrigações é necessário que as pessoas tenham um
local no qual possam ser encontradas. Trata-se do domicílio civil das pessoas naturais.
O domicílio tem uma importância ímpar no direito brasileiro, pois é a partir dele que se
definem as competências para a proposição das ações (o foro comum é o do domicílio do
réu – art. 46, CPC/2015; o domicílio do autor da herança é o competente para o inventário
e a partilha – art. 48, CPC/2015, etc).

58
Mas, afinal, o que pode ser considerado domicílio da pessoa natural? O lugar onde
ela estabelece sua residência de modo definitivo ou o centro da sua atividade laboral.
Segundo Gagliano e Pamplona Filho (p. 291), o domicílio da pessoa natural é “o lugar
onde estabelece residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro
principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional”.
Nesse sentido, os arts. 70 e 72, CC definem o domicílio da pessoa natural:
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a
sua residência com ânimo definitivo.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações
concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.

ânimo definitivo
Domicílio

residência

centro de suas atividades

Então, DOMICÍLIO ≠ MORADA ≠ RESIDÊNCIA.


MORADA = lugar onde a pessoa se estabelece provisoriamente. Ex.; aluno
contemplado com uma bolsa de estudos no exterior. Permanece lá por 6 meses ou 1 ano.
Trata-se de morada e não de domicílio.
RESIDÊNCIA = há uma estabilidade maior, sendo considerado como local onde ela
se estabelece habitualmente. Ex.: sujeito que mora em uma cidade, sendo ali encontrado
habitualmente. É a residência do indivíduo.
DOMICÍLIO = é mais complexo. Abrange a noção de residência (e, por consequência,
de morada), adicionando o propósito de ali permanecer com âmbito definitivo.

Assim, para que se configure o domicílio, necessária a presença de dois elementos:


o objetivo (residência) e o subjetivo (ânimo definitivo, de fixar-se permanentemente). É a
conjunção desses elementos que forma o domicílio.
Nesse sentido, a residência é um dos elementos do domicílio, mas não é o reflexo
dele. Residência indica a radicação do indivíduo em determinado lugar. O domicílio, por
sua vez, estabelece uma situação jurídica.
59
Uma mesma pessoa pode ter um só domicílio, mas mais de uma residência
(domiciliada em Santa Cruz do Sul, mas com casa na praia), mas também pode ter mais
de um domicílio. Dessa forma, o Direito Civil admite a pluralidade de domicílios, quando
o indivíduo tenha diversas residências, vivendo nelas de forma alternada (art. 71, CC):
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde,
alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

Ou, ainda, prevê o § único do art. 72 que havendo diversos locais de trabalho, também
haverá a pluralidade de domicílios:
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos,
cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe
corresponderem.

Ex.: João mora com a família em Santa Cruz do Sul. Tem escritório profissional em
Santa Cruz, Venâncio e Rio Pardo, comparecendo neles em dias alternados. Qualquer um
desses locais será considerado domicílio de João, podendo ser citado em qualquer deles
(art. 46, § 1.º, CPC/2015).
Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre
bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
§ 1o Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de
qualquer deles.

Se, contudo, a pessoa não tem residência habitual, será considerado seu domicílio o
local onde for encontrada (art. 73, CC). Ex.: ciganos, viajantes.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha
residência habitual, o lugar onde for encontrada.

As pessoas podem mudar de domicílio e, para tanto, não basta alterar o endereço,
mas deve haver a intenção manifesta de mudar – art. 74, CC
Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção
manifesta de o mudar.
Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a
pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai,
ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as
circunstâncias que a acompanharem.
60
5.2 Domicílio das pessoas jurídicas
O domicílio da pessoa jurídica de direito privado é a sua sede, que está indicada no
ato constitutivo. Trata-se do domicílio especial da pessoa jurídica. Não havendo tal fixação,
será domicílio da pessoa jurídica onde funcionarem as diretorias ou administrações. Caso
a pessoa jurídica possua filiais em diferentes localidades, cada um deles será o domicílio
da pessoa jurídica, para os atos nele praticados (art. 75, IV e § 1.º, CC).
Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as
respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio
especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
§ 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares
diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos
nele praticados.
§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro,
haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações
contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do
estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.

Nesse sentido, o STF sumulou (súmula 363), a questão do domicílio da pessoa


jurídica: “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência
ou do estabelecimento em que se praticou o ato”.
Se a administração for no exterior, o domicílio será o lugar do estabelecimento situado
no Brasil (§ 2.º).

5.3 Espécies de domicílio


O domicílio é classificado em voluntário e necessário.
O domicílio voluntário divide-se em: geral e de eleição.
O domicílio voluntário é aquele que depende da vontade exclusiva do interessado
(local onde se escolhe para ser a residência com ânimo definitivo).
O domicílio geral é o relativamente aos atos praticados pela pessoa em geral.

61
O domicílio de eleição é o derivado de contrato (art. 78, CC) – foro de eleição
escolhido pelas partes para propor ações relativas a obrigações (art. 62, CPC/2015).
CC, Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes
especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e
obrigações deles resultantes.

Art. 62. A competência determinada em razão da matéria, da pessoa


ou da função é inderrogável por convenção das partes.

O domicílio necessário divide-se em: de origem e legal.


O primeiro domicílio das pessoas – domicílio de origem – é o de seus pais, à época
do seu nascimento.
O domicílio necessário ou legal é o decorrente de determinação normativa, como,
por exemplo, o domicílio do servidor público (art. 76, CC):
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o
militar, o marítimo e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou
assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer
permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da
Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar
imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver
matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.

Por fim, há o domicílio do agente diplomático do Brasil. Havendo citação do agente


diplomático no exterior, se alegar a extraterritorialidade, deverá indicar seu domicílio no
Brasil. Em não indicando, poderá ser acionado tanto no Distrito Federal, quanto no último
lugar onde teve domicílio no Brasil.

6. Bens Jurídicos
Bem é tudo aquilo que possa corresponder às solicitações de nossos desejos. Assim,
na relação jurídica, o bem é o objeto sobre o qual desenvolve-se o poder de fruição da
pessoa.
Assim, bem jurídico, segundo Gagliano e Pamplona Filho (p. 301) podem ser
conceituados como “toda a utilidade física ou ideal, que seja objeto de um direito subjetivo”.

62
Dessa forma, todo bem econômico é jurídico, mas nem todo bem jurídico é econômico
(personalidade – direito à imagem, por exemplo). Isto porque, existem bens jurídicos que
não podem ser avaliados pecuniariamente.

6.1 Bem x coisa


Não há consenso na doutrina para diferenciar coisas e bens. Para alguns, coisas são
gêneros e bens, espécies. Para outros, bens são gênero e coisas, espécie. Para outros,
ainda, tratam-se de sinônimos, havendo coincidência na significação.
Entende-se, com base em Gagliano e Pamplona Filho (p. 304) que coisas são os
bens corpóreos, materiais e, portanto, suscetíveis de valoração econômica. Ex.: casa,
carro. Os bens, por sua vez, são tanto os objetos corpóreos e materiais (coisas) quanto os
ideais e imateriais, de forma a justificar que a liberdade, a honra, a imagem, a vida de
alguém possa ser considerado como bem jurídico (ainda que não seja uma coisa).

6.2 Patrimônio jurídico


Patrimônio é o conjunto de bens, dívidas e obrigações pertencentes a um titular, ou
seja, o complexo de relações jurídicas de uma pessoa que tenham valor econômico. Ficam,
dessa forma, excluídos os chamados “direitos extrapatrimoniais”, ou seja, aqueles que, por
não terem valor pecuniário, não podem ser cedidos.
A ideia de patrimônio envolve toda a gama de relações jurídicas, ou seja, tanto os
direitos, quanto as obrigações (crédito e débito).

6.3 Classificação dos bens jurídicos


A classificação dos bens jurídicos é feita a partir de critérios de importância. O Código
Civil de 2002 traz uma classificação diferente da que existia no CC/1916. Dessa forma, o
bem de família, por exemplo, foi deslocado da Parte Geral, para a parte relativa ao direito
de família.

63
Móveis e Imóveis

Fungíveis e Infungíveis

Considerados em si mesmos Consumíveis e Inconsumíveis

Divisíveis e Indivisíveis

Singulares e Coletivos

Frutos

Principal
BENS
Reciprocamente considerados Produtos

Acessório

Públicos e Particulares Rendimentos

Benfeitorias (úteis, necessárias e


Bem de família
voluptuárias)

Bens fora do comércio

6.3.1 Dos Bens Considerados em si mesmos – art. 79 a 91, CC

a) CORPÓREOS E INCORPÓREOS
Embora esta classificação não esteja prevista, é de grande utilidade. Dessa forma,
existem bens com existência material (corpóreos), quando são perceptíveis aos nossos
sentidos – bens móveis (livros, joias) e imóveis (terrenos, casas). Existem outros bens – os
incorpóreos – que são bens abstratos, não tangíveis, de forma que possuem apenas
existência jurídicas, mas não corpórea (física) – ex.: os direitos sobre o produto do intelecto
(direitos autorais), que possuem valor econômico, mas não são palpáveis.
A diferença mais marcante entre eles, enquanto relações jurídicas, é que, no caso dos
primeiros – corpóreos – a transmissão se dá via compra e venda e, no caso dos segundos
– incorpóreos – através da cessão.

64
b) BENS MÓVEIS E IMÓVEIS
BENS IMÓVEIS são aqueles que não podem ser transportados de um lugar para
outro, sem que sua substância se altere. Ex.: terreno urbano. Há a necessidade de uma
solenidade para sua transmissão/tradição (contrato), que se perfectibiliza com o registro.
BENS MÓVEIS são passíveis de deslocamento, quebra, fratura. Ex.: livros,
computador. Há, ainda, os bens que possuem movimento próprio. Neste caso, ainda que
se enquadrem na classificação de bens móveis, são chamados de semoventes (animais –
bovinos, equinos, ovinos, caprinos, etc). Não há necessidade de solenidade para sua
transferência, bastando a tradição.

Imóveis Móveis
TRANSMISSÃ Escritura pública – art. 108 + Tradição – art. 1.226
O registro – art. 1227
AQUISIÇÃO Acessão, usucapião e direito Usucapião, ocupação, achado de
hereditário – arts. 1.238 a 1.244, tesouro, especificação, confusão,
1.248 e 1.784 etc – arts. 1.260 a 1.274
ALIENAÇÃO/ Anuência do cônjuge, exceto no Independem de
HIPOTECA regime de Separação Absoluta autorização/anuência.
(convencional) – art. 1.647, I
USUCAPIÃO Prazos mais dilatados – de 5 a 15 Prazos mais exíguos – 3 e 5 anos.
anos. Art. 1.260 e 1.261, CC
Art. 183, 191, CF; arts. 1.238 a
1.242, CC.
GARANTIA Hipoteca – art. 1.473 Penhor – art. 1.431
EMPRÉSTIMO/ Concessão de superfície – art. Apenas contrato de mútuo – art.
CONCESSÃO 1.369 586
TRIBUTÁRIO ITBI ou ITCMD ICM – Imposto sobre circulação de
mercadorias – produtos
industrializados

65
DIREITO Não são objeto de furto ou roubo São objeto de furto ou roubo.
PENAL

Os BENS IMÓVEIS classificam-se em:

• Imóveis por sua própria natureza – art. 79, CC, 1.ª parte + art. 2.229, CC
A rigor, apenas o solo, com sua superfície, subsolo e espaço aéreo é imóvel por
natureza, pois o que a ele adere será imóvel, mas por acessão.

• Imóveis por acessão natural, artificial ou industrial – art. 79, CC, 2.ª parte,
CC
Acessão significa aderência a outra coisa.
Trata-se da hipótese em que árvores e todas as adjacências naturais se integrarem
ao solo, como pedras, fontes, cursos de água, que corram naturalmente.
Deve-se considerar, contudo, que, quando as árvores são plantadas para corte
(acácia e eucalipto, por exemplo) são consideradas móveis por antecipação e independem,
para alienação, de outorga uxória ou marital.
Há também a possibilidade de formação de ilhas, quando a natureza faz acréscimos
ao solo, de forma que insto se incorpora ao patrimônio do proprietário (art. 1.248, CC), de
forma que predomina a ideia de que o acessório segue o principal.
Além disso, o homem pode fazer com que móveis (materiais de construção, sementes)
se integrem ao solo, dando origem às acessões artificiais ou industriais. São acessões
artificiais porque dependem do trabalho humano. Ainda assim, integram o patrimônio do
proprietário, pois presume-se que toda plantação existente sobre o terreno foi feita pelo
proprietário (art. 1.253, CC).
O art. 81 ainda faz a previsão de que as edificações, ainda que separadas do solo,
mas considerando sua unidade, se forem removidas para outro local, conservam o caráter
de imóveis (ex.: chalé/casa pré-fabricada, que pode ser transportada de um terreno para
outro).

66
• Imóveis por determinação legal – art. 80, CC
Os direitos reais sobre imóveis (garantia, penhor, hipoteca, servidão, usufruto, etc) e
as ações que os asseguram, assim como o direito à sucessão aberta são considerados
bens imóveis por determinação legal.
Em ambas as situações previstas no art. 80 se tratam de bens imateriais (direitos,
apenas), que a lei lhe atribui condição de imóveis em razão de terem um caráter especial.
Dessa maneira, quando se trata de direitos reais, se houver qualquer transação
quanto a usufruto, p. ex., exige o registro competente – art. 1.227, CC, assim como a
autorização do cônjuge (art. 1.747, I, CC).
Quanto ao direito à sucessão aberta, ainda que os bens deixados pelo de cujus sejam
todos móveis (carros, tratores, caminhões, p.ex.), a sucessão em si, é considerada bem
imóvel. Isto porque, em primeiro lugar, o direito à sucessão é a ela como um todo e não
quanto a determinado (ou determinados) bem. Somente depois de realizada a partilha é se
fala em bens individualizados. Antes dela, a herança é um todo unitário. Nesse sentido,
renúncia à herança ou cessão de direitos hereditários deve ser feita através de escritura
pública, não admitindo a forma particular.

Classificação dos BENS MÓVEIS:

Os arts. 82 a 84, CC trazem a referência sobre os bens móveis.

• Móveis por sua própria natureza – art. 82, CC


Aqueles que podem ser transportados, através da força alheia, de um lugar para outro
sem que se altere sua substância – livro, carteira, bolsa, etc.
Aqui inclui-se a casa pré-fabricada antes de ser incorporada a algum terreno
(enquanto esteja a venda). Após ser assentada sobre o terreno, passará a ser imóvel.
Também são considerados móveis os materiais de construção, enquanto não forem
empregados na construção, enquanto estiverem a venda. Contudo, ainda que retirados da
construção, se houver a pretensão de reempregá-los, serão considerados como imóveis –
ex.: retirada de telhas para reforma das tesouras/madeiramento interno do telhado.

67
• Semoventes – art. 82, CC
Aqueles que se movimentam de forma própria – animais.

• Móveis por antecipação


São aqueles que, embora incorporados ao solo, não são considerados imóveis por se
destinarem a retirada, como, por exemplo, o caso das árvores destinadas a corte (mato de
acácia e eucalipto).

• Móveis por determinação legal – art. 83, CC


São bens imateriais que acabam por adquirir essa qualidade jurídica em razão da lei.
Podem ser cedidos independentemente de outorga uxória ou marital.
Neste caso incluem-se o fundo de comércio, quotas e ações de sociedades, direitos
do autor, créditos em geral.

c) BENS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS


Esta classificação está prevista no art. 85 do CC.
BENS FUNGÍVEIS são os que podem ser substituídos por outros de mesma espécie,
qualidade e quantidade. É uma classificação de bens móveis. Ex.: sofá, carteira, soja,
dinheiro, gêneros alimentícios.
BENS INFUNGÍVEIS são aqueles que em razão de sua natureza são insubstituíveis.
Ex.: quadro de um pintor famoso, escultura famosa, etc.
Normalmente a fungibilidade resulta da natureza do bem, que pode ser substituído
por outra de mesma espécie, quantidade e qualidade. Mas isto não é regra. A fungibilidade
também pode advir da vontade das partes, que poderão tornar um bem fungível em
infungível.
Ex.: o dinheiro é um bem fungível, mas pode se tornar infungível para um
colecionador.
Ex.: um boi é fungível, mas, emprestado ao vizinho para a lavoura, passa a ser
infungível, devendo ser devolvido, sem ser substituído por outro.

68
A importância da diferenciação entre bens fungíveis e infungíveis ocorre em razão dos
contratos de mútuo e comodato. O mútuo é o contrato para empréstimo de bens fungíveis.
O comodato, por sua vez, de bens infungíveis.
Empréstimo de dinheiro – mútuo – art. 586, CC – mútuo para a construção da casa
própria, p.ex. – Caixa Federal.
Empréstimo de aparelho de celular – comodato – art. 579, CC.

d) BENS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS


O art. 86 traz a diferenciação dos bens consumíveis e dos inconsumíveis.
BENS CONSUMÍVEIS são aqueles bens móveis cujo uso importa na destruição
imediata da coisa. Se destrói no primeiro uso. Ex.: alimentos.
BENS INCONSUMÍVEIS são aqueles que suportam o uso continuado, sem prejuízo
do perecimento natural e progressivo. Ex.: automóvel, roupa. (há o desgaste natural, mas
não a destruição no primeiro uso).
Interessante é a situação dos livros. Se estiverem nas prateleiras de uma livraria –
para serem vendidos – serão bens consumíveis. Já, se estiverem nas prateleiras de uma
biblioteca – apenas para serem usados, lidos e devolvidos – serão inconsumíveis.
Existem determinados direitos que não podem recair sobre bens consumíveis. É o
caso do usufruto (direito de uso), pois, neste caso, com o uso, haveria o perecimento do
objeto e o próprio usufruto desapareceria.

e) BENS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS


BENS DIVISÍVEIS são aqueles que podem ser fracionados, sem alteração na sua
substância, diminuição de valor ou prejuízo do uso, nos termos do art. 87, CC. Podem,
portanto, ser partidos em porções reais e distintas, formando, cada uma delas, um todo
perfeito.
BENS INDIVISÍVEIS são aqueles que não podem ser fracionados, sob pena de se
perder sua substância e ter seu uso alterado. Ex.: relógio. Se for desmanchado, suas partes
existirão, mas não mais como um relógio.
Assim, podem ser indivisíveis:

69
- por sua natureza: os que não podem fracionar sem alteração na sua substancia,
diminuição de valor ou prejuízo do uso. Ex.: o animal, o relógio, um quadro, um brilhante.
- por determinação legal: a lei impede o fracionamento – servidões prediais (art.
1.386, CC), hipoteca (art. 1.421), direito dos coerdeiros quanto à propriedade e posse da
herança, até a partilha (art. 1.791).
- por vontade das partes: o acordo entre as partes torna indivisa a coisa, por prazo
não maior que 5 anos, suscetível de prorrogação posterior (art. 1.320, § 1.º).

Se o bem for divisível, o proprietário pode alienar a terceiro, sem dar preferência aos
demais comunheiros. Se, contudo, o bem for indivisível, deverá dar preferência aos
comunheiros.
Ex.: área de terras em condomínio – deve dar preferência aos demais.
Ex.: apartamento em um edifício – não precisa dar preferência aos demais.

f) BENS SINGULARES E COLETIVOS


BENS SINGULARES são coisas consideradas em sua individualidade, representadas
por uma unidade autônoma e, por isto, distinta das outras. Podem ser simples, quando os
componentes (partes) estão ligadas naturalmente (cavalo, árvore) ou compostas, quando
as partes são ligadas em razão da ação humana (avião, relógio). Art. 89, CC
BENS COLETIVOS são os compostos de várias coisas singulares, mas considerados
em conjunto, como um todo homogêneo. Ex.: floresta, biblioteca. Compreende a
universalidade de fato, quando o agrupamento se dá pela vontade da pessoa (rebanho
ou biblioteca) – art. 90, CC – e a universalidade de direito, quando o agrupamento se dá
pela lei (herança, massa falida) – art. 91.

6.3.2 Dos Bens reciprocamente considerados


Leva em conta o liame jurídico entre o bem jurídico principal e o acessório.
Art. 92, CC.
a) Bem principal
É o que possui autonomia estrutural, que existe por si próprio, de forma autônoma.
Ex.: solo.
70
b) Bens acessórios
Pressupõe a existência do principal. Não existe por si próprio. Ex.: árvore (só existe
se houver o solo onde foi plantada).
A regra é o que a natureza do principal é a mesma do acessório. Ex.: se o principal é
imóvel (solo), o acessório também será (árvore). O acessório sempre segue o principal em
seu destino. Ex.: se for extinta a obrigação principal, a cláusula penal (acessória) também
o será. O proprietário do principal também o é do acessório.

Os bens acessórios classificam-se em: frutos, produtos, rendimentos e benfeitorias.

FRUTOS – são utilidades que a coisa principal produz periodicamente, cuja percepção
(uso) não diminui a sua substância. Nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a
destruição no todo ou em parte. Ex.: soja, maçã, terneiro, juros, aluguel. Se o
uso/percepção inutilizar a coisa principal, não há que se falar em frutos.
Caracterizam-se pela a) periodicidade; b) inalterabilidade da substância da coisa
principal; c) separabilidade desta.
A percepção dos frutos é importante, especialmente, quanto aos direitos reais, pois o
possuidor de boa fé (aquele que detém a posse de algo de boa fé) tem direito aos frutos
colhidos e percebidos, devendo restituir os pendentes ao tempo em que cessar a boa fé.
Os frutos podem ser:
Naturais: gerados pelo bem principal, sem a necessidade da intervenção humana
direta. Decorrem do desenvolvimento orgânico vegetal ou animal. Ex.: laranja, soja, crias
de um rebanho
Industriais: são decorrentes da atividade humana, surgem em razão da atuação ou
indústria do homem sobre a natureza. Ex.: produção de uma fábrica.
Civis: rendimentos produzidos pela coisa em virtude de sua utilização por outra
pessoa que não seja o proprietário. Ex.: juros ou aluguel.
Os frutos ainda podem ser: colhidos ou percebidos (se já foram retirados da coisa,
mais ainda existentes); pendentes (ainda estão ligados à coisa); percipiendos (deveriam

71
ter sido colhidos e não o foram); estantes (já destacados, mas que estão armazenados
para a venda); consumidos (não mais existem).

PRODUTOS – são utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade,


porque não se reproduzem periodicamente. Ex.: pedras e metais que são extraídos das
pedreiras e minas. O que diferencia frutos e produtos é a alterabilidade da substância
principal.

RENDIMENTOS – tratam-se dos frutos civis. Ex.: aluguéis e juros.

PERTENÇAS – são coisas acessórias que se destinam a conservar ou facilitar o uso


das coisas principais, sem que delas sejam parte integrante. Ex: máquinas utilizadas na
fábrica, implementos agrícolas, aparelhos de ar condicionado. Art. 93, CC.

BENFEITORIAS – são obras artificiais, realizadas pelo homem, na estrutura da coisa


principal – já existente – com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Ex.:
cercas, açudes, galpões, etc. Art. 96, CC.
São necessárias as benfeitorias realizadas para evitar um estrago iminente ou
deterioração da coisa principal (reparos realizados na viga; troca do telhado). São úteis
aquelas realizadas com o objetivo de facilitar a utilização da coisa (abertura de uma nova
entrada para servir de garagem para a casa). São voluptuárias aquelas feitas para o mero
prazer, sem aumento da utilidade da coisa (decoração do jardim). Art. 96, CC.
O problema das benfeitorias é que sua natureza não é de fácil percepção. Uma piscina
pode ser uma benfeitoria voluptuária em uma mansão; útil em uma escola ou necessária
em uma escola de natação.
O possuidor de boa-fé pode levantar as benfeitorias voluptuárias (se houver
condições, sem diminuir a coisa principal), e de ser indenizado pelas úteis e necessárias.
Arts. 1.219 e 1.220, CC.

6.3.3 Dos Bens Públicos e Particulares


Referem-se a titularidade do domínio.
72
São PARTICULARES os bens que são da iniciativa privada, cuja disciplina interessa
ao direito civil.
São PÚBLICOS são os pertencentes à União, Estados ou Municípios (art. 98, CC).
- Bens de uso comum do povo: bens públicos cuja utilização não se submete a
qualquer tipo de discriminação. São inalienáveis. O povo só tem direito de usar, mas não
tem seu domínio. Ex.: praias, ruas, estradas, praças.
- Bens de uso especial: bens públicos cuja fruição, por título especial, e na forma da
lei é atribuída a determinada pessoa. Normalmente destinam-se a prestação/execução de
serviços públicos (repartições públicas, secretarias, escolas, etc). São utilizados
exclusivamente pelo Poder Público.
- Bens dominicais: constituem-se do patrimônio das pessoas jurídicas de direito
público, como objeto de direito pessoal ou real de cada entidade. O Poder Público é o
proprietário. Ex.: terras devolutas, estradas de ferro, fazendas pertencentes ao Estado, etc.
Caso não estejam afetados a finalidade pública, poderão ser alienados (compra e venda,
por exemplo).

6.3.4 Das Coisas que estão fora do comércio


Os bens que estão fora do comércio são todos aqueles que não podem ser vendidos,
trocados, doados, alugados, ou seja, que não podem ser objeto de relações jurídicas.
Nesse sentido, estão fora do comércio:
a) por serem naturalmente inapropriáveis, a luz solar, o ar atmosférico, a água do
mar, etc.
b) aqueles que a lei prevê como inalienáveis: bens públicos de uso comum e
especial, bens de incapazes, bens das fundações, bem de família, bens
tombados, terras ocupadas pelos indígenas, etc.
c) aqueles indisponíveis pela vontade humana: deixados em testamento ou
doados, com cláusula de inalienabilidade (arts. 1.848, 1.911).
d) os valores e direitos da personalidade – honra, liberdade, vida, órgãos do corpo
humano, etc.

6.3.5 Do Bem de Família


73
O direito à moradia é um direito fundamental social, garantido constitucionalmente,
através do art. 6.º, CF. A instituição de bem de família visa afetar bens para o destino
especial de abrigar a família, protegendo-os. Depois de instituído, o bem torna-se
impenhorável por dívidas posteriores a sua constituição, salvo as relativas aos impostos
devidos pelo próprio prédio (IPTU e ITR, p.ex.).
Tem por objetivo assegurar um lar à família, pondo-a ao abrigo de penhoras por
débitos posteriores a sua instituição, salvo os que provierem de tributos relativos ao próprio
prédio ou de despesas condominiais (IPTU, ITR, etc).

A. Espécies:
Existem duas espécies de bem de família: voluntário (decorre da vontade do
instituidor, devendo obedecer certos requisitos) e o legal (independe da vontade do
instituidor, de forma que a lei torna impenhorável o imóvel simplesmente pelo fato de o
devedor residir nele).

a) Convencional/voluntário:
A instituição do bem de família voluntário pode ser feita pelo proprietário ou pela
entidade familiar (art. 1.711, CC). Uma vez que seja instituído um imóvel como bem de
família, não responde mais por dívidas futuras (mas responde pelas pretéritas), pois a
impenhorabilidade não possui efeito retroativo (1.715, CC).
O bem de família poderá ser instituído pelos cônjuges, companheiros, integrante-
chefe da família monoparental ou por terceiro, por ato inter vivos ou causa mortis
(testamento), desde que ambos os cônjuges beneficiados ou membros da família
contemplada aceitem expressamente a liberalidade (art. 1.711, parágrafo único). Deve
haver o assento no Registro de imóveis (art. 1.714), para que tenha oponibilidade erga
omnes.
O bem de família pode constituir de prédio urbano ou rural, bem como seus pertenças
(mobília), que a família destina para ser o abrigo ou domicílio familiar (art. 1.712).
Existem limites à instituição do bem de família: só pode usar 1/3 do patrimônio líquido
do instituidor, existente ao tempo da instituição. Dessa forma, o proprietário, para poder
instituir o bem de família, deve ter, no mínimo 3 imóveis (art. 1.711). Trata-se de uma
74
medida legal protetiva dos credores, ante a possibilidade de má-fé do instituidor. Além disto,
apenas pessoas mais abastadas podem se utilizar deste instrumento, tornando-o de pouco
uso.
Essa isenção dura enquanto viverem os cônjuges (ou companheiros) ou enquanto os
filhos forem menores de idade. Somente depois de finda a cláusula é que o bem ficará
sujeito ao pagamento dos credores e o prédio será levado a inventário. Ademais, deve ser
lembrado que o bem não fica isento de responsabilidade quanto aos débitos de condomínio
e IPTU, por exemplo.

REQUISITOS:
- institui-se por Escritura Pública.
- não ultrapassar 1/3 do patrimônio.
- constitui-se por registro no Cartório de Registro de Imóveis.
- se na família existirem menores ou incapazes (interditos) não pode ser eliminada a
cláusula que institui o bem de família, salvo se houver sub-rogação (art. 1.719).
Só pode haver alienação do prédio no qual foi instituído o bem de família se houver a
concordância do interessado (instituidor ou filhos menores) e ouvido o MP (art. 1.717). No
caso de falecerem os cônjuges e deixarem filhos menores, o tutor é que será responsável
por gerir o bem de família. Se houver necessidade de vendê-lo, poderá fazê-lo desde que
com autorização judicial e ouvido o MP.
Se restar comprovada a impossibilidade de manter o bem de família, como por
exemplo, para pagar despesas com UTI, poderá haver requerimento ao juiz que extinga o
bem de família, ouvido o MP e o interessado (instituidor ou filhos menores). Neste caso
poderá haver a sub-rogação de outro bem no lugar, quando ficará gravado como bem de
família ou o produto da venda será depositado judicialmente, sendo o valor liberado para o
pagamento da UTI, por exemplo (art. 1.719).
A administração do bem de família caberá a ambos os cônjuges, em igualdade de
condições (art. 1.720). Se ambos os cônjuges falecerem, a administração passa ao filho
mais velho ou ao seu tutor, se menor.
A cláusula de bem de família só poderá ser levantada por mandado judicial.

75
Só haverá a partilha quando for eliminada a cláusula que o institui, pela morte dos
cônjuges e maioridade de todos os filhos, por exemplo.

b) Legal:
A lei 8.009/90 institui o bem de família legal, impedindo a penhora do único bem imóvel
rural ou urbano da família, destinado a moradia permanente, excluindo casas na praia ou
casas de campo. Tais bens não responderão pelos débitos contraídos pela entidade
familiar. Contudo, se o devedor oferecer este bem à penhora, não poderá, depois, pleitear
a exclusão.
O bem de família legal não responde por qualquer tipo de dívida (civil, comercial, fiscal,
previdenciária, ou qualquer natureza) (art. 1.º, lei 8.009/90), podendo ser oposta a
impenhorabilidade em qualquer tempo ou grau de jurisdição. A lei 13.144/2015, alterou o
art. 3.º, III da lei 8.009/90, de forma que pode ocorrer a penhora do bem de família para
pagamento de débito alimentar, resguardado o direito do coproprietário.
Para que essa impenhorabilidade seja reconhecida, o único imóvel do devedor deve
estar sendo habitado por ele e sua família. PODE ESTAR LOCADO, mas a renda deve
reverter para a subsistência da família:

Súmula 486, STJ: É impenhorável o único imóvel residencial do


devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com
a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua
família.

O fato de o devedor possuir mais bens não impede que seja declarada a
impenhorabilidade sobre o imóvel de residência da família.
A execução da dívida alimentar afasta a impenhorabilidade do bem de família.
Cuidar que a vaga de garagem, que possui matrícula própria, pode ser penhorada!
Súmula 449 - A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não
constitui bem de família para efeito de penhora. (Súmula 449, CORTE ESPECIAL, julgado
em 02/06/2010, DJe 21/06/2010)

76
Lembrar, também, da súmula 549 - É válida a penhora de bem de família pertencente
a fiador de contrato de locação.(Súmula 549, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015,
DJe 19/10/2015)

7. FATOS JURÍDICOS fato


jurídico em
sentido ordinário
estrito extraordin
ato-fato
(ação ário
FATO JURÍDICO

Teorias
EM SENTIDO

jurídico
natural)
explicativas
AMPLO

Classificaçã
ato jurídico o
em sentido Interpretaç
lícita (ato Planos
ão de
jurídico em estrito
existência,
sentido (não
negócio
ação validade e
amplo) negocial)
jurídico Representa
humana eficácia
ilícita ato ilícito ção
Defeitos
Invalidade
Prova

As relações jurídicas são baseadas em fatos, atos e negócios jurídicos. Sendo assim,
necessário, para que se compreenda o direito civil como um todo, a compreensão e
diferenciação desses conceitos.
Fato é um acontecimento. É qualquer ocorrência que interesse ou não ao direito.
Existem fatos que não importam ao meio jurídico. A chuva, por exemplo. Trata-se de um
fato que ocorre e segue ocorrendo seguidamente, mas que não possui qualquer efeito
jurídico. Não importa para o direito.
Existem também atos ou ações humanas, que são comportamentos e condutas,
como, por exemplo o vestir-se, o alimentar-se, etc., que também não importam para o
direito.
Interessam para o direito todos aqueles fatos que produzam efeitos.

77
Fatos não jurídicos

FATO
Fatos jurídicos

Só se considera fato jurídico aquele acontecimento que produz efeitos jurídicos. Daí
chamarmos de fatos jurídicos em sentido amplo.

a. Conceito de fatos jurídicos em sentido amplo


Sendo assim, considera-se como fato jurídico todo acontecimento ou evento que de
forma direta ou indireta acarrete efeitos jurídicos.

ordinário
fato jurídico em
sentido estrito
(ação natural)
extraordinário

FATO JURÍDICO EM ato-fato


ato jurídico em
SENTIDO AMPLO jurídico
lícita (ato sentido estrito
jurídico em (não negocial)
sentido amplo)
negócio jurídico
ação humana

ilícita ato ilícito

Considera-se fato jurídico em sentido amplo todo acontecimento, natural ou


humano, que gere efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de obrigações no âmbito
do direito4. Estes são relevantes para o campo do direito. Então, o fato, para ser jurídico,
deve passar por um juízo de valoração, ou seja, deve provocar a aquisição, perda ou
modificação de um direito.

b. Efeitos aquisitivos, modificativos, conservativos e extintivos do fato


jurídico

4GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 368.
78
Antes de se verificar a classificação dos fatos jurídicos em sentido amplo,
considerando que sua conceituação leva em conta atos ou ações que geram efeitos
constitutivos, modificativos ou extintivos de obrigações das relações jurídicas, necessária a
compreensão destes efeitos de criação, modificação, conservação e extinção.

i. Aquisição de direitos
Adquire-se direitos quando há sua incorporação ao patrimônio e à personalidade do
titular.
A forma de aquisição de direitos pode ser:
a) Originária: não há qualquer interferência de anterior titular. Ex.: art. 1.251 –
avulsão (quando uma porção de terras se solta de um terreno e une-se a outro,
por ação natural).
b) Derivada: quando há interferência do titular anterior, que transfere o direito. Nestes
casos, o direito é adquirido nas mesmas condições que o antecessor possuía.
Estabelece-se uma relação entre sucessor e sucedido. A transferência ocorre com
todos os vícios e ônus que existem. Ex.: contrato de compra e venda.

A aquisição pode, ainda, envolver contraprestação ou não:


a) Gratuita: só o adquirente obtém vantagem. Ex.: sucessão hereditária.
b) Onerosa: quando o adquirente efetua uma contraprestação ao outro contratante.
Ex.: compra e venda, locação.

No que se refere à extensão, a aquisição pode ser:


a) A título singular: ocorre no tocante a bens determinados. Ex.: legado, compra e
venda de imóvel.
b) A título universal: quando o sucessor sucede na totalidade dos direitos. Ex.:
herdeiro, que recebe do falecido a herança como um todo unitário e indivisível
(sucede em direitos e deveres).

A aquisição de direitos pode ser:

79
a) Atual: direito subjetivo já formado e incorporado ao patrimônio do titular e possível
de ser exercido.
b) Futuro: ainda não se constituiu. Pode ser deferido, quando a aquisição depende
apenas da vontade do sujeito (ex.: registro da compra e venda) ou não deferido,
quando a aquisição depender de fatos ou condições falíveis (ex.: doação que
dependa do casamento do donatário ou de produção em uma safra).

Existem situações em que há expectativa de que o direito seja adquirido. Nestas


situações, chama-se de expectativa de direito, que consiste na mera possibilidade de se
adquirir um direito. Ex.: os filhos têm expectativa de sucederem aos pais quando de seu
óbito. Enquanto os pais forem vivos os filhos não possuem qualquer direito.
Contudo, quando já está parcialmente cumprido, ou seja, quando o interesse do titular
não está completo, têm-se o direito eventual, pois não foram realizados todos os
elementos básicos exigidos pela norma. Trata-se de um direito concebido, mas ainda não
concretizado, pois depende, para efetivação, do interesse do adquirente. Ex.: aceitação de
proposta de compra e venda ou exercício do direito de preferência.
Há, ainda, o direito condicional, que é aquele que se completa ou perfectibiliza se
ocorrer fato ou acontecimento futuro e incerto. Ex.: cessão de direitos autorais se o livro
chegar à 10.ª edição.
Venosa5 destaca a diferença entre direito eventual e direito condicional:
Tanto nos direitos eventuais como nos condicionais existe
subordinação a evento futuro e incerto. Há numerosas coincidências
nessas duas categorias. Os direitos eventuais, contudo, trazem
elemento futuro e incerto inerente e essencial ao próprio negócio
jurídico, enquanto nos direitos condicionais o fato dito condicional é
externo ao ato. Nem todo elemento futuro e incerto deve ser
considerado condição. O negócio jurídico eventual é negócio jurídico
ainda incompleto que necessita que algo ocorra para completar-se. É
de índole interna. Quem vende, por exemplo, coisa que ainda não
tem, depende de obtê-la para poder transmiti-la.
Nos direitos condicionais o direito já se perfez. Apenas se agregou um
elemento externo, uma condição, para ser exercido, uma vez que sua
existência jurídica depende desse elemento condicional. A condição
aposta a um direito é acessório.

5 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 341.
80
ii. Modificação de direitos
As relações jurídicas podem ser modificadas, tanto no conteúdo ou no objeto, em
razão da manifestação da vontade das partes.
A modificação dos direitos pode ser:
a) Objetiva: quanto ao objeto.
a. Qualitativa: quando o conteúdo do direito se converte em outra espécie,
sem aumentar ou diminuir as faculdades do sujeito. Ex.: credor de dívida
em dinheiro que aceita receber objeto em pagamento.
b. Quantitativa: quando há a modificação do objeto, que aumenta ou diminui
de volume ou extensão, sem alterar a qualidade do direito. Ex.: quando há
a aquisição de 30 hectares de terras, através de escritura pública e, na
medição, verifica-se existir apenas 28 hectares.
b) Subjetiva: quanto aos titulares. Ex.: assunção de dívida (João assume dívida do
filho Pedro, responsabilizando-se em seu lugar). Alguns direitos (os de
personalidade, p. ex.) não admitem modificação subjetiva, como, por exemplo, os
relativos ao direito de família.

iii. Conservação de direitos


Os atos jurídicos podem ser destinados ao resguardo ou defesa de direitos, caso
sejam ameaçados por quem quer que seja. Nestes casos, o titular do direito pode necessitar
tomar providências preventivas ou repressivas, judiciais ou extrajudiciais.
As medidas podem ser classificadas da seguinte forma:
a) Atos de conservação: praticados pelo titular para evitar o perecimento, turbação
ou esbulho. ex.: tutela de urgência de arresto (art. 301, CPC/2015).
b) Atos de defesa do direito lesado: ajuizamento de ações cognitivas ou
executivas, quando houver violação a direito.

iv. Extinção de direitos

81
Os direitos também podem extinguir-se. São razão de extinção o perecimento do
objeto, a alienação, a renúncia, o abandono, o falecimento do titular do direito
personalíssimo, etc.
As causas de extinção podem ser:
a) Subjetivas: quando o direito é personalíssimo e morre o titular.
b) Objetivas: quando perece o objeto sobre o qual recaem.
A extinção pode ocorrer por fatos humanos ou forças da natureza.

c. Classificação dos fatos jurídicos em sentido amplo


O fatos jurídicos em sentido amplo dividem-se em:
a) Fato jurídico em sentido estrito ou Fatos naturais (também denominados de
fatos jurídicos em sentido estrito) – independem da atuação humana. Também
podem ser chamados de fato jurídico em stricto sensu. Ocorre pela simples
manifestação da natureza e produzem efeitos jurídicos com o objetivo de criação,
alteração ou extinção de direitos e deveres. Subdividem-se em:
a. Ordinários – trata-se de evento natural, previsível e comum de ocorrer.
Sofre influência do elemento tempo. Ex.: nascimento, morte, maioridade,
decurso do tempo, etc.
b. Extraordinários – evento decorrente da natureza. Ex.: caso fortuito e força
maior: tempestade, raio, terremoto, etc. O caso fortuito e a força maior são
fatos cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
b) Fatos humanos (também denominados de atos jurídicos em sentido amplo) –
decorrem da atividade humana. Dividem-se em:
a. Lícitos – atos humanos que a lei autoriza a praticar. Produzem efeitos
jurídicos voluntários. Dividem-se em:
i. Ato jurídico em sentido estrito ou meramente lícito: o efeito da
manifestação da vontade está predeterminado na lei. Não exige
vontade qualificada, mas simples intenção. Ex.: notificação, que
constitui em mora o devedor; reconhecimento de filho; tradição;
percepção dos frutos; intimação; fixação de domicílio; pagamento de
uma obrigação; etc.
82
ii. Negócio jurídico: deve haver uma vontade qualificada, sem vício,
ou seja, a ação humana objetiva um fim permitido na lei. Diante de
uma composição de vontade das partes, estabelecendo a existência
de efeitos, cria-se um instituto jurídico próprio, visando a regulação
dos direitos e deveres. O negócio jurídico “constitui o principal
exercício da autonomia privada, da liberdade negocial”6. Ex.: contrato
de compra e venda, testamento.
b. Ilícitos – atos praticados em desacordo com o ordenamento jurídico.
Produzem efeitos jurídicos involuntários. Criam deveres e obrigações (ao
invés de direitos). Ex.: dever de reparar o dano. Art. 186, CC.
8. FATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO
Fato jurídico em sentido estrito é o acontecimento da natureza ou natural que gere
efeitos jurídicos. Nem todos os fatos naturais serão considerados fatos jurídicos em sentido
estrito. Apenas os que gerarem efeitos jurídicos. Ex.: uma tempestade. Via de regra, não é
fato jurídico. Contudo, será um caso ela cause danos ao imóvel de alguém que tenha
seguro. Nestes casos, a tempestade deixa de ser um fato natural para ser um fato jurídico,
visto que gera uma relação obrigacional entre o proprietário do imóvel e a seguradora (que
terá de indenizar os danos cobertos pelo seguro).

ordinário
fato jurídico em
sentido estrito
(ação natural)
extraordinário

FATO JURÍDICO EM ato-fato


ato jurídico em
SENTIDO AMPLO jurídico
lícita (ato sentido estrito
jurídico em (não negocial)
sentido amplo)
negócio jurídico
ação humana

ilícita ato ilícito

Os fatos jurídicos em sentido estrito podem ser:


a) Ordinários: fatos de ocorrência comum: nascimento, morte, decurso do tempo.

6TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
339.
83
b) Extraordinários: são imprevisíveis: terremoto, enchente.

9. ATO- FATO JURÍDICO


Os atos-fatos jurídicos são uma categoria especial e que possui características
inconfundíveis. Não existe previsão legal para esta categoria, mas não se pode deixar de
reconhecer sua existência e efeitos jurídicos.

fato jurídico em ordinário


sentido estrito
(ação natural) extraordinário
FATO JURÍDICO
EM SENTIDO ato-fato
jurídico ato jurídico em sentido
AMPLO lícita (ato jurídico estrito (não negocial)
em sentido
ação amplo)
negócio jurídico
humana
ilícita ato ilícito

É uma categoria intermediária, porque está entre o fato da natureza e a ação humana.
A categoria do ato-fato refere-se a aquele comportamento que, embora derive do
homem, é desprovido de vontade consciente em face do resultado jurídico produzido.
Trata-se de um fato jurídico qualificado pela atuação humana7, pois a atuação é
substância deste fato jurídico. Contudo, não importa para a norma se existiu ou não a
intenção da prática da conduta.
Importa a consequência do ato, o fato resultante, sem se levar em consideração a
vontade de praticá-lo. O efeito pode não ser o buscado pelo agente, mas decorre de
conduta e é previsto pela lei. A vontade está presente, mas o direito a desconsidera e
apenas atribui juridicidade ao fato resultante – existe ação humana, mas é valorado o
resultado prático.
Ex.: pessoa que encontra um tesouro. A lei, neste caso, determina que caberá àquele
que encontrou o tesouro, a metade dele (art. 1.264, CC).
Para ficar mais claro, utilize-se o exemplo da união estável. Trata-se de um ato-fato
jurídico. Não importa a vontade das partes, pois o fato humano é que gera importância
jurídica e social. Significa dizer que o fato de viverem juntos, de forma pública, contínua,

7GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 375.
84
duradoura e com o intuito de constituir família basta para a qualificação da união estável.
Não importa se o casal quer ou se não quer o reconhecimento ou a configuração da união.
Basta que estejam presentes os requisitos legais.
Outro exemplo, utilizado pela doutrina é a compra e venda feita por crianças. Se uma
criança compra um chocolate em um boteco, ela não tem a vontade direcionada a contratar
formalmente. Não pode ser considerado um negócio jurídico porque falta o elemento da
capacidade do agente. Assim, melhor enquadrar como um ato-fato jurídico, aceito
socialmente.
O enunciado 138 do CJF dispõe que: “A vontade dos absolutamente incapazes, na
hipótese do inc. I do art. 3º é juridicamente relevante na concretização de situações
existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para
tanto”.
Os atos-fatos jurídico podem ser classificados em:
a) Atos reais: denominados de atos materiais. Decorrem de certos acontecimentos
em que importa o fato resultante, independentemente da existência ou não de
vontade de obtê-lo. Ex.: a criança que descobre um tesouro enterrado adquire a
propriedade, independentemente de intencionar achá-lo.
b) Atos-fatos indenizativos: casos de indenização sem que haja ilicitude, ou seja,
as situações em que um ato humano, não contrário ao direito, cause prejuízo a
outrem e o dever de indenizar. Ex.: casos de estado de necessidade – para salvar
uma pessoa de um incêndio, alguém quebra a porta da casa onde está a pessoa.
c) Atos-fatos caducificantes: situações que, independentemente do ato humano,
trazem efeito que seja a extinção de determinado direito e, com isto, da pretensão,
da ação e da exceção decorrente. Ex.: prescrição e decadência.

10. ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO


No ato jurídico em sentido estrito o efeito da manifestação da vontade está previsto
na lei, não havendo escolha da categoria jurídica. A ação humana baseia-se na intenção.

85
ordinário
fato jurídico em
sentido estrito
(ação natural)
extraordinário

FATO JURÍDICO EM ato-fato


ato jurídico em
SENTIDO AMPLO jurídico
lícita (ato sentido estrito
jurídico em (não negocial)
sentido amplo)
negócio jurídico
ação humana

ilícita ato ilícito

Talvez o melhor exemplo para explicar o ato jurídico em sentido estrito é o


reconhecimento do filho. Isto porque não há escolha da “modalidade” de filiação ou dos
direitos daí decorrentes. Do fato do reconhecimento surgem efeitos legais: direito de usar
o nome do pai, dever de prestar alimentos, direitos sucessórios, dever de apoio moral, etc.
Os efeitos não dependem da vontade daquele que reconhece, mas sim da própria lei.
Ex.: uma criança torna-se proprietário dos peixes pelo fato de pescar (instituto da
ocupação), de forma que a incapacidade não torna nulo o ato.
Ex.: fixação de domicílio (quando a pessoa fixa residência em determinado local
estabelece seu domicílio, independentemente de emitir manifestação de vontade neste
sentido).
O ato jurídico em sentido estrito trata-se de um simples comportamento humano
voluntário e consciente, cujo efeitos estão previamente determinados na lei. Vale dizer, no
ato em sentido estrito não existe autonomia privada e liberdade na escolha dos efeitos
jurídicos produzidos, ou seja, o ato em sentido estrito é uma simples ação humana prevista
em lei.
Trata-se, pois, de “simples manifestação de vontade, sem conteúdo negocial, que
determina a produção de efeitos legalmente previstos”8.

8GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 377
86
No ato jurídico em sentido estrito o agente não tem a liberdade de escolha na
determinação dos efeitos resultantes do seu comportamento. Deve haver a manifestação
da vontade, mas ela não é qualificada. Ex.: confissão de dívida.
Os efeitos jurídicos derivados da praticado do ato não têm como determinar os efeitos,
porque este vem determinado em lei, uma vez que os atos jurídicos em sentido estrito são
desprovidos em escolha dos efeitos. Ex.: a percepção de um fruto, a caça, a pesca, o
reconhecimento de filho, a fixação do domicílio voluntário.
Estão previstos no art. 185, CC: Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios
jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior.
Classificam-se em:
a) Atos materiais (reais): simples atuação humana, baseada em uma vontade
consciente, tendente a produzir efeitos jurídicos previstos em lei9. Embora haja
vontade, ela não é voltada ao alcance dos efeitos. Eles se produzem
independentemente do “querer produzi-los”. Ex.: ocupação, percepção de frutos,
fixação de domicílio, etc.
b) Participações: trata-se de ato de comunicação, dirigidos a alguém e sem
conteúdo de negócio. Ex.: notificação, oposição, aviso, intimação.

11. NEGÓCIO JURÍDICO


O negócio jurídico envolve uma declaração de vontade que objetiva a produção de
certos efeitos jurídicos admitidos pela lei.

9GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 379.
87
ordinário
fato jurídico em
sentido estrito
(ação natural)
extraordinário

FATO JURÍDICO EM ato-fato


ato jurídico em
SENTIDO AMPLO jurídico
lícita (ato sentido estrito
jurídico em (não negocial)
sentido amplo)
negócio jurídico
ação humana

ilícita ato ilícito

Trata-se de uma declaração de vontade, emitida segundo o ditame da autonomia


privada, nos limites da função social e da boa-fé objetiva, pela qual a parte autodisciplina
os efeitos jurídicos que escolheu, ou seja, quando se celebra um negócio sempre há uma
margem de autonomia privada e liberdade na escolha dos possíveis efeitos jurídicos. Caso
contrário, não existe negócio jurídico. Exemplos: contrato, testamento, etc.
Pode-se dizer que o negócio jurídico é uma manifestação de vontade unilateral ou
bilateral, ou seja, um ato jurídico pelo qual uma ou mais pessoas, em virtude de uma
declaração de vontade, instauram uma relação jurídica, cujos efeitos, quanto a elas e às
demais, se subordina à vontade declarada, nos limites consentidos pela lei.
O negócio jurídico é o principal instrumento que as pessoas possuem para realizar
seus interesses, sendo relevante para a concepção de contrato. O estudo dos negócios
jurídicos também é um estudo sobre os contratos, envolvendo os elementos, vícios, casos
de nulidade e anulação10. Também é um negócio jurídico o casamento, o testamento.
a. Teorias explicativas do negócio jurídico
O direito brasileiro adota a teoria voluntarista, conforme se verifica do art. 112 CC:
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção
nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Significa dizer que vale mais a intenção das partes ou a vontade real dirigida a
determinado fim permitido em lei.

10TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
342.
88
Contudo, existe, também a teoria objetivista ou da declaração, segundo a qual a
vontade declarada é essencial para o negócio jurídico, ou seja, o negócio jurídico é o meio
para a produção de efeitos jurídicos.

VOLUNTARISTA OU TEORIA DA TEORIA DA DECLARAÇÃO


VONTADE
Para esta teoria, o núcleo essencial do Para esta teoria, o núcleo essencial do
negócio jurídico seria a vontade negócio não seria a intenção do declarante,
interna ou a intenção do declarante. mas sim, própria vontade externa ou
declarada.

Não há razão prática para a diferenciação entre vontade interna (intenção) e vontade
declarada, pois negócio jurídico seria a “declaração de vontade, emitida em obediência aos
seus pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos
admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente”11.

b. Classificação do negócio jurídico


Quanto ao número de declarantes:
a) Unilaterais: apenas a manifestação da vontade de uma pessoa (testamento,
renúncia, etc)
a. Receptícios: a declaração de vontade deve se tornar conhecida do
destinatário para produzir efeitos. Ex.: revogação de mandato.
b. Não receptícios: o conhecimento, por parte de outras pessoas, é
irrelevante. Ex.: testamento, confissão de dívida.
b) Bilaterais: manifestação de vontade de duas partes, formadoras do consenso
(compra e venda, locação, prestação de serviços, etc).
a. Bilaterais simples: somente uma das partes percebe vantagem e a outra
detém o ônus. Ex.: doação, comodato.
b. Sinalagmático: há a reciprocidade de direitos e obrigações, ou seja,
existem ônus e vantagens recíprocos. Ex.: locação, compra e venda.

11GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 389.
89
c) Plurilaterais: envolvem mais de duas partes, quando, então, as deliberações não
decorrem de um intercâmbio de declarações convergentes, mas sim, por decisões
de maioria (contrato de uma sociedade, etc).

Quanto ao exercício de direitos:


a) Negócios de disposição: autorizam o exercício de amplos direitos, inclusive a
alienação. Geralmente, negócios translativos. Ex.: doação.
b) Negócios de administração: autorizam apenas a administração e uso do objeto.
Ex.: comodato.

Quanto às vantagens patrimoniais:


a) Gratuitos: atos de liberalidade, onde apenas uma das partes é beneficiada. Não
há contraprestação. Ex.: doação pura (sem encargo), testamento.
b) Onerosos: ambas as partes recebem benefícios e sacrifícios patrimoniais. Ex.:
empreitada, compra e venda, etc.
a. Comutativos: há um equilíbrio subjetivo entre as prestações pactuadas, de
forma que as vantagens equivalem-se entre si (locação, p. ex.)
b. Aleatórios: a prestação de uma das partes está condicionada a um
acontecimento exterior, não havendo equilíbrio subjetivo. Ex.: compra e
venda de coisa futura (safra de soja, p. ex. – pode não colher ou colher
pouco, etc, mas o preço ajustado deve ser pago).
c) Neutro: destituídos de atribuição patrimonial específica. Ex.: instituição do bem de
família, imposição das cláusulas de inalienabilidade ou impenhorabilidade – não é
nem gratuito, nem oneroso.
d) Bifrontes: negócios que tanto podem ser gratuitos, quanto onerosos. Tudo
depende da intenção das partes. Ex.: contrato de depósito (geralmente gratuito,
podendo ser oneroso).

Quanto à forma:
a) Formais ou solenes: exigem a observância de formas legais para
aperfeiçoamento. Ex.: casamento e testamento.
90
b) Não formais ou forma livre: a forma é livre, sem interferência legal. Podem ser
até verbais. Ex.: doação de um móvel. Trata-se da regra geral (art. 107, CC).

Quanto ao momento da produção de efeitos:


a) Inter vivos: produzem efeitos desde logo, estando as partes ainda em vida. Ex.:
compra e venda.
b) Causa mortis: os efeitos serão produzidos após a morte do declarante. Ex.:
testamento.

Quanto à existência:
a) Principais: existem por si mesmos (compra e venda), não dependendo de
qualquer outro para que tenham existência e validade. Ex.: contrato de locação.
b) Acessórios: a existência pressupõe a do principal. Ex.: contrato de fiança que se
relaciona com o contrato principal (financiamento, locação).

Quanto ao conteúdo:
a) Patrimoniais: relacionados com bens ou direitos aferíveis pecuniariamente
(negócios reais, obrigacionais, etc).
b) Extrapatrimoniais: referentes a direitos sem conteúdo econômico (direitos de
família, personalidade, etc).

Quanto às condições pessoais dos negociantes:


a) Impessoais: não dependem de qualquer condição especial dos envolvidos. A
obrigação pode ser cumprida por qualquer pessoa. Ex.: compra e venda.
b) Personalíssimos ou intuito personae: dependem da condição pessoal de um dos
negociantes, onde apenas a própria pessoa pode cumprir com o contrato. Ex.: fiança,
contratação de um pintor famoso.

Quanto à eficácia do negócio jurídico:


a) Constitutivos: eficácia opera-se ex nunc, ou seja, a partir do momento da
celebração. Ex.: compra e venda
91
b) Declaratórios: os efeitos retroagem ao momento da ocorrência fática a que se
vincula a declaração de vontade. Ex.: reconhecimento de paternidade → retroage
ao nascimento.

c. Interpretação do negócio jurídico


Muitas vezes o contrato necessita de interpretação, em razão de uma redação
obscura e ambígua. Interpretar é dar sentido para a declaração de vontade, ou seja, busca-
se a real vontade das partes. Em razão disto, a regra da interpretação é a transcrita no art.
112, CC:
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção
nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Significa dizer que a noção de que a manifestação da vontade é o elemento mais


importante na interpretação dos negócios jurídicos, inclusive, sendo superior à forma.
Ex.: um cliente, em uma barraca de pastel, faz o seguinte pedido: “três queijos, para
levar, por favor”. A atendente providencia um pastel com 3 queijos e entrega o pedido.
ESTA ERA A INTENÇÃO? Ou seriam 3 pasteis de queijo????
Leva-se em conta, então, a boa-fé objetiva na interpretação de qualquer negócio
jurídico (art. 113, CC). Deve-se presumir que os contratantes agiram de boa-fé. A má-fé
deve ser provada. Além disto, o enunciado 409 das Jornadas de Direito Civil determina que:
Enunciado 409. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser
interpretados não só conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração, mas também de acordo com as práticas habitualmente
adotadas entre as partes.

Ex.: arrendamento de pastagem para engorda do gado. Precisa-se verificar o que é


costumeiro e usual no lugar – contrato (geralmente) verbal, por 100 dias.
Além disto, prescreve o art. 114, CC que os negócios benéficos e a renúncia devem
ser interpretados estritamente. Benéficos ou gratuitos são os que envolvem uma
liberalidade: doação, por exemplo.

d. Planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico

92
O negócio jurídico deve ser analisado sob três planos: existência, validade e eficácia
(tricotomia existência-validade-eficácia ou “escala Ponteana”)
a) Existência: o negócio jurídico, para ser considerado como tal, deve cumprir certos
requisitos mínimos. Os elementos estruturais estão presentes. São o suporte
fático do negócio jurídico. Existem apenas substantivos, s/em qualquer
qualificação. Esses substantivos são: partes (ou agentes), vontade, objeto e forma.
Na falta de algum desses elementos estruturais ou pressupostos, o negócio é
inexistente.
b) Validade: o fato de existir, não significa que seja considerado perfeito, ou seja,
com condições legais para produzir efeitos. Uma vez que o negócio seja existente,
deve-se analisar se está perfeito ou se contém algum vício ou defeito inviabilizante.
Os requisitos devem estar presentes. Na escala da validade, os substantivos são
qualificados, ou seja, ganham adjetivos, ou seja: partes ou agentes capazes;
vontade livre e não viciada; objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104, CC).
c) Eficácia: o fato de existir e ser válido não significa que esteja apto a produzir
efeitos imediatos, pois a produção de efeitos pode estar limitada por elementos
acidentais. O negócio pode produzir efeitos só a partir do momento em que for
implementada uma condição. São os efeitos gerados entre as partes e em ralação
a terceiros.

Plano da eficácia
•Condição
•Termo
Plano da validade •Modo ou encargo
•Vontade = livre + boa-fé •Consequências do
•Agente = capaz + inadimplemento negocial
Plano da existência legitimado (juros, multas, perdas e
•Vontade •Objeto = lícito + possível + danos)
•Agente determinado
•Objeto •Forma = livre ou prescrita
•Forma em lei

93
Chama-se de Escala Ponteana e pode ser representada através de degraus, onde o
plano da existência representa o primeiro degrau, o plano da validade, o segundo e, o plano
da eficácia, o terceiro degrau da Escala Ponteana.
Pela representação do esquema, percebe-se que, para que um negócio jurídico seja
válido, precisa existir. Para que produza efeitos, precisa ser válido. Contudo, nem sempre
isto ocorre, pois pode ocorrer de um negócio ser existente, inválido e eficaz. Então, antes
de se analisar cada um dos planos, deve-se destacar que um negócio jurídico pode ser:
a) existente, válido e eficaz. Ex.: casamento - capazes, sem impedimentos, realizado
por autoridade competente.
b) existente, válido e ineficaz. Ex.: testamento de pessoa capaz, formalmente legal,
antes da morte do testador. Ex.: contrato celebrado sob condição suspensiva e que não
esteja, ainda, gerando efeitos jurídicos e práticos.
c) existente, inválido e eficaz. Ex.: casamento putativo - negócio jurídico anulável,
antes da decretação da anulabilidade. Da celebração até a anulação produz todos os
efeitos.
d) existente, inválido e ineficaz. Ex.: doação feita pessoalmente por pessoas
absolutamente incapazes (menor de 16 anos).
e) existente e eficaz. Ex.: nascimento com vida, pintura, dano causado a bem alheio.
f) inexistente. Neste caso, não se analisa os demais planos, pois todos dependem da
existência do negócio jurídico. Ex.: casamento celebrado sem a manifestação da vontade.

e. Plano da existência do negócio jurídico


O negócio jurídico, para que seja válido e eficaz, precisa existir. Para tanto, alguns
requisitos (ou elementos essenciais ou elementos constitutivos) precisam estar presentes.
Se não estiverem, o negócio não existe e, portanto, sequer se questiona ser válido e eficaz.
Mas quais seriam, então, os elementos constitutivos ou essenciais dos negócios
jurídicos? Sãos os seguintes: a) agente emissor da vontade; b) manifestação de vontade;
c) objeto; d) forma.

i. Agente emissor da vontade

94
Para que exista um negócio jurídico deve haver um agente, ou seja, um sujeito. Sem
ele, não há ato, mas tão somente um fato jurídico em sentido estrito. A participação do
sujeito é indispensável para a configuração/existência do negócio jurídico.

ii. Manifestação (ou declaração) da vontade


A vontade é pressuposto do negócio jurídico. Esta vontade deve ser exteriorizada para
que o negócio exista.
A vontade é um elemento subjetivo, que se configura através de uma declaração.
Princípio da autonomia da vontade. Em razão deste princípio, as pessoas têm
liberdade de celebrar negócios jurídicos de acordo com a lei. Contudo, esse princípio tem
limitações em razão da supremacia da ordem pública, ou seja, situações em que, em
nome da ordem pública e do interesse social, o Estado interfere na manifestação da
vontade da pessoa, especialmente para evitar que o indivíduo seja economicamente
oprimido pelo mais forte.
Princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda). Segundo este
princípio, uma vez manifestada a vontade, esta torna-se de obrigatório cumprimento e faz
lei entre as partes. Trata-se de uma forma de estabelecer segurança aos negócios. A este
princípio (pacta sunt servanda) opõe-se o princípio da revisão dos contratos ou da
onerosidade excessiva, que se baseiam na cláusula rebus sic stantibus e na teoria da
imprevisão. Estes princípios autorizam o Judiciário a revisar contratos em casos
extraordinários e em razão da ocorrência de fatos imprevisíveis.
A manifestação da vontade pode ser: tácita, expressa ou presumida.
a) Expressa. A manifestação expressa é a manifestada através da palavra falada ou
escrita ou, ainda, através de gestos, sinais ou mímicas. Significa dizer que é
manifestada de forma expressa, possibilitando o conhecimento imediato da
intenção do agente. Ex.: contratos verbais ou expressos, emissão de título de
crédito, etc.
b) Tácita. Verifica-se pelo comportamento do agente, ou seja, deduz-se da conduta
do indivíduo sua intenção. Ex.: aceitação da herança através de uma cessão de
direitos hereditários. Contudo, nos contratos, a manifestação tácita só é admitida
quando a lei não exigir forma expressa.
95
c) Presumida. É estabelecida pela lei. Quando a lei deduz a manifestação através
de certos comportamentos do agente. Ex.: aceitação presumida da herança (a lei
determina que, caso o herdeiro não se manifeste dentro de certo tempo – 30 dias
– entender-se-á pela aceitação da herança).

As declarações de vontade devem ser receptícias, ou seja, as que se dirigem a uma


pessoa determinada, com o objetivo de levar ao conhecimento do agente a intenção do
declarante, sob pena de ineficácia. Só tem eficácia se o outro tiver conhecimento. Ex.:
revogação de mandato. Declarações não receptícias são as que se efetivam
independentemente do conhecimento do destinatário. Ex.: promessa de recompensa,
revogação do testamento, etc.
Silêncio como manifestação da vontade. Via de regra, quem cala, não diz coisa
nenhuma. O silêncio nada significa, por ausência de manifestação da vontade.
Excepcionalmente, admite-se o silêncio como manifestação da vontade (art. 111, CC): “o
silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa”. Assim, admite-se o silêncio como
manifestação da vontade quando a lei autorizar. Ex.: doação, quando o doador fixa prazo
para o donatário se manifestar. Caso não se manifesta dentro do prazo, entende-se pela
aceitação (art. 539, CC).
Reserva mental. Situações em que um dos declarantes oculta sua verdadeira
intenção, ou seja, quando não quer um efeito jurídico que declara querer. Trata-se de uma
enganação ao outro contratante. Se o outro declarante, no entanto, não souber da reserva,
o ato subsiste e produz efeitos que o declarante não desejava. Art. 110, CC: “a
manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não
querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”. A reserva mental
desconhecida do outro contratante não importa para o direito, pois a vontade produzirá
todos os efeitos. Ex.: promessa de emprestar dinheiro a amigo que pretende se matar em
razão de dívidas.

iii. Objeto
Todo negócio pressupõe a existência de um objeto.
96
Se o contrato é de mútuo, o objeto deve ser coisa fungível (coisa que pode ser
substituída por outra). Se for contrato de comodato, a coisa deve ser infungível (não pode
ser substituída). Para a constituição de uma hipoteca, deve ser um imóvel a garantia.

iv. Forma
Forma é o meio pelo qual a declaração de vontade é exteriorizada, ou seja, se oral,
escrita, silêncio, sinais, etc. A vontade sempre deve ser manifestada de alguma forma.
Não se deve confundir a forma (elemento existencial) com a forma legalmente
prescrita (pressuposto de validade). Ex.: João compra 30ha de terras de Pedro. Paga a
quantia e recebe de Pedro um recibo. Não fazem escritura pública de compra e venda.
Neste caso, apesar de não ser válido o negócio jurídico por não se revestir da formalidade
legal, é necessário reconhecer que o ato negocial de compra e venda existiu, pois Pedro,
inclusive, passou recibo. Neste caso temos os elementos existenciais: manifestação da
vontade (vender e comprar), agentes (sujeitos de direitos), objeto (bem imóvel) e forma
(escrita).

f. Plano da validade do negócio jurídico


Uma vez que o plano da existência esteja completo, deve-se verificar o plano da
validade. Os pressupostos de validade (ou a inexistência deles) conduz às causas de
nulidade e anulabilidade.
O art. 104, CC prevê os requisitos ou pressupostos de validade dos negócios jurídicos:
agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não
defesa em lei.
Gagliano e Pamplona Filho12 adicionam um quarto pressuposto, que é a manifestação
de vontade livre e de boa-fé. Além disto, defendem que o agente emissor da vontade deve
ser capaz e legitimado para o negócio. Afirmam que sabendo-se os elementos constitutivos
do negócio jurídico, basta qualificá-los para que se saiba os pressupostos de validade. Pois
bem, passa-se a análise de cada um deles.

12GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 406.
97
i. Manifestação da vontade livre e de boa-fé
A manifestação da vontade deve ser livre e de boa-fé (não impregnada de malícia).
Os vícios do negócio jurídico atacam a liberdade de manifestação da vontade ou a boa-fé,
de forma que o ordenamento jurídico tende a reagir, anulando ou declarando nulos tais
negócios. (Os defeitos dos negócios jurídicos serão tratados adiante).
Para que a manifestação da vontade seja válida, dois princípios surgem: a autonomia
da vontade e a boa-fé.
Princípio da autonomia da vontade. Trata-se da liberdade negocial, que, contudo,
não é plena, pois sofre limitações da lei, da moral e da ordem pública.
Princípio da boa-fé. Trata-se de princípio ético formador da vontade negocial válida.
Assim, se uma das partes conseguiu a manifestação da vontade da outra através da
coação, há a violação deste princípio. A boa-fé deve ser tanto a subjetiva (estado
psicológico, subjetivo do indivíduo), quanto a objetiva (que as partes comportem-se
segundo um padrão ético objetivo de confiança recíproca).

ii. Agente emissor da vontade capaz e legitimado para o negócio


O agente emissor da vontade deve ser capaz e detentor de legitimidade para o
negócio.
Agente capaz = pessoa física/natural plenamente capaz para prática dos atos da vida
civil.
São absolutamente incapazes os menores de 16 anos (art. 3.º, CC, com redação dada
pelo Estatuto da pessoa portadora de deficiência).
Art. 3.º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os
atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

São relativamente incapazes:


Art. 4.º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de
os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.

98
Os absolutamente incapazes devem ser representados e os relativamente incapazes,
assistidos. Contudo, há negócios que o relativamente incapaz pode celebrar: fazer
testamento, aceitar mandato e ser testemunha. O negócio celebrado pelo absolutamente
incapaz sem a devida representação é nulo (art. 166, I, CC). O negócio celebrado pelo
relativamente incapaz sem a devida assistência é anulável (art. 171, I, CC).
Além da capacidade, o agente deve ser legitimado. Assim, embora plenamente capaz,
não podem dois irmãos contraírem matrimônio entre si. Também não podem suceder
aquele que tiver sido excluído da sucessão. A pessoa maior e casada também não pode
vender imóvel sem a outorga conjugal. Tudo isto indica a falta de legitimidade destas
pessoas.
Este agente emissor da vontade, capaz e legitimado, pode praticar o ato por si próprio
ou através de representante. O Código Civil estabelece um capítulo próprio para a
representação, o que será abordado mais adiante. Pode, nestes casos, ocorrer o chamado
autocontrato, situações em que o representante (procurador) celebra negócio consigo
mesmo. Ex.: João outorga procuração para Carlos, para que este venda o bem X a quem
quer que seja. Neste caso, se a procuração prever expressamente (art. 117, CC), pode
Carlos vender o bem X para si próprio. Assinará a escritura como comprador e como
representante do vendedor.

iii. Objeto lícito, possível, determinado ou determinável


Objeto lícito é aquele que não é proibido pelo direito e pela moral. Ex.: contrato de
prestação de serviços advocatícios. É ilícito, contudo, um contrato de prestação de serviços
para o cometimento de um crime. Também é ilícito o contrato de prestação de serviços
sexuais, com a cobrança judicial pelo inadimplemento da prestação pecuniária, em razão
da imoralidade do objeto. Também é ilícito a compra e venda de uma praça (bem de uso
comum do povo).
Objeto fisicamente possível é aquele naturalmente possível de se realizar. Significa
dizer que o objeto é impossível quando o contrato visa a compra e venda de um imóvel na
lua.

99
Objeto determinável ou determinado, ou seja, deve haver a descrição mínima do
objeto, individualizações que permitam caracterizar o objeto. Ex.: compra e venda do bem
x (determinado) ou compra e venda de x soja (determinável).

iv. Forma adequada


Por fim, o negócio deve ser revestido da forma prescrita ou não proibida pela lei. Via
de regra, os negócios não dependem de forma especial, de forma que o direito brasileiro
adota a liberdade da forma (art. 107, CC). Contudo, existem situações em que a lei prevê
a forma e, para a validade do negócio, esta deverá ser obedecida.
Ex.13: o humilde camponês, por meio de uma compra e venda, adquire alguns
hectares de terras do vizinho e, sem saber que a aquisição da propriedade imobiliária exige
a lavratura da escritura de compra e venda e o registro imobiliário, aceita, apenas, a
documentação do ato em recibo simples, firmado pelo vendedor. Neste caso, não se discute
que o negócio existe (elemento constitutivo presente), mas não será válido o negócio, por
não respeitar a forma prevista na lei (art. 108 c/c art. 166, CC).

g. Plano da eficácia do negócio jurídico


Analisados os planos da existência e da validade, necessário se faz considerar sobre
a eficácia do negócio jurídico.
Eficácia é a potencialidade, ou seja, a capacidade dos negócios jurídicos gerarem
efeitos.
É eficaz o negócio jurídico quando repercute juridicamente no plano social, ou seja,
se não depender de nenhum acontecimento futuro para ser exigível. Ex.: compra e venda.
Uma vez celebrada e registrada, produz efeitos.
Este acontecimento futuro é tratado pela doutrina como “elementos acidentais do
negócio jurídico”, que são: condição, termo e modo ou encargo. Nestas situações, a
produção de efeitos do negócio só se perfectibiliza com a ocorrência do elemento acidental.

i. Condição

13GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 418.
100
É um elemento acidental que consiste em um evento futuro e incerto, por meio do qual
subordina-se ou resolve a produção de efeitos jurídicos.
Ex.: indivíduo que se obriga a doar o imóvel X para João quando ele se casar. O
casamento, no caso, é uma condição acessória suspensiva.
Ex.: indivíduo que adquire o usufruto do bem X, para auferir renda, até que cole grau
no ensino superior. No momento da colação, extingue-se o usufruto, tratando-se, neste
caso, de uma condição resolutiva.
A condição é caracterizada pela incerteza e futuridade. Art. 121, CC.
a) Incerteza
Se o fato que subordina a vontade for certo, estaremos diante de um termo. A
condição é sempre incerta.
A incerteza é com relação a própria ocorrência do fato e não com relação ao tempo
de sua ocorrência. A morte, neste sentido, é sempre certa. O que não se sabe é quando irá
acontecer. Trata-se, portanto, de um termo incerto.
b) Futuridade
Acontecimento já ocorrido não pode caracterizar condição. A condição deve ser futura.
Ex.: prometo doar 10mil reais se meu bilhete de loteria for premiado.
As condições podem ser suspensivas ou resolutivas.
a) Condição suspensiva
Subordina a produção de efeitos (aquisição de direitos) à ocorrência de fato futuro e
incerto (art. 125, CC). Enquanto elas não se verificarem, não produz efeitos o negócio
jurídico.
Ex.: doarei um terreno a João se ele formar-se em Direito.
b) Condição resolutiva
Neste caso, enquanto não se realizar a condição vigorará o negócio jurídico. Assim
que se operar a condição ocorrerá a conclusão do negócio extinguindo-se o direito (art.
127, CC).
Ex.: enquanto João cursar a faculdade de Direito poderá utilizar o valor dos alugueis
do imóvel X para custear suas despesas. Com a conclusão do curso, extingue-se o direito
de uso dos alugueis.

101
Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os
efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de
execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição
em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde
que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme
aos ditames de boa-fé.

O art. 128 refere-se a negócios continuados. Ex.: concedo o usufruto sobre imóvel a
João enquanto cursar Direito, beneficiando-se de toda a renda proveniente da venda de
gado até a colação de grau. Neste caso, se João tiver pactuado venda de gado a terceiro
e, neste meio tempo, tiver colado grau, a condição resolutiva não prejudicará a venda já
pactuada. Deverá ser concluída e João receberá o dinheiro do pagamento.
As condições podem ser positivas (verificação de um fato – auferir renda até colação
de grau) ou negativas (inocorrência de um fato – empréstimo da casa até que a enchente
deixe de assolar sua cidade).
As condições devem ser lícitas, pois as ilícitas invalidam o negócio jurídico, eivando-
o de nulidade absoluta (art. 123, II e 166, VII, CC).
O art. 122, CC repudia as condições perplexas (incompreensíveis ou contraditórias –
são aquelas que privam de efeitos o negócio jurídico. Ex.: empresto o imóvel, desde que
você não more e não o alugue) e as puramente potestativas (são as que derivam do arbítrio
de uma das partes. Ex.: se eu quiser, caso seja do meu interesse, etc).
No que diz respeito à possibilidade, as condições devem ser física e juridicamente
possíveis. São ilícitas as condições fisicamente impossíveis, que são aquelas
irrealizáveis, em razão de exigência de esforço sobrenatural. Ex.: dar a volta no Beira Rio
em 2 segundos (impossível! O Beira Rio é Giganteeeeee). Se a condição fisicamente
impossível tiver natureza suspensiva, invalida o negócio (nulidade absoluta). Se tiver
natureza resolutiva, será reputada inexistente. Também são ilícitas as condições
juridicamente impossíveis, pois contrariam o direito (ex.: doação condicionada à
alienação de bem de uso comum do povo – praça). Neste caso, existindo uma condição
dessa natureza, será inválido o negócio jurídico.

ii. Termo

102
O termo é o “acontecimento futuro e certo que subordina o início ou o término da
eficácia jurídica de determinado ato negocial”14. As características, são, então, a certeza e
a futuridade.
O termo pode ser inicial ou final. Ex.: contrato de arrendamento que se inicia em 05
de janeiro de 2017. Trata-se do termo inicial da produção de efeitos do contrato. Antes
desta data, não produz efeitos. Ex.: arrendamento com término em 05 de janeiro de 2017.
Até esta data produz efeitos. A partir dela, não mais.
Mesmo quando se tem termo inicial, apesar da exigibilidade do negócio ser só a partir
da data acordada, já há a aquisição de direitos (art. 131, CC). A exigibilidade está suspensa
até a ocorrência do termo inicial, mas os direitos e deveres decorrentes do ato são
adquiridos de imediato. No exemplo do contrato de arrendamento, cujo termo inicial é 05
de janeiro de 2017, desde logo estão as partes ligadas pelo vínculo contratual. Contudo, a
exigibilidade das obrigações definidas no contrato só serão exigíveis a partir de 05 de
janeiro de 2017. Mas, se o arrendatário, por exemplo, quiser efetuar o pagamento pactuado
antes desta data, não há impedimento. Contudo, o que não pode é o arrendante/arrendador
exigir tal pagamento antes do termo inicial previsto.
O termo pode ser certo ou incerto. Será certo quando a data estiver estipulada (05
de janeiro de 2017). Será incerto quando, apesar de ser certa a ocorrência, não se puder
precisar a data (quando João morrer).
O período de tempo entre o termo inicial e o final é denominado de prazo (art. 132,
CC). O prazo é contado excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento.
Ex.: contrato de 30 dias15. Termo inicial: 24/08/2016. O prazo será = 23/08/2016.
Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário,
computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do
vencimento.
§ 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á
prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.
§ 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do
de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.

14 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 489.
15 A contagem de prazos processuais é diferente. Verificar art. 219, CPC/2015.

103
Quando no negócio jurídico não houver a fixação de prazo, entende-se exigíveis de
imediato (art. 134, CC).
O termo classifica-se em:
a) Convencional: fixado pelas partes.
b) Legal: determinado pela lei.
c) De graça: fixado por decisão judicial (prazo determinado pelo juiz para que o
devedor de boa-fé cumpra sua obrigação

iii. Modo ou encargo


O encargo é uma determinação acessória ao negócio jurídico principal, que impõe um
dever ou ônus ao beneficiário, que deverá cumpri-lo em prol de uma liberalidade maior.
Trata-se de uma espécie de restrição imposta ao beneficiário no momento da liberalidade,
ou um “peso atrelado a uma vantagem”16. Ex.: doação de um terreno com o encargo de
cuidar do doador.
O encargo não suspende a aquisição ou o exercício do direito, salvo se o encargo for
condição suspensiva (art. 136, CC).
Identifica-se o encargo pelas expressões “com a obrigação de”, “com o encargo de”,
“para que”.
Se o encargo não for cumprido, não há a invalidação do negócio jurídico. O que ocorre
é que poderá ser cobrado judicialmente este encargo ou, então, poderá ser revogado o
negócio, como no caso da doação (art. 562, CC) ou do legado (art. 1.938, CC).
O encargo ilícito ou impossível é considerado como não escrito (art. 137, CC). Ex.:
doação que estabelecesse como encargo uma viagem turística a Saturno. Por ser
impossível o encargo, entende-se como não escrito. Contudo, se o encargo ilícito ou
impossível for motivo determinante da liberalidade, torna o negócio jurídico inválido. Ex.:
doação de um valioso imóvel com a condição de que o donatário utilize-o para implantar
nele uma casa de prostituição (encargo ilícito). Neste caso, inválido todo o negócio jurídico.

16GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 493.
104
h. Representação
A manifestação da vontade pode se dar por si próprio ou por representante. O Código
Civil disciplina a representação nos arts. 115 a 120. Assim, a manifestação da vontade
através da representação produz todos os efeitos.
Se o negócio jurídico é praticado por representação, quem o pratica é o representante,
que o faz em nome do representado.
Assim, representação é a atuação jurídica em nome de outra pessoa, que pode
ocorrer em razão da vontade ou da lei.

i. Espécies de representação
A representação pode ser legal (pais, tutores, curadores, administradores, síndicos)
ou convencional/voluntária (em razão de mandato).
a) Legal: trata-se de um múnus. O representante exerce uma atividade obrigatória,
determinada pela lei. Se institui em razão da necessidade de se atribuir a alguém
a função de cuidar dos interesses de pessoas incapazes. Supre a falta de
capacidade do representado. Tem caráter personalíssimo. Não pode ser delegado
seu exercício. Não pode ser revogada pelo representado. Também pode ocorrer
em caso de pessoas capazes: sindicatos, para a celebração de acordos coletivos;
síndico de condomínio; inventariante, etc.
b) Voluntária: trata-se de uma espécie de cooperação, em que alguém nomeia
outrem como seu representante, a fim de atuar em seu nome. Se perfectibiliza
através de acordo de vontades, representado pela procuração, que é instrumento
do mandato – art. 653. Através dela, uma pessoa investe outra de poderes para
agir em seu nome. Pode ser revogada a qualquer tempo pelo representado. A
procuração deve ser feita por instrumento público ou particular, assinado pelo
mandante (art. 654).

ii. Espécies de representantes


O representante deve ter capacidade de fato para praticar atos em nome do
representado. O maior de 16 anos pode ser mandatário, mas o mandante só pode reclamar
contra menor na medida do seu enriquecimento (art. 666, CC).
105
Representante legal é o que decorre da lei. Pais que administram os interesses dos
filhos menores de idade, por exemplo (art. 115, CC).
Representante judicial é o nomeado pelo juiz para representar no processo. Ex.:
inventariante.
Representante convencional é o que recebe mandato, com poderes para atuar em
nome de outrem. Ex.: advogado, procurador para compra e venda, etc.

iii. Regras da representação


O mandato leva à substituição de uma pessoa por outra na realização de negócios
jurídicos. Nestes casos, o que for assumido pelo representante deve ser cumprido pelo
representado (arts. 116 e 675, CC). Ex.: se João outorgou procuração para Carlos vender
o imóvel “X” e este o fez, João deverá cumprir com o contrato de compra e venda. Pode
ocorrer, contudo, que, se o mandatário não observar as instruções do mandante (quanto
ao preço, por exemplo), o mandante terá direito a ação cobrando as perdas e danos. Assim,
o representante deve provar às pessoas com quem contrata, sua qualidade e extensão de
seus poderes, sob pena de responder pelos atos que praticar excedendo tais poderes (art.
118, CC).
a) Os efeitos do negócio jurídico praticado pelo representante se produzem entre o
representado e a outra parte.
b) O representante é estranho ao negócio jurídico.
c) O representante deve assumir obrigações dentro dos limites permitidos pelo
mandato.
d) Quem deve cumprir com as obrigações é o representado (salvo se o representante
assumiu responsabilidades não autorizadas pelo mandato).
e) Se o representante praticou negócio em conflito de interesses com o representado
e o terceiro com quem negociou sabia de tal fato, há prazo de 180 dias para
anulação do negócio (art. 119, CC). Se, contudo, estiver de boa-fé o terceiro, não
haverá anulação.

iv. Autocontratação

106
Pode ocorrer situações em que o representante seja a outra parte no negócio jurídico.
A isto chama-se de autocontratação. Para que isto seja lícito e possível, deverá haver a
previsão no mandato desta cláusula (mandato em causa própria). Ex.: “podendo alienar tal
bem a terceiro ou a si próprio”.
Neste sentido, o art. 117, CC, determina que a autocontratação deve estar prevista no
instrumento de mandato.

i. Defeitos do negócio jurídico


A manifestação da vontade, nos negócios jurídicos deve ser livre e de boa-fé. Os
negócios jurídicos podem, contudo, sofrer com vícios de consentimento, ou seja, aqueles
que impedem que a vontade seja manifestada de forma pura e de boa fé. Estes vícios
atingem o segundo degrau da Escala Ponteana, ou seja, o plano da validade, pois maculam
a manifestação da vontade. E, ainda, com vícios sociais, que são a simulação e a fraude
contra credores.
Vícios de consentimento: erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo.
Vícios sociais: simulação e fraude contra credores.

i. Erro ou ignorância
O erro é uma falsa representação da realidade. Trata-se de um engano fático, ou uma
falsa noção sobre a pessoa, objeto do negócio ou a um direito. Significa dizer que o agente
atua de modo que não seria sua vontade, se conhecesse a verdade. Ex.: Homem que
reconhece o filho da esposa, acreditando ser seu (se soubesse que o filho não era seu, não
o reconheceria).
Erro e ignorância são coisas distintas, mas levam à anulabilidade do negócio jurídico.
Erro = ideia falsa da realidade.
Ignorância = total desconhecimento da realidade.
Para que o erro seja passível de anulação, deve ser essencial (substancial) e
escusável (perdoável).
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações
de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido
por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do
negócio.
107
Essencial é o erro que incide sobre a essência ou substância do ato praticado. Se tal
erro não estivesse presente, o ato não seria realizado. Ex.: colecionador que, pretendendo
comprar uma peça de marfim, compra uma de material sintético.
Contudo, o enunciado 12 do CJF determina que:
Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro,
porque o dispositivo adota o princípio da confiança.

Neste aspecto, o art. 139, CC enumera as hipóteses de erro substancial:


Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração,
ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem
se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de
modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o
motivo único ou principal do negócio jurídico.

Tanto no erro quanto na ignorância, a pessoa engana-se sozinha, de forma que o erro
pode incidir, então, sobre:
a) A natureza do negócio = art. 139, I, CC. Ocorre quando se troca a natureza do
negócio, trocando-se uma causa jurídica por outra. Ex.: comodato com doação.
b) A identidade da pessoa = art. 139, II, CC. O que diz respeito a qualidade ou
características de determinada pessoa. Ex.: erro essencial sobre a pessoa do outro
cônjuge (arts. 1.556 e 1.557, CC).
c) A identidade do objeto = art. 139, I, CC. Quando se declara querer comprar o
cavalo “X” e acaba levando o cavalo “y”, sem querer.
d) A essência do objeto = art. 139, I, CC. Erro sobre as propriedades essenciais do
objeto. Erro quanto a qualidade. Ex.: compra um anel, imaginando ser de ouro, não
sabendo que se trata de cobre. Ex.: comprar bijuteria ao invés de ouro. Ex.:
comprar um modelo intermediário achando tratar-se de um luxuoso.
Neste aspecto, no que diz respeito ao erro quanto a essência do objeto, tem-se
decisão do STJ que envolve a possibilidade de anulação de negócio jurídico de

108
compra e venda de veículo automotor onde a parte adquire carro de modelo
intermediário pensando tratar-se de modelo luxuoso.
Processo civil. Direito do consumidor. Aquisição de veículo automotor.
Alegação do consumidor de que comprou determinado modelo,
pensando ser o mais luxuoso, e de posterior constatação de que se
tratava do modelo intermediário. Ação proposta um ano após a
aquisição. Decadência. Desnecessidade de se aguardar o término do
prazo de garantia. Alegado inadimplemento do dever de informação,
pelo vendedor, que se insere no âmbito do contrato de compra e
venda.
- O início da contagem do prazo de decadência para a reclamação de
vícios do produto (art. 26 do CDC) se dá após o encerramento da
garantia contratual. Precedentes.
- A postergação do início da contagem desse prazo, contudo, justifica-
se pela possibilidade, contratualmente estabelecida, de que seja
sanado o defeito apresentado durante a garantia.
- Na hipótese em que o consumidor não adquire bem propriamente
defeituoso, mas alega ter se enganado quanto ao objeto adquirido,
comprando o automóvel intermediário em vez do mais luxuoso, não
há, necessariamente, qualquer defeito a ser corrigido durante o prazo
de garantia. A decadência para pleitear a devolução da mercadoria, a
troca do produto ou o abatimento do preço, portanto, conta-se, sendo
aparente a diferença entre os modelos, da data da compra.
- A inversão do ônus da prova pressupõe hipossuficiência (técnica,
jurídica ou econômica) ou verossimilhança das alegações feitas pelo
consumidor. Os costumes comerciais indicam que a parte interessada
na aquisição de um automóvel de luxo costuma buscar, ao menos, as
informações quanto aos modelos existentes. A prática também indica
que todos os modelos disponíveis, notadamente os mais caros, sejam
apresentados ao comprador. Não há, portanto, verossimilhança na
alegação de que a concessionária omitiu do consumidor a informação
sobre o modelo luxuoso. Também não há hipossuficiência do
consumidor uma vez que: (i) não é economicamente fraca a parte que
adquire automóvel de luxo; (ii) não há desequilíbrio técnico ou jurídico
se o comprador adquire o automóvel pelo convênio mantido entre a
montadora e Associação de Magistrados. Recurso especial conhecido
e improvido. (REsp 1021261/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 06/05/2010)

O erro deve, ainda, ser escusável, ou seja, perdoável, dentro do que se espera do
homem médio. Assim, não se admite erro daquele que agiu com acentuado grau de
displicência e negligência. Ex.: a compra de uma joia falsa, pelo homem médio, é um erro
escusável. Contudo, por um especialista, não é.
109
Também pode ocorrer nos casos de registro de nascimento, no qual o pai é induzido
a erro pela Mãe da criança e acaba registrando filho que não é seu.
Admite-se, ainda, o erro de direito, desde que não traduza oposição ou recusa à
aplicação da lei, o que não se confunde com ignorância da lei. Ex.: alguém que contratou a
importação de determinado produto, sem saber que foi, recentemente, proibida por decreto
a entrada de tal produto no país. Neste caso, deve-se admitir o erro de direito e permitir a
anulação do contrato.
O art. 140, CC trata do falso motivo, o que, em regra, não invalida o negócio. Motivo
é de ordem pessoal: bom preço, boa localização, presentear alguém. Assim tem-se o
exemplo do pai que compra veículo para presentear a filha que está de aniversário.
Contudo, ao chegar na data, o pai se dá conta de que, em verdade, é o filho quem está de
aniversário. Esse erro não é capaz de anular o negócio de compra e venda do veículo.
Deve-se destacar que o erro deve ser substancial, pois o erro acidental não pode ser
objeto de anulabilidade do negócio jurídico. O erro, neste caso, pode ser suprido pelas
circunstâncias. Nestes casos, convalece o ato.
Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir
a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu
contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa
cogitada.

Também é erro acidental convalidável, o caso de a pessoa a quem a manifestação de


vontade se dirige, se oferecer para executá-la de acordo com a vontade real. Assim, toma-
se como exemplo a pessoa que pensa ter comprado o lote 4, da quadra X, quando, em
verdade, está comprando o lote 4, da quadra Y. Se o vendedor vier a entregar-lhe o lote 4,
da quadra X, não haverá invalidade do negócio jurídico.
Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando
a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer
para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.

Erro ≠ vício redibitório.


O erro atinge a vontade da pessoa, que se engana sozinha. O vício redibitório atinge
o objeto do contrato, onde a pessoa toma conhecimento do vício após a celebração do
negócio.
110
Erro Vício redibitório
Equivocada representação da realidade Atinge o objeto do negócio jurídico, ao passo
ou opinião não verdadeira sobre o que a coisa negociada é entregue, mas com
negócio, objeto ou pessoa com quem se algum vício ou defeito oculto que lhe diminua
efetiva. o valor.
Ex.: pretendia comprar o cavalo X, mas Ex.: comprou o cavalo X, mas, ao chegar em
acabou, por erro de objeto, levando para casa, verificou que o mesmo estava com a
casa o cavalo Y mão machucada gravemente.
Estão no plano da validade Estão no plano da eficácia

O prazo para buscar a anulação do negócio jurídico eivado de erro é de 4 nos, a


contar da celebração do negócio, nos termos do art. 178, II, CC.
ii. Dolo
O dolo é erro provocado por terceiro e não pelo sujeito enganado. Trata-se de um
artifício malicioso pelo qual uma das partes, visando prejudicar o outro, induz-lhe a
celebração de negócio jurídico. Ex.: vender caneta de cobre como se fosse de ouro. Neste
caso, caberá anulação do negócio.
Trata-se de dolo essencial, onde “uma das partes do negócio utiliza artifícios
maliciosos, para levar a outra a praticar um ato que não praticaria normalmente, visando a
obter vantagem, geralmente com vistas ao enriquecimento sem causa” 17. É a arma do
estelionatário.
Este dolo é maligno, ou seja, visa enganar o outro. É diferente do dolus bonus, onde
alguém realça demais as vantagens e qualidades do produto, induzindo o outro a contratar.
O dolo deve ser provado por quem alega, independendo de prova de efetivo prejuízo
para sua caracterização, ou seja, basta que indivíduo tenha sido induzido a efetuar negócio
jurídico.
Não é só o dolo do negociante que gera a anulabilidade. O dolo de terceiro também
tem o condão de anular o negócio jurídico. Nesse sentido, o art. 148, CC prevê que:

17TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
391.
111
Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de
terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter
conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio
jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte
a quem ludibriou.

Neste sentido, se o terceiro, a quem beneficia o negócio jurídico tinha conhecimento,


haverá dolo essencial e anulará o negócio. Não havendo conhecimento, o dolo é acidental,
respondendo, então, o terceiro, por perdas e danos da parte a quem ludibriou.

No dolo de terceiro, se Tinha ciência... ... o negócio é anulável


a parte a quem aproveite Não tinha ciência... ... o negócio não é anulável, mas
dele o lesado pode pedir perdas e
danos ao autor do dolo.
O art. 149, CC trata do dolo do representante da parte, de forma que o dolo do
representante legal obriga o representado a responder civilmente até a importância do
proveito que teve. Se o dolo for do representante convencional, caberá a ambos
(representante e representado) a obrigatoriedade de devolver aquilo que indevidamente
receberam e, ainda, responderão solidariamente por perdas e danos. Se o representante
atuou extrapolando os poderes do mandato, neste caso, a responsabilidade será apenas
sua.

Por fim, cabe classificar o dolo. Quanto à extensão, o dolo pode ser:
a) Principal – essencial, determinante ou causal – ataca a causa do negócio em si.
Invalida o negócio. O negócio, sem a presença do dolo, não seria praticado.
b) Acidental – não invalida o negócio, mas só dá direito a eventual perdas e danos
a favor do prejudicado. Nestes casos, o negócio seria praticado do mesmo jeito,
havendo ou não a presença do dolo. Art. 146, CC. Ex.: os promitentes
compradores afirmam que a promitente compradora entrará na posse do imóvel
dentro de 30 dias, mesmo sabedores de que o atual inquilino só desocupará o
imóvel dentro de 60 dias.

112
Neste sentido, Tartuce18 traz o seguinte quadro comparativo:

DOLO – responsabilidade civil DOLO – vício do negócio


Não está relacionado com um negócio Está relacionado com um negócio jurídico,
jurídico, não gerando qualquer sendo a única causa da sua celebração (dolo
anulabilidade. essencial).
Se eventualmente atingir um negócio, Sendo o dolo essencial ao ato, causará a sua
gera somente o dever de pagar perdas anulabilidade, nos termos do art. 171, II, CC,
e danos, devendo ser tratado como dolo desde que proposta ação no prazo de 4 anos
acidental (art. 146, CC). da celebração do negócio, pelo interessado
(art. 178, CC).
Plano da eficácia Plano da validade

Quanto ao conteúdo, o dolo pode ser:


a) Dolus bonus (dolo bom) – é o dolo tolerável. Trata-se de exageros do
comerciante ou vendedor sobre o produto a ser vendido, mas sem a finalidade de
prejudicar o comprador. O negócio não é passível de anulação. Ex.: compra e
venda de um carro. Dizer que o carro é o melhor da categoria, que faz 17 km/L,
quando, em verdade, faz 13 a 14km/L. Todavia, se o vendedor se utilizar de
artifícios de má-fé para enganar o consumidor o dolo se transforma em mau e
poderá haver a anulação.
b) Dolus malus (dolo mau) – trata-se de ações malignas que visam enganar ao
consumidor, trazendo-lhe prejuízo. Ex.: compra e venda de veículo. Dizer que o
veículo nunca foi batido, quando sabe que foi. Dizer que o veículo faz 15km/L,
quando faz, em verdade, 7km/L.

Quanto à conduta das partes, o dolo pode ser:


a) Dolo positivo (ou comissivo) – dolo praticado por ação. Ex.: publicidade
enganosa por ação. Vendo carro completo: ar condicionado, direção hidráulica,
pneus zero. Após a aquisição o comprador verifica que não tem ar condicionado e
os pneus estão carecas.

18TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
392.
113
b) Dolo negativo (ou omissivo) – praticado por omissão. Ex.: venda de apartamento
decorado, em que não se revela ao comprador que os móveis são feitos sob
medida, induzindo-o a erro. Art. 147, CC. O prejudicado deve provar que se
soubesse não celebraria o negócio.
c) Dolo recíproco (ou bilateral) – ambas as partes agem dolosamente, um tentando
prejudicar o outro. Via de regra, há compensação dos dolos, não havendo a
anulação do negócio jurídico.
Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode
alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

iii. Coação
A coação é uma pressão física ou moral exercida sobre o negociante, obrigando-o a
assumir uma obrigação que não quer.
Coator – quem coage
Coacto, coagido ou paciente – quem sofre a coação.

Segundo o art. 151, CC, para que a coação seja capaz de invalidar o negócio jurídico,
deverá ser relevante, fundada em temor de dano iminente e considerável ao paciente, seus
familiares ou seus bens.
Classifica-se a coação em:
a) Coação física – constrangimento corporal capaz de retirar totalmente o
consentimento da pessoa. Em razão disto, é causa de nulidade. Ex.: venda
celebrada a pessoa hipnotizada. São de pouca aplicabilidade prática!!!
b) Coação moral ou psicológica – esta é a mais utilizada. Quando alguém obriga
outrem a realizar negócio jurídico sob a ameaça fundada de dano a si próprio, sua
família ou seus bens. Gera a anulabilidade do ato. Art. 151, CC.

A análise da coação deve ocorrer caso a caso, pois a idade, sexo e condição do
paciente influencia na configuração ou não desde defeito do negócio jurídico. Art. 152, CC.

114
O prazo para pleitear a anulação é de 4 aos, a contar de quando cessar a coação (art.
178, I, CC).
O art. 154, CC prevê que a coação praticada por terceiro também gera a anulabilidade
do negócio jurídico, se o beneficiado pela coação dela tinha conhecimento. Permanece
válido, se o beneficiado não tinha conhecimento da coação (art. 155, CC).
O art. 153, CC, por sua vez, prevê situações que não configuram coação:
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de
um direito, nem o simples temor reverencial.

Assim, não constitui coação:


a) A ameaça relacionada com o exercício regular de um direito reconhecido. Ex.:
ameaça de protesto de um título em cartório.
b) Mero temor reverencial ou receio de desagradar de pessoa queria ou a quem se
deve obediência. Ex.: casar-se com alguém com medo de desapontar seu pai.

iv. Estado de perigo


O estado de perigo configura-se “quando o agente, diante de situação de perigo conhecido
pela outra parte, emite declaração de vontade para salvaguardar direito seu, ou de pessoa
próxima, assumindo obrigação excessivamente onerosa”19.
O negociante, temeroso por sua vida ou de alguém próximo a si, efetua o negócio,
mediante uma prestação exorbitante. Está presente, neste caso, a onerosidade excessiva
(elemento objetivo). Ex.: João tem sua família sequestrada. De resgate, pedem o valor de
R$10.000,00. Sabendo da situação, Carlos propõe-se a comprar um valioso anel que João
possui pelos R$10.000,00. Contudo, tal anel vale R$50.000,00. Temeroso pela situação de
sua família, João celebra o negócio.
Para que esteja presente o defeito, a outra parte deve ter conhecimento da situação
de risco que atinge o primeiro (elemento subjetivo).

19GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. v.1. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2016, p. 442.
115
Sendo assim, a coação é diferente do estado de perigo, pois:

ESTADO DE PERIGO = situação de perigo conhecida da outra parte (elemento


subjetivo) + onerosidade excessiva (elemento objetivo).

Trata-se de ato anulável (art. 171, II + art. 178, II, CC), que pode ser pleiteada em 4
anos a contar da celebração.
O negócio jurídico pode ser mantido, no caso do estado de perigo, desde que possa
ser revisado pelo juiz. Art. 156 + art. 157, CC. É o que dispõe o enunciado 148 do CJF/STJ
(Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça): “Ao ‘estado de perigo’ (art.
156) aplica-se, por analogia, o disposto no § 2.º do art. 157”.

v. Lesão
A lesão está prevista no art. 157 e pode ser conceituada como sendo “o prejuízo
resultante da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio
jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um
dos declarantes”.
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente
necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores
vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido
suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a
redução do proveito.

Sendo assim, lesão é:


LESÃO = premente necessidade ou inexperiência (elemento subjetivo) + onerosidade
excessiva (elemento objetivo).

a) Necessidade premente = precisar de algo, que leva a inevitável celebração do


negócio prejudicial (aquisição da casa própria x financiamento habitacional,
necessidade de dinheiro x financiamento bancário, etc).