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ADOÇÃO:
RESPONSABILIDADE CIVIL NA DEVOLUÇÃO DO MENOR
ADOTADO
Apucarana
2019
LEONARDO DE SOUZA DELIVIO
ADOÇÃO:
RESPONSABILIDADE CIVIL NA DEVOLUÇÃO DO MENOR
ADOTADO
Apucarana
2019
LEONARDO DE SOUZA DELIVIO
ADOÇÃO:
RESPONSABILIDADE CIVIL NA DEVOLUÇÃO DO MENOR ADOTADO
BANCA EXAMINADORA
_________________________________
Danielle Regina Bartelli Vicentini
Faculdade do Norte Novo de Apucarana
_________________________________
Prof. Componente da Banca
Faculdade do Norte Novo de Apucarana
_________________________________
Prof. Componente da Banca
Faculdade do Norte Novo de Apucarana
ABSTRACT: The number of cases of children and adolescents being returned to the
host institution by their adopters is increasing. This return occurs both after the
adoption decree and during the period of the cogabitation stage. After the defermert,
in spite of being an irrevocable measure, the Judiciary ends up receiving again these
children returned to prevent them from staying in the home of a family that does not
want them. Already during the period of coexistence, even if it is possible to return to
the host institution, this should occur only in the hypotheses in which it aims to meet
the best interest of the child and adolescent. There is a need for the civil
responsibility os these adopters, who must compensate children and adolescents
who are returned with food, property damage and moral damages, in the face of the
psychological damage caused to these individuals in development. Based on the
method of behaviorism together with juspositivism, the hypothetical-deductive
method, the statistical auxiliary method, as well as bibliographic, documental and
jurisprudential studies. The evolution of the process of adoption in Brazil, the causes
and the possivility of the return of the child and the psychological problems caused to
the child were analyzed. And finally, the civil liability of the adopters in cases where
there is a return. It is hoped that this work can broaden the understanding on the
subject, contributing to the improvement of the practices used by the judiciary, in
order to prevent and avoid the occurrence of more cases of return of minors.
1 INTRODUÇÃO
4
SENADO FEDERAL DO BRASIL. História da adoção no mundo. Disponível em:
<https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/contexto-da-adocao-no-
brasil/historia-da-adocao-no-mundo.aspx> Acesso em: 17 de fevereiro de 2019.
5 WALD, Arnaldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. O Novo Direito de Família. São Paulo, 2004, P.
201
6 BANDEIRA, Marcos. Adoção na Prática Forense. Ilhéus: Editus, 2001. p. 35.
3
7 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 157-158.
8 MONTEIRO, Sonia Maria. Aspectos Novos da Adoção. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 35.
9 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 5: Responsabilidade Civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
330
10 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 305.
4
Após a Lei da adoção, qualquer pessoa que queira adotar uma criança deve
estar cadastrada no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), mas uma prática que está
enraizada na cultura brasileira continua a acontecer, chamada de “adoção a
brasileira”. Nesses casos a mãe biológica da criança, entrega a criança a outra
pessoa escolhida por ela, o casal adotante então registra a criança como se fosse
filho biológico deles. A “adoção à brasileira” também pode encobrir casos de venda
ou tráfico de crianças, além do mais que esse tipo de adoção não leva em conta os
interesses da criança conforme a lei em vigor.11
Recentemente, em novembro de 2017 a Lei nº 13.509 foi publicada com o
intuito de revogar alguns artigos dados pela lei anterior, e atribuir maior celeridade
ao andamento do processo, garantindo ainda assim a proteção integral da criança e
do adolescente, como será analisado a seguir.
11SENADO FEDERAL DO BRASIL. Adoção “à brasileira” ainda é muito comum. Disponível em:
< https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobre-
adocao/adocao-a-brasileira-ainda-e-muito-comum.aspx> Acesso em: 17/02/2019
12 ROCHA, Maria Isabel de Matos. Crianças devolvidas: os filhos de fato também têm direito?
Reflexões sobre a adoção à brasileira, guardas de fato ou de direito mal sucedidas. Revista Âmbito
Jurídico. Rio Grande, 7, 30.11.2001. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5541&revista_cadern
o =12>. Acesso em: 17/02/19
13 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Nesse período os pais adotivos podem optar por desistir da adoção, pois
ainda ela não foi formalizada, da mesma forma o juiz poderá cancelar a guarda e
deferir a adoção, nos casos mais graves.
16SENADO FEDERAL DO BRASIL. Perfil das crianças disponíveis para adoção. Disponível
em:<https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobre-
adocao/adocao-a-brasileira-ainda-e-muito-comum.aspx> Acesso em: 17 de fevereiro de 2019
17BRASIL. Lei nº 13.509 de 23 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e altera a Lei no 8.069,
<http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/cadastro-nacional-de-adocao-cna/passo-a-passo-da-
adocao> Acesso em: 20 de fevereiro de 2019
8
de no máximo 90 dias, estipulado pelo juiz de acordo com cada caso. O estágio de
convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda
legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a
conveniência da constituição do vínculo, segundo o artigo Art. 46 § 1o da Lei 8.069.
Caso tudo ocorra bem o juiz decretará a guarda provisória para os
pretendentes, que terá a validade até a conclusão do processo. A partir desse
momento a criança pode morar com a família. Por fim o juiz vai proferir a sentença
de adoção e determinar que seja lavrado o novo registro de nascimento com o
sobrenome da nova família. Existe a possibilidade de troca do nome da criança,
partir de então a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico.
20 CASTRO, Carolina Grillo Domingues de. Devolução na Adoção: a inexistência de limite para o
abandono, p. 06. Disponível em:<https://livros-e-revistas.vlex.com.br/vid/devolucao-na-adocao-
inexistencia-589182182>. Acessado em: 06 abril de 2019.
21DIAS, Valéria. Fatores de risco podem levar à devolução de crianças adotadas, 2008.
A imagem que os pais constroem dos filhos ao longo de toda a vida, muitas
vezes não é compatível com a realidade da criança ou adolescente adotado, e os
adotantes por muitas vezes se esquecem que um filho biológico tem as mesmas
possibilidades de possuir uma personalidade forte, distúrbios psicológicos e doenças
que os filhos adotados. O que muda é a diferença no fato de que o filho biológico
não pode ser devolvido.23 Em outras palavras, ao ter o contato prático com a adoção
e perceber que não será exatamente como o sonhado, muitos adotantes já não se
sentem a vontades em adotar.
Levinzon em sua obra sobre aspectos psicanalíticos da adoção que alguns
pais adotivos, pelas expectativas que criaram, não conseguem aceitar expressões
naturais e mais instintivas da criança, como a agressão, curiosidade sexual, entre
outros. Terminam não compreendendo e classificando como reflexos do “mau
sangue” da criança ou do adolescente.
processos de adoção. Rio de Janeiro. Artigo científico apresentado como exigência de Conclusão de
curso de Pós-graduação lato sensu da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. 2014, p.
21. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2014/trabalhos_12014/SabrinaDA
viladaCruz.pdf>. Acesso em: 19 de março de 2019
24 LEVINZON, Gina Khafif. A adoção na clínica psicanalítica: o trabalho com os pais adotivos. In:
Portal Metodista de periódicos científicos e acadêmicos. São Paulo, 2006, p. 24-31. Disponível em:
<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/MUD/article/view/630> Acesso em: 19 de
março de 2019.
10
quando o filho é biológico, se tem o sentimento de que o filho biológico pertence aos
pais.25
Da mesma forma as crianças e adolescentes também apresentam
expectativas em relação aos adotantes. Esperam afeto, atenção, amor, carinho,
compreensão e educação, no entanto se sentem desprotegidas e abandonadas
cobrando sempre proteção dos adotantes e desenvolvendo um quadro de sofrimento
pessoal.26
Nem sempre as expectativas de afeto são satisfeitas, levando as crianças a
angustia, sofrimento e sensibilização de todos que o cercam. Tais expectativas
acontecem porque na maioria dos casos a criança ou adolescente que vivem em
uma instituição apostam na adoção todo o seu futuro e esperança.
25
GHIRARDI, Maria Luiza de Assis Moura. A Devolução de crianças e adolescentes adotivos sob
a ótica psicanalítica: reedição de histórias de abandono, p. 51, apud SILVA, Camila Edith. Efeitos
jurídicos e psicológicos da devolução de crianças adotadas. Disponível em:
<http://conteudo.pucrs.br/wp-content/uploads/sites/11/2018/09/camila_silva.pdf>. Acesso em: 19 de
março de 2019.
26
SCHETTINI FILHO, Luiz. Compreendendo o filho adotivo. 2ª ed. Recife: Edições Bagaço, 1995,
p. 75.
27 MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4ª
e ronca muito” – esta criança foi devolvida à instituição após cinco meses de
convívio familiar.28
Em outro caso, uma única família chegou a devolver três crianças, alegando
as seguintes razões: para a primeira criança, a queixa foi que ela estava
incomodando os seus filhos.
“chega à porta do quarto deles e fica gritando o nome deles sem parar” −
os filhos a que se referia, tinham na época 18 e 21 anos de idade −; a
segunda criança devolvida por essa família teve por queixa que, “a menina
ficou pulando no colchão e derramou todo o Toddynho que estava tomando”
– esta criança permaneceu aproximadamente 20 dias com essa família−, e,
por fim, a última devolução foi acarretada pelos motivos,“ eu disse que ela
não levasse o celular para a escola e ela levou; ela estava gripada e não
era para abrir a geladeira e ela desobedeceu; e, por fim, a empregada
estava passando, o pano na casa e ela ficava passando, e eu já perdi uma
empregada uma vez, eu não vou perder outra vez”.29
para conseguir diminuir o tempo na fila de espera, sem que, no entanto, estejam
preparados ou realmente desejam adotar uma criança mais velha ou adolescente.32
No caso de casais adotantes, o fator relevante que leva a devolução é a
desestruturação da relação do casal, que pode ocorrer quando ambos estão
despreparados e acabam culpando a criança por ter perdido espaço em sua relação.
Também existe o preconceito e os mitos em torno da origem da criança, o
que pode levar a uma inclinação dos adotantes a devolvê-la, pois muitos adotantes
acreditam que o peso da genética que a criança carrega ira determinar a sua índole,
e assim atribuir comportamentos indesejados.33
Os preceitos precisam ser superados e a idealização precisa ser substituída
pela compreensão de que conflitos entre pais e filhos existem, independente da
origem da criança ou adolescente, sendo filhos adotados ou biológicos.
p. 127.
13
com o trânsito em julgado da sentença, pois passam a ser considerados filhos, sem
qualquer distinção de filhos biológicos perante a isonomia dada pelo artigo 227 § 6º
da Constituição Federal.36
Sendo assim a tentativa de devolução da criança seria enquadrada na
tentativa de abandono e incapaz, tipificado no artigo 133 do Código Penal. Assim a
possibilidade jurídica da devolução se dá apenas antes do trânsito em julgado da
sentença que defere a adoção.37
A irrevogabilidade da adoção traz duas consequências, uma delas é a
impossibilidade de que o adotante desfaça a adoção que ele ensejou por vontade
própria, e também a possibilidade que o adotado revogue a adoção, ainda que tenha
sido adotado durante a infância ou adolescência, preservando os direitos do
adotante. No entanto ainda que seja a adoção medida irrevogável, com frequência
existem casais que devolvem os adotados. Essa situação, acaba sendo aceita, e
fazendo com que ela seja adotada por quem realmente a queira, buscando o seu
melhor interesse.38
Durante o estágio de convivência, os adotantes possuem somente a guarda
do menor, e de acordo com o artigo 35 do ECA, a guarda pode ser revogada a
qualquer momento, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério
Público.39
A guarda por ser revogável, é o vínculo mais vulnerável, que, precisa de
maior atenção, sendo assim é nesse momento que ocorrem mais casos de
devoluções. Nesses casos nem sempre ocorre o devido acompanhamento do
serviço social, além de que não são estabelecidos para a guarda muitos requisitos,
como é exigido para a adoção. O fato de aceitarem a devolução das crianças e
adoção de criança e adolescente e reparação por dano moral e/ou material. 2009. Disponível
em:<https://mpma.mp.br/arquivos/CAOPIJ/docs/Art_9._Devolu%C3%A7%C3%A3o_imotivada_de_ad
otado_-_indeniza%C3%A7%C3%A3o_por_danos_morais_MPMG.pdf> Acesso em: 19 de março de
2019.
42 Ibidem.
15
adoção de criança e adolescente e reparação por dano moral e/ou material. 2009. Disponível
em:<https://mpma.mp.br/arquivos/CAOPIJ/docs/Art_9._Devolu%C3%A7%C3%A3o_imotivada_de_ad
otado_-_indeniza%C3%A7%C3%A3o_por_danos_morais_MPMG.pdf> Acesso em: 19 de março de
2019. p. 4 e 5.
47 SPECK, S. e QUEIROZ, E. F. O sofrimento psíquico nos casos de devolução de crianças
“Ela sentia-se, literalmente, abandonada mais uma vez, muito triste, apática
e desacreditando no papel dos adultos”. As consequências psicológicas iam
mais além. “A enorme pressão pela qual passou no processo de devolução
fez com que ela desenvolvesse comportamentos de autopunição, e quando
a revi me assustei, pois ela arrancava os cabelos, do topo da cabeça, numa
atitude de automutilação”, relata a senhora. Para reverter o quadro, foi
necessário acompanhamento psicológico semanal para superar os
traumas.48
4 RESPONSABILIDADE CIVIL
48 GOULART, Nathalia. Minha filha foi adotada e devolvida. In: Revista VEJA. 21 maio de 2010.
Disponível em:< https://veja.abril.com.br/brasil/minha-filha-foi-adotada-e-devolvida/> Acesso em: 20
de março de 2019.
49 BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 561.
17
50 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 66.
51 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, v. 3,
Responsabilidade Civil. 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 78-81
52 Ibidem, p. 202 e 203
53 FARIAS, Cristiano Chaves et al. Curso de direito civil: responsabilidade civil, v. 3. 2ª ed. São
O direito de família antes era uma esfera mais existencial dentro do direito
civil, quase não tinha ligação com a responsabilidade civil, que era considerada
como uma parte mais patrimonial. Hoje, no entanto esses dois ramos têm se
aproximado cada vez mais devido as várias transformações que ocorreram ao longo
dos anos.
A responsabilidade deixou de ser vista ligada diretamente ao patrimônio,
devido ao advento do dano moral e de sua importância crescente, o que acarreto
numa mudança da função da responsabilidade civil na sociedade atual.55
Por outro lado, a família deixou de ser centrada somente no matrimônio,
transformando o direito de família em um campo de defesa de direitos fundamentais
e de inclusão das minorias na medida em que passou a democratizar as relações
familiares e reconhecer os direitos das crianças e dos adolescentes.56
Após essa modificação ambos começaram a se comunicar, no sentido de
que a proteção conferida pelo direito de família quando não alcançada, deve buscar
na responsabilidade civil a possibilidade de compensação, como ocorre nas ações
de dano moral.57
Assim pertencer a uma família não pode gerar nenhum tipo de imunidade
quanto aos danos produzidos neste âmbito. Além do prejuízo material deve-se levar
em conta o dano psicológico que pode ser produzido, por exemplo, no filho que é
desprezado pelo pai, ou nos casos de devolução do menor de volta ao abrigo.
O Código Civil no artigo 927 dispõe: “Que aquele que por ato ilícito causar
dano a outrem será obrigado a reparar-lhe o dano”. Sendo assim, para que haja
responsabilização civil dos adotantes é necessário que tenha um ato ilícito. Ainda no
artigo 186: “Comete ato ilícito quem, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, viola direito e causa dano a outrem”.58
Como visto anteriormente o adotante que devolve a criança ou adolescente
para a instituição de acolhimento, fere diversos direitos, como o direito a convivência
familiar e a dignidade da pessoa humana, presentes na constituição federal, 59
também fere o princípio da não discriminação, presente no estatuto da criança e do
adolescente60, uma vez que quem devolve trata a criança ou adolescente como
objeto passível de devolução, essa atitude não seria possível se fosse filho
biológico.
Atualmente, existem diversas decisões dos Tribunais em relação as
questões que sobre a devolução de crianças e adolescentes adotados e o
cabimento do dano moral, material e a obrigação alimentar. Entre essas decisões
destacaremos alguns casos a seguir, que ocorrem em toda parte do território
nacional.
O TJSC, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no ano de 2015,
determinou aos pais que devolveram a criança ao abrigo, a obrigação de pagar o
tratamento psicológico, reparando o dano causado a criança, conforme podemos
conferir a seguir:
58 BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: PLANALTO. Legislação.
Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso
em: 15 abr. 2017. Arts. 927
59 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
[...] os pais paguem o tratamento psicológico para criança que devolveram para
adoção. No caso, o Tribunal negou a pretensão de um casal de desvencilhar-se
da obrigação de pagar tratamento psicológico/psiquiátrico a uma criança de sete
anos, a qual desistiu de adotar. Apesar de saber da condição psicológica da
criança, que sofria maus-tratos da mãe biológica, o casal insistiu em adotá-la, mas
por duas vezes a devolveu para o abrigo por conta de dificuldades no
relacionamento com a mesma.61
Apelação cível. Poder familiar. Destituição. Pais adotivos. Ação ajuizada pelo
ministério público. Adoção de casal de irmãos biológicos. Irrenunciabilidade e
irrevogabilidade da adoção. Impossibilidade jurídica. Renúncia do poder familiar.
Admissibilidade, sem prejuízo da incidência de sanções civis. Aplicação analógica
do art. 166 do estatuto da criança e do adolescente. Perda do poder familiar em
relação ao casal de irmãos adotados. Desconstituição em face da prática de maus
tratos físicos, morais. Castigos imoderados, abuso de autoridade reiterada e
conferição de tratamento desigual e discriminatório entre os filhos adotivos e entre
estes e o filho biológico dos adotantes. [...] Dano moral causado aos menores.
Ilícito civil evidenciado. Obrigação de compensar pecuniariamente os infantes.
Aplicação do art. 186 c/c art. 944, ambos do código civil. Juros moratórios.
Relativização das regras processuais clássicas em sede de direito da criança e do
adolescente. Mitigação da disposição contida no art. 460 do código de processo
civil. Vítimas que, na qualidade de irmãos biológicos e filhos adotivos dos réus
merecem receber, equitativamente, a compensação pecuniária pelos danos
imateriais sofridos.62
O ato ilícito, que gera o direito a reparação, decorre do fato de que os requeridos
buscaram voluntariamente o processo de adoção do menor, deixando
expressamente a vontade de adotá-lo, obtendo sua guarda durante um lapso de
tempo razoável, e, simplesmente, resolveram devolver imotivadamente a criança,
de forma imprudente, rompendo de forma brusca o vínculo familiar que expuseram
o menor, o que implica no abandono de um ser humano. Assim, considerando o
dano decorrente da assistência material ceifada do menor, defere-se o pedido de
condenação dos requeridos ao pagamento de obrigação alimentar ao menor,
enquanto viver, em razão da doença irreversível que o acomete. 64
63
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2014b. Apelação Cível n. º
10702095678497002. Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Câmaras Cíveis / 1ª Câmara
Cível, Data de Julgamento: 15/04/2014, Data de Publicação: 23/04/2014. Disponível em: <https://tj-
mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/121112072/apelacao-civel-ac10702095678497002-mg/inteiro-teor-
121112123> Acesso em: 07 de maio de 2019.
64 TJ-MG - AC: 10481120002896002 MG, Relator: Hilda Teixeira da Costa, Data de Julgamento:
O dano moral pode ser definido como um dano extrapatrimonial que ofende
os valores fundamentais da personalidade humana ou que sejam reconhecidos pela
sociedade. Sua mensuração pode ser dada através da diferença entre sentimentos
que o ofendido manifesta após o evento danoso, ele é um dano autônomo,
independente de uma lesão patrimonial da vítima, ainda que o mesmo evento cause
o dano.67
65 BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia. Curso de Direito da Criança e
do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2010, p. 242.
66 ROCHA, Maria Isabel de Matos et al. Crianças “devolvidas”: quais são seus direitos? In: Revista
Chaves et al. Curso de direito civil: responsabilidade civil, v. 3. 2ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Atlas, 2015, p. 263.
23
Como visto anteriormente, fica nítido que existe dano moral, após criada a
expectativa de que pertencerão a uma família, voltam a instituição de acolhimento
sem saber o real motivo, eles têm seu psicológico profundamente abalado, se
culpando pela devolução.68 Além do mais, o fracasso da adoção traz para a criança
ou adolescente a perda da esperança de ter uma família e a crença de que talvez
não exista mais ninguém realmente capaz de amá-los. Esse fracasso pode ser tão
desastroso para eles que seria melhor que a tentativa de adoção nem tivesse
ocorrido.
Nestes casos o dano moral decorre da lesão causada aos direitos da
personalidade, que englobam além da dignidade da pessoa humana, sentimentos,
imagem, relações afetivas, aspirações, hábitos, entre outros.69
Este dano moral, ou extrapatrimonial, é um gênero que possui outras
espécies, como o dano moral puro, o dano à identidade, à vida privada, à intimidade,
imagem, honra, integridade intelectual, dano existencial, danos à saúde, o derivado
da morte, dentre outros.70
A espécie de dano extrapatrimonial que mais se enquadra na situação das
crianças que são devolvidas, é o dano existencial, uma vez que a devolução muda
de forma abrupta o cotidiano dessas crianças e adolescentes, que ainda estão em
desenvolvimento. A devolução traz uma mudança no local onde a criança morava,
onde estudava, descansava e tinha os seus momentos de lazer. Essas mudanças
quando impostas a pessoas em fase de desenvolvimento, atingem maiores
proporções.71
Ante exposto, a devolução das crianças adotadas traduz-se em um dano,
além de psicológico, de ordem moral, e também existencial, já que um projeto de
O dano material também é significativo, uma vez que as crianças, quando estão
abrigadas, perdem o conforto material e a chance de um aprendizado de
qualidade que lhe garanta um futuro profissional adequado; diz isto porque se
verifica uma defasagem entre a idade cronológica das crianças abrigadas e a
idade escolar esperada. Isso se dá devido às transferências entre unidades de
abrigos sem se preocupar com a necessidade escolar dos transferidos. 73
72 CASTRO, Flávia Lages. História do Direito: Geral e Brasil. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2014, p. 263.
73 SILVA, Roberto da Silva. Filhos do Governo, a formação da identidade criminosa em crianças
76 REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 101.
77 BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Dano Moral: critérios de fixação de valor. Rio de
Janeiro: Renovar. 2005, p. 132.
78 TJ-MG - AC: 10481120002896002 MG, Relator: Hilda Teixeira da Costa, Data de Julgamento:
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
80 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2011.020805-7, 1ª Câmara Cível, Rel.
Des. Joel Dias Figueira Júnior. Disponível em:
<https://tjsc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20441959/apelacao-civel-ac-208057-sc-2011020805-
7/inteiro-teor-20441960?ref=juris-tabs>. Acesso em: 16 de abril de 2019.
27
REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia. Curso de Direito
da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 4ª ed. rev. e atual. Rio
de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.
28
CASTRO, Flávia Lages. História do Direito: Geral e Brasil. 10ª ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Juris, 2014.
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2014/trabalhos_
12014/SabrinaDAviladaCruz.pdf>. Acesso em: 19 de março de 2019.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 28 ed.
São Paulo: Saraiva, 2013.
NADER, Paulo. Curso de direito civil: direito de família, v 5. 4ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010.
ROCHA, Maria Isabel de Matos et al. Crianças “devolvidas”: quais são seus
direitos? In: Revista de direito privado, São Paulo. n. 2. p. 75 a 113. Abril-julho de
2000.
ROCHA, Maria Isabel de Matos. Crianças devolvidas: os filhos de fato também têm
direito? Reflexões sobre a adoção à brasileira, guardas de fato ou de direito mal
sucedidas. Revista Âmbito Jurídico. Rio Grande, 7, 30.11.2001. Disponível
em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=
5541&revista_caderno =12>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2019.
32
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 5: Responsabilidade Civil. 28. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 10. ed. São Paulo: Atlas,
2010.
WALD, Arnaldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. O Novo Direito de Família. São
Paulo, 2004.
AGRADECIMENTOS