Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Esse artigo objetivou, numa abordagem propositiva, discutir os contornos basilares que delimitam o significado da dignidade humana
no campo jurídico. A revisão empreendida ratificou a conexão entre o senso de moralidade (elaborado socialmente) e os limites do
significado atribuído à dignidade humana. Elege, igualmente, as tensões sociais como elemento catalisador do despertamento da
necessidade de respeito aos direitos humanos, o que culminou em sua positivação. O princípio da dignidade é apresentado com
clareza em relação ao seu objeto (dignidade), todavia, a imprecisão alcança exatamente o sentido da ‘dignidade humana’ frente à
amplitude do ordenamento e a diversidade de situações jurídicas que este alberga. Como resultado de pesquisa, identificou-se a
liberdade como elemento basilar do conceito de dignidade, com os seguintes elementos definidores: identidade (condições de vida
íntima), existência social (condições mínimas para uma convivência saudável em sociedade), autonomia e expressão.
Palavras-chave: dignidade humana – liberdade –direitos humanos.
Abstract
This paper aimed at a purposive approach, discuss the basic contours that define the meaning of human dignity in the legal field. The
review undertaken ratified the connection between the sense of morality (socially produced) and limits the meaning attributed to
human dignity. Also elect social tensions as a catalyst of the awakening of the need to respect human rights, which culminated in his
positivation. The principle of dignity is clearly presented in relation to its object (dignity). However, the imprecision reaches exactly
the meaning of 'human dignity', opposite the amplitude and spatial diversity of legal situations that this is home. As a result of
research, we identified freedom as the core element of the concept of dignity, with the following defining elements: identity
(conditions of intimate life), social life (minimum conditions for healthy living in society), autonomy and expression.
Keywords: human dignity - freedom - human Rights.
1 Introdução
O que hoje se conhece como ‘direitos humanos’ foi concebido historicamente a partir de diferentes
fontes: costumes cristalizados na cultura das massas ao longo das formações sociais, orientação
filosófico–jurídica, concepções de Direito, circunscrições sociopolíticas, instituições ideológicas
edificadas e o próprio advento do cristianismo. (TRINDADE, 2002; DIAS, 2004; JORGE, 2009)
As ideias elaboradas ao longo do tempo convergiram para um ponto fundamental: a necessidade de
impor limites à atuação do Estado e autoridades por ele constituídas, com vistas a coibir práticas
abusivas. Com efeito, os direitos e garantias fundamentais representam a preservação e proteção
necessárias contra o arbítrio abusivo do Estado e de entes nas relações assimétricas de poder.
Inobstante as obras sobre direitos humanos atribuam ênfase ao poder estatal, na verdade, a
concepção reclama ampliação de sua interpretação para alcançar situações sociais, não
incomuns, em que um polo hipossuficiente (pessoa humana) tem seus direitos básicos
desrespeitados. Essa postura hermenêutica cria um universo de abstração amplo e
naturalmente impreciso, de difícil delimitação em face da diversidade de bens jurídicos
tutelados, direta ou indiretamente, pelo Diploma Constitucional. (MORAES, 2003)
Assim, esse artigo tem como objetivo geral, numa abordagem propositiva, discutir os
contornos basilares que delimitam o significado da dignidade humana no campo jurídico,
sem, todavia, esgotá-los.
Nesse intento, definiu-se como problematização norteadora a seguinte questão: o que define
e delimita a dignidade humana?
O advento da Constituição de 1988 consagrou no Brasil a dignidade como imperativo de
conduta social, o que implica afirmar que seus ecos alcançam a totalidade da ordem jurídica.
O ordenamento jurídico brasileiro explora as concepções imanentes a esse princípio sem
haurir as possibilidades de concreção, em virtude do volume possível de situações jurídicas
reais e potenciais abrigadas.
Acredita-se que essa imprecisão decorre da subjetivação que impregna o sentido moral
elaborado pelo indivíduo sobre a dignidade humana.
Os direitos humanos (dentre os quais se destaca aquele a dignidade) são consequência da
moral do sujeito universal e do despertamento para sua necessidade, uma demanda
historicamente relacionada a tensões sociais de diferentes níveis. De fato, a história é fecunda
em fatos provocadores, impulsionando o reconhecimento e atribuição de sentido à dignidade
humana.
Por essa razão, ao longo do trabalho invocou-se dados históricos e leituras contextuais, com o
fito de observar a evolução desses direitos.
Os direitos humanos, tal como se apresentam, formam uma unidade universal, indivisível e
imbricada, em decorrência do grau de inter-relação e interdependência. Por essa esteira,
identifica-se o princípio da dignidade como pedra angular dessa unidade. (TRINDADE, 2002)
A pesquisa empreendida enquadra-se como qualitativa, de natureza eminentemente
bibliográfica, com abordagem exploratório-descritiva, escolhas metodológicas justificadas
pela natureza dos dados analisados e objetivo proposto.
130
2 Referencial teórico
2.1 Princípio da dignidade: objeto e contornos
A dignidade da pessoa humana relaciona-se à existência do ser em sua plenitude e, por essa
razão, condição essencial de vida. Predicado existencial, não corresponde a uma criação
constitucional, posto que, atributo do sujeito, antecede o marco ou qualquer experiência de
caráter especulativo. (GUERRA, EMERIQUE, 2006)
Esse enfoque define a pessoa humana como ente moral dotado, naturalmente, de consciência e
liberdade, apta a realizar escolhas à luz de esquemas mentais próprios, além de viver
solidariamente em sociedade. (BALTHAZAR, STOBE, 2013)
O homem é, portanto, sujeito do discurso e da ação; na verdade, mentor das próprias atitudes,
com predisposição para agir, reagir e abster-se, com poder de realização e reflexão.
(MORAES, 2003; WAGNER, 2006; FERNANDES, 2010; WALKER, 1999; BALTHAZAR,
STOBE, 2013)
A dignidade humana, conceito de elevada carga moral e densidade valorativa, encontra o
senso de solidariedade social quando se verifica o reconhecimento do outro como seu
semelhante, incutindo na relação um comportamento ético e respeitoso. Significa que o
conceito de dignidade aplica-se ao individuo, estendendo-se à coletividade (admissão da
existência social da pessoa humana), o que ratifica sua característica relacional. (PITHAN,
2004; VAZ, 2002; SAMPAIO, 2006; MIR, 2004; WALKER, 1999). Nessa orientação,
Miranda (2006) faz a alusão à expressão dignidade social.
De fato, o cerne do conceito de dignidade compõe-se pela existência e natureza do homem,
coexistência dos seres (repercussão da vida em sociedade) e pela liberdade. (BALTHAZAR,
STOBE, 2013; VASCONCELOS, 2015; BOSCO, 2011; SILVA, 1998; CALIL, 2004)
A noção de dignidade social está presente nas interpretações de passagens bíblicas,
especialmente quando enaltece a misericórdia e indulgência nos relacionamentos entre os
pares (cristãos). A misericórdia reclama tolerância, componente fundamental à harmonia
social, demanda que dialoga com outras enunciadas virtudes, reiteradamente destacadas na
mesma obra.
Ao postular o apelo ao perdão, alguns intérpretes da mensagem do evangelho lançaram uma
reflexão pertinente e atual, que diz respeito à legitimidade da conduta tolerante em
contraponto àquela invasiva, recriminatória (catalisadora do preconceito excludente) e
dogmática, sem acesso a releituras e problematizações ‘multiface’. De fato, o fundamento
fraternal presente no discurso cristão provocou mudanças significativas nas mentalidades da
época. (SCARLET, 2006)
O senso de dignidade humana (individual) impõe o reconhecimento de espaços individuais
invioláveis. A concreção da dignidade social pressupõe o respeito a esses espaços
interpessoais.
132
Por essa esteira, a liberdade impõe-se como um atributo primário intrínseco e essencial à
pessoa, do qual decorrem outros atributos (secundários), aportados para compor o que se
denomina ‘dignidade da pessoa humana’.
O quadro 1 tomou por base a revisão de literatura empreendida, por meio da qual, identificou-
se as expressões mais frequentemente utilizadas pelos autores para definir ‘dignidade’.
A ‘moral social’ é apresentada ao indivíduo no curso das relações sociais, fazendo-o imergir
naquele conjunto de tradições e costumes, influenciando a deliberação de ações cotidianas.
Nesse diapasão, o conceito de moral não tem uma função coercitiva ou restritiva meramente,
mas sim, definidora da formação do indivíduo e da coesão social, visto que alcança em sua
concepção os parâmetros que identificam a dignidade da pessoa sob uma perspectiva coletiva,
baseando-se nos limites de autonomia (racionalidade) e liberdade. (DIAS, 2004; LOPES,
2005; DIAS, 2004)
As representações mentais acerca da moral definem a expectativa de conduta aceita naquele
meio e orientam comportamentos à luz do padrão estabelecido. (SROUR, 2008)
Nessa interpretação da realidade, o conceito de dignidade e moral formam uma identidade.
A liberdade e racionalidade se projetam como elementos fundadores da moral universalmente
válida, sem, contudo, objetar a influência dos costumes e construções sociais específicas de
moralidade. Significa afirmar que existe uma moral universal, abrangente e aterritorial, e
outra numa instância delimitada. (IORIS, 2009)
Essa constatação torna algumas impressões sobre dignidade muito peculiar e contextualizada.
O senso de moral estabelecido constitui a amálgama necessária à coesão dos elementos que
compõem o conceito de dignidade humana e os princípios decorrentes.
A teoria moralista de Perelman vincula os direitos humanos à experiência e consciência moral
da sociedade (espiritus razonables). (MORAES, 2011)
137
Curiosamente, a situação e frustração social instaurada após a 1ª. guerra edificaram as bases
que sustentaram os governos totalitários, dando um falso sentido dogmático às ideias que a
sucederam. Com efeito, a fragilidade decorrente do dano psicológico pós-guerra foi a matéria
prima principal alocada para construção do totalitarismo, que teve como base o cerceamento
da liberdade do indivíduo e a oficialização do dogma racial de Hitler (excludente para os não
arianos, denominados de ‘intrusos biológicos, associais’ e deficientes étnicos). (POOLE,
2007; ISRAEL, 2005; ESCOREL, 1993; OLIVEIRA, 2009)
O nascedouro da Declaração dos Direitos Humanos (multinacional, apátrida, firmada entre os
países) foi exatamente o contraponto a essa prática nociva, intolerante e discriminatória
observada no curso da 2a. guerra mundial.
Ressalte-se, entretanto, que a concepção desses direitos precedeu o advento das guerras
mundiais, evento ápice de tensões sociais.
O quadro descrito culminou na emergência de uma concepção ético-humanística universal e
seu acolhimento pelas constituições nacionais.
O surgimento de movimentos filosóficos, sociais e políticos catalisaram a iniciativa.
(POZZOLI, 2001; BOTAM, ROSADO-NUNES, 2005; TRINDADE, 2002)
A dignidade é, atualmente, o contraponto à patrimonialização normativa, antes observada no
cenário mundial, conferindo relevo à plenitude da existência do ser e seu direito de estar
socialmente.
3 Considerações finais
Referências
KÜNG, Hans. “Uma” ética mundial e responsabilidades globais: duas declarações. São
Paulo: Edições Loyola, 2001.
GARCÍA, Eusébio Fernández. Deignidad humana y ciudadanía cosmopolita. Madrid:
Dykinson, 2001.
ISRAEL, Jean Jacques. Direito das liberdades fundamentais. Baueri, SP: Manole, 2005.
IORIS, Rafael Rossotto. Kant e o paradoxo da liberdade como obrigação moral. In:
FERREIRA, Lier Pires. GUANABARA, Ricardo. JORGE, Vladimyr Lombardo. Curso de
Ciência Política: grandes autores do pensamento político moderno e contemporâneo. Rio de
Janeiro: Elsevier Editora, 2009.
JORGE, Vladimyr Lombardo. John Loke: lei e propriedade. In: FERREIRA, Lier Pires.
GUANABARA, Ricardo. JORGE, Vladimyr Lombardo. Curso de Ciência Política: grandes
autores do pensamento político moderno e contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier Editora,
2009.
GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O princípio da dignidade da pessoa
humana e o mínimo existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, v. 9, p. 379-
97, 2006.
JORGE FILHO, Edgard José. Moral e história em John Locke. São Paulo: Edições Loyola,
1992.
LOPES, Júlio Aurélio Vianna. A invasão do direito: a expansão jurídica sobre o Estado, o
mercado e a moral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
MATALLO Jr, Heitor. A problemática do conhecimento. In: CARVALHO, Maria Cecília
Maringoni de. Construindo o saber – metodologia científica: fundamentos e técnicas.
Campinas, SP: Papirus, 1989.
MIR, Luís. Guerra civil: estado e trauma. São Paulo: Geração editorial, 2004.
MIRANDA, Jorge. Escritos vários sobre direitos fundamentais. Estoril: Princípia editora,
2006.
MONDAINI, Marcio. Direitos humanos no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora
Contexto, 2009.
MORAES, Alexandre. Direitos fundamentais: teoria geral. São Paulo: Atlas, 2011.
145
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
MOREIRA, Carlos. Barbosa. Censura e silenciamento no discurso jornalístico.In: RIBEIRO,
Ana Paula Goulart. FERREIRA, Lúcia Maria Alves (Org). Mídia e memória: a produção de
sentidos nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O direito e o princípio da dignidade da pessoa
humana. Revista de Direito Administrativo, v. 219, p. 237-251, 2000.
OLIVEIRA, Aline Albuquerque S. de. Interface entre bioética e direitos humanos: o conceito
ontológico de dignidade humana e seus desdobramentos. Revista Bioética, v. 15, n. 2, 2009.
PESSINI, Leo. Dignidade humana nos limites da vida: reflexões éticas a partir do caso Terri
Schiavo. Revista Bioética, v. 13, n. 2, 2009.
PITHAN, Lívia Haygert. A dignidade humana como fundamento jurídico das ‘ordens de
não – ressurreição’. Porto Alegre: EDIPUCS, 2004.
POOLE, Hilary et al. Direitos humanos: referências essenciais. São Paulo: EDUSP – Editora
da Universidade de São Paulo, 2007.
POZZOLI, Lafayete. Maritain e o Direito. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
RIBEIRO, Marcus Vinícius. Direitos humanos. São Paulo: Montecristo editora, 2011.
ROCHA, Marco Túlio de Carvalho. O conceito de família e suas implicações jurídicas. São
Paulo: Elsevier Editora Ltda., 2009.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão
social. Revista Interesse Público, v. 4, p. 23-48, 1999.
SAMPAIO, José Adércio Leite. Constituição e crise política. Belo horizonte: Del Rey, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006.
SILVA, José Afonso. A dignidade da pessoa humana com valor supremo da
democracia. Revista de direito administrativo, v. 212, p. 89-94, 1998.
SILVA, Elizabet Leal; ZENNI, Alessandro Severino. Algumas considerações sobre o princípio
da dignidade da pessoa humana. Revista Jurídica Cesumar-Mestrado, v. 9, n. 1, p. 201-222,
2009.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma concepção multicultural dos direitos
humanos. Contexto internacional, v. 23, n. 1, p. 7, 2001.
SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
146