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UBU REI

texto de Alfred Jarry (1873-1907)

1. O início oficial do teatro de vanguarda deu-se em 10 de dezembro de 1896, com a estréia


de Ubu Rei, de Alfred Jarry, no “Teatro de l’Oeuvre” (Teatro da Obra) em Paris. Estréia
equivalente à batalha do Hernani, peça de Vitor Hugo, em 1830, pela Comédie Française,
que contestava os princípios clássicos do teatro francês, instaurando o romantismo.

2. Apesar de Ubu Rei ter estreado no “Teatro de l’Oeuvre”, que era o teatro dos simbolistas,
a peça não tem nada de simbolismo. Jarry mostra uma concepção de teatro bem mais
radical que os simbolistas. Os simbolistas libertaram a cena do compromisso com o
realismo mas, é Jarry quem funda a estética da cena moderna.

3. O título, lembrando vagamente “Édipo Rei”, parecia anunciar uma tragédia


clássica. Realmente, ao levantar-se o pano, os espectadores viram as colunas de
um templo grego, embora com a palavra École (escola) na arquitrave, e um coro
de figurantes mascarados. Acostumados ao estilo declamatório do teatro francês,
esperavam ver o ator principal avançar para a ribalta, pronunciando versos de
Racine (um dos maiores autores clássicos francês). Mas em vez disso, o ator Firmin
Gémier, que interpretava o personagem título, avançou até a ribalta, dirigindo-se à
platéia, e pronunciou a palavra que nunca até então se tinha ouvido num palco:
merdre!. Além do palavrão, um ‘r’ sonoro, mais um sinal de protesto contra a
grafia rotineira. Foi um escândalo!

4. Alfred Jarry nasceu em 1873 e viveu sempre pobre. Recusou todas as


oportunidades, por incapacidade inata de fazer concessões aos hábitos da vida
burguesa e às convenções da vida literária parisiense. Pode-se dizer que Jarry se
suicidou, bebendo sistematicamente, até a idade de 34 anos, quando morreu (1907)
na mesma solidão em que sempre vivera. É indiscutível a importância profunda
que exerceu sobre toda a vanguarda francesa. Desde então, o antiliterato Jarry tem,
paradoxalmente, garantido seu lugar na história da literatura moderna.

5. “Da inutilidade do teatro no teatro” é o título de um artigo escrito por Jarry e


publicado no “Le Mercure de France” em setembro de 1896 (três meses antes da
estréia de Ubu). Este título é uma provocação ao artigo chamado “Da inutilidade
absoluta da cena exata” (exata = realista), escrito pelo simbolista Pierre Quillard.

6. Jarry compôs o texto da peça aos 15 anos de idade, como uma brincadeira escolar,
destinada a ridicularizar um professor de matemática, Heber, que os garotos
costumavam chamar de Père Hébé. O professor/personagem é burlesco, cruel,
covarde, estúpido, infernal. Tiraniza os alunos, assim como é tirânico qualquer
pequeno burguês, quando dispõe de poder sobre outros. É um símbolo social e
uma profecia política. Ubu é o arquétipo dos ditadores cruéis e estúpidos do
século XX. Ubu torna-se rei graças à sua tremenda estupidez, à bestialidade sem
limites, desligada de qualquer vislumbre de consciência.

7. Mas quem é esse Pai Ubu, capitão dos dragões, oficial de confiança do Rei
Venceslau, condecorado com a Ordem da Águia Vermelha da Polônia e antigo rei
1

de Aragão? Pai Ubu, instigado pela mulher, Mãe Ubu, assassina o rei da Polônia e
assume o poder. Usurpado o trono, consente em que o povo deixe de pagar
impostos. Sentindo-se já seguro, permite-se não cumprir a promessa feita ao
amigo fiel, Capitão Bordadura, dizendo: “Agora que não preciso mais dele, ele
pode bem ficar coçando a barriga, que não terá seu ducado”. E passa apenas a
usufruir as vantagens do poder, liquidando a oposição. Mas apesar de todas essas
características, Ubu é contagiante de simpatia, comunicativo , extremamente
“popular”.

8. A genialidade de Jarry faz com que consiga resumir em Ubu Rei toda a literatura
anterior, lançando-o em direção do futuro. Encontram-se na peça, conciliadas, a
epopéia e a paródia, a farsa e a tragédia, o sério e o grotesco, numa espantosa
antevisão de todos os caminhos do teatro moderno.

9. O palco moderno deve essencialmente ao espetáculo simbolista a redescoberta da


teatralidade. A tendência ilusionista, que prevalecia desde o século XVIII,
preocupava-se em antes de mais nada camuflar os instrumentos de produção da
teatralidade, para tornar sua magia mais eficaz. Com a montagem de Ubu Rei
dirigida por Lugné-Poe (1896) a encenação engaja-se numa direção
diametralmente oposta.

10. Para os simbolistas o signo teatral deveria sugerir, fazer sonhar, suscitar uma
participação imaginária do espectador. Mesmo abrindo mão da precisão mimética
do espetáculo naturalista, esse signo não deixava de conservar um significado.
Exemplo: cenários e figurinos que evoquem a Idade Média. Jarry irá muito mais
longe na ruptura com a tradição figurativa ao propor a volta da tabuleta
indicadora do teatro elizabetano, o que significa levar até as últimas conseqüências
a teoria sugestionista da corrente simbolista: a palavra escrita, embora não-
figurativa, tem o mesmo poder de evocação que qualquer tela pintada. Dizer:
“um campo coberto de neve” ou mostrar um cartaz com estas mesmas palavras
escritas, corresponde a oferecer ao espectador o mesmo impulso do imaginário
que ele receberia vendo, por meio de uma tela, da pintura e da iluminação, um
panorama cheio de neve. Mas corresponde a algo mais quando mostra o próprio
instrumento (o cartaz) gerador de seu devaneio. Ou seja, lembrar ao espectador
que mesmo se na sua imaginação ele se transporta para “um campo coberto de
neve”, ele não deixa de assistir a uma representação teatral e de participar dela.

11. O cenário de Ubu Rei foi um precursor do surrealismo: cenário que “pretende
representar o Lugar Algum, com árvores ao pé das camas, com neve branca no céu
azul. Apresentando lareiras dotadas de pêndulos a fim de servir de portas, e
palmeiras no pé das camas, para serem comidas por pequenos elefantes trepados
nas estantes”. Esse cenário resulta de um desejo de provocação, de negação e de
destruição do teatro. Teatro destruído pelo próprio teatro. E quando não existe
mais nada no palco que tenha vestígio da figuração, da verossimilhança, da
coerência, ainda assim existe algo para ser visto: a teatralidade.

12. Jarry inaugura desse modo uma tradição fundamental na história da


encenação moderna. Desde então, o teatro ousa mostrar-se nu. O que lhe garantirá
2

uma grande flexibilidade e liberdade de movimentos. O espaço cênico vai tornar-


se uma área de atuação, onde o ator é um puro instrumento da representação,
renunciando à sua personalidade de ator ou à identidade do seu personagem.

Para substituir a porta da prisão, um ator ficava


parado no palco, com o braço esquerdo estendido.
Eu colocava a chave na sua mão, como se fosse uma
fechadura. Fazia o barulho na lingüeta, crique,
craque, e girava o braço como se estivesse abrindo a
porta. (Firmin Gémier, intérprete de Ubu)

Bibliografia

CARVALHO, Ana Maria Bulhões de. As vanguardas teatrais do século XX. IN, O
teatro através da história. Rio de Janeiro: CCBB, 1994, volume I.

MAGALDI, Sábato. O texto no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1989.

ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral 1880-1980. Rio de


Janeiro: Zahar Editores, 1997.
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1o ATO
UBU REI
ou Os Poloneses
CENA 1
Drama em cinco atos
Pai Ubu, Mãe Ubu
(1896)
de Alfred JARRY
PAI UBU – Merdra!
tradução Ferreira Gullar
MÃE UBU – Que coisa mais engraçada, Pai
Ubu. Tu és um grosso!
PERSONAGENS
Pai Ubu PAI UBU – Mãe Ubu, Mãe Ubu, ainda te mato
Mãe Ubu de pancada!
Capitão Bordadura
Rei Venceslau MÃE UBU – Não é a mim que deves matar,
Rainha Rosamunda mas a outra pessoa.
Boleslau
Ladislau PAI UBU – Juro pelos meus chifres1 que não
estou entendendo!
Bugrelau
General Lascy MÃE UBU – Vais me dizer, agora, que te
Stanislau Sobieski consideras um homem realizado.
Imperador Alexis
Girão PAI UBU – Por meus chifres, merdra
Pila madame, claro que me considero. Ou pelo
Cotica menos, poderia me considerar: capitão de
Conjurados e Soldados Dragões, oficial de confiança do rei Venceslau,
Povo condecorado com a Ordem da Águia Vermelha
Miguel Federovitch da Polônia e antigo rei de Aragão, que queres
Nobres mais?
Magistrados
MÃE UBU – O que?! Depois de teres sido rei
Conselheiros
de Aragão, te dás agora por satisfeito em
Financistas passar em revista cinco dezenas de lacaios
Guardas de Finanças armados de facão de cozinha? Isso quando
Camponeses poderias por em cima da cuca, depois da coroa
Exército Russo de Aragão, a coroa da Polônia!
Exército Polonês
Os Guardas de Mãe Ubu PAI UBU – Não sei aonde pretendes chegar.
Um Capitão
Um Urso MÃE UBU – De burro que és!
O Cavalo de Finanças
A Máquina de Decapitar PAI UBU – Mas por meus chifres, Mãe Ubu, o
rei Venceslau ainda está aí vivinho da silva! E,
A Equipagem mesmo que morra, tem filhos, uma legião de
O Comandante filhos.

1
De par ma chandelle verte é a expressão de Jarry,
intraduzível, referência a uma peça escrita por ele
quando estudante. Essa expressão aparecerá várias
vezes na peça. como uma espécie de idiossincrasia de
Ubu. Pode-se admitir outras intenções de Jarry, como
referência a tenir la chandelle: agir como corno manso.
4

MÃE UBU – E quem te impede de trucidar PAI UBU – Ora, não enche, Mãe Ubu! (Sai
toda a família e usurpar o trono? batendo a porta)

PAI UBU – Escuta aqui, Mãe Ubu: mais um MÃE UBU – Vôtre, merdra, não está fácil
insulto desses e te visto um pijama de madeira. dobrá-lo, merdra, mas tenho certeza que o
conseguirei. Graças a Deus e a mim mesma,
MÃE UBU – Infeliz, se me vestes um pijama dentro talvez de uns oito dias, serei a rainha da
de madeira, quem é que vai remendar teus Polônia.
fundilhos?
CENA 2
PAI UBU – Ih, é mesmo! Mas e daí? Minha Pai Ubu, Mãe Ubu
bunda não é melhor que a dos outros. A cena se passa numa sala da casa de Pai
Ubu onde a mesa está posta para um
MÃE UBU – Pois se essa bunda fosse minha, banquete.
trataria de sentá-la num trono. Poderias
aumentar infinitamente tuas posses, comer MÃE UBU – Nossos convidados estão
lingüiça quando te desse vontade e passar de demorando muito.
coche pelas ruas...
PAI UBU – É mesmo, por meus chifres!
PAI UBU – Se eu fosse rei de novo, mandaria Morro de fome. Estás horrenda, Mãe Ubu.
fazer para mim uma enorme capelina2 igual Será que é por que vamos receber visitas hoje?
àquela que tinha em Aragão e que os vigaristas
dos espanhóis me roubaram descaradamente. MÃE UBU (Dando de ombros) – Merdra!

MÃE UBU – Poderias comprar um guarda- PAI UBU (Pegando um frango assado) –
chuva e uma japona comprida até os Puxa, que fome! Vou dar uma dentada nesse
calcanhares. bicho. Parece frango. Não está mal.

PAI UBU – Entrego os pontos, não resisto à MÃE UBU – Que estás fazendo, desgraçado?
tentação. Aquele velhaco de merdra, merdra de Que é que os convidados vão comer?
velhaco, se o pegasse sozinho num bosque, ah,
ele passaria um mau quarto de hora! PAI UBU – Sobrará bastante para eles. Não
tocarei em mais nada. Mãe Ubu, dá uma
MÃE UBU – Isso sim, Pai Ubu, agora falas espiada pela janela, vê se já estão chegando.
como um homem de verdade!
MÃE UBU (Chegando à janela) – Nem sinal.
PAI UBU – Não, não dá pé! Eu, capitão de (Enquanto isso, Pai Ubu rouba um pedaço de
Dragões, matar o rei da Polônia? Antes a vitela) Enfim o capitão Bordadura3 e seus
morte! companheiros! Que estás comendo aí, Pai
Ubu?
MÃE UBU (à parte) – Que merdra! (alto)
Desse jeito vais continuar miserável como um PAI UBU – Eu? Nada, um pedacinho de
rato. vitela.

PAI UBU - Pela pança de Deus, por meus MÃE UBU – Meu Deus, a vitela! A vitela! Ele
chifres, prefiro ser um miserável rato, magro comeu a vitela! Socorro!
mas bonzinho, do que ser rico como um rato
gordo e malvado. PAI UBU – Juro por meus chifres, que vou te
arrancar os olhos!
MÃE UBU – E a capelina, Pai Ubu? E o
guarda chuva? E a japona? (Abre-se a porta)
CENA 3

2 3
Capelina – peça da armadura usada para proteger a Bordadura, Bordure. Termo de Heráldica: faixa estreita
cabeça na Idade Média. que contorna o escudo.
5

Pai Ubu, Mãe Ubu, Capitão Bordadura e MÃE UBU – Cambada de judeus, que querem
seus companheiros mais?

MÃE UBU – Bom dia, senhores, já estávamos PAI UBU (Batendo na testa) – Tenho uma
impacientes. Sentem-se por favor. idéia. Volto já. (Sai)

BORDADURA – Bom dia, madame. Mas MÃE UBU – Senhores, vamos à vitela.
onde está Pai Ubu?
BORDADURA – Deliciosa, já terminei.
PAI UBU – Aqui mesmo, meu caro. Credo em
cruz, por meus chifres, até que não sou tão MÃE UBU – Agora, aos sobrecus.
magro assim.
BORDADURA – Um sabor requintado! Viva
BORDADURA – Bom dia, Pai Ubu. Sentem- Mãe Ubu!
se, rapazes. (Sentam-se todos)
TODOS – Viva Mãe Ubu!
PAI UBU – Êta, um pouco mais e a cadeira
desmanchava. PAI UBU (de volta) – Daqui a pouco, estarão
gritando viva Pai Ubu. (Traz uma enorme
BORDADURA – Mas, Mãe Ubu, o que é que vassoura que sacode sobre a mesa do
você tem de bom pra nós? banquete)

MÃE UBU – Ouçam o menu. MÃE UBU – Que está fazendo, miserável?

PAI UBU – Oba, isso me interessa. PAI UBU – Provem, provem. (Vários provam
e caem envenenados) Mãe Ubu, passe-me as
MÃE UBU – Sopa polonesa, costelas de costeletas de ratrão, que eu mesmo sirvo.
ratrão4, vitela, frango, pâté de cachorro,
sobrecu de peru, compota russa... MÃE UBU – Toma.

PAI UBU – Suponho que seja o bastante. Ou PAI UBU – Pra fora, todo mundo! Capitão
ainda há mais? Bordadura, quero falar com você.

MÃE UBU – Bomba, salada, frutas, carne OS OUTROS – Mas ainda não comemos.
cozida, topinambor, couve-flor à la merdra.
PAI UBU – Como não comeram?! Pra fora
PAI UBU – Ei, você pensa que eu sou um todos! Bordadura, você fica. (Ninguém se
paxá para arcar com tamanha despesa? move)

MÃE UBU – Não liguem, ele é um imbecil. PAI UBU – Não vão embora, é? Juro por
meus chifres que vou rebentá-los a golpes de
PAI UBU – Espera aí que eu vou afiar meus costeleta de ratrão (Começa a jogar as
dentes nas tuas canelas. costeletas neles)

MÃE UBU – Come primeiro, Pai Ubu. É a TODOS – Pára com isso! Socorro! Ajudem-
sopa. nos! Desgraça! Ele me mata!

PAI UBU – Ai, velhaca! Que troço ruim! PAI UBU – Merdra, merdra, merdra. Rua!
Estou no meu papel.
BORDADURA – Realmente, não está bom.
TODOS – Salve-se quem puder! Pai Ubu
miserável! Tarado! Traidor! Tratante!
PAI UBU – Enfim, se foram! Agora posso
4
Côtes de rastron. Nossa tradução é arbitrária em sua respirar, mas comi muito mal. Vem cá,
referência a rato. A expressão de Jarry alude Bordadura. (Saem os dois com Mãe Ubu)
possivelmente a um colega de ginásio.
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CENA 5
CENA 4 Pai Ubu, Mãe Ubu, um mensageiro
Pai Ubu, Mãe Ubu, Capitão Bordadura
PAI UBU – Que deseja o senhor? Vá-se
PAI UBU – E então capitão, comeu bem? embora e não chateie.

BORDADURA – Sim, bem, menos a merdra. MENSAGEIRO – Senhor, o rei manda


chamá-lo. (Sai)
PAI UBU – Ué, até que a merdra não estava
ruim. PAI UBU – Que merdra! Jarnicotonbleu5, por
meus chifres, fui descoberto, vou ser
BORDADURA – Gosto não se discute. decapitado, ai meu Deus, coitado de mim!

PAI UBU – Capitão Bordadura, estou disposto MÃE UBU – Que homem frouxo! E o tempo
a fazê-lo Duque de Lituânia. urge.

BORDADURA – Mas como? Julgava que o PAI UBU – Ah, já sei: vou dizer que foi coisa
senhor estivesse na... merdra, Pai Ubu. de Mãe Ubu e de Bordadura.

PAI UBU – Modéstia à parte, capitão, dentro MÃE UBU – Ah, seu grande PU, se tu te
de alguns dias reinarei sobre a Polônia. atreveres...

BORDADURA – Vai matar Venceslau? PAI UBU – Se me atrevo? Eu vou agora


mesmo. (Sai)
PAI UBU – Até que esse velhaco não é de
todo burro, adivinhou. MÃE UBU (Correndo atrás dele) – Pai Ubu,
Pai Ubu, vem cá! Te dou lingüiça, Pai Ubu
BORDADURA – Se se trata de matar (Ela sai)
Venceslau, pode contar comigo. Sou seu
inimigo mortal e respondo por seus homens. PAI UBU (Fora de cena) – Vai à merdra! Não
vai mais botar banca comigo, sua lingüiça!
PAI UBU (Jogando-se sobre ele para abraçá-
lo) – Ah, como gosto de você, Bordadura! CENA 6
Palácio do Rei
BORDADURA – Não, Pai Ubu, você fede Rei Venceslau, rodeado de oficiais,
demais. Nossa mãe! Nunca toma banho? Bordadura, os filhos do rei: Boleslau,
Ladislau e Bugrelau. Depois Pai Ubu.
PAI UBU – Raramente. PAI UBU (Entrando) – Sabeis muito bem que
não tenho nada a ver com isso. Foi Mãe Ubu e
MÃE UBU – Nunca. Bordadura.

PAI UBU – Piso teu pé, ouviu? REI – Que há contigo, Pai Ubu?

MÃE UBU – Merdralhão!


5
PAI UBU – Bem, Bordadura, estamos Jarnicotonbleu – jarni, espécie de juramento que os
autores cômicos franceses punham na boca dos
acertados. Pode ir. Juro por meus chifres, pela
camponeses, corruptela da expressão je rénie (eu
Mãe Ubu, que farei de você Duque de renego) acrescida da palavra bleu por dieu. Henrique IV
Lituânia. tinha a mania de exclamar a todo momento jarnidieu
(renego Deus). Seu professor, o Padre Coton, mostrou-
MÃE UBU – Mas... lhe a inconveniência da expressão, pedindo-lhe que
passasse a exclamar jarnicoton (renego Coton). Jarry
PAI UBU – Cala essa boca, meu anjo... coloca ao final a palavra bleu – jarnicotonbleu –
(Saem) reafirmando a heresia que o padre Coton quis evitar e
fazendo alusão a Cordon Bleu, célebre ordem de
Cavalaria.
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BORDADURA – Bebeu demais. CENA 7


Casa de Pai Ubu
REI – Como eu, esta manhã. Girão, Pila, Cotica, Pai Ubu, Mãe Ubu,
conspiradores e soldados, Capitão
PAI UBU – É, estou um pouco tonto, abusei Bordadura.
do vinho francês.
PAI UBU – Caros amigos, já é tempo de
REI – Pai Ubu, quero recompensar-te pelos estabelecermos o plano da conspiração. Cada
incontáveis serviços que prestaste como um deve dar sua opinião. Darei a minha
capitão de Dragões, fazendo-te hoje mesmo primeiro, se os senhores permitirem.
conde Sendomir.
BORDADURA – Fale, Pai Ubu.
PAI UBU – Majestade, não sei como
agradecer-vos. PAI UBU – Pois bem, meus amigos, sou de
opinião que se deve simplesmente envenenar o
REI – Nada tens que agradecer, Pai Ubu, e rei, misturando-lhe arsênico na comida.
estejas amanhã de manhã na solenidade de Quando se empanturrar, cairá morto, e eu me
revista às tropas. tornarei rei da Polônia.

PAI UBU – Lá estarei, mas aceite, por favor, TODOS – Assim também não, é muita
esta flautinha de presente. (Mostra ao rei uma sordidez!
flauta)
PAI UBU – Ué, não gostaram? Então que
REI - Que vou fazer com uma flauta, Pai Ubu? opine o Bordadura.
Darei a Bugrelau.
BORDADURA – Na minha opinião, devemos
BUGRELAU – Esse Pai Ubu é um boboca. matá-lo com um golpe de espada que o abra ao
meio, da cabeça à cintura.
PAI UBU – E agora me arranco... (Cai, ao se
voltar) Ui, ai! Socorro! Por meus chifres! TODOS – Muito bem! Isso é agir com
Acho que rompi os intestinos e quebrei a nobreza e bravura.
bunda!
PAI UBU – E se ele cair de pontapés em
REI (Levantando-o) – Estás machucado, Pai vocês? Estou me lembrando agora que para
Ubu? passar em revista as tropas, ele usa uns sapatos
de ferro que podem fazer estrago na canela
PAI UBU – Creio que sim, majestade, vou dum. Eu devia era denunciar vocês todos para
morrer na certa. Que vai ser de Mãe Ubu? me safar desse negócio sujo, e estou certo de
que o rei ainda me daria dinheiro por isso.
REI – Não se preocupe, o sustento dela está
assegurado, Pai Ubu. MÃE UBU – Traidor, covarde, vilão, sórdido
interesseiro!
PAI UBU – Sois a bondade em pessoa.
(Venceslau sai) É, rei Venceslau, mas nem por TODOS – Vamos cuspir nele, pessoal!
isso escaparás da morte.
PAI UBU – Calma, senhores, muita calma, se
não queren visitar meu papo6. Está bem,

6
Traduzimos mes poches por meu papo, que é uma das
acepções da palavra. É preciso ter sempre em mente
que Pai Ubu não é propriamente um homem, mas um se
monstruoso, pré-humano (Ubu vem de Ybex, morcego, e
de Hibou, mocho). A palavra poche (bolso, papo) guarda
na língua original sua dupla significação já que Ubu traz
sempre seu “bastão de física” metido no bolso, conforme
as indicações e os desenhos de Jarry.
8

consinto em me expor a todos os riscos por RAINHA – Em compensação, Venceslau, não


vocês. Sendo assim, Bordadura, tu te tereis lá bastante gente de vossa família para
encarregas de abrir o rei ao meio. vos defender.

BORDADURA – Não seria melhor nos REI – Senhora, jamais volto atrás em minha
jogarmos todos ao mesmo tempo em cima palavra. Vossas tolices me aborrecem.
dele, berrando e lhe dando dentadas? Assim,
seria mais fácil de arrastar conosco as tropas. BUGRELAU – Senhor meu pai, submeto-me
às vossas ordens.
PAI UBU – Está bem. Eu me encarrego de
pisar o pé dele. Vai achar ruim e então eu lhe RAINHA – Quer dizer, Senhor, que estais
responderei: MERDRA – e essa será a senha mesmo disposto a ir a essa cerimônia?
para que vocês ataquem.
REI – Por que não?
MÃE UBU – Sim, e logo que ele esteja morto,
pegarás o cetro e a coroa. RAINHA – Não vos contei o outro sonho que
tive em que éreis trucidado e jogado no
BORDADURA – E eu então sairei com meus Vístula? E que uma águia igual à que figura
homens em perseguição à família real. nas armas da Polônia colocava a coroa na
cabeça dele?
PAI UBU – Certo, e te recomendo
especialmente o jovem Bugrelau. (Saem) REI – Dele quem?

PAI UBU (Correndo atrás deles e fazendo-os RAINHA – Pai Ubu.


voltar) – Senhores, esquecemos uma cerimônia
indispensável. Temos de jurar que todos nós REI – Que loucura! O senhor Ubu é um
lutaremos com desprendimento. fidalgo muito digno que obedece cegamente às
minhas ordens.
BORDADURA – Como vamos fazer o
juramento se não há um padre aqui? RAINHA e BUGRELAU – Quanto equívoco!

PAI UBU – Mãe Ubu farás as vezes do padre. REI – Cala essa boca, jovem porcalhão.
Quanto à senhora, para vos mostrar quão
TODOS – Bem, vá lá. pouco temo o senhor Ubu, irei à revista das
tropas como estou aqui, sem armas e sem
PAI UBU – Juram que matarão o rei? espada.

TODOS – Juramos. Viva Pai Ubu! RAINHA – Fatal imprudência, não tornarei a
vê-lo vivo.
2º ATO
REI – Ladislau, Boleslau, vinde comigo.
CENA 1
Palácio do Rei. (Saem. A Rainha e Bugrelau vão até a janela)
Venceslau, a rainha Rosamunda, Ladislau e
Bugrelau. RAINHA E BUGRELAU – Que Deus os
guarde e o grande São Nicolau.
REI – Senhor Bugrelau, foi muito
RAINHA – Bugrelau, vem comigo à capela.
impertinente a maneira como vos comportastes
esta manhã com o senhor Ubu, cavaleiro de Vamos rezar por teu pai e teus irmãos.
minhas Ordens e conde de Sendomir. Por essa
razão, proíbo-vos de comparecer, hoje, à
cerimônia de revista às tropas.
9

CENA 2 BUGRELAU – Claro. A senhora não tinha


Pátio de revistas. motivo algum para preocupar-se.
Exército polonês, Rei, Boleslau, Ladislau,
Pai Ubu, Capitão Bordadura e seus homens, (Vem de fora uma zoada assustadora)
Girão, Pila, Cotica7
BUGRELAU – Veja! Pai Ubu e seus homens
REI – Nobre Pai Ubu, acompanhai-me com perseguem meus dois irmãos.
vossa comitiva para inspecionarmos as tropas.
RAINHA – Deus do Céu! Virgem Santa, vão
PAI UBU - (aos seus) Atenção, vocês aí. (ao alcançá-los!
Rei) Vamos, majestade, vamos. (Os homens de
Ubu cercam o Rei) BUGRELAU – O exército inteiro acompanha
Pai Ubu. O rei não está mais lá. Que desgraça!
REI – Este é o regimento de guardas montados Socorro!
de Dantzick. Uma tropa exemplar, na minha
opinião. RAINHA – Mataram Boleslau! Uma bala o
atingiu.
PAI UBU – O senhor acha? Pois me parecem
mendigos. Olhe aquele ali. (ao soldado) Seu BUGRELAU – Ladislau! (Ele se volta)
tratante, há quanto tempo não fazes a barba? Coragem, defende-te!

REI – Mas esse soldado está impecável. Que RAINHA – Oh! Ele está cercado.
há com o senhor, Pai Ubu?
BUGRELAU – Veja! Bordadura acaba de
PAI UBU – Isto! (Pisa-lhe o pé) cortá-lo em dois feito uma salsicha.

REI – Miserável! RAINHA – Pobre de mim! Os rebeldes


invadem o palácio, sobem as escadas.
PAI UBU – MERDRA! Soldados, comigo!
(O tumulto aumenta)
BORDADURA – Hurrah! Avançar! (Todos
atacam o rei, um Palhadino8 se exalta) RAINHA e BUGRELAU – Deus do céu,
defendei-nos!
REI – Ai, Socorro! Santa Virgem, estou
morrendo. BUGRELAU – Arre, Pai Ubu! Se eu pegasse
esse miserável...
BOLESLAU – (a Ladislau) Que se passa?
Lutemos. CENA 4
Os mesmos. A porta é arrombada. Pai Ubu
PAI UBU – É minha, a coroa! Agora, os entra seguido dos sublevados.
outros!
PAI UBU – Bugrelau, que pretendes fazer
BORDADURA – Abaixo os traidores! (Os agora?
filhos fogem, todos os perseguem)
BUGRELAU – Juro que defenderei minha
CENA 3 mãe até à morte! O primeiro que der um passo
A Rainha e Bugrelau. à frente morrerá!

RAINHA – Vejo que meus temores eram PAI UBU – Bordadura, Bordadura, estou com
infundados. medo! Quero ir embora.

UM SOLDADO (Avança) – Entrega-te,


Bugrelau!
7
Giron, Pile, Cotice são termos de Heráldica. BUGRELAU – Toma, atrevido! É o que
8
Palotin. Montagem jarriniana da palavra palatin mereces! (Parte-lhe o crânio)
(paladino) com palot (boçal).
10

BUGRELAU – É por culpa de quem, meu


RAINHA – Boa, Bugrelau, isso mesmo! Deus? De quem? Desse abjeto Pai Ubu,
aventureiro saído não se sabe de onde, crápula
VÁRIOS AVANÇAM – Bugrelau, dos mais vis, mísero vagabundo! E quando
prometemos poupar-te a vida. penso que meu pai o condecorou e fez dele
conde e que, no dia seguinte, esse bandido não
BUGRELAU – Bandidos, beberrões, teve pejo de erguer o braço contra ele.
mercenários sórdidos!
RAINHA – Oh, Bugrelau! Quando me lembro
(Gira a espada em torno, provocando um o quanto éramos felizes antes da chegada de
massacre) Pai Ubu! Mas agora, ai de mim, tudo mudou!

PAI UBU – Nossa! Vou me arrancar daqui de BUGRELAU – Calma. Tenhamos esperança e
qualquer jeito. não renunciemos jamais aos nossos direitos.

BUGRELAU – Foge, mãe, sai pela escada RAINHA – É o que deves fazer, meu caro
secreta. filho, mas para mim está tudo terminado, não
verei um novo dia de felicidade.
RAINHA – E tu, meu filho, e tu?
BUGRELAU – Mãe, que tens? Ela
BUGRELAU – Irei já. empalidece, desmaia, socorro! Mas estou num
deserto! Oh, meu Deus, o coração dela parou
PAI UBU – Peguem a rainha, ela está fugindo. de bater. Está morta. Será possível? Mais uma
Quanto a ti, miserável! (Avança para vítima de Pai Ubu. (Esconde o rosto nas mãos
Bugrelau) e chora) Oh, Deus, como é terrível se ver
sozinho aos quatorze anos e tendo sobre os
BUGRELAU – Deus é grande! Agora me ombros o encargo de uma terrível vingança!
vingo! (Descose-lhe a barriga com terrível
golpe de espada) Estou indo, mãe! (Cai em profunda prostração. Enquanto isso,
(Desaparece pela escada secreta) as almas de Venceslau, Boleslau, Ladislau e
Rosamunda, seguidas de seus ancestrais,
CENA 5 entram na caverna. O mais velho se aproxima
Uma caverna nas montanhas. de Bugrelau e o chama docemente)
Bugrelau entra seguido da rainha.
BUGRELAU – Que vejo? Minha família
BUGRELAU – Aqui estaremos seguros. inteira, meus ancestrais... É um milagre!

RAINHA – Creio que sim. Bugrelau, ajuda- SOMBRA – Bugrelau, quando vivo fui o
me. (Ela cai na neve) Senhor Mathias de Konigsberg, o primeiro rei
e o fundador de nossa Casa. Confio-te a missão
BUGRELAU – Mãe, estás te sentindo mal? de nos vingar. (Entrega-lhe uma enorme
espada) E que esta espada que te entrego não
RAINHA – Estou muito doente. Não terei tenha repouso enquanto viver o usurpador.
mais que duas horas de vida.
(Todos desaparecem e Bugrelau fica só em
BUGRELAU – Que estás sentindo, mãe? Terá atitude de transe)
sido o frio?
CENA 6
RAINHA – Como queres que eu resista a Palácio do Rei.
tantos golpes? O rei assassinado, nossa família Pai Ubu, Mãe Ubu e Capitão Bordadura
destruída, e tu, representante da mais nobre
raça que já empunhou uma espada, forçado a PAI UBU – Não, nem um tostão! Queres me
se esconder nas montanhas como um bandido. arruinar por causa desses idiotas?
11

BORDADURA – Entenda, Pai Ubu, o povo BORDADURA – Mãe Ubu, veja como eles
espera algo de bom, um gesto generoso. disputam o ouro. É uma verdadeira batalha.

MÃE UBU - Ou mandas dar carne e ouro ao MÃE UBU - Coisa horrível. Veja aquele lá
povo, agora, ou estarás deposto em menos de com o crânio partido.
duas horas.
PAI UBU – Que espetáculo maravilhoso!
PAI UBU – Carne, sim! Ouro não! Abatam Tragam mais caixas de ouro, tragam.
três cavalos velhos, e esses berdas-merdras que
se dêem por muito satisfeitos. BORDADURA – E se promovêssemos uma
disputa?
MÃE UBU - O principal berda-merdra aqui
és tu mesmo. Como pode existir, meu Deus, PAI UBU – Boa idéia. Uma corrida. (Ao povo)
semelhante besta? Amigos, aqui está uma caixa cheia de ouro.
Ela contém trezentos mil nobres-da-rosa em
PAI UBU – Escutem mais uma vez: quero ouro, moeda polonesa de bom quilate. Os que
ficar rico, entenderam? Não soltarei um desejarem participar da disputa coloquem-se
vintém. no fim do pátio. Quando eu der o sinal com o
lenço, comecem a correr, e quem chegar
MÃE UBU - Isso quando temos nas mãos primeiro ganhará a caixa de ouro. Quanto aos
todos os tesouros da Polônia. demais, terão como consolação esta outra caixa
que será dividida entre todos.
BORDADURA – É verdade. Sei de um
imenso tesouro que há na capela. Vamos TODOS – Viva Pai Ubu! Rei bom está aí! No
distribuí-lo ao povo. tempo de Venceslau, a gente não ganhava
tanto dinheiro.
PAI UBU – Ah, miserável, se fizeres isso!
PAI UBU (à Mãe Ubu, entusiasmado) – Ouve
BORDADURA – Mas, Pai Ubu, se não dás o que eles dizem!
nada ao povo, ele não pagará os impostos. (Todo o povo vai se colocar no fundo do pátio)
PAI UBU – Isso é verdade?
PAI UBU – Um, dois, três. Todos a postos?
MÃE UBU - Mas claro!
TODOS – Sim, sim!
PAI UBU – Neste caso, topo tudo. Tragam
quatro milhões em moeda, cozinhem cento e PAI UBU – Já!
cinqüenta bois e carneiros. Quanto mais
comida melhor, sobrará pra mim também. (Partem uns tentando derrubar os outros.
(Saem) Gritos e tumulto)

CENA 7 BORDADURA – Estão chegando! Estão


Pátio do palácio cheio de gente do povo. Pai chegando!
Ubu coroado, Mãe Ubu, Bordadura, criados
carregados de carne. PAI UBU – Ei! O primeiro homem está
perdendo terreno.
POVO – Olha lá o rei! Viva o rei! Vivaaaa!
MÃE UBU – Não, ele reage agora.
PAI UBU (Jogando ouro) – Tomem, é pra
todos. Não acho nenhuma graça em dar meu BORDADURA – Ih, vai perder, vai perder!
ouro a vocês mas, sabem como é, Mãe Ubu Pronto, venceu o outro!
quis dar. Prometam, pelo menos, que pagarão
os impostos. (O que estava em segundo lugar vence a
corrida)
TODOS – Pagaremos! Pagaremos!
12

TODOS – Viva Miguel Federóvitch! Viva PAI UBU – Por favor, não me fales desse
Miguel Federóvitch! idiota. Já não preciso dele pra nada, vai ficar
chupando o dedo, não lhe darei ducado algum.
MIGUEL – Senhor, não sei como agradecer a
Vossa Majestade... MÃE UBU – Cometes um erro, Pai Ubu. Ele
se voltará contra ti.
PAI UBU – Ora, meu amigo, não tem de que.
Leva tua caixa de ouro pra casa, Miguel. E PAI UBU – E eu vou chorar por isso! Esse
vocês, dividam esta outra, cada um tira uma pobre diabo me preocupa tanto quanto
moeda de cada vez, até acabar. Bugrelau.

TODOS - Viva Miguel Federóvitch! Viva Pai MÃE UBU – E pensas que já liquidaste
Ubu! Bugrelau?

PAI UBU – E agora, meus amigos, vamos PAI UBU – Claro que sim, espada-de-
comer! Abro-lhes as portas do palácio, façam o finanças! Que poderá fazer contra mim um
favor de ocupar seus lugares à minha mesa! bostinha de quatorze anos?

POVO – Entra, pessoal, entra! Viva Pai Ubu! MÃE UBU – Ouve o que te digo. Trata de
Viva o mais nobre dos soberanos! atrair Bugrelau para o teu lado.

(Entram no palácio. Ouve-se o barulho da PAI UBU – Dar mais dinheiro ainda? Essa
orgia que se prolonga até o dia seguinte. Cai o não. Basta os vinte e dois milhões que me
pano) fizeste desperdiçar.

3º ATO MÃE UBU – Bem, faz o que te der na veneta,


mas ele acabará te jantando, Pai Ubu.
CENA 1 PAI UBU – Ótimo! Estarás comigo na mesma
No Palácio. Pai Ubu, Mãe Ubu. panela.
PAI UBU – Pelos meus chifres, assim como MÃE UBU – Escutas uma vez mais: estou
me vês, sou o rei deste país! Já me permiti uma convencida de que Bugrelau vai terminar
indigestão e estou esperando chegar minha
ganhando a parada, pois tem de seu lado o
grande capelina. direito legítimo.
MÃE UBU – De que mandaste fazê-la? Não é
PAI UBU – Ah, vigarice! E o direito ilegítimo
por sermos reis, que vamos agora esbanjar não vale o legítimo? Tu me insultas, Mãe Ubu,
dinheiro. vou te fazer em pedaços. (Mãe Ubu foge
perseguida por Pai Ubu.)
PAI UBU – Minha cara senhora, mandei fazer
a capelina em couro de carneiro com presilha
CENA 2
e bridas em couro de cão.
Salão do palácio
Pai Ubu, Mãe Ubu, oficiais e soldados,
MÃE UBU – Deve ficar bonito, mas nada é
Girão cotica, nobres algemados, financistas,
mais bonito do que a gente ser rei!
magistrados, tabeliões.
PAI UBU - Tinhas toda a razão, Mãe Ubu.
PAI UBU – Tragam o tambor-dos-nobres e o
MÃE UBU – Temos uma dívida de gratidão
gancho-dos-nobres e o cutelo-dos-nobres e o
para com o Duque de Lituânia.
livro-dos-nobres!9 Em seguida, façam entrar os
nobres.
PAI UBU – Com quem?

MÃE UBU – Ué, com o capitão Bordadura. 9


Uma das “violências” do universo verbal de Jarry é
essa sarcástica atribuição de especialidade a cada
instrumento. Assim, se o tambor que anuncia os nobres
13

MÃE UBU – Moderação, Pai Ubu, por favor. NOBRE – Príncipe de Podolia.

PAI UBU – Tenho a honra de vos anunciar PAI UBU – Quais são tuas rendas?
que, para enriquecer o reino, vou mandar
liquidar todos os nobres e confiscar-lhes os NOBRE – Estou arruinado.
bens.
PAI UBU – Por causa dessa frase
NOBRES – Horror! Povo, soldados, desagradável irás para o alçapão, vá! Quinto
sublevemo-nos! nobre, quem és tu?

PAI UBU – Tragam o primeiro nobre e me NOBRE – Margrave de Thorn, paladino de


passem aqui o gancho-dos-nobres. Os que Polock.
forem condenados à morte serão jogados no
alçapão, cairão no subsolo do Chucha-Porco e PAI UBU – É muito pouco. Não tens mais
no Tribunal dos Vinténs, onde se lhes nada?
rebentarão os miolos. (Ao nobre) Quem és tu
idiota? NOBRE – Isso me bastava.

NOBRE – Conde de Vitepsk. PAI UBU – Claro, antes pouco do que nada.
Alçapão! Estás querendo tirar uma casquinha,
PAI UBU – A quanto montam tuas rendas? Mãe Ubu?

NOBRE – Três milhões de rixdales. MÃE UBU – És cruel demais, Pai Ubu.

PAI UBU – Condenado! (Prende-o no gancho PAI UBU – Oba! Estou rico. Vou mandar ler a
e puxa-o para o alçapão) lista de Meus bens. Tabelião, a lista de Meus
bens.
MÃE UBU – Que ferocidade bestial!
TABELIÃO – Condado de Sendomir.
PAI UBU – Segundo nobre, quem és tu? (O
nobre não responde). Não vais responder, PAI UBU – Comece pelos principados, seu
idiotra? estúpido!

NOBRE – Grão-Duque de Posen. TABELIÃO – Principado de Podolia, grão-


ducado de Posen, ducado de Courlande,
PAI UBU – Excelente! Excelente! Não condado de Sendomir, condado de Vitepsky,
percamos tempo. Alçapão com ele. Terceiro palatinado de Polock, margraviato de Thorn.
nobre, quem és? Tens uma cara desonesta.
PAI UBU – E que mais?
NOBRE – Duque de Courlande, das cidades
de Riga, Revel e Mitau. TABELIÃO – Acabou
PAI UBU – Muito bem! Muito bem! Possuis
mais alguma coisa? PAI UBU – Como acabou?! Bem, então,
avancem os nobres, e como não vou mesmo
NOBRE – Nada. parar de enriquecer, mandarei executar todos
os nobres, e assim ficarei com seus bens.
PAI UBU – Para o alçapão, então. Quarto Vamos joguem os nobres no alçapão. (Os
nobre, quem és? nobres são empilhados no alçapão)

PAI UBU – Depressa, que eu agora quero


é o tambor-dos-nobres, o gancho que Pai Ubu usará legislar.
para arrastá-los até o alçapão é o gancho-dos-nobres e
o cutelo que os decapitará é o cutelo-dos-nobres. VÁRIOS – Vamos ver isso.
Adiante teremos a espada-de-cortar-merdra, a tesoura-
de-cortar-orrelhas, a faca-de-cortar-cara etc.
14

PAI UBU – Vou primeiro reforçar a Justiça, PRIMEIRO FINANCISTA – Mas isso não
após o que cuidaremos das finanças. faz sentido, Pai Ubu.

VÁRIOS JUÍZES – Somos contra qualquer SEGUNDO FINANCISTA – É um absurdo.


modificação.
TERCEIRO FINANCISTA – Não tem pé
PAI UBU – Merdra. Primeiro ponto: os juizes nem cabeça.
não receberão mais nenhum provento.
PAI UBU – Vocês estão querendo me gozar.
JUÍZES – E de que vamos viver? Somos Ao alçapão, todos os financistas! (Agarram os
pobres. financistas).

PAI UBU – Recebereis as multas que MÃE UBU – Afinal de contas que espécie de
impuserdes e herdareis os bens dos rei és tu, Pai Ubu, que só sabes matar todo
condenados à morte. mundo!

UM JUIZ – Ignomínia! PAI UBU – À merdra!

SEGUNDO JUIZ – Infâmia! MÃE UBU – Quanto mais justiça, mais


dinheiro.
TERCEIRO JUIZ - Escândalo!
PAI UBU – Não te preocupes, meu anjo, que
QUARTO JUIZ – Indignidade! eu mesmo irei recolher os impostos, de
povoado em povoado.
TODOS – Recusamo-nos a julgar em
semelhantes condições. CENA 3
Casa de camponeses nas cercanias de
PAI UBU – Joguem os juizes no alçapão. Varsóvia.Vários camponeses reunidos.
(Eles se debatem inutilmente)
UM CAMPONÊS - Ouçam o que aconteceu.
MÃE UBU – Que diabos estás fazendo, Pai O rei está morto, os duques também e o jovem
Ubu? Quem vai agora ministrar a justiça? Bugrelau fugiu com a mãe para as montanhas.
Pai Ubu se apossou do trono.
PAI UBU – Ora, quem! Eu. E verás como tudo
caminhará bem. OUTRO CAMPONÊS – Tenho mais notícias.
Venho de Cracovia, onde vi transportarem os
MÃE UBU – Sim, com isenção total! corpos de trezentos nobres e quinhentos juizes
que foram executados. Parece que vão dobrar
PAI UBU – Vamos, cala-te, idiotra. Agora, os impostos e que Pai Ubu virá recolhê-los
senhores, trataremos das finanças. pessoalmente.

FINANCISTAS – Não há o que mudar. TODOS – Deus do céu! Que vai ser de nós?
Pai Ubu é um crápula e dizem que sua mulher
PAI UBU – Como não há, se eu quero mudar é realmente abominável.
tudo? De saída, reservarei para mim a metade
dos impostos. UM CAMPONÊS – Escutem: parece que
FINANCISTAS - Ora, não se acanhe! estão batendo.

PAI UBU – Senhores, estabeleceremos um UMA VOZ (De fora) – Cornupapança10!


imposto de dez por cento sobre a propriedade, Abram em nome de minha merdra, por São
outro sobre o comércio, um terceiro sobre os
casamentos e um quarto sobre os óbitos, de
quinze francos cada um. 10 Cornegidouille, palavra inventada por Jarry para

expressar as três partes do poder de Ubu: cabeça,


coração e ventre, sendo que, nele, só o ventre não se
encontra em estado embrionário. Gidouille, denominação
15

João, São Pedro e São Nicolau! Abram, pela


espada das finanças, côrnotutu, venho CAMPONESES – Senhor Ubu, tenha piedade
arrecadar os impostos! de nós. Somos gente pobre.

(A porta é arrombada, Ubu entra seguido de PAI UBU – E daí? Paguem.


uma legião de coletores de impostos)
CAMPONESES – Não temos com que pagar,
CENA 4 Pai Ubu, já pagamos.

PAI UBU – Qual é o mais velho de vocês? PAI UBU – Paguem! Ou ponho vocês no
(Um camponês se apresenta) Como te papo, depois de torturá-los, com degolação do
chamas? pescoço e da cabeça! Cornupapança, parece
que o rei aqui sou eu!
CAMPONÊS – Stanislau Leczinski.
TODOS – Ah, é assim? Às armas, pessoal!
PAI UBU – Pois bem, cornupapança, presta Viva Bugrelau, pela graça de Deus rei da
atenção ao que vou dizer, senão estes senhores Polônia e da Lituânia!
aqui te cortarão as orrelhas. Mas, afinal de
contas, vais ou não vais me escutar? PAI UBU – Senhores das finanças, atacar,
cumpri com o vosso dever!
STANISLAU – Mas Vossa Excelência ainda (Lutam entre si, a casa é destruída e o velho
não disse nada. Stanislau foge pelo campo. Ubu fica a recolher
o dinheiro)
PAI UBU – Como não disse nada! Falo há
mais de uma hora. Ou pensas que vim aqui CENA 5
para pregar no deserto? Uma casamata das fortificações de Thorn.
Bordadura preso, Pai Ubu
STANISLAU – Longe de mim tal
pensamento. PAI UBU – Patriota, eis o que é um patriota:
querias que eu te pagasse o que te prometera.
PAI UBU – Pois muito que bem, estou aqui Como não quis pagar, te revoltaste, conspiraste
para te dizer, te ordenar e te intimidar a e terminaste engaiolado. Bem feito,
declarar e pagar imediatamente teu imposto de cornufinança e deves reconhecer que o golpe
renda, sob pena de seres trucidado. Vamos, que te dei foi de mestre.
senhores porcalhinos das finanças, carrocem
para cá a carroça-das-finanças. BORDADURA – Toma cuidado, Pai Ubu. És
rei há cinco dias e já mataste mais gente do
(Trazem a carroça) que seria necessário para condenar ao inferno
todos os santos do paraíso. O sangue do rei e
STANISLAU – Sire, nossa inscrição no dos nobres clama por vingança e esse clamor
registro nos obriga a pagar apenas cento e será ouvido.
cinqüenta e dois rixdales, que já pagamos faz
seis semanas em Saint Mathieu. PAI UBU – Meu bom rapaz, até que és um
cara bem falante. Não tenho dúvida que se
PAI UBU – É bem possível, mas mudei o consegues escapar daqui me criarás muitas
regime e avisei pelo jornal que todos os dificuldades. Mas não sei de ninguém que
impostos serão pagos duas vezes, e três vezes tenha burlado a vigilância das casamatas de
aqueles que assim determinarmos Thorn. Por isso, boa noite, e trata de dormir o
posteriormente. Com esse sistema de melhor que possas pois os ratos fazem aqui
arrecadação, ficarei rico rapidamente, matarei uma sarabanda infernal a noite toda. (Sai)
em seguida todo mundo e irei embora. (Os guardas vêm trancar a porta)

CENA 6
do ventre monstruoso de Ubu: “o poder dos apetites Palácio de Moscou
inferiores”. O Imperador Alexis e sua corte; Bordadura
16

CZAR ALEXIS – Aventureiro infame, PAI UBU – Senhores, esta aberta a sessão.
participaste do massacre de nosso primo Estejam atentos para o que vou dizer e
Venceslau? mantenham-se tranqüilos. Primeiro, trataremos
do capítulo das finanças e em seguida
BORDADURA – Perdoai-me, Senhor, Pai falaremos dum pequeno sistema que bolei para
Ubu me arrastou a isso contra a minha evitar as chuvas e preservar o bom tempo.
vontade.
UM CONSELHEIRO – Muito bem, Senhor
ALEXIS – És um sórdido mentiroso! Mas, Ubu.
afinal de contas, que desejas?
MÃE UBU – Que idiota!
BORDADURA – Pai Ubu mandou-me
prender acusando-me de conspiração. PAI UBU – Senhora merdra minha, tome
Consegui fugir e, durante cinco dias e cinco cuidado porque não tolerarei mais suas tolices.
noites, corri através das estepes para vir Dizia eu, senhores, que as finanças vão mais
implorar vossa graça misericordiosa. ou menos. Um considerável número de cães
miseráveis se espalha toda manhã pelas ruas e
ALEXIS – Que trazes como garantia de tua os porcalhinhos fazem maravilhas. Por todos
lealdade? os lados há casas incendiadas e gente
dobrando-se ao peso de novos impostos.
BORDADURA – Minha espada de
aventureiro e um mapa da cidade de Thorn. CONSELHEIRO – E os novos impostos,
Senhor Ubu, estão dando resultado?
ALEXIS – Aceito a espada mas, por São
Jorge, queima esse mapa. Não quero dever MÃE UBU – Vão de mal a pior. O imposto
minha vitória a uma traição. sobre casamentos rendeu até agora apenas
onze sous, e assim mesmo porque Pai Ubu
BORDADURA – Um filho de Venceslau, o persegue as pessoas por toda parte para obrigá-
jovem Bugrelau, continua vivo, e eu tudo farei las a se casarem.
para reconduzi-lo ao trono.
PAI UBU – Espada das finanças, corna de
ALEXIS – Qual era teu posto no exército minha pança, senhora financista, eu tenho
polonês? orrelhas para falar e tu tens boca para escutar.
(Risos) Aliás, não é isso! Tu me atrapalhas e
BORDADURA – Eu comandava o Quinto me fazer parecer idiotra. Mas, corno de Ubu!
Regimento dos Dragões de Wilna e uma (Entra um mensageiro) Bem, vamos, que quer
companhia de voluntários a serviço de Pai aquele ali? Vai-te embora, porcalhão, ou te
Ubu. bato, te degolo e te torço as pernas.

ALEXIS – Muito bem, nomeio-te subtenente MÃE UBU – Bem, já se foi, mas deixou uma
do 10º Regimento de Cossacos, e ai de ti se me carta.
traíres. Se fores bravo, serás recompensado.
PAI UBU – Lê. Até parece que estou perdendo
BORDADURA – Coragem não me falta, o juízo ou que não sei ler. Vamos, idiotra, lê,
Senhor. deve ser de Bordadura.

ALEXIS – Está bem, some da minha vista. MÃE UBU – É dele mesmo. Diz que o czar o
acolheu muito bem, que vai invadir teus
(Sai Bordadura) domínios para restaurar o poder de Bugrelau e
que serás executado.
CENA 7
Sala do Conselho de Ubu PAI UBU – Não! Tenho medo! Tenho medo!
Pai Ubu, Mãe Ubu, Conselheiros de Acho que vou morrer. Coitadinho de mim!
Finanças Que vai me acontecer, meu Deus? Esse
17

homem malvado vai me matar. Santo Antônio


e todos os santos, protegei-me, prometo dar PAI UBU – Te mato com o gancho-de-puxar-
esmolas e acender velas a todos vós. Senhor, o merdra e a faca-de-cortar-cara.
que me espera ainda? (Chora e soluça)
MÃE UBU – Como ele está bonito de
MÃE UBU – Só há um caminho a seguir, Pai capacete e couraça, parece uma abóbora
Ubu. blindada.

PAI UBU – Qual é, meu amor? PAI UBU – Bem, agora vou montar no cavalo.
Senhores, tragam-me o cavalo-de-finanças.
MÃE UBU – A guerra!
MÃE UBU – Pai Ubu, esse cavalo não tem
TODOS – Graças a Deus! Eis uma atitude forças para te agüentar, faz cinco dias que ele
digna! não come nada, está quase morto.

PAI UBU – É, e quem vai levar novas PAI UBU – Que ótima babá ela é! Então gasto
estocadas sou eu. doze sous por dia com esse animal e ele não
tem forças para me carregar? Será que te
PRIMEIRO CONSELHEIRO – Apressemo- enganaram, corna d’Ubu, ou estás me
nos, vamos organizar o exército. roubando? (Mãe Ubu enrubesce e baixa os
olhos) Me tragam, então, outro cavalo. A pé é
SEGUNDO CONSELHEIRO – E estocar que não vou, cornupapança!
víveres.
(Trazem-lhe um enorme cavalo)
TERCEIRO CONSELHEIRO – E preparar a
artilharia e as fortalezas. PAI UBU – Vou montar nele. Oh! Aliás, acho
que vou cair. (O cavalo anda) Pára, pára esse
QUARTO CONSELHEIRO – E arranjar bicho, meu Deus, vou cair, vou morrer!!!
dinheiro para as tropas.
MÃE UBU – É um imbecil, sem dúvida
PAI UBU – Ah, isso é que não! Eu te mato! alguma. Ah, conseguiu montar. Mas já caiu no
Não vou dar dinheiro algum. Tomem de outro! chão.
A guerra já está paga e ninguém vai guerrear
às minhas custas. Pelos meus chifres, façam a PAI UBU – Cornofísico, estou meio morto!
guerra mas porque vocês estão com raiva. Mas não faz diferença, vou pra guerra e
Nada de gastar dinheiro. Viva a guerra! matarei todo mundo. Ai de quem não marchar
direito! Será rebentado de pancada com torção
CENA 8 do nariz e dos dentes e extração da língua.
Campo de batalha, exército de Varsóvia.
MÃE UBU – Boa sorte, Senhor Ubu.
SOLDADOS E PALHADINOS – Viva a
Polônia! Viva Pai Ubu! PAI UBU – Esqueci de te dizer que te confio o
PAI UBU – Mãe Ubu, me dá aqui a couraça e governo. Mas levo comigo o livro de Finanças.
meu bastão. Vou ficar tão pesado que não vai Se me roubares pagarás caro. O Palhadino
dar pra correr se eles me perseguirem. Girão fica aqui para te ajudar. Adeus, Mãe
Ubu.
MÃE UBU – Covardão!
MÃE UBU – Adeus, Pai Ubu. Não deixa de
PAI UBU – Onde estão a espada-de-cortar matar o Czar.
merdra e o gancho-das-finanças que eu não
acho?! Nunca vou me aprontar, e os russos PAI UBU – Não te preocupes. Torção do nariz
avançam e vão me matar. e dos dentes, extração da língua, e introdução
do bastão orrelhas a dentro.
UM SOLDADO – Senhor Ubu, a tesoura-de-
cortar-orrelhas vai cair. (O exército se afasta ao som das fanfarras)
18

CENA 2
MÃE UBU (sozinha) - Agora que esse Praça de Varsóvia.
bonecão de engonço foi embora, tratemos de Bugrelau e seus guerrilheiros.
nossos interesses: matar Bugrelau e nos Povo e Soldados.
apossar do tesouro.
BUGRELAU – Para frente, amigos! Viva
4º ATO Venceslau e a Polônia! O patife do Rei Ubu
partiu. Só ficou a bruxa da Mãe Ubu com o seu
Palhadino. Estou disposto a marchar à frente
CENA 1 de vocês e a restaurar no trono a estirpe de
Cripta dos antigos reis da Polônia na meus pais.
catedral de Varsóvia.
TODOS – Viva Bugrelau!
MÃE UBU – Mas onde está o tesouro? Pelo
som, nenhuma dessas lousas parece oca. No BUGRELAU – Derrubaremos todos os
entanto, contei treze pedras a partir do túmulo
impostos decretados pelo abominável Pai Ubu.
de Ladislau, o Grande, ao longo da parede, e
nada. Devo ter me enganado. Não, aqui parece TODOS – Bravos! Avante! Ataquemos o
oco. Mãos à obra, Mãe Ubu. Coragem, vamos palácio e acabemos com esse canalha!
arrancar esta pedra. Está muito presa. A ponta
do gancho-das-finanças cumprirá sua BUGRELAU – Pessoal, Mãe Ubu está saindo
finalidade. Achei! Aqui está o ouro misturado com seus guardas pela escadaria.
aos ossos dos reis. Vamos, tudo dentro do
saco!... Que barulho é esse? Quem poderia MÃE UBU – Que querem comigo? Oh, é
estar aqui, sob essas velhas cúpulas? Não, não Bugrelau.
é ninguém, apressemo-nos. Levemos tudo.
Esta riqueza toda é mais útil à luz do dia do
(A multidão joga pedras)
que enterrada no túmulo de velhos príncipes.
Recoloquemos a pedra. Ei, o barulho de novo. PRIMEIRO GUARDA – Todos os carros
Esses lugares sempre me causaram pavor.
estão quebrados
Depois venho buscar o resto do ouro, volto
amanhã. SEGUNDO GUARDA – Vão acabar comigo,
meu São Jorge.
UMA VOZ (Saindo do túmulo de João
Sigismundo) – Jamais, Mãe Ubu! TERCEIRO GUARDA – Cornão-bleu vou
morrer11.
(Mãe Ubu foge apavorada, pela porta secreta,
levando o ouro roubado) BUGRELAU – Pedra neles, pessoal.

GIRÃO – Ah, é assim!? (Desembainha a


espada e avança provocando verdadeira
carnificina)

BUGRELAU – Deixem por minha conta. (A


Girão) Defende-te, covarde!

(Lutam os dois)
GIRÃO – Vou morrer!

11
Corneblue, palavra inventada por Jarry partindo da
expressão ventrebleu (ventredieu, ventre de deus).
Corne, corne physique, alusão ao “bastão de Física” do
professor Hébert; alude ainda a Cordon Bleu e a corno,
traído.
19

o Exército. Mas, senhor rapazola, como vejo


BUGRELAU – Vencemos, companheiros! que tens acima dos ombros mais plumas que
Abaixo Mãe Ubu! Avante! (Ouvem-se clarins) miolos, creio que imaginaste bobagens. Vai
Estão chegando os nobres. Vamos, pessoal, para a linha de frente, os russos estão perto e
agarremos essa maldita harpia! teremos de usar contra eles todas as nossas
armas, tanto as de merdra, como as de finanças
TODOS – A vez daquele velho bandido e as de física.
também chegará!
GENERAL LASCY – Pai Ubu, não estais
(Mãe Ubu escapa perseguida por todos os vendo os russos na planície?
poloneses. Tiros de fuzil e chuva de pedras)
PAI UBU – É verdade, os russos! Estou
CENA 3 metido em boa. Se ao menos houvesse um jeito
O exército polonês em marcha na Ucrânia de me arrancar, mas não dá pé: estamos numa
colina e ficaríamos expostos ao fogo inimigo.
PAI UBU – Cornão-bleu, vôte, cabeça de
vaca! A sede e o cansaço vão nos matar. EXÉRCITO – Os russos! O inimigo!
Senhor soldado, tenha a gentileza de segurar
nosso capacete-de-finanças e, tu aí, senhor PAI UBU – Vamos, senhores, preparemo-nos
lanceiro, cuida da tesoura-de-cortar-orrelhas e para a batalha. Ficaremos nesta colina e não
do bastão-de-física, pra me dar um pouco de cometeremos a besteira de descer daqui. Vou
folga. Repito que estamos muito cansados. ficar no centro como uma cidadela viva e
vocês à minha volta. Recomendo-lhes carregar
(Os soldados obedecem) os fuzis com o máximo de balas, pois oito
balas podem matar oito russos e serão menos
PILA – Ei, Senhore! É supriendente que os oito a me atacar. Mandaremos a infantaria lá
russos não apaireçam. para baixo a fim de que recebam os russos e
matem alguns deles; a cavalaria irá logo atrás
PAI UBU – Lamentável é que a situação para entrar na confusão e a artilharia ficará em
financeira não nos permita possuir uma viatura torno do moinho aqui presente para atirar em
digna de nós; com medo de demolir nossa cima do bolo. Quanto a nós, ficaremos dentro
montaria, fizemos todo o caminho a pé, do moinho e atiraremos com a pistola-de-
puxando o cavalo pela brida. Mas quando finanças pela janela, colocaremos de través na
voltarmos à Polônia, inventaremos, graças aos porta o bastão-de-física, e se alguém tenta
nossos conhecimentos de física e às luzes de entrar, gancho-de-merdra nele!!!
nossos conselheiros, uma viatura movida a
vento para transportar todo o Exército. OFICIAIS – Senhor Ubu, Vossas ordens serão
executadas.
COTICA – Nicolau Rensky acaba de chegar e
parece aflito. PAI UBU – Ótimo. Tudo corre bem,
venceremos. Que hora são?
PAI UBU – Que é que tem esse rapaz?
GENERAL LASCY – Onze horas da manhã.
RENSKY – Está tudo perdido, Senhor, os
poloneses se revoltaram. Mataram Girão, e PAI UBU – Vamos então, almoçar porque os
Mãe Ubu fugiu para as montanhas. russos não atacarão antes do meio-dia.
General, diga aos soldados que façam suas
PAI UBU – Ave agoureira, coruja de polainas, necessidades e entoem a Canção das Finanças.
donde tiras tantas asneiras? E mais essa agora!
Quem fez tudo isso? Aposto que foi Bugrelau. SOLDADO E PALHADINOS – Viva Pai
Donde estás vindo? Ubu, nosso grande Financista! Ting, ting, ting;
ting, ting, ting; ting, ting, ting, tating!
RENSKY – De Varsóvia, senhor. PAI UBU – Ah, gente boa, adoro vocês todos.
PAI UBU – Rapazola de merdra, se acredito (Um petardo russo atinge e quebra a pá do
no que dizes terei de ordenar o retorno de todo
20

moinho) Estou com medo, senhor Deus, estou UM POLONÊS – Nossa mãe! Chegou o Czar,
morrendo! Ah, não estou, não é nada. salve-se quem puder!

CENA 4 OUTRO POLONÊS – Deus do céu! Ele


Os mesmos, um capitão. transpôs o fosso.
Depois o exército russo.
TERCEIRO POLONÊS – Pif! Paf! O
CAPITÃO (chegando) – Senhor Ubu, os velhaco do tenente já desancou quatro.
russos atacam.
BORDADURA – Ah, ainda não acabaram
PAI UBU – E daí, que é que você quer que eu com vocês?! Pois toma o que mereces, Jean
faça? Não fui eu quem os mandou atacar. Mas, Sobiesky. (Bordadura o abate) Agora, os
senhores das Finanças, preparemo-nos para o outros! (Mata uma porção de poloneses)
combate.
PAI UBU – Avante, camaradas. Peguem esse
GENERAL LASCY – Outro projétil. biltre! Compota de moscovitas! A vitória é
nossa. Viva a águia vermelha.
PAI UBU – Não fico mais aqui. Chove
chumbo e ferro em cima da gente e podemos TODOS – Avançar! Hurra! Cáspite!
até prejudicar nossa preciosa pessoa. Peguemos o safadão!
Desçamos. (Descem todos correndo. A batalha
começou. Eles desaparecem em meio à fumaça BORDADURA – Meu São Jorge, caí no chão.
ao pé da colina)
PAI UBU (Reconhecendo-o) – Ah, és tu,
UM RUSSO (atacando) – Por Deus e pelo Bordadura! Estamos todos felizes de te rever,
Czar! meu caro amigo. Vou te cozinhar em fogo
lento. Senhores das Finanças, acendam o fogo!
RENSKY – Ai, eu morro! Oh! Ai! Ui! Estou morto. Devo ter recebido
pelo menos um tiro de canhão. Oh, meu Deus,
PAI UBU – Avante, camaradas! Ah, tu me perdoai meus pecados. É, foi mesmo um tiro
machucaste; vou acabar contigo, seu bêbado, de canhão.
contigo e com essa tua espingarda que não
atira. BORDADURA – Foi um tiro de pistola com
pólvora seca.
UM RUSSO – Experimenta isso! (Dá-lhe um
tiro de revólver) PAI UBU – Ah, e ainda me gozando! Estás no
papo (Joga-se sobre ele e o dilacera)
PAI UBU – Ai, ui! Estou baleado, estou
furado, perfurado, encomendado, enterrado. GENRAL LASCY – Pai Ubu, estamos
Oh, mas ainda assim! Vou pegá-lo. Toma! Me avançando em toda a linha.
provoca de novo!
PAI UBU – Estou vendo, não agüento mais,
GENERAL LASCY – Avancemos, todo crivaram-me de pontapés. Gostaria de me
vigor, pessoal, atravessemos o fosso. A vitória sentar um pouco, mesmo no chão. E meu
é nossa! cantil?

PAI UBU – Acha mesmo, general? Até o GENERAL LASCY – Toma o do Czar, Pai
momento, sinto na fronte mais “galos” que Ubu.
lauréis.
PAI UBU – É pra já. Vamos! Sabre-de-cortar-
CAVALEIROS RUSSOS – Afastem-se! merdra, cumpre tua função, e tu, gancho-de-
Abram passagem para o Czar! finanças, não fiques atrás. Que o bastão-de-
(Chega o Czar acompanhado de Bordadura, física trabalhe com generosa emulação e divida
disfarçado) com o bastãozinho a honra de massacrar, varar
e rebentar o Imperador moscovita. Avante,
21

senhor nosso cavalo-de-finanças! (Atira-se tu! Presta atenção se não queres experimentar
sobre o Czar) o ardente valor do Mestre das Finanças. Bem,
foi-se embora, vamos nos arrancar daqui
UM OFICIAL RUSSO – Cuidado, enquanto Lascy não está vendo. (Sai. Em
Majestade! seguida, vê-se passar o Czar com o exército
russo perseguindo os poloneses)
PAI UBU – Toma! Oh! Ah! Deu em nada. Ui,
perdão, senhor, deixe-me em paz. Ai, mas não CENA 5
fiz por querer! Uma caverna da Lituânia. Neva.
(Pai Ubu escapa, o Czar o persegue) Pai Ubu, Pila, Cotica.

PAI UBU – Santa Virgem; esse danado me PAI UBU – Que tempo maldito, faz um frio de
persegue! Que fiz eu, meu Deus! Felizmente, rachar e a pessoa do Mestre das Finanças está
ele ainda tem de transpor de volta o fosso. Ih, bastante estropiada.
sinto-o atrás de mim e à minha frente o buraco.
Coragem, fechemos os olhos! PILA – Como é, Senhoire Ubu, já se
recuperou do medo e da fuga?
CZAR – Nossa! Caí no fosso!
PAI UBU – Claro! Do medo já, mas a fuga
POLONÊS – Oba! O Czar caiu lá embaixo! continua.

PAI UBU – Nem ouso olhar pra trás! Ele está COTICA (à parte) – Porco!
lá dentro. Ótimo, pau nele! Vamos polonês,
com toda força, ele tem costas largas, o PAI UBU – Ei, senhor Cotica, como vai sua
miserável! Nem quero ver. E enquanto isso orrelha?
nossa predição se realizou plenamente: o
bastão-de-física fez maravilhas e não resta COTICA – Vai tão bem como pode, indo mal
dúvida alguma de que eu estaria morto a esta como vai. Em conseqüência de que o chumbo
hora se um inexplicável terror não tivesse faz ela pender para o chão e não posso extrair a
combatido e anulado em nós os efeitos de bala.
nossa bravura. Mas tivemos que, subitamente,
virar casaca, e devemos nossa salvação à nossa PAI UBU – Bem feito. Não estavas a fim de
habilidez de cavaleiro assim como à solidez bater nos outros? Dei prova total de bravura, e
das pernas de nosso cavalo-de-finanças, cuja sem me expor matei quatro inimigos com
rapidez só se iguala àquela solidez e à sua já minha própria mão, sem contar todos aqueles
famosa ligerez assim como à profundez do que já estavam mortos e que acabamos de
fosso que se abriu muito cortês sob os passos matar.
do inimigo soez do aqui presente Mestre das
Finanças, como o vês. É, tudo isso é muito COTICA – Pila, sabes que fim levou o
bonito mas ninguém me escuta. Vamos, a pequeno Rensky?
guerra continua!
(Os dragões russos dão uma carga e salvam o PILA – Recebeu uma bala na cabeça.
Czar)
PAI UBU – Assim como a papoula e o
GENERAL LASCY – Desta vez é a taraxaco, que à flor da idade são ceifados pelo
debandada. ferro e pelo erro de arrado, nosso pequeno
Rensky foi ceifado pela guerra e assim foi-se,
PAI UBU – Chegou a hora de baixar o cacete. emborra tenha lutado bravamente. Mas havia
Portanto, senhores poloneses. avançar, ou russos demais!
melhor, botar o galho dentro. PILA E COTICA – Uh! Senhoire!
POLONESES – Salve-se quem puder!
UM ECO – Rhomrrr!
PAI UBU – Vamos, em marcha! Que
cambada, que fuga, que multidão, como vou PILA – Que será isso? Nossos binóculos!
sair deste lodaçal? (É empurrado) Ah, mas és
22

PAI UBU – Essa não! Aposto que são os PAI UBU – Panem nostrum quotidianum da
russos outra vez! Já é demais! E depois a coisa nobis hodie.
é simples, se eles me pegam, estarão no papo.
PILA – Conseguiste? Não posso segurá-lo
CENA 6 mais.
Os mesmos. Entra um urso.
PAI UBU – Sicut et nos dimittimus
COTICA – Ai, senhoire das Finanças! debitoribus nostris.

PAI UBU - Ora, veja, o totozinho. Que COTICA – Consegui! (Uma explosão e o urso
gracinha! cai morto)

PILA – Cuidado! Nossa, que urso enorme! PILA E COTICA – Vitória!


Cadê minha cartucheira?
PAI UBU – Sed libera nos a malo. Amen.
PAI UBU – Um urso! Ui! Que fera! Pobre de Enfim, morreu mesmo? Já posso descer daqui?
mim, vou ser comido. Deus que me proteja.
Ele vem me pegar. Não, vai pegar Cotica. PILA (com desprezo) – Quando quiser.
Ainda bem!
PAI UBU (descendo) – Podem se orgulhar de
(O Urso agarra Cotica. Pila ataca-o a golpes que, se ainda estão vivos e ainda pisam a neve
de punhal. Ubu se refugia em cima de uma da Lituânia, devem isso à virtude magnânima
pedra) do Mestre das Finanças, que se esforçou,
largou a pele, se matou a recitar padres-nossos
COTICA – Me ajuda, Pila! Me ajuda! por vossa salvação, e com tanta coragem
Socorro, Senhoire Ubu! empunhou a espada espiritual da prece quanto
vocês manejaram o temporal soco explosivo
PAI UBU – Aqui oh! Te safa, meu caro, agora do aqui presente Palhadino Cotica. Tão longe
estou rezando o Padre Nosso. Cada um tem sua levamos nosso devotamento, que não
vez de ser comido. hesitamos em subir num pedra bem alta para
que mais depressa nossas preces chegassem ao
PILA – Peguei, está seguro! céu.

COTICA – Agüenta, Pila, ele começa a me PILA – Asno asqueroso!


soltar.
PAI UBU – Santificatur nomen tuum PAI UBU – Aqui está um enorme animal.
Graças a mim vocês terão o que comer. Que
COTICA – Velhaco covarde! barriga tem o bicho, gente! Os gregos aí teriam
ficado bem mais à vontade do que no ventre do
PILA – Ai, ele está me mordendo! Meu Deus, cavalo de Tróia, e por pouco, caros amigos,
salvai-me, vou morrer. íamos ter a oportunidade de verificar
pessoalmente a capacidade interior dessa
PAI UBU – Fiat voluntas tua! pança.

COTICA – Consegui feri-lo. PILA – Morro de fome. Que vamos comer?

PILA – Bravos! Ele está sangrando. COTICA – O urso!


PAI UBU – Mas, seus bobocas, como é que
(Em meio aos gritos dos Palhadinos, o urso vão comê-lo cru? Não temos com que acender
berra de dor e Ubu continua a resmungar) uma fogueira.

COTICA – Agarra firme, enquanto pego meu PILA – E as espoletas?


soco explosivo.
PAI UBU – Isso mesmo! Parece que há aqui
por perto um pequeno bosque onde podemos
23

achar alguns galhos secos. Vá buscá-los, PAI UBU – Que bom, já começa a esquentar.
senhor Cotica. Mas vejo russos por toda parte. Como
corremos, meu Deus! Ah... (Adormece).
(Cotica se afasta pela neve)
COTICA – Gostaria de saber se é verdade o
PILA – E, enquanto isso, senhor Ubu, vá que disse Rensky, se Mãe Ubu foi deposta
esfolando o bicho. realmente. Não me parece difícil.

PAI UBU – Eu não! Pode ser que ele ainda PILA – Vamos terminar de fazer a comida.
não esteja morto. É melhor te encarregares
disso, um vez que já estás meio comido e COTICA – Não, temos de falar coisas
mordido por ele. Eu fico acendendo a fogueira importantes. Seria bom que nos inteirássemos
enquanto Cotica vai buscar a lenha. da veracidade dessas notícias.

(Pila começa a esfolar o urso) PILA – Tens razão. Devemos abandonar Pai
Ubu ou ficar com ele aqui?
PAI UBU – Ôi cuidado! Ele se mexeu.
COTICA – A noite é boa conselheira.
PILA – Mas, senhor Ubu, ele já está gelado. Durmamos. Amanhã a gente vê o que se deve
fazer.
PAI UBU – Isso é ruim, seria melhor comê-lo
quente. O Mestre das Finanças vai ter uma PILA – Acho melhor aproveitar a noite pra
indigestão. nos mandarmos.

PILA (à parte) - É revoltante. (Alto) Me ajude COTICA – Vamos, então. (Partem)


um pouco, senhor Ubu, não posso fazer tudo
sozinho. CENA 7

PAI UBU – Não, não quero fazer nada! Estou PAI UBU (fala dormindo) – Ah, Senhor
muito cansado! Dragão russo, presta atenção, não venha pra
cá, tem gente. Ah! Lá está Bordadura, ele é
COTICA (voltando) – Que frio, amigos, malvado, parece um urso. Bugrelau avança
parece até Castilha ou o Pólo Norte. Começa a contra mim! O urso, o urso! Ai! Olha ele lá!
anoitecer. Numa hora estará escuro. Vamos Ele é duro de roer, meu Deus! Não quero fazer
nos apressar enquanto ainda há claridade. nada, nada! Vai embora, Bugrelau! Estás
ouvindo, palhaço? Agora é Rensky e o Czar!
PAI UBU – Correto. Ouviste, Pila, apressa-te. Oh! Eles vão me bater. E Donabu? Onde
Andem vocês dois! Metam o bicho no espeto e achaste tanto ouro? Ficaste com meu ouro,
tratem de assá-lo, que eu estou com fome! miserável, foste remexer no meu túmulo na
catedral de Varsóvia, perto da Lua. Já morri
PILA – Ah, isso já é demais! Vem trabalhar, faz muito tempo, foi Bugrelau quem me matou
guloso, do contrário não vais comer coisa e fui enterrado em Varsóvia perto de
alguma! Vladislau, o Grande, também em Cracovia
perto de João Sigismundo, e também em Thorn
PAI UBU – Pra mim dá na mesma. Como cru. na casamata com Bordadura! Ei-lo de novo.
Pior pra vocês. Além do mais estou com muito Vai-te embora, urso maldito! Tu te pareces
sono! com Bordadura. Escutou, demônio? Não, ele
não escuta. Os porcalhinos12 cortaram-lhe as
COTICA – Que achas Pila? Comemos tudo orrelhas.
sozinhos. Não damos nada a ele, tá? Ou lhe
damos os ossos.

PILA – Certo. O fogo está acendendo.


12Salopin (salop, sujo), alusão a palotin, que traduzimos
por palhadino.
24

Rebentais o cérebro, matrai13,cortai as orrelhas, PAI UBU (começando a acordar) – Agarrem


arrancai a finança e bebei até morrer, é a vida a Mãe Ubu, cortem-lhe as orrelhas!
dos porcalhinos, é a alegria do Mestre de
Finanças. MÃE UBU – Deus do céu! Onde estou?
(Cala-se e dorme) Enlouqueço. Ah, não Senhor! Graças a Deus
entrevejo Senhor Pai Ubu que dorme perto de
5º ATO mim.

PAI UBU – Muito mal! Esse danado desse


CENA 1 urso não é mole! Combate dos vorácios com os
Noite. Pai Ubu dorme. Entra Mãe Ubu. curiácios, mas os vorácios comeram e
A escuridão é total. devoraram os curiácios, como verás ao
amanhecer. Entendestes, nobres palhadinos?
MÃE UBU – Até que enfim um refúgio. Aqui
estarei sozinha, o que não é mau, mas que MÃE UBU – Quem é que ele está gozando
corrida desenfreada: atravessar toda a Polônia assim? Ficou mais idiota do que era antes de
em quatro dias! Todas as desgraças caíram
partir. Que será que ele tem?
sobre mim de uma só vez. Assim que aquela
besta partiu, fui à cripta apanhar o tesouro. PAI UBU – Cotica, Pila, respondam, sacos de
Logo depois, Bugrelau e seu grupo enfurecido merdra! Onde estão vocês? Ai, tenho medo.
quase me matam a pedradas. Perco meu Mas ouvi alguém falar aí. Que foi? O urso não
cavaleiro, o Palhadino Girão, que era tão pode ser. Merdra! Meus fósforos, onde estão?
fascinado por meus encantos que desmaiava só Ah, perdi-os na guerra.
de me ver e, segundo alguns, mesmo sem me
ver, o que é o cúmulo da ternura. Por minha MÃE UBU (à parte) – Aproveitemos a
causa, seria capaz de se deixar cortar ao meio, situação e a noite, simulemos uma aparição
o pobre rapaz. A prova disso é que foi cortado
sobrenatural e façamos com que ele nos perdoe
em quatro por Bugrelau. Pif paf pan! Puxa, os furtos.
pensei que ia morrer! Em seguida, fugi
perseguida pela multidão enfurecida. Deixo o PAI UBU – Meu Santo Antônio, quem fala aí?
palácio, chego ao Vístula, todas as pontes
Cruz credo! Vão me enforcar!
vigiadas. Atravesso o rio a nado, na esperança
de fazer meus perseguidores desistirem. MÃE UBU (engrossando a voz) - Sim, senhor
Dissimulada entre poloneses dispostos a acabar
Ubu, alguém realmente está falando aqui, e a
comigo, estive mil vezes a um passo da morte. trombeta do arcanjo que ergue os mortos da
Mas terminei escapando-lhes à fúria, e depois cinza e do pó final não falaria de outra
de quatro dias de caminhadas pela neve do que
maneira! Escutai esta voz grave. É a voz de
fora meu reino, consigo me esconder aqui. Não São Gabriel que só dá bons conselhos.
bebi nem comi nada durante todos esses dias.
Bugrelau, no meu rastro, o tempo todo... PAI UBU – Só faltava essa!
Enfim, estou salva. Ai, estou quase morta de
frio e de cansaço. Mas gostaria de saber que MÃE UBU – Não me interrompei, Pai Ubu,
fim levou meu gordo polichinelo, isto é, meu ou eu me calo e será pior para você!
respeitável esposo. Tomei muito dinheiro dele.
Roubei-lhe rixdales. Enganei-o com mentiras. PAI UBU – Ai, minha pança! Não digo mais
E seu cavalo de finanças morreu de fome: não uma palavra. Continue, senhora aparição!
via comida com muita freqüência. A história
de sempre! Mas coitada de mim que perdi meu MÃE UBU – Dizíamos, senhor Ubu, que éreis
tesouro. Ficou em Varsóvia, e quem se um pateta tamanho família!
arriscaria a ir buscá-lo?
PAI UBU – Muito família, não resta dúvida.

MÃE UBU – Calai-vos, por Deus!


13 Tuder: palavra inventada possivelmente com a
montagem da expressão tudieu – exclamação de PAI UBU – Uai, nunca vi anjo se exaltar.
comédia antiga – e tuer, matar
25

MÃE UBU – Merdra! (continuando) Sois MÃE UBU – Tudo isso é mentira. Possuis um
casado, senhor Ubu? modelo de mulher e fazeis dela um monstro!

PAI UBU – Exato, com a última das megeras. PAI UBU – Tudo é verdade. Minha mulher é
uma libertina e falas como se ela fosse atraente
MÃE UBU – Quereis dizer com uma mulher feito uma lingüiça!
encantadora.
MÃE UBU – Cuidado, Pai Ubu.
PAI UBU – Um monstro. Tem esporões por
todo o corpo, não há por onde pegá-la. PAI UBU – Ah, sim, esqueci com quem estou
falando. Não, não quis dizer isso!
MÃE UBU – Pela doçura, senhor Ubu. Se
fordes carinhoso, vereis que, na pior das MÃE UBU – Mataste Venceslau.
hipóteses, ela é igual à Vênus de Cápua.
PAI UBU – A culpa não foi minha, podeis
PAI UBU – Caspa? Quem tem caspa? crer. Foi idéia de Mãe Ubu.

MÃE UBU – Não me escutastes bem, senhor MÃE UBU – Mataste Bulelau e Ladislau.
Ubu. Prestai melhor atenção. (à parte) Tenho
de me apressar pois já amanhece. (Alto) PAI UBU – Azar deles! Queriam me bater.
Senhor Ubu, vossa mulher é adorável e
deliciosa, ela não tem um só defeito. MÃE UBU – Não cumpriste a promessa feita
a Bordadura e mais tarde ainda o assassinaste.
PAI UBU – Estais enganada, não há um só
defeito que ela não tenha. PAI UBU – Prefiro que seja eu e não ele o rei
da Lituânia. Atualmente, não é nenhum de nós
MÃE UBU – Silêncio! Vossa mulher é fiel! dois. Isso prova que não fui eu quem o matou.

PAI UBU – Seria difícil aquela gralha me MÃE UBU – Só há um meio de conseguirdes
trair. Não ia achar com quem. perdão para vossas faltas.

MÃE UBU – Ela não bebe. PAI UBU – Qual é? Estou disposto a me
tornar um santo homem, quero ser padre e ver
PAI UBU – Sim, depois que lhe tomei a chave meu nome como santo do dia na folhinha.
da adega. Antigamente, às sete da manhã já
estava bêbada, recendendo a cachaça. Agora se MÃE UBU – Terás de perdoar os pequenos
perfuma com heliotropo, não cheira mal. Pra furtos de Mãe Ubu.
mim tanto faz. Quem se embebeda agora sou
eu. PAI UBU – Essa não! Perdôo depois que ela
me devolver tudo o que roubou, depois de ser
MÃE UBU – Homem tolo! Vossa mulher não açoitada e depois que ressuscitar meu cavalo-
toca em vosso ouro. de-finanças.

PAI UBU – Não me diga! Isso é piada! MÃE UBU – Essa do cavalo ficou-lhe na
garganta. Já amanhece, estou perdida!
MÃE UBU – Ela não desvia um único
centavo! PAI UBU – No final de tudo, estou muito
satisfeito por ter agora a certeza de que minha
PAI UBU – Que sirva de testemunha meu querida esposa me roubava dinheiro. Agora eu
nobre e desgraçado cavalo-de-finanças que, o sei de fonte limpa. Ominis a Deo scientia. O
tendo passado três meses sem comer, teve de que quer dizer: Ominis, toda; a Deo scientia,
fazer toda campanha puxado pelas rédeas ciência que vem de Deus. Toda ciência vem de
através da Ucrânia. Também fizeram tudo para Deus. Eis a explicação do fenômeno. Mas
acabar com ele, pobre animal! Dona Aparição parou de falar. Que é que eu
26

posso fazer para ela se animar de novo? Até MÃE UBU – Pila, Cotica, Pater Noster. Que
que falava coisas engraçadas. Ih, já está significa isso? Pelas minhas finanças, ele
amanhecendo... Nossa mãe, por meu-cavalo- endoidou de vez!
de-finanças, era Mãe Ubu!
PAI UBU – Disse exatamente o que houve. Tu
MÃE UBU (Descaradamente) – Não é é que és uma idiota, minha bonstra.14
verdade, vou te excomungar.
MÃE UBU – Pai Ubu, me conta como foi a
PAI UBU – Ah, carniça! guerra.

MÃE UBU – Que sacrilégio! PAI UBU – Oh, não, é cansativo. Tudo o que
sei é que, apesar de minha incontestável
PAI UBU – Essa não! Sei muito bem que era bravura, todo mundo me bateu.
você, sua rabugenta! Que diabo fazes aqui?
MÃE UBU – Não me diga, até os poloneses?
MÃE UBU – Mataram Girão e os poloneses
me expulsaram. PAI UBU – Eles berravam: Viva Venceslau e
Bugrelau. Pensei que iam me esquartejar,
PAI UBU – Quanto a mim, foram os russos aqueles indisciplinados. E depois mataram
que me expulsaram: duas boas almas se Rensky.
encontram.
MÃE UBU – E eu com isso?! Sabes que
MÃE UBU – Neste caso, eu diria que uma boa Bugrelau matou o Palhadino Girão!
alma encontra um asno!
PAI UBU – E eu com isso?! E depois mataram
PAI UBU – É assim? Pois a boa alma vai o pobre Lascy.
encontrar agora um palmípede. (Joga o urso
em cima dela) MÃE UBU – E eu com isso?!

MÃE UBU (Caindo sob o peso do urso) – Que PAI UBU – Sim, mas de qualquer jeito,
horror, meu Deus! Vou morrer! Estou carniça, chega pra cá! Ajoelha-te aos pés de
sufocada! Ele me morde, me engole, me teu senhor. (Agarra-a e a põe de joelhos) Vais
digere! sofrer o derradeiro suplício.

PAI UBU – O bicho está morto, escandalosa. MÃE UBU – Oh! Oh! Senhor Ubu!
Ui, mas quem sabe? Pode ser que não! Nossa
mãe! Ele não morreu, fujamos. (Subindo na PAI UBU – Oh, oh, oh! Já acabaste? Agora
pedra) Pater Noster qui es... começo eu: torção de nariz, arrancamento de
cabelos, introjeção do bastonete de madeira,
MÃE UBU (Se livrando) – Essa não! Onde se extração do cérebro pelos calcanhares,
meteu ele? dilaceração do posterior, supressão parcial ou
mesmo total do espinhaço (talvez que assim
PAI UBU – Ah, meu Deus, ela de novo! consiga extrair também os espinhos de seu
Mulher estúpida, será que não há um jeito de caráter), sem esquecer a abertura da bexiga
me livrar dela? O urso está morto? natatória e finalmente a grande decapitação
renovada de São João Batista, tudo de acordo
MÃE UBU – Está, meu asno, já está até frio. com as Santíssimas Escrituras, tanto do Antigo
Como esse bicho veio parar aqui? como do Novo Testamento, organizado,
corrigido e aperfeiçoado pelo aqui presente
PAI UBU – Sei lá. Ah, sei sim. Ele quis comer Mestre das Finanças! De acordo, lingüiça?
Pila e Cotica e eu o matei com um golpe de
Pater Noster.
14 Tradução arbitrária de giborgne, palavra cunhada por

Jarry e que pode conotar inúmeros sentidos: gibbeux


(corcunda), borgne (lôbrego, zarolho), giberne (traseiro)
gibbon (orangotango).
27

(Ele a rasga) chegar à porta e, uma vez lá fora, só há uma


coisa a fazer: dar no pé.
MÃE UBU – Piedade, senhor Ubu!
PAI UBU – Nisso eu sou bom. Ai, ele bate
(Alarido na entrada da caverna) com força!

CENA 2 BUGRELAU – Meu Deus, estou ferido!


Os mesmos,Bugrelau invadindo a caverna
com seus soldados. STANISLAU LEOZINSKI – Não foi nada,
senhor.
BUGRELAU – Avante, camaradas! Viva a
Polônia! BUGRELAU – É, só fiquei um pouco tonto.

PAI UBU – Espere um pouco, senhor polonês. JEAN SOBIESKY – Batam, batam para
Deixe-me acabar aqui com minha cara metade. valer, eles fogem pela porta, os miseráveis.

BUGRELAU (Espancando-o) – Toma, COTICA – Estamos perto, siga os outros. Em


covarde, pícaro, sacripanta, incréu, conseqüência do que, estou vendo o céu.
muçulmano!
PILA – Coragem, senhor Ubu!
PAI UBU (Revidando) – Toma, idiota, janota,
lorota, carlota, capota, calota, borrabotas, PAI UBU – Sim, já fiz nas calças. Vamos,
bosta! cornopapança! Matrem, sangrem, esfolem,
matem, corno de Ubu! A situação melhora!
BUGRELAU – Toma, capão, ladrão,
beberrão, bufão, paspalhão, cafetão! COTICA – Só há dois guardando a saída.

(Os soldados arremetem contra os Ubu que PAI UBU – (Espancando-os a golpe de urso)
defendem como podem) Dou-lhe uma, dou-lhe duas! Uf! Consegui sair.
Fujamos! Sigam os outros.
PAI UBU – Deuses! Quantos reforços!
CENA 3
MÃE UBU – Também temos pés, senhores A cena representa a província de Livônia
poloneses. coberta de neve. Os Ubus e seu séquito em
fuga.
PAI UBU – Por meus chifres, quando é que
isso vai acabar? Outro ainda! Ah, se eu tivesse PAI UBU – Uf, creio que eles desistiram de
aqui meu cavalo-de-finanças! nos pegar.

BUGRELAU – Batam, batam sem parar! MÃE UBU – É, Bugrelau foi assumir o trono.
PAI UBU – Não tenho nenhuma inveja da
VOZES LÁ FORA – Viva Pai Ubu, nosso coroa dele.
grande financista!
MÃE UBU – Tens toda a razão, Pai Ubu.
PAI UBU – Oba! São eles! Viva! São os Pais
Ubus! Venham, cheguem, precisamos de (Desaparecem na distância)
vocês, senhores das Finanças.
CENA 4
(Entram os Palhadinos que se jogam na Convés de um navio navegando à bolina no
confusão) Báltico. No convés, Pai Ubu e seu bando.

PAI UBU - Poloneses, caiam fora!! COMANDANTE – Sopra ótima vento.

PILA – Hon! Turnamos a nos veire, senhoire PAI UBU – De fato, navegamos com
da Finanças. Vamos, force a passagem, trate de prodigiosa rapidez. Devemos estar fazendo no
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mínimo um milhão de nós por hora, e esses


nós têm a vantagem de que, uma vez feitos, PAI UBU (Sentando-se para beber) - Senhor
não se desfazem mais. Bem, é verdade que garçom, traga-nos bebida.
temos muito vento no traseiro.
MÃE UBU – Ah, como é bom saber que em
PILA – É um pobre imbecil. breve reveremos nossa doce França, os velhos
amigos e nosso castelo de Maudragão.
(Uma rajada faz o navio adernar)
PAI UBU – É, não vai demorar! Estamos
PAI UBU – Uai! Meus Deus! Vamos afundar. passando pelo castelo de Elsenor.
Ele está indo todo torto, vai virar, o barco vai
virar! PILA – Fico contente só de pensar de rever
minha querida Espanha.
COMANDANTE – Todo mundo a sota-vento,
amarrem o mezena! COTICA – Eu também, e vamos deslumbrar
os compatriotas com a história de nossas
PAI UBU – Essa não! Não fiquem todos do maravilhosas aventuras.
mesmo lado! É uma imprudência. E se o vento
mudar de direção? Iremos todos ao fundo e os PAI UBU – Oh, sem dúvida! Quanto a mim,
peixes nos comem. serei nomeado mestre das Finanças em Paris.

COMANDANTE – Devagar, amainar as MÃE UBU – Isso mesmo! Ui, que houve?
velas.
COTICA – Não é nada, é que acabamos de
PAI UBU – Devagar, o que! Nada disso! dobrar a ponta de Elsenor.
Tenho pressa, ouviu? A culpa é tua, capitão de
merdra, se não chegarmos, a culpa é tua. Já PILA – E agora cortamos velozmente as
devíamos ter chegado, pô! Assumo o escuras ondas do Mar do Norte.
comando! Evitar de virar, fé em Deus e pé na
tábua! Ancorar, virar de vento em proa ! Icem PAI UBU – Mar feroz e hostil que banha o
as velas, arreiam as velas, leme a barravento, país por nome Germânia, assim chamado
leme a sota-vento, leme de lado... Estamos porque os seus habitantes são primos germãos.
indo bem? Não? Então, cortar a onda pelo
meio, e pronto, tudo estará perfeito. MÃE UBU – É a isso que eu chamo erudição.
Diziam que é uma beleza de país.
(Todos se riem, o vento sopra mais forte)
PAI UBU – Sim, mas, por mais belo que seja,
COMANDANTE – Afrouxar os rizes, desviar não se compara à Polônia. Se não houvesse a
o colhão e abrir a burda! Polônia, não haveria poloneses.
PAI UBU – Isso até que não é mau. Está
escutando, senhora Tripulação? Afrouxar os FIM
risos, desviar o culhão e abrir a bunda!

(Alguns morrem de rir. Uma onda varre o


convés)

PAI UBU – Que dilúvio! É conseqüência das


manobras que ordenamos.

MÃE UBU – Coisa aprazível, a navegação!

(Outra onda invade o barco)

PILA (Encharcado) - Desconfie do Demônio


e de suas tentações.

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