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PROGRAMA DELNET
DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO LOCAL
UNIDADES
DIDÁTICAS
Os processos de globalização,
descentralização e
desenvolvimento local face ao
impacto dos desastres no
território
www.itcilo.org/delnet
delnet@itcilo.org
Cooperação Humanitária do Governo
e do Povo do Brasil
UNIDADES
DIDÁTICAS UD 1
ADVERTÊNCIA
A utilização de uma linguagem que não discrimine nem marque diferenças entre homens e mulheres
é uma das preocupações da nossa Organização. Porém, tal uso do nosso idioma apresenta soluções
muito variadas sobre as quais os linguistas ainda não chegaram a um acordo. Neste sentido, e com o
intuito de evitar a sobrecarga gráfica que implicaria utilizar "o/a" para marcar a presença de ambos os
sexos, optamos por utilizar o clássico masculino genérico, considerando que todas as menções nesse
género representam sempre todos, homens e mulheres, abrangendo claramente ambos os sexos.
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UD1 | Curso de Redução do Risco de Desastres e Desenvolvimento Local Sustentável
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ÍNDICE
Prefácio
Introdução
4. Bibliografia geral
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PREFÁCIO
A redução do risco de desastres como prática do desenvolvimento
local sustentável
A redução e a gestão do risco de desastres não deve, portanto, entender-se como uma atividade
pontual que obedece a ações isoladas ou conjunturais, mas como uma componente transversal a
todas as atividades de um território: é parte integrante do seu processo de desenvolvimento e do
seu planeamento estratégico.
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INTRODUÇÃO
A primeira Unidade Didática do Curso Redução do Risco de Desastres no Quadro do
Desenvolvimento Local Sustentável tem por objetivo ministrar aos seus participantes os
conhecimentos teóricos e básicos do desenvolvimento local, desde as suas origens até à sua
aplicação concreta na atualidade. Através da análise dos seus fatores de êxito fundamentais, mas
também dos seus limites, serão estudadas as potencialidades do desenvolvimento local sustentável
nos processos de redução do risco de desastres.
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DIDÁTICAS UD 1
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GLOBALIZAÇÃO E TERRITÓRIO:
1 ANTECEDENTES DO DESENVOLVIMENTO
LOCAL
OBJETIVOS DO CAPÍTULO 1
O primeiro capítulo tem como objetivos:
► Assentar as bases que permitirão ao longo do curso construir uma visão integradora da relação
entre desenvolvimento local, sustentabilidade, democratização e redução do risco de desastres.
De onde surgiu a necessidade de uma reflexão crítica internacional de alto nível sobre os efeitos da
globalização? Por que se chega à conclusão de que o caminho para uma sociedade mais justa e
duradoura começa localmente? Em que consiste exatamente este caminho e em que ponto nos
encontramos?
Ao longo deste primeiro capítulo, procuraremos responder a estas perguntas, porque nessas
respostas residem os fundamentos do desenvolvimento local e as suas possíveis e desejáveis
soluções de evolução futura numa ótica de redução do risco de desastres.
Se considerarmos, como faremos nas próximas páginas, o período decorrido entre os anos 1970 e o
começo de um novo século, os antecedentes históricos do desenvolvimento local encontram-se
principalmente nestes aspetos:
• as características da reestruturação económica;
• o aparecimento de novas dinâmicas territoriais;
• o aumento da produtividade;
• a reforma do Estado e os processos de descentralização.
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Estas "etapas", aqui apresentadas para sistematizar a interação entre as dinâmicas mundiais e os
processos de desenvolvimento local, não tiveram o mesmo impacto nem a mesma sequência
temporal em todos os países do mundo. De facto, seria impossível generalizar, já que não existe
uma perceção única da globalização e, portanto, uma abordagem única do desenvolvimento local.
Se, como veremos seguidamente, nalgumas partes do mundo o desenvolvimento local reflete o
resultado de um progressivo processo de democratização e crescente autonomia das autoridades
locais, noutras zonas económica e politicamente mais desfavorecidas, muitos povos depararam-se
com a necessidade de sobreviver e de procurar alternativas de crescimento endógenas face a
modelos de desenvolvimento cada vez mais injustos e promotores de exclusão.
Embora seja difícil estabelecer uma localização temporal exata e partilhada a nível mundial, nos
países ocidentais a origem da fase mais recente de "globalização cultural e financeira" pode ser
situada na década de 1970, caracterizada também como uma época de conflitos e de turbulência,
durante a qual se produz um conjunto de desajustamentos que provocam a rutura das condições de
funcionamento da economia mundial no período anterior e criam as condições para a formação de
acordos, normas, regras de jogo e instituições que constituirão a base do atual período de
globalização 1 . De igual modo, a história económica e os equilíbrios geopolíticos que caracterizaram
as nossas sociedades nas décadas de 70 e 80 do século passado, representam o nosso ponto de
partida para entender as origens e as diversas evoluções do conceito de desenvolvimento local.
Naqueles anos, as expetativas de estabilidade política e crescimento económico criadas nos países
mais industrializados a seguir ao período dourado pós-II Guerra Mundial, caíram por terra,
abaladas por uma série de crises a todos os níveis, que comprometeram drasticamente os sistemas
de desenvolvimento em vigor até então.
Seguidamente, o problema monetário, que então significava uma perigosa mistura de situações de
recessão e de inflação, deu lugar a um dos conflitos energéticos mais difíceis da história
contemporânea: a crise petrolífera, que eclodiu em 1979, criou uma profunda separação entre os
poucos países que saíram beneficiados (por serem produtores ou pontos nevrálgicos da circulação
de capitais) e os restantes, que aumentaram, com diferentes níveis de intensidade, a sua dependência
das grandes potências ocidentais. Os países mais pobres do mundo viram comprometidas as suas
políticas de desenvolvimento por impossibilidade de acesso à principal fonte de energia.
À margem da gravidade das crises monetária e petrolífera, o sistema capitalista no seu conjunto era
afetado por uma profunda instabilidade de caráter social que, paradoxalmente, derivava das políticas
de emprego típicas do Estado-Providência. Os conflitos sociais no seio das organizações produtivas
puseram a nu a inadaptabilidade dos sistemas produtivos da grande indústria, cuja rigidez, ainda de
"marca" fordista, chocava com a conquista dos direitos laborais, as reivindicações sindicais e a
tomada de consciência dos trabalhadores sobre um maior controlo dos processos produtivos. A
crise energética e monetária, que reduziu o poder de compra dos consumidores, em conjugação
com uma transformação radical dos padrões de consumo, resultado do crescimento dos
1
CUERVO, Luis Mauricio (2006). Globalización y territorio . CEPAL. Documento disponível no Infodoc:
http://training.itcilo.org/delnet/Intranet/DelNetInfoDoc.nsf/0/018AEC3566BE7830C125720B00324B24!OpenDocument&idioma=Po
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rendimentos nos anos anteriores, provocou uma forte contração da procura de produtos
padronizados de baixa qualidade, por um lado, e favoreceu uma maior diferenciação dos consumos
e uma consequente segmentação dos mercados, por outro lado. Para fazer face a este fenómeno, as
empresas viram-se forçadas a melhorar a sua capacidade de adaptação às leis do mercado, o que
significou uma profunda reestruturação dos seus sistemas produtivos e de gestão das
operações.
Esta complexa reestruturação do setor industrial e empresarial foi facilitada e acompanhada pela
crescente inovação tecnológica, aplicada tanto à produção como ao planeamento. Nos países de
economia de mercado, as novas possibilidades oferecidas pelo progresso tecnológico
impulsionaram grandes investimentos na racionalização dos ciclos de produção e provocaram uma
maior subdivisão das fases operativas.
Até aos anos setenta do século XX, o crescimento económico baseara-se num modelo “de cima
para baixo" (top-down approach), que pressupõe uma forte intervenção e planeamento do Estado
nacional. Os instrumentos profusamente utilizados nesta etapa centravam-se no recurso prioritário
à despesa pública para a criação de infraestruturas e para a concessão de incentivos à localização de
empresas e à criação de emprego. A industrialização e a concentração da população foram os eixos
fundamentais de transformação estrutural e de mudança social. As soluções impulsionadas pelo
Estado nacional para dinamizar os seus territórios consistiam em vultuosos investimentos no
crescimento urbano/industrial com base num sistema de desenvolvimento regional sucessivamente
denominado modelo de concentração/difusão por diversos autores.
Modelo de concentração/difusão
Forte intervenção estatal
Concessão de
Criação de
Despesa pública incentivos para a
Infraestruturas
destinada à localização de empresas
e a criação de emprego
Gráfico 1, Capítulo 1: Elementos do modelo de concentração/difusão
As consequências, em termos de crescimento, foram muito favoráveis para as áreas urbanas que
beneficiaram de grandes investimentos em prol da concentração; em contrapartida, nas áreas
rurais só as zonas limítrofes dos núcleos urbanos (áreas metropolitanas) participaram neste
processo, e por mera ação de difusão.
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EXEMPLO
África Subsaariana e globalização (disponível no Infodoc)
Após a crise petrolífera, que mergulhou os países industrializados numa profunda recessão
económica, e perante os escassos resultados a nível do aumento da produtividade, gerou-se a partir
da década de 1970 uma rutura do sistema de acumulação que sustentara o crescimento económico
do pós-guerra nos países industrializados, com consequências imediatas no resto do planeta.
Para os territórios, as consequências a curto prazo foram muito radicais, pois muitos deles viram-se
forçados a enfrentar graves problemas estruturais de natureza socioeconómica em consequência da
incapacidade para reagir e se adaptar à nova situação, enquanto outros encontraram oportunidades
de crescimento que lhes tinham sido sistematicamente negadas com o sistema anterior.
Começou a perfilar-se por estes anos, nos países industrializados, um sistema de desenvolvimento
diferente do anterior sistema de concentração/difusão: o modelo de industrialização local descentralizada.
O modelo de industrialização local descentralizada baseia-se na combinação de um conjunto de situações que vão
desde o estado de necessidade à disponibilidade de recursos naturais e/ou a uma boa localização geográfica de um
território. A existência de uma certa capacidade empresarial, de mão-de-obra qualificada, abundante e com salários
competitivos, de poupanças locais e de conhecimentos práticos sobre produtos e mercados são fatores que convertem os
territórios em pólos atrativos de investimento e produção e, por conseguinte, em oportunidades de trabalho.
Este contexto proporcionou o crescimento notável dos sistemas locais de empresa, clusters, centros
de inovação e incubadoras de empresas como formas de economia de aglomeração, porque
permitem formas de acumulação de capital que se adaptam devidamente às condições de mudança
do ambiente económico. São sistemas produtivos implementados em territórios que se caracterizam
por contarem com um elevado número de infraestruturas básicas, a formação progressiva de um
sistema informativo eficiente sobre a área, elevada qualificação profissional dos trabalhadores e
serviços eficientes de apoio à produção. Neste processo ganham importância as redes locais de
atores e as relações estratégicas entre o sistema de empresas que se vai constituindo e a envolvente
territorial, sedimentando-se desta forma as bases do desenvolvimento económico local.
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EXEMPLOS
Os clusters de alta tecnologia e o desenvolvimento regional (disponível no Infodoc)
Este artigo apresenta a experiência de três clusters de tecnologia em Pernambuco (de tecnologia da
informação, médico-hospitalar e de fotónica), que se encontram em estágios distintos de formação
e estão contribuindo para o desenvolvimento regional.
Este documento aborda os temas da cooperação tecnológica e redes interempresariais, com base
no caso da indústria do móvel no Estado de Alagoas, Brasil.
De facto, tanto no modelo "europeu" dos distritos industriais como nos clusters de modelo
americano, a envolvente territorial define-se como um espaço estratégico que favorece a inovação,
por nele se estimularem a competitividade, a cooperação, o intercâmbio de conhecimentos e as
economias de aglomeração.
Podemos concluir que as primeiras teorias de localização partem do estudo das vantagens
económicas dos processos de aglomeração espacial dos agentes produtivos.
A reestruturação produtiva influenciou a dinâmica territorial, do mesmo modo que as "aptidões" e "atitudes" dos
territórios favorecem ou dificultam a adaptação ao novo modelo de produção. Pode afirmar-se que a formação de
novas dinâmicas territoriais e de novos conceitos geográficos ao abrigo da globalização concita duas
tendências opostas de localização: a reconcentração espacial e a transferência para áreas periféricas.
Com efeito, áreas que tradicionalmente gozavam de boa saúde devido ao seu nível de
desenvolvimento industrial converteram-se em importantes focos de desequilíbrio, ao passo que
zonas "atrasadas" se converteram em novos eixos de desenvolvimento. Assiste-se, por conseguinte, a
uma modificação das hierarquias territoriais e à emergência de novas formas de intervenção pública.
A elas acresce a gradual (ou tentativa de) eliminação das barreiras comerciais que favorece a
integração de regiões pequenas ou de fronteira, regiões essas que, operando como centros de
aglomeração produtiva, passam a constituir espaços com maior peso demográfico. Com estas
novas geografias emergem novos padrões de comércio e de consumo, novos códigos de
comunicação e novas dinâmicas de interligação.
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converte-se em fator estratégico de desenvolvimento, entendendo-se o território como um sistema
em que se articulam de forma coerente a produção, os recursos existentes, uma sociedade e cultura
locais, a sua história e os seus costumes 2 .
Estas novas dinâmicas territoriais não podem ser compreendidas à margem de fatores específicos
de cada território, como:
• a existência de mão-de-obra;
• os preços dos solos e da mão-de-obra;
• a taxa de poupança local;
• a tradição e a "atmosfera" local;
• a capacidade de iniciativa;
• a estabilidade política e institucional;
• um quadro legislativo conforme e segurança jurídica;
• a existência de infraestruturas adequadas;
• o progresso das telecomunicações, dos transportes e das tecnologias;
• a existência de uma massa crítica de população envolvida na ação política, social e económica
(concertação participativa do desenvolvimento local).
As novas orientações do sistema produtivo iniciadas durante a década de 1980 mudaram também a
divisão funcional e espacial do trabalho, pelo que a organização da economia se viu e se vê
submetida a importantes transformações, avançando para um modelo mais flexível:
• são implantados paulatinamente processos de descentralização da produção e de
subcontratação e externalização de tarefas;
• a padronização da produção reduz-se, favorecendo a diferenciação para servir mercados cada
vez mais segmentados e exigentes;
• em sistemas produtivos mais diversificados e descentralizados, só se conseguem economias de
escala, que se caracterizam pela redução dos custos de produção das empresas, mediante a
introdução de métodos de produção tecnologicamente mais avançados, o trabalho em rede e a
colaboração das pequenas e médias empresas (a nível setorial e a nível do território);
• o desenvolvimento de novos produtos e serviços requer maior integração das tarefas de
conceção, gestão e marketing.
2 Três teorias diferentes incorporam a dimensão espacial na análise das transformações que ocorreram durante a década de 1980: (1) A
interpretação estrutural (Gudgin, Storey), que assinala que as diferenças espaciais na criação de novas empresas se devem,
fundamentalmente, ao impacto e aos condicionamentos da estrutura setorial e das dimensões das unidades de produção. (2) A teoria da
reestruturação regional (Markusen, Bluestone, Harrison, Massey, Meegan), que explica os mecanismos de transição do sistema de grandes
empresas para regimes de acumulação mais flexíveis nas economias avançadas. (3) A teoria espacial de desenvolvimento (Becattini, Fua),
que confere especial importância aos fatores socioculturais que definem o ambiente empresarial e aos fatores de oferta e procura que
condicionam as decisões de investimento e de localização das empresas.
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EXEMPLOS
ASTER – Consórcio de empresas Ciência e Tecnologia - Itália (disponível em italiano)
Este cluster, com sede na Região Norte, envolve um vasto e diversificado conjunto de entidades
representativas dos interesses regionais e nacionais, pertencentes aos principais setores do
agregado económico subjacente a esta estratégia de eficiência coletiva, tendo em vista a
diversificação da base económica regional, criando, desta forma, novas atividades e serviços e
fomentando o aparecimento de mercados alternativos com maior valor económico, o reforço da
competitividade e da produtividade das indústrias do mar e o aumento do emprego qualificado.
Todos estes exemplos estão baseados na criação a nível territorial de um mercado de fatores
estratégicos para as empresas e a economia local, no esforço conjunto de uma sociedade para
construir, através da concertação público-privada, ambientes inovadores de qualidade de âmbito local.
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De 1944 até 1970 De 1970 até à atualidade
Organização
do processo
Organização hierárquica do trabalho ► Gestão participativa e distributiva de
responsabilidades
Trabalhadores com conhecimentos e
competências monovalentes
► Trabalhadores com conhecimentos e
competências polivalentes
Pese embora a crescente importância assumida pelo território ao abrigo (ou à margem) do processo
de globalização, importa destacar os limites deste tipo de localização, que, como veremos
seguidamente, estão bem definidos no atual impasse da globalização:
► A lógica produtiva tem como objetivo a criação de capital e não a melhoria da qualidade de
vida no território e o desenvolvimento humano dos seus habitantes;
► Alimenta-se o mito de que a economia de mercado é o sistema de produção mais eficiente, sem
prestar a menor atenção à conservação dos recursos naturais e da biodiversidade;
► Vai-se consolidando o predomínio da economia sobre as demais vertentes da sociedade,
traduzido por uma gradual desvalorização de todos os bens comuns e valores partilhados que,
apesar de não terem um "preço" de mercado, são absolutamente fundamentais para o
desenvolvimento humano.
Por outro lado, muitos territórios promoveram um conjunto de medidas centradas nos aspetos
técnicos, administrativos e espaciais, tendentes a reduzir o papel e a importância do governo
central, frequentemente denominadas descentralização, mas que deveriam ser definidas antes como
fenómenos de desconcentração (ou descentralização administrativa, descentralização fiscal,
devolução, delegação e privatização).
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O caso do Brasil é particularmente interessante por se inserir num quadro de modificações legais
e institucionais orientadas para o fortalecimento da gestão local. Estas alterações incluem a criação
do Conselho Nacional do Ambiente a partir da legislação relativa ao Sistema Nacional do
Ambiente, de 1981. O Conselho Nacional inclui a representação de todos os setores da sociedade
e dos governos federal, estatal e municipal. Sob este mesmo esquema foram criados os Conselhos
Estatais do Ambiente e centenas de Conselhos Municipais do Ambiente.
A gestão local nas cidades brasileiras foi reforçada com a recente aprovação do estatuto da cidade
(2001). Este estatuto amplia os poderes conferidos às cidades para gerir o desenvolvimento urbano
em quatro dimensões, permitindo-lhes: 1) providenciar alinhamentos relativos às secções sobre
política urbana na Constituição de 1988; regulamentar o uso dos solos, incluindo a comercialização
dos solos como meio de combater a segregação espacial; 3) institucionalizar o processo de
planeamento urbano e 4) promover processos mais democráticos de regulamentação da posse da
terra. O êxito da descentralização e o fortalecimento da gestão local no Brasil baseia-se num
federalismo forte que confere poder político e recursos fiscais aos governos estatais e municipais.
No Brasil, a maior parte do orçamento federal é controlada pelos estados (40,7%) e pelos
municípios (22,8%) a partir da constituição de 1988 (Souza 1997: 38). Em contraste, no México, os
estados só recebem 14% do orçamento federal e os municípios 4%. A descentralização na
Colômbia é uma experiência mais recente. Apesar de não contar com o apoio de um federalismo
forte, como no Brasil, a partir da década de 1980, a Colômbia mudou radicalmente o quadro em
que operam os governos locais. A aprovação de novas leis, decretos presidenciais e uma nova
constituição conferem aos municípios recursos, responsabilidades e capacidade de decisão
(Fiszbein 1997). No caso do ambiente, a Colômbia aprovou a Lei de planeamento ambiental em
1993 e a lei de 1999 reestrutura o Sistema Nacional do Ambiente e as administrações autónomas
regionais. Para efeitos deste trabalho, vale a pena destacar ainda a legislação de 1997 sobre o
ordenamento territorial municipal e o apoio por parte das administrações regionais à gestão local
nos municípios, que abre possibilidades de processos de sustentabilidade urbana.
Em termos operacionais, ficou patente que não bastava subdelegar os objetivos nacionais ao longo
das hierarquias administrativas até ao nível local, que era imprescindível criar objetivos próprios dos
níveis locais, ou seja, descentralizar o poder e as decisões políticas.
Para responder com eficácia à globalização, o Estado precisava de poder desenvolver capacidades
nacionais, regulamentar a atividade económica, fomentar a equidade e a justiça, providenciar os
serviços públicos essenciais e participar efetivamente nas negociações internacionais. Em
numerosas regiões do mundo, no entanto, o problema residia justamente na diminuta intervenção
do Estado nestas áreas e na ausência de expetativas realistas quanto à capacidade da oferta privada
para colmatar esta lacuna.
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Outro papel importante do Estado consiste em limitar o impacto da globalização na desigualdade
de rendimentos através da tributação progressiva e da implementação de políticas salariais,
programas sociais e outros mecanismos.
Nos défices de governabilidade abriu-se uma oportunidade para os governos locais que, face às
insuficiências das políticas nacionais, se viram forçados a adotar um papel mais ativo. Por um lado,
esta situação traduziu-se por uma nova conceção do desenvolvimento local e regional,
fundamentada na desconcentração de competências. Por outro lado, porém, os campos de atuação
a nível local de muitos países ainda não revelam uma verdadeira descentralização, que deveria
basear-se nas seguintes características:
► Poder de iniciativa: a descentralização é muito mais que uma mera transferência de funções e
responsabilidades; significa a transferência de poder e capacidade de decisão para os poderes
locais;
► Financiamento: para prestar serviços, os governos locais necessitam de recursos, de pessoal
competente e de infraestruturas que permitam geri-los com eficiência;
► Democratização: as alterações na estrutura do governo devem ser acompanhadas por novas
formas de relação das autoridades locais com os cidadãos;
► Transparência e boa governação: é fundamental que existam, em cada país, regras claras e
definidas sobre estas novas relações entre os distintos níveis de governo e que existam
mecanismos claros de transferências de recursos, funções e responsabilidades.
EXEMPLOS
Autarquias locais descentralização administrativa e financeira e desenvolvimento
económico - Angola (disponível no Infodoc)
Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) é a principal organização mundial que funciona como
porta-voz das autoridades locais dentro do sistema das Nações Unidas. Atualmente, a CGLU
dispõe de um Observatório Mundial da Democracia Local e da Descentralização (sigla GOLD, do
inglês) que pretende ser um portal de informação global sobre assuntos relacionados com os
governos locais. O GOLD tem por principal objetivo disponibilizar informação atualizada sobre
os processos de descentralização, autogovernação e desenvolvimento local no mundo, graças a
uma base de dados de organizações e instituições de desenvolvimento local organizadas por
regiões do mundo e por temas-chave.
Em complemento da informação recolhida no portal, a CGLU publica periodicamente um
Relatório Global sobre Descentralização e Democracia Local (disponível em espanhol) com
o objetivo de sistematizar os progressos registados a nível de democracia local e descentralização
no mundo, bem como os principais obstáculos que dificultam a sua implementação.
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1.2 A globalização e os seus efeitos nas sociedades
Este dualismo conduz a uma separação radical entre o que podemos definir como "globalização
virtual" e "globalização real". Os grandes conteúdos da globalização são intangíveis e, para muitos,
inacessíveis. Registam-se na difusão das tecnologias da comunicação e informação e na circulação
eletrónica dos fluxos de capitais. Estas transações alimentam-se da internacionalização de múltiplos
processos produtivos no seio das empresas que operam à escala global e de importantes correntes
migratórias.
No entanto, embora a teoria preveja um mundo multicultural e acessível para todos, na prática, a
globalização está longe de ser total, porque, por um lado, subsistem restrições importantes nos
movimentos de bens, pessoas, serviços e fatores de produção e, por outro lado, a
internacionalização é primariamente financeira e seletiva, promove regras que beneficiam os países
mais avançados e agravam as assimetrias que prevalecem entre os países que formam o sistema
mundial.
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Características fundamentais da globalização
Adaptado do Relatório da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização
Expansão do comércio mundial. O comércio mundial expandiu-se rapidamente nas duas últimas
décadas, embora não de modo uniforme em todos os países; tal expansão ocorreu sobretudo nos
países industrializados e num restrito grupo de países em desenvolvimento. Em contraste, a maioria
dos países em desenvolvimento não assistiu a uma expansão relevante do comércio.
Não só aumentou o volume destes investimentos, mas também a sua natureza. A revolução das
tecnologias da informação e da comunicação (TIC), associada à diminuição dos custos de
transporte, possibilitou o crescimento de uma extensa produção de bens e serviços sediada em
muitos países. Os processos de produção puderam ser dissociados e localizados em qualquer parte
do mundo para explorar as vantagens económicas derivadas das diferenças de custos, da
disponibilidade de fatores e da idoneidade do clima de investimento. Os componentes e as peças
podem ser transportados facilmente para todo o mundo e montados em qualquer altura. A
revolução das comunicações permitiu a coordenação e o controlo destes sistemas de produção
dispersos.
O elemento mais espetacular da globalização nas últimas décadas foi a rápida integração dos
mercados financeiros. A ação, no que diz respeito ao crescimento explosivo dos fluxos
financeiros privados do Norte para o Sul, centrou-se nestes «mercados emergentes». Entre estes
fluxos figuraram, por exemplo, investimentos nos mercados de valores destes países através de
fundos de investimento (na sua maior parte efetuados em nome de fundos de pensões), concessão
de créditos bancários ao setor empresarial e fluxos especulativos de curto prazo, especialmente em
mercados de divisas. Os empréstimos através do mercado internacional de obrigações também
aumentaram na década de 1990, na sequência da globalização financeira.
3 Fonte OIT
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EXEMPLO
A privatização dos direitos humanos: o impacto da globalização no acesso à habitação, à
água e ao saneamento básico (disponível em espanhol)
Miloon Kothari, autor desta publicação, é Relator Especial das Nações Unidas sobre uma Habitação Adequada.
Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. Reside em Nova Deli, Índia. Sítio web:
http://www.ohchr.org/EN/Pages/WelcomePage.aspx
EXEMPLO
Abordagem geral sobre desastres naturais e mudanças climáticas em Moçambique
(disponível no Infodoc)
O presente relatório é uma síntese da informação documentada existente sobre a abordagem dos
desastres naturais e mudanças climáticas em Moçambique.
4 Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, das Nações Unidas (sigla IPCC, do inglês).
5 Fonte: EIRD, IPCC.
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“Top Down”
De cima para baixo
Desenvolvimento mundial
Regionalização
Impactos
Vulnerabilidade
Políticas de (Física)
adaptação
às alterações
Vulnerabilidade climáticas
(Social)
Capacidade de adaptação
“Bottom – Up”
De baixo para cima
Gráfico 2, Capítulo 1. Atributos de abordagens “top-down” e “bottom-up”
para avaliar a vulnerabilidade e a adaptação. Fonte: PNUD/GEF
Os efeitos sociais da globalização não se limitam aos países excluídos do processo ou que tiveram
menos êxito nos seus esforços de integração na economia global. Os custos sociais são
consideráveis, inclusivamente nos países em que a globalização teve um êxito relativo, e adotam a
forma de custos de ajustamento à transição, nalguns casos bastante elevados. A China, por
exemplo, apesar do seu elevado crescimento sustentado, deparou-se com problemas de desemprego
de transição que provavelmente se irão intensificar à medida que avançar o processo de reforma das
empresas estatais. Também os países com um historial exemplar de atuação económica, como o
demonstrou a crise financeira asiática, podem sofrer importantes custos sociais.
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EXEMPLO
Declaração da OIT sobre a Justiça social para uma Globalização Equitativa
Em resumo, a globalização económica conduziu a uma situação de profunda injustiça e alto risco
para a sociedade:
► Concentração dos setores produtivos e energéticos: é cada vez mais reduzido o número de
grandes organizações ou empresas que controlam os setores produtivos e energéticos das
nossas sociedades, o que significa que dependemos cada vez mais da responsabilidade de
poucos gestores cujo processo decisório tem consequências nacionais e internacionais em
matéria de disponibilidade de recursos e de geração de riscos.
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► Hegemonia da lógica económica nos modelos de desenvolvimento atuais:
(desaparecimento de uma fronteira clara entre a política e a economia, perda de significado do
conceito de bem comum (público), separação entre o conceito e as práticas da justiça). O
mundo está cada vez mais dividido entre poucos que ganham (em qualidade de vida medida em
termos de dinheiro e riqueza) e muitos que perdem. Nesta lógica perdem valor os conceitos de
justiça, de equidade e até de cidadania, no sentido de pertença a uma comunidade que procura
o bem público antes dos interesses privados.
► Aumento do nível de risco: numa sociedade complexa e organizada como a nossa, é
indispensável uma coordenação e cooperação de todas as partes em jogo baseada na defesa de
valores partilhados. O desequilíbrio dá origem a situações de risco e vulnerabilidade.
► Divergências na governação: economia cada vez mais global, política cada vez mais local.
Nenhuma das instituições globais existentes proporciona um controlo democrático adequado
dos mercados globais, nem corrige as desigualdades básicas entre os países.
► Mercados sim, pessoas não: a globalização dos mercados, da economia e dos produtos não é
acompanhada pela globalização das oportunidades de trabalho, as políticas migratórias são cada
vez mais restritivas e os trabalhadores migrantes ou em situação irregular, que estão numa
posição cada vez mais vulnerável, em especial as mulheres, passam a integrar o contingente dos
mais excluídos.
► Ausência de valores partilhados globalmente: a ausência de solidariedade, assunção de
responsabilidade, diálogo e concertação entre os inúmeros atores que intervêm na realização
dos objetivos sociais e económicos globais (organizações internacionais, governos e
parlamentos, empresas, sindicatos, sociedade civil, entre outros) representa um travão ao
desenvolvimento humano e um défice acrescido de democracia, justiça e ética.
O debate sobre as oportunidades e ameaças da globalização pode ser interminável, porque implica
uma tomada de posição sobre um problema de ordem internacional e de equilíbrios geopolíticos
que não têm resultados positivos para todos. Numa ótica de desenvolvimento local também se
podem encontrar posições contrastantes entre "aqueles que sustentam que a globalização
desvaloriza o território e aqueles que defendem, pelo contrário, que promove uma valorização
territorial" (Boisier, 2005).
Não obstante, se alargarmos os nossos horizontes a métodos de análise que superem a fronteira
económica, encontraremos bons argumentos em prol da revalorização do território. Deduz-se, por
conseguinte, que é nas esferas sociais, ambientais, políticas e culturais que se encontram as
margens mais significativas de melhoria da governabilidade global a favor de uma
globalização mais justa.
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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DO INFODOC
► Programa Delnet, @local.glob - Nr. 1 pt - 2005 - O desenvolvimento local hoje: desafios do local perante
um mundo globalizado, Programa Delnet, 2005.
► Silveira, Caio Márcio, Desenvolvimento local - marcos conceituais, Rede Dlis/Expo Brasil
Desenvolvimento Local, 2003
► Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, Uma globalização justa: Criando
oportunidades para todos, OIT, 2005.
► Swinburn, Gwen; Goga, Soraya; Murphy, Fergus, Desenvolvimento econômico local: Um manual para a
implementação de estratégias para o desenvolvimento econômico local e planos de ação, Banco Mundial, 2006.
► Programa Delnet CIF/OIT, OIT/DEL Genebra, @local.glob - Nr. 5 esp - 2008 – Número especial
dedicado a la conferencia inter-agencial sobre desarrollo económico local, Centro Internacional de Formação
da OIT, 2008.
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► Para que a globalização crie oportunidades para todos, importa aferir o predomínio
da economia, incluindo, nas políticas locais e nacionais, todas as esferas que afetam
o desenvolvimento humano, ou seja, os fatores sociais, culturais e ambientais.
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O DESENVOLVIMENTO LOCAL
2 SUSTENTÁVEL COMO OPORTUNIDADE DE
MUDANÇA
OBJETIVOS DO CAPÍTULO 2
O segundo capítulo tem como objetivos:
As palavras "economia" e "ecologia" derivam da mesma raiz grega, oikos, que significa "casa", no
sentido de ambiente em que as pessoas nascem, vivem, crescem e trabalham. Vandana Shiva 6
começa com esta reflexão o seu livro Manifesto para uma democracia da Terra, para denunciar que,
embora estes dois conceitos devessem contribuir para a mesma missão, na lógica de mercado que
caracteriza a nossa sociedade globalizada são consideradas duas esferas de interesse separadas e, em
muitos casos, conflituosas.
Os desastres, sejam eles de origem natural ou antropogénica, representam uma prova concreta desta
dicotomia, visto que, em muitos casos, resultam da incompatibilidade entre as leis naturais e os
comportamentos sociais. No entanto, o peso de uma catástrofe recai, inexoravelmente, tanto na
economia local, como nos recursos naturais e humanos que a sustentam.
Os grandes e pequenos desastres destes últimos anos contribuíram para evidenciar as diferenças de
desenvolvimento dos vários países. As perdas humanas e materiais causadas pela ocorrência de um
fenómeno natural destrutivo têm um impacto muito maior nos territórios mais desfavorecidos, que
não dispõem dos recursos suficientes para colocar em marcha um processo de recuperação integral.
A instabilidade e a marginalização tornam-se ainda mais evidentes quando, à ocorrência cíclica de
ameaças naturais, se alia a interdependência entre países ricos, que aproveitam as oportunidades
oferecidas pela globalização, e países pobres, que não têm condições para salvaguardar as suas
economias de subsistência.
6 Vandana Shiva, filósofa e escritora indiana, recebeu em 1993 o Richt Livelihood Award (também conhecido por Prémio Nobel
Alternativo) em reconhecimento pela sua dedicação aos movimentos alternativos e "... por situar a mulher e a ecologia no coração do
discurso moderno sobre o desenvolvimento". Recebeu ainda outros prémios como o Global 500 de 1993 do Programa das Nações
Unidas para o Ambiente (PNUA) e o prémio internacional do Dia da Terra, também das Nações Unidas.
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manifesta, por um lado, na concentração de nichos de poder responsáveis pela degradação
ambiental e, por outro lado, na impossibilidade de intervenção política dos territórios mais
vulneráveis, onde se sofrem as piores consequências da injusta exploração dos recursos do planeta.
"A globalização abriu novas perspetivas para o crescimento da economia mundial, no entanto, se alguns países,
sobretudo desenvolvidos, puderam tirar partido desta nova ordem económica internacional, a maior parte dos países
em desenvolvimento e dos países menos desenvolvidos continuam a enfrentar inúmeras dificuldades, que os impedem de
se integrar plenamente nesta economia e beneficiar das oportunidades de mercado de forma equitativa (igualdade de
oportunidades) ". 7
Para construir um quadro sólido de desenvolvimento local sustentável, impõe-se, por conseguinte,
promover uma verdadeira mobilização para a mudança. De facto, encontramo-nos perante uma
tautologia conceptual que não consegue concretizar-se no plano prático. O desenvolvimento, por
definição, não pode ser senão "local", do mesmo modo que não pode ser senão "humano",
"sustentável" e "endógeno". Por outras palavras, o desenvolvimento necessita tanto de recursos
naturais como de pessoas para poder alimentar-se, e se a economia é o principal motor desse
desenvolvimento, não pode limitar-se a um mero crescimento prescindindo da tutela e conservação
das suas principais fontes de sustentação No entanto, como os acontecimentos resumidos no
capítulo anterior demonstraram, foi implementado um mecanismo de esgotamento de recursos que,
por um lado, prejudica essa mesma lógica de produção e, por outro lado, o que é ainda mais grave,
não contribui para satisfazer as necessidades da maioria dos habitantes do planeta.
Retomando os temas abordados no primeiro capítulo, para que a trajetória da globalização possa
mudar é necessário abordar um vasto leque de questões políticas, económicas, normativas, sociais e
culturais. Embora os governos nacionais, os organismos internacionais e as empresas
multinacionais devam assumir as suas responsabilidades, a dimensão local e as autoridades locais
também têm um papel a desempenhar. Mais, os défices da governação podem e devem ser
oportunamente aproveitados a partir do plano local.
"O comportamento dos Estados como atores mundiais é o fator fundamental para determinar a qualidade da
governação global. O seu nível de compromisso com o multilateralismo, os valores universais e os objetivos comuns, o
seu grau de sensibilidade para com as repercussões transfronteiriças das suas políticas e a importância que atribuem à
solidariedade mundial, são outros fatores cruciais para determinar a qualidade da governação global. Paralelamente, o
seu modo de gerir os assuntos internos influi na forma como as pessoas beneficiarão da globalização e serão protegidas
contra os seus efeitos adversos. Neste importante sentido, pode afirmar-se que a resposta à globalização começa em
casa, o que torna patente esse facto simples e simultaneamente crucial de que, dentro de cada nação, a vida das pessoas
desenvolve-se na esfera local." (Fonte: OIT)
Nesta abstração que caracteriza a "era do acesso" (Rifkin, 2001), em que a aventura capitalista
iniciada com a mercantilização de bens e a posse de propriedades culmina com a mercantilização do
tempo e da experiência humana, os territórios correm o risco de se ver desapossados da sua
identidade histórico-cultural, dos seus valores e recursos, do capital de conhecimentos e dos seus
sistemas de referência.
Deste "risco" surge a necessidade e a urgência de encontrar uma via alternativa, que considere o
"desenvolvimento local" como possibilidade de promoção e valorização dos recursos coletivos e
que considere as comunidades sujeitos do autogoverno. Mudar o sistema de desenvolvimento
não significa esquecer a economia, mas redescobrir os valores culturais, sociais, políticos e
ambientais que não se medem apenas em termos quantitativos e que contribuem para
7 Benjelloun Touimi, N., Bentaja, M. e Wagner, W., La reducción de los desastres y los problemas de la globalización, EIRD Informa - América
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melhorar a qualidade de vida das pessoas e a própria sustentabilidade de desenvolvimento
do planeta.
Os espaços locais desempenham um contributo fundamental para romper esta lógica predadora de
uma produção que, em vez de satisfazer as necessidades básicas, garantir a vida e a segurança das
pessoas, está orientada para mais produção, o mercado e a acumulação de riqueza. Os governos
locais, próximos das necessidades reais da população, devem impedir uma divergência
total entre os objetivos de crescimento económico e os limites do desenvolvimento
humano. O setor privado e a sociedade civil devem aliar os seus interesses e valorizar todos os
recursos do território: materiais (terra, população, natureza, etc.), imateriais (redes, relações, cultura,
valores sociais, etc.) e simbólicos (identificação no sistema de desenvolvimento, recuperação da
tradição, sentido de pertença, etc.). O setor privado e a sociedade em geral devem ainda estar
conscientes do risco que as suas atividades podem gerar no desenvolvimento ou no
desenvolvimento errado dos territórios.
O desenvolvimento local apresenta-se, por conseguinte, como a via mais oportuna e concreta para
projetar, no quadro de uma envolvente que se define como território, soluções para problemas
complexos de gestão dos recursos, que se prendem com a economia, o ambiente, os espaços
urbanos e rurais, a cultura, a identidade, os direitos humanos, a boa governação e a saúde da
sociedade.
Reina um amplo consenso internacional sobre os elementos fundamentais por que todos devemos
lutar com urgência, a saber:
• uma boa governação política, baseada num sistema político democrático, a ausência de
corrupção, o respeito pelos direitos humanos, o primado da lei e da justiça social;
• um Estado eficaz, que garanta um crescimento económico elevado e estável, proporcione bens
públicos e proteção social, potencie as capacidades das pessoas mediante o acesso universal à
educação e a outros serviços sociais, proteja e preserve o ambiente natural e os meios de
subsistência e promova a igualdade de género;
• uma sociedade civil dinâmica, que disponha de liberdade de associação e de expressão e que
reflita e expresse toda a diversidade de opiniões e interesses. É igualmente fundamental a
existência de organizações que representem os interesses públicos, os pobres e outros grupos
desfavorecidos, para garantir desse modo uma governação participativa e socialmente justa;
• a existência de sólidas organizações representativas dos trabalhadores e dos empregadores,
essencial para que se estabeleça, com a participação dos governos, um diálogo social frutífero.
Nenhum sistema económico transpõe a fronteira ecológica e social sem provocar a deterioração da
qualidade de vida e um sério risco de autodestruição. Parece impossível que o plano local permita
propor soluções para problemas globais, como os efeitos da globalização económica, o
aquecimento do planeta, as alterações climáticas, a desertificação, a degradação ambiental, etc. No
entanto, a redução do risco de desastres consiste em primeiro lugar em tomar decisões de
desenvolvimento corretas e seguras. A criação de espaços de convivência e de coesão social, a
dotação de equipamentos e infraestruturas para uma cidade mais articulada, equilibrada e solidária, a
sustentabilidade e o ambiente urbano como pontos centrais da qualidade de vida, a aposta nos
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valores tradicionais, a cultura e o património histórico e artístico ou o incentivo ao emprego, a
promoção socioeconómica, dos meios de subsistência e empresarial, bem como a inovação, devem
refletir-se na realidade espacial da cidade e concretizar-se no seu território. 8
EXEMPLO
Desenvolvimento Sustentável - Um conceito no limiar da utopia (disponível no Infodoc)
"Desenvolvimento endógeno significa, de facto, a capacidade para transformar o sistema socioeconómico; a capacidade
para reagir aos desafios externos; a promoção da aprendizagem social e a capacidade para introduzir formas
específicas de regulamentação social a nível local que favoreçam o desenvolvimento das características anteriores
Desenvolvimento endógeno é, por outras palavras, a capacidade para inovar a nível local". 9
Para que a mudança se opere, o "endógeno" deve manifestar-se no plano político, como capacidade
para elaborar e executar políticas de desenvolvimento a nível local; no plano económico, como
capacidade para garantir a sustentabilidade do crescimento a longo prazo e face ao contexto global,
no plano ambiental, como capacidade para garantir a conservação dos recursos do território, tanto
naturais como sociais e, no plano cultural, como capacidade para manter uma identidade territorial
em que a sociedade se reconheça.
Como vimos, existem diferenças importantes do ponto de vista da estratégia, dos objetivos, da
organização e da gestão entre as políticas de desenvolvimento tradicionais e as novas políticas de
desenvolvimento, especialmente quando consideradas a partir do plano local.
O desenvolvimento local, provincial ou regional era abordado numa perspetiva exógena, que
procurava saber como fazer participar um território comparativamente atrasado no
8 Carrillo, Emilio, @local.glob - N.º 3 esp - 2006 - A redução do risco de desastres: uma chamada para a ação, Programa Delnet do
Centro Internacional de Formação da OIT, 2005.
9 Garofoli, G., Desarrollo económico, organización de la producción y territorio (disponível em espanhol), in A. Vázquez-Barquero e G. Garofoli,
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desenvolvimento geral e não como promover o desenvolvimento geral integrado e sustentável de
um território.
Nessa época, o crescimento concentrado e a disseminação do crescimento "de cima para baixo"
eram o paradigma teórico dominante, em que se baseavam as estratégias de crescimento.
Considerava-se que o desenvolvimento era possível mediante a expansão das grandes empresas
concentradas em grandes cidades, porque as inovações tecnológicas permitiam realizar economias
de escala e economias externas.
Estas políticas de desenvolvimento eram baseadas num modelo de crescimento concentrado que se
propunha favorecer a distribuição territorial mediante a utilização de recursos exteriores à área
objeto de ajuda. Nessa perspetiva, o desenvolvimento de um território só seria possível graças a
investimentos externos.
No auge do ciclo económico, o problema era resumido em termos de abundância do fator trabalho
nas regiões pobres e de abundância do fator capital nas regiões ricas, pelo que a solução para os
desequilíbrios regionais passava pela mobilidade do capital e por incentivar a localização de
unidades produtivas nas áreas deprimidas.
Este modelo de crescimento concentrado foi amplamente teorizado e constituiu uma estratégia de
desenvolvimento alargada na maioria dos países de industrialização recente ou antiga. Enquanto
modelo de desenvolvimento, foi muito criticado porque:
• altera o funcionamento dos mercados de trabalho, introduzindo um dualismo muito acentuado
entre umas zonas e outras;
• gera intercâmbios territoriais de fatores e produtos que reduzem o desenvolvimento potencial
das áreas menos desenvolvidas e, finalmente,
• é acompanhado de transformações culturais e institucionais que sobrevalorizam o crescimento
industrial urbano e desprezam a identidade social, cultural e económica de muitas zonas rurais.
Em contraposição a este modelo emergiu gradualmente uma visão do desenvolvimento como estratégia territorial
baseada na utilização dos recursos locais. Face às insuficiências das políticas nacionais, orientadas para setores
específicos e objetivos de ajustamento económico, o papel dos cenários e das autoridades locais tornou-se mais ativo na
vida socioeconómica do seu território, no incentivo a uma transformação produtiva, na promoção de iniciativas locais
de geração de emprego e melhores condições de vida e no fomento de uma mudança cultural.
Atualmente, e pese embora as muitas deficiências que ainda se podem detectar no campo prático,
prevalece a teoria que define a política de desenvolvimento local como uma política feita desde e para
o âmbito local, tendo em conta os fatores endógenos mas também os fatores nacionais e supranacionais.
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• Não são políticas de base financeira, mas de base real: baseiam-se em projetos que são
necessários e viáveis e não na mobilização de recursos financeiros que procuram uma aplicação
idónea para serem desembolsados. Uma vez identificada a necessidade territorial e o projeto
que a irá suprir, procuram-se os recursos para o seu financiamento: "É o projeto que angaria
dinheiro e não o dinheiro que angaria projetos".
• Baseiam-se numa sucessão e acumulação de atuações coerentes e coordenadas (planos de
médio e longo prazo), capazes de gerar projetos e iniciativas.
• Não há padronização possível, porque os projetos a promover devem ser especificamente
adequados à problemática local em que se inscrevem. Nascem da consideração direta das
oportunidades e problemas de cada território, procurando aproveitar os recursos locais
disponíveis e atendendo a necessidades concretas. Frequentemente, nascem da procura local ou
a sua oferta baseia-se na existência de recursos locais subutilizados.
• Exigem um profundo conhecimento do próprio território, dos seus pontos fortes e fracos e das
suas potencialidades
• A forma organizacional que preside à realização destas políticas é genuinamente local (o que
não implica que não se aproveitem experiências externas como fonte de inspiração e
orientação).
• A coordenação das múltiplas políticas setoriais de desenvolvimento é abordada de baixo para
cima, a partir do território concreto e em torno de projetos concretos.
• A participação da comunidade local e dos atores locais, o diálogo e o consenso, são
indispensáveis para a sua estabilidade e êxito no médio e longo prazo.
Partindo do pressuposto, já reiterado ao longo desta UD, que não existe um modelo de
desenvolvimento local único, podem sublinhar-se alguns elementos teóricos que são comuns à
grande maioria dos modelos de sucesso existentes na atualidade:
• A conceção do desenvolvimento local em que nos baseamos é aquela que, sem esquecer os
aspetos meramente económicos, políticos ou de inovação tecnológica, insiste especialmente no
fortalecimento do tecido social e da sociedade civil, com o objetivo de promover estratégias de
desenvolvimento local fruto da concertação e, por conseguinte, sustentáveis no tempo.
• As estratégias de desenvolvimento local têm por objetivo o desenvolvimento e a reestruturação
do sistema social e económico, o aumento da capacidade de geração de emprego e a melhoria
do nível de vida da população.
• A vertente económica do desenvolvimento local tem por objetivo criar, num dado território, a
capacidade necessária para lidar com os reptos e oportunidades susceptíveis de se apresentar
numa situação de rápida mudança económica, tecnológica e social.
• Os atores das políticas de desenvolvimento local são as autoridades públicas, os empresários e
os atores socioeconómicos locais, e não apenas a administração central do estado e as grandes
empresas, como sucedia nos modelos tradicionais.
• É tido em conta, sempre, que as sociedades e economias locais estão integradas no sistema
económico nacional e internacional e que, por conseguinte, os seus problemas são sempre
problemas nacionais ou internacionais.
• Reúnem ainda a importância de "pensar globalmente e atuar localmente": as novas estratégias
relacionam os interesses locais e regionais com os interesses nacionais e internacionais no
contexto da globalização
• Reconhecem que, apesar do caráter essencialmente endógeno do desenvolvimento local, os
recursos externos desempenham um papel importante na dinamização da área.
• Apoiam a integração das instituições e da economia local em redes nacionais e internacionais.
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• Finalmente, e como elemento diferencial mais importante, reconhece-se que a coordenação
e/ou descoordenação das ações de todos os atores (internacionais, nacionais ou locais) se
produzem no território e que, por conseguinte, a visão estratégica numa perspetiva local é
relevante para o desenvolvimento económico e social nacional e supranacional.
► Uma estratégia de desenvolvimento local visa utilizar os fatores internos e externos no processo
de mudança estrutural da economia e fazer surgir e/ou reforçar o potencial de
desenvolvimento da localidade. A conjugação de elementos de estratégia endógena e exógena
leva os territórios a adotar novas estratégias de desenvolvimento com objetivos claramente
definidos e a centrar os seus esforços nas capacidades locais susceptíveis de mobilizar todos os
recursos existentes e estimular o desenvolvimento.
Do ponto de vista dos princípios teóricos, o desenvolvimento local, num ambiente como o atual,
que se caracteriza por mudanças contínuas a nível das tecnologias, da economia e da sociedade,
deve fomentar a inovação, o empreendedorismo e a qualidade do capital humano.
Para conseguir estes objetivos, não importa tanto realizar grandes projetos, mas incentivar projetos de dimensão
adequada que permitam a transformação progressiva do sistema económico local.
EXEMPLO
O papel da OIT na promoção de estratégias de desenvolvimento económico local num
mundo globalizado (disponível em inglês)
Nos últimos anos, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) impôs-se o dever de garantir o
emprego digno. No entanto, a globalização económica contribui para tornar o trabalho um bem
escasso. O processo de globalização está associado ao alargamento do fosso entre os indivíduos,
empresas e territórios que têm capacidade para competir em mercados abertos e aqueles que
carecem de potencial para o fazer, o que redunda numa crescente divisão e exclusão sociais, bem
como numa maior polarização territorial. Este relatório procura soluções para inverter a
polarização territorial no contexto da globalização e analisa o papel de uma organização
internacional como a OIT no combate à polarização territorial e na capacitação dos indivíduos e
empresas das zonas desfavorecidas do mundo para se adaptar à concorrência e criar emprego.
O desenvolvimento local, entendido como estratégia local de valorização dos recursos próprios,
encerra uma dimensão quádrupla de elementos interrelacionados e interdependentes:
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► Económicos, na medida em que demonstra capacidade suficiente para organizar os fatores
produtivos com níveis de produtividade suficientes para poder concorrer nos mercados.
"Em termos gerais, o desenvolvimento local implica a concertação entre os agentes – setores e
forças – que interagem num determinado território e a participação permanente, criadora e
responsável dos cidadãos num projeto comum com várias dimensões, como a criação de
crescimento económico, equidade, mudança social e cultural, sustentabilidade ecológica, atenção às
questões de género, qualidade e equilíbrio espacial e territorial. O desenvolvimento local tem por
objetivo melhorar a qualidade de vida dos cidadãos que vivem no território, contribuir para o
desenvolvimento do país e enfrentar adequadamente os desafios da globalização e as
transformações da economia internacional." 10
Setor socio-
cultural
Setor político-
administrativo
10 In Gallicchio, E. (2005) op. cit., citando uma definição de Enríquez, A., Desarrollo Local: hacia una nueva forma de desarrollo nacional y
centroamericano (disponível em espanhol), em Alternativas para el desarrollo, n. 80, San Salvador, Fundación Nacional para el Desarrollo
(FUNDE), 2000.
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• o quadro, onde as pessoas, empresas e governo estabelecem relações e interagem para
regulamentar a sociedade.
Em oposição à anterior visão restritiva do território como mero espaço físico, a posição do
desenvolvimento como estratégia territorial assenta no facto de ser no território que se geram os
comportamentos e as relações entre os atores de acordo com a sua capacidade decisória, o grau de
coordenação e concertação, a capacidade de articulação social, etc.
Todos estes fatores vão no sentido de reconhecer, por um lado, a existência de diferentes modelos
de desenvolvimento local, segundo as características próprias de cada território e, por outro lado, o
papel crucial das políticas de desenvolvimento local, especialmente no que se refere à participação
da comunidade na definição do sistema de desenvolvimento e na estimulação dos vários atores que
intervêm no processo.
Portanto, é necessário entender o território como expressão da materialização das relações políticas,
económicas, sociais e ambientais que ocorrem num determinado espaço geográfico.
Unidade territorial
desregulamentada, resultado de
processos de marginalização e
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exclusão
Unidade de territorialidade
virtual
Projeto Áreas de Conservação
Unidade territorial que Transfronteiriças e
compreende, no mínimo, uma Desenvolvimento de Turismo
Transfronteiriço
fronteira político-administrativa (ACTFDT) – África
de caráter internacional http://www.actf.gov.mz/index
/index.php
Unidade territorial constituída a Rio Apa (Brasil – Paraguai)
Bacia hidrográfica
partir da unidade hidrológica
Fonte: Gallicchio/Camejo, CLAEH, 2005
O fomento de uma dinâmica de participação ativa dos diferentes atores públicos e privados na
difusão, definição e aprovação de um conjunto de medidas de caráter estratégico para o futuro do
território é um elemento fundamental para o possível êxito de uma estratégia de desenvolvimento.
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EXEMPLO
Delnet Thematic Brief - Public-Private Partnerships: A Key Tool for Consolidating Social
Dialogue at the Local Level (disponível em inglês)
É crucial tomar em consideração a importância política de uma boa identificação de atores como
base fundamental para que o desenvolvimento local seja um objetivo fundamentado. Se não
utilizarmos metodologias participativas para esta identificação, qualquer estratégia estará votada ao
fracasso desde o primeiro momento, partir-se-á de uma base errónea que exigirá um trabalho árduo
mas não produzirá resultados.
No desenvolvimento local, o trabalho de identificação dos atores tem por objetivo, por um lado,
conhecer a caracterização básica dos níveis organizacionais, das autoridades e líderes existentes na
comunidade, bem como das autoridades e instituições presentes no território e, por outro lado,
inventariar os recursos disponíveis para poder convocar todos os atores a participar no processo e
prever as suas participações de acordo com as suas competências, temas de interesse e de acordo
com as funções exercidas no território.
Entre os principais atores locais envolvidos num processo de desenvolvimento local, com os quais
se deverá contar para promover a redução do risco de desastres, podem referir-se os seguintes:
► Municípios: Costumam ser os motores de desenvolvimento local. As suas competências
variam de acordo com o grau de descentralização dos países. Não obstante, costumam ser os
promotores e responsáveis pela formulação e gestão das políticas e estratégias de
desenvolvimento local.
► Outros níveis da administração pública: O número ou incidência no local das outras
administrações públicas (provinciais ou departamentais, estatais e regionais) varia
consideravelmente de país para país.
► Setor privado, câmaras e associações empresariais: Costumam ser atores muito
importantes para o desenvolvimento do território e agrupam-se em diferentes organizações de
acordo com o setor de atividade. Dispõem de associações que são imprescindíveis na hora de
articular estratégias de desenvolvimento económico local num município, embora devesse
aumentar-se a sua participação nas outras esferas da sustentabilidade, em particular nos
domínios social e ambiental.
► Sindicatos: Os sindicatos institucionalizam a procura social de emprego que a política local
pretende satisfazer. Neste sentido, contribuirão para promover e apoiar as iniciativas de
desenvolvimento tendentes à criação de postos de trabalho, pelo que a sua participação é
fundamental, por exemplo, nos processos de reconstrução pós-desastre.
► Entidades financeiras: A colaboração das entidades financeiras é extremamente necessária
para a execução dos projetos e para a captação de recursos privados para a gestão e redução do
risco e o desenvolvimento local em geral. É importante concitar a participação ativa, a
colaboração e o compromisso dos bancos e caixas de poupança locais, pois tal permite orientar
os recursos financeiros captados localmente para o desenvolvimento da localidade.
► Organizações Não Governamentais (ONG): Incluem um conjunto diversificado de atores
inseridos no território, cuja participação é fundamental para o êxito de determinadas atuações
e/ou projetos, porque estas organizações especializam-se em temas diferentes, como a
assistência social, as questões de género, o ambiente, os consumidores, a saúde, a transparência
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política… Apesar de atuarem a nível local, algumas ONG podem ser internacionais, nacionais,
provinciais e regionais.
► Organizações de base ou comunitárias (OB): Ao contrário das ONG, não são de natureza
técnica mas organizações populares, representativas da população, que possuem formas de
expressão e de organização muito diferentes, consoante a realidade local. Representam os
interesses diretos das comunidades e os problemas mais quotidianos da população. Entre elas
podem referir-se as juntas de freguesia, as organizações de bairro, de jovens, de mulheres, de
indígenas, movimentos comunitários, etc. Geralmente, são a base de qualquer atividade que
pretenda ser sustentável.
► Universidades e centros educacionais: Nem sempre existe uma universidade ou
departamento universitário na localidade em questão. Quando a universidade está presente no
território, convém envolvê-la nas estratégias de desenvolvimento local, porque pode contribuir
com determinadas competências especializadas, necessárias, e porque a sua participação servirá
para estabelecer uma ligação melhor e mais profunda entre as empresas e a universidade. A
educação é um fator fundamental na promoção de uma cultura preventiva do risco.
Esta lista, que não pretende ser exaustiva, também pode incluir uma multiplicidade de organizações
e instituições ao nível dos governos centrais e regionais que estejam relacionadas e incidam nas
decisões e implementação de medidas políticas e ações no território (organismos regionais, projetos
de cooperação técnica, etc.).
A escolha de uma metodologia de identificação de atores locais depende dos objetivos estratégicos
de cada território e será analisada mais detidamente na Unidade Didática 3, dedicada ao
planeamento estratégico.
Entende-se por metodologia a abordagem que reúne um conjunto de operações ou fases para
obter um resultado, a participação dos atores locais. Em contrapartida, a técnica é um
procedimento que integra uma metodologia de participação.
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Em geral, a seleção de uma metodologia adequada a um processo participativo toma em
consideração os seguintes critérios: os objetivos do processo, as características das pessoas
envolvidas, as relações entre elas e a experiência participativa dos atores locais. A sua escolha
também deve tomar em consideração o meio cultural e social em que o processo se desenrolará.
► Processo de consulta: Esta metodologia assegura que são incluídos os interesses de todos os
atores locais. A consulta cria um ambiente aberto e interativo no qual se identificam os pontos
de consenso que servirão para determinar as áreas de atuação do território. O processo de
consulta consta de três fases que giram em torno da informação, análise e retirada de
conclusões.
EXEMPLO
Pesquisa-ação participativa para execução de um sistema de tratamento local de efluentes
sanitários residenciais sustentável: caso do assentamento rural Sepé-Tiaraju – Brasil
► Avaliação Rural Participativa (ARP): É uma forma de Avaliação Rural Rápida, utilizada em
investigações de desenvolvimento desde os finais da década de 1970. A ARP investiga e analisa,
em conjunto com a comunidade, as limitações e oportunidades para a tomada de decisões em
projetos de desenvolvimento.
Apesar dos termos rural e avaliação, a ARP também se aplica em contextos urbanos e os seus
resultados têm alcances superiores aos de uma avaliação. Esta metodologia integra equipas
multidisciplinares de investigadores e concita a participação plena da comunidade. Entre as
principais técnicas utilizadas estão as seguintes:
• entrevista semiestruturada;
• grupos temáticos;
• estudos de caso;
• modelos e mapas participativos;
• organigramas;
• análises temporais (alterações e tendências);
• indicadores locais.
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► Metodologia de análise dos interessados: Esta metodologia é muito útil para verificar os
níveis de participação dos atores locais nos processos de desenvolvimento. É um método
muito relacionado com a avaliação do impacto social, pois toma em consideração os custos, os
fatores socioculturais, o contexto, os impactos e as suas quantificações.
É um processo que reúne grupos de painéis de peritos que tomam decisões de acordo com as
suas especialidades. É conhecido por Técnica de Grupo de Nominal (sigla NGT, do inglês) e
estimula a criatividade do grupo. A convocação de múltiplos peritos envolve de forma
equitativa diversos atores locais.
Apresentam-se seguidamente alguns espaços que facilitam a participação, bem como algumas das
técnicas e ferramentas de participação mais utilizadas nos processos de planeamento local:
► Conselho aberto: São entidades locais que se regem por uma junta. Se participarem todos os
habitantes, estamos perante um regime de "conselho aberto" (aplica-se normalmente em
comunidades com menos de 50 habitantes). Em sentido mais lato, o termo é habitualmente
aplicado à participação conjunta de todos os habitantes na tomada de decisões a nível local e
cujas decisões têm força executiva.
EXEMPLO
Orçamento participativo – Porto Alegre – Brasil
O Orçamento Participativo (OP) foi implantado em 1989. Em 2005, aconteceu a primeira rodada
sob nova administração municipal. Cumprindo o compromisso de manter o Orçamento
Participativo, a prefeitura realizou todas as etapas do Ciclo, com debates e definições das
prioridades para o município. O Ciclo do OP se caracteriza por três grandes momentos
prioritários: as reuniões preparatórias, a Rodada Única de Assembléias Regionais e Temáticas e a
Assembléia Municipal.
O OP é um processo dinâmico que se adequa periodicamente às necessidades locais, buscando
sempre um formato facilitador, ampliador e aprimorador do debate entre o Governo Municipal e a
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população.
Por ser um importante instrumento de participação popular, o OP é referência para o mundo.
Conforme a ONU, a experiência é uma das 40 melhores práticas de gestão pública urbana no
mundo. O Banco Mundial reconhece o processo de participação popular de Porto Alegre como
um exemplo bem-sucedido de ação comum entre Governo e sociedade civil.
EXEMPLO
Comitê de Bacia Hidrográfica- Brasil
É uma instância colegiada formada por representantes dos poderes públicos (municipal, estadual e
federal), da sociedade civil e dos usuários da água (dos setores de irrigação, abastecimento
humano, energia elétrica, navegação, lazer, turismo e pesca), também conhecida como Parlamento
das Águas, com a competência de promover a gestão participativa das águas.
► Conferências e seminários: São eventos que reúnem peritos e interessados em diversos temas
sociais e políticos. Apesar das discussões e debates, os conhecimentos não são repartidos
equitativamente. Costumam ser complementados por workshops, onde se alarga a participação a
públicos mais vastos e se abrem espaços de maior capacidade para reunir as ideias dos
participantes num conjunto de propostas comuns.
Um desastre é uma interrupção e uma alteração grave e intensa que perturba severamente o
funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade (provocado por um evento físico
potencialmente destrutivo de origem natural ou antropogénica), que pode causar perdas
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significativas de vidas humanas, materiais, económicas, produtivas ou ambientais e que põe em
perigo as formas de subsistência e desenvolvimento de um determinado território, comunidade e
grupos de pessoas.
A explicação para o aumento continuado das perdas e do impacto nas economias gerados pelos
desastres pode encontrar-se não só no aumento do número de eventos naturais extremos, como foi
característico destes últimos anos (tsunami do Oceano Índico em 2004, sismo no Paquistão em
2005, furacões Katrina, Stan e Wilma em 2005, sismo na Indonésia em Maio de 2006 e no Peru em
agosto de 2007, furacões Fay, Gustav, Hanna e Ike nas Caraíbas em 2008, sismo no Haiti em 2010
e o recente sismo e tsunami no Japão), mas também no aumento da vulnerabilidade em todos os
aspetos do desenvolvimento. Os desastres têm as suas raízes e ramificações na complexa rede de
interações que se criam entre o ser humano e as comunidades sociais e naturais envolventes.
Essas interações estão patentes na passagem acelerada de economias rurais para modelos de
desenvolvimento urbano e industrial, uma má cópia de modelos exógenos surgidos de outros
processos económicos, históricos e sociais; no aumento da população nas cidades devido à
migração dos campos para as zonas urbanas em condições precárias e sem oportunidades ou no
aumento da população que já vive em aglomerações urbanas, em bairros que não oferecem as
condições mínimas de serviços básicos ou garantem uma vida digna e segura, gerando novos
cenários que se convertem em fatores ameaçadores para a ocorrência quotidiana de desastres. É
então que as ameaças deixam de ser um processo natural para se converterem num processo
social 11 .
Torna-se necessário compreender e ter consciência de que, tal como analisámos anteriormente, o
ser humano agravou as ameaças existentes e criou novas ameaças de tipo socionatural ou
antropogénico em resultado de formas irracionais de intervenção no ambiente natural. A
vulnerabilidade, interagindo com as ameaças, cria inúmeras condições para o risco, dimensionadas
de forma diferenciada, social e territorialmente. 12
Ainda que nem todos os fenómenos sejam perigosos para o ser humano, em regra convivemos com
eles e eles fazem parte do nosso ambiente natural. Por exemplo, chuvas sazonais, pequenos sismos,
subida de águas fluviais, ventos, etc.
Alguns fenómenos, pelo seu tipo e dimensão, bem como pela surpresa da sua ocorrência,
constituem um perigo em si e são difíceis de prever. Um sismo de magnitude considerável, chuvas
torrenciais em zonas habitualmente secas, um furacão, raios, etc., podem ser considerados
perigosos se houver condições de vulnerabilidade e população potencialmente exposta. Mas
também é preciso ter consciência de que não é o sismo, nem a chuva, nem o vento que mata as
pessoas, mas as condições de vulnerabilidade que criámos face a uma determinada ameaça; são os
nossos edifícios, o local onde habitamos, a sua envolvente e a forma como a desenvolvemos que se
transforma em risco. Ou seja, é a má gestão ou a ausência de gestão do risco que produz o desastre.
Não a ameaça em si.
11 Adaptado de OPS
12 Manual El análisis de riesgo – una base para la gestión de riesgo de desastres, GTZ. Disponível em: http://www.gtz.de/de/dokumente/es-analisis-
riesgo-base-para-la-gestion-de-riesgo.pdf
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uso e à falta de manutenção, pode deteriorar-se e decair ao ponto de passar a constituir um perigo
potencial para os seus ocupantes.
Há aldeias construídas desde a sua origem com poucos ou nenhuns critérios de segurança, pode
dizer-se que são vulneráveis de origem, e há aldeias inteiras, casas, canais de irrigação, reservatórios,
pontes, etc. que, com o tempo, vão envelhecendo e decaindo devido aos fatores referidos, o que
denominamos vulnerabilidade progressiva.
A combinação destes fatores configura cenários de menor ou maior risco que podem converter-se
rapidamente num desastre, dependendo da dimensão do evento destrutivo e da vulnerabilidade do
território. Podemos continuar a debitar inúmeros exemplos, citações e argumentos. O importante,
no entanto, é não ficarmos inativos, mas compreender que a maioria dos desastres são produto
da nossa relação com sistemas de desenvolvimento e de riscos não geridos que se foram
formando ao longo da história e estão arreigados nas nossas sociedades a ponto de, muitas
vezes, não se ter perceção nem consciência deles.
As estratégias, políticas, ações e processos para reduzir o risco de desastres devem ter o
duplo objetivo de dotar as sociedades da resiliência necessária para fazer face a um evento
destrutivo, reduzindo ao máximo os níveis de riscos acumulados, e assegurar que os
esforços desenvolvidos para promover o desenvolvimento local não aumentem a
vulnerabilidade e evitem a geração de riscos futuros.
Face ao exposto, considera-se necessário integrar no processo de formação para a redução do risco
de desastres aspetos relacionados com o desenvolvimento local sustentável, o planeamento
estratégico do território, a utilização adequada dos recursos locais, a participação dos atores
fundamentais do desenvolvimento, os preparativos em caso de desastres, a reconstrução
pós-desastre, assim como aspetos integrais da gestão do risco com o fim de garantir sistemas
futuros mais sustentáveis e holísticos de desenvolvimento local.
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► Alburquerque, Francisco; Llorens, Juan Luis; e Del Castillo, Jaime, Estudio de casos de desarrollo
económico local en América Latina, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Washington
D.C., 2002.
► Fleury, Sonia, Políticas Sociais e Democratização do Poder Local, Escola Brasileira de Administração
Pública e Empresas, 2003.
► Hart, Stuart L.; Milstein, Mark B., Criando valor sustentável, 2004.
► Milani, Carlos, Teorias do Capital Social e Desenvolvimento Local: lições a partir da experiência de Pintadas
- Bahia, Brasil, 2004.
► Serra, António M. de Almeida., Timor Lorosa’e - construir um novo país no limiar do séc. XXI.
Propostas de estratégia e de políticas económicas de desenvolvimento - Timor Leste, Unidade de Estudos
Asiáticos CEsA / ISEG / UTL, 2000.
► Zapata, Tânia; Osório, Carlos Humberto; Arns, Paulo César; Parente, Silvania; Jordan, Arturo.
Gestão Participativa para o Desenvolvimento Local, Projeto BNDES – Desenvolvimento Local –
Cooperação Técnica do PNUD, 2001.
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DESASTRES, RISCOS E
3 DESENVOLVIMENTO: UMA APROXIMAÇÃO
À SUA RELAÇÃO
OBJETIVOS DO CAPÍTULO 3
O terceiro capítulo tem por objetivo permitir-lhe:
► Compreender que os desastres podem significar uma verdadeira ameaça para as nossas
sociedades, principalmente para o desenvolvimento local sustentável.
3.1 Generalidades
No nosso planeta sempre existiram fenómenos naturais como sismos, furacões, maremotos,
erupções vulcânicas, deslizamentos, secas e outros acontecimentos de maior ou menor envergadura;
é uma consequência da dinâmica própria da terra, que está em constante movimento e
transformação. Ao longo da história da humanidade, muitos destes eventos provocaram danos,
com consequências desastrosas para as populações e para os seus meios de subsistência; no entanto,
culturas importantes aprenderam a reconhecer, respeitar e conviver com as ameaças naturais e as
leis da natureza, permitindo o desenvolvimento de grandes civilizações em harmonia e equilíbrio
com o ambiente e a sua envolvente.
Lamentavelmente, pouco tempo depois, o mundo foi confrontado com um panorama desolador e
os balanços positivos do passado recente foram reduzidos a uma conclusão temporária e subjetiva
dos acontecimentos.
O tsunami e o sismo na Ásia, em dezembro de 2004, os furacões na Bacia das Caraíbas e no Golfo
do México em 2005, o sismo no Haiti em 2010 e o recente sismo e tsunami na costa nordeste do
Japão, foram alguns dos principais acontecimentos mundiais que demonstraram perante os olhos
horrorizados do mundo e a impotência da comunidade internacional quão vulneráveis e frágeis são
as nossas sociedades apesar dos inúmeros recursos e progressos técnicos e científicos do planeta.
Os grandes desastres destes últimos anos saldam-se em centenas de milhares de mortos, feridos e
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desaparecidos; milhões de deslocados, famílias, economias e meios de subsistência destruídos. Uma
lição que ninguém deseja que se repita.
A atenção mundial centra-se principalmente nos chamados "grandes desastres" e concede pouco
espaço nas estatísticas aos "pequenos e médios desastres" que se repercutem negativamente
sobre os territórios, as localidades e, inclusivamente, as famílias, causando perdas vultuosas de
capital humano, económico, material e ambiental. No entanto, os números sobre estes factos já são
alarmantes à escala global.
Basta constatar que, no período compreendido entre 1992 e 2002, perderam a vida 60 000 pessoas
em média, por ano, e que ao longo da década se registaram prejuízos para a economia da ordem dos
69 mil milhões USD 13 . Também se estima que aproximadamente 184 pessoas morrem diariamente,
em diferentes partes do mundo, em consequência deste tipo de desastres.
Só para dar uma ideia aproximada do aumento dos prejuízos causados pelos desastres, entre 1990 e
2003 o número de pessoas afetadas subiu de 90 para 255 milhões. O valor cumulativo entre 1990 e
2003, à escala planetária, é de 3,4 mil milhões de habitantes afetados pelo impacto de desastres 14 , o
que, em teoria, corresponde a mais de metade da população do planeta. Estamos, por
conseguinte, perante um problema de dimensões dantescas que pode colocar em perigo a
existência e a sobrevivência de importantes setores da humanidade.
Tabela 1
A distribuição regional de ocorrência de desastres em 2010 é semelhante à distribuição média anual na última
década, que evidencia uma maior concentração de desastres na Ásia, seguido pelas Américas (ver Tabela). A Europa
viu em 2010 o maior incremento na ocorrência de desastres (18.2%) enquanto a Ásia apresentou o maior decréscimo
(13.8%), comparada com as médias da década. O número de vítimas na África, Europa e Ásia diminuíram em
comparação com as médias anuais de 2000-2009. No entanto, o número de vítimas nas Américas
e Oceania aumentaram, provocando uma maior percentagem de vítimas de desastres nestes continentes. Os danos das
catástrofes naturais aumentaram principalmente nas Américas e Oceania, em comparação com as médias da
década. Estes dois continentes deram assim a maior contribuição ao aumento global nos danos provocados por
desastres naturais em 2010. A quota da Ásia de danos globais (28.1%) ficou abaixo da quota de 2000-2009 de
39.8%:
Global
Nº de Desastres Naturais África Américas Ásia Europa Oceania Global
Climatológicos 2010 6 16 0 22 0 50
Média 2000-09 9 13 13 18 1 54
Geofísicos 2010 1 6 20 2 2 31
Média 2000-09 3 7 21 3 2 31
Hidrológicos 2010 57 40 81 32 6 216
Média 2000-09 43 39 80 25 5 192
Meteorológicos 2010 5 35 27 14 7 88
Média 2000-09 9 33 42 14 6 105
Total 2010 69 97 134 70 15 385
Média 2000-09 64 92 156 59 15 387
Fonte: Annual Statistical Review: Numbers and Trends 2010, 2011 CRED, Bruxelas
http://www.cred.be/sites/default/files/WP272.pdf
13 J. Twigg, 2004.
14 CRED, Thirty Years of Natural Disasters; 1974-2003: The Numbers, 2004.
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EXEMPLO
Base de dados internacional de desastres – EM-DAT (disponível em inglês)
Desde 1988 o Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) mantém uma base de dados
de desastres: a EM-DAT. A EM-DAT foi criada com o apoio inicial da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e do Governo da Bélgica.
O principal objetivo desta base de dados é o de ajudar as ações humanitárias a nível nacional e
internacional. É uma iniciativa que visa racionalizar a tomada de decisões na preparação contra
desastres, assim como fornecer uma base objetiva para a avaliação de vulnerabilidades e a
definição de prioridades.
EM-DAT possui informações essenciais sobre a ocorrência e os efeitos de mais 18.000 desastres
de grande envergadura em todo o mundo de 1900 aos nossos dias. A base de dados é compilada
de várias fontes, incluindo agências da ONU, organizações não-governamentais, companhias de
seguro, centros de investigação e agências de notícias.
É o resultado de interações entre ameaças ou perigos (naturais ou causados pelos seres humanos,
como furacões, sismos, deslizamentos, explosões, incêndios, guerras, etc.) e as condições de
vulnerabilidade (défices no conhecimento do risco, localização inadequada dos aglomerados e dos
edifícios, debilidades de preparação, pobreza, segregação social, deterioração ambiental, carência de
emprego digno, etc.) a que está exposta uma comunidade 15 .
Os desastres não são, portanto, causados por simples ameaças da natureza, nem atos divinos ou
efeitos fortuitos ocasionais no tempo, mas consequência de um processo de acumulação de riscos
que os seres humanos vão criando através de práticas pouco adequadas, inclusivamente perigosas,
nos sistemas de desenvolvimento que implementamos nas nossas sociedades, territórios e
comunidades. São os processos de desenvolvimento que determinam as possibilidades de
reduzir ou aumentar o risco de desastres 17 , como veremos com mais pormenor neste capítulo.
Os desastres estão relacionados também com a nossa forma de coexistir com os fenómenos
naturais, com o local onde construímos o nosso habitat e com a forma como convivemos com o
ambiente que nos rodeia. Um evento só se transforma em desastre porque as pessoas, os
aglomerados e as atividades humanas se encontram no lugar errado à hora errada. Se não existissem
15 Este tema é aprofundado na Unidade Didática 3 do curso. Para saber mais sobre as definições de conceitos, ver glossário.
16 Na Unidade Didática 3, Capítulo 1, os aspetos aqui abordados serão tratados em maior profundidade.
17 PNUD, 2004.
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pessoas nem comunidades expostas e vulneráveis nas áreas onde possa surgir uma inundação, um
sismo, uma erupção vulcânica, uma seca, um deslizamento, uma avalancha, uma explosão, poderia
afirmar-se teoricamente que: NÃO HÁ DESASTRE!
Esta é uma afirmação idealizada da realidade. Pretende-se com esta asserção levar-nos a
compreender e tomar consciência que somos nós, os seres humanos, quem gera a vulnerabilidade e
que, por conseguinte, podemos aumentar ou reduzir o impacto de um evento físico.
Existem, no entanto, ameaças e perigos que não podemos evitar completamente, apesar de todos os
nossos esforços, previsões e preparativos. Existirá sempre um nível de risco com o qual devemos
aprender a viver e que devemos respeitar, mas também controlar, gerir e reduzir.
Mesmo que se possam suportar os danos económicos e recuperar os prejuízos causados por um
evento destrutivo, a perda de vidas não poder fazer parte desta lógica, devendo empreender-se
todos os esforços para evitar as catástrofes humanas. Portanto, também é importante desenvolver
as capacidades efetivas de alerta, resposta e recuperação de um evento prejudicial.
Os desastres causam vítimas fatais, que são irrecuperáveis para as famílias e para as populações, as
quais, por sua vez, têm de enfrentar e superar a crise, suportar a carga emocional aliada à
recuperação da tragédia, restabelecer os seus meios de subsistência e tentar preencher os grandes
vazios deixados pelo falecimento dos entes queridos. Para muitas comunidades, podem passar
muitos anos antes que consigam prosseguir o curso normal da sua vida, algumas poderão nunca se
recompor totalmente. O PNUD afirma que: "nas comunidades e países afetados, as perdas
associadas a desastres tornam extremamente difícil cumprir os Objetivos de
Desenvolvimento do Milénio (ODM)".
As cheias não são um fenómeno raro em Moçambique. Por alturas da estação das chuvas - que
corresponde ao Verão moçambicano, quando o Sol se aproxima do Equador, durante a passagem
do equinócio, o país é atingido por chuvas fortes, que se repetem ciclicamente. No entanto, em
2000, a passagem do ciclone "Eline" veio agravar em 90 por cento a situação, gerando cheias
catastróficas.
Os ciclones, nesta região, formam-se no Oceano Índico e rumam para sudoeste. A maior parte das
vezes dissipam-se no Canal de Moçambique, antes de atingirem a costa do continente africano, ou
quando chegam à ilha de Madagáscar. Em 2000 o ciclone Eline passou à volta da ilha e chegou à
costa, provocando muito chuva e ventos com mais de 100km/h.
Estima-se que esta catástrofe tenha provocado centenas de mortos, 300 000 refugiados e um milhão
de desalojados.
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Extensos territórios e povoações dos continentes africano, asiático e americano viram reduzidos os
seus esforços de criação de melhores condições de vida para os seus habitantes em consequência
dos desastres provocados por inundações, secas, sismos, maremotos, deslizamentos e furacões.
Inúmeros estudos realizados por ONG, entidades governamentais, agências de desenvolvimento,
organismos de cooperação, organizações das Nações Unidas e centros de investigação nas últimas
décadas provam esta afirmação 18 . Muitos peritos consideram que os desastres provocados por
fenómenos naturais podem constituir uma das maiores ameaças ao desenvolvimento,
sobretudo com os atuais indícios de que as alterações climáticas se estão a processar a um
ritmo acelerado 19 .
18 EIRD, Vivir con el riesgo : Informe mundial sobre iniciativas para la reducción de desastres, EIRD/ONU, 2004:
http://www.crid.or.cr/digitalizacion/pdf/spa/doc16481/doc16481.htm
19 PNUD/BCPR, Reducción del riesgo de desastres, un desafío para el desarrollo, PNUD, 2003:
http://www.undp.org/cpr/disred/documents/publications/rdr/execsummary_esp.pdf
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Por outro lado, a comunidade costuma interpretar como rosto visível dos desastres quase
exclusivamente os acontecimentos relacionados com a perda imediata de vidas e bens materiais,
sem frequentemente se analisar as suas verdadeiras consequências no desenvolvimento humano e
territorial a médio e longo prazo 20 .
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3.2.1. O impacto diferenciado dos desastres
Está provado que os desastres afetam com maior severidade os países e comunidades mais pobres.
Entre 1992 e 2001, 96% das mortes ocorreram em países classificados com Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou médio 21 . 98% das populações afetadas à escala global
habitam nesses países. O furacão Mitch, em 1998, assolou grande parte da América Central
causando perdas equivalentes a 13,22% do Produto Interno Bruto (PIB) da região. No entanto, o
seu efeito foi muito mais severo nas comunidades mais pobres e nos países mais vulneráveis. As
Honduras e a Nicarágua pagaram o preço mais alto do impacto. Nas Honduras o furacão afetou
80,49% do PIB nacional e na Nicarágua 48,83%, contra 0,95% na Costa Rica, o país com maior
desenvolvimento humano da região. Calcula-se que o desenvolvimento das Honduras sofreu um
retrocesso de décadas.
75% da população mundial vive em zonas fustigadas por catástrofes, pelo menos uma vez,
entre 1980 e 2000. Os países com um IDH elevado possuem cerca de 15% da população
exposta a desastres, mas registam 1,8% das mortes. Os países com um IDH baixo possuem
apenas 11% da população, mas registam 53% das mortes à escala global 22 .
Apesar de 63% das perdas económicas corresponderem a países com IDH elevado, isso não
significa que estas zonas tenham pago as piores consequências, porque a percentagem do PIB é
muito superior em países pobres e pequenos. As perdas são mais gravosas nos chamados países em
desenvolvimento, onde um grande desastre pode gerar prejuízos entre 10 e 200% do PIB anual,
dependendo da dimensão relativa da economia afetada 23 . Também é muito mais difícil a
recuperação nos países pobres, que não dispõem de seguros adequados, de meios económicos e
técnicos nem de infraestruturas para o efeito.
Quanto mais pequeno o país, maior o impacto. Muitos estados-ilhas dependem economicamente de
monoculturas ou do turismo, pelo que um fenómeno como um furacão reduz as suas fontes de
subsistência e prejudica gravemente a sua economia. De acordo com a Conferência das Nações
Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, 13 dos 25 países assolados pelo maior número de
catástrofes durante as décadas de 1970 e 1980 foram estados-ilhas de pequena dimensão 24.
À escala local, a situação é igual. As comunidades situadas em zonas expostas como barrancos,
encostas das montanhas, margens de rios, têm grande probabilidade de serem prejudicadas por uma
ameaça, quando se verificam concomitantemente condições extremas de vulnerabilidade como:
• falta de oportunidades socioeconómicas;
• pobreza endémica;
• sobrepopulação;
• debilidades organizacionais;
• carência de recursos e dificuldade de acesso ao poder;
• poluição ambiental.
O contrário ocorre nas comunidades situadas em zonas urbanas de menor risco, que possuem
melhores condições para enfrentar uma ameaça, a saber:
• edifícios sólidos;
21 J. Twigg, 2004
22 PNUD, 2004
23 Lavell, 2005.
24 EIRD/ONU, Small Island Developing States, Disasters, Risk, and Vulnerability (disponível em inglês), Documento de consulta da EIRD,
2004.
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• habitações bem construídas;
• vias de salvamento;
• zonas verdes para a absorção das águas pluviais;
• sistemas de drenagem e de esgoto apropriados;
• população com seguros de vida e de habitação;
• representantes políticos;
• trabalhos estáveis;
• acesso a educação, saúde, etc.
Um caso extremo que exemplifica esta situação foi o sismo ocorrido na Guatemala em 1976, em
que morreram cerca de 23 000 pessoas, mais de 77 000 ficaram feridas, cerca de 1,2 milhões
sofreram prejuízos pessoais ou materiais e 3,4 milhões foram afetadas, sendo a sua quase totalidade
famílias em situação de pobreza e de pobreza extrema 25 . O desastre chegou a ser chamado o "sismo
dos pobres" ou o "sismo classista".
EXEMPLO
Prevenção de desastres naturais - Conceitos básicos - Brasil (disponível no Infodoc)
Nas últimas décadas, o número de registro de desastres naturais em várias partes do mundo vem
aumentando consideravelmente. Isto se deve, principalmente, ao aumento da população, a
ocupação desordenada e ao intenso processo de urbanização e industrialização. Dentre os
principais fatores que contribuem para desencadear estes desastres nas áreas urbanas destacam-se a
impermeabilização do solo, o adensamento das construções, a conservação de calor e a poluição
do ar. Enquanto que nas áreas rurais, destaca-se a compactação dos solos, o assoreamento dos
rios, os desmatamentos e as queimadas.
Apesar do exposto, é necessário refletir para além das afirmações anteriormente destacadas. Não se
pode considerar a pobreza isoladamente como mero fator de vulnerabilidade. Mais que com a
"riqueza ou pobreza" económica de um território, muitos desastres estão relacionados com a
distribuição da riqueza e com as políticas públicas sobre a qualidade dos aglomerados humanos, e
também com as medidas de redução do risco de desastres ordenadas pelas autoridades e com o
nível de organização institucional face às ameaças naturais que ocorram. Em 1998, o furacão Mitch
ceifou a vida de cerca de 20 000 pessoas da América Central. Quando um tornado de intensidade
similar, o furacão Michelle, fustigou a ilha de Cuba em 2001, só houve a lamentar 5 vítimas mortais,
porque mais de 700 000 pessoas conseguiram ser evacuadas das zonas de maior impacto. Estes
resultados ficaram a dever-se à capacidade organizacional e aos sistemas de previsão e preparação
disponíveis no país mais do que ao seu poder económico 26 .
Inúmeros estudos concluíram que os desastres afetam de forma desigual diferentes segmentos da
população, como:
• as crianças e os jovens;
25 Rumo a um mundo mais seguro face aos desastres, 1994 e Cidades em perigo (disponível em espanhol), 1996, OPS e DIRDN.
26 Desastres naturales y pobres urbanos, na revista eletrónica “En breve” N.º 32, Banco Mundial, 2003.
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• os idosos;
• as mulheres;
• as pessoas com deficiência;
• as etnias alvo de discriminação e as populações imigrantes que, muitas vezes, têm dificuldade
em compreender o idioma e os aspetos culturais prevalecentes nas sociedades em que vivem;
• os povos nativos.
EXEMPLO
Projeto de Resiliência Comunitária – Visão Mundial (disponível em espanhol)
Os desastres podem ser mais persistentes no tempo em termos económicos, sociais ou culturais,
sobretudo se estes grupos da população forem alvo de forte discriminação e exclusão e possuírem
menor acesso a meios de subsistência e a estruturas organizacionais e de poder.
As experiências e capacidades dos anciãos, das mulheres ou dos indígenas são geralmente pouco
valorizadas ou raramente consideradas na redução do risco, apesar da sua bagagem de capacidades
devido às funções e responsabilidades que desempenham na sociedade, e de terem aprendido a
desenvolver estratégias de resistência e sobrevivência face aos desastres, invulgares para as
adversidades, carência de recursos e marginalidade em que se encontram.
Geralmente cabe às mulheres, em conjunto com as crianças e com os idosos, enfrentar o desastre
na comunidade e, em muitos casos, recai nelas, sobretudo nas que são chefes de família, a principal
responsabilidade de reconstrução da economia familiar.
Por outro lado, os povos nativos e as populações indígenas possuem conhecimentos ancestrais para
enfrentar os desastres e desenvolveram formas de convivência com a natureza e o seu habitat que
lhes permitiram sobreviver às adversidades resultantes de fenómenos naturais. No entanto, a sua
forma de vida é ameaçada pela imposição de novas relações económicas, sociais e culturais com o
ambiente que os rodeia, que rompem o equilíbrio e harmonia das relações centenárias.
EXEMPLOS
Endereços eletrónicos de artigos relacionados com a incidência dos desastres junto dos setores
mais excluídos da população:
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Mulheres, redução do risco de desastres e desenvolvimento sustentável: uma perspetiva de
género
Estratégia Internacional para a Redução dos Desastres. Artigo publicado na Revista Delnet do
CIF/OIT
O território em que um desastre causa perdas nem sempre está relacionado com o lugar onde se
produz o evento destrutivo ou tem origem a ameaça. Pode diferir consideravelmente e afetar
pessoas ou comunidades que nem sequer estão conscientes de uma ameaça ou da vulnerabilidade
face a um perigo potencial.
Podemos ilustrar esta afirmação com os exemplos de como desflorestação e urbanização nas zonas
altas de bacias hidrográficas causam inundações em zonas baixas e de como a descarga das
barragens afeta áreas muito distantes da sua origem. No caso da vulnerabilidade, as decisões de
políticas públicas, sejam elas ambientais, económicas ou sociais, também têm impacto local e
familiar, longe das instâncias onde se tomaram as decisões, como é o caso das políticas de
ajustamento económico e o desenvolvimento de megaprojetos, decididos nas esferas de poder de
uma nação, sem que os setores mais afetados no território em geral participem ou tenham
conhecimento das decisões e dos seus efeitos.
Frequentemente, quem provoca o risco não está consciente ou não tem interesse em saber que as
decisões ou ações desencadeadas num determinado local afetam pessoas e territórios distantes. Os
efeitos das alterações climáticas produzidas pelo aquecimento global do planeta são um exemplo
evidente. Os países industrializados, responsáveis por grande parte das emissões de gases com
efeito de estufa, geram situações de risco que têm impacto em maior proporção nos países em vias
de desenvolvimento e, dentro destes, nas pessoas mais vulneráveis e sujeitas a maior exclusão
socioeconómica. A não ratificação de tratados internacionais por alguns países demonstra a sua
pouca sensibilização para os perigos que as alterações ambientais suscitam à escala global e local e
para a necessidade imperiosa de reduzir o risco de desastres para garantir sociedades mais
sustentáveis.
Ficou demonstrado que o desenvolvimento não pode ser encarado apenas na perspetiva do
crescimento económico e que tem de ser considerado, também, numa perspetiva ambiental,
política, administrativa, social e cultural, para que seja possível promover um desenvolvimento local
sustentável, como decorre da análise dos capítulos anteriores desta Unidade Didática.
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EXEMPLO
Redução do Risco de Desastre – Um desafio para o desenvolvimento (disponível no
Infodoc)
► Aspetos socioculturais:
Prendem-se com as fragilidades e lacunas relacionadas com os níveis e formas de organização
social, a identidade com o território, as relações que acompanham o nosso desenvolvimento
no ambiente que nos rodeia, os conhecimentos, as capacidades, as formas de atuar, as
percepções, as crenças e interpretações através das quais desenvolvemos o nosso habitat.
► Aspetos económicos:
São as fragilidades relacionadas com a distribuição da riqueza e os processos de aquisição e
intercâmbio que caracterizam as relações nos territórios, como: a carência ou falta de recursos,
o uso irracional dos existentes, os investimentos e práticas económicas que não preveem ou
que agravam o risco de desastres, deficiências nos meios de subsistência e emprego digno,
nível de endividamento e dependência externa, etc.
► Aspetos político-administrativos:
São as fragilidades a nível da autonomia, capacidades, administração e uso de recursos ao
dispor das autoridades locais e dos atores fundamentais do desenvolvimento local para tomar,
influenciar e promover decisões relacionadas com a redução do risco de desastres e o
desenvolvimento territorial, assim como a autonomia, as capacidades e os mecanismos de
gestão necessários para as implementar.
27 Estes aspetos serão desenvolvidos de forma mais precisa nos capítulos e Unidades Didáticas seguintes.
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desenvolvimento integral de uma comunidade. Esta situação torna-se muito mais evidente nos
territórios e ao nível local, por ser o espaço onde se concretizam as decisões tomadas nas diferentes
esferas do poder e onde ocorrem os desastres.
É necessário perceber que os investimentos nos territórios não podem ser analisados
exclusivamente na perspetiva da geração de excedentes, devendo ser efetuados no quadro do
desenvolvimento humano sustentável. Deve tomar-se em consideração as pessoas, os grupos
sociais afetados ou beneficiados por diferentes decisões; o impacto social, cultural, ambiental e
político; e não só os interesses globais, nacionais ou macroeconómicos. Deve prevalecer o
benefício público sobre o privado, a segurança das pessoas sobre o lucro e a realidade do
território sobre fatores exógenos. As soluções em que todos ficam a ganhar, são as mais
apropriadas para um desenvolvimento sustentável.
EXEMPLO
Meio ambiente e vulnerabilidade a percepção ambiental de risco e o comportamento
humano (disponível no Infodoc)
O artigo discute fatores que influenciam a preparação e as respostas no ciclo geral das emergências
e desastres (contextos ambiental, social, político, económico, cultural e institucional) integrando
conhecimentos psicológicos, sociais e físicos acerca da sustentabilidade, vulnerabilidade e riscos.
Esta realidade também não é estranha aos projetos e programas de cooperação internacional, dos
bancos de desenvolvimento e das instituições financeiras internacionais. Lamentavelmente, muitos
programas sobrepõem ainda os seus interesses de curto prazo ao impacto que podem ter na criação
de vulnerabilidade e à sua incidência negativa nos meios de subsistência da população local. O
exemplo seguinte demonstra com casos concretos estas afirmações.
EXEMPLO
Os bancos de desenvolvimento devem retirar lições dos desastres (disponível em inglês)
Um tema pouco debatido, mas também bastante importante no contexto atual, é o papel
desempenhado pelas políticas energéticas internacionais na geração do risco. As nossas sociedades
necessitam para o seu funcionamento de grandes quantidades de energia e recursos renováveis e
não renováveis, cuja exploração à luz dos padrões de consumo atuais coloca em risco o equilíbrio
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dos ecossistemas e contribui para a poluição ambiental do planeta, com efeitos negativos muito
concentrados nalguns territórios.
Através do uso indiscriminado dos recursos, como é o caso dos combustíveis fósseis, contribui-se
para o aquecimento global, que influencia as alterações climáticas com efeitos demonstrados na
periodicidade e intensidade de fenómenos hidrometeorológicos, com consequências desastrosas,
como é o caso dos furacões nas Caraíbas.
EXEMPLO
www.aaa.comA preservação da camada de Ozono - Angola (disponível no Infodoc)
A destruição da Camada de Ozono que protege o Planeta “Terra” é um dos mais sérios
problemas ambientais de alcance global que enfrentamos. A Camada de Ozono está sendo
destruída por Substâncias Cloradas e Bromadas, produzidas pelo Homem em laboratórios e
utilizadas nos setores de refrigeração e ar condicionado, agricultura, extinção de incêndios,
indústria de espuma, solventes e aerossóis.
Existem ainda os interesses e projetos de grandes corporações multinacionais que, na ânsia de gerar
rentabilidade para os seus acionistas e investidores, pelo custo mais baixo e no menor prazo
possível, não tomam em consideração a geração do risco de desastre com forte perigo para o
desenvolvimento de comunidades locais.
São inúmeros os exemplos da incidência negativa de grandes projetos nos ecossistemas territoriais
devido à introdução de espécies exógenas (florestais, agrícolas, piscícolas, etc.) que destroem ou
reduzem a produtividade e o ambiente local, e poluem o solo, o subsolo e as águas em
consequência da utilização de produtos agroquímicos, pesticidas e herbicidas. Acresce a esta
situação a sobreexploração dos recursos naturais e a imposição de sistemas de desenvolvimento
baseados na especialização produtiva, que reduz a diversidade económico-produtiva local, criando
sérios problemas de sobrevivência para as populações afetadas. As populações veem-se perante
situações adversas, que não sabem gerir com os seus próprios recursos e capacidades, o que
aumenta a sua vulnerabilidade.
"Ao desflorestar a floresta nativa para plantações de espécies exógenas ou para a criação de gado, ao cortar e reduzir
os mangais para a cultura de camarões e de outras espécies, ao inundar grandes extensões de territórios com barragens,
ao urbanizar extensas zonas férteis e cobri-las com asfalto e cimento, eliminam-se e reduzem-se as defesas naturais
dos ecossistemas que sustêm os ventos, amainam as ondas, retêm a água, evitam a erosão e, por fim, previnem
catástrofes humanas, económicas e ambientais. É um princípio básico de todos os processos de desenvolvimento local
que o crescimento económico não pode ser a qualquer preço e à custa do desenvolvimento humano sustentável, do
ambiente e da vida das pessoas”. 28
28Excerto do artigo publicado na Revista Delnet @local.glob: Valdés, J., A redução do risco de desastres: uma chamada para a ação, Centro
Internacional de Formação da OIT, 2006. Acessível no Infodoc e no sítio http://www.itcilo.org/delnet
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Integrar medidas, que tanto podem ser simples como complexas, nas nossas tarefas locais permitirá
caminhar no sentido de uma cultura de redução do risco de desastres. As ações de prevenção e
mitigação não estão tão distantes das nossas possibilidades no território como pensamos e não
exigem necessariamente grandes investimentos económicos ou de recursos, como muitas vezes
supomos.
Intervenções simples podem reduzir notavelmente o risco, permitindo evitar a erosão do solo e as
inundações súbitas; enfrentar com mais resistência e capacidades um sismo ou um furacão; prevenir
deslizamentos ou derrocadas; ou seja, avançar para formas mais seguras de vida. Mencionam-se
algumas a título de exemplo:
• organização e coordenação interinstitucional e interdisciplinar para analisar e planear as
medidas, envolvendo as autoridades locais, as universidades e instituições técnicas pertinentes, e
afetação de recursos mínimos;
• qualificação das populações e dos funcionários e decisores;
• conhecimento, cartografia e estudo das ameaças e vulnerabilidades;
• previsão de desastres e elaboração de planos de preparação;
• limpeza de canos, algerozes e sarjetas;
• reforço das nossas habitações e edifícios públicos;
• estabilização de muros e encostas;
• reflorestação ou florestação de zonas desflorestadas;
• aplicação de normas e códigos de construção nos novos edifícios;
• elaboração de planos de desenvolvimento urbano, uso dos solos e ordenamento do território;
• melhor localização e qualidade de construção das nossas habitações e edifícios;
• proteção e melhoria do ambiente e dos ecossistemas;
• uso e tratamento adequado dos resíduos;
• em casos extremos, relocalização de populações em locais mais seguros.
Muitas medidas aqui mencionadas não são impossíveis de concretizar e, em princípio, em cada
localidade deveria existir um mínimo de recursos e capacidades para as implementar. No entanto, a
formação de uma cultura de prevenção deve ir muito mais além dos exemplos mencionados. O
mundo atual enfrenta em todos os níveis territoriais uma realidade em mudança e em rápida
transformação, fruto da dinâmica social, económica, tecnológica, comunicacional e, inclusivamente,
ambiental.
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A redução do risco de desastres depende sobretudo das consequências de decisões coletivas que
forem adotadas e de ações que forem implementadas. Nesse sentido, a cultura de redução de
desastres depende dos seguintes contextos e processos 29 :
► Contexto e suporte político
► Conhecimento das ameaças, das vulnerabilidades e do risco
► Desenvolvimento sustentável nos seus aspetos conexos
• Sociocultural
• Económico
• Político-administrativo
• Ambiental
► Condições locais/territoriais que aliem a redução do risco de desastres ao desenvolvimento
sustentável.
Importa, portanto, adotar sistemas que promovam a equidade e uma distribuição mais justa dos
excedentes e benefícios; formas de produção adaptadas aos recursos endógenos, ao ambiente e à
cultura de um território; promover a implementação de políticas públicas adequadas ao
fortalecimento do papel das autoridades e atores locais e da descentralização; bem como motivar a
tomada de consciência e a integração da abordagem de redução do risco nos programas de
desenvolvimento da cooperação internacional, dos organismos financeiros e dos governos.
Deve privilegiar-se uma abordagem que ataque as raízes e causas estruturais do problema
relacionado com os sistemas de desenvolvimento ou, melhor dizendo, de desenvolvimento
errado que, ao ritmo atual, redundará em mais pobreza e tornará vulnerável um número cada vez
maior de pessoas no planeta.
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Carta enviada por Yolanda Villar Gómez a toda a rede Delnet poucos dias depois do
furacão Stan em El Salvador (21/10/2005)
Estimados/as companheiros/as:
De El Salvador, obrigada pelas palavras de alento. Creio que devemos pegar nas lições aprendidas
e utilizá-las para o futuro, já nos dão duas explicações [no debate que se gerou na lista de
distribuição - Nota da redação]
• degradação do ambiente
• prevenção de desastres
Mas pergunto-me, que estamos a fazer mal? Já passaram mais de 7 anos, sobretudo desde o
furacão Mitch, com um número elevadíssimo de projetos de prevenção e mitigação de desastres,
está "na moda"; redes de prevenção que reúnem um elevado número de organismos
governamentais e ONG, uma multiplicidade de técnicos qualificados, milhões e milhões de planos
e criação de comités de emergência locais, autarquias "sensibilizadas" e com planos…. no Baixo
Lempa, agora inundado, quase todos os líderes comunitários receberam formação em prevenção e
mitigação de desastres, existem planos de evacuação, talvez por isso o número de vítimas mortais
não tenha sido maior… Mas o Baixo Lempa continua inundado.
Creio que devemos começar a perceber por que razão, 7 anos depois, poucas coisas melhoraram,
por que motivo a margem está a ser trabalhada há mais de 5 anos, não chega... a capacitação e
coordenação por si só não fornecem as soluções, ou será que a natureza mostra cada vez mais que
estamos a dar cabo de tudo no mundo?
De que serviram os muros de contenção nas estradas, reforçados após os sismos de 2001, se todos
caíram? De que serve o bairro Modelo ficar inundado após cada temporal? Que aprendemos com
todas estas medidas?
Talvez tenhamos de nos contentar por não haver mais vítimas mortais e por ir reduzindo o seu
número, mas creio que se impõe uma reflexão séria sobre o que entendemos pelos conceitos de
"prevenção" e "mitigação": prevenção para quê, mitigação para quê.
Frequentei milhares de cursos e trabalhei na mitigação de desastres, mas que podemos fazer
perante aparelhos burocráticos como os dos nossos países?
Ambiente. Prevenção e mitigação. Pensemos agora numa nova forma de abordar estes temas...
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Os dois caracteres chineses que formam a palavra crise, separadamente significam ameaça e
oportunidade. Um conceito combinado como este recorda-nos que, à medida que mudam as
condições dos seres humanos, também mudam as atitudes e as possibilidades. Num mundo que
parece piorar, o incentivo para que tal não suceda é cada vez maior. 30 Quer dizer, uma crise não é
necessariamente negativa, também pode significar uma oportunidade para superar determinadas
situações complexas e difíceis e criar melhores condições, dependendo de como a enfrentamos e
nos dispomos a resolvê-la.
Após um desastre, uma sociedade fica abalada pelo impacto e destruição causados nas
comunidades, na vida quotidiana, no nosso território e no nosso habitat em geral. Gera-se um
elevado grau de sensibilidade e solidariedade coletiva que predispõe a população para tomar
consciência do risco, bem como da necessidade de evitar futuras ocorrências de catástrofes e de
construir sociedades mais resilientes. Cria-se um ambiente positivo e abrem-se janelas de
oportunidade que, com uma gestão adequada e uma direção correta, podem permitir:
► Tomar consciência social do risco e dos fatores que produziram o desastre.
► Criar um ambiente político favorável para realizar mudanças estruturais a nível económico,
político, social, cultural e ambiental.
► Empreender processos de avaliação e valorização do risco que reanalisem as práticas de
desenvolvimento que conduziram à tragédia.
► Transferir recursos para reforço de áreas vulneráveis.
► Promover projetos adaptados à realidade do território centrados no risco de desastres.
► Motivar investimentos de apoio nacional e internacional dirigidos ao desenvolvimento local
sustentável.
► Reestruturar ou suprir lacunas na economia, fortalecer os meios de subsistência locais, criar
fontes de trabalho dignas e diversificar a produção.
► Promover, fortalecer programas e iniciativas destinadas a reduzir a pobreza.
► Integrar novos atores nos processos de desenvolvimento, principalmente nos setores mais
excluídos e cruciais do desenvolvimento local.
► Reforçar o papel das autoridades locais.
► Fortalecer a democracia, a participação dos cidadãos e a governabilidade.
Podemos assegurar que o período pós-desastre pode transformar-se numa verdadeira oportunidade
para adotar formas mais sustentáveis de desenvolvimento 31 , se se atuar com responsabilidade,
objetividade e consciência sobre as causas que originaram a tragédia. É uma oportunidade para,
num clima favorável, mas temporário, impulsionar ações centradas no reforço das capacidades dos
atores do desenvolvimento local e das comunidades afetadas e, simultaneamente, na melhoria da
qualidade de vida, na redução da pobreza, na criação de fontes de empregos dignos e de
desenvolvimento económico seguro. É igualmente uma oportunidade para garantir no futuro o
30 EIRD, Viver com o risco, Relatório mundial sobre desastres, EIRD/ONU, 2004.
31 Este tema será desenvolvido em pormenor na Unidade Didática 6, que aborda a reconstrução pós-desastre.
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maior nível de segurança para os bens, os meios de subsistência e, especialmente, a vida das
pessoas.
EXEMPLO
Sismo do Paquistão: um ano depois, milhares de vítimas continuam expostas ao risco
FICV, 2006 (disponível em inglês)
Um ano depois, estima-se que quase 66 000 famílias ainda não têm habitação permanente. As
inundações e os deslizamentos deixaram muitas pessoas prejudicadas pelo sismo em condições
ainda mais precárias. Perante esta situação, o Crescente Vermelho do Paquistão (CVP) e a
Federação Internacional acionaram planos de contingência para fornecer abrigos de emergência a
13 500 famílias da província da fronteira noroeste e da zona de Caxemira administrada pelo
Paquistão.
Esta foi a tónica, não só da imprensa e das especulações, mas também das políticas institucionais,
quer de âmbito nacional, quer de âmbito internacional, face aos desastres, que é, designadamente:
atuar sobre a emergência. A resposta aos desastres foi e continua a ser dominada pela assistência
humanitária.
Estes desastres detonaram um alerta na comunidade internacional, que reagiu e começou a tomar
medidas para reduzir os seus efeitos. Atualmente estão em curso importantes processos nos
continentes americano, asiático, africano e europeu, bem como no Pacífico, relacionados com a
redução do risco de desastres, tanto no âmbito local, como nacional e supranacional.
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EXEMPLO
Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD) das Nações Unidas – África
(disponível em inglês)
A EIRD - África das Nações Unidas mantém e reforça parcerias na região e colabora
com parceiros, incluindo organizações intergovernamentais regionais e sub-regionais como a
Comissão da União Africana, a Comunidade Económica dos Estados da África Central, a
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, a Autoridade Intergovernamental de
Desenvolvimento, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, a Comunidade da
África Oriental, instituições especializadas a nível regional e subregional, plataformas nacionais ou
mecanismos de coordenação para a redução do risco de desastres, entidades governamentais,
Universidades, Agências das Nações Unidas e sociedade civil.
O principal quadro Africano para a Redução do Risco de Desastres, adotada na 10ª reunião da
Conferência Ministerial Africana do Meio Ambiente em 2004, é a Estratégia Regional Africana
para a Redução do Risco de Desastres.
Com o apoio de EIRD, a Comissão da União Africana formulou e aprovou o Programa de
Ação para a Implementação da Estratégia Regional Africana para a Redução do Risco de
Desastres (2005-2010) na Primeira Conferência Ministerial Africana sobre a Redução do Risco de
Desastres em Addis Abeba em 2005.
Na Segunda Conferência Ministerial sobre a Redução do Risco de Desastres, que foi organizada
conjuntamente pela Comissão da União Africana e EIRD-ONU África, uma revisão de fundo que
reflete as lacunas atuais, incluindo a integração de preocupações com as mudanças climáticas
na redução do risco de desastres, e prorrogando o prazo para 2015, foi adotada juntamente com
uma Declaração Ministerial.
Em consequência destes esforços, várias organizações da ONU, como o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização
Panamericana da Saúde (OPS)/a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização
Mundial Meteorológica (OMM), a UNESCO e a UNICEF, entre outras, promovem programas
e projetos dentro da sua esfera de ação destinados a reduzir o risco dos países mais vulneráveis dos
continentes africano, asiático, americano e europeu.
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EXEMPLO
Revisão Intercalar do Quadro de Ação de Hyogo 2005-2015 (disponível em inglês)
Há uma consciência cada vez maior, não só de que a redução do risco de desastres deve ser parte
integrante e transversal dos processos de desenvolvimento, dos investimentos, programas e
projetos, mas também de que só o desenvolvimento local sustentável poderá evitar a construção de
sociedades vulneráveis, atacando a raiz dos problemas que geram o risco, e avançar rumo a um
mundo mais seguro. Esta visão foi ratificada pelo lançamento da EIRD, no Plano de
Implementação de Joanesburgo, na Declaração do Milénio e, sobretudo, no Quadro de Ação de
Hyogo.
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Não é invulgar que certas crenças, interpretações ou afirmações sem fundamento, inclusivamente
perigosas, incidam negativamente na perceção do risco de desastres e também nas medidas
adotadas para os reduzir. Muitos mitos ou conceções estigmatizados são amplamente difundidos,
não só pelas pessoas que desconhecem o tema, mas também por investigadores, inclusivamente
peritos e por meios de comunicação social que tendem a reforçar a visão fatalista e pessimista de
que os desastres não podem ser evitados ou resultam de fatores que não estão relacionados com as
nossas atividades, com as nossas relações com o ambiente ou com a forma como construímos as
nossas sociedades. Chegou-se a afirmar que "os desastres" são um tema que só pode ser abordado
por especialistas. Nesta secção procuraremos enfrentar alguns destes mitos.
1. Os desastres são "naturais". É comum ver na televisão, ler nos jornais, inclusivamente ouvir
de conferencistas e especialistas ou até no seio de organizações que trabalham neste domínio,
que os desastres provocados por ameaças naturais (como sismos, erupções vulcânicas,
inundações, avalanchas, etc.) são "desastres naturais", quando sabemos que são o produto da
relação entre a vulnerabilidade e as ameaças que predispõem uma sociedade para o risco de
desastres. Os desastres NÃO SÃO NATURAIS, as ameaças podem sê-lo.
3. "É necessária ajuda externa". É comum ler nos glossários, na definição de "desastre", que:
"as perdas causadas por um desastre excedem a capacidade da comunidade ou da
sociedade de fazer frente à situação utilizando os seus próprios recursos e que é
necessária ajuda externa para os enfrentar….". Lamentavelmente, este tipo de definição
predomina a nível internacional; o conceito que lhe subjaz contradiz os fundamentos do
desenvolvimento local, estudados nesta UD, que se baseiam na reclamação, no uso e no reforço
dos recursos endógenos do território. Esta afirmação tende a gerar dependência e a debilitar os
pontos fortes locais. De facto, as comunidades locais são a primeira linha de resposta e quem,
regra geral, assume a responsabilidade de restabelecer o funcionamento da sociedade perante
uma adversidade que outros agentes sociais não conseguiriam enfrentar, mesmo dispondo de
grandes recursos.
Moçambique, por exemplo, possui uma extensão territorial de 801 590 km2 e uma população
com cerca de 20 milhões de habitantes. Por seu lado, a Alemanha possui 357 050 km2 de
território e cerca de 83 milhões de habitantes. Com um território duas vezes menor que
Moçambique, a Alemanha possui uma população 4 vezes maior. Pese embora uma densidade
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demográfica muito superior, não podemos garantir que este país tem maior risco de desastres e
maior vulnerabilidade que Moçambique.
É necessário ter em consideração que o mundo avança inevitavelmente para uma era
predominantemente urbana, em que as cidades, se forem planeadas e geridas adequadamente,
podem converter-se em pólos de atração e desenvolvimento; oferecer oportunidades de
trabalho e serviços básicos; promover a cultura, a educação e oportunidades para importantes
segmentos da população e não, necessariamente, representar um perigo para o
desenvolvimento.
6. Os mundos urbano e rural. Um elevado número de análises refere-se aos mundos urbano e
rural como sendo antagónicos e debatem qual deles e respectivas populações são mais
vulneráveis ou geram maior ou menor risco que os outros. As relações entre os mundos rural e
urbano são necessárias e complementares, e os territórios geralmente partilham espaços onde
convivem as duas formas de aglomerados humanos, que se interrelacionam e dependem
mutuamente uma da outra para subsistir e se desenvolver. Não são eles que geram maior ou
menor risco, mas a forma como se desenvolvem, os meios de subsistência e as oportunidades
de cada espaço para promover os processos de construção do seu próprio habitat.
Romper com estes mitos e a dependência predispõem uma sociedade a reduzir a sua
vulnerabilidade e motivam-na a procurar e desenvolver os seus próprios métodos, potenciando a
utilização dos seus próprios recursos e capacidades.
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âmbito do qual os governos devem, para além de produzir legislação, facilitar espaços e criar
mecanismos adequados de descentralização que permitam às autoridades e atores fundamentais
do território assumir as suas responsabilidades e impulsionar processos de desenvolvimento
com autonomia, capacidades e recursos.
"Cada vez se reconhece mais que a gestão local do risco de desastres é um elemento fundamental das estratégias
que pretendem reduzir os riscos com base na qualidade das redes comunitárias, no tecido social e numa gestão
municipal eficaz" (PNUD, 2004).
EXEMPLO
Indígenas desarmados perante desastres (disponível em espanhol)
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aplicar-se às atividades que aumentem a vulnerabilidade, poluam o ambiente e delapidem os
recursos naturais. Os recursos obtidos com estes impostos poderiam ser investidos no sentido
de reverter as consequências negativas originadas por ações insustentáveis e ser utilizados pela
comunidade, pelas cooperativas ou por empresas locais que geram emprego e meios de
subsistência para as populações afetadas.
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► Os desastres podem ter efeitos negativos e constituir uma verdadeira ameaça para o
desenvolvimento, principalmente nos territórios em maior risco, e representam um
grande desafio para a segurança das pessoas, o ambiente e os meios de subsistência.
► Os desastres não são naturais, mas as ameaças podem sê-lo. Os mecanismos e ações de
redução do risco estão nas nossas mãos, porque as atividades humanas são as
principais causas dos desastres.
► Os desastres podem ser uma "janela" de oportunidade para reduzir o risco futuro e
reequacionar os sistemas de desenvolvimento, porque geram um conjunto de situações
que predispõem e sensibilizam a sociedade para uma tomada de consciência sobre o
risco.
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Desenvolvimento Local do Centro Internacional de
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