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UD 1

EDIÇÃO 2010 - 2011

PROGRAMA DELNET
DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO LOCAL
UNIDADES
DIDÁTICAS

Os processos de globalização,
descentralização e
desenvolvimento local face ao
impacto dos desastres no
território

Curso de Redução do Risco de Desastres e


Desenvolvimento Local Sustentável

© Centro Internacional de Formação da OIT

www.itcilo.org/delnet
delnet@itcilo.org
Cooperação Humanitária do Governo
e do Povo do Brasil
UNIDADES
DIDÁTICAS UD 1

ADVERTÊNCIA
A utilização de uma linguagem que não discrimine nem marque diferenças entre homens e mulheres
é uma das preocupações da nossa Organização. Porém, tal uso do nosso idioma apresenta soluções
muito variadas sobre as quais os linguistas ainda não chegaram a um acordo. Neste sentido, e com o
intuito de evitar a sobrecarga gráfica que implicaria utilizar "o/a" para marcar a presença de ambos os
sexos, optamos por utilizar o clássico masculino genérico, considerando que todas as menções nesse
género representam sempre todos, homens e mulheres, abrangendo claramente ambos os sexos.

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ÍNDICE

Prefácio

Introdução

1. Globalização e território:antecedentes do desenvolvimento local


1.1. O sistema político-económico ocidental a partir de 1970
1.2. A globalização e os seus efeitos nas sociedades

2. O desenvolvimento local sustentável como oportunidade de mudança


2.1. Mobilização para a mudança: começar localmente
2.2. Fundamentos do desenvolvimento local
2.3. O desenvolvimento local sustentável e a redução do risco de desastres

3. Desastres, riscos e desenvolvimento: uma aproximação à sua relação


3.1. Generalidades
3.2. Os desastres: ameaças ao desenvolvimento humano
3.3. O papel do desenvolvimento sustentável na redução do risco
3.4. Enfrentar mitos

4. Bibliografia geral

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PREFÁCIO
A redução do risco de desastres como prática do desenvolvimento 
local sustentável 

A redução do risco de desastres é um processo permanente de análise, planeamento, tomada de


decisões e implementação de ações destinadas a corrigir as vulnerabilidades acumuladas ao longo
dos processos de desenvolvimento e a mitigar, prevenir e, no melhor dos casos, evitar que os
efeitos de um fenómeno potencialmente destrutivo provoquem danos ou perturbações graves na
vida das pessoas, nos seus meios de subsistência e nos ecossistemas dos territórios. Diz respeito a
medidas que devem ser assumidas e adotadas pelo conjunto da sociedade nos diferentes momentos,
espaços e dimensões do desenvolvimento.

O impacto negativo de um evento destrutivo está relacionado com a suscetibilidade de uma


determinada comunidade a danos provocados pela ocorrência de um ou vários fenómenos físicos
potencialmente destrutivos como, por exemplo, furacões, sismos, maremotos, inundações,
incêndios, desflorestação, poluição, etc. Esta predisposição está relacionada com a nossa
convivência com o ambiente que nos rodeia e com as lacunas e os danos que provocamos quando
implementamos transformações no ambiente físico e natural que diminuem as potencialidades e a
resiliência das sociedades e dos ecossistemas de que dependemos para a nossa subsistência. Por
outras palavras, as vulnerabilidades de um território são o produto de práticas culturais, sociais,
económicas, produtivas e ambientais, bem como de decisões políticas erradas ou de fragilidades
administrativas e institucionais que promovemos através dos nossos padrões de desenvolvimento.

A redução e a gestão do risco de desastres não deve, portanto, entender-se como uma atividade
pontual que obedece a ações isoladas ou conjunturais, mas como uma componente transversal a
todas as atividades de um território: é parte integrante do seu processo de desenvolvimento e do
seu planeamento estratégico.

Para alcançar a sustentabilidade e o desenvolvimento harmonioso de um território, é necessário que


a redução do risco integre ações destinadas a identificar e reduzir os riscos acumulados ao longo do
tempo e, na medida do possível, a evitar a ocorrência de novos riscos. Nesse sentido, é necessário
trabalhar na procura de soluções permanentes para as causas estruturais do risco e não apenas para
os efeitos negativos dos desastres, o que implica uma mudança da abordagem predominante.

O programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT aborda a gestão do


desenvolvimento local e da redução do risco numa perspetiva integrada da sustentabilidade e da
utilização dos recursos endógenos dos territórios. Nos processos de desenvolvimento, as principais
ferramentas de uma comunidade são as suas próprias competências e pontos fortes.

As autoridades locais e os atores socioeconómicos possuem conhecimentos valiosos sobre o


território e, em muitos casos, estão cientes dos fatores que geram o risco e limitam o
desenvolvimento. As suas capacidades devem ser potenciadas e fortalecidas, porque são essenciais
para garantir o desenvolvimento sustentável e uma melhor convivência entre a sociedade e o
ambiente.

Por tudo quanto se afirmou anteriormente, consideramos necessário integrar no processo de


formação para a redução do risco de desastres aspetos relacionados com o desenvolvimento local
sustentável, o planeamento estratégico do território, a utilização adequada dos recursos locais, a
participação dos atores fundamentais do desenvolvimento (públicos e privados), os preparativos em
caso de desastres, a reconstrução pós-desastre, assim como aspetos integrais da gestão do risco com
o fim de garantir sistemas futuros mais sustentáveis e holísticos de desenvolvimento local.

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INTRODUÇÃO
A primeira Unidade Didática do Curso Redução do Risco de Desastres no Quadro do
Desenvolvimento Local Sustentável tem por objetivo ministrar aos seus participantes os
conhecimentos teóricos e básicos do desenvolvimento local, desde as suas origens até à sua
aplicação concreta na atualidade. Através da análise dos seus fatores de êxito fundamentais, mas
também dos seus limites, serão estudadas as potencialidades do desenvolvimento local sustentável
nos processos de redução do risco de desastres.

Na perspetiva do Delnet, a análise da redução do risco de desastres é indissociável do


desenvolvimento local e da sustentabilidade. É a nível local que se manifestam as consequências
de um evento destrutivo, se encontram as ferramentas para reduzir o seu impacto no futuro e se
constrói o desenvolvimento sustentável do território. Se não nos centrarmos na redução do risco
como parte integrante dos processos de desenvolvimento e se os processos de desenvolvimento
não contemplarem a redução do risco como elemento transversal às suas ações, pouco
conseguiremos avançar na construção de sociedades seguras e sustentáveis.

Alargar-nos em explicações sobre o significado do conceito de desenvolvimento local, que constitui


um processo complexo e integrado da sociedade e está relacionado com todas as vertentes do
território, seria tão inútil como tentar procurar uma definição generalizada, porque existe uma vasta
literatura que tem servido de base ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de muitas abordagens
sobre o tema ao longo das últimas décadas. Partindo da experiência do Delnet e com base numa
bibliografia selecionada, as páginas subsequentes propõem as seguintes linhas de reflexão, que se
traduzem em objetivos concretos da primeira Unidade Didática:
• apresentar o desenvolvimento local, em primeiro lugar, como uma resposta a partir do
território e como uma alternativa na procura de soluções territoriais para os problemas globais
que afetam a sociedade contemporânea;
• construir uma visão integradora do desenvolvimento local que incorpore, através da sua
ferramenta principal, o Planeamento Estratégico (que será estudado na UD3), tanto os aspetos
económicos, como os aspetos sociais, políticos, ambientais e culturais, valorizando o papel do
território e dos atores fundamentais ao longo de todo o processo;
• sublinhar que o desenvolvimento local, para marcar a diferença com os anteriores e atuais
sistemas de desenvolvimento, deve articular-se numa "resposta política" (no sentido de "arte de
governar a sociedade") aos desequilíbrios de caráter económico e às injustiças sociais;
• analisar como esta resposta política pode constituir um elemento de transformação das relações
e interações económicas, administrativas, ambientais, sociais e físicas que se materializam na
criação/construção do ambiente em que vivemos e, por conseguinte, representar uma
"intervenção sobre as causas que produzem os desastres".

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Nesta primeira Unidade Didática estabelece-se como objetivos que será


capaz de:

► Situar o conceito de território no contexto da globalização;

► Compreender os custos sociais da globalização económica e como eles contribuem para


aumentar o nível de risco e de vulnerabilidade nas sociedades;

► Identificar os elementos fundamentais do desenvolvimento local;

► Compreender a importância de conceitos como participação, sustentabilidade e


descentralização;

► Compreender como e porquê os desastres afetam negativamente o desenvolvimento e como os


padrões de desenvolvimento podem refletir-se tanto no aumento como na redução do risco de
desastres.

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GLOBALIZAÇÃO E TERRITÓRIO:
1 ANTECEDENTES DO DESENVOLVIMENTO
LOCAL

OBJETIVOS DO CAPÍTULO 1
O primeiro capítulo tem como objetivos:

► Situar o desenvolvimento local no contexto das mudanças económicas, sociais, políticas e


institucionais que caracterizam o mundo atual, identificando os principais elementos do
processo de reestruturação económica e de mudança do papel do Estado;

► Assentar as bases que permitirão ao longo do curso construir uma visão integradora da relação
entre desenvolvimento local, sustentabilidade, democratização e redução do risco de desastres.

Em fevereiro de 2004, a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, instituída


pela Organização Internacional do Trabalho, apresentou o seu relatório final, o resultado de dois
anos de trabalho e de análise sobre as distintas vertentes da globalização, as diversas formas como é
percecionada e os seus efeitos sobre o progresso económico e social. Pela primeira vez na história,
um organismo das Nações Unidas propôs-se abordar a dimensão social da globalização de forma
sistemática, insistindo no papel fundamental da dimensão local para alcançar uma globalização mais
justa que crie oportunidades para todos.

De onde surgiu a necessidade de uma reflexão crítica internacional de alto nível sobre os efeitos da
globalização? Por que se chega à conclusão de que o caminho para uma sociedade mais justa e
duradoura começa localmente? Em que consiste exatamente este caminho e em que ponto nos
encontramos?

Ao longo deste primeiro capítulo, procuraremos responder a estas perguntas, porque nessas
respostas residem os fundamentos do desenvolvimento local e as suas possíveis e desejáveis
soluções de evolução futura numa ótica de redução do risco de desastres.

Por outras palavras, quando analisamos as origens, os princípios teóricos e as características do


desenvolvimento local, não podemos esquecer em nenhum momento que todos os territórios, pese
embora a sua dimensão e localização geográfica, fazem parte de um mundo cada vez mais
interligado, e que os seus reptos e desafios não podem ser dissociados do atual processo de
globalização nem das suas consequências, sejam elas positivas ou negativas.

Veremos como os antecedentes do desenvolvimento local são de natureza política, económica,


tecnológica e social e podem ser identificados, por exemplo, na constante evolução das tecnologias
e no progressivo ascendente da economia nas sociedades; bem como, nas diferentes respostas
políticas e sociais dos territórios aos atuais sistemas de desenvolvimento e à injusta repartição dos
recursos do planeta.

Se considerarmos, como faremos nas próximas páginas, o período decorrido entre os anos 1970 e o
começo de um novo século, os antecedentes históricos do desenvolvimento local encontram-se
principalmente nestes aspetos:
• as características da reestruturação económica;
• o aparecimento de novas dinâmicas territoriais;
• o aumento da produtividade;
• a reforma do Estado e os processos de descentralização.

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Estas "etapas", aqui apresentadas para sistematizar a interação entre as dinâmicas mundiais e os
processos de desenvolvimento local, não tiveram o mesmo impacto nem a mesma sequência
temporal em todos os países do mundo. De facto, seria impossível generalizar, já que não existe
uma perceção única da globalização e, portanto, uma abordagem única do desenvolvimento local.
Se, como veremos seguidamente, nalgumas partes do mundo o desenvolvimento local reflete o
resultado de um progressivo processo de democratização e crescente autonomia das autoridades
locais, noutras zonas económica e politicamente mais desfavorecidas, muitos povos depararam-se
com a necessidade de sobreviver e de procurar alternativas de crescimento endógenas face a
modelos de desenvolvimento cada vez mais injustos e promotores de exclusão.

1.1 O sistema político-económico ocidental a partir de 1970

Embora seja difícil estabelecer uma localização temporal exata e partilhada a nível mundial, nos
países ocidentais a origem da fase mais recente de "globalização cultural e financeira" pode ser
situada na década de 1970, caracterizada também como uma época de conflitos e de turbulência,
durante a qual se produz um conjunto de desajustamentos que provocam a rutura das condições de
funcionamento da economia mundial no período anterior e criam as condições para a formação de
acordos, normas, regras de jogo e instituições que constituirão a base do atual período de
globalização 1 . De igual modo, a história económica e os equilíbrios geopolíticos que caracterizaram
as nossas sociedades nas décadas de 70 e 80 do século passado, representam o nosso ponto de
partida para entender as origens e as diversas evoluções do conceito de desenvolvimento local.

Naqueles anos, as expetativas de estabilidade política e crescimento económico criadas nos países
mais industrializados a seguir ao período dourado pós-II Guerra Mundial, caíram por terra,
abaladas por uma série de crises a todos os níveis, que comprometeram drasticamente os sistemas
de desenvolvimento em vigor até então.

O primeiro problema que se colocou no cenário internacional foi de caráter monetário. A


inconvertibilidade do dólar, que marcou o fim dos acordos de Bretton Woods e a transição para um
sistema de câmbios flutuantes, causou uma recessão quer para as economias dominantes, as quais
sofreram uma forte desvalorização monetária que, por sua vez, provocou uma subida incontrolável
dos preços dos produtos primários e das fontes energéticas, quer para os países menos
desenvolvidos, cujas moedas não conseguiam garantir uma posição estável nem significativa no
mercado internacional.

Seguidamente, o problema monetário, que então significava uma perigosa mistura de situações de
recessão e de inflação, deu lugar a um dos conflitos energéticos mais difíceis da história
contemporânea: a crise petrolífera, que eclodiu em 1979, criou uma profunda separação entre os
poucos países que saíram beneficiados (por serem produtores ou pontos nevrálgicos da circulação
de capitais) e os restantes, que aumentaram, com diferentes níveis de intensidade, a sua dependência
das grandes potências ocidentais. Os países mais pobres do mundo viram comprometidas as suas
políticas de desenvolvimento por impossibilidade de acesso à principal fonte de energia.

À margem da gravidade das crises monetária e petrolífera, o sistema capitalista no seu conjunto era
afetado por uma profunda instabilidade de caráter social que, paradoxalmente, derivava das políticas
de emprego típicas do Estado-Providência. Os conflitos sociais no seio das organizações produtivas
puseram a nu a inadaptabilidade dos sistemas produtivos da grande indústria, cuja rigidez, ainda de
"marca" fordista, chocava com a conquista dos direitos laborais, as reivindicações sindicais e a
tomada de consciência dos trabalhadores sobre um maior controlo dos processos produtivos. A
crise energética e monetária, que reduziu o poder de compra dos consumidores, em conjugação
com uma transformação radical dos padrões de consumo, resultado do crescimento dos

1
CUERVO, Luis Mauricio (2006). Globalización y territorio . CEPAL. Documento disponível no Infodoc:
http://training.itcilo.org/delnet/Intranet/DelNetInfoDoc.nsf/0/018AEC3566BE7830C125720B00324B24!OpenDocument&idioma=Po

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rendimentos nos anos anteriores, provocou uma forte contração da procura de produtos
padronizados de baixa qualidade, por um lado, e favoreceu uma maior diferenciação dos consumos
e uma consequente segmentação dos mercados, por outro lado. Para fazer face a este fenómeno, as
empresas viram-se forçadas a melhorar a sua capacidade de adaptação às leis do mercado, o que
significou uma profunda reestruturação dos seus sistemas produtivos e de gestão das
operações.

Esta complexa reestruturação do setor industrial e empresarial foi facilitada e acompanhada pela
crescente inovação tecnológica, aplicada tanto à produção como ao planeamento. Nos países de
economia de mercado, as novas possibilidades oferecidas pelo progresso tecnológico
impulsionaram grandes investimentos na racionalização dos ciclos de produção e provocaram uma
maior subdivisão das fases operativas.

Analisemos de forma mais pormenorizada alguns elementos característicos da reestruturação


económica e produtiva que teve lugar a partir da década de 1970, porque ela é responsável pelo
protagonismo assumido pelos espaços locais no desenvolvimento económico. Mais
precisamente, analisaremos quatro componentes: o crescimento económico, as novas dinâmicas
territoriais, o aumento da produtividade e a reforma do Estado.

1.1.1 O crescimento económico

Até aos anos setenta do século XX, o crescimento económico baseara-se num modelo “de cima
para baixo" (top-down approach), que pressupõe uma forte intervenção e planeamento do Estado
nacional. Os instrumentos profusamente utilizados nesta etapa centravam-se no recurso prioritário
à despesa pública para a criação de infraestruturas e para a concessão de incentivos à localização de
empresas e à criação de emprego. A industrialização e a concentração da população foram os eixos
fundamentais de transformação estrutural e de mudança social. As soluções impulsionadas pelo
Estado nacional para dinamizar os seus territórios consistiam em vultuosos investimentos no
crescimento urbano/industrial com base num sistema de desenvolvimento regional sucessivamente
denominado modelo de concentração/difusão por diversos autores.

Modelo de concentração/difusão
Forte intervenção estatal

Concessão de
Criação de
Despesa pública incentivos para a
Infraestruturas
destinada à localização de empresas
e a criação de emprego
Gráfico 1, Capítulo 1: Elementos do modelo de concentração/difusão

As consequências, em termos de crescimento, foram muito favoráveis para as áreas urbanas que
beneficiaram de grandes investimentos em prol da concentração; em contrapartida, nas áreas
rurais só as zonas limítrofes dos núcleos urbanos (áreas metropolitanas) participaram neste
processo, e por mera ação de difusão.

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EXEMPLO
África Subsaariana e globalização (disponível no Infodoc)

Este documento analisa o impacto da globalização na África subsaariana é das regiões,


internacionalmente, menos integradas, havendo o risco de que o processo da globalização venha a
aumentar, ainda mais, as disparidades entre essas regiões, tornando os mais desenvolvidos e
integrados cada vez mais desenvolvidos e integrados e os marginalizados e dependentes cada vez
mais marginalizados e dependentes. Encontrar os meios para acelerar a integração dos países em
vias de desenvolvimento, também em vias de desintegração, será um desafio especialmente
importante.

Após a crise petrolífera, que mergulhou os países industrializados numa profunda recessão
económica, e perante os escassos resultados a nível do aumento da produtividade, gerou-se a partir
da década de 1970 uma rutura do sistema de acumulação que sustentara o crescimento económico
do pós-guerra nos países industrializados, com consequências imediatas no resto do planeta.

Associado a esta rutura surgiu um sistema alternativo de acumulação e produção baseado na


procura de maior flexibilidade económica: liberalização dos mercados e abertura
económica.

Para os territórios, as consequências a curto prazo foram muito radicais, pois muitos deles viram-se
forçados a enfrentar graves problemas estruturais de natureza socioeconómica em consequência da
incapacidade para reagir e se adaptar à nova situação, enquanto outros encontraram oportunidades
de crescimento que lhes tinham sido sistematicamente negadas com o sistema anterior.

Começou a perfilar-se por estes anos, nos países industrializados, um sistema de desenvolvimento
diferente do anterior sistema de concentração/difusão: o modelo de industrialização local descentralizada.

O modelo de industrialização local descentralizada baseia-se na combinação de um conjunto de situações que vão
desde o estado de necessidade à disponibilidade de recursos naturais e/ou a uma boa localização geográfica de um
território. A existência de uma certa capacidade empresarial, de mão-de-obra qualificada, abundante e com salários
competitivos, de poupanças locais e de conhecimentos práticos sobre produtos e mercados são fatores que convertem os
territórios em pólos atrativos de investimento e produção e, por conseguinte, em oportunidades de trabalho.

As denominadas economias de aglomeração foram um fator importante nos processos de


industrialização local. As economias de aglomeração oferecem vantagens na instalação, crescimento
e desenvolvimento de empresas pela concentração espacial num mesmo território de atividades
semelhantes e porque existe cooperação e partilha de fornecedores especializados, empresas
auxiliares, mão-de-obra qualificada, serviços externos de apoio empresarial, centros de investigação,
sistemas de transferência de conhecimentos e informação, etc.

Este contexto proporcionou o crescimento notável dos sistemas locais de empresa, clusters, centros
de inovação e incubadoras de empresas como formas de economia de aglomeração, porque
permitem formas de acumulação de capital que se adaptam devidamente às condições de mudança
do ambiente económico. São sistemas produtivos implementados em territórios que se caracterizam
por contarem com um elevado número de infraestruturas básicas, a formação progressiva de um
sistema informativo eficiente sobre a área, elevada qualificação profissional dos trabalhadores e
serviços eficientes de apoio à produção. Neste processo ganham importância as redes locais de
atores e as relações estratégicas entre o sistema de empresas que se vai constituindo e a envolvente
territorial, sedimentando-se desta forma as bases do desenvolvimento económico local.

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EXEMPLOS
Os clusters de alta tecnologia e o desenvolvimento regional (disponível no Infodoc)

Este artigo apresenta a experiência de três clusters de tecnologia em Pernambuco (de tecnologia da
informação, médico-hospitalar e de fotónica), que se encontram em estágios distintos de formação
e estão contribuindo para o desenvolvimento regional.

Aglomerados produtivos - Brasil

Este documento aborda os temas da cooperação tecnológica e redes interempresariais, com base
no caso da indústria do móvel no Estado de Alagoas, Brasil.

As características da reestruturação produtiva destes anos, que apresentámos sucintamente,


levam-nos a concluir que o território começa a ocupar um papel estratégico na geografia
económica, porque oferece um potencial crescente de rendimento e representa uma
oportunidade concreta de desenvolvimento económico.

De facto, tanto no modelo "europeu" dos distritos industriais como nos clusters de modelo
americano, a envolvente territorial define-se como um espaço estratégico que favorece a inovação,
por nele se estimularem a competitividade, a cooperação, o intercâmbio de conhecimentos e as
economias de aglomeração.

O aumento da flexibilidade dos sistemas produtivos, o aparecimento de sistemas produtivos locais


competitivos, a crescente globalização e segmentação dos mercados são alguns dos aspetos
associados a esses processos de mudança.

Podemos concluir que as primeiras teorias de localização partem do estudo das vantagens
económicas dos processos de aglomeração espacial dos agentes produtivos.

1.1.2 O aparecimento de novas dinâmicas territoriais

A reestruturação produtiva influenciou a dinâmica territorial, do mesmo modo que as "aptidões" e "atitudes" dos
territórios favorecem ou dificultam a adaptação ao novo modelo de produção. Pode afirmar-se que a formação de
novas dinâmicas territoriais e de novos conceitos geográficos ao abrigo da globalização concita duas
tendências opostas de localização: a reconcentração espacial e a transferência para áreas periféricas.

Com efeito, áreas que tradicionalmente gozavam de boa saúde devido ao seu nível de
desenvolvimento industrial converteram-se em importantes focos de desequilíbrio, ao passo que
zonas "atrasadas" se converteram em novos eixos de desenvolvimento. Assiste-se, por conseguinte, a
uma modificação das hierarquias territoriais e à emergência de novas formas de intervenção pública.

A elas acresce a gradual (ou tentativa de) eliminação das barreiras comerciais que favorece a
integração de regiões pequenas ou de fronteira, regiões essas que, operando como centros de
aglomeração produtiva, passam a constituir espaços com maior peso demográfico. Com estas
novas geografias emergem novos padrões de comércio e de consumo, novos códigos de
comunicação e novas dinâmicas de interligação.

Simultaneamente, as novas dinâmicas territoriais incorporam elementos mais favoráveis para a


criação de micro, pequenas e médias empresas, a reabsorção do desemprego e o desenvolvimento
equilibrado e sustentável do território, dos seus habitantes e da sua sociedade. O território

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converte-se em fator estratégico de desenvolvimento, entendendo-se o território como um sistema
em que se articulam de forma coerente a produção, os recursos existentes, uma sociedade e cultura
locais, a sua história e os seus costumes 2 .

Estas novas dinâmicas territoriais não podem ser compreendidas à margem de fatores específicos
de cada território, como:
• a existência de mão-de-obra;
• os preços dos solos e da mão-de-obra;
• a taxa de poupança local;
• a tradição e a "atmosfera" local;
• a capacidade de iniciativa;
• a estabilidade política e institucional;
• um quadro legislativo conforme e segurança jurídica;
• a existência de infraestruturas adequadas;
• o progresso das telecomunicações, dos transportes e das tecnologias;
• a existência de uma massa crítica de população envolvida na ação política, social e económica
(concertação participativa do desenvolvimento local).

1.1.3. O aumento da produtividade

O aumento da produtividade é um elemento central do processo de reestruturação; está


intimamente relacionado com as novas formas em que se combinam os fatores produtivos, como consequência da
aplicação do conhecimento e da inovação tecnológica e organizacional.

As novas orientações do sistema produtivo iniciadas durante a década de 1980 mudaram também a
divisão funcional e espacial do trabalho, pelo que a organização da economia se viu e se vê
submetida a importantes transformações, avançando para um modelo mais flexível:
• são implantados paulatinamente processos de descentralização da produção e de
subcontratação e externalização de tarefas;
• a padronização da produção reduz-se, favorecendo a diferenciação para servir mercados cada
vez mais segmentados e exigentes;
• em sistemas produtivos mais diversificados e descentralizados, só se conseguem economias de
escala, que se caracterizam pela redução dos custos de produção das empresas, mediante a
introdução de métodos de produção tecnologicamente mais avançados, o trabalho em rede e a
colaboração das pequenas e médias empresas (a nível setorial e a nível do território);
• o desenvolvimento de novos produtos e serviços requer maior integração das tarefas de
conceção, gestão e marketing.

2 Três teorias diferentes incorporam a dimensão espacial na análise das transformações que ocorreram durante a década de 1980: (1) A

interpretação estrutural (Gudgin, Storey), que assinala que as diferenças espaciais na criação de novas empresas se devem,
fundamentalmente, ao impacto e aos condicionamentos da estrutura setorial e das dimensões das unidades de produção. (2) A teoria da
reestruturação regional (Markusen, Bluestone, Harrison, Massey, Meegan), que explica os mecanismos de transição do sistema de grandes
empresas para regimes de acumulação mais flexíveis nas economias avançadas. (3) A teoria espacial de desenvolvimento (Becattini, Fua),
que confere especial importância aos fatores socioculturais que definem o ambiente empresarial e aos fatores de oferta e procura que
condicionam as decisões de investimento e de localização das empresas.

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EXEMPLOS
ASTER – Consórcio de empresas Ciência e Tecnologia - Itália (disponível em italiano)

Este sítio dá um exemplo de uma empresa que, em conjunto com a Universidade de


Emilia-Romana, Itália, procura promover a investigação industrial, a transferência tecnológica e a
inovação da produção local.

Cluster do Conhecimento e da Economia do Mar - Portugal

Este cluster, com sede na Região Norte, envolve um vasto e diversificado conjunto de entidades
representativas dos interesses regionais e nacionais, pertencentes aos principais setores do
agregado económico subjacente a esta estratégia de eficiência coletiva, tendo em vista a
diversificação da base económica regional, criando, desta forma, novas atividades e serviços e
fomentando o aparecimento de mercados alternativos com maior valor económico, o reforço da
competitividade e da produtividade das indústrias do mar e o aumento do emprego qualificado.

Todos estes exemplos estão baseados na criação a nível territorial de um mercado de fatores
estratégicos para as empresas e a economia local, no esforço conjunto de uma sociedade para
construir, através da concertação público-privada, ambientes inovadores de qualidade de âmbito local.

De forma mais esquemática, podem ver-se no quadro seguinte os elementos e características da


rutura dos modelos produtivos do pós-guerra e os que produziram a reestruturação.

De 1944 até 1970 De 1970 até à atualidade


Modelo de produção

Crescimento económico baseado na ► Processo de ajustamento da economia,


acumulação tanto a nível setorial como
espacial/territorial (descentralização da
"Desenvolvimento" como produção)
sinónimo de industrialização e ► "Desenvolvimento" como sinónimo de
urbanização melhores condições de vida
► Desenvolvimento endógeno

De 1944 até 1970 De 1970 até à atualidade


Características da produção e da
produtividade

Produção em massa de grandes ► Descentralização da produção –


unidades industriais urbanas economias de aglomeração
► Maior flexibilidade económica
Economias de escala
► Fabrico de novos produtos e
diferenciação da produção
► Alterações na procura: mercados mais
segmentados
► Abertura dos mercados e aumento da
concorrência
► Aplicação de novas tecnologias de
produção e de comunicação
► Novas formas de acumulação do capital

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De 1944 até 1970 De 1970 até à atualidade

Organização
do processo
Organização hierárquica do trabalho ► Gestão participativa e distributiva de
responsabilidades
Trabalhadores com conhecimentos e
competências monovalentes
► Trabalhadores com conhecimentos e
competências polivalentes

De 1944 até 1970 De 1970 até à atualidade


Efeitos

No mercado laboral: ► No mercado laboral: melhores


condicionamento do mercado, instrumentos para facilitar a criação de
aumento do desemprego e escassos empresas e a geração de emprego
instrumentos de redução do ► Efeitos produtivos: aumento da
desemprego produtividade e da taxa de benefício

Pese embora a crescente importância assumida pelo território ao abrigo (ou à margem) do processo
de globalização, importa destacar os limites deste tipo de localização, que, como veremos
seguidamente, estão bem definidos no atual impasse da globalização:
► A lógica produtiva tem como objetivo a criação de capital e não a melhoria da qualidade de
vida no território e o desenvolvimento humano dos seus habitantes;
► Alimenta-se o mito de que a economia de mercado é o sistema de produção mais eficiente, sem
prestar a menor atenção à conservação dos recursos naturais e da biodiversidade;
► Vai-se consolidando o predomínio da economia sobre as demais vertentes da sociedade,
traduzido por uma gradual desvalorização de todos os bens comuns e valores partilhados que,
apesar de não terem um "preço" de mercado, são absolutamente fundamentais para o
desenvolvimento humano.

1.1.4. A reforma do Estado e os processos de descentralização

Paralelamente à reestruturação económica, desde o início da década de 1980, as entidades públicas


começaram a descentralizar gradualmente ações e políticas. As razões e os objetivos que motivaram
estas reformas foram diversos e combinaram-se de formas diferentes pelo mundo fora.
Independentemente das razões que provocaram estas mudanças, em quase todos os países do
mundo os poderes públicos começaram a ponderar a hipótese de transferir certas competências do
foro central para as administrações locais.

Importa sublinhar que o termo "descentralização" é amplamente utilizado e, nalguns casos, de


forma equivocada e mais a nível de proposta do que de realidade concreta. Sendo uma ação política
que implica um certo nível de democratização e uma vontade clara de devolução, não só de
competências (ou seja, de "problemas") mas também de recursos (ou seja, de "instrumentos" para
os resolver), são poucos os exemplos práticos de descentralização efetiva, sobretudo se
considerarmos que, nessa época, em muitas zonas do mundo não se verificavam as premissas
políticas para a sua implementação.

Por outro lado, muitos territórios promoveram um conjunto de medidas centradas nos aspetos
técnicos, administrativos e espaciais, tendentes a reduzir o papel e a importância do governo
central, frequentemente denominadas descentralização, mas que deveriam ser definidas antes como
fenómenos de desconcentração (ou descentralização administrativa, descentralização fiscal,
devolução, delegação e privatização).

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O caso do Brasil é particularmente interessante por se inserir num quadro de modificações legais
e institucionais orientadas para o fortalecimento da gestão local. Estas alterações incluem a criação
do Conselho Nacional do Ambiente a partir da legislação relativa ao Sistema Nacional do
Ambiente, de 1981. O Conselho Nacional inclui a representação de todos os setores da sociedade
e dos governos federal, estatal e municipal. Sob este mesmo esquema foram criados os Conselhos
Estatais do Ambiente e centenas de Conselhos Municipais do Ambiente.

A gestão local nas cidades brasileiras foi reforçada com a recente aprovação do estatuto da cidade
(2001). Este estatuto amplia os poderes conferidos às cidades para gerir o desenvolvimento urbano
em quatro dimensões, permitindo-lhes: 1) providenciar alinhamentos relativos às secções sobre
política urbana na Constituição de 1988; regulamentar o uso dos solos, incluindo a comercialização
dos solos como meio de combater a segregação espacial; 3) institucionalizar o processo de
planeamento urbano e 4) promover processos mais democráticos de regulamentação da posse da
terra. O êxito da descentralização e o fortalecimento da gestão local no Brasil baseia-se num
federalismo forte que confere poder político e recursos fiscais aos governos estatais e municipais.
No Brasil, a maior parte do orçamento federal é controlada pelos estados (40,7%) e pelos
municípios (22,8%) a partir da constituição de 1988 (Souza 1997: 38). Em contraste, no México, os
estados só recebem 14% do orçamento federal e os municípios 4%. A descentralização na
Colômbia é uma experiência mais recente. Apesar de não contar com o apoio de um federalismo
forte, como no Brasil, a partir da década de 1980, a Colômbia mudou radicalmente o quadro em
que operam os governos locais. A aprovação de novas leis, decretos presidenciais e uma nova
constituição conferem aos municípios recursos, responsabilidades e capacidade de decisão
(Fiszbein 1997). No caso do ambiente, a Colômbia aprovou a Lei de planeamento ambiental em
1993 e a lei de 1999 reestrutura o Sistema Nacional do Ambiente e as administrações autónomas
regionais. Para efeitos deste trabalho, vale a pena destacar ainda a legislação de 1997 sobre o
ordenamento territorial municipal e o apoio por parte das administrações regionais à gestão local
nos municípios, que abre possibilidades de processos de sustentabilidade urbana.

Fonte: Instituto Nacional de Ecologia


Em: Sánchez, R., Sustentabilidad urbana, descentralización y gestión local (disponível em espanhol)
Artigo completo: http://www.ine.gob.mx/ueajei/publicaciones/libros/363/cap13.html

A descentralização converte-se assim num incentivo a novas estratégias de criação de emprego, de


fomento do desenvolvimento e de criação de melhores condições de vida, ou seja, em estratégias de
desenvolvimento local. As reformas institucionais que propiciaram uma maior descentralização a
nível de municípios, províncias, departamentos e regiões permitiram uma maior intervenção dos
atores e instituições locais nos processos de desenvolvimento e alguma autonomia nas iniciativas
dirigidas para a regeneração do tecido socioeconómico.

Em termos operacionais, ficou patente que não bastava subdelegar os objetivos nacionais ao longo
das hierarquias administrativas até ao nível local, que era imprescindível criar objetivos próprios dos
níveis locais, ou seja, descentralizar o poder e as decisões políticas.

No processo global de reestruturação económica e produtiva e no quadro das novas dinâmicas


geopolíticas, o conceito de Estado-nação começou a cair em descrédito, com consequências
importantes. Por um lado, os cortes drásticos nos recursos públicos destinados a investir no
desenvolvimento económico e social levaram a população a observar com alguma perplexidade que
o Estado protetor claudicava perante o incentivo socioeconómico e, por outro lado, difundiram
uma imagem de desprestígio e suscitaram um inevitável questionamento do papel do Estado.

Para responder com eficácia à globalização, o Estado precisava de poder desenvolver capacidades
nacionais, regulamentar a atividade económica, fomentar a equidade e a justiça, providenciar os
serviços públicos essenciais e participar efetivamente nas negociações internacionais. Em
numerosas regiões do mundo, no entanto, o problema residia justamente na diminuta intervenção
do Estado nestas áreas e na ausência de expetativas realistas quanto à capacidade da oferta privada
para colmatar esta lacuna.

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Outro papel importante do Estado consiste em limitar o impacto da globalização na desigualdade
de rendimentos através da tributação progressiva e da implementação de políticas salariais,
programas sociais e outros mecanismos.

Nos défices de governabilidade abriu-se uma oportunidade para os governos locais que, face às
insuficiências das políticas nacionais, se viram forçados a adotar um papel mais ativo. Por um lado,
esta situação traduziu-se por uma nova conceção do desenvolvimento local e regional,
fundamentada na desconcentração de competências. Por outro lado, porém, os campos de atuação
a nível local de muitos países ainda não revelam uma verdadeira descentralização, que deveria
basear-se nas seguintes características:
► Poder de iniciativa: a descentralização é muito mais que uma mera transferência de funções e
responsabilidades; significa a transferência de poder e capacidade de decisão para os poderes
locais;
► Financiamento: para prestar serviços, os governos locais necessitam de recursos, de pessoal
competente e de infraestruturas que permitam geri-los com eficiência;
► Democratização: as alterações na estrutura do governo devem ser acompanhadas por novas
formas de relação das autoridades locais com os cidadãos;
► Transparência e boa governação: é fundamental que existam, em cada país, regras claras e
definidas sobre estas novas relações entre os distintos níveis de governo e que existam
mecanismos claros de transferências de recursos, funções e responsabilidades.

EXEMPLOS
Autarquias locais descentralização administrativa e financeira e desenvolvimento
económico - Angola (disponível no Infodoc)

Quando se fala em descentralização, podemos transcender as dimensões das Autarquias e


caminhar para entidades e estruturas muito mais amplas e complexas, tais como Regiões ou
mesmo até Estados. Pela definição acima apresentada, a existência de Autarquias Locais está
intimamente associada à satisfação das necessidades das comunidades locais. Mas dessa mesma
definição, podemos igualmente deduzir que a sua importância resulta do facto de os representantes
locais, os autarcas, possuírem conhecimentos fundamentais para a resolução dos problemas das
populações.

Observatório Mundial sobre Descentralização e Democracia Local de CGLU (GOLD)


(disponível em inglês)

Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) é a principal organização mundial que funciona como
porta-voz das autoridades locais dentro do sistema das Nações Unidas. Atualmente, a CGLU
dispõe de um Observatório Mundial da Democracia Local e da Descentralização (sigla GOLD, do
inglês) que pretende ser um portal de informação global sobre assuntos relacionados com os
governos locais. O GOLD tem por principal objetivo disponibilizar informação atualizada sobre
os processos de descentralização, autogovernação e desenvolvimento local no mundo, graças a
uma base de dados de organizações e instituições de desenvolvimento local organizadas por
regiões do mundo e por temas-chave.
Em complemento da informação recolhida no portal, a CGLU publica periodicamente um
Relatório Global sobre Descentralização e Democracia Local (disponível em espanhol) com
o objetivo de sistematizar os progressos registados a nível de democracia local e descentralização
no mundo, bem como os principais obstáculos que dificultam a sua implementação.

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1.2 A globalização e os seus efeitos nas sociedades

A globalização é, indubitavelmente, um fenómeno complexo, caracterizado por efeitos de grande


alcance que o converteram numa questão muito controversa do debate internacional. Força benigna
e irresistível, que pode oferecer prosperidade económica às pessoas em todo o mundo, é acusada
simultaneamente de ser a fonte de muitos dos males contemporâneos.

O debate, dissociado de uma teoria claramente articulada, quando aplicado ao desenvolvimento


territorial, caracteriza-se por uma contínua tensão entre a aspiração a fazer parte de um mundo
único e sem fronteiras e a necessidade de reforçar a própria dimensão local para enfrentar os
desafios que esse mesmo mundo coloca.

Este dualismo conduz a uma separação radical entre o que podemos definir como "globalização
virtual" e "globalização real". Os grandes conteúdos da globalização são intangíveis e, para muitos,
inacessíveis. Registam-se na difusão das tecnologias da comunicação e informação e na circulação
eletrónica dos fluxos de capitais. Estas transações alimentam-se da internacionalização de múltiplos
processos produtivos no seio das empresas que operam à escala global e de importantes correntes
migratórias.

No entanto, embora a teoria preveja um mundo multicultural e acessível para todos, na prática, a
globalização está longe de ser total, porque, por um lado, subsistem restrições importantes nos
movimentos de bens, pessoas, serviços e fatores de produção e, por outro lado, a
internacionalização é primariamente financeira e seletiva, promove regras que beneficiam os países
mais avançados e agravam as assimetrias que prevalecem entre os países que formam o sistema
mundial.

A nível macroeconómico, a globalização caracteriza-se por:


• uma forte desregulamentação da economia, em particular no que diz respeito às obrigações
administrativas e legais que regulamentam o setor privado e as empresas multinacionais;
• uma ampla autonomia do setor financeiro no domínio da produção e do comércio;
• um crescimento rápido e consistente dos mercados;
• uma limitação do controlo político dos Estados sobre as leis de mercado;
• a incapacidade de o Estado desempenhar um papel de agente integrador através das políticas
sociais;
• a flexibilidade, em muitos casos, imposta, do mercado laboral;
• a ausência de uma política comum relativa à gestão dos recursos naturais e energéticos e à
proteção do ambiente.

Estas características, que, segundo Ignacio Ramonet, se podem resumir no conceito de


"pensamento único", concretizam o primado da economia sobre a política e do mercado sobre as
pessoas. Esta autonomia dos mercados globais, em detrimento do desenvolvimento sustentável das
sociedades, é confirmada nos dados empíricos disponíveis, através dos relatórios anuais do PNUD
sobre o desenvolvimento humano ou nas recomendações da OIT relativas ao trabalho digno.

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Características fundamentais da globalização
Adaptado do Relatório da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização

Expansão do comércio mundial. O comércio mundial expandiu-se rapidamente nas duas últimas
décadas, embora não de modo uniforme em todos os países; tal expansão ocorreu sobretudo nos
países industrializados e num restrito grupo de países em desenvolvimento. Em contraste, a maioria
dos países em desenvolvimento não assistiu a uma expansão relevante do comércio.

O mesmo fenómeno se regista na expansão do investimento estrangeiro direto facilitada pelos


novos quadros legislativos. Apesar do rápido crescimento dos fluxos de capitais em todos os países
em desenvolvimento, o investimento foi direcionado prioritariamente para alguns países
considerados estratégicos pelos seus recursos naturais ou pelo seu potencial de colocar em risco o
equilíbrio geopolítico mundial. China (23,7%), Brasil (8,3%), México (8,1%), China, Hong Kong
(7,5%), Singapura (6,0%), Argentina (5,6%), Malásia (4,0%), Bermudas (2,7%), Chile (2,7%),
Tailândia (2,2%), República da Coreia (2,1%), Venezuela (1,7%) 3

Não só aumentou o volume destes investimentos, mas também a sua natureza. A revolução das
tecnologias da informação e da comunicação (TIC), associada à diminuição dos custos de
transporte, possibilitou o crescimento de uma extensa produção de bens e serviços sediada em
muitos países. Os processos de produção puderam ser dissociados e localizados em qualquer parte
do mundo para explorar as vantagens económicas derivadas das diferenças de custos, da
disponibilidade de fatores e da idoneidade do clima de investimento. Os componentes e as peças
podem ser transportados facilmente para todo o mundo e montados em qualquer altura. A
revolução das comunicações permitiu a coordenação e o controlo destes sistemas de produção
dispersos.

O elemento mais espetacular da globalização nas últimas décadas foi a rápida integração dos
mercados financeiros. A ação, no que diz respeito ao crescimento explosivo dos fluxos
financeiros privados do Norte para o Sul, centrou-se nestes «mercados emergentes». Entre estes
fluxos figuraram, por exemplo, investimentos nos mercados de valores destes países através de
fundos de investimento (na sua maior parte efetuados em nome de fundos de pensões), concessão
de créditos bancários ao setor empresarial e fluxos especulativos de curto prazo, especialmente em
mercados de divisas. Os empréstimos através do mercado internacional de obrigações também
aumentaram na década de 1990, na sequência da globalização financeira.

A certo nível, as novas tecnologias mudaram as vantagens comparativas internacionais, ao


converter o conhecimento num fator importante da produção. As indústrias de alta tecnologia e de
alto nível de conhecimentos são os setores que registam um crescimento mais rápido na economia
global e um desenvolvimento económico próspero requererá em definitivo que os países sejam
capazes de entrar e competir nestes setores. Isto implica que terão de insistir nos investimentos em
educação, qualificação e difusão de conhecimentos. Quase todas as novas tecnologias têm a sua
origem no Norte, onde se realiza a maior parte da investigação e desenvolvimento. Trata-se de uma
importante fonte de poder das empresas multinacionais nos mercados globais, que reforça, também,
a sua capacidade de negociação com governos de países em desenvolvimento.
Os efeitos destas novas tecnologias propagaram-se muito mais para além do domínio da economia,
já de si muito extenso. A mesma tecnologia que possibilitou uma rápida globalização económica foi
explorada para uso geral dos governos, da sociedade civil e das pessoas. Com a difusão da Internet,
do correio eletrónico, dos serviços telefónicos internacionais de baixo custo, dos telemóveis e das
teleconferências eletrónicas, o mundo está hoje mais interligado. Atualmente, pode aceder-se de
qualquer lugar do mundo, mediante a Internet, a um vasto e crescente volume de informação, desde
conteúdos científicos a trivialidades. A informação pode ser transmitida e analisada com a mesma
facilidade. Simultaneamente, a televisão por satélite e a imprensa eletrónica criaram um autêntico
quarto poder global.

3 Fonte OIT

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EXEMPLO
A privatização dos direitos humanos: o impacto da globalização no acesso à habitação, à
água e ao saneamento básico (disponível em espanhol)

Miloon Kothari, autor desta publicação, é Relator Especial das Nações Unidas sobre uma Habitação Adequada.
Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. Reside em Nova Deli, Índia. Sítio web:
http://www.ohchr.org/EN/Pages/WelcomePage.aspx

O limite da globalização económica manifesta-se nos efeitos que os nossos sistemas de


desenvolvimento têm no ambiente. As alterações climáticas estão a ser reconhecidas por diversos
organismos intergovernamentais e pela comunidade científica internacional como uma das mais
graves ameaças ao planeta e à sociedade humana. Segundo o IPCC 4 , o aquecimento global e as suas
implicações no clima são resultado da intervenção humana, já que os níveis de concentração de
dióxido de carbono (CO2) excedem largamente os registos de concentração dos últimos 650.000
anos e provavelmente dos últimos 10 milhões de anos. Isto significa que a espécie humana, em
consequência da adoção de políticas económicas e produtivas que regulamentam as nossas
sociedades, conseguiu alterar o clima mundial com a produção excessiva de gases com efeito de
estufa (GEE) e a sua libertação para a atmosfera sem medidas de restrição adequadas. O
aquecimento global, porque altera as condições climáticas e hidrológicas, provoca mais incidentes
de seca ou de chuvas intensas, com os consequentes impactos nos processos de desenvolvimento
nacional e local, com efeitos na produção das nações, nos meios de vida das comunidades, bem
como nas relações e trocas comerciais. Se este fenómeno não for contemplado nas políticas, afetará
a paz mundial, a governabilidade dos países e, por conseguinte, os esforços no sentido de reduzir a
pobreza e alcançar o desenvolvimento sustentável. 5

Ao longo do Curso estudar-se-á como, a partir dos territórios e através de projetos de


desenvolvimento local sustentável, se pode contribuir para reduzir os efeitos das alterações
climáticas, melhorando a capacidade de resistência da sociedade e alargando o leque de estratégias
produtivas para enfrentar esta ameaça mundial. O êxito destes esforços que definimos como "de
baixo para cima" (bottom-up approach), depende no entanto da vontade de integrar políticas nacionais
e internacionais de adaptação e, por conseguinte, as iniciativas locais devem ser cruzadas e
sustentadas pelas decisões globais.

EXEMPLO
Abordagem geral sobre desastres naturais e mudanças climáticas em Moçambique
(disponível no Infodoc)

O presente relatório é uma síntese da informação documentada existente sobre a abordagem dos
desastres naturais e mudanças climáticas em Moçambique.

4 Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, das Nações Unidas (sigla IPCC, do inglês).
5 Fonte: EIRD, IPCC.

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“Top Down”
De cima para baixo
Desenvolvimento mundial

GEI mundiais GLOBAL

Modelos globais do clima

Regionalização

Impactos

Vulnerabilidade
Políticas de (Física)
adaptação
às alterações
Vulnerabilidade climáticas
(Social)

Capacidade de adaptação

Indicadores baseados em:


Recursos Económicos
Tecnologia
Informação e capacidades LOCAL
Infraestrutura

“Bottom – Up”
De baixo para cima
Gráfico 2, Capítulo 1. Atributos de abordagens “top-down” e “bottom-up”
para avaliar a vulnerabilidade e a adaptação. Fonte: PNUD/GEF

1.2.1 Os riscos sociais da globalização económica

Os efeitos sociais da globalização não se limitam aos países excluídos do processo ou que tiveram
menos êxito nos seus esforços de integração na economia global. Os custos sociais são
consideráveis, inclusivamente nos países em que a globalização teve um êxito relativo, e adotam a
forma de custos de ajustamento à transição, nalguns casos bastante elevados. A China, por
exemplo, apesar do seu elevado crescimento sustentado, deparou-se com problemas de desemprego
de transição que provavelmente se irão intensificar à medida que avançar o processo de reforma das
empresas estatais. Também os países com um historial exemplar de atuação económica, como o
demonstrou a crise financeira asiática, podem sofrer importantes custos sociais.

As tendências económicas de especialização produtiva de países e territórios na monoprodução


incentivada pela globalização estão a converter-se em sérias ameaças à sobrevivência de milhões de
pessoas no planeta. Existem muitas provas da correlação entre a industrialização e
internacionalização da agricultura e o aumento da fome da pobreza. A desarticulação da diversidade
produtiva gera dependência e, por conseguinte, um risco acrescido, já que nas poucas terras
disponíveis, os fundos de investimento, os recursos hídricos e as tecnologias de produção se
destinam aos produtos para exportação, cujos ganhos revertem em favor das multinacionais que
não têm qualquer interesse em alimentar pessoas com poucos recursos.

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EXEMPLO
Declaração da OIT sobre a Justiça social para uma Globalização Equitativa

Considerando que o contexto atual da globalização, caracterizado pela difusão de novas


tecnologias, a circulação das idéias, o intercâmbio de bens e serviços, o crescimento da
movimentação de capital e fluxos financeiros, a internacionalização do mundo dos negócios e seus
processos, do diálogo bem como da circulação de pessoas, especialmente trabalhadoras e
trabalhadores, transforma profundamente o mundo do trabalho:
- por uma parte, o processo de cooperação e integração econômicas têm contribuído a beneficiar
certo número de países com altas taxas de crescimento econômico e de criação de empregos, a
integrar um número de indivíduos pobres da zona rural na moderna economia urbana, a elevar
seus objetivos de desenvolvimento e a estimular a inovação na elaboração de produtos e circulação
de idéias;
- por outra parte, a integração econômica mundial tem confrontado muitos países e setores com
grandes desafios no tocante à desigualdade de ingressos, à persistência de níveis de desemprego e
pobreza elevados, a vulnerabilidade das economias diante das crises externas e o aumento, tanto do
trabalho precário como da economia informal, que têm incidência na relação de trabalho e na
proteção que esta pode oferecer;
Reconhecendo que, nestas circunstâncias, faz-se ainda mais necessário obter melhores resultados,
equitativamente distribuídos entre todos com o fim de responder à aspiração universal de justiça
social, alcançar o pleno emprego, assegurar a sustentabilidade das sociedades abertas e da
economia mundial, conquistar a coesão social e lutar contra a pobreza e as desigualdades
crescentes;
Com a convicção de que a Organização Internacional do Trabalho desempenha um papel
fundamental na promoção e conquista do progresso e da justiça social num entorno em constante
evolução:
- sobre a base do mandato contido na Constituição da OIT, junto com a Declaração de Filadélfia
(1944), que continua plenamente pertinente no século XXI e deveria inspirar a política de seus
Membros, e que, dentre outros fins, objetivos e princípios:
• afirma que o trabalho não é uma mercadoria e que a pobreza, onde houver, constitui um
perigo para a prosperidade de todos;
• reconhece que a OIT tem a solene obrigação de promover entre as nações do mundo,
programas próprios que permitam alcançar os objetivos do pleno emprego e a elevação do nível
de vida, um salário mínimo vital e a extensão das medidas de seguridade social para garantir
ingressos básicos a quem precise, junto com os demais objetivos enunciados na Declaração da
Filadélfia;
• recomenda à OIT examinar e considerar, à luz do objetivo fundamental de justiça social, todas
as políticas econômicas e financeiras internacionais;
- com base e reafirmando a Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no
trabalho (1998), em virtude da qual os Membros reconhecem, no cumprimento do mandato da
Organização, a importância dos direitos fundamentais, a saber: a liberdade de associação e o
reconhecimento efetivo do direito da negociação coletiva, a eliminação de toda forma de trabalho
forçado ou obrigatório, a abolição efetiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em
matéria de emprego e ocupação;

Em resumo, a globalização económica conduziu a uma situação de profunda injustiça e alto risco
para a sociedade:
► Concentração dos setores produtivos e energéticos: é cada vez mais reduzido o número de
grandes organizações ou empresas que controlam os setores produtivos e energéticos das
nossas sociedades, o que significa que dependemos cada vez mais da responsabilidade de
poucos gestores cujo processo decisório tem consequências nacionais e internacionais em
matéria de disponibilidade de recursos e de geração de riscos.

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► Hegemonia da lógica económica nos modelos de desenvolvimento atuais:
(desaparecimento de uma fronteira clara entre a política e a economia, perda de significado do
conceito de bem comum (público), separação entre o conceito e as práticas da justiça). O
mundo está cada vez mais dividido entre poucos que ganham (em qualidade de vida medida em
termos de dinheiro e riqueza) e muitos que perdem. Nesta lógica perdem valor os conceitos de
justiça, de equidade e até de cidadania, no sentido de pertença a uma comunidade que procura
o bem público antes dos interesses privados.
► Aumento do nível de risco: numa sociedade complexa e organizada como a nossa, é
indispensável uma coordenação e cooperação de todas as partes em jogo baseada na defesa de
valores partilhados. O desequilíbrio dá origem a situações de risco e vulnerabilidade.
► Divergências na governação: economia cada vez mais global, política cada vez mais local.
Nenhuma das instituições globais existentes proporciona um controlo democrático adequado
dos mercados globais, nem corrige as desigualdades básicas entre os países.
► Mercados sim, pessoas não: a globalização dos mercados, da economia e dos produtos não é
acompanhada pela globalização das oportunidades de trabalho, as políticas migratórias são cada
vez mais restritivas e os trabalhadores migrantes ou em situação irregular, que estão numa
posição cada vez mais vulnerável, em especial as mulheres, passam a integrar o contingente dos
mais excluídos.
► Ausência de valores partilhados globalmente: a ausência de solidariedade, assunção de
responsabilidade, diálogo e concertação entre os inúmeros atores que intervêm na realização
dos objetivos sociais e económicos globais (organizações internacionais, governos e
parlamentos, empresas, sindicatos, sociedade civil, entre outros) representa um travão ao
desenvolvimento humano e um défice acrescido de democracia, justiça e ética.

1.2.2 Um quadro para a mudança

O debate sobre as oportunidades e ameaças da globalização pode ser interminável, porque implica
uma tomada de posição sobre um problema de ordem internacional e de equilíbrios geopolíticos
que não têm resultados positivos para todos. Numa ótica de desenvolvimento local também se
podem encontrar posições contrastantes entre "aqueles que sustentam que a globalização
desvaloriza o território e aqueles que defendem, pelo contrário, que promove uma valorização
territorial" (Boisier, 2005).

Numa perspetiva de análise puramente económica, ambos os argumentos são válidos. A


globalização económica afeta a dimensão das unidades produtivas de duas maneiras opostas e
simultâneas: por um lado, "as economias de escala defendem a grande dimensão e a concentração
territorial, ao passo que as economias de flexibilidade e de diferenciação defendem a pequena
dimensão e a dispersão; no entanto, como a pequena dimensão isolada tem grandes probabilidades
de fracasso, estas economias também incentivam a configuração dos chamados novos distritos
industriais" (Boisier, 2005).

Não obstante, se alargarmos os nossos horizontes a métodos de análise que superem a fronteira
económica, encontraremos bons argumentos em prol da revalorização do território. Deduz-se, por
conseguinte, que é nas esferas sociais, ambientais, políticas e culturais que se encontram as
margens mais significativas de melhoria da governabilidade global a favor de uma
globalização mais justa.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DO INFODOC

► Programa Delnet, @local.glob - Nr. 1 pt - 2005 - O desenvolvimento local hoje: desafios do local perante
um mundo globalizado, Programa Delnet, 2005.

► Silveira, Caio Márcio, Desenvolvimento local - marcos conceituais, Rede Dlis/Expo Brasil
Desenvolvimento Local, 2003

► Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, Uma globalização justa: Criando
oportunidades para todos, OIT, 2005.

► Swinburn, Gwen; Goga, Soraya; Murphy, Fergus, Desenvolvimento econômico local: Um manual para a
implementação de estratégias para o desenvolvimento econômico local e planos de ação, Banco Mundial, 2006.

► Programa Delnet CIF/OIT, OIT/DEL Genebra, @local.glob - Nr. 5 esp - 2008 – Número especial
dedicado a la conferencia inter-agencial sobre desarrollo económico local, Centro Internacional de Formação
da OIT, 2008.

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RELATIVAMENTE A ESTE CAPÍTULO, TENHA EM


CONTA QUE…

► O processo de globalização implica um conjunto de consequências que podem ser


muito positivas para as sociedades, se os processos de globalização forem
acompanhados de uma boa governação por parte dos governos regionais,
nacionais e locais.

► Para que a globalização crie oportunidades para todos, importa aferir o predomínio
da economia, incluindo, nas políticas locais e nacionais, todas as esferas que afetam
o desenvolvimento humano, ou seja, os fatores sociais, culturais e ambientais.

► No território convergem urgências e necessidades que respondem a lógicas tanto


de crescimento como de conservação: gerar emprego e rendimentos e cuidar das
necessidades básicas, fomentar o desenvolvimento económico e salvaguardar os
recursos naturais, planear a expansão urbana e construir sociedades mais resistentes
às ameaças. É a partir da dimensão local que podem e devem criar-se rotas de
sustentabilidade para que estes objetivos não sejam incompatíveis no plano global.

► A redução do risco de desastres é indissociável do desenvolvimento local e da


sustentabilidade. É a nível local que se manifestam as consequências de um evento
destrutivo e se encontram as ferramentas para reduzir o seu impacto no futuro.

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O DESENVOLVIMENTO LOCAL
2 SUSTENTÁVEL COMO OPORTUNIDADE DE
MUDANÇA

OBJETIVOS DO CAPÍTULO 2
O segundo capítulo tem como objetivos:

► Definir o território como ponto de partida para enfrentar os desafios da globalização e,


simultaneamente, promover uma mudança na política e governabilidade mundiais;

► Analisar os princípios teóricos e a evolução das estratégias de desenvolvimento local


nos diferentes contextos económicos e no quadro das tendências de internacionalização
e globalização da economia e dos mercados;

► Construir uma visão integradora do desenvolvimento local que incorpore tanto os


aspetos económicos como os aspetos sociais, políticos, ambientais, culturais, etc.,
valorizando o papel do território e dos atores nesse desenvolvimento.

2.1 Mobilização para a mudança: começar localmente

As palavras "economia" e "ecologia" derivam da mesma raiz grega, oikos, que significa "casa", no
sentido de ambiente em que as pessoas nascem, vivem, crescem e trabalham. Vandana Shiva 6
começa com esta reflexão o seu livro Manifesto para uma democracia da Terra, para denunciar que,
embora estes dois conceitos devessem contribuir para a mesma missão, na lógica de mercado que
caracteriza a nossa sociedade globalizada são consideradas duas esferas de interesse separadas e, em
muitos casos, conflituosas.

Os desastres, sejam eles de origem natural ou antropogénica, representam uma prova concreta desta
dicotomia, visto que, em muitos casos, resultam da incompatibilidade entre as leis naturais e os
comportamentos sociais. No entanto, o peso de uma catástrofe recai, inexoravelmente, tanto na
economia local, como nos recursos naturais e humanos que a sustentam.

Os grandes e pequenos desastres destes últimos anos contribuíram para evidenciar as diferenças de
desenvolvimento dos vários países. As perdas humanas e materiais causadas pela ocorrência de um
fenómeno natural destrutivo têm um impacto muito maior nos territórios mais desfavorecidos, que
não dispõem dos recursos suficientes para colocar em marcha um processo de recuperação integral.
A instabilidade e a marginalização tornam-se ainda mais evidentes quando, à ocorrência cíclica de
ameaças naturais, se alia a interdependência entre países ricos, que aproveitam as oportunidades
oferecidas pela globalização, e países pobres, que não têm condições para salvaguardar as suas
economias de subsistência.

Esta situação verifica-se, porque o crescimento económico e a conservação ambiental continuam a


ser ingredientes de duas receitas de desenvolvimento diferentes, cuja incompatibilidade se

6 Vandana Shiva, filósofa e escritora indiana, recebeu em 1993 o Richt Livelihood Award (também conhecido por Prémio Nobel
Alternativo) em reconhecimento pela sua dedicação aos movimentos alternativos e "... por situar a mulher e a ecologia no coração do
discurso moderno sobre o desenvolvimento". Recebeu ainda outros prémios como o Global 500 de 1993 do Programa das Nações
Unidas para o Ambiente (PNUA) e o prémio internacional do Dia da Terra, também das Nações Unidas.

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manifesta, por um lado, na concentração de nichos de poder responsáveis pela degradação
ambiental e, por outro lado, na impossibilidade de intervenção política dos territórios mais
vulneráveis, onde se sofrem as piores consequências da injusta exploração dos recursos do planeta.

"A globalização abriu novas perspetivas para o crescimento da economia mundial, no entanto, se alguns países,
sobretudo desenvolvidos, puderam tirar partido desta nova ordem económica internacional, a maior parte dos países
em desenvolvimento e dos países menos desenvolvidos continuam a enfrentar inúmeras dificuldades, que os impedem de
se integrar plenamente nesta economia e beneficiar das oportunidades de mercado de forma equitativa (igualdade de
oportunidades) ". 7

Para construir um quadro sólido de desenvolvimento local sustentável, impõe-se, por conseguinte,
promover uma verdadeira mobilização para a mudança. De facto, encontramo-nos perante uma
tautologia conceptual que não consegue concretizar-se no plano prático. O desenvolvimento, por
definição, não pode ser senão "local", do mesmo modo que não pode ser senão "humano",
"sustentável" e "endógeno". Por outras palavras, o desenvolvimento necessita tanto de recursos
naturais como de pessoas para poder alimentar-se, e se a economia é o principal motor desse
desenvolvimento, não pode limitar-se a um mero crescimento prescindindo da tutela e conservação
das suas principais fontes de sustentação No entanto, como os acontecimentos resumidos no
capítulo anterior demonstraram, foi implementado um mecanismo de esgotamento de recursos que,
por um lado, prejudica essa mesma lógica de produção e, por outro lado, o que é ainda mais grave,
não contribui para satisfazer as necessidades da maioria dos habitantes do planeta.

Quando se fala de "países desenvolvidos", é evidente que os indicadores utilizados se baseiam em


médias nacionais, ao passo que, na quase totalidade dos casos, essas condições favoráveis e
desfavoráveis, que contribuem para a obtenção de um determinado equilíbrio global, não se
manifestam de forma homogénea em todo o território.

Retomando os temas abordados no primeiro capítulo, para que a trajetória da globalização possa
mudar é necessário abordar um vasto leque de questões políticas, económicas, normativas, sociais e
culturais. Embora os governos nacionais, os organismos internacionais e as empresas
multinacionais devam assumir as suas responsabilidades, a dimensão local e as autoridades locais
também têm um papel a desempenhar. Mais, os défices da governação podem e devem ser
oportunamente aproveitados a partir do plano local.

"O comportamento dos Estados como atores mundiais é o fator fundamental para determinar a qualidade da
governação global. O seu nível de compromisso com o multilateralismo, os valores universais e os objetivos comuns, o
seu grau de sensibilidade para com as repercussões transfronteiriças das suas políticas e a importância que atribuem à
solidariedade mundial, são outros fatores cruciais para determinar a qualidade da governação global. Paralelamente, o
seu modo de gerir os assuntos internos influi na forma como as pessoas beneficiarão da globalização e serão protegidas
contra os seus efeitos adversos. Neste importante sentido, pode afirmar-se que a resposta à globalização começa em
casa, o que torna patente esse facto simples e simultaneamente crucial de que, dentro de cada nação, a vida das pessoas
desenvolve-se na esfera local." (Fonte: OIT)

Nesta abstração que caracteriza a "era do acesso" (Rifkin, 2001), em que a aventura capitalista
iniciada com a mercantilização de bens e a posse de propriedades culmina com a mercantilização do
tempo e da experiência humana, os territórios correm o risco de se ver desapossados da sua
identidade histórico-cultural, dos seus valores e recursos, do capital de conhecimentos e dos seus
sistemas de referência.

Deste "risco" surge a necessidade e a urgência de encontrar uma via alternativa, que considere o
"desenvolvimento local" como possibilidade de promoção e valorização dos recursos coletivos e
que considere as comunidades sujeitos do autogoverno. Mudar o sistema de desenvolvimento
não significa esquecer a economia, mas redescobrir os valores culturais, sociais, políticos e
ambientais que não se medem apenas em termos quantitativos e que contribuem para

7 Benjelloun Touimi, N., Bentaja, M. e Wagner, W., La reducción de los desastres y los problemas de la globalización, EIRD Informa - América

Latina y el Caribe, Número 1, Ano 1, Costa Rica, 2000:


http://cidbimena.desastres.hn/docum/crid/EIRDInforma/esp/revista/No1_2001/PAGINA4.HTM

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melhorar a qualidade de vida das pessoas e a própria sustentabilidade de desenvolvimento
do planeta.

Os espaços locais desempenham um contributo fundamental para romper esta lógica predadora de
uma produção que, em vez de satisfazer as necessidades básicas, garantir a vida e a segurança das
pessoas, está orientada para mais produção, o mercado e a acumulação de riqueza. Os governos
locais, próximos das necessidades reais da população, devem impedir uma divergência
total entre os objetivos de crescimento económico e os limites do desenvolvimento
humano. O setor privado e a sociedade civil devem aliar os seus interesses e valorizar todos os
recursos do território: materiais (terra, população, natureza, etc.), imateriais (redes, relações, cultura,
valores sociais, etc.) e simbólicos (identificação no sistema de desenvolvimento, recuperação da
tradição, sentido de pertença, etc.). O setor privado e a sociedade em geral devem ainda estar
conscientes do risco que as suas atividades podem gerar no desenvolvimento ou no
desenvolvimento errado dos territórios.

O desenvolvimento local apresenta-se, por conseguinte, como a via mais oportuna e concreta para
projetar, no quadro de uma envolvente que se define como território, soluções para problemas
complexos de gestão dos recursos, que se prendem com a economia, o ambiente, os espaços
urbanos e rurais, a cultura, a identidade, os direitos humanos, a boa governação e a saúde da
sociedade.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a abordagem de desenvolvimento local sustentável


susceptível de provocar esta verdadeira mudança, pertence mais à esfera ética que à esfera
económica. Nesta ótica, a nova abordagem basear-se-á no aproveitamento dos recursos reais e
disponíveis, e no território como ecossistema e realidade complexa onde interagem ambiente,
pessoas e sociedade.

A construção de uma nova territorialidade é fruto de dinâmicas relacionais, da identificação de


valores partilhados e de critérios de intervenção funcionais que são definidos de acordo com
necessidades presentes e futuras.

Reina um amplo consenso internacional sobre os elementos fundamentais por que todos devemos
lutar com urgência, a saber:
• uma boa governação política, baseada num sistema político democrático, a ausência de
corrupção, o respeito pelos direitos humanos, o primado da lei e da justiça social;
• um Estado eficaz, que garanta um crescimento económico elevado e estável, proporcione bens
públicos e proteção social, potencie as capacidades das pessoas mediante o acesso universal à
educação e a outros serviços sociais, proteja e preserve o ambiente natural e os meios de
subsistência e promova a igualdade de género;
• uma sociedade civil dinâmica, que disponha de liberdade de associação e de expressão e que
reflita e expresse toda a diversidade de opiniões e interesses. É igualmente fundamental a
existência de organizações que representem os interesses públicos, os pobres e outros grupos
desfavorecidos, para garantir desse modo uma governação participativa e socialmente justa;
• a existência de sólidas organizações representativas dos trabalhadores e dos empregadores,
essencial para que se estabeleça, com a participação dos governos, um diálogo social frutífero.

Nenhum sistema económico transpõe a fronteira ecológica e social sem provocar a deterioração da
qualidade de vida e um sério risco de autodestruição. Parece impossível que o plano local permita
propor soluções para problemas globais, como os efeitos da globalização económica, o
aquecimento do planeta, as alterações climáticas, a desertificação, a degradação ambiental, etc. No
entanto, a redução do risco de desastres consiste em primeiro lugar em tomar decisões de
desenvolvimento corretas e seguras. A criação de espaços de convivência e de coesão social, a
dotação de equipamentos e infraestruturas para uma cidade mais articulada, equilibrada e solidária, a
sustentabilidade e o ambiente urbano como pontos centrais da qualidade de vida, a aposta nos

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valores tradicionais, a cultura e o património histórico e artístico ou o incentivo ao emprego, a
promoção socioeconómica, dos meios de subsistência e empresarial, bem como a inovação, devem
refletir-se na realidade espacial da cidade e concretizar-se no seu território. 8

O desenvolvimento local sustentável é um processo endógeno de mudança estrutural que


proporciona uma capacitação gradual da sociedade local através da descentralização política e da
devolução dos poderes às autoridades locais. Este processo integrado só pode resultar da procura
de um equilíbrio para o território que há muito se rompeu, no qual os recursos naturais e humanos
fazem parte da mesma "economia ambiental".

EXEMPLO
Desenvolvimento Sustentável - Um conceito no limiar da utopia (disponível no Infodoc)

O desenvolvimento sustentável é, fundamentalmente, um processo de organização da sociedade,


ao nível das mentalidades e dos procedimentos, tendente a garantir a sobrevivência da espécie
humana através da equidade social e da preservação ambiental, permitindo o acesso de cada vez
maior número de pessoas a níveis de vida socialmente aceitáveis e, simultaneamente, garantindo
uma utilização progressivamente mais eficiente dos recursos existentes.

"Desenvolvimento endógeno significa, de facto, a capacidade para transformar o sistema socioeconómico; a capacidade
para reagir aos desafios externos; a promoção da aprendizagem social e a capacidade para introduzir formas
específicas de regulamentação social a nível local que favoreçam o desenvolvimento das características anteriores
Desenvolvimento endógeno é, por outras palavras, a capacidade para inovar a nível local". 9

Para que a mudança se opere, o "endógeno" deve manifestar-se no plano político, como capacidade
para elaborar e executar políticas de desenvolvimento a nível local; no plano económico, como
capacidade para garantir a sustentabilidade do crescimento a longo prazo e face ao contexto global,
no plano ambiental, como capacidade para garantir a conservação dos recursos do território, tanto
naturais como sociais e, no plano cultural, como capacidade para manter uma identidade territorial
em que a sociedade se reconheça.

2.2 Fundamentos do desenvolvimento local

2.2.1 Das políticas de desenvolvimento tradicionais às novas políticas de desenvolvimento


local

Como vimos, existem diferenças importantes do ponto de vista da estratégia, dos objetivos, da
organização e da gestão entre as políticas de desenvolvimento tradicionais e as novas políticas de
desenvolvimento, especialmente quando consideradas a partir do plano local.

Na década de 1960, o tema do desenvolvimento baseava-se no debate desenvolvimento versus


subdesenvolvimento, centrado em processos à escala mundial ou, quando muito, nacional. Estes
últimos processos seriam os indutores do desenvolvimento em pequena escala.

O desenvolvimento local, provincial ou regional era abordado numa perspetiva exógena, que
procurava saber como fazer participar um território comparativamente atrasado no

8 Carrillo, Emilio, @local.glob - N.º 3 esp - 2006 - A redução do risco de desastres: uma chamada para a ação, Programa Delnet do
Centro Internacional de Formação da OIT, 2005.
9 Garofoli, G., Desarrollo económico, organización de la producción y territorio (disponível em espanhol), in A. Vázquez-Barquero e G. Garofoli,

“Desarrollo económico local en Europa”, Colegio de Economistas de Madrid, Espanha 1995.

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desenvolvimento geral e não como promover o desenvolvimento geral integrado e sustentável de
um território.

Nessa época, o crescimento concentrado e a disseminação do crescimento "de cima para baixo"
eram o paradigma teórico dominante, em que se baseavam as estratégias de crescimento.
Considerava-se que o desenvolvimento era possível mediante a expansão das grandes empresas
concentradas em grandes cidades, porque as inovações tecnológicas permitiam realizar economias
de escala e economias externas.

Estas políticas de desenvolvimento eram baseadas num modelo de crescimento concentrado que se
propunha favorecer a distribuição territorial mediante a utilização de recursos exteriores à área
objeto de ajuda. Nessa perspetiva, o desenvolvimento de um território só seria possível graças a
investimentos externos.

No auge do ciclo económico, o problema era resumido em termos de abundância do fator trabalho
nas regiões pobres e de abundância do fator capital nas regiões ricas, pelo que a solução para os
desequilíbrios regionais passava pela mobilidade do capital e por incentivar a localização de
unidades produtivas nas áreas deprimidas.

Este modelo de crescimento concentrado foi amplamente teorizado e constituiu uma estratégia de
desenvolvimento alargada na maioria dos países de industrialização recente ou antiga. Enquanto
modelo de desenvolvimento, foi muito criticado porque:
• altera o funcionamento dos mercados de trabalho, introduzindo um dualismo muito acentuado
entre umas zonas e outras;
• gera intercâmbios territoriais de fatores e produtos que reduzem o desenvolvimento potencial
das áreas menos desenvolvidas e, finalmente,
• é acompanhado de transformações culturais e institucionais que sobrevalorizam o crescimento
industrial urbano e desprezam a identidade social, cultural e económica de muitas zonas rurais.

As políticas tradicionais de desenvolvimento local, quer as executadas pela administração central do


Estado, quer as executadas pela administração provincial, departamental ou local, caracterizavam-se
por serem:
• políticas de base financeira que, para produzir efeitos, canalizam dinheiro para os agentes de
forma direta (subvenções, créditos, etc.) ou indireta (desagravamentos fiscais, redução das
contribuições sociais, etc.);
• políticas padronizadas que procuram obter efeitos padronizados: as condições de elegibilidade
financeira são condições gerais, iguais para todos os territórios e visam obter o mesmo tipo de
resultados em todos os casos aplicáveis;
• políticas de caráter setorial ou departamental que se articulam em torno de um setor ou das
competências de um departamento concreto da administração pública.

Em contraposição a este modelo emergiu gradualmente uma visão do desenvolvimento como estratégia territorial
baseada na utilização dos recursos locais. Face às insuficiências das políticas nacionais, orientadas para setores
específicos e objetivos de ajustamento económico, o papel dos cenários e das autoridades locais tornou-se mais ativo na
vida socioeconómica do seu território, no incentivo a uma transformação produtiva, na promoção de iniciativas locais
de geração de emprego e melhores condições de vida e no fomento de uma mudança cultural.

Atualmente, e pese embora as muitas deficiências que ainda se podem detectar no campo prático,
prevalece a teoria que define a política de desenvolvimento local como uma política feita desde e para
o âmbito local, tendo em conta os fatores endógenos mas também os fatores nacionais e supranacionais.

A diversidade de situações e de problemas de cada território não permite a generalização


esquemática das políticas de desenvolvimento local. Cada território exige um tipo específico de
ação. Não obstante, é possível assinalar de forma geral que as novas políticas de desenvolvimento
local, e em contraposição com as tradicionais, apresentam as seguintes características:

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• Não são políticas de base financeira, mas de base real: baseiam-se em projetos que são
necessários e viáveis e não na mobilização de recursos financeiros que procuram uma aplicação
idónea para serem desembolsados. Uma vez identificada a necessidade territorial e o projeto
que a irá suprir, procuram-se os recursos para o seu financiamento: "É o projeto que angaria
dinheiro e não o dinheiro que angaria projetos".
• Baseiam-se numa sucessão e acumulação de atuações coerentes e coordenadas (planos de
médio e longo prazo), capazes de gerar projetos e iniciativas.
• Não há padronização possível, porque os projetos a promover devem ser especificamente
adequados à problemática local em que se inscrevem. Nascem da consideração direta das
oportunidades e problemas de cada território, procurando aproveitar os recursos locais
disponíveis e atendendo a necessidades concretas. Frequentemente, nascem da procura local ou
a sua oferta baseia-se na existência de recursos locais subutilizados.
• Exigem um profundo conhecimento do próprio território, dos seus pontos fortes e fracos e das
suas potencialidades
• A forma organizacional que preside à realização destas políticas é genuinamente local (o que
não implica que não se aproveitem experiências externas como fonte de inspiração e
orientação).
• A coordenação das múltiplas políticas setoriais de desenvolvimento é abordada de baixo para
cima, a partir do território concreto e em torno de projetos concretos.
• A participação da comunidade local e dos atores locais, o diálogo e o consenso, são
indispensáveis para a sua estabilidade e êxito no médio e longo prazo.

2.2.2 Elementos fundamentais do desenvolvimento local

Partindo do pressuposto, já reiterado ao longo desta UD, que não existe um modelo de
desenvolvimento local único, podem sublinhar-se alguns elementos teóricos que são comuns à
grande maioria dos modelos de sucesso existentes na atualidade:
• A conceção do desenvolvimento local em que nos baseamos é aquela que, sem esquecer os
aspetos meramente económicos, políticos ou de inovação tecnológica, insiste especialmente no
fortalecimento do tecido social e da sociedade civil, com o objetivo de promover estratégias de
desenvolvimento local fruto da concertação e, por conseguinte, sustentáveis no tempo.
• As estratégias de desenvolvimento local têm por objetivo o desenvolvimento e a reestruturação
do sistema social e económico, o aumento da capacidade de geração de emprego e a melhoria
do nível de vida da população.
• A vertente económica do desenvolvimento local tem por objetivo criar, num dado território, a
capacidade necessária para lidar com os reptos e oportunidades susceptíveis de se apresentar
numa situação de rápida mudança económica, tecnológica e social.
• Os atores das políticas de desenvolvimento local são as autoridades públicas, os empresários e
os atores socioeconómicos locais, e não apenas a administração central do estado e as grandes
empresas, como sucedia nos modelos tradicionais.
• É tido em conta, sempre, que as sociedades e economias locais estão integradas no sistema
económico nacional e internacional e que, por conseguinte, os seus problemas são sempre
problemas nacionais ou internacionais.
• Reúnem ainda a importância de "pensar globalmente e atuar localmente": as novas estratégias
relacionam os interesses locais e regionais com os interesses nacionais e internacionais no
contexto da globalização
• Reconhecem que, apesar do caráter essencialmente endógeno do desenvolvimento local, os
recursos externos desempenham um papel importante na dinamização da área.
• Apoiam a integração das instituições e da economia local em redes nacionais e internacionais.

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• Finalmente, e como elemento diferencial mais importante, reconhece-se que a coordenação
e/ou descoordenação das ações de todos os atores (internacionais, nacionais ou locais) se
produzem no território e que, por conseguinte, a visão estratégica numa perspetiva local é
relevante para o desenvolvimento económico e social nacional e supranacional.

À margem de todos os elementos comuns, anteriormente descritos, cada iniciativa de desenvolvimento


local estabelece objetivos e prioridades diferentes, dado que cada comunidade local deve solucionar problemas específicos
e enfrentar situações e ambientes muito diversos com os seus recursos particulares. Num determinado momento
histórico, uma coletividade territorial pode encontrar novas ideias e projetos que lhe permitam
utilizar os seus recursos e encontrar soluções para os seus problemas. Quando assim acontece e a
coletividade assume a mobilização do seu potencial endógeno, está a promover uma estratégia de
desenvolvimento local.

► Uma estratégia de desenvolvimento local visa utilizar os fatores internos e externos no processo
de mudança estrutural da economia e fazer surgir e/ou reforçar o potencial de
desenvolvimento da localidade. A conjugação de elementos de estratégia endógena e exógena
leva os territórios a adotar novas estratégias de desenvolvimento com objetivos claramente
definidos e a centrar os seus esforços nas capacidades locais susceptíveis de mobilizar todos os
recursos existentes e estimular o desenvolvimento.

► Cada comunidade dispõe de um conjunto de recursos (económicos, humanos, culturais e


institucionais) que constituem o seu potencial de desenvolvimento endógeno. Este conceito
engloba os recursos materiais, as infraestruturas de transporte, as comunicações e
telecomunicações, as estruturas urbanas, bem como o capital físico e o capital humano (ou seja,
o nível de instrução, a qualificação, a capacidade de iniciativa, a aptidão para dirigir uma
empresa, etc.).

Do ponto de vista dos princípios teóricos, o desenvolvimento local, num ambiente como o atual,
que se caracteriza por mudanças contínuas a nível das tecnologias, da economia e da sociedade,
deve fomentar a inovação, o empreendedorismo e a qualidade do capital humano.

Para conseguir estes objetivos, não importa tanto realizar grandes projetos, mas incentivar projetos de dimensão
adequada que permitam a transformação progressiva do sistema económico local.

EXEMPLO
O papel da OIT na promoção de estratégias de desenvolvimento económico local num
mundo globalizado (disponível em inglês)

Nos últimos anos, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) impôs-se o dever de garantir o
emprego digno. No entanto, a globalização económica contribui para tornar o trabalho um bem
escasso. O processo de globalização está associado ao alargamento do fosso entre os indivíduos,
empresas e territórios que têm capacidade para competir em mercados abertos e aqueles que
carecem de potencial para o fazer, o que redunda numa crescente divisão e exclusão sociais, bem
como numa maior polarização territorial. Este relatório procura soluções para inverter a
polarização territorial no contexto da globalização e analisa o papel de uma organização
internacional como a OIT no combate à polarização territorial e na capacitação dos indivíduos e
empresas das zonas desfavorecidas do mundo para se adaptar à concorrência e criar emprego.

O desenvolvimento local, entendido como estratégia local de valorização dos recursos próprios,
encerra uma dimensão quádrupla de elementos interrelacionados e interdependentes:

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► Económicos, na medida em que demonstra capacidade suficiente para organizar os fatores
produtivos com níveis de produtividade suficientes para poder concorrer nos mercados.

► Socioculturais, na medida em que as capacidades, os valores e as instituições locais servem de


base ao processo de desenvolvimento e, por sua vez, os recursos humanos do território se
fortalecem durante esse mesmo processo.

► Político-administrativos, na medida em que os poderes locais conseguem criar um clima local


estimulante, capaz de favorecer e incentivar o desenvolvimento do potencial socioeconómico
local, enfrentando e resolvendo os bloqueios administrativos, económicos e políticos existentes
nas economias que seguiram durante muitos anos os modelos tradicionais de desenvolvimento.

► Ambientais, na medida em que os recursos naturais do território são a base de qualquer


processo económico sustentável no curto, médio e longo prazo.

"Em termos gerais, o desenvolvimento local implica a concertação entre os agentes – setores e
forças – que interagem num determinado território e a participação permanente, criadora e
responsável dos cidadãos num projeto comum com várias dimensões, como a criação de
crescimento económico, equidade, mudança social e cultural, sustentabilidade ecológica, atenção às
questões de género, qualidade e equilíbrio espacial e territorial. O desenvolvimento local tem por
objetivo melhorar a qualidade de vida dos cidadãos que vivem no território, contribuir para o
desenvolvimento do país e enfrentar adequadamente os desafios da globalização e as
transformações da economia internacional." 10

As esferas do desenvolvimento local numa


estratégia territorial sustentável

Setor ambiental Setor económico

Setor socio-
cultural
Setor político-
administrativo

2.2.3 O conceito de território

Como se viu anteriormente, as novas dinâmicas geopolíticas provocadas pelas alterações


introduzidas no modelo económico fizeram emergir um novo conceito de território que ultrapassa
a conceção de espaço físico. O território configura-se como um fator estratégico de
desenvolvimento que compreende:
• o ambiente, onde se consolidam as relações sociais e económicas;
• o contexto, onde a cultura e outras características locais não transferíveis se vão cimentando e
afirmando com o tempo;

10 In Gallicchio, E. (2005) op. cit., citando uma definição de Enríquez, A., Desarrollo Local: hacia una nueva forma de desarrollo nacional y
centroamericano (disponível em espanhol), em Alternativas para el desarrollo, n. 80, San Salvador, Fundación Nacional para el Desarrollo
(FUNDE), 2000.

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• o quadro, onde as pessoas, empresas e governo estabelecem relações e interagem para
regulamentar a sociedade.

Em oposição à anterior visão restritiva do território como mero espaço físico, a posição do
desenvolvimento como estratégia territorial assenta no facto de ser no território que se geram os
comportamentos e as relações entre os atores de acordo com a sua capacidade decisória, o grau de
coordenação e concertação, a capacidade de articulação social, etc.

Todos estes fatores vão no sentido de reconhecer, por um lado, a existência de diferentes modelos
de desenvolvimento local, segundo as características próprias de cada território e, por outro lado, o
papel crucial das políticas de desenvolvimento local, especialmente no que se refere à participação
da comunidade na definição do sistema de desenvolvimento e na estimulação dos vários atores que
intervêm no processo.

O principal desafio de um território reside na capacidade de mobilizar as potencialidades existentes,


coordenando os fatores e recursos locais e colocando-os ao serviço das atividades produtivas e do
bem-estar geral da sua população.

No seio de um território geram-se intercâmbios, processos de redistribuição de recursos


estratégicos, desaparecem atrativos económicos, surgem novos nichos de mercado, transformam-se
as oportunidades, mudam as necessidades de formação e de qualificação, etc. A situação no
território não é estática mas dinâmica, não existem situações inamovíveis nem homogeneidade total;
existem movimentos e mudanças políticas, económicas e sociais contínuos.

Portanto, é necessário entender o território como expressão da materialização das relações políticas,
económicas, sociais e ambientais que ocorrem num determinado espaço geográfico.

DIVERSIDADE DE CONFIGURAÇÕES DA DIMENSÃO LOCAL


Espaços que se Tipo de unidade
Exemplos
constituem como local territorial
Unidade territorial
predeterminada por critérios Município Cacuaco (Luanda,
Municipal políticos administrativos Angola)
preexistentes
Microrregiões de municípios
Unidade territorial constituída a da Região Uva e Vinho - Brasil
partir de fatores geográficos,
económicos, culturais e/ou http://www.serragaucha.com/
ambientais complementares ou pt/paginas/microrregioes/
semelhantes.
Microrregional
Possibilidade de Arranjo Territorial Ótimo
institucionalização através da (ATO) é uma proposta de
articulação de formas agrupamento de municípios
político-administrativas como para a realização da gestão
comunidades intermunicipais ou integrada dos resíduos sólidos
consórcios urbanos - Brasil
http://www.ato-mg.com.br/
Local/Metropolitano Unidade territorial difusa e
fragmentada, em constante
construção
Unidade territorial constituída a
partir de referentes identidades
Espaço de bairro históricas e ambientais

Unidade territorial
desregulamentada, resultado de
processos de marginalização e
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exclusão
Unidade de territorialidade
virtual
Projeto Áreas de Conservação
Unidade territorial que Transfronteiriças e
compreende, no mínimo, uma Desenvolvimento de Turismo
Transfronteiriço
fronteira político-administrativa (ACTFDT) – África
de caráter internacional http://www.actf.gov.mz/index
/index.php
Unidade territorial constituída a Rio Apa (Brasil – Paraguai)
Bacia hidrográfica
partir da unidade hidrológica
Fonte: Gallicchio/Camejo, CLAEH, 2005

2.2.4 Os atores do território: participação e colaboração público-privada

O impulso e a decisão de promover qualquer estratégia de desenvolvimento local residem,


fundamentalmente, nos poderes locais. Não obstante, a sua formulação e implementação implica a
participação, a cooperação e o apoio institucional e técnico dos outros atores socioeconómicos.

O fomento de uma dinâmica de participação ativa dos diferentes atores públicos e privados na
difusão, definição e aprovação de um conjunto de medidas de caráter estratégico para o futuro do
território é um elemento fundamental para o possível êxito de uma estratégia de desenvolvimento.

Esta participação é mais ou menos dinâmica consoante as estruturas sociopolíticas de cada


território e país e institui-se tão mais rapidamente quanto os atores locais tendem a comportar-se
perante o problema e o desafio do desenvolvimento com espírito empreendedor, como promotores
de ações de "potencialização" do desenvolvimento local mais que como responsáveis e únicos
destinatários.

► A interlocução e a interação são influenciadas de tal modo pelas tradições históricas do


ambiente local, que as dificuldades e o grau de sucesso na articulação e institucionalização da
participação dos atores locais no território variam de umas experiências para outras.

A participação ativa dos atores exige a existência de:

► Concertação e consenso: para assegurar um nível de participação estável, não só no processo


de formulação da política de desenvolvimento local, mas também durante a fase de gestão, é
necessário que se implementem mecanismos decisórios consensuais. Desse modo se reafirma e
consolida o grau de compromisso de cada um dos atores para com as decisões adotadas e se
projeta a sua participação para o futuro.
► Cooperação: a promoção da estratégia de desenvolvimento local deve ser acompanhada de um
espírito de cooperação entre os diferentes atores locais implicados em cada atuação ou projeto.
Este espírito de cooperação será reforçado se existir um sistema decisório consensual mais do
que um jogo de maiorias e minorias.

Os princípios gerais da dinâmica participativa aplicam-se plenamente às estratégias de


desenvolvimento local. Por conseguinte, a identificação dos atores que serão envolvidos na
estratégia de desenvolvimento local de um território concreto será o primeiro passo de qualquer
iniciativa.

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EXEMPLO
Delnet Thematic Brief - Public-Private Partnerships: A Key Tool for Consolidating Social
Dialogue at the Local Level (disponível em inglês)

Esta publicação do Delnet aborda o tema da colaboração público-privada no território como


instrumento para enfrentar os desafios da globalização e da descentralização e, simultaneamente,
fundamento do diálogo social na perspetiva da OIT.

2.2.5 A identificação dos atores locais

É crucial tomar em consideração a importância política de uma boa identificação de atores como
base fundamental para que o desenvolvimento local seja um objetivo fundamentado. Se não
utilizarmos metodologias participativas para esta identificação, qualquer estratégia estará votada ao
fracasso desde o primeiro momento, partir-se-á de uma base errónea que exigirá um trabalho árduo
mas não produzirá resultados.

No desenvolvimento local, o trabalho de identificação dos atores tem por objetivo, por um lado,
conhecer a caracterização básica dos níveis organizacionais, das autoridades e líderes existentes na
comunidade, bem como das autoridades e instituições presentes no território e, por outro lado,
inventariar os recursos disponíveis para poder convocar todos os atores a participar no processo e
prever as suas participações de acordo com as suas competências, temas de interesse e de acordo
com as funções exercidas no território.

Entre os principais atores locais envolvidos num processo de desenvolvimento local, com os quais
se deverá contar para promover a redução do risco de desastres, podem referir-se os seguintes:
► Municípios: Costumam ser os motores de desenvolvimento local. As suas competências
variam de acordo com o grau de descentralização dos países. Não obstante, costumam ser os
promotores e responsáveis pela formulação e gestão das políticas e estratégias de
desenvolvimento local.
► Outros níveis da administração pública: O número ou incidência no local das outras
administrações públicas (provinciais ou departamentais, estatais e regionais) varia
consideravelmente de país para país.
► Setor privado, câmaras e associações empresariais: Costumam ser atores muito
importantes para o desenvolvimento do território e agrupam-se em diferentes organizações de
acordo com o setor de atividade. Dispõem de associações que são imprescindíveis na hora de
articular estratégias de desenvolvimento económico local num município, embora devesse
aumentar-se a sua participação nas outras esferas da sustentabilidade, em particular nos
domínios social e ambiental.
► Sindicatos: Os sindicatos institucionalizam a procura social de emprego que a política local
pretende satisfazer. Neste sentido, contribuirão para promover e apoiar as iniciativas de
desenvolvimento tendentes à criação de postos de trabalho, pelo que a sua participação é
fundamental, por exemplo, nos processos de reconstrução pós-desastre.
► Entidades financeiras: A colaboração das entidades financeiras é extremamente necessária
para a execução dos projetos e para a captação de recursos privados para a gestão e redução do
risco e o desenvolvimento local em geral. É importante concitar a participação ativa, a
colaboração e o compromisso dos bancos e caixas de poupança locais, pois tal permite orientar
os recursos financeiros captados localmente para o desenvolvimento da localidade.
► Organizações Não Governamentais (ONG): Incluem um conjunto diversificado de atores
inseridos no território, cuja participação é fundamental para o êxito de determinadas atuações
e/ou projetos, porque estas organizações especializam-se em temas diferentes, como a
assistência social, as questões de género, o ambiente, os consumidores, a saúde, a transparência

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política… Apesar de atuarem a nível local, algumas ONG podem ser internacionais, nacionais,
provinciais e regionais.
► Organizações de base ou comunitárias (OB): Ao contrário das ONG, não são de natureza
técnica mas organizações populares, representativas da população, que possuem formas de
expressão e de organização muito diferentes, consoante a realidade local. Representam os
interesses diretos das comunidades e os problemas mais quotidianos da população. Entre elas
podem referir-se as juntas de freguesia, as organizações de bairro, de jovens, de mulheres, de
indígenas, movimentos comunitários, etc. Geralmente, são a base de qualquer atividade que
pretenda ser sustentável.
► Universidades e centros educacionais: Nem sempre existe uma universidade ou
departamento universitário na localidade em questão. Quando a universidade está presente no
território, convém envolvê-la nas estratégias de desenvolvimento local, porque pode contribuir
com determinadas competências especializadas, necessárias, e porque a sua participação servirá
para estabelecer uma ligação melhor e mais profunda entre as empresas e a universidade. A
educação é um fator fundamental na promoção de uma cultura preventiva do risco.

Esta lista, que não pretende ser exaustiva, também pode incluir uma multiplicidade de organizações
e instituições ao nível dos governos centrais e regionais que estejam relacionadas e incidam nas
decisões e implementação de medidas políticas e ações no território (organismos regionais, projetos
de cooperação técnica, etc.).

2.2.6 Utilização das metodologias participativas

A escolha de uma metodologia de identificação de atores locais depende dos objetivos estratégicos
de cada território e será analisada mais detidamente na Unidade Didática 3, dedicada ao
planeamento estratégico.

Uma vez identificados os atores locais, quando inicia um processo participativo de


desenvolvimento local, o ator que promove a participação deverá tomar em consideração a
liderança e a identidade coletiva do território, de acordo com as dimensões geográficas, o quadro
cultural, social e organizacional, e a estrutura económica do território.

Tanto os líderes locais como a identidade coletiva condicionam a coesão e a dinamização da


participação. A carência destes fatores no território põe em causa a sustentabilidade de todo o
processo participativo, pelo que é fundamental considerá-los no início e durante o processo de
desenvolvimento local.

Neste quadro, analisaremos algumas metodologias e técnicas de participação para o


desenvolvimento local, extraídas da secção VII do Livro de consulta sobre participação, do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, disponível no Infodoc.

Entende-se por metodologia a abordagem que reúne um conjunto de operações ou fases para
obter um resultado, a participação dos atores locais. Em contrapartida, a técnica é um
procedimento que integra uma metodologia de participação.

Metodologias para promover processos participativos locais

Uma equipa motivadora ou facilitadora de um processo participativo necessitará de um método


para o promover e orientar. Nenhum perito facilitador pode atuar sem um plano, sem um conjunto
de regras ou linhas orientadoras. Neste sentido, a liderança do facilitador é muito importante,
porque o facto de envolver um grupo não o isenta de responsabilidade nos resultados obtidos no
âmbito do processo de participação.

Um processo participativo terá mais êxito se a liderança da equipa facilitadora ou motivadora


proporcionar uma estrutura e uma direção com linhas orientadoras claras e definidas de antemão.
Esta estrutura, que dita "como fazer", é a metodologia.

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Em geral, a seleção de uma metodologia adequada a um processo participativo toma em
consideração os seguintes critérios: os objetivos do processo, as características das pessoas
envolvidas, as relações entre elas e a experiência participativa dos atores locais. A sua escolha
também deve tomar em consideração o meio cultural e social em que o processo se desenrolará.

Existe uma grande variedade de metodologias de participação, algumas sobrepõem-se entre si ou


destacam um aspeto em detrimento de outros. Por isso, antes de selecionar uma metodologia de
participação, deve-se analisar as diferentes alternativas e ter presente que nenhuma é por natureza
superior à outra.

As metodologias mais difundidas e utilizadas são as seguintes:

► Processo de consulta: Esta metodologia assegura que são incluídos os interesses de todos os
atores locais. A consulta cria um ambiente aberto e interativo no qual se identificam os pontos
de consenso que servirão para determinar as áreas de atuação do território. O processo de
consulta consta de três fases que giram em torno da informação, análise e retirada de
conclusões.

► Pesquisa-Ação Participativa (PAP): Aborda fundamentalmente os setores de baixos


recursos. Desenvolveu-se na América Latina e expandiu-se por todo o mundo. Esta
metodologia participativa assenta na capacitação comunitária e na valorização da experiência
local.

EXEMPLO
Pesquisa-ação participativa para execução de um sistema de tratamento local de efluentes
sanitários residenciais sustentável: caso do assentamento rural Sepé-Tiaraju – Brasil

A pesquisa-ação participativa procura integrar autores da pesquisa e atores da ação de forma


cooperativa e participativa, para a solução de um problema social. Este artigo tem como objetivo
analisar a pesquisa-ação participativa implementada no processo de execução de sistema de
tratamento de efluentes sanitários residenciais mais sustentáveis, com a participação das famílias
do Assentamento Rural Sepé-Tiaraju, em Serra Azul, SP. A estratégia geral da pesquisa foi a
pesquisa-ação participativa e a pesquisa de caso único: o Assentamento Rural Sepé-Tiaraju, Serra
Azul,

► Avaliação Rural Participativa (ARP): É uma forma de Avaliação Rural Rápida, utilizada em
investigações de desenvolvimento desde os finais da década de 1970. A ARP investiga e analisa,
em conjunto com a comunidade, as limitações e oportunidades para a tomada de decisões em
projetos de desenvolvimento.
Apesar dos termos rural e avaliação, a ARP também se aplica em contextos urbanos e os seus
resultados têm alcances superiores aos de uma avaliação. Esta metodologia integra equipas
multidisciplinares de investigadores e concita a participação plena da comunidade. Entre as
principais técnicas utilizadas estão as seguintes:
• entrevista semiestruturada;
• grupos temáticos;
• estudos de caso;
• modelos e mapas participativos;
• organigramas;
• análises temporais (alterações e tendências);
• indicadores locais.

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► Metodologia de análise dos interessados: Esta metodologia é muito útil para verificar os
níveis de participação dos atores locais nos processos de desenvolvimento. É um método
muito relacionado com a avaliação do impacto social, pois toma em consideração os custos, os
fatores socioculturais, o contexto, os impactos e as suas quantificações.

É um processo que reúne grupos de painéis de peritos que tomam decisões de acordo com as
suas especialidades. É conhecido por Técnica de Grupo de Nominal (sigla NGT, do inglês) e
estimula a criatividade do grupo. A convocação de múltiplos peritos envolve de forma
equitativa diversos atores locais.

► ZOPP: É uma metodologia que serve de base para as atividades de planeamento,


implementação e avaliação. A sigla ZOPP (Zielorientierte Projektplanung) é a abreviatura de
planeamento de projetos orientados por objetivos. A metodologia foi aplicada na Alemanha
numa fase experimental em 1980 e 1981 e é formalmente utilizada desde 1983. Em workshops
realizados com os membros e com os grupos-alvo são utilizados pequenos cartões de várias
cores, em que os participantes apontam o que é solicitado pelo mediador. Esses cartões
permitem visualizar as diferentes etapas e resultados do programa.

Espaços, técnicas e ferramentas de participação a nível local

Apresentam-se seguidamente alguns espaços que facilitam a participação, bem como algumas das
técnicas e ferramentas de participação mais utilizadas nos processos de planeamento local:

► Audiência pública: É um encontro formal entre a população e os governantes, que se realiza


durante o processo de tomada de decisão, mas que não tem efeito vinculativo. Tem por
principal vantagem proporcionar a oportunidade de expressar opiniões e debater as decisões
públicas. As autoridades podem aproveitar essas audiências para melhorar a qualidade das
decisões públicas, convencer a maioria da população da sua utilidade e reforçar a transparência.

► Conselho aberto: São entidades locais que se regem por uma junta. Se participarem todos os
habitantes, estamos perante um regime de "conselho aberto" (aplica-se normalmente em
comunidades com menos de 50 habitantes). Em sentido mais lato, o termo é habitualmente
aplicado à participação conjunta de todos os habitantes na tomada de decisões a nível local e
cujas decisões têm força executiva.

► Referendo: Consulta mediante a qual os cidadãos se pronunciam a favor ou contra uma


proposta que pretenda estabelecer uma nova norma ou alterar/derrogar uma norma existente.
O seu resultado pode ser vinculativo.

► Orçamento participativo: Ferramenta que confere aos cidadãos a possibilidade de influir na


elaboração e controlo da execução da despesa pública, ou seja, do orçamento de uma entidade
pública local. Os orçamentos participativos têm conhecido uma grande difusão desde a
experiência de Porto Alegre em 1989.

EXEMPLO
Orçamento participativo – Porto Alegre – Brasil

O Orçamento Participativo (OP) foi implantado em 1989. Em 2005, aconteceu a primeira rodada
sob nova administração municipal. Cumprindo o compromisso de manter o Orçamento
Participativo, a prefeitura realizou todas as etapas do Ciclo, com debates e definições das
prioridades para o município. O Ciclo do OP se caracteriza por três grandes momentos
prioritários: as reuniões preparatórias, a Rodada Única de Assembléias Regionais e Temáticas e a
Assembléia Municipal.
O OP é um processo dinâmico que se adequa periodicamente às necessidades locais, buscando
sempre um formato facilitador, ampliador e aprimorador do debate entre o Governo Municipal e a

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população.
Por ser um importante instrumento de participação popular, o OP é referência para o mundo.
Conforme a ONU, a experiência é uma das 40 melhores práticas de gestão pública urbana no
mundo. O Banco Mundial reconhece o processo de participação popular de Porto Alegre como
um exemplo bem-sucedido de ação comum entre Governo e sociedade civil.

► Assembleias: Muitas normas de governo local exigem a realização desta técnica de


participação que se revela de grande valor. No entanto, existe a tendência para dar a palavra aos
atores com maior expressão e não refletem a totalidade dos pontos de vista da comunidade no
seu conjunto.

► Comités de desenvolvimento: São estruturas mistas, compostas em parte por membros do


município e em parte por representantes dos atores socioeconómicos. Têm por objetivo
assessorar o governo local na identificação de problemas e na formulação de programas e
projetos.

EXEMPLO
Comitê de Bacia Hidrográfica- Brasil
É uma instância colegiada formada por representantes dos poderes públicos (municipal, estadual e
federal), da sociedade civil e dos usuários da água (dos setores de irrigação, abastecimento
humano, energia elétrica, navegação, lazer, turismo e pesca), também conhecida como Parlamento
das Águas, com a competência de promover a gestão participativa das águas.

► Conferências e seminários: São eventos que reúnem peritos e interessados em diversos temas
sociais e políticos. Apesar das discussões e debates, os conhecimentos não são repartidos
equitativamente. Costumam ser complementados por workshops, onde se alarga a participação a
públicos mais vastos e se abrem espaços de maior capacidade para reunir as ideias dos
participantes num conjunto de propostas comuns.

► Grupos temáticos: Esta técnica é muito utilizada pelos especialistas e consultores em


desenvolvimento. Formam-se pequenos grupos de debate, em regra informais, com uma
amostra de atores representativa. Os grupos são guiados por um facilitador que utiliza linhas
orientadoras para animar e conduzir os debates. Costumam formar-se vários grupos temáticos.
Esta técnica aplica-se, em geral, no início da conceção de um projeto e nas fases de
monitorização e avaliação.

► Técnicas de moderação de grupos: São um conjunto de procedimentos utilizados pelo


moderador para conduzir e apoiar o processo de trabalho em grupo. O moderador pode ser
uma pessoa comprometida com o plano estratégico ou um facilitador externo, especialista em
animação de grupos. A moderação será a chave para encontrar o consenso e é o segredo do
êxito de um processo participativo.

2.3 O desenvolvimento local sustentável e a redução do risco de


desastres

2.3.1 Os desastres em consequência de riscos não geridos

Um desastre é uma interrupção e uma alteração grave e intensa que perturba severamente o
funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade (provocado por um evento físico
potencialmente destrutivo de origem natural ou antropogénica), que pode causar perdas

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significativas de vidas humanas, materiais, económicas, produtivas ou ambientais e que põe em
perigo as formas de subsistência e desenvolvimento de um determinado território, comunidade e
grupos de pessoas.

A explicação para o aumento continuado das perdas e do impacto nas economias gerados pelos
desastres pode encontrar-se não só no aumento do número de eventos naturais extremos, como foi
característico destes últimos anos (tsunami do Oceano Índico em 2004, sismo no Paquistão em
2005, furacões Katrina, Stan e Wilma em 2005, sismo na Indonésia em Maio de 2006 e no Peru em
agosto de 2007, furacões Fay, Gustav, Hanna e Ike nas Caraíbas em 2008, sismo no Haiti em 2010
e o recente sismo e tsunami no Japão), mas também no aumento da vulnerabilidade em todos os
aspetos do desenvolvimento. Os desastres têm as suas raízes e ramificações na complexa rede de
interações que se criam entre o ser humano e as comunidades sociais e naturais envolventes.

Essas interações estão patentes na passagem acelerada de economias rurais para modelos de
desenvolvimento urbano e industrial, uma má cópia de modelos exógenos surgidos de outros
processos económicos, históricos e sociais; no aumento da população nas cidades devido à
migração dos campos para as zonas urbanas em condições precárias e sem oportunidades ou no
aumento da população que já vive em aglomerações urbanas, em bairros que não oferecem as
condições mínimas de serviços básicos ou garantem uma vida digna e segura, gerando novos
cenários que se convertem em fatores ameaçadores para a ocorrência quotidiana de desastres. É
então que as ameaças deixam de ser um processo natural para se converterem num processo
social 11 .

Torna-se necessário compreender e ter consciência de que, tal como analisámos anteriormente, o
ser humano agravou as ameaças existentes e criou novas ameaças de tipo socionatural ou
antropogénico em resultado de formas irracionais de intervenção no ambiente natural. A
vulnerabilidade, interagindo com as ameaças, cria inúmeras condições para o risco, dimensionadas
de forma diferenciada, social e territorialmente. 12

O risco ou a probabilidade de danos e perdas no futuro antecedem o desastre e anunciam-no. O


desastre é, finalmente, a concretização do risco, o atingir de determinados níveis de
vulnerabilidade na sociedade, em que o evento físico serve de detonador, mas não é a única
causa que lhe dá origem.

Ainda que nem todos os fenómenos sejam perigosos para o ser humano, em regra convivemos com
eles e eles fazem parte do nosso ambiente natural. Por exemplo, chuvas sazonais, pequenos sismos,
subida de águas fluviais, ventos, etc.

Alguns fenómenos, pelo seu tipo e dimensão, bem como pela surpresa da sua ocorrência,
constituem um perigo em si e são difíceis de prever. Um sismo de magnitude considerável, chuvas
torrenciais em zonas habitualmente secas, um furacão, raios, etc., podem ser considerados
perigosos se houver condições de vulnerabilidade e população potencialmente exposta. Mas
também é preciso ter consciência de que não é o sismo, nem a chuva, nem o vento que mata as
pessoas, mas as condições de vulnerabilidade que criámos face a uma determinada ameaça; são os
nossos edifícios, o local onde habitamos, a sua envolvente e a forma como a desenvolvemos que se
transforma em risco. Ou seja, é a má gestão ou a ausência de gestão do risco que produz o desastre.
Não a ameaça em si.

As condições de vulnerabilidade de uma população não ocorreram independentemente da ação


humana. Muito pelo contrário, foi o desenvolvimento que as criou, de costas voltadas para a
natureza, correndo o risco de sair prejudicado em caso de ocorrência de um determinado fenómeno
natural. Elas vão sendo criadas e acumuladas progressivamente, configurando uma situação de risco
(que muitas vezes se ignora, minimiza ou despreza temerariamente). Assim, por exemplo, uma
habitação nova pode ser segura e resistente ao meio em que se vive mas, com o tempo, devido ao

11 Adaptado de OPS
12 Manual El análisis de riesgo – una base para la gestión de riesgo de desastres, GTZ. Disponível em: http://www.gtz.de/de/dokumente/es-analisis-
riesgo-base-para-la-gestion-de-riesgo.pdf

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uso e à falta de manutenção, pode deteriorar-se e decair ao ponto de passar a constituir um perigo
potencial para os seus ocupantes.

Há aldeias construídas desde a sua origem com poucos ou nenhuns critérios de segurança, pode
dizer-se que são vulneráveis de origem, e há aldeias inteiras, casas, canais de irrigação, reservatórios,
pontes, etc. que, com o tempo, vão envelhecendo e decaindo devido aos fatores referidos, o que
denominamos vulnerabilidade progressiva.

A combinação destes fatores configura cenários de menor ou maior risco que podem converter-se
rapidamente num desastre, dependendo da dimensão do evento destrutivo e da vulnerabilidade do
território. Podemos continuar a debitar inúmeros exemplos, citações e argumentos. O importante,
no entanto, é não ficarmos inativos, mas compreender que a maioria dos desastres são produto
da nossa relação com sistemas de desenvolvimento e de riscos não geridos que se foram
formando ao longo da história e estão arreigados nas nossas sociedades a ponto de, muitas
vezes, não se ter perceção nem consciência deles.

2.3.2 A redução de desastres como resultado do desenvolvimento local sustentável

O impacto negativo dos desastres nos territórios e a fragilidade do desenvolvimento local


sustentável ensinam-nos que os processos de redução do risco de desastres não podem realizar-se à
margem dos processos de desenvolvimento e que os processos de desenvolvimento, para serem
sustentáveis, não podem excluir a redução dos riscos.

As estratégias, políticas, ações e processos para reduzir o risco de desastres devem ter o
duplo objetivo de dotar as sociedades da resiliência necessária para fazer face a um evento
destrutivo, reduzindo ao máximo os níveis de riscos acumulados, e assegurar que os
esforços desenvolvidos para promover o desenvolvimento local não aumentem a
vulnerabilidade e evitem a geração de riscos futuros.

Face ao exposto, considera-se necessário integrar no processo de formação para a redução do risco
de desastres aspetos relacionados com o desenvolvimento local sustentável, o planeamento
estratégico do território, a utilização adequada dos recursos locais, a participação dos atores
fundamentais do desenvolvimento, os preparativos em caso de desastres, a reconstrução
pós-desastre, assim como aspetos integrais da gestão do risco com o fim de garantir sistemas
futuros mais sustentáveis e holísticos de desenvolvimento local.

Para alcançar a sustentabilidade no desenvolvimento harmonioso de um território, é necessário que


a redução do risco integre ações destinadas, quer a identificar e reduzir ou eliminar (na medida do
possível) os riscos acumulados ao longo do tempo, quer a evitar a ocorrência de novos riscos.
Neste sentido, é necessário trabalhar na procura de soluções para as causas estruturais geradoras do
risco, para as raízes do problema e não só para os seus sintomas, como tem sido a abordagem
predominante.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DO INFODOC

► Alburquerque, Francisco; Llorens, Juan Luis; e Del Castillo, Jaime, Estudio de casos de desarrollo
económico local en América Latina, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Washington
D.C., 2002.

► Filho, Jair do Amaral, A endogeneização no desenvolvimento econômico regional e local, 2001.

► Fleury, Sonia, Políticas Sociais e Democratização do Poder Local, Escola Brasileira de Administração
Pública e Empresas, 2003.

► Hart, Stuart L.; Milstein, Mark B., Criando valor sustentável, 2004.

► Milani, Carlos, Teorias do Capital Social e Desenvolvimento Local: lições a partir da experiência de Pintadas
- Bahia, Brasil, 2004.

► Serra, António M. de Almeida., Timor Lorosa’e - construir um novo país no limiar do séc. XXI.
Propostas de estratégia e de políticas económicas de desenvolvimento - Timor Leste, Unidade de Estudos
Asiáticos CEsA / ISEG / UTL, 2000.

► Zapata, Tânia; Osório, Carlos Humberto; Arns, Paulo César; Parente, Silvania; Jordan, Arturo.
Gestão Participativa para o Desenvolvimento Local, Projeto BNDES – Desenvolvimento Local –
Cooperação Técnica do PNUD, 2001.

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RELATIVAMENTE A ESTE CAPÍTULO, TENHA EM


CONTA QUE…

► O desenvolvimento local é a via mais oportuna e concreta para uma aproximação


às necessidades reais das pessoas, enquanto indivíduos e sociedades, e para
projetar, no quadro de uma envolvente que se define como território, soluções
para problemas complexos de gestão dos recursos, que se prendem com a
economia, o ambiente, os espaços urbanos e rurais, a cultura, a identidade, o
desenvolvimento e os direitos humanos, o bom governo e a saúde da sociedade.

► O desenvolvimento local sustentável encerra uma dimensão quádrupla de


elementos interrelacionados e interdependentes: económicos, socioculturais,
político-administrativos e ambientais.

► O fomento de uma dinâmica de participação ativa dos diferentes atores públicos e


privados na difusão, definição e aprovação de um conjunto de medidas de caráter
estratégico para o futuro do território é um elemento fundamental para o possível
êxito de uma estratégia de desenvolvimento.

► O desastre é a concretização de um risco que deriva de determinados níveis de


vulnerabilidade na sociedade, em que o evento físico serve de detonador, mas não
é a única causa que lhe dá origem.

► O impacto negativo dos desastres nos territórios e a fragilidade do


desenvolvimento local sustentável ensinam-nos que os processos de redução do
risco de desastres não podem realizar-se à margem dos processos de
desenvolvimento e que os processos de desenvolvimento, para serem sustentáveis,
não podem excluir a redução dos riscos.

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DESASTRES, RISCOS E
3 DESENVOLVIMENTO: UMA APROXIMAÇÃO
À SUA RELAÇÃO

OBJETIVOS DO CAPÍTULO 3
O terceiro capítulo tem por objetivo permitir-lhe:

► Compreender que os desastres podem significar uma verdadeira ameaça para as nossas
sociedades, principalmente para o desenvolvimento local sustentável.

► Conhecer como as atividades humanas incidem na geração do risco de desastres e identificar as


suas principais causas.

► Compreender que os desastres são produtos de sistemas de desenvolvimento inadequados e


que só a implementação de formas mais sustentáveis de desenvolvimento poderá consolidar
sociedades resilientes e seguras.

► Identificar os principais desafios para a redução do risco de desastres.

3.1 Generalidades

3.1.1. Uma aproximação ao impacto dos desastres nas nossas sociedades

No nosso planeta sempre existiram fenómenos naturais como sismos, furacões, maremotos,
erupções vulcânicas, deslizamentos, secas e outros acontecimentos de maior ou menor envergadura;
é uma consequência da dinâmica própria da terra, que está em constante movimento e
transformação. Ao longo da história da humanidade, muitos destes eventos provocaram danos,
com consequências desastrosas para as populações e para os seus meios de subsistência; no entanto,
culturas importantes aprenderam a reconhecer, respeitar e conviver com as ameaças naturais e as
leis da natureza, permitindo o desenvolvimento de grandes civilizações em harmonia e equilíbrio
com o ambiente e a sua envolvente.

No início do novo milénio, a comunidade internacional, embora reconhecendo que a dimensão, a


recorrência, o número de populações vulneráveis e os danos provocados pelos desastres
produzidos por fenómenos naturais tinham aumentado de forma significativa, valorizava
positivamente o facto de o número de vítimas mortais ter diminuído em resultado da tomada de
consciência generalizada e das ações, principalmente preparatórias, destinadas a reduzir o risco de
desastres, em curso à escala global e local.

Lamentavelmente, pouco tempo depois, o mundo foi confrontado com um panorama desolador e
os balanços positivos do passado recente foram reduzidos a uma conclusão temporária e subjetiva
dos acontecimentos.

O tsunami e o sismo na Ásia, em dezembro de 2004, os furacões na Bacia das Caraíbas e no Golfo
do México em 2005, o sismo no Haiti em 2010 e o recente sismo e tsunami na costa nordeste do
Japão, foram alguns dos principais acontecimentos mundiais que demonstraram perante os olhos
horrorizados do mundo e a impotência da comunidade internacional quão vulneráveis e frágeis são
as nossas sociedades apesar dos inúmeros recursos e progressos técnicos e científicos do planeta.
Os grandes desastres destes últimos anos saldam-se em centenas de milhares de mortos, feridos e

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desaparecidos; milhões de deslocados, famílias, economias e meios de subsistência destruídos. Uma
lição que ninguém deseja que se repita.

A falta de números fiáveis sobre os prejuízos e as consequências dos fenómenos naturais,


sobretudo a nível local-territorial e nos países em desenvolvimento, principalmente naqueles com
baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), não permite fazer estimativas exatas e realistas
da verdadeira dimensão que os desastres ocupam no desenvolvimento das nossas comunidades.

A atenção mundial centra-se principalmente nos chamados "grandes desastres" e concede pouco
espaço nas estatísticas aos "pequenos e médios desastres" que se repercutem negativamente
sobre os territórios, as localidades e, inclusivamente, as famílias, causando perdas vultuosas de
capital humano, económico, material e ambiental. No entanto, os números sobre estes factos já são
alarmantes à escala global.

Basta constatar que, no período compreendido entre 1992 e 2002, perderam a vida 60 000 pessoas
em média, por ano, e que ao longo da década se registaram prejuízos para a economia da ordem dos
69 mil milhões USD 13 . Também se estima que aproximadamente 184 pessoas morrem diariamente,
em diferentes partes do mundo, em consequência deste tipo de desastres.

Só para dar uma ideia aproximada do aumento dos prejuízos causados pelos desastres, entre 1990 e
2003 o número de pessoas afetadas subiu de 90 para 255 milhões. O valor cumulativo entre 1990 e
2003, à escala planetária, é de 3,4 mil milhões de habitantes afetados pelo impacto de desastres 14 , o
que, em teoria, corresponde a mais de metade da população do planeta. Estamos, por
conseguinte, perante um problema de dimensões dantescas que pode colocar em perigo a
existência e a sobrevivência de importantes setores da humanidade.

Tabela 1
A distribuição regional de ocorrência de desastres em 2010 é semelhante à distribuição média anual na última
década, que evidencia uma maior concentração de desastres na Ásia, seguido pelas Américas (ver Tabela). A Europa
viu em 2010 o maior incremento na ocorrência de desastres (18.2%) enquanto a Ásia apresentou o maior decréscimo
(13.8%), comparada com as médias da década. O número de vítimas na África, Europa e Ásia diminuíram em
comparação com as médias anuais de 2000-2009. No entanto, o número de vítimas nas Américas
e Oceania aumentaram, provocando uma maior percentagem de vítimas de desastres nestes continentes. Os danos das
catástrofes naturais aumentaram principalmente nas Américas e Oceania, em comparação com as médias da
década. Estes dois continentes deram assim a maior contribuição ao aumento global nos danos provocados por
desastres naturais em 2010. A quota da Ásia de danos globais (28.1%) ficou abaixo da quota de 2000-2009 de
39.8%:
Global
Nº de Desastres Naturais África Américas Ásia Europa Oceania Global
Climatológicos 2010 6 16 0 22 0 50
Média 2000-09 9 13 13 18 1 54
Geofísicos 2010 1 6 20 2 2 31
Média 2000-09 3 7 21 3 2 31
Hidrológicos 2010 57 40 81 32 6 216
Média 2000-09 43 39 80 25 5 192
Meteorológicos 2010 5 35 27 14 7 88
Média 2000-09 9 33 42 14 6 105
Total 2010 69 97 134 70 15 385
Média 2000-09 64 92 156 59 15 387
Fonte: Annual Statistical Review: Numbers and Trends 2010, 2011 CRED, Bruxelas
http://www.cred.be/sites/default/files/WP272.pdf

13 J. Twigg, 2004.
14 CRED, Thirty Years of Natural Disasters; 1974-2003: The Numbers, 2004.

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EXEMPLO
Base de dados internacional de desastres – EM-DAT (disponível em inglês)

Desde 1988 o Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) mantém uma base de dados
de desastres: a EM-DAT. A EM-DAT foi criada com o apoio inicial da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e do Governo da Bélgica.
O principal objetivo desta base de dados é o de ajudar as ações humanitárias a nível nacional e
internacional. É uma iniciativa que visa racionalizar a tomada de decisões na preparação contra
desastres, assim como fornecer uma base objetiva para a avaliação de vulnerabilidades e a
definição de prioridades.
EM-DAT possui informações essenciais sobre a ocorrência e os efeitos de mais 18.000 desastres
de grande envergadura em todo o mundo de 1900 aos nossos dias. A base de dados é compilada
de várias fontes, incluindo agências da ONU, organizações não-governamentais, companhias de
seguro, centros de investigação e agências de notícias.

3.1.2. Uma aproximação ao risco de desastres e aos desastres

O risco de desastres é a probabilidade de um evento físico potencialmente destrutivo ocasionar


danos com consequências devastadoras para a sociedade. Manifesta-se pela perda de vidas humanas
e de bens sociais e pela perda e deterioração dos meios de subsistência, da atividade económica e do
ambiente de um território.

É o resultado de interações entre ameaças ou perigos (naturais ou causados pelos seres humanos,
como furacões, sismos, deslizamentos, explosões, incêndios, guerras, etc.) e as condições de
vulnerabilidade (défices no conhecimento do risco, localização inadequada dos aglomerados e dos
edifícios, debilidades de preparação, pobreza, segregação social, deterioração ambiental, carência de
emprego digno, etc.) a que está exposta uma comunidade 15 .

O risco é sempre social, porque um evento físico, independentemente da sua origem,


dimensão ou intensidade, não pode causar prejuízo a uma sociedade se não existirem
elementos expostos aos seus efeitos. O nível de risco está sempre em função das ameaças e
vulnerabilidades, as quais, da mesma forma que o risco, constituem condições latentes na
sociedade. 16

No caso de um desastre, os eventos físicos destrutivos (concretização da ameaça ou perigo) não


podem explicar por si só o impacto e o dano sofrido num território, porque são produto de um
conjunto de condições político-administrativas, económicas, socioculturais e ambientais (criadas
pelos seres humanos) preexistentes no momento do impacto.

Os desastres não são, portanto, causados por simples ameaças da natureza, nem atos divinos ou
efeitos fortuitos ocasionais no tempo, mas consequência de um processo de acumulação de riscos
que os seres humanos vão criando através de práticas pouco adequadas, inclusivamente perigosas,
nos sistemas de desenvolvimento que implementamos nas nossas sociedades, territórios e
comunidades. São os processos de desenvolvimento que determinam as possibilidades de
reduzir ou aumentar o risco de desastres 17 , como veremos com mais pormenor neste capítulo.

Os desastres estão relacionados também com a nossa forma de coexistir com os fenómenos
naturais, com o local onde construímos o nosso habitat e com a forma como convivemos com o
ambiente que nos rodeia. Um evento só se transforma em desastre porque as pessoas, os
aglomerados e as atividades humanas se encontram no lugar errado à hora errada. Se não existissem

15 Este tema é aprofundado na Unidade Didática 3 do curso. Para saber mais sobre as definições de conceitos, ver glossário.
16 Na Unidade Didática 3, Capítulo 1, os aspetos aqui abordados serão tratados em maior profundidade.
17 PNUD, 2004.

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pessoas nem comunidades expostas e vulneráveis nas áreas onde possa surgir uma inundação, um
sismo, uma erupção vulcânica, uma seca, um deslizamento, uma avalancha, uma explosão, poderia
afirmar-se teoricamente que: NÃO HÁ DESASTRE!

Esta é uma afirmação idealizada da realidade. Pretende-se com esta asserção levar-nos a
compreender e tomar consciência que somos nós, os seres humanos, quem gera a vulnerabilidade e
que, por conseguinte, podemos aumentar ou reduzir o impacto de um evento físico.

Existem, no entanto, ameaças e perigos que não podemos evitar completamente, apesar de todos os
nossos esforços, previsões e preparativos. Existirá sempre um nível de risco com o qual devemos
aprender a viver e que devemos respeitar, mas também controlar, gerir e reduzir.

Mesmo que se possam suportar os danos económicos e recuperar os prejuízos causados por um
evento destrutivo, a perda de vidas não poder fazer parte desta lógica, devendo empreender-se
todos os esforços para evitar as catástrofes humanas. Portanto, também é importante desenvolver
as capacidades efetivas de alerta, resposta e recuperação de um evento prejudicial.

3.2. Os desastres: ameaças ao desenvolvimento humano

Os desastres não se manifestam apenas através da danificação física de infraestruturas, edifícios,


estradas ou aglomerados, pois as suas consequências têm efeitos prolongados que persistem no
tempo e perturbam seriamente a economia, os meios de subsistência, o ambiente e os sistemas
políticos e sociais. Podem conduzir uma sociedade ao colapso ou revelar situações de crise latentes,
criando instabilidade e problemas de governabilidade num território. No entanto, não é possível
avaliar economicamente a importância do impacto humano, psicossocial e na subsistência,
sobretudo o impacto nas populações mais vulneráveis como as crianças, os idosos, as populações
mais pobres, as mulheres, os povos indígenas e os desempregados.

Os desastres causam vítimas fatais, que são irrecuperáveis para as famílias e para as populações, as
quais, por sua vez, têm de enfrentar e superar a crise, suportar a carga emocional aliada à
recuperação da tragédia, restabelecer os seus meios de subsistência e tentar preencher os grandes
vazios deixados pelo falecimento dos entes queridos. Para muitas comunidades, podem passar
muitos anos antes que consigam prosseguir o curso normal da sua vida, algumas poderão nunca se
recompor totalmente. O PNUD afirma que: "nas comunidades e países afetados, as perdas
associadas a desastres tornam extremamente difícil cumprir os Objetivos de
Desenvolvimento do Milénio (ODM)".

No plano internacional, nacional e local constatou-se que os desastres desencadeados por


fenómenos de origem natural podem afetar negativamente o desenvolvimento harmonioso das
sociedades, em especial no âmbito territorial, em que o seu impacto pode fazer desaparecer
comunidades inteiras.

As Cheias de Fevereiro / Março de 2000 em Moçambique

As cheias não são um fenómeno raro em Moçambique. Por alturas da estação das chuvas - que
corresponde ao Verão moçambicano, quando o Sol se aproxima do Equador, durante a passagem
do equinócio, o país é atingido por chuvas fortes, que se repetem ciclicamente. No entanto, em
2000, a passagem do ciclone "Eline" veio agravar em 90 por cento a situação, gerando cheias
catastróficas.
Os ciclones, nesta região, formam-se no Oceano Índico e rumam para sudoeste. A maior parte das
vezes dissipam-se no Canal de Moçambique, antes de atingirem a costa do continente africano, ou
quando chegam à ilha de Madagáscar. Em 2000 o ciclone Eline passou à volta da ilha e chegou à
costa, provocando muito chuva e ventos com mais de 100km/h.
Estima-se que esta catástrofe tenha provocado centenas de mortos, 300 000 refugiados e um milhão
de desalojados.

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Extensos territórios e povoações dos continentes africano, asiático e americano viram reduzidos os
seus esforços de criação de melhores condições de vida para os seus habitantes em consequência
dos desastres provocados por inundações, secas, sismos, maremotos, deslizamentos e furacões.
Inúmeros estudos realizados por ONG, entidades governamentais, agências de desenvolvimento,
organismos de cooperação, organizações das Nações Unidas e centros de investigação nas últimas
décadas provam esta afirmação 18 . Muitos peritos consideram que os desastres provocados por
fenómenos naturais podem constituir uma das maiores ameaças ao desenvolvimento,
sobretudo com os atuais indícios de que as alterações climáticas se estão a processar a um
ritmo acelerado 19 .

Muitas sociedades não compreenderam ainda o verdadeiro impacto dos desastres no


desenvolvimento e a relação existente entre os desastres e o desenvolvimento, pelo que ainda não
integraram adequadamente a avaliação de risco no planeamento e implementação de programas e
projetos.

Os desastres são interpretados erroneamente como um evento temporário, uma interrupção


momentânea num processo destinado a melhorar os padrões de vida das populações. Esta
abordagem considera a ajuda humanitária e a prestação de cuidados na situação de emergência a
forma mais idónea de responder às catástrofes, de "se recompor" e retomar o processo "normal" de
desenvolvimento. Não considera que a situação é muito mais complexa e exige que se tomem
medidas de redução da vulnerabilidade ANTES da ocorrência de um evento, que devem envolver
todos os atores e setores da sociedade, como veremos ao longo deste curso.

Impõe-se desenvolver a capacidade de alertar, responder e atuar no momento da emergência para


salvar vidas, porque é a ação mais urgente e prioritária numa situação de catástrofe. Mas é ainda
mais importante trabalhar no sentido de reduzir a vulnerabilidade e gerir os riscos como atividade
permanente e integrada dos processos de desenvolvimento.

Incidem negativamente na conceção e gestão do risco de desastres os seguintes aspetos:


• a influência sensacionalista dos meios de comunicação, que se centram apenas na tragédia
enquanto os acontecimentos são notícia de primeira página e não divulgam as soluções e boas
práticas que contribuíram para a redução do risco;
• a falta de uma análise objetiva e realista que vincule os desastres como parte integrante do
processo de desenvolvimento global;
• as grandes lacunas que ainda persistem na transmissão do conhecimento para diferentes setores
da sociedade e a gestão e controlo da informação por parte de um grupo reduzido de pessoas;
• a utilização da tragédia para obter visibilidade política por parte de diferentes agentes sociais,
sem pensar para além do momento do desastre ou em enfrentar as causas estruturais que o
produzem;
• a ausência de consciência pública generalizada sobre o tema, em especial entre os decisores
políticos;
• a cultura da "vítima", de aproveitar os momentos de resposta e de reabilitação para
reivindicações de curto prazo e os incentivos contraproducentes que tal pode significar
("melhor não investir em algo que nunca acontece, quando os benefícios de ajuda humanitária
externa podem aliviar outros problemas"), que podem ser interpretados como uma melhoria
temporária das condições de vida.

18 EIRD, Vivir con el riesgo : Informe mundial sobre iniciativas para la reducción de desastres, EIRD/ONU, 2004:
http://www.crid.or.cr/digitalizacion/pdf/spa/doc16481/doc16481.htm
19 PNUD/BCPR, Reducción del riesgo de desastres, un desafío para el desarrollo, PNUD, 2003:
http://www.undp.org/cpr/disred/documents/publications/rdr/execsummary_esp.pdf

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Por outro lado, a comunidade costuma interpretar como rosto visível dos desastres quase
exclusivamente os acontecimentos relacionados com a perda imediata de vidas e bens materiais,
sem frequentemente se analisar as suas verdadeiras consequências no desenvolvimento humano e
territorial a médio e longo prazo 20 .

Para poder avançar na redução do impacto dos desastres é necessário, em primeira


instância, compreender realmente que eles podem constituir um verdadeiro travão ao
desenvolvimento e ao bem-estar das nossas comunidades e territórios, porque, além de
destruir vidas e causar perdas económicas, podem:
• delapidar recursos através da destruição de bens e investimentos da comunidade, como serviços
públicos, hospitais, escolas, portos, fábricas, linhas vitais de funcionamento, bem como
danificar ou destruir o património histórico e cultural;
• desviar a utilização de recursos (para enfrentar a emergência, reabilitação e recuperação) cujo
destino original era a implementação de projetos económicos ou sociais como, por exemplo:
investimentos produtivos, educação, saúde ou erradicação da pobreza; esta situação leva, por
sua vez, a um maior grau de vulnerabilidade da comunidade após o desastre, porque trava
processos de desenvolvimento em curso;
• afetar negativamente os rendimentos das famílias, a perda do emprego e os meios de
subsistência das populações, tanto no âmbito formal como informal (em muitas comunidades
pobres e países em desenvolvimento a economia "não formal" é um pilar fundamental para a
subsistência de importantes segmentos da população, setor que, regra geral, não é contemplado
nas estatísticas sobre o impacto do desastre, por não existirem dados sobre o tema);
• prejudicar gravemente o ambiente e o equilíbrio natural através da destruição dos ecossistemas,
das florestas, da flora e da fauna; da erosão de terras férteis e produtivas; da poluição da água
destinada ao consumo humano, dos rios e dos lagos; da rutura ou danos em redes de águas
residuais ou depósitos químicos, etc.;
• fomentar a dependência económica e aumentar a dívida externa do país devido à transferência
de fundos produtivos para enfrentar o desastre e à contração de novos empréstimos para poder
restabelecer o funcionamento da comunidade e promover o processo de reconstrução da
economia e dos meios de subsistência;
• debilitar ou minar a organização e a administração local, bem como provocar ou agravar crises
políticas, sociais e institucionais, etc.

Em valores absolutos Como percentagem do PIB


(milhares de milhões de USD)
Tabela 2: Chile 30.0 Haiti 123.5
Impato econômico dos Rep. P. da China 19.1 Chile 18.3
desastres em 2010: Os
10 países mais Paquistão 9.5 Paquistão 5.9
afetados.
Estados Unidos 8.7 Guatemala 4.0
Fonte: Haiti 8.0 Nova Zelândia 2.9
Credcrunch 2011, Newsletter, N°
23 – Centre for Research on the México 5.9 Fiji 1.4
Epidemiology of Disasters –
CRED: França 5.7 Guiana 1.2
http://cred.be/sites/default/files/
CredCrunch23.pdf Nova Zelândia 3.7 Jamaica 1.2

Rússia 3.6 Antígua e Barbuda 1.1

Polônia 3.2 Portugal 0.9

20 Este tema é amplamente desenvolvido nas Unidades Didáticas 4 e 5.

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3.2.1. O impacto diferenciado dos desastres

A distribuição da riqueza e os desastres

Está provado que os desastres afetam com maior severidade os países e comunidades mais pobres.
Entre 1992 e 2001, 96% das mortes ocorreram em países classificados com Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou médio 21 . 98% das populações afetadas à escala global
habitam nesses países. O furacão Mitch, em 1998, assolou grande parte da América Central
causando perdas equivalentes a 13,22% do Produto Interno Bruto (PIB) da região. No entanto, o
seu efeito foi muito mais severo nas comunidades mais pobres e nos países mais vulneráveis. As
Honduras e a Nicarágua pagaram o preço mais alto do impacto. Nas Honduras o furacão afetou
80,49% do PIB nacional e na Nicarágua 48,83%, contra 0,95% na Costa Rica, o país com maior
desenvolvimento humano da região. Calcula-se que o desenvolvimento das Honduras sofreu um
retrocesso de décadas.

75% da população mundial vive em zonas fustigadas por catástrofes, pelo menos uma vez,
entre 1980 e 2000. Os países com um IDH elevado possuem cerca de 15% da população
exposta a desastres, mas registam 1,8% das mortes. Os países com um IDH baixo possuem
apenas 11% da população, mas registam 53% das mortes à escala global 22 .

Apesar de 63% das perdas económicas corresponderem a países com IDH elevado, isso não
significa que estas zonas tenham pago as piores consequências, porque a percentagem do PIB é
muito superior em países pobres e pequenos. As perdas são mais gravosas nos chamados países em
desenvolvimento, onde um grande desastre pode gerar prejuízos entre 10 e 200% do PIB anual,
dependendo da dimensão relativa da economia afetada 23 . Também é muito mais difícil a
recuperação nos países pobres, que não dispõem de seguros adequados, de meios económicos e
técnicos nem de infraestruturas para o efeito.

Quanto mais pequeno o país, maior o impacto. Muitos estados-ilhas dependem economicamente de
monoculturas ou do turismo, pelo que um fenómeno como um furacão reduz as suas fontes de
subsistência e prejudica gravemente a sua economia. De acordo com a Conferência das Nações
Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, 13 dos 25 países assolados pelo maior número de
catástrofes durante as décadas de 1970 e 1980 foram estados-ilhas de pequena dimensão 24.

À escala local, a situação é igual. As comunidades situadas em zonas expostas como barrancos,
encostas das montanhas, margens de rios, têm grande probabilidade de serem prejudicadas por uma
ameaça, quando se verificam concomitantemente condições extremas de vulnerabilidade como:
• falta de oportunidades socioeconómicas;
• pobreza endémica;
• sobrepopulação;
• debilidades organizacionais;
• carência de recursos e dificuldade de acesso ao poder;
• poluição ambiental.

O contrário ocorre nas comunidades situadas em zonas urbanas de menor risco, que possuem
melhores condições para enfrentar uma ameaça, a saber:
• edifícios sólidos;

21 J. Twigg, 2004
22 PNUD, 2004
23 Lavell, 2005.
24 EIRD/ONU, Small Island Developing States, Disasters, Risk, and Vulnerability (disponível em inglês), Documento de consulta da EIRD,

2004.

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• habitações bem construídas;
• vias de salvamento;
• zonas verdes para a absorção das águas pluviais;
• sistemas de drenagem e de esgoto apropriados;
• população com seguros de vida e de habitação;
• representantes políticos;
• trabalhos estáveis;
• acesso a educação, saúde, etc.

Um caso extremo que exemplifica esta situação foi o sismo ocorrido na Guatemala em 1976, em
que morreram cerca de 23 000 pessoas, mais de 77 000 ficaram feridas, cerca de 1,2 milhões
sofreram prejuízos pessoais ou materiais e 3,4 milhões foram afetadas, sendo a sua quase totalidade
famílias em situação de pobreza e de pobreza extrema 25 . O desastre chegou a ser chamado o "sismo
dos pobres" ou o "sismo classista".

EXEMPLO
Prevenção de desastres naturais - Conceitos básicos - Brasil (disponível no Infodoc)

Nas últimas décadas, o número de registro de desastres naturais em várias partes do mundo vem
aumentando consideravelmente. Isto se deve, principalmente, ao aumento da população, a
ocupação desordenada e ao intenso processo de urbanização e industrialização. Dentre os
principais fatores que contribuem para desencadear estes desastres nas áreas urbanas destacam-se a
impermeabilização do solo, o adensamento das construções, a conservação de calor e a poluição
do ar. Enquanto que nas áreas rurais, destaca-se a compactação dos solos, o assoreamento dos
rios, os desmatamentos e as queimadas.

Apesar do exposto, é necessário refletir para além das afirmações anteriormente destacadas. Não se
pode considerar a pobreza isoladamente como mero fator de vulnerabilidade. Mais que com a
"riqueza ou pobreza" económica de um território, muitos desastres estão relacionados com a
distribuição da riqueza e com as políticas públicas sobre a qualidade dos aglomerados humanos, e
também com as medidas de redução do risco de desastres ordenadas pelas autoridades e com o
nível de organização institucional face às ameaças naturais que ocorram. Em 1998, o furacão Mitch
ceifou a vida de cerca de 20 000 pessoas da América Central. Quando um tornado de intensidade
similar, o furacão Michelle, fustigou a ilha de Cuba em 2001, só houve a lamentar 5 vítimas mortais,
porque mais de 700 000 pessoas conseguiram ser evacuadas das zonas de maior impacto. Estes
resultados ficaram a dever-se à capacidade organizacional e aos sistemas de previsão e preparação
disponíveis no país mais do que ao seu poder económico 26 .

Os setores excluídos e marginalizados perante os desastres

Inúmeros estudos concluíram que os desastres afetam de forma desigual diferentes segmentos da
população, como:
• as crianças e os jovens;

25 Rumo a um mundo mais seguro face aos desastres, 1994 e Cidades em perigo (disponível em espanhol), 1996, OPS e DIRDN.
26 Desastres naturales y pobres urbanos, na revista eletrónica “En breve” N.º 32, Banco Mundial, 2003.

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• os idosos;
• as mulheres;
• as pessoas com deficiência;
• as etnias alvo de discriminação e as populações imigrantes que, muitas vezes, têm dificuldade
em compreender o idioma e os aspetos culturais prevalecentes nas sociedades em que vivem;
• os povos nativos.

EXEMPLO
Projeto de Resiliência Comunitária – Visão Mundial (disponível em espanhol)

O Projeto de Resiliência Comunitária (PRC) elaborou um módulo para desenvolver capacidades


em resiliência comunitária através da gestão de riscos, a proteção dos meios de vida sustentável e a
adaptação às mudanças climáticas em base ao Quadro de Ação de Hyogo e à Visão da Primeira
Linha da Rede Global de organizações da sociedade civil para a redução de desastres.

Os desastres podem ser mais persistentes no tempo em termos económicos, sociais ou culturais,
sobretudo se estes grupos da população forem alvo de forte discriminação e exclusão e possuírem
menor acesso a meios de subsistência e a estruturas organizacionais e de poder.

As experiências e capacidades dos anciãos, das mulheres ou dos indígenas são geralmente pouco
valorizadas ou raramente consideradas na redução do risco, apesar da sua bagagem de capacidades
devido às funções e responsabilidades que desempenham na sociedade, e de terem aprendido a
desenvolver estratégias de resistência e sobrevivência face aos desastres, invulgares para as
adversidades, carência de recursos e marginalidade em que se encontram.

Geralmente cabe às mulheres, em conjunto com as crianças e com os idosos, enfrentar o desastre
na comunidade e, em muitos casos, recai nelas, sobretudo nas que são chefes de família, a principal
responsabilidade de reconstrução da economia familiar.

Por outro lado, os povos nativos e as populações indígenas possuem conhecimentos ancestrais para
enfrentar os desastres e desenvolveram formas de convivência com a natureza e o seu habitat que
lhes permitiram sobreviver às adversidades resultantes de fenómenos naturais. No entanto, a sua
forma de vida é ameaçada pela imposição de novas relações económicas, sociais e culturais com o
ambiente que os rodeia, que rompem o equilíbrio e harmonia das relações centenárias.

EXEMPLOS
Endereços eletrónicos de artigos relacionados com a incidência dos desastres junto dos setores
mais excluídos da população:

Desastres naturais ou negligência humana (disponível no Infodoc)


A análise distingue situações de risco decorrentes de fenômenos com forte intensidade – agudos,
com efeitos vorazes e catastróficos, mas duração passageira – dos danos cotidianos resultantes de
fenômenos naturais, enquanto ações crónicas. Em qualquer dos casos, as populações mais afetadas
são as mais pobres.

Mulheres e desastres: os custos dos furacões Stan e Vilma (disponível em espanhol)


Cima Noticias, dezembro de 2005

Folha informativa: Género e desastres naturais (disponível em espanhol)


Organização Panamericana da Saúde (OPS)

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Mulheres, redução do risco de desastres e desenvolvimento sustentável: uma perspetiva de
género
Estratégia Internacional para a Redução dos Desastres. Artigo publicado na Revista Delnet do
CIF/OIT

Impacto dos desastres em lugares diferentes dos da origem do risco

O território em que um desastre causa perdas nem sempre está relacionado com o lugar onde se
produz o evento destrutivo ou tem origem a ameaça. Pode diferir consideravelmente e afetar
pessoas ou comunidades que nem sequer estão conscientes de uma ameaça ou da vulnerabilidade
face a um perigo potencial.

Podemos ilustrar esta afirmação com os exemplos de como desflorestação e urbanização nas zonas
altas de bacias hidrográficas causam inundações em zonas baixas e de como a descarga das
barragens afeta áreas muito distantes da sua origem. No caso da vulnerabilidade, as decisões de
políticas públicas, sejam elas ambientais, económicas ou sociais, também têm impacto local e
familiar, longe das instâncias onde se tomaram as decisões, como é o caso das políticas de
ajustamento económico e o desenvolvimento de megaprojetos, decididos nas esferas de poder de
uma nação, sem que os setores mais afetados no território em geral participem ou tenham
conhecimento das decisões e dos seus efeitos.

Frequentemente, quem provoca o risco não está consciente ou não tem interesse em saber que as
decisões ou ações desencadeadas num determinado local afetam pessoas e territórios distantes. Os
efeitos das alterações climáticas produzidas pelo aquecimento global do planeta são um exemplo
evidente. Os países industrializados, responsáveis por grande parte das emissões de gases com
efeito de estufa, geram situações de risco que têm impacto em maior proporção nos países em vias
de desenvolvimento e, dentro destes, nas pessoas mais vulneráveis e sujeitas a maior exclusão
socioeconómica. A não ratificação de tratados internacionais por alguns países demonstra a sua
pouca sensibilização para os perigos que as alterações ambientais suscitam à escala global e local e
para a necessidade imperiosa de reduzir o risco de desastres para garantir sociedades mais
sustentáveis.

3.2.2 Os sistema de desenvolvimento e a sua incidência na criação do risco de desastres

Quando se fala de desastres nos meios de comunicação ou no nosso ambiente quotidiano,


associamo-los imediatamente a acontecimentos fora do alcance das nossas capacidades, ações e
responsabilidades. Também costumamos pensar que compete exclusivamente aos "peritos" e às
autoridades incumbir-se da situação de emergência e repor os prejuízos produzidos por uma
catástrofe. Raramente associamos os desastres às fragilidades e carências dos sistemas e processos
de desenvolvimento. Paralelamente, quando se fala de desenvolvimento, fala-se de investimento,
"modernidade" e capitalização numa perspetiva limitada, geralmente ligada a aspetos económicos.

Ficou demonstrado que o desenvolvimento não pode ser encarado apenas na perspetiva do
crescimento económico e que tem de ser considerado, também, numa perspetiva ambiental,
política, administrativa, social e cultural, para que seja possível promover um desenvolvimento local
sustentável, como decorre da análise dos capítulos anteriores desta Unidade Didática.

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio resumem o compromisso global de erradicar a


pobreza e a fome, alcançar a educação primária universal e a igualdade de género, reduzir a
mortalidade infantil, combater as pandemias como a sida e a malária, assegurar a sustentabilidade
ambiental e dotar os bairros pobres urbanos de saneamento básico. Todos os esforços no sentido
de alcançar estes objetivos podem ser gravemente afetados ou atrasados pelo impacto de um
desastre. Ao mesmo tempo, impõe-se tomar em consideração estas ameaças na conceção das
estratégias de intervenção e programas de desenvolvimento.

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UNIDADES
DIDÁTICAS UD 1

EXEMPLO
Redução do Risco de Desastre – Um desafio para o desenvolvimento (disponível no
Infodoc)

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio contêm temas comuns às políticas em matéria de


desenvolvimento e de risco de desastre, relacionadas com metas específicas e indicadores de
progresso. Na Seção IV da Declaração do Milénio, intitulada “Proteção de nosso ambiente
comum”, reconhece-se o risco que os desastres representam para o desenvolvimento. Em tal seção
traça-se o objetivo de “Intensificar a cooperação para reduzir o número e os efeitos dos desastres
naturais e dos desastres provocados pelo homem”.

O quadro seguinte menciona os aspetos centrais do desenvolvimento relacionados com o aumento


do risco de desastres. Há, no entanto, um conjunto de fatores que, com frequência, não
conseguimos identificar facilmente e que devem ser analisados em maior profundidade, porque têm
forte incidência nos territórios e lhes conferem maior predisposição para a vulnerabilidade.

Aspetos do desenvolvimento que incidem na criação do risco de desastres


27

► Aspetos socioculturais:
Prendem-se com as fragilidades e lacunas relacionadas com os níveis e formas de organização
social, a identidade com o território, as relações que acompanham o nosso desenvolvimento
no ambiente que nos rodeia, os conhecimentos, as capacidades, as formas de atuar, as
percepções, as crenças e interpretações através das quais desenvolvemos o nosso habitat.

► Aspetos económicos:
São as fragilidades relacionadas com a distribuição da riqueza e os processos de aquisição e
intercâmbio que caracterizam as relações nos territórios, como: a carência ou falta de recursos,
o uso irracional dos existentes, os investimentos e práticas económicas que não preveem ou
que agravam o risco de desastres, deficiências nos meios de subsistência e emprego digno,
nível de endividamento e dependência externa, etc.
► Aspetos político-administrativos:
São as fragilidades a nível da autonomia, capacidades, administração e uso de recursos ao
dispor das autoridades locais e dos atores fundamentais do desenvolvimento local para tomar,
influenciar e promover decisões relacionadas com a redução do risco de desastres e o
desenvolvimento territorial, assim como a autonomia, as capacidades e os mecanismos de
gestão necessários para as implementar.

► Aspetos ambientais (ambiente natural e físico-natural)


São os aspetos relacionados com o ambiente, entendendo-se por ambiente a forma como
exploramos, usamos, convivemos e nos relacionamos com o nosso meio natural, mas também
a forma como construímos a qualidade do nosso habitat físico, os aglomerados humanos e as
linhas vitais de funcionamento que podem fragilizar e tornar mais vulnerável a sociedade no
seu conjunto, bem como os edifícios, as infraestruturas e os ecossistemas face a determinadas
ameaças ou perigos potenciais.

No planeamento territorial e na redução do risco, importa tomar em consideração que muitos


projetos de desenvolvimento, promovidos com boas intenções e que respondem a necessidades e
políticas económicas nacionais ou globais, que são considerados inclusivamente estratégicos para
um país ou região, podem ser potenciais geradores de risco de desastres e reduzir o

27 Estes aspetos serão desenvolvidos de forma mais precisa nos capítulos e Unidades Didáticas seguintes.

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desenvolvimento integral de uma comunidade. Esta situação torna-se muito mais evidente nos
territórios e ao nível local, por ser o espaço onde se concretizam as decisões tomadas nas diferentes
esferas do poder e onde ocorrem os desastres.

É necessário perceber que os investimentos nos territórios não podem ser analisados
exclusivamente na perspetiva da geração de excedentes, devendo ser efetuados no quadro do
desenvolvimento humano sustentável. Deve tomar-se em consideração as pessoas, os grupos
sociais afetados ou beneficiados por diferentes decisões; o impacto social, cultural, ambiental e
político; e não só os interesses globais, nacionais ou macroeconómicos. Deve prevalecer o
benefício público sobre o privado, a segurança das pessoas sobre o lucro e a realidade do
território sobre fatores exógenos. As soluções em que todos ficam a ganhar, são as mais
apropriadas para um desenvolvimento sustentável.

EXEMPLO
Meio ambiente e vulnerabilidade a percepção ambiental de risco e o comportamento
humano (disponível no Infodoc)

O artigo discute fatores que influenciam a preparação e as respostas no ciclo geral das emergências
e desastres (contextos ambiental, social, político, económico, cultural e institucional) integrando
conhecimentos psicológicos, sociais e físicos acerca da sustentabilidade, vulnerabilidade e riscos.

Grandes projetos como a construção de barragens hidroelétricas, estradas, pontes, portos,


aeroportos, a exploração indiscriminada de recursos naturais (água, minerais, combustíveis fósseis,
florestas, mar), macrourbanizações, estabelecimento de complexos industriais, frequentemente não
contemplam o impacto negativo nos territórios e podem minar ecossistemas, reduzir o
desenvolvimento económico e produtivo da população local, ameaçar a flora e a fauna endógenas,
danificar e destruir o património histórico e colocar em perigo a sobrevivência das pessoas e de
comunidades inteiras.

Os estudos de impacto ambiental, estudos condicionais de viabilidade para projetos desta


envergadura, frequentemente não tomam em consideração a possível geração de risco através do
aumento da vulnerabilidade ou do agravamento das ameaças existentes. Com muito poucos
investimentos adicionais, estes estudos poderiam transformar-se em excelentes ferramentas de
análise cabal dos perigos.

Esta realidade também não é estranha aos projetos e programas de cooperação internacional, dos
bancos de desenvolvimento e das instituições financeiras internacionais. Lamentavelmente, muitos
programas sobrepõem ainda os seus interesses de curto prazo ao impacto que podem ter na criação
de vulnerabilidade e à sua incidência negativa nos meios de subsistência da população local. O
exemplo seguinte demonstra com casos concretos estas afirmações.

EXEMPLO
Os bancos de desenvolvimento devem retirar lições dos desastres (disponível em inglês)

Na Conferência Mundial para a Redução de Desastres, realizada em 2005 em Kobe, no Japão,


duas agências não governamentais líderes em ajuda internacional criticaram o Banco Mundial, o
Fundo Monetário Internacional e os bancos regionais de desenvolvimento pelas fragilidades dos
seus programas no domínio da proteção das pessoas contra desastres.

Um tema pouco debatido, mas também bastante importante no contexto atual, é o papel
desempenhado pelas políticas energéticas internacionais na geração do risco. As nossas sociedades
necessitam para o seu funcionamento de grandes quantidades de energia e recursos renováveis e
não renováveis, cuja exploração à luz dos padrões de consumo atuais coloca em risco o equilíbrio

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dos ecossistemas e contribui para a poluição ambiental do planeta, com efeitos negativos muito
concentrados nalguns territórios.

Através do uso indiscriminado dos recursos, como é o caso dos combustíveis fósseis, contribui-se
para o aquecimento global, que influencia as alterações climáticas com efeitos demonstrados na
periodicidade e intensidade de fenómenos hidrometeorológicos, com consequências desastrosas,
como é o caso dos furacões nas Caraíbas.

EXEMPLO
www.aaa.comA preservação da camada de Ozono - Angola (disponível no Infodoc)

A destruição da Camada de Ozono que protege o Planeta “Terra” é um dos mais sérios
problemas ambientais de alcance global que enfrentamos. A Camada de Ozono está sendo
destruída por Substâncias Cloradas e Bromadas, produzidas pelo Homem em laboratórios e
utilizadas nos setores de refrigeração e ar condicionado, agricultura, extinção de incêndios,
indústria de espuma, solventes e aerossóis.

Existem ainda os interesses e projetos de grandes corporações multinacionais que, na ânsia de gerar
rentabilidade para os seus acionistas e investidores, pelo custo mais baixo e no menor prazo
possível, não tomam em consideração a geração do risco de desastre com forte perigo para o
desenvolvimento de comunidades locais.

São inúmeros os exemplos da incidência negativa de grandes projetos nos ecossistemas territoriais
devido à introdução de espécies exógenas (florestais, agrícolas, piscícolas, etc.) que destroem ou
reduzem a produtividade e o ambiente local, e poluem o solo, o subsolo e as águas em
consequência da utilização de produtos agroquímicos, pesticidas e herbicidas. Acresce a esta
situação a sobreexploração dos recursos naturais e a imposição de sistemas de desenvolvimento
baseados na especialização produtiva, que reduz a diversidade económico-produtiva local, criando
sérios problemas de sobrevivência para as populações afetadas. As populações veem-se perante
situações adversas, que não sabem gerir com os seus próprios recursos e capacidades, o que
aumenta a sua vulnerabilidade.

Um elevado número de projetos ou atividades são implementados em territórios distantes das


entidades governamentais e organismos de controlo, sem normas apropriadas ou códigos de ética e
moral que regulamentem essas atividades. Não raramente estes projetos incluem a transferência de
populações e comunidades para zonas de maior risco, distantes do ambiente que as rodeava, dos
seus meios de subsistência, das suas raízes e da sua cultura. Existem muitos casos de utilização das
terras ancestrais das comunidades indígenas para implementar programas que colocam em perigo
não só a sua resistência face a desastres mas também a sua própria sobrevivência como povos e
violam, inclusivamente, os direitos humanos salvaguardados em pactos e convenções
internacionais.

"Ao desflorestar a floresta nativa para plantações de espécies exógenas ou para a criação de gado, ao cortar e reduzir
os mangais para a cultura de camarões e de outras espécies, ao inundar grandes extensões de territórios com barragens,
ao urbanizar extensas zonas férteis e cobri-las com asfalto e cimento, eliminam-se e reduzem-se as defesas naturais
dos ecossistemas que sustêm os ventos, amainam as ondas, retêm a água, evitam a erosão e, por fim, previnem
catástrofes humanas, económicas e ambientais. É um princípio básico de todos os processos de desenvolvimento local
que o crescimento económico não pode ser a qualquer preço e à custa do desenvolvimento humano sustentável, do
ambiente e da vida das pessoas”. 28

28Excerto do artigo publicado na Revista Delnet @local.glob: Valdés, J., A redução do risco de desastres: uma chamada para a ação, Centro
Internacional de Formação da OIT, 2006. Acessível no Infodoc e no sítio http://www.itcilo.org/delnet

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3.3 O desenvolvimento sustentável na redução do risco

Se é certo que as práticas inadequadas de desenvolvimento podem contribuir para a geração do


risco de desastres, como se afirma no ponto anterior, também é verdade que é possível promover
sistemas de desenvolvimento que convivam em harmonia e equilíbrio com a natureza através do
planeamento estratégico dos nossos territórios, como será analisado na Unidade Didática 3 deste
Curso. São justamente as nossas ações bem planeadas, conscientes do risco e da geração de
vulnerabilidades económicas, sociais, políticas e ambientais, que nos podem encaminhar rumo ao
desenvolvimento sustentável.

Dificilmente se podem eliminar totalmente as ameaças resultantes das ações humanas ou da


natureza, mas podemos evitar aquelas que causamos e agravamos e podemos reduzir ao máximo a
vulnerabilidade e o risco acumulado para criar sociedades e ecossistemas saudáveis e resistentes.
Portanto, importa garantir que cada comunidade e território tem capacidade para reagir e responder
em caso de desastre, tema que será abordado na Unidade Didática 5.

Integrar medidas, que tanto podem ser simples como complexas, nas nossas tarefas locais permitirá
caminhar no sentido de uma cultura de redução do risco de desastres. As ações de prevenção e
mitigação não estão tão distantes das nossas possibilidades no território como pensamos e não
exigem necessariamente grandes investimentos económicos ou de recursos, como muitas vezes
supomos.

Intervenções simples podem reduzir notavelmente o risco, permitindo evitar a erosão do solo e as
inundações súbitas; enfrentar com mais resistência e capacidades um sismo ou um furacão; prevenir
deslizamentos ou derrocadas; ou seja, avançar para formas mais seguras de vida. Mencionam-se
algumas a título de exemplo:
• organização e coordenação interinstitucional e interdisciplinar para analisar e planear as
medidas, envolvendo as autoridades locais, as universidades e instituições técnicas pertinentes, e
afetação de recursos mínimos;
• qualificação das populações e dos funcionários e decisores;
• conhecimento, cartografia e estudo das ameaças e vulnerabilidades;
• previsão de desastres e elaboração de planos de preparação;
• limpeza de canos, algerozes e sarjetas;
• reforço das nossas habitações e edifícios públicos;
• estabilização de muros e encostas;
• reflorestação ou florestação de zonas desflorestadas;
• aplicação de normas e códigos de construção nos novos edifícios;
• elaboração de planos de desenvolvimento urbano, uso dos solos e ordenamento do território;
• melhor localização e qualidade de construção das nossas habitações e edifícios;
• proteção e melhoria do ambiente e dos ecossistemas;
• uso e tratamento adequado dos resíduos;
• em casos extremos, relocalização de populações em locais mais seguros.

Muitas medidas aqui mencionadas não são impossíveis de concretizar e, em princípio, em cada
localidade deveria existir um mínimo de recursos e capacidades para as implementar. No entanto, a
formação de uma cultura de prevenção deve ir muito mais além dos exemplos mencionados. O
mundo atual enfrenta em todos os níveis territoriais uma realidade em mudança e em rápida
transformação, fruto da dinâmica social, económica, tecnológica, comunicacional e, inclusivamente,
ambiental.

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A redução do risco de desastres depende sobretudo das consequências de decisões coletivas que
forem adotadas e de ações que forem implementadas. Nesse sentido, a cultura de redução de
desastres depende dos seguintes contextos e processos 29 :
► Contexto e suporte político
► Conhecimento das ameaças, das vulnerabilidades e do risco
► Desenvolvimento sustentável nos seus aspetos conexos
• Sociocultural
• Económico
• Político-administrativo
• Ambiental
► Condições locais/territoriais que aliem a redução do risco de desastres ao desenvolvimento
sustentável.

Importa, portanto, adotar sistemas que promovam a equidade e uma distribuição mais justa dos
excedentes e benefícios; formas de produção adaptadas aos recursos endógenos, ao ambiente e à
cultura de um território; promover a implementação de políticas públicas adequadas ao
fortalecimento do papel das autoridades e atores locais e da descentralização; bem como motivar a
tomada de consciência e a integração da abordagem de redução do risco nos programas de
desenvolvimento da cooperação internacional, dos organismos financeiros e dos governos.

Deve privilegiar-se uma abordagem que ataque as raízes e causas estruturais do problema
relacionado com os sistemas de desenvolvimento ou, melhor dizendo, de desenvolvimento
errado que, ao ritmo atual, redundará em mais pobreza e tornará vulnerável um número cada vez
maior de pessoas no planeta.

Podem implementar-se ações de mitigação ou de prevenção como as mencionadas, mas isso é


atuar apenas sobre os sintomas do problema, uma situação que não nos conduz
necessariamente à solução real das causas que originam as catástrofes e os desastres.

Para reduzir o risco de desastres é necessário trabalhar no sentido de promover um


desenvolvimento sustentável em todas as escalas geográficas. Devem promover-se processos
destinados a reduzir os riscos atuais e a evitar a geração de novos riscos no futuro.

29 Adaptado de "Viver com o risco", EIRD, 2004.

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Revista @local.glob: Opinião do leitor

Carta enviada por Yolanda Villar Gómez a toda a rede Delnet poucos dias depois do
furacão Stan em El Salvador (21/10/2005)

Estimados/as companheiros/as:

De El Salvador, obrigada pelas palavras de alento. Creio que devemos pegar nas lições aprendidas
e utilizá-las para o futuro, já nos dão duas explicações [no debate que se gerou na lista de
distribuição - Nota da redação]
• degradação do ambiente
• prevenção de desastres

Mas pergunto-me, que estamos a fazer mal? Já passaram mais de 7 anos, sobretudo desde o
furacão Mitch, com um número elevadíssimo de projetos de prevenção e mitigação de desastres,
está "na moda"; redes de prevenção que reúnem um elevado número de organismos
governamentais e ONG, uma multiplicidade de técnicos qualificados, milhões e milhões de planos
e criação de comités de emergência locais, autarquias "sensibilizadas" e com planos…. no Baixo
Lempa, agora inundado, quase todos os líderes comunitários receberam formação em prevenção e
mitigação de desastres, existem planos de evacuação, talvez por isso o número de vítimas mortais
não tenha sido maior… Mas o Baixo Lempa continua inundado.

Creio que devemos começar a perceber por que razão, 7 anos depois, poucas coisas melhoraram,
por que motivo a margem está a ser trabalhada há mais de 5 anos, não chega... a capacitação e
coordenação por si só não fornecem as soluções, ou será que a natureza mostra cada vez mais que
estamos a dar cabo de tudo no mundo?

De que serviram os muros de contenção nas estradas, reforçados após os sismos de 2001, se todos
caíram? De que serve o bairro Modelo ficar inundado após cada temporal? Que aprendemos com
todas estas medidas?

Talvez tenhamos de nos contentar por não haver mais vítimas mortais e por ir reduzindo o seu
número, mas creio que se impõe uma reflexão séria sobre o que entendemos pelos conceitos de
"prevenção" e "mitigação": prevenção para quê, mitigação para quê.

Frequentei milhares de cursos e trabalhei na mitigação de desastres, mas que podemos fazer
perante aparelhos burocráticos como os dos nossos países?

A ênfase local é a base da prevenção e da mitigação: é um trabalho de formiguinha. Os projetos


tinham esse destino e, graças a Deus, muita gente beneficiou deles. Agora é necessário dirigir a
atenção para outros atores, procurar mecanismos de incidência e de exigência, sobretudo em
países em que, não nos iludamos, reina o centralismo.

Ambiente. Prevenção e mitigação. Pensemos agora numa nova forma de abordar estes temas...

Yolanda Villar Gómez, El Salvador

Definitivamente, as práticas e sistemas de desenvolvimento que implementamos para construir as


nossas sociedades devem contemplar a redução do risco de desastres como processo de gestão
permanente integrado em todos os campos e atividades do desenvolvimento local, através de ações
de prevenção, mitigação, preparação, resposta, socorro, reabilitação, recuperação e reconstrução,
antes e depois de um desastre. Todas elas fazem parte de um processo dirigido para a
sustentabilidade. Cada uma, separadamente, pode ser efetiva num determinado momento, mas por
si só não reduz realmente o risco, porque ele está sujeito a um conjunto de elementos e processos
interligados e relacionados entre si, como se analisou anteriormente.

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3.3.1 Desastres como oportunidade rumo ao desenvolvimento local sustentável

Um desastre pode revelar e salientar o índice de desenvolvimento errado, o nível de risco, a


vulnerabilidade e a fragilidade de uma sociedade face a uma determinada ameaça ou perigo,
independentemente da sua origem: natural, socionatural ou antropogénica.

Os dois caracteres chineses que formam a palavra crise, separadamente significam ameaça e
oportunidade. Um conceito combinado como este recorda-nos que, à medida que mudam as
condições dos seres humanos, também mudam as atitudes e as possibilidades. Num mundo que
parece piorar, o incentivo para que tal não suceda é cada vez maior. 30 Quer dizer, uma crise não é
necessariamente negativa, também pode significar uma oportunidade para superar determinadas
situações complexas e difíceis e criar melhores condições, dependendo de como a enfrentamos e
nos dispomos a resolvê-la.

Após um desastre, uma sociedade fica abalada pelo impacto e destruição causados nas
comunidades, na vida quotidiana, no nosso território e no nosso habitat em geral. Gera-se um
elevado grau de sensibilidade e solidariedade coletiva que predispõe a população para tomar
consciência do risco, bem como da necessidade de evitar futuras ocorrências de catástrofes e de
construir sociedades mais resilientes. Cria-se um ambiente positivo e abrem-se janelas de
oportunidade que, com uma gestão adequada e uma direção correta, podem permitir:
► Tomar consciência social do risco e dos fatores que produziram o desastre.
► Criar um ambiente político favorável para realizar mudanças estruturais a nível económico,
político, social, cultural e ambiental.
► Empreender processos de avaliação e valorização do risco que reanalisem as práticas de
desenvolvimento que conduziram à tragédia.
► Transferir recursos para reforço de áreas vulneráveis.
► Promover projetos adaptados à realidade do território centrados no risco de desastres.
► Motivar investimentos de apoio nacional e internacional dirigidos ao desenvolvimento local
sustentável.
► Reestruturar ou suprir lacunas na economia, fortalecer os meios de subsistência locais, criar
fontes de trabalho dignas e diversificar a produção.
► Promover, fortalecer programas e iniciativas destinadas a reduzir a pobreza.
► Integrar novos atores nos processos de desenvolvimento, principalmente nos setores mais
excluídos e cruciais do desenvolvimento local.
► Reforçar o papel das autoridades locais.
► Fortalecer a democracia, a participação dos cidadãos e a governabilidade.

Podemos assegurar que o período pós-desastre pode transformar-se numa verdadeira oportunidade
para adotar formas mais sustentáveis de desenvolvimento 31 , se se atuar com responsabilidade,
objetividade e consciência sobre as causas que originaram a tragédia. É uma oportunidade para,
num clima favorável, mas temporário, impulsionar ações centradas no reforço das capacidades dos
atores do desenvolvimento local e das comunidades afetadas e, simultaneamente, na melhoria da
qualidade de vida, na redução da pobreza, na criação de fontes de empregos dignos e de
desenvolvimento económico seguro. É igualmente uma oportunidade para garantir no futuro o

30 EIRD, Viver com o risco, Relatório mundial sobre desastres, EIRD/ONU, 2004.
31 Este tema será desenvolvido em pormenor na Unidade Didática 6, que aborda a reconstrução pós-desastre.

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maior nível de segurança para os bens, os meios de subsistência e, especialmente, a vida das
pessoas.

3.3.2 Evolução da perceção do risco: quadro global institucional

Quando se fala de desastres, pensamos em destruição, ajuda humanitária, salvamento de pessoas,


reparação de danos e infraestruturas, ajuda nacional e dependência, acampamentos e tendas para as
pessoas afetadas, pobreza, desolação, crianças desamparadas, mortos, feridos e deslocados,
economias e meios de subsistência arrasados. Os principais jornais e cadeias de televisão, muito
ativos, mostram a desolação enquanto é notícia, causa impacto e gera audiências. Passada a
emergência, pouco se recorda o desastre ou assume-se que foi um evento passageiro e que tudo
voltou à normalidade.

EXEMPLO
Sismo do Paquistão: um ano depois, milhares de vítimas continuam expostas ao risco
FICV, 2006 (disponível em inglês)

Um ano depois, estima-se que quase 66 000 famílias ainda não têm habitação permanente. As
inundações e os deslizamentos deixaram muitas pessoas prejudicadas pelo sismo em condições
ainda mais precárias. Perante esta situação, o Crescente Vermelho do Paquistão (CVP) e a
Federação Internacional acionaram planos de contingência para fornecer abrigos de emergência a
13 500 famílias da província da fronteira noroeste e da zona de Caxemira administrada pelo
Paquistão.

Esta foi a tónica, não só da imprensa e das especulações, mas também das políticas institucionais,
quer de âmbito nacional, quer de âmbito internacional, face aos desastres, que é, designadamente:
atuar sobre a emergência. A resposta aos desastres foi e continua a ser dominada pela assistência
humanitária.

No entanto, de há algumas décadas a esta parte e principalmente por causa da proclamação da


Década Internacional para a Redução dos Desastres Nacionais (DIRDN) pela Organização
das Nações Unidas (ONU), na década de 1990, a comunidade internacional começa a ter uma
maior consciência dos efeitos diretos que os desastres têm no desenvolvimento e dos efeitos que os
sistemas de desenvolvimento têm na geração de riscos de desastres.

Estes desastres detonaram um alerta na comunidade internacional, que reagiu e começou a tomar
medidas para reduzir os seus efeitos. Atualmente estão em curso importantes processos nos
continentes americano, asiático, africano e europeu, bem como no Pacífico, relacionados com a
redução do risco de desastres, tanto no âmbito local, como nacional e supranacional.

A DIRDN permitiu alcançar progressos significativos na promoção de uma cultura de prevenção.


Registaram-se resultados importantes no estabelecimento de sistemas nacionais de redução de
desastres e na tomada de consciência a nível nacional e internacional, tanto por parte dos governos
nacionais e locais como da sociedade civil, que, em conjunto com organizações não
governamentais, centros de investigação, universidades e instituições de fomento municipal, têm
tido um envolvimento crescente e adquiriram um papel proativo e estratégico neste domínio.

No fim da Década, a Assembleia-Geral da ONU anunciou a criação da Estratégia Internacional


para a Redução de Desastres (EIRD), um instrumento que permitiu às nações e agências
internacionais dar continuidade às ações em curso promovidas durante a DIRDN. A Estratégia
proporcionou o quadro estratégico permanente de que o Sistema das Nações Unidas necessitava
para coordenar e promover a redução do risco de desastres à escala mundial e a integração desta
dimensão global nos processos locais, regionais e nacionais de desenvolvimento e redução de riscos
de desastres.

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EXEMPLO
Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD) das Nações Unidas – África
(disponível em inglês)

A EIRD - África das Nações Unidas mantém e reforça parcerias na região e colabora
com parceiros, incluindo organizações intergovernamentais regionais e sub-regionais como a
Comissão da União Africana, a Comunidade Económica dos Estados da África Central, a
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, a Autoridade Intergovernamental de
Desenvolvimento, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, a Comunidade da
África Oriental, instituições especializadas a nível regional e subregional, plataformas nacionais ou
mecanismos de coordenação para a redução do risco de desastres, entidades governamentais,
Universidades, Agências das Nações Unidas e sociedade civil.
O principal quadro Africano para a Redução do Risco de Desastres, adotada na 10ª reunião da
Conferência Ministerial Africana do Meio Ambiente em 2004, é a Estratégia Regional Africana
para a Redução do Risco de Desastres.
Com o apoio de EIRD, a Comissão da União Africana formulou e aprovou o Programa de
Ação para a Implementação da Estratégia Regional Africana para a Redução do Risco de
Desastres (2005-2010) na Primeira Conferência Ministerial Africana sobre a Redução do Risco de
Desastres em Addis Abeba em 2005.
Na Segunda Conferência Ministerial sobre a Redução do Risco de Desastres, que foi organizada
conjuntamente pela Comissão da União Africana e EIRD-ONU África, uma revisão de fundo que
reflete as lacunas atuais, incluindo a integração de preocupações com as mudanças climáticas
na redução do risco de desastres, e prorrogando o prazo para 2015, foi adotada juntamente com
uma Declaração Ministerial.

Em consequência destes esforços, várias organizações da ONU, como o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização
Panamericana da Saúde (OPS)/a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização
Mundial Meteorológica (OMM), a UNESCO e a UNICEF, entre outras, promovem programas
e projetos dentro da sua esfera de ação destinados a reduzir o risco dos países mais vulneráveis dos
continentes africano, asiático, americano e europeu.

Um conjunto de instrumentos internacionais como a Agenda 21, a Convenção-Quadro sobre


Alterações Climáticas e o Protocolo de Quioto, a Declaração de Joanesburgo sobre
Desenvolvimento Sustentável e o seu Plano de Implementação, a Convenção de Combate à
Desertificação nos países afetados por seca grave e/ou desertificação, a Declaração do Milénio e os
Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, são importantes instrumentos, aprovados e ratificados
pela maioria dos Estados membros da ONU, que podem transformar-se em excelentes ferramentas
para a adoção de medidas de redução do risco de desastres e de desenvolvimento sustentável.

Somam-se a estes instrumentos o Quadro de Ação de Hyogo 2005-2015, Construir a resiliência


das Nações e Comunidades face aos Desastres, adotado na Conferência Mundial sobre
Redução de Desastres (CMRD) em janeiro de 2005, no Japão, que foi ratificado na
Assembleia-Geral da ONU como ferramenta consensual entre as nações do planeta. Serve de ponto
de partida e referência para implementar políticas e processos nacionais e locais destinados a reduzir
o risco de desastres.

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EXEMPLO
Revisão Intercalar do Quadro de Ação de Hyogo 2005-2015 (disponível em inglês)

Este relatório apresenta os resultados da revisão intercalar do Quadro de Ação de Hyogo,


destinada a analisar criticamente o seu grau de execução e em ajudar os países e os seus parceiros
institucionais na identificação de medidas práticas para aumentar o compromisso, os recursos e os
esforços para a sua posterior implementação.
Destaca os progressos significativos que têm sido feitos ao longo dos últimos cinco anos na
redução do risco de desastres e o papel decisivo desempenhado pela aprovação do Quadro de
Ação de Hyogo, em 2005, para os avanços nas agendas internacionais, regionais e nacionais.

Apesar de persistirem grandes lacunas na compreensão e aplicação do conhecimento, não se pode


negar uma evolução positiva nas últimas décadas e que o tema da redução do risco de desastres
adquiriu relevância à escala mundial. É possível identificar várias fases neste processo:
► Da emergência à preparação, nos anos 1970. Uma primeira fase em que se avança e
consegue romper com a conceção histórica de que as ações face a desastres estão relacionadas
unicamente com a emergência e a ajuda humanitária. Pouco a pouco, sentiu-se a necessidade de
estar preparados para acontecimentos adversos e foram promovidas ações de preparação face a
desastres que permitem à comunidade e às organizações responsáveis dispor de planos para
acionar uma resposta organizada com o fim de salvar vidas, proteger infraestruturas, enfrentar a
situação de emergência e promover a reabilitação.
► Da preparação à prevenção, nos anos 1980. Uma segunda fase em que, para além da
preparação, se começa a entender a necessidade de atuar antes da ocorrência de um desastre,
através de ações de prevenção e mitigação destinadas a reduzir as vulnerabilidades face ao
impacto de eventos potencialmente perigosos. Este processo foi acompanhado de ações de
sensibilização das populações, de planeamento físico e de proteção das estruturas.
► Da prevenção à redução integrada do risco de desastres, nos anos 1990 (DIRDN). Uma
terceira fase em que se começa a perceber que os desastres são a consequência de um processo
contínuo de acumulação do risco e estão relacionados com fatores de desenvolvimento e de
incidência humana. Foi concebida como a necessidade de atuar ao longo de todos os processos
do chamado "ciclo do desastre", ou seja, antes, durante e depois de uma catástrofe, e de
incorporar a redução do risco como um eixo transversal nos projetos em desenvolvimento.
► O desenvolvimento local sustentável como fator essencial para a redução do risco de
desastres. Pode distinguir-se uma quarta fase em emergência, resultante do impacto dos
desastres nas comunidades e do processo de sensibilização à escala global e local relacionado
com a insuficiente sustentabilidade dos sistemas de desenvolvimento atuais e a relação destes
com a geração do risco e de sociedades vulneráveis.

Há uma consciência cada vez maior, não só de que a redução do risco de desastres deve ser parte
integrante e transversal dos processos de desenvolvimento, dos investimentos, programas e
projetos, mas também de que só o desenvolvimento local sustentável poderá evitar a construção de
sociedades vulneráveis, atacando a raiz dos problemas que geram o risco, e avançar rumo a um
mundo mais seguro. Esta visão foi ratificada pelo lançamento da EIRD, no Plano de
Implementação de Joanesburgo, na Declaração do Milénio e, sobretudo, no Quadro de Ação de
Hyogo.

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3.4 Enfrentar mitos

Não é invulgar que certas crenças, interpretações ou afirmações sem fundamento, inclusivamente
perigosas, incidam negativamente na perceção do risco de desastres e também nas medidas
adotadas para os reduzir. Muitos mitos ou conceções estigmatizados são amplamente difundidos,
não só pelas pessoas que desconhecem o tema, mas também por investigadores, inclusivamente
peritos e por meios de comunicação social que tendem a reforçar a visão fatalista e pessimista de
que os desastres não podem ser evitados ou resultam de fatores que não estão relacionados com as
nossas atividades, com as nossas relações com o ambiente ou com a forma como construímos as
nossas sociedades. Chegou-se a afirmar que "os desastres" são um tema que só pode ser abordado
por especialistas. Nesta secção procuraremos enfrentar alguns destes mitos.

1. Os desastres são "naturais". É comum ver na televisão, ler nos jornais, inclusivamente ouvir
de conferencistas e especialistas ou até no seio de organizações que trabalham neste domínio,
que os desastres provocados por ameaças naturais (como sismos, erupções vulcânicas,
inundações, avalanchas, etc.) são "desastres naturais", quando sabemos que são o produto da
relação entre a vulnerabilidade e as ameaças que predispõem uma sociedade para o risco de
desastres. Os desastres NÃO SÃO NATURAIS, as ameaças podem sê-lo.

2. Os desastres são atos de "Deus", "castigo divino" ou "obra da natureza". Estas


expressões predispõem as comunidades e as pessoas a aceitar uma situação e a permanecer
inativas perante a questão e sem adquirir capacidades para a resolver, uma vez que, nesta
perspetiva, nada se pode fazer para impedir a sua ocorrência ou os problemas só podem ser
resolvidos por especialistas e cientistas através de intervenções técnicas ou outras, à margem das
capacidades locais e de pessoas não especializadas.

3. "É necessária ajuda externa". É comum ler nos glossários, na definição de "desastre", que:
"as perdas causadas por um desastre excedem a capacidade da comunidade ou da
sociedade de fazer frente à situação utilizando os seus próprios recursos e que é
necessária ajuda externa para os enfrentar….". Lamentavelmente, este tipo de definição
predomina a nível internacional; o conceito que lhe subjaz contradiz os fundamentos do
desenvolvimento local, estudados nesta UD, que se baseiam na reclamação, no uso e no reforço
dos recursos endógenos do território. Esta afirmação tende a gerar dependência e a debilitar os
pontos fortes locais. De facto, as comunidades locais são a primeira linha de resposta e quem,
regra geral, assume a responsabilidade de restabelecer o funcionamento da sociedade perante
uma adversidade que outros agentes sociais não conseguiriam enfrentar, mesmo dispondo de
grandes recursos.

4. "O crescimento demográfico causa desastres". A referência ao "crescimento


demográfico" como uma das causas geradoras do risco é muito utilizada por peritos. Trata-se
de uma afirmação bastante contraditória e pouco coerente, para não dizer perigosa. Se o
objetivo é promover o desenvolvimento humano, é necessário considerar que as pessoas são
justamente um dos recursos mais importantes para o desenvolvimento sustentável e não um
perigo, como se afirma.
O crescimento demográfico não é um fator de risco em si. São a vulnerabilidade e o
desenvolvimento errado, a sobrepopulação e a concentração demográfica em zonas expostas a
ameaças (sobre falhas sísmicas, em zonas inundáveis) os fatores responsáveis por que
importantes segmentos da população vivam em situação de grande risco. Muitos países do
continente africano possuem grandes extensões territoriais, todo o tipo de recursos e pouca
população e, não obstante, são altamente vulneráveis devido, entre outros fatores, à pobreza, ao
passo que na Europa, países com elevada concentração demográfica em territórios pouco
extensos apresentam um panorama muito mais seguro.

Moçambique, por exemplo, possui uma extensão territorial de 801 590 km2 e uma população
com cerca de 20 milhões de habitantes. Por seu lado, a Alemanha possui 357 050 km2 de
território e cerca de 83 milhões de habitantes. Com um território duas vezes menor que
Moçambique, a Alemanha possui uma população 4 vezes maior. Pese embora uma densidade

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demográfica muito superior, não podemos garantir que este país tem maior risco de desastres e
maior vulnerabilidade que Moçambique.

5. A urbanização é habitualmente utilizada como exemplo de um fator de risco, mas esta


afirmação também não é correta. Constata-se novamente que o risco é provocado pelo
desenvolvimento errado. Mais concretamente, a falta de oportunidades, o crescimento
desproporcionado das cidades, a falta de planeamento, a especulação dos terrenos urbanizáveis,
as cinturas de miséria que se formam no perímetro urbano, a localização da população em
zonas de elevado risco, o uso inapropriado dos solos, etc. são os fatores responsáveis pela
elevada vulnerabilidade de importantes zonas urbanas.

É necessário ter em consideração que o mundo avança inevitavelmente para uma era
predominantemente urbana, em que as cidades, se forem planeadas e geridas adequadamente,
podem converter-se em pólos de atração e desenvolvimento; oferecer oportunidades de
trabalho e serviços básicos; promover a cultura, a educação e oportunidades para importantes
segmentos da população e não, necessariamente, representar um perigo para o
desenvolvimento.

6. Os mundos urbano e rural. Um elevado número de análises refere-se aos mundos urbano e
rural como sendo antagónicos e debatem qual deles e respectivas populações são mais
vulneráveis ou geram maior ou menor risco que os outros. As relações entre os mundos rural e
urbano são necessárias e complementares, e os territórios geralmente partilham espaços onde
convivem as duas formas de aglomerados humanos, que se interrelacionam e dependem
mutuamente uma da outra para subsistir e se desenvolver. Não são eles que geram maior ou
menor risco, mas a forma como se desenvolvem, os meios de subsistência e as oportunidades
de cada espaço para promover os processos de construção do seu próprio habitat.

7. Os desastres são acontecimentos temporários e em breve se volta à normalidade. Está


demonstrado que os desastres podem ser responsáveis por décadas de retrocesso das
sociedades, causar danos irreparáveis às famílias e comunidades e afundar as vítimas na
pobreza. Um elevado número de pessoas e comunidades demora muito tempo para conseguir
superar a situação. Os desastres podem ter consequências persistentes no tempo.

Romper com estes mitos e a dependência predispõem uma sociedade a reduzir a sua
vulnerabilidade e motivam-na a procurar e desenvolver os seus próprios métodos, potenciando a
utilização dos seus próprios recursos e capacidades.

3.4.1 Desafios que devemos enfrentar para reduzir o risco de desastres

1. O desenvolvimento local sustentável. O desafio consiste em perceber que o risco de


desastres depende de uma realidade preexistente, em que o fator humano tem uma forte
incidência. Esta perceção permite tomar consciência da necessidade de procurar estratégias de
desenvolvimento baseadas em processos de redução de riscos de desastres orientados para a
sustentabilidade local. Implica que, para promover este processo, se trace um objetivo triplo:
• Reduzir a vulnerabilidade acumulada no território, para que as comunidades adquiram
resistência face a ameaças, perigos e eventos adversos potenciais.
• Promover processos que impeçam a criação de condições que gerem novos cenários de
riscos de desastres no futuro.
• Atuar sobre as causas estruturais do desenvolvimento que geraram o risco de desastre e
não só sobre os seus sintomas.

2. Governabilidade e descentralização. Boa governabilidade significa muito mais que


reorganizar o setor público ou atribuir novos escalões entre os diferentes setores do governo.
Os governos são os primeiros responsáveis pela proteção e segurança dos cidadãos, mas não
são os únicos. A responsabilidade recai em todos os atores do desenvolvimento local no

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âmbito do qual os governos devem, para além de produzir legislação, facilitar espaços e criar
mecanismos adequados de descentralização que permitam às autoridades e atores fundamentais
do território assumir as suas responsabilidades e impulsionar processos de desenvolvimento
com autonomia, capacidades e recursos.

3. As pessoas e os recursos endógenos. Os Estados e a comunidade internacional, em


conjunto com os atores fundamentais, deverão ter confiança e promover de forma acrescida o
fortalecimento e a reclamação das capacidades locais, o capital social e a participação de todos
os setores, bem como potenciar o uso dos recursos endógenos. A redução do risco de desastres
deve basear-se na sua própria realidade e considerar o ambiente, o habitat natural e as pessoas
como principais recursos para a promoção dos processos de desenvolvimento local sustentável.

"Cada vez se reconhece mais que a gestão local do risco de desastres é um elemento fundamental das estratégias
que pretendem reduzir os riscos com base na qualidade das redes comunitárias, no tecido social e numa gestão
municipal eficaz" (PNUD, 2004).

4. Os conhecimentos dos povos nativos. Devem promover-se processos que fomentem,


respeitem, protejam e fortaleçam as práticas tradicionais de desenvolvimento das comunidades
indígenas e dos povos nativos, bem como a sua convivência com o ambiente. É necessário
perceber que estas comunidades criaram em muitos casos mecanismos de resistência e
capacidades para superar as condições mais adversas e conseguiram viver com respeito e
equilíbrio nos territórios e compreender que o desenvolvimento económico não é o único
princípio de sustentabilidade. Também se deve tomar consciência que é justamente nos seus
territórios que se encontra uma parte importante dos recursos naturais e ecossistemas que
importa preservar e proteger.

EXEMPLO
Indígenas desarmados perante desastres (disponível em espanhol)

O artigo afirma que os planos de prevenção de desastres não consideram a cultura e a


mundividência indígenas. Se essa situação se alterasse, segundo o texto, o impacto de fenómenos
como o furacão Stan seria muito menor. Também sublinha a necessidade de recuperar os
conhecimentos indígenas para reduzir o risco de desastres.

5. As organizações de cooperação e financiamento. As instituições financeiras internacionais,


as Nações Unidas, os Estados e os organismos doadores deveriam assumir as responsabilidades
de integrar a componente do risco de desastre em todos os projetos e programas. Na etapa de
reconstrução pós-desastre, as ações a ser implementadas não deveriam promover o
endividamento das comunidades ou países afetados, mas constituir-se como empréstimos em
condições vantajosas para o desenvolvimento económico e social, adaptados à realidade dos
países e não baseados unicamente na oferta da cooperação e sujeitos a condições que os
destinatários não possam cumprir.

6. Novas políticas de crédito, incentivo e financiamento. Um novo e grande desafio, que


ganha cada vez maior reconhecimento, é o desenvolvimento de novas políticas económicas, de
créditos e empréstimos que incentivem os Estados a investir na prevenção e redução de
desastres, evitando o "assistencialismo", a concorrência e a visibilidade perante situações de
desastre. Deve promover-se a cooperação de acordo com as necessidades reais dos territórios e
dos países. Estes incentivos podem ser a redução da dívida externa, a concessão de
empréstimos em condições vantajosas para projetos que integrem o fator risco, a execução de
projetos de desenvolvimento económico local destinados a reduzir a pobreza, etc. Os
organismos internacionais e as organizações financeiras devem assumir este desafio.

7. Políticas de impostos ambientais e de riscos. A comunidade internacional, os países e os


Estados deveriam promover políticas de "penalização" para os projetos ou ações que
deteriorem o ambiente e gerem risco. Um "imposto ambiental ou de desastres" poderia

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aplicar-se às atividades que aumentem a vulnerabilidade, poluam o ambiente e delapidem os
recursos naturais. Os recursos obtidos com estes impostos poderiam ser investidos no sentido
de reverter as consequências negativas originadas por ações insustentáveis e ser utilizados pela
comunidade, pelas cooperativas ou por empresas locais que geram emprego e meios de
subsistência para as populações afetadas.

8. A responsabilidade das empresas multinacionais. Deveriam estabelecer-se normas e


critérios mínimos de ética, moral e comportamento para os grupos e empresas multinacionais, a
fim de regulamentarem as suas atividades e métodos nos territórios, sobretudo no que
concerne a delapidação dos recursos naturais, a poluição ambiental e a destruição dos meios de
subsistência das populações que habitam nas zonas em que operam, com especial ênfase nos
territórios dos povos nativos onde a existência destes chega a estar ameaçada.

9. O risco de desastres no quadro do desenvolvimento sustentável. É necessário que a


redução do risco faça parte essencial de um conceito mais amplo do desenvolvimento
sustentável que abrange a gestão ambiental, a redução da pobreza, a criação de emprego e a
transformação das práticas de desenvolvimento atual, não só nos países em desenvolvimento
mas também nos países industrializados que geram importantes fatores de risco global. Deve
assumir-se um compromisso político, a nível público e privado, acompanhado de políticas
concretas que promovam a redução da vulnerabilidade e o desenvolvimento sustentável.

10. A responsabilidade dos países desenvolvidos. Compete também à comunidade


internacional, principalmente aos países que possuem níveis de desenvolvimento elevados, ser
mais conscientes no momento de apoiar iniciativas nacionais e locais, para que estas possam
criar capacidades endógenas e não dependência. Deveriam reequacionar-se e redefinir-se as
políticas de cooperação e os projetos em curso que não contemplam o risco ou geram um
elevado grau de dependência externa. Há uma obrigação moral de reduzir o risco e promover o
desenvolvimento sustentável. Ainda que os fatores de risco sejam mais elevados nos países em
desenvolvimento, existe uma responsabilidade ética por parte de quem possui mais recursos,
meios e conhecimentos, de ser solidário com quem deles carece e de promover
incansavelmente o apoio aos mais frágeis.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA DO INFODOC

► Aquino, Alberto, Desenvolvimento Sustentável incorporando a Gestão de Risco - Conceitos e práticas a partir
da experiência da GTZ, 2008.

► Comitê interministerial sobre mudança do clima., Plano nacional sobre mudança do clima - Brasil,
2008.

► Martins, Rafael D’Almeida, População e mudança climática: Dimensões humanas das mudanças ambientais
globais, Universidade Estadual de Campinas, 2009.

► Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Reducing Disaster Risk - A
Challenge for Development, Genebra, Suíça, 2004.

► Ministério da Administração Estatal - Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC )-


Gabinete da Direção, Cobertura jornalística de desastres naturais - Moçambique, 2009.

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RELATIVAMENTE A ESTE CAPÍTULO, TENHA EM


CONTA QUE…

► O impacto negativo dos desastres aumentou significativamente nas últimas décadas,


tanto na sua recorrência e dimensão, como no prejuízo a nível de sistemas vitais, danos
humanos e perdas económicas.

► Os desastres podem ter efeitos negativos e constituir uma verdadeira ameaça para o
desenvolvimento, principalmente nos territórios em maior risco, e representam um
grande desafio para a segurança das pessoas, o ambiente e os meios de subsistência.

► Os projetos, programas e sistemas de desenvolvimento (ou desenvolvimento errado)


podem agravar os níveis de risco de uma sociedade, ao passo que o "bom
desenvolvimento" pode reduzir o risco de desastres e contribuir para a sustentabilidade
local e territorial.

► Os desastres não são naturais, mas as ameaças podem sê-lo. Os mecanismos e ações de
redução do risco estão nas nossas mãos, porque as atividades humanas são as
principais causas dos desastres.

► Os desastres repercutem-se de forma diferenciada num território, consoante os níveis


de pobreza, localização das populações, os grupos sociais, a gestão ambiental e a
origem do risco.

► O risco de desastre é construído socialmente e produto de um processo de acumulação


de riscos. Em teoria, se for possível reduzir o desastre e evitar que as ameaças se
convertam num evento destrutivo, será possível evitá-lo.

► Os desastres podem ser uma "janela" de oportunidade para reduzir o risco futuro e
reequacionar os sistemas de desenvolvimento, porque geram um conjunto de situações
que predispõem e sensibilizam a sociedade para uma tomada de consciência sobre o
risco.

► A perceção do risco e dos desastres tem evoluído com o tempo. A comunidade


internacional está cada vez mais consciente da sua relação com os sistemas de
desenvolvimento e da necessidade de atacar as causas estruturais que o geram.

► Crenças, afirmações ou mitos erróneos predispõem as comunidades e pessoas para o


fatalismo face aos desastres e estão ainda muito arreigados nas mentalidades,
inclusivamente, de pessoas e instituições que trabalham neste domínio.

► Todos podemos contribuir, do nível local ao nível supranacional e global, e usar as


nossas capacidades e conhecimentos para reduzir o risco e superar os desafios que
neste âmbito se colocam. A redução do risco não é uma responsabilidade exclusiva dos
governos.

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Delnet do Programa de Empresa, Microfinanças e  
Desenvolvimento Local do Centro Internacional de
Formação da OIT
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
   
   
 
EDITA:
 
CENTRO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO DA  
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO  
 
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não serem mencionados não implica uma desaprovação.  
Editado pelo Centro Internacional de Formação da OIT, Turim, Itália.  
 
 
 
 
 
 
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