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Martin Buber – Eu e Tu

Primeira Parte

1 – O mundo é duplo para o homem, segundo a dualidade de sua atitude (palavra-princípio – não é
vocábulo isolado, mas pares de vocábulos): Eu-Tu e Eu-Isso (Ele, Ela). Logo, o EU do homem é duplo.
2 – As palavras-princípio fundamentam uma existência porque são proferidas pelo ser. EU-TU só pode
ser proferida pelo ser na sua totalidade enquanto a EU-ISSO jamais poderá ser.
3 – Não há EU em si, mas apenas o EU da EU-TU e o EU da EU-ISSO e, por isso, o homem quando diz
EU refere-se a um dos dois, estando cada parte presente. Aquele que profere uma palavra-princípio,
penetra nela e aí permanece.
4 – A vida do ser humano não se restringe apenas ao âmbito do ISSO (verbos transitivos: perceber,
experimentar, representar, querer , sentir, pensar). Precisamos disto para sermos seres humanos, mas não
precisamos de nos reduzir a isto.
5 – O TU não se confina a nada porque apenas o ISSO é limitado (por outro ISSO). O TU não possui
nada, apenas permanece em relação.
6 – O homem experiencia o seu mundo, explorando a superfície das coisas e as experienciando,
adquirindo um saber sobre a sua natureza e constituição. As experiências apenas apresentam um mundo
constituído por ISSO, Ele e Ela.
Existem coisas externas “secretas” às experiências “manifestas”, nada será alterado, assim como, por
outro lado, se acrescentar experiências internas às externas nada se altera.
7 – O experimentador não participa do mundo porque a experiência realiza-se “nele” e não na relação
entre ele e o mundo (remete-nos para a relação mais autêntica do EU-TU). O mundo deixa-se
experienciar, mas ele nada tem a ver com isso.
8 – O EU-TU fundamenta o mundo da relação porque é mais autêntico e que justifica o EU-ISSO (mundo
como experiência).
9 – O mundo da relação realiza-se em 3 esferas:
- vida com a natureza: tem primeiro uma relação EU-ISSO e só depois uma relação EU-TU.
- vida com os homens: âmbito do diálogo, da pergunta-resposta.
- vida com os seres espirituais: relação envolta em nuvens, que se revela, silenciosa, geradora da
linguagem (oração, ainda que não haja uma resposta à altura).
Como podemos incluir o inefável no reino das palavras-princípio? Quando, em cada esfera, nós
vislumbramos a orla do TU eterno (Deus) e sentimos em cada TU um sopro provindo dele.
10 – 1ª esfera
1 árvore: posso apreendê-la como uma imagem; posso senti-la como movimento (das raízes a todo o seu
processo); posso classifica-la numa espécie e observá-la como exemplar de um tipo de estrutura e de vida;
posso dominar sua presença e sua forma; posso volatilizá-la e eterniza-la tornando-a um número. Porém,
a árvore permanece, em todas estas perspetivas, o meu objeto tem seu espaço e seu tempo, mantém sua
natureza e composição.
Entretanto pode acontecer que por vontade própria e por uma graça eu entre numa relação com ela.
Assim, deixa de ser ISSO não renunciando a nenhum dos modos de minha consideração. Buber propõe
que é possível articular as duas atitudes porque uma não pode excluir a outra, visto que são uma
totalidade. Esta relação é recíproca (EU-TU) porque não é a alma que se apresenta a mim, mas sim a
árvore em si.
11 – A origem da arte provém de uma forma que se defronta com o homem e anseia tornar-se uma obra
por meio dele. Não é um produto do seu espírito, mas sim uma aparição que lhe exige um poder eficaz. Se
ele a realiza, preferindo de todo o seu ser o EU-TU à forma que lhe aparece, então brota a força eficaz e a
obra nasce.
Eu não posso experienciar ou descrever a forma, mas sim atualizá-la como o produto do presente e não da
imaginação. No campo da objetividade, a forma não está “aí”. Porém, o que é mais presente que ela?
Existe uma relação recíproca: eu atuo nela e ela em mim. Ao realizar eu descubro e conduzo a forma para
o mundo do ISSO. Porém, ela pode tornar-se presente na pessoa quando contempla com recetividade.
13 – O TU não tem nenhuma experiência e sabe-se tudo a respeito do TU porque não se sabe nada parcial
a seu respeito.
14 – O TU encontra-se comigo por graça e não através de uma procura. Sou eu quem entra em relação
imediata com ele. A relação de ser escolhido e escolher são, ao mesmo tempo, ação e paixão. EU-TU só
deve ser proferida pelo ser na sua totalidade. A união e fusão num ser total não pode ser realizada por
mim e nem pode ser efetivada por mim. É tornando EU que digo TU. Toda vida atual é encontro.
15 – A relação com o TU é imediata e não há quebras na relação. A própria memória transforma-se no
momento que passa dos detalhes à totalidade. Só quando todos os meios (que são obstáculo) são abolidos,
é que acontece o encontro.
16 – Todos os meios tornam-se sem significado diante da imediatez da relação. O TU pode tornar-se no
ISSO de outros EUS (objeto de experiência geral) por causa da virtude de meu ato essencial. A verdadeira
demarcação flutuante e vibrante situa-se em todos os domínios entre o TU e o ISSO (presença e objeto) e
não entre experiência/não experiência ou dado/não dado.
17 – O presente enquanto instante atual e plenamente presente, dá-se somente quando há presença,
encontro, relação; quando o TU se torna presente. O EU do EU-ISSO só tem diante de si objetos e estes
são os factos passados e seu instante é privado de presença (não é algo fugaz e passageiro, mas o que
aguarda e permanece diante de nós). O objeto é estagnação e não duração e não há presença. O essencial é
vivido na presença, as objetividades no passado.
18 – Pode-se estabelecer uma relação EU-ISSO com Deus, mas não é a utilização mais recomendada para
um cristão.
19 – A relação imediata implica numa ação sobre o que se está face-a-face (encontro) e isto está
manifesto na 3ª esfera. O sentido da ação não é tão evidente quando se trata da relação com o Tu humano.
O ato essencial que instaura a imediatez é interpretado pelos sentidos, sendo desconhecido. Os
sentimentos são mais da relação EU-ISSO do que da relação EU-TU (que é mais o amor). O amor é
responsabilidade de um de um EU para com um TU. Os sentimentos acompanham o facto metafísico e
metapsíquico do amor, mas não o constituem.
20 – A relação é recíproca. Meu TU atua sobre mim assim como eu atuo sobre ele.
21 – O ódio existe não como oposto de amor, mas como aquele que separa e divide. Enquanto o amor não
vir a totalidade do ser, não poderá ser incluído verdadeiramente no reino da palavra-princípio da relação.
Porém, não se odia na totalidade o ser. Buber defende que o ódio é preferível do que a indiferença pelos
outros.
22 – O TU é um objeto entre objetos, talvez o mais nobre. Assim temos uma oscilação TU-ISSO. Até
agora o homem que era único, incondicionado, que não podia ser experienciado, mas apenas tocado,
torna-se de novo um Ele ou Ela, uma soma de qualidades, uma quantidade com forma. Assim, o TU está
condenado em tornar-se numa coisa. Em termos objetivos podemos dizer que o EU antes vê um ISSO e
só depois o TU. O ISSO e o TU são processos que se entrelaçam confusamente numa profunda dualidade.
23 – No começo é a relação. A linguagem dos primitivos foi construída num âmbito restrito de atos
fortemente ricos de presença, sendo que o mais importante é a relação de vida. Ao saudarmos uma
pessoa, demonstramos formas mais sensíveis que exprimem uma maior proximidade no âmbito EU-TU.
Será que Buber é algo nostálgico em relação aos primitivos? Não é apenas com a relação humana que
existe esta proximidade, mas também com a natureza: sol; lua; etc. Só agora o TU, originalmente
inexperienciável, só agora recebido, torna-se um ELE ou ELA.
O Mana é ideia que se encontra sob diversos aspetos. O Mana está ligado a uma causalidade mágica que
tem aspetos e questões bastante negativas. O Mana é um poder atuante que transformou a pessoa lunar
num TU que agita o sangue; permanece na memória porque a imagem objetiva se separou da imagem
emotiva, aparecendo não no autor, nem no portador de um poder, O Mana, uma vez possuído (p. ex.:
pedra mágica) se pode agir. O Mana é uma atração primitiva (talvez mais que o número), mas não mais
sobrenatural.
O corpo nada sabe de um EU, ou seja, o corpo não sabe nada sobre a consciência. O corpo é que quer
fazer coisas e não o EU. O EU surge da decomposição das vivências primordiais: Eu-atuando-Tu e Tu-
atuando-Eu após a substantivação e a hipóstase do particípio.
24 – Na história intelectual do primitivo, no momento primordial de relação ele profere EU-TU de um
modo natural, anterior a qualquer forma porque não proveio de uma justificação. O EU-ISSO é posterior
ao EU e surgiu da justaposição do EU do ISSO. O EU está incluído no evento primordial da relação,
através da exclusividade desse evento entre o homem e aquilo que o confronta. Assim o mundo se torna
dual. Por outro lado, o EU não está ainda inserido no facto natural que traduz o EU-ISSO, onde o
experienciar é centrado no EU egocêntrico. Assim, passa a haver distinção objetivamente –
autoconsciência. O EU partilha e está em comunhão com todo o meio ambiente. Relativamente à
perceção de uma árvore, o momento originário é um EU-TU e só num 3º momento é que assenta num
EU-ISSO, levando a haver separação porque foi pronunciada.
25 – O nosso destino é um processo em que a vida consciente (onde ressurge uma evolução humana como
ser cósmico) do homem também é um processo, mas não surgido numa época pré-histórica.
26 – Buber tem consciência que a vida primitiva não foi fácil (não era um paraíso): dor, crueldade,
medo… volta a referir preferir violência e ódio do que a indiferença. Da primeira, parte um caminho para
Deus e da segunda para o nada.
27 – A vida do primitivo, caso a pudéssemos desvendar inteiramente, só nos podia representar a vida do
homem primordial de um modo simbólico. A criança presta-nos informações mais completas. No início a
criança está numa ligação a uma realidade espiritual que provém uma realidade natural (advém do EU-
TU) e a um vínculo natural (do EU-ISSO) de distinguir-se do seu meio.
Segundo Buber, a nossa ligação com o universo começa no seio materno, mas ao nascer tudo caiu em
esquecimento. E este vínculo permanece nele como uma imagem secreta de seu desejo. Todos nós, ao
termos vivido nesse meio, mantemos essa comunhão EU-TU com a mãe e com o Universo.
Antes, a criança tinha um vínculo natural, agora, à medida que se desenvolve, cria um vínculo espiritual
(relação e não coisa). A criação revela a sua essência como forma no encontro. Tudo o que será
representado diante do homem adulto, como objetos habituais, deve ser conquistado, solicitado pelo
homem em formação num inesgotável esforço. Como o primitivo, a criança vive no mundo do imaginário
na relação EU-TU.
A maneira como as crianças “convivem” com os objetos não se trata de uma experiência, mas de um
confronto que, sem dúvida, se passa na “fantasia”, com um parceiro vivo e atuante (transforma-se tudo
em TU). Depois, deixarão de ser menos gritos, mas serão diálogo. Este tipo de diálogo acontece, de certo
modo, a partir dos movimentos dos reflexos. Não é verdade que a criança entende o objeto, mas sim a
relação: é o a prior da relação; o TU inato.
O TU inato atua bem cedo, na necessidade de contato (necessidade de início, tátil, e em seguida, um
contato visual com outro ente), de tal modo que ele expressa cada vez mais claramente, a reciprocidade e
“a ternura”. Devem ser levados em consideração, quando observados e examinados (fenómenos) a sua
origem cósmica e meta-cósmica (saída do mundo primordial indiviso, não formado ainda, de onde o
indivíduo físico já se desligou pelo nascimento).
28 – O homem só se torna EU na relação com o TU: não a nível corporal (porque mantém o mesmo), mas
a nível de consciência (onde o EU esclarece e aumenta cada vez mais). A consciência cresce tão
rapidamente que, a dado momento, se encontra diante de si (separado) como se fosse um TU, para tão
logo retomar a posse de si e daí em diante poder ser consciente na entrada em relações.
O corpo só se transforma em corpo humano a partir do momento que se distingue do seu ambiente. A
partir da experiência do corpo próprio que se objetiva e se dá o EU-ISSO. O homem transformado em EU
que pronuncia o “EU-ISSO” coloca-se diante das coisas em vez de confrontar-se com elas no fluxo da
ação recíproca. Só agora é que ele experiencia as coisas como soma de qualidades (referentes ao TU). E,
só agora, é que ele ordena as coisas numa conexão espácio-temporal-causal; só agora é que ele determina
a cada uma o seu lugar, a sua evolução, a sua mensurabilidade, a sua condição. Porém, só o ISSO pode
ser ordenado e o TU não conhece nenhum sistema de coordenadas. Por outro lado, a ordem do mundo não
significa o mundo ordenado.
O mundo é duplo para o homem porque a sua atitude é dupla.
Entre ele e eu existe a reciprocidade da doação; tu lhe dizes TU, e te entregas a ele; ele te diz TU e
entrega-se a mim. Não posso entender com ninguém a respeito dele porque sou solitário no face-a-face
com ele, mas ele ensina-me a encontrar o outro e a manter o encontro. Ele não me ajuda a conservar a
vida porque ele a dá, porém, o pressentimento da eternidade (relação EU-TU não acontece no tempo nem
no espaço (no sentido da causalidade), mas no presente).
29 – O mundo do TU não tem coerência nem no espaço nem no tempo, pois cada TU, no fim do evento
da relação deve tornar-se ISSO e cada ISSO pode tornar-se, caso entre no evento da relação, um TU. O
mundo do ISSO é o mundo que oferece toda a espécie de atrações e estímulos de atividades e
conhecimentos. Os encontros com o TU são singulares. Dizer TU não significa dizer a palavra-princípio.
Pode-se viver unicamente do passado.
Tipo pergunta Exame » O homem não pode viver sem o ISSO, mas aquele que vive somente com o ISSO
não é homem? É possível viver no ISSO, como refúgio, mas isso também é renunciar à pessoa humana.
Segunda Parte
A Segunda parte dá-nos mais pormenorizado o mundo do ISSO, atendendo que está a crescer a nível do
indivíduo e do género humano. Se pensarmos na nossa existência e no nosso passado, está relacionado
com o EU-ISSO.
1 – A história do indivíduo e a história do género humano, embora possam separar-se uma da outra, estão
de acordo em todo o caso num ponto: ambos manifestam um crescimento progressivo do mundo do ISSO.
Apesar das diferenças, a génese das civilizações sucessivas são estruturadas de modo idêntico: todas
iniciam com um pequeno mundo dos objetos. A diferença das civilizações consiste na influência que a
civilização A fez na civilização B, adotando a B o mundo do ISSO da A, num estado intermediário entre
o seu estado primitivo e o seu estado de pleno desenvolvimento, ou seja, há uma acumulação do saber
(ex.: cristandade medieval é herdeira da civilização grega). Há assim um período de estagnação e
retrocesso. A nível espiritual, a relação EU-Tu não foi assim, pois inverteu-se esse crescimento.
Pode-se dizer que o mundo do ISSO de A é mais extenso do que o de B levando, historicamente, a
entender que houve um aumento progressivo do mundo do ISSO. Há perigos de objetivação. Será que
estabelecemos relações EU-TU ou relações EU-ISSO. A questão da finitude e a comparação da extensão
dos conhecimentos da natureza e da proporção das diferenças sociais e das relações técnicas, tendem a
ampliar o mundo dos objetos.
O “contrato” do homem com o mundo do ISSO implica a experiência para atingir um fim: conservar,
facilitar, equipar. Não há nada de mal, mas haverá uma possibilidade de mal se nos reduzirmos
exclusivamente ao mundo do ISSO. Para tal temos que progredir, tendo capacidade de experimentar e
utilizar. Porém, podemos substituir o experimentar direto pelo experimentar indireto ou pela “aquisição
de conhecimentos” e a utilização pela “aplicação" especializada, levando a desenvolver de geração em
geração. Isto é que é o desenvolvimento progressivo da “vida espiritual” (para Buber, não é o aumento do
conhecimento, mas sim cerne de relação, que nos pode libertar). O único poder que permite ao homem
viver no Espírito é a força-de-relação do homem para com o Espírito.
2 – O espírito em sua manifestação humana é a resposta do homem ao seu TU porque o espírito é palavra
e, assim o espírito responde ao TU. A palavra primeiro é no cérebro do homem e só depois na laringe
(ambos são reflexos já que o homem se encontra na linguagem e não o contrário), assim acontece também
com toda a palavra e com todo o espírito. O espírito não está no EU, mas entre o EU e o TU. O espírito é
a relação; a partícula entre. A linguagem/palavra é comparado ao ar que respiro e não ao sangue que
circula em mim. O homem vive no Espírito na medida em que pode responder ao seu TU.
A fatalidade do fenómeno da relação. Quanto mais poderosa é a resposta, mais ela enlaça o TU, tanto
mais o reduz a um objeto. Apenas o silêncio deixa ao TU liberdade (o mau uso pode levar à queda do EU-
TU), estabelece-se com ele na retensão onde o espírito não se manifesta, mas está presente. Com a
resposta, o TU fica preso ao mundo do ISSO, surgindo, assim, o conhecimento, a obra, a imagem e o
modelo.
Tudo o que se transformou em ISSO continuará a transformar-se. O objeto deve consumir-se para se
tornar presença, retornar ao elemento de onde veio para ser visto e vivido pelo homem como presente.
O homem que se conformou com o mundo do ISSO, como algo a ser experimentado e a ser utilizado, não
cumpre o destino (oposição à fatalidade).
Acumular conhecimento não significa que avancemos na intensificação das relações, mas sim criar
hierarquias. Na contemplação trata-se apenas de presença e o ser comunica-se no fenómeno mesmo.
A arte quando se converte em conhecimento não se exprime num TU porque a imagem habita no mundo
dos homens.
O conhecimento não tem alguma coisa de mal, mas não devemos reduzir a vida de espírito porque antes
são iluminados na relação EU-TU.
Existe o ato puro, a ação sem arbitrariedade que é um domínio acima do conhecimento e do espírito da
arte porque o homem corporal não é obrigado a gravar a sua marca numa matéria mais durável que ele. É
aí que o TU misterioso aparece e fala ao homem e é aí que o homem lhe responde com a sua vida. Muitas
vezes a palavra tornou-se vida e esta vida ensinamento (quem tenha ou não cumprido a lei). O
conhecimento reduz-se ao mundo do ISSO fruto do aprisionamento da pessoa na história e seus
ensinamentos nas bibliotecas e codificam o cumprimento ou não das leis.
3 – Não devemos atender as duas situações como exclusivas ou opostas. Buber não faz e não pretende
fazê-lo, mas há muitas passagens em que o ISSO é criticado e Buber sente a necessidade de defender o
ISSO.
O aperfeiçoamento da função de experiência e de utilização em detrimento do seu poder de relação.
O afastamento do EU do ISSO levou a que se dividisse em instituições e em sentimentos, respetivamente.
As instituições são para o mundo do trabalho e é a estrutura mais ou menos ordenada para qualquer
atividade. São o “fora”.
Os sentimentos é onde se vive e onde se descansa das instituições. É reservado às pessoas mais próximas.
São o “dentro”.
As instituições são um fórum complexo, os sentimentos são um recinto fechado, mas rico em variações.
Importante para Buber não é separar estas duas áreas porque separadas são uma espécie de esquizofrenia.
A delimitação entre ambas está sempre ameaçada.
É nas regiões da vida que é mais difícil delimitar (p. ex.: matrimónio).
O ISSO desvinculado das instituições é um Golem (imagem criada pelo povo judaico) e o EU separado
dos sentimentos é um alma-pássaro que esvoaça. Ambos desconhecem o homem, a presença e apenas
conhecem aquilo que não existe porque ambos não têm acesso à vida atual: as instituições não geram a
vida pública e os sentimentos não criam a vida pessoal.
Depara-se que os sentimentos não geram a vida pessoal e cria-se uma incompreensão, pois é neles que
parece que reside o que se tem de mais pessoal.
A verdadeira comunidade nasce do facto de estarem todos em relação viva e mútua com um centro vivo e
de estarem unidos uns aos outros numa relação viva e recíproca (esta implica sentimentos, mas não
provém deles). A comunidade edifica-se sobre a relação viva e recíproca, todavia o verdadeiro construtor
é o centro ativo e vivo.
O matrimónio só se gera da verdade com o TU que se revela reciprocamente como Amor (que é a base).
Quando cada um se limita a fruir a si, está presente um egoísmo. Daí vermos o machismo como ISSO,
funcional.
A verdadeira vida pública e a verdadeira vida pessoal são duas formas de ligação das quais para que
possam nascer e perdurar são necessários sentimentos e instituições. Porém, na vida humana ainda é
preciso um terceiro elemento que é a presença central do TU.
4 – O que existe de mal no EU-ISSO é o facto da matéria pretender aquilo que existe. Se nos deixarmos
converter à dimensão do ISSO, é possível vivermos na dimensão do ISSO, mas perde a capacidade de ser
pessoa.
5 – No mundo moderno, a economia e o Estado são importantes e sem estas a nossa existência atualmente
não era possível, pois seríamos reduzidos a coisas. Na atualidade, a grandeza produtiva do estadista e do
economista dirigentes consiste no núcleo que o TU possa ser na realização e tendência a ser avaliadas e
utilizadas conforme as suas capacidades específicas. O mundo não desabaria caso se substituísse o TU
por Ele no TU+TU+TU, deixando de se obter o mundo e passando a ter apenas o TU. Buber pretende
chamar à atenção para problemas que surgem do excessivo peso que damos a estas áreas, chamando de
absurdo.
Assim, nada mais há para herdar a não ser a tirania do ISSO crescente sob a qual o EU, cada vez mais
incapaz de dominação, sonha ainda que é seu mestre.
A vida coletiva não pode prescindir do mundo do ISSO. A economia e o Estado se renegarem o espírito,
renegam a própria vida. O estadista e o economista não pode tratar o homem simplesmente como
portadores do TU, sem prejudicar a sua obra. Ele só o faz porque o espírito o permite porque o leva ao
limite. Somente a presença do espírito pode infundir em todo o trabalho sentido e alegria e, em toda a
propriedade, respeito e dedicação. Embora seja no mundo do ISSO, só o espírito pode transfigurar numa
representação do TU.
A economia e o Estado têm de ser transformados e o que importa que as instituições do Estado se tornem
mais livres e as da economia mais justas. Porém, as instituições por si mesmas não podem tornar-se nem
livres nem justas (são vistas apenas como meios) porque ambas estão ao serviço do homem.
6 – O mundo do ISSO é o reino absoluto da causalidade. Não se pode atribuir um caráter de finalidade ao
mundo do ISSO. O reino absoluto da causalidade no mundo do ISSO não afeta o homem porque ele não
está limitado ao mundo do ISSO e pode sempre evadir-se ao mundo da relação (EU-TU). Só aquele que
conhece a relação e a presença do TU está apto a tomar uma decisão (livre sem estar sujeito a uma
causalidade) porque se apresenta diante da Face (TU eterno).
Eu sou o ato e não existe mais do que dois na simultaneidade, o outro e o um, a ilusão e a missão. Só
depois começa a atualização. Aquele que toma decisões é aquele que quer algo com implicações sérias.
A causalidade não oprime o homem ao qual é garantida a liberdade. Ele sabe que a sua vida mortal é uma
oscilação entre o TU e o ISSO e percebe essa oscilação. É no umbral que se acende o Espírito.
Fatalidade/necessidade é diferente de destino.
Destino e liberdade juraram fidelidade mútua e apenas o homem que atualiza a liberdade encontra o
destino. O destino não é o seu destino, mas o complemento; liberdade e destino unem-se mutuamente
para dar sentido; e neste sentido o destino suaviza-se como se fosse graça.
Todos pressentem o Tu e o espírito é para eles garantia
O mundo do ISSO oprime o homem em épocas de opressão. A alternativa é a relação e o espírito de
relação.
Porém, só quando o homem entra na relação é que se torna livre e, portanto, criador. O destino sábio e
soberano, harmonizado com a plenitude de sentido do universo, reinava sobre toda a causalidade
primitiva. O Kharma (resultado das ações que realizámos noutras incarnações) revela-se agora uma
tirania. O desejo só acalma quando a alma deste mundo para a liberdade dos filhos de Deus. O fim do
caminho é a conversão/rutura. Porém, onde há o perigo, ali cresce a força salvadora.
O pensamento biologista e o pensamento historicista do nosso tempo colaboram para formar uma fé na
fatalidade (pior que as anteriores, proveniente dum amálgama (junção de várias forças)). O ídolo não
tolera a fé na libertação. O que realiza a conversão derruba todas as peças. A fatalidade impede o
movimento da conversão.
A crença na fatalidade é falsa. A presença do Tu nasce do vínculo e são inacessíveis a esta conceção, qua
ignora a realidade do Espírito. Tornar-se livre significa libertar-se da crença da servidão.
7 – o mundo do ISSO é constrangido a submeter.se àquele que o conhece em seu ser.
Assim como liberdade e destino estão ligadas, também o estão o arbitrário e a fatalidade. Porém liberdade
e destino estão ambos comprometidos por instaurarem o destino e o arbitrário e a fatalidade (fantasma da
alma e pesadelo do mundo, respetivamente) toleram-se vivendo um ao lado do outro, sem ligação e sem
atrito no absurdo, até que os seus olhares se cruzam e irrompe deles a confissão de mútua perdição.
O querer do homem livre é isento de arbitrariedade porque ele crê na atualidade (vínculo real que une a
dualidade real do EU e do RU). Por isso é que o homem sabe que deve ir à atualidade com todo o seu ser.
É necessário sacrificar aquele pequeno querer em favor do grande querer que se afasta do “ser-
determinado” para ir ao destino. Ele crê, ou seja, oferece-se ao encontro.
O homem que vive no arbitrário não crê e não se oferece ao encontro. Na verdade, ele não tem destino,
mas somente um ser-determinado pelas coisas e pelos instintos, isto é, realizado com um sentimento de
independência que é justamente o arbitrário (substitui o querer pelo arbitrário). O objetivo do homem
livre é a resolução de ir de encontro ao seu destino.
O início da conversão seria a lembrança da decadência, do EU inatural e do seu EU atual, levando ao
desespero, autodestruição e regeneração.
8 – Endocentrismo.
9 – O EU é atual. Muitos TU proferidos são, fundamentalmente, ISSO, ao qual se diz TU, somente por
hábito ou sem pensar. Temos vários termos de expressão da palavra EU:
- O EU do EU-TU ≠ EU-ISSO
- O EU do EU-ISSO aparece como egótico e toma consciência de si como sujeito (experiência e
utilização) e aparece na medida em que se distingue de outros egóticos.
- O EU do EU-TU aparece como pessoa e conscientiza como subjetividade (sem genitivo dele
dependente) entra no momento em que entra em relação com outras pessoas.
- O 1º é a forma espiritual da diferenciação natural e a 2ª é a forma espiritual do vínculo natural.
- A finalidade da separação é o experienciar e o utilizar, cuja finalidade é a “vida” (o contínuo morrer no
decurso da vida)
- A finalidade da relação é o seu próprio ser, contacto com o Tu (o contacto com cada TU, toca-nos um
sopro da vida eterna).
Na subjetividade amadurece a substância espiritual da pessoa. A pessoa toma consciência de si como
participante do ser, como um ser-com (entre EU e TU, um entre). A pessoa diz: “Eu sou”. O egótico diz:
“Eu sou assim”. O egótico afasta-se dos outros e do Ser.
Conhecer para o egótico significa estabelecer uma manifestação efetiva de si e que seja capaz de iludi-lo
cada vez mais. Na pessoa contempla-se o seu si-mesmo enquanto que o egótico ocupa-se com o seu
“meu”: minha espécie, minha raça, meu agir…
O egótico não conquista atualidade nenhuma nem participa, procurando apoderar-se do que pode.
Não há 2 espécies de homem, mas sim dois polos humanos. O Homem não é puramente pessoa nem é
puramente egótico. Cada um vive no seio de um duplo Eu. Entre as pessoas e os egóticos de desenrola a
verdadeira história.
Quanto mais o homem e a humanidade são dominados pelo egótico, mais profundamente o Eu é atirado
na inaturalidade.
10 – O homem é tanto mais pessoa quanto mais intenso for o Eu do EU-TU.
O dizer-EU (o que ele quer dizer ao pronunciar Eu) decide o lugar para onde leva o seu caminho. A
palavra Eu é o verdadeiro sinal/marca da humanidade. Então escutemos!
Apresenta vários Eu´s que conseguiram estabelecer comisso como por exemplo:
- o Eu de Sócrates é o Eu do diálogo infinito (para o escutar e não para impor doutrinas) – relação com os
homens; acrescentava atualidade e seguia a sua direção: solidão diferente de abandono.
- o Eu de Goethe é o Eu de uma intimidade pura com a Natureza.
Assim ressoa o diálogo e a relação com a Natureza.
Quão poderoso é o dizer-Eu de Jesus, sendo este apresentado como imagem do reino da relação absoluta.
EU-TU, mais uma vez destacado como reciprocidade.
11 – Começa com um mau exemplo do dizer-Eu de Napoleão.
Será que Napoleão nunca teve uma relação com o Tu? Napoleão era para muitos o Tu demoníaco, que
respondia ao Tu com um Isso. O limite histórico e elementar é tal que a palavra-princípio da ligação perde
sua realidade, seu caráter de reciprocidade: reduz-se ao ISSO; reduz-se à vontade de uso; egótico.
Este 3º tipo de Eu, ao lado da pessoa e do egótico, não é homem livre nem homem arbitrário, nem se situa
entre eles, mas existe, postado de uma maneira fatal, nas grandes épocas do destino: ele é como uma
atualidade em que todos participam intensamente.
Na verdade, ele não vê os entes que estão à sua volta, senão como máquinas capazes de diversas
realizações, que devem ser avaliadas e utilizadas para o bem da sua causa. Ele próprio usa a si mesmo
como um ISSO.
O EU do dizer-EU não possui subjetividade assim como também não é sujeito.
Napoleão passava a ideia de um homem em que reinava no ardor e no prazer de poder enquanto ele
apenas desejava a missão fatal e o dever de a cumprir. Quem se esforça a repetir Napoleão, denuncia a
impossibilitada de salvação da sua própria autocontradição.
12 – O que é a autocontradição?
É o ser humano que estranha-se a si próprio e torna-se coisa entre coisas, sendo que está limitado.
13 – Quando o homem estremece entre o EU e o mundo, ocorre-lhe o pensamento de que algo deva ser
feito. O homem fica horrorizado, pensativo e desorientado. Ele, porém, repudia o domínio científico.
Assim fala o homem aos seus pensamentos: num Eu miserável, ele é vazio e tudo o que sempre faço por
experiência e utilização não penetra no fundo de sua caverna.
Buber propõe duas alternativas:
- reduzir todas as esferas do Eu
- aniquilação do próprio Eu no mundo, no Universo, nas coisas físicas

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