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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0567.13.010716-0/001 Númeração 0107160-


Relator: Des.(a) Henrique Abi-Ackel Torres
Relator do Acordão: Des.(a) Henrique Abi-Ackel Torres
Data do Julgamento: 16/12/2021
Data da Publicação: 24/01/2022

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - RECEPTAÇÃO - PRELIMINAR -


PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - NÃO OCORRÊNCIA -
MÉRITO - ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE
CULPOSA - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE, AUTORIA E
ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO DO TIPO COMPROVADOS - PENA
RESTRITIVA DE DIREITO - DECOTE - INVIABILIDADE. Não há que se falar
em extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva se
transcorreu lapso temporal inferior àquele previsto em lei para o delito, entre
as causas interruptivas previstas no artigo 117 do Código Penal.
Comprovadas a autoria e a materialidade do crime de receptação, improcede
a pretensão absolutória ou desclassificatória. Considerando a dificuldade de
se comprovar a ciência, pelo agente, da origem espúria do bem, o Superior
Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, se houver sido apreendido
em poder do agente, no crime de receptação, incumbe à defesa apresentar
prova de sua origem lícita ou de conduta culposa. A eleição das penas
restritivas de direitos que serão aplicadas no caso concreto se insere na
discricionariedade vinculada do Magistrado, observando-se as condições
pessoais do condenado e os fins almejados com a punição.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0567.13.010716-0/001 - COMARCA DE


SABARÁ - APELANTE(S): GIOVANE CÂNDIDO RIBEIRO - APELADO(A)(S):
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

AO RECURSO.

DES. HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES

RELATOR

DES. HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES (RELATOR)

VOTO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por GIOVANE CÂNDIDO


RIBEIRO contra a respeitável sentença de fls. 206/209, proferida pela ilustre
Juíza de Direito da Vara Criminal da Comarca de Sabará/MG, que julgou
procedente a pretensão acusatória e o condenou pela prática do crime
previsto no art. 180, caput, do Código Penal (CP), à pena de 01 (um) ano de
reclusão e 10 (dez) dias-multa, estes fixados no mínimo valor unitário.

A pena privativa de liberdade imposta ao sentenciado foi substituída por


duas restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do CP, sendo-lhe concedido
também o direito de recorrer em liberdade.

Narra a exordial acusatória que, no dia 26/09/2013, o denunciado


conduziu, em proveito próprio, o veículo Nissan Frontier, placa JWY-7137,
com sinalização de queixa de roubo/furto e com numeração de chassi e
motor adulterados, sabendo tratar-se de produto de crime.

A denúncia foi recebida no dia 06/12/2017 (fl. 132).

Concluída a instrução criminal, foi proferida a respeitável sentença de fls.


206/209, publicada no dia 29/04/2021.

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A defesa interpôs Apelação à fl. 211 e, nas razões de fls. 223/227, pugna,
inicialmente, pelo reconhecimento da prescrição. Em sequência, requer a
absolvição de Giovane, por insuficiência de provas ou a desclassificação da
conduta para o crime de receptação culposa, previsto no art. 180, §3º, do CP.
Subsidiariamente, pede o decote da pena substitutiva de limitação de final de
semana.

Contrarrazões ministeriais às fls. 229/231v.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 233/234, opinou


pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o breve relatório.

ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade e processamento,


conheço do recurso.

PRELIMINAR - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

A defesa pugna, inicialmente, pela extinção da punibilidade estatal, pela


ocorrência da prescrição.

Sem razão.

Diante da ausência de interposição de recurso pelo Ministério Público,


aplicam-se, no presente caso, as disposições do art. 110, §1º, do CP,
segundo o qual, após a sentença condenatória com trânsito em julgado para
a acusação, a prescrição regula-se pela pena aplicada.

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Repisa-se, neste ponto, que o recorrente foi condenado, pela prática do


delito previsto no art. 180, caput, do CP, à reprimenda de 01 (um) ano de
reclusão.

Diante da mencionada pena privativa de liberdade, vigora o prazo


prescricional de 04 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V, do CP.

No entanto, tendo em vista os marcos interruptivos indicados no art. 117


do CP, percebo que entre a data do recebimento da denúncia (06/12/2017) e
a data da publicação da sentença condenatória (29/04/2021), transcorreu
período inferior a 04 (quatro) anos, sendo incabível, portanto, o
reconhecimento da causa de extinção da punibilidade prevista no art. 107, IV,
do CP.

Ante tais considerações, REJEITO a preliminar.

MÉRITO

Do pedido absolutório por insuficiência probatória, ou desclassificatório.

A defesa sustenta que não há prova suficiente de que Giovane cometeu


o delito de receptação a ele imputado na denúncia. Alternativamente,
pretende a desclassificação da conduta imputada a ele para aquela prevista
no art. 180, §3º, do CP.

Sem razão.

Narra a denúncia que:

"[...] Policiais Rodoviários Federais abordaram o denunciado, que se


encontrava na condução do citado veículo sem portar o respectivo CRLF. Ao
se proceder à consulta junto ao centro de comunicações, foi constatado que
o veículo possuía queixa de furto e possuía chassi e motor adulterados,
pertencentes à outro veículo [...]" (fl. 02d).

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A materialidade restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante


delito de fls. 02/04v, boletins de ocorrência de fls. 08/09 e 11, guia de
recolhimento de veículo de fl. 14, laudo de vistoria de fl. 20, bem como pela
prova oral.

A autoria e o elemento subjetivo do tipo penal previsto no art. 180, caput,


do CP também se mostram incontestes nos autos.

O apelante, perante a autoridade policial, confirmou ser o proprietário do


veículo apreendido em sua posse, que foi adquirido de um conhecido pelo
valor de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais), negando, contudo, ter ciência
da origem ilícita do bem. Destaca-se:

"[...] foi parado numa blitz da Polícia Rodoviária Federal; QUE não portava o
CRLV do veículo, porquanto não o possuía; QUE o veículo
NISSAN/FRONTIER 4X4 XE lhe pertence, apesar do referido veículo não
estar em seu nome; QUE adquiriu o veículo pelo valor de R$ 23.000,00 (vinte
e três mil reais) de uma pessoa conhecida como ZOIM da cidade de
Contagem; Que comprou o veículo pelo valor inferior ao da tabela Fipe para
ajudar ZOIM, pois esse lhe disse que não tinha dinheiro para legalizar o
automóvel; QUE resolveu ajudar ZOIM pois o conhecia a muito tempo; QUE
não houve transferência de propriedade do veículo, pois ZOIM só lhe deu
uma cópia da nota fiscal do carro; QUE ficou sabendo pelos policiais
federais, a numeração do motor do carro era se referia a uma
NISSAN/FRONTIER 4X4 XE que havia sido roubada na cidade de
Contagem; QUE não participou do roubo de carro algum na cidade de
Contagem; Que desconhecida a adulteração no chassi no veículo, tendo
inclusive verificado o chassi e a placa e essas coincidiam com a cópia do
documento do veículo que ZOIM lhe deu; QUE não adulterou o chassi do
veículo nem tampouco a placa do carro [...]" (fls. 04/04v).

Em Juízo, Giovane optou por permanecer em silêncio.

O policial federal Leonardo Eleutério relatou que deu ordem de parada ao


recorrente, sendo constado que este conduzia seu veículo

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sem portar o respectivo CRLV. Em consulta à situação do automóvel,


verificou-se que a placa pertencia a outro veículo, de mesmo modelo, com
queixa de furto no município de Contagem/MG. In verbis:

"[...] foi dado sinal de parada ao veículo Nissan Frontier 4x4 XE de Placa
JWY 7137; QUE quando o referido veículo foi abordado percebeu-se que seu
condutor GIOVANNE CANDIDO RIBEIRO não portava o CRLV do automóvel
e que havia sinais de adulteração no chassi do carro; QUE quando foi
verificada a placa do veículo constatou-se que se tratava de uma
NISSAN/FRONTIER 4X4 XE, cor prata, modelo 2003, da cidade de Manaus;
QUE quando foi verificada a numeração do motor constatou-se que se
tratava, através sistema SERPRO, da NISSAN FRONTIER 4X4 XE, placa
HEI 0778, da cidade de Contagem, ano 2006, e que havia queixa de furto
deste veículo; QUE ouviu GIOVANNE dizer que havia comprado o veículo na
cidade de Contagem no bairro Praia, próximo a um Cemitério, e que adquiriu
o carro pela quantia de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais) [...] (fl. 03 -
depoimento confirmado em juízo conforme mídia acostada à fl. 170).

No mesmo sentido foi o depoimento prestado em sede de inquérito pelo


policial federal Alexandre Carlos Pereira (fl. 02).

A testemunha de defesa Marco Aurélio Gomes de Alcântara nada


acrescentou à elucidação dos fatos, limitando-se a dizer que conhecia o
acusado há aproximadamente 08 (oito) anos, sem saber de qualquer ato
desabonador de sua conduta (mídia acostada à fl. 162).

Essa é toda a prova constante dos autos.

Como cediço, em se tratando de receptação dolosa, exige-se, para a


condenação, prova de que o objeto material do delito é produto de crime e
que tal condição é conhecida pelo agente, que o adquiriu, recebeu,
transportou, conduziu ou ocultou, em proveito próprio ou alheio, ou influiu
para que terceiro, de boa fé, o adquira, receba ou oculte.

Sobre o tema, leciona Guilherme de Souza Nucci (2017, p. 1.115):

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"Exige-se elemento subjetivo do tipo específico, que é a nítida intenção de


tomar, para si ou para outrem, coisa alheia originária da prática de um delito.
Além disso, deve-se destacar outra particularidade deste tipo penal: no
contexto das duas condutas criminosas alternativas ('adquirir, receber,
transportar, conduzir ou ocultar' e 'influir para que terceiro a adquira, receba
ou oculte') somente pode incidir o dolo direto, evidenciado pela expressão
'que sabe ser produto de crime." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal
comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1.115).

Sabe-se, no entanto, da dificuldade de se comprovar a ciência, pelo


agente, da origem espúria do bem, de modo que não há qualquer óbice em
se aferir o elemento subjetivo do tipo penal previsto no art. 180 do CP pelo
conjunto harmonioso de provas indiretas.

Não é outro o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça de Minas


Gerais, conforme se verifica abaixo:

"[...] 2. No crime de receptação, onde é difícil a comprovação do dolo, é


possível fazê-lo por indícios, circunstâncias exteriores que envolvam os fatos,
bem como através da própria conduta do agente, desde que não
contrariados por outros elementos de convicção, não havendo que se falar,
portanto, em absolvição, ou mesmo desclassificação para a forma culposa.
[...]" (TJMG - Apelação Criminal 1.0273.15.001296-4/001, Rel.(a): Des.(a)
Eduardo Brum, 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 11/09/2019,
publicação da súmula em 18/09/2019).

"[...] - No delito de receptação, a prova do conhecimento da origem criminosa


do bem pode ser extraída da conduta do agente, das circunstancias fáticas
que envolvem o crime." (TJMG - Apelação Criminal 1.0433.19.000054-0/001,
Rel.(a): Des.(a) Cássio Salomé, 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em
21/08/2019, publicação da súmula em 30/08/2019).

"[...] 1. Para que o elemento subjetivo inerente do delito de receptação dolosa


não fique relegado a improvável confissão do agente, deve ser

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extraído das circunstâncias que envolveram os fatos. [...]" (TJMG -


Apelação Criminal 1.0710.17.002864-5/001, Rel.(a): Des.(a) Beatriz Pinheiro
Caires, 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 01/08/2019, publicação da
súmula em 09/08/2019).

In casu, a versão do recorrente, no sentido de que não sabia da origem


ilícita do bem, não convence. Isso porque o próprio apelante confirmou ter
comprado o veículo a preço bem abaixo do valor de mercado e sem a
documentação pertinente.

Ademais, tendo em vista que o produto do crime foi encontrado sob a


posse do recorrente, caberia a ele demonstrar a procedência regular do bem
ou o seu inequívoco desconhecimento da sua origem espúria, o que não
ocorreu no caso em apreço.

Logo, diante do conjunto de circunstâncias fáticas acima explicitadas,


conclui-se que o apelante tinha conhecimento da origem espúria do bem
encontrado em seu poder, de modo que, suficientemente demonstrado o
elemento subjetivo do tipo penal do art. 180, caput, do CP, é de rigor a
manutenção da condenação, nos termos da respeitável sentença.

Com essas considerações, mantenho a condenação de Giovane Cândido


Ribeiro como incurso nas sanções do art. 180, caput, do CP.

Das penas restritivas de direitos.

A defesa requer, ainda, o decote da pena substitutiva de limitação de fim


de semana, sob o argumento de que o recorrente "necessita fazer constantes
viagens para compra e venda de veículos" (fl. 227).

Acerca da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de


direitos, dispõe a parte final do §2º do art. 44 do CP que, em sendo a
condenação superior a 01 (um) ano, a reprimenda corporal "poderá ser
substituída por uma pena restritiva de direitos e

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multa ou por duas restritivas de direitos".

É cediço que a eleição das penas restritivas de direitos que serão


aplicadas no caso concreto se insere na discricionariedade vinculada do
Magistrado, observando-se as condições pessoais do condenado e os fins
almejados com a punição, a saber, a prevenção e a reprovação da conduta.

E, no presente caso, a defesa não cuidou de comprovar a impossibilidade


de cumprimento por parte do apelante da pena substitutiva de limitação de
fim de semana imposta pelo Juízo singular.

Ademais, nos termos do art. 148 da Lei de Execuções Penais, a forma de


cumprimento das penas alternativas poderá ser alterada pelo Juízo de
Execução, de acordo com as condições pessoais do condenado.

Assim, mantenho as penas restritivas de direitos fixadas na respeitável


sentença condenatória.

Em sendo cabível a substituição prevista no art. 44 do CP, não há que se


falar na suspensão condicional da pena, conforme disposto no art. 77, III, do
CP.

DISPOSITIVO

Por essas razões, REJEITO A PRELIMINAR e NO, MÉRITO, NEGO


PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo incólume a respeitável sentença.

Custas na forma da lei.

É como voto.

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DESA. MÁRCIA MILANEZ (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. DIRCEU WALACE BARONI - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM


PROVIMENTO AO RECURSO"

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