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JENNIFER CRUSIE
LORI FOSTER
CARLY PHILLIPS
Disponibilização: Mccayres,
Digitalização: Marina
Revisão: Ingrid
Copyright © 2006 by Argh Ink
Originalmente publicado em 2006 pela St. Martin's Press Christmas Bônus
copyright © 2000 by Lori Foster Naughty Under the Mistletoe
copyright © 2001 by Karen Drogin
PUBLICADO SOB ACORDO COM ST. MARTIN'S PRESS NY, NY - USA
Todos os direitos reservados.
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
— Puxa, isso é demais! — Nolan exclamou à medida que o táxi seguia lentamente
sob a neve.
— Eu não acho — Reese resmungou mal-humorado. Quanto a Trudy, ela estava
adorando a situação. Nolan a pressionava com sua coxa musculosa, transmitindo-lhe o
calor de seu corpo. Como se não bastasse ter esquecido tudo que acontecera, ela também
havia perdido o bom senso. Era patético, sabia, mas não conseguia se afastar dele.
— O que tem na outra sacola? — Nolan perguntou, apontando para o pacote que
ela carregava na loja de brinquedos.
— É uma vaca de pelúcia que diz: "Beba leite" quando apertamos a barriga dela.
— Nolan a encarou com descrença, e ela se apressou em justificar: — Bem, horas atrás,
pareceu ser muito divertido.
— É divertido. — Reese riu e passou o braço por trás do encosto de modo a tocar
ligeiramente os ombros dela. — E muito divertido.
— Eu nunca imaginei que você fosse do tipo que gosta de bichos de pelúcia —
Nolan comentou, retirando a embalagem da sacola.
— É mesmo? E eu nunca pensei que você fosse do tipo que pudesse causar
desapontamentos.
— Achei que preferisse brinquedos educativos — ele continuou como se não
tivesse percebido a alfinetada. — Você parece ser uma mulher racional e prática. Sempre
achei que fosse objetiva, ao menos é o que se espera de uma bibliotecária.
— Sou assistente de direção da biblioteca científica — lembrou-o, tentando
demonstrar desdém na voz.
— Sim. Bibliotecária — ele insistiu, erguendo os ombros. Reese aproveitou o
momento para apertar o braço ao redor do ombro dela.
— Nunca pensei em você como bibliotecária Trudy. E algo terrível de se dizer sobre
você.
Ela começou a se incomodar com o duelo particular entre os dois homens. No
mesmo instante o telefone tocou, e ela atendeu com um suspiro de alívio.
— Trud, você comprou os refis do gás? — Ouviu a irmã, aflita do outro lado da
linha. — Tenho de humilhar a bruxa e o pestinha.
— Comprei Court. E foi bom você ter ligado. Acho que vou me atrasar. Encontrei o
antigo assistente de pesquisa de papai na loja de brinquedos e ele está me levando a um
depósito em algum lugar perigoso e deserto no centro da cidade, onde diz ter milhares de
MacGuffins II recém-trazidos pelo Papai Noel. Aliás, se eu não sobreviver você pode ficar
com todos os meus CDs de jazz.
— Você vai conseguir um boneco deste ano? Isso é maravilhoso!
— É bom saber que você está feliz por sua única irmã se sacrificar por um boneco
homicida.
— Qual é nome do rapaz? — Courtney quis saber, deixando de lado o sarcasmo.
— Reese Daniels.
— Você verificou a carteira de identidade dele?
— Não, Courtney, não verifiquei a identidade dele — resmungou, olhando para o
teto.
— E sempre uma boa ideia — Nolan observou. — Nunca se sabe que tipo de
assistente de pesquisas pode existir.
— Quem está com você? — Courtney quis saber ao ouvir a voz ao fundo.
— Nolan.
— Ainda?
— Sim — afirmou ansiosa por desligar o telefone. Enquanto isso, Reese retirou a
carteira do bolso e mostrou-lhe a licença de motorista.
— Para você ficar tranquila, acabo de ver a carteira de habilitação onde diz: "Reese
Lee Daniels", nascido em 1982.
— Ele ainda é uma criança! — Courtney perguntou.
— É bonito?
— Mais ou menos — mentiu para não prolongar o assunto.
— Eu ainda acho que deveríamos tentar sair novamente. Dê-nos outra chance —
Nolan sussurrou ao ouvido dela.
Trudy fechou os olhos enquanto repetia para si, como um mantra:
Vou conseguir esquecê-lo! Vou conseguir esquecê-lo...
— Importa-se? — Reese afastou Nolan com um repelão do braço pousado sobre o
ombro dela. — Trudy está comigo.
— Esqueça a beleza. — Ouviu com dificuldade a voz da irmã abafada pela
discussão entre seus acompanhantes.
— Ele tem emprego? É um rapaz confiável?
— Não! — Trudy respondeu para Nolan. — Já tivemos nossa chance. Não quero
mais ir a nenhum festival de cinema chinês com você.
— Podemos ir ao Aquário Municipal. Você poderá provocar os tubarões.
— Mas nós nunca fomos a nenhum festival de cinema chinês! — Courtney
protestou confusa.
— Oh, vocês estão me enlouquecendo! — Trudy gritou, abafando o telefone com a
mão. — Não vou sair com você, Nolan, nem com você, Reese. Não quero ir a nenhuma
droga de aquário provocar tubarões. Que tipo de idiota faria isso?
— Está bem, não vamos ao aquário. Aonde você quer ir?
— Quer nos dar licença? — Reese rosnou para Nolan.
— Este é meu táxi e esta é minha garota!
— Não estou falando com você! — Nolan respondeu com irritação.
— Tru, o que está acontecendo aí? — Courtney perguntou do outro lado da linha.
Trudy suspirou fundo e ignorou os dois rapazes para se concentrar na conversa
com a irmã.
— Court, você ainda está tomando gim?
— Só um pouco — foi a resposta em voz pastosa.
— Achei que fosse cuidar dos pães de mel, querida. Por favor, não...
— Eu juro, nada de festivais de filmes chineses! Trudy agitou a mão para silenciar
Nolan a fim de que pudesse ouvir a irmã.
— Querida, pare de beber e vá fazer a cobertura do doce.
— Ainda não consegui encontrar o ponto certo da calda...
— Certo, esqueça o pão de mel. Vou ajudá-la quando chegar em casa. Mas fique
longe da garrafa de gim.
— Droga!
— O que foi Court? — perguntou preocupada ao ouvir a irmã praguejar.
— Derrubei calda no meu drinque. Espere um pouco...
— Trudy ouviu ruídos abafados. — Humm... Você sabia que calda de chocolate fica
uma delícia com gim?
— Courtney, guarde a garrafa e vá se deitar. Estarei em casa assim que puder e
vamos terminar a ceia juntas.
— Prometo que não vou levá-la a mais nenhuma festa na universidade...
— Ela não quer sair com você, entendeu? — Reese disse por entre os dentes,
apertando Trudy contra si.
— Esse depósito parece perigoso... — Courtney dizia alheia ao campo de batalha
que se instalara dentro do carro. — Pegue o número do táxi e o nome do motorista.
— Não sei se ela não quer sair comigo. Não nos conhecemos bem a esse ponto.
— E de quem é a culpa? — Trudy explodiu, virando-se para Nolan com chispas nos
olhos. — Tivemos dois encontros horríveis. Você não apareceu nos três seguintes, não
telefonou nem escreveu. — E também não me beijou. Han Solo teria me beijado! Completou
em pensamento.
— Trudy?
— Espere um pouco, Court. Estou resolvendo um pequeno problema e já falo com
você.
— Eu sei, eu sei, minha atitude foi imperdoável. — Nolan foi dizendo. — Eu sinto
muito. E você também não estava sendo a companhia mais agradável do mundo.
— O que você queria que eu fizesse? Soltasse fogos de artifício? Gritasse de
alegria na festa da faculdade? Chorasse de emoção e deleite naquele filme estúpido? —
Ela parou, percebendo que o comentário sugeria que se importava. — Esqueça. Você deve
ter uma boa razão para desaparecer da minha vida.
— Esquecer o quê? O nome do motorista? — Courtney perguntou do outro lado,
confusa. — Por favor, passe o nome dele para mim. É uma questão de segurança.
Trudy se desvencilhou dos braços sobre seu ombro e inclinou o corpo para frente.
— Alexander Kuroff — informou depois de ler os dados da licença do motorista
presa ao painel.
— Escreva o nome e número da licença em algum lugar, Tru.
— Não tenho nenhum papel...
Antes que ela terminasse a frase, Nolan enfiou a mão na sacola de compras e tirou
o rolo de papel de presente que ela havia comprado.
— Estou sem caneta...
Os dois homens sacaram as canetas ao mesmo tempo. Trudy pegou a de Reese e
escreveu o nome e número da licença do motorista no verso do papel estampado.
— Não se esqueça de escrever o número do carro — Courtney acrescentou.
— Court, se eu morrer, o papel em que estou escrevendo ficará comigo. É óbvio
que o assassino não será estúpido a ponto de não destruí-lo, e você não terá como saber
de nada disso.
— Você não vai morrer — Nolan assegurou. — Eu estou aqui para protegê-la. Fique
tranquila.
— Oh, por favor! Você não percebe que ela está falando ao telefone? — Reese
fuzilou-o com um olhar.
— Telefone a cada meia hora — a irmã sugeriu. — Se não telefonar, eu vou ligar
para você.
— E que você fará se eu não telefonar e não atender?
— Vou chamar a polícia.
— Está bem. — Trudy sentiu-se subitamente exausta e desistiu de argumentar. —
Estou a caminho.
— Eu cuidarei dela! — Nolan gritou ao telefone antes que ela desligasse.
— Você mesmo disse que nós não nos conhecemos bem. — Trudy o encarou,
irritada. — Como posso ter certeza de que não é um psicopata?
— Seu pai me conhece. Trabalhamos juntos no mesmo departamento por dois
anos.
— Isso não é propriamente uma recomendação.
— O pai dela também me conhece — Reese dirigiu-se ao oponente com um sorriso
de desafio.
— Oh, não!
— O que foi? — os dois homens perguntaram ao mesmo tempo.
— Eu peguei o papel de embrulho com motivo de aniversário! — ela gemeu ao
rasgar o pedaço de continha informações sobre o motorista. — Eu preciso de papel com
motivos de Natal e não de aniversário!
— Isso não faz diferença — Reese tentou tranquilizá-la.
Trudy não disse nada. Apenas ergueu o papel onde estava escrito: "Feliz
Aniversário". Nada de Papai Noel, nada de bolas de Natal. Apenas letras em vermelho.
—Você tem razão — Reese murmurou, estalando os lábios.
— Deixe-me ver... — Nolan tirou o rolo de papel das mãos dela.
— Por acaso vai reformá-lo? — ela indagou, irritada. — O que pretende fazer?
Ele fez um gesto indicando que ela esperasse e desenrolou o papel sobre o colo.
Apanhou a caneta e se pôs a escrever.
Curiosa, Trudy esticou o pescoço e leu: "Feliz Aniversário, Menino Jesus".
— Duas simples palavras resolveram o problema — ele comentou com um sorriso
de triunfo.
Trudy riu e enrolou cuidadosamente o papel.
— Você é um gênio!
— Isso quer dizer que vai sair comigo novamente?
— Não, nem que você fosse o último homem da Terra!
— E o que me diz de um almoço? Almoço não é necessariamente um encontro.
— Estou perdendo minha paciência com você! — Reese reagiu, projetando o corpo
para frente.
— Não se intrometa! Se você se comportar, prometo que lhe dou um pirulito mais
tarde — Nolan provocou, voltando à atenção para Trudy. — Quem sabe possamos nos ver
no café da manhã?
— Você não percebe que ela não quer vê-lo em lugar nenhum?
Como Trudy permaneceu em silêncio, convencendo-se de que o amor pelo
sobrinho lhe daria forças para superar aquele suplício, Nolan aproveitou a oportunidade
para pressioná-la ainda mais.
— Então, café da manhã — disse com firmeza.
As ruas se tornaram cada vez mais escuras à medida que o carro avançava.
Minutos mais tarde, o motorista seguiu as instruções de Reese e estacionou defronte a um
prédio deserto em ruínas, iluminado por apenas uma lâmpada sobre a porta principal.
O rapaz pagou a corrida, saltou e segurou a porta para Trudy, que deslizou pelo
assento e foi envolvida pela escuridão.
— Onde está a fila de pessoas que estão interessadas em comprar o MacGuffin?
— balbuciou, encarando a rua erma.
— Provavelmente já venderam todos enquanto você tentava decidir se vinha
comigo ou não — ele resmungou.
— Podemos voltar com o mesmo carro — Nolan opinou. — Vou lhe pagar um café
e...
Trudy respirou fundo e depositou as três sacolas de compras no chão.
— Deixe-me carregá-las para você? — Reese ofereceu.
— Não!
— Você não confia em ninguém?
— Não! — Ela se virou e viu que Nolan estava pagando o motorista. — Nolan, por
favor, segure o táxi.
— Mas os MacGuffin estão lá dentro! Você vai voltar para casa sem nenhum,
quando já chegou tão perto? — Reese murmurou e abriu a porta do depósito.
Havia luz no interior, e antes de entrar, Trudy esperou por Nolan. Ele conversava
com o motorista e deu uma palmada no capo quando o táxi se afastou.
— E eu pedi para você segurar o táxi... — ela reclamou.
— Ele vai voltar.
A voz parecia diferente, mais séria e grave, e ele entrou no depósito com o braço
pousado sobre o ombro dela.
— Se é assim, então por que ele se foi?
A pergunta ficou sem resposta, e Reese os chamou do interior da construção.
Trudy respirou fundo e deu um passo hesitante, tomando o braço de Nolan num
gesto involuntário.
O depósito era um galpão alto, com uma escada de metal que levava a um patamar
superior onde se avistavam janelas do que deveria ser o escritório. Estava repleto de caixas,
numa versão gigante e poeirenta da loja de brinquedos. Uma luminária pendia do teto e
iluminava o centro, mas o restante do local estava às escuras. Ela ouviu a música vinda de
um rádio em algum lugar perto dali.
— Venham — Reese chamou, e Trudy se aproximou mais de Nolan.
— Onde estão os bonecos?
— E quem são eles? — Nolan apontou para dois homens que surgiram do nada.
Eram jovens como Reese, e não estavam sorrindo.
— Esperem aqui — o rapaz pediu, aproximando-se dos desconhecidos. — Estarei
com vocês num minuto.
— Não estou gostando nada disso — Trudy cochichou, amedrontada.
— Não posso culpá-la. — Nolan concordou sem tirar os olhos dos homens. —
Venha cá.
Puxou-a para trás de uma pilha de caixas e então, inesperadamente, agarrou o
braço dela e a projetou para trás, protegendo-a com o corpo até alcançarem o vão entre
duas fileiras de caixotes.
— O que está fazendo?
— Shhh! — ele continuou a empurrá-la. — Fique quieta!
— Você está maluco? O que está acontecendo?
— Fique quieta, Trudy!
Nolan se esgueirou pelas sombras agarrado ao braço dela, à procura do lugar mais
escuro possível.
— Pare de me puxar! Eu não gosto de...
Calou-se quando Nolan parou, aproximou-se e cochichou-lhe ao ouvido:
— Trudy, por favor, fique quieta.
— Por quê? — ela sussurrou de volta.
— Porque acho que Reese não está do lado dos mocinhos. E acredito que ele
queira seu MacGuffin. Suponho que os homens que estão com ele sejam seus cúmplices.
— Cúmplices? Mas...
Nolan tapou a boca de Trudy com a mão.
— Shhh! Não queremos que eles descubram onde estamos — sussurrou. — A
menos que você esteja preparada para entregar seu MacGuffin.
Ela balançou a cabeça com veemente negativa, sentindo a onda gelada do pânico
invadir seu corpo.
— Nesse caso, vamos escondê-lo aqui. Trudy balançou a cabeça com mais força.
— Não!
— Ouça com atenção, Trudy. — Ele aumentou a pressão da mão sobre a boca. —
Não sou colecionador de bonecos. Sou um policial disfarçado.
Ela recuou um passo, tentando enxergá-lo na escuridão.
— Não acredito. Um policial disfarçado que dá aula de literatura chinesa?
— Por que não? Sou um homem bem-educado.
— Ora, essa sua explicação é ridícula.
Trudy balançou a cabeça e começou a se afastar, mas ele a deteve.
— Ouça, sabemos que há operações ilegais sendo feitas dentro da faculdade.
Como realmente tenho formação no idioma chinês e conheço um pouco de literatura, fui
designado para trabalhar lá sob disfarce. Sou bom professor, Trudy.
E era verdade, Trudy se lembrou. Os alunos o adoravam e Nolan não teria tanto
prestígio junto ao reitor se não soubesse como ensinar, mesmo que fosse literatura oriental.
Aquela era outra razão que a levara a desejar sair com ele. Competência. E agora,
descobria que ele era uma espécie de agente e que havia algum tipo de tráfico ilegal na
universidade!
— Nolan, você tem de admitir que não é fácil engolir essa história.
— Tem razão, mas está muito escuro para eu lhe mostrar minha identificação.
— Você deve estar zombando, não é?
— Trudy, estou falando sério. Seu amigo Reese...
— Ele não é meu amigo.
Naquele momento, ouviu o rapaz chamá-la do centro do depósito e deu um passo
na direção de Nolan.
— Ouça — Nolan disse. — Eles são contrabandistas e querem o seu boneco. Se
as coisas piorarem, entregue o brinquedo para eles.
— Contrabandistas de brinquedos?! Não! Ouviu Nolan soltar o ar em exasperação.
— Não, Trudy. Não são contrabandistas de brinquedos.
— Bom, seja lá o que forem, não posso entregar o MacGuffin. É para meu sobrinho.
O bastardo do pai dele fugiu com a babá e a mãe já deve estar em coma alcoólico a esta
altura, mas ele sabe que o Papai Noel vai lhe dar o brinquedo que pediu.
— Oh, Cristo! Por que você tem de ser tão teimosa, Trudy? — Reese bufou. — Juro
que encontro outro boneco para ele. Apenas entregue esse aí para que possamos sair vivos
deste galpão.
— Isso não é muito heroico.
— Serei heroico quando você não estiver mais aqui. Agora, quero que prometa que
vai entregar o boneco sem discutir.
— Deve haver outra saída. Qual é seu plano B? Nolan soltou o ar e a empurrou
para perto da parede, ficando ambos invisíveis na escuridão.
— Nos escondermos.
— Nos escondemos? Como?
— Fique quieta! — ele sussurrou e Trudy obedeceu ante o tom autoritário da voz.
Ele tomou a mão dela e a conduziu ao longo da parede até encontrar a escada de
metal. Ajudou-a a subir lentamente, testando cada degrau para ter certeza de que não
rangeria. Quando chegaram ao topo, estavam num patamar, com visão para o galpão todo.
Nolan fez com que ela se sentasse no chão o mais silenciosamente possível. O
ruído das sacolas plásticas pareceu soar com a força de mil decibéis.
— E agora? — ela quis saber, apoiando as costas à parede.
— Vamos esperar pelo reforço.
— Que reforço?
— Dei instruções ao motorista de táxi. Shhh!
Ele espiou pelo vão da grade de metal que limitava a plataforma, mas a escuridão
não lhe permitia que visse nada.
— Você é mesmo policial? — Trudy sussurrou. — Por que não consigo acreditar
nisso?
— Não sei. Também não consigo acreditar que você insiste em continuar
segurando esse maldito boneco quando poderíamos usá-lo para sair daqui.
— E se você não for um policial de verdade? E se Reese for seu cúmplice e
estiverem trabalhando juntos para tirá-lo de mim?
— Para dá-lo de presente ao nosso sobrinho em comum? — Nolan sussurrou,
embora o som de sua voz tenha parecido alto demais em meio ao silêncio do galpão.
Trudy riu baixinho, mas se conteve em respeito à aflição evidente na voz dele.
— Trudy, já lhe ocorreu que você está trancada em um depósito deserto com um
bando de marginais?
— Bem... — Ela suspirou baixinho. — Pelo que sei, eles não são marginais. Talvez
estejam indo jogar boliche. Estão vestindo jaquetas idênticas.
— Não é hora para brincadeira, Trudy. Você está arriscado sua vida por um boneco.
Sei que não quer desapontar seu sobrinho no Natal pelo fato de o pai tê-lo abandonado e
a mãe possivelmente estar em coma alcoólico...
— Ei!
— Shhh! Não me interrompa! — Ele gesticulou, aflito. — Acontece que seu sobrinho
já está desapontado. A família dele já não está mais unida. Seja sensata, dê o boneco para
Reese se não quiser que Leroy tenha mais uma perda, a da tia amorosa. Prometo recuperá-
lo mais tarde, quando prender Reese. Não vou deixá-lo desaparecer com o brinquedo.
Trudy afastou-se, estreitando os olhos na tentativa de encará-lo na escuridão.
Como é que ele se atrevia a fazer considerações sobre sua família sem sequer saber o que
estava acontecendo?
— Em primeiro lugar, saiba que minha irmã não está em coma alcoólico. Em
segundo, a família do meu sobrinho não está destruída. Ele ainda tem a mim e a mãe dele.
Em terceiro lugar, se eu der o boneco para Reese e você prendê-lo, o brinquedo se tornará
uma evidência e nunca mais o verei de novo. Então, a resposta continua sendo "não". —
Empinou o queixo em desafio, mesmo sabendo que ele não podia ver. — Meu sobrinho
receberá o brinquedo amanhã cedo. Ele vai continuar acreditando em Papai Noel, embora
não acredite mais em homens e babás, assim como eu.
— Eu não posso acreditar que você esteja julgando todos os homens, baseada
apenas na conduta de um.
— Ah, é? Não estou me baseando apenas em um homem. Por exemplo, diga-me
com sinceridade: quantas vezes você mentiu para mim esta noite?
Nolan se recostou à parede.
— Perdi a conta — admitiu com honestidade. — Mas ainda estou aqui, tentando
salvá-la. Isso deve valer alguma coisa.
—Tenho apenas sua palavra, e como sabemos você mente.
— Está bem — ele disse, resignado. —Vamos ficar aqui com seu maldito boneco e
rezar para que Reese não nos encontre.
— Esse é seu plano B? Esperar que ele não nos encontre? Quando chega o
reforço?
— Você é sempre tão ranzinza? — ele desabafou com um suspiro.
— Somente quando estou com frio, cansada, apavorada, faminta, frustrada e os
homens que estão comigo mentem o tempo todo. Ah! Quase me esqueci de mencionar...
E quando sou pressionada a não dar ao meu sobrinho o presente de Natal que ele merece.
— Tudo bem, Trudy, não vou mais discutir — ele afirmou consciente de que seria
inútil. — Fique com o boneco, e vamos tentar escapar daqui. Mas quero que me prometa
que, se Reese nos apanhar, você entregará o brinquedo se nossa vida depender disso.
— Não!
— Trudy!
— Não posso. Meu sobrinho precisa dele para continuar a ter fé. Você sabe quanto
tempo faz desde que eu acreditei em alguma coisa? Em alguém? — Trudy inspirou o ar,
buscando fôlego. — Leroy acredita que quando descer a escada amanhã cedo, haverá um
MacGuffin sob a árvore de Natal. Ele sabe que estará lá, porque sua fé em Papai Noel
mantém viva a esperança dele de que o mundo seja um lugar bom. E ele vai continuar
tendo fé, porque vou levar esse boneco para casa, custe o que custar. — Ela soltou peso
do corpo de encontro à parede. — Além disso, ninguém mata por causa de um boneco.
— Acho que o frio congelou seu cérebro e você perdeu o bom senso.
— Não, Nolan. Perdi a fé. Meu bom senso está ótimo. Tudo que quero é a alegria
da minha família, assim como a minha. Como resolução de Ano Novo, decidi voltar a acre-
ditar nas pessoas. Poderia começar por você, se me ajudasse a levar o brinquedo de Leroy
para casa.
— Está bem. Vou tentar ajudá-la.
— Ótimo. Vou tentar acreditar em você. Sem garantias, é claro.
— Trudy, eu prometo que vou ajudá-la — Nolan assegurou.
— Promete mesmo?
— Eu já disse que sim.
Ela procurou os olhos dele em meio à escuridão.
— É fácil falar...
— Eu prometo! Só que você tem de fazer o que eu propus.
— Por que eu faria isso?
— Porque você confia em mim.
— Há! Eu não disse que confio em você, Nolan Mitchell!
— Então, por que está me ouvindo?
Trudy mordeu os lábios, sentindo-se pega numa armadilha.
— Está bem. Digamos que eu confio um pouco em você.
— Não basta. Tem de confiar completamente. Para tirá-la daqui, você tem de fazer
exatamente o que eu disser.
Trudy sentiu que ele estava bem próximo dela. Podia sentir a quentura que
emanava do corpo de Nolan na escuridão. Se pretendia voltar a confiar nas pessoas, aquele
era o melhor momento de começar.
—Você nunca me beijou, Nolan — ela sussurrou. — Por quê? Como quer que eu
confie em você se nós nunca...
Calou-se ao pressentir a aproximação do rosto dele e entreabriu os lábios,
antecipando o movimento seguinte.
Nolan pousou a boca sobre a dela e beijou-a de leve nos lábios. Afastou-se e, como
se cedesse a um impulso, segurou-a pela nuca e tornou a beijá-la com sofreguidão.
Trudy agarrou-se à gola do casaco dele, necessitando se apoiar em alguma coisa
sólida para não flutuar. Encostou a cabeça nos ombros largos quando ele interrompeu o
contato.
— Não é preciso exagerar — censurou com falso pudor.
— Certo, agora confio um pouco mais em você. O que quer que eu faça?
— Comece a rezar — Nolan sugeriu com respiração ofegante.
Agachou-se e fez um gesto para que ela o imitasse. Trudy abraçou as sacolas e se
puseram a rastejar até a escada. Porém, de repente, viram-se frente a frente com um dos
rapazes subindo os degraus.
Trudy levou a mão à boca para impedir que o grito saísse um segundo antes que
Nolan se pusesse de pé e, com um gesto tão rápido que ela mal registrou, girasse o
cotovelo para trás e o acertasse no nariz.
Tudo aconteceu num piscar de olhos e quando ela deu por si, o rapaz estava aos
pés de Nolan, com os braços amarrados às costas pelo cinto e amordaçado com um lenço
que surgiu do nada.
— Então, você é mesmo policial... — ela sussurrou.
— Como sabia onde acertá-lo? De onde tirou esse lenço? O que você...
— Trudy, não é momento para dar explicações. Temos de nos mexer. Um deles já
nos descobriu e não vai demorar para que os outros também nos encontrem. Vou tentar
distraí-los. Vá para a porta e tente correr para a rua.
— Não posso deixá-lo aqui, Nolan!
— Acredite, estarei mais seguro com você fora daqui. Agora, vamos andar em
silêncio até a luz para que eles me vejam. Então, corra para a porta. Entendeu?
Trudy não queria deixá-lo. Mas, provavelmente, ele estava certo. Ficaria melhor
sem sua presença.
— Nolan, vou fazer o que você diz, mas prometa que terá cuidado.
— Eu prometo. — Deram mais alguns passos e ele parou. — E, Trudy, antes que
eu me esqueça...
Nolan a envolveu pela cintura e a beijou, dessa vez, com mais paixão. Trudy sentiu-
se atordoada. Ele estava se arriscando apenas para salvá-la, e tudo o que ela podia fazer
naquele momento era deixar-se ser beijada.
Quando se afastou para respirar, apoiou-se no corrimão, ainda zonza pelo beijo
devastador.
— Talvez devêssemos esperar mais um pouco para sair — sussurrou. — Não fazia
ideia de que ficar escondida fosse tão bom... Podemos continuar fazendo isso até o reforço
chegar.
Ele riu e beijou-a de leve nos lábios.
— Podemos continuar com isso mais tarde. — Ele meneou a cabeça, estreitou-a
nos braços e a beijou novamente.
Trudy relaxou, sentindo-se irracionalmente feliz.
— Sim... Mais tarde — consentiu, descendo a escada na ponta dos pés.
Nolan deixou-a na primeira fileira de caixotes próxima da porta, a apenas alguns
passos do círculo de luz que iluminava o centro do depósito.
— Não estou vendo ninguém. Devem estar escondidos. Espere para sair quando
eu fizer um sinal — instruiu, num sussurro quase inaudível. — Então, corra o mais rápido
que puder.
Trudy assentiu e um calafrio percorreu sua espinha quando viu Nolan desaparecer
na escuridão.
Ele ficaria bem, tentou se convencer. Ninguém seria capaz de cometer um
assassinato por causa de um brinquedo, mesmo que fosse o Major MacGuffin. Tinha quase
certeza de que não fariam nada com Nolan. Mordeu os lábios e esperou, e então, seu
celular tocou. Num sobressalto ela o apanhou antes que tocasse mais uma vez.
— Não faça isso! — sussurrou para Courtney.
— Você não me ligou. Está quinze minutos atrasada.
— Eu sei Court. Acontece que há alguns rapazes atrás de nós...
— Que rapazes? Com quem você está?
— Estou com Nolan. Reese nos trouxe para um antro de marginais. Nolan acha
que eles fazem contrabando de brinquedos e...
— Contrabando de brinquedos? Do que você está falando?
— Courtney, prometo que explico tudo quando chegar em casa. — Se conseguir
chegar, pensou. — Ligue para a polícia.
Subitamente, o aparelho foi arrancado com violência das mãos dela e Trudy gritou,
em pânico.
— Vamos conversar. — Reese pressionou-a de encontro à parede e apoiou as
mãos, impedindo-a de sair.
— Não vou lhe dar o MacGuffin, Reese! — ela gritou assustada, segurando a sacola
de brinquedos de encontro ao peito.
Nolan fitou-a com expressão séria. Um estranho brilho cintilava em seus olhos.
— Ouça Trudy, não sei o que Nolan lhe disse, mas tenho certeza de que não foi a
verdade.
— Ele é policial, e você está com problemas, Reese. — Trudy tentou recuar, mas
foi novamente impedida.
— Nolan também trabalha como agente para o governo chinês — Nolan completou
com frieza.
Trudy engoliu em seco, sem saber no que acreditar.
— Bem, admito que você tem mais imaginação que ele. Nolan disse que você é
contrabandista de brinquedos.
— O quê?! Quem seria idiota a ponto de contrabandear brinquedos?
— Eu não sei. Mas me pareceu bem mais plausível se for comparado à história do
agente chinês...
— Não sou marginal, Trudy.
— E certamente não tem nenhuma sobrinha. Estamos no depósito e não há
nenhum MacGuffin II à vista, o que significa que você me trouxe para cá por alguma outra
razão, não é?
— Os códigos de espionagem chineses. — Reese apontou para a sacola que ela
carregava. — Eles estão na caixa do boneco. Eu trabalho para a CIA e preciso deles.
— E você espera que eu acredite nisso? — Ela tentou se safar outra vez.
— Olhe você mesma. — Reese afastou um passo e cruzou os braços,
pacientemente. — A caixa está marcada com um "X".
Trudy hesitou, avaliando-o com atenção. Sem deixar de fitá-lo, colocou as sacolas
no chão e retirou a caixa do MacGuffin antes de dar um passo à frente na direção da luz.
Viu com clareza a marca que Reese mencionara.
— Como vou saber se não foi você quem colocou essa marca aí? — insistiu,
recusando-se a acreditar que Nolan fosse o bandido da história.
— Quando? Você não soltou essa caixa desde que pôs as mãos nela.
— Droga! — Trudy praguejou baixinho. — Preciso desse brinquedo, Reese.
— Eu não preciso do boneco. Quero apenas o certificado de garantia que está
dentro da caixa. Os códigos estão anotados lá.
Trudy mordeu os lábios. Leroy não precisaria do certificado.
— Está bem...
Reese estendeu a mão para a caixa, mas ela hesitou em entregá-la.
— Apenas o certificado de garantia... — Abriu a tampa e procurou-o, mas não havia
nada. Avançou um passo para examinar melhor sob a luz. — Deve ter caído no fundo da
caixa...
Retirou o boneco com cuidado e virou a embalagem para sacudi-la com força.
— Trudy...
— Estou procurando, mas não há nada aqui.
— Não é possível! — Reese apanhou a caixa e começou a desmontá-la, aflito.
— O que terá acontecido? Tenho certeza de que estava aqui antes.
— Antes? — Reese a encarou com espanto. — Como você sabe?
— Porque Nolan verificou e... — Ela se calou ao perceber o que acontecera.
— E retirou o encarte com os códigos! — Reese completou, irritado.
— Não! Eu estava observando e não vi nada de... — Parou quando Reese suspirou
e olhou para o teto, impaciente. — Eu juro, vi quando ele recolocou a folha dobrada dentro
da caixa antes de fechar.
— Nolan é um espião treinado, Trudy! Ele está com os códigos.
— Não é possível! Estávamos na fila do caixa quando você me chamou. Virei o
rosto para falar com você e...
— Ela apertou o boneco com força, sentindo-se miserável.
— Oh, não! Você o viu retirar o certificado?
— Não. Eu estava prestando atenção em você.
Ela evitou o olhar de Reese. Então, Nolan a enganara direitinho... Quem poderia
suspeitar que, sob a aparência calma e distraída se escondia um agente hábil e eficiente?
Por alguma estranha razão, a descoberta a deixou ainda mais interessada nele.
— Posso ficar com a caixa? — pediu, sentindo que ficaria doente se aquela situação
perdurasse por mais tempo. — Pelo menos vou dar o presente de Natal do meu sobrinho.
— Trudy preciso da sua ajuda. Nolan está escondido em algum lugar neste depósito
com aqueles códigos. Ajude-nos a encontrá-lo. Chame por ele, e quando nós o levarmos
daqui...
— Não! Vocês vão machucá-lo!
Reese balançou a cabeça em negativa e se aproximou.
— Você tem assistido a muitos filmes policiais, querida. Espiões não machucam as
pessoas. Apenas colhem informações, e é tudo o que farei. Quero somente os códigos.
— Ele sorriu e o rosto angelical se iluminou. — Chame Nolan, Trudy. Ele gosta de
você e virá socorrê-la.
— E você vai pegar os códigos e deixá-lo ir para casa sem nenhum arranhão?
—Isso mesmo. Então, você poderá ficar com seu MacGuffin e ir embora depois de
ter feito uma boa ação para seu país.
— Acrescentou ao vê-la hesitar: — Claro, terei de verificar o boneco para ter certeza
de que não há mais nada nele.
— Não sei...
— Vamos, Trudy... Vai confiar em mim ou no homem que mentiu para você?
— Boa pergunta... — ela murmurou.
Sem saber o que fazer, mantinha o boneco preso sob o braço, junto com as sacolas
de compras e a bolsa. Olhou por sobre o ombro dele e divisou a porta. Conseguiria correr
rápido o bastante para não ser apanhada?
— Trudy?
— Vou confiar no homem que mentiu — afirmou, empurrando-o com força.
A surpresa do ataque confundiu Reese e deu a Trudy o tempo que ela precisava
para retirar o spray de pimenta da bolsa. Antes que o rapaz desse por si, ela espirrou todo
o conteúdo da bisnaga no rosto dele.
O efeito foi imediato. Reese gritou e esfregou os olhos com desespero, respirando
com dificuldade. O rosto bonito se tornou vermelho-escarlate. Ele estendeu o braço e tateou
às cegas, tentando encontrá-la.
Se ele realmente fosse um agente da CIA, estaria escolhendo a opção errada. Mas,
por outro lado...
Não havia outro lado, Trudy refletiu. Ela acabara de atacar o mocinho.
— O que você fez com Reese?
Ela abriu a boca para gritar, porém a mão de Nolan cobriu-lhe a boca e puxou-a de
encontro a ele. Arrastou-a para trás das caixas fora do círculo de luz e somente então a
libertou.
— Eu o tirei de ação — explicou ofegante. — Como sabia que eu estava aqui?
— Imaginei, já que os gritos dele foram altos o bastante para alertar toda a
vizinhança. Você já deveria ter saído.
— E você deveria ser o mocinho — ela retrucou em voz baixa. — Roubou o
certificado de garantia, seu bastardo!
— Sim, e daí?
— Você não é policial! É agente do governo chinês.
— Foi o que ele lhe disse? — Nolan riu. — Reese é o agente do governo chinês.
Trudy olhou para onde supunha que ele estivesse, já que a escuridão não permitia
enxergar um palmo diante do nariz.
— Os bonecos MacGuffin são fabricados na China. A caixa que você encontrou foi
enviada no ano passado, junto com o restante da carga. Nós descobrimos que estava per-
dida e foi por isso que...
— "Nós", quem? — ela o interrompeu. — Não, espere! Já conheço essa parte. Você
é da CIA.
— Não. Sou da...
— Não quero saber, Nolan! Não importa o que você diga, sei que é mentira. Você
acha que sou estúpida a ponto de acreditar que o serviço secreto chinês coloca códigos em
bonecos? Por que não usam e-mails?
— Computadores podem ser violados.
— E bonecos não podem?
— Quem iria suspeitar de bonecos? Além disso, os códigos podem facilmente se
confundir com palavras e números impressos em certificados de garantia ou manuais de
instrução. É muito eficiente. — Nolan suspirou. — Tão eficiente que não conseguimos
localizar todos os brinquedos marcados que foram enviados no ano passado.
— Então, você está atrás de códigos do ano passado? Quem iria querer códigos
antigos? Não subestime minha inteligência, Nolan! Sua história precisa ser mais criativa
para me convencer.
— Nós precisamos dos códigos antigos para decifrar os atuais. E é o que vai
acontecer agora mesmo.
— Agora mesmo... — ela ecoou incrédula.
— Eu já tirei o encarte da caixa do seu MacGuffin. Se você desse o boneco para
Reese, ele ficaria feliz e a deixaria em paz.
— Acontece que ele já descobriu que você está com os códigos. E saiba que sua
história não me convenceu. Só que eu não me importo, contanto que Leroy...
— Eu sei, eu sei... — Nolan suspirou. — Contanto que Leroy receba seu MacGuffin.
Não acredito que prometi isso para você! Vou acabar levando um tiro por causa de um
boneco estúpido.
— Mesmo que isso aconteça, valerá a pena, pois você estará salvando o Natal de
uma criança. Será um ato heroico.
— Não gosto da ideia de ser baleado. Ouça eis o que faremos: pegue seu spray de
pimenta...
— Eu esvaziei a bisnaga em Reese.
— Ótimo! — Ele bufou, exasperado.
— Bem, eu nunca tive de usá-lo antes. Estava nervosa e apertei o pino até o fim.
— Ela pressentiu o olhar preocupado de Nolan e se apressou em esclarecer: — Estou bem,
agora. E não precisamos do spray de pimenta. Vi muitos filmes de ação e sei como
imobilizar um oponente...
— Está maluca? Você não é Rambo! Apenas corra para a maldita porta.
Ela colocou o boneco sob o braço enquanto tentava se lembrar de outras possíveis
armas na bolsa. Definitivamente, não saíra de casa preparada para a véspera de Natal.
Não tinha sequer um alicate de unha...
— Espere um pouco!
Trudy retirou da sacola a caixa da boneca que havia comprado para a irmã, pondo-
se a rasgar o plástico da embalagem.
— O que está fazendo? — Nolan questionou.
— Procurando uma arma. — Abriu a bolsa de manicure e encontrou a falsa lixa de
unhas de plástico resistente, exatamente como se lembrava. — Ah! Eu sabia! Posso usá-
la como uma faca e...
— Trudy, você não vai lutar com ninguém!
— Como você sabe? Um dos bandidos está amarrado e amordaçado na escada,
Reese está temporariamente sem visão, Deus queira que não para sempre. Onde está o
terceiro homem?
— Ele se foi, mas tenho certeza de que voltará com mais alguns brutamontes.
Temos de nos apressar.
— Pois então! — Ela ergueu o queixo em triunfo. —Vou fazer o que está pedindo,
mas antes, quero ter certeza de que estarei preparada se alguém me atacar — avisou,
colocando a lixa pontiaguda no bolso do casaco.
— Precisamos de alguma coisa para chamar a atenção
— Nolan refletiu em voz alta. — É pena que a granada na mão do MacGuffin não
funcione.
— Mas ele tem um rifle que deve fazer algum tipo de ruído... — Trudy tateou o
braço do boneco e desprendeu a arma. — O que é isso na ponta do cano?
— Um silenciador. — E Nolan completou num murmúrio: — Se ao menos eu tivesse
um para colocar em você...
— Quer dizer que o disparo da arma de brinquedo vai soar mais alto sem o
silenciador?
— Não puxe o gatilho dessa coisa — ele advertiu. — Não sabemos o que pode
fazer.
Nolan espiou por trás do caixote e Trudy recuou, examinando a arma com atenção.
Era algo terrível de se dar a uma criança. O que as pessoas pensavam? Que os conflitos
deveriam ser resolvidos com uma arma de fogo?
Tentou retirar o silenciador, e o ruído da embalagem de plástico duro ecoou como
o rugir de um trovão.
— Fique quieta! — Nolan disse por entre os dentes, irritado.
O silenciador parecia pesado para algo feito de plástico. Trudy enfiou a mão na
bolsa e retirou o celular. Abriu-o e usou a iluminação do visor para examinar o interior do
cilindro. Havia algo retangular, com uma marca esbranquiçada.
— Nolan, veja isto.
Ele se aproximou e soltou uma exclamação abafada.
— Há um chip no interior do cano. Esse boneco continha muito mais do que os
códigos no encarte. — Beijou-a nos lábios e sorriu. — Você é um gênio, Trudy!
O contato do braço pressionado contra ela e o calor do beijo deram-lhe a certeza
de que tudo ficaria bem.
— Isso não é bom... Ou é?
— Querida, é maravilhoso! Você tem ideia do que acabou de descobrir?
— O objeto que Reese me mataria para conseguir?
— Ele não ia matá-la. Dê-me o boneco.
— Não! Pode ficar com o silenciador, mas não vou dar o... Ela ouviu um ruído
abafado e se calou. Nolan aproximou-se e cochichou ao ouvido dela:
— Reese deve estar nos procurando. Preciso do chip.
Trudy franziu o cenho quando ele começou a vasculhar as sacolas até encontrar o
rolo de fita adesiva que havia comprado para embrulhar o presente do sobrinho. Observou-
o prender o silenciador no corrimão da escada, envolvendo-o com a fita.
— Muito bem. O chip ficará seguro aqui. Agora, vamos embora. — Ele segurou-a
pelo braço, e Trudy abraçou todas as sacolas com uma só mão. — Reese deve estar por
perto, mas o efeito do spray ainda não passou. Duvido que ele consiga abrir os olhos.
Mesmo assim, vou distraí-lo, e dessa vez corra para a porta mesmo que seu telefone toque.
— E como você vai distraí-lo?
— Dê-me aquela vaca.
— Vaca?!
— Sim, aquela vaca de pelúcia que você comprou. Ela fala, não é?
— Sim. Ela diz: "Beba leite".
— Eu sei. Dê-me a vaquinha agora.
Ele estendeu a mão, num gesto autoritário.
— Você vai sair sem me dar um beijo de despedida?
— Não. Vou com você dessa vez.
— Ótimo! Assim, me sentirei melhor.
Trudy se encostou à parede e respirou fundo, caminhando com passadas leves até
a fileira de estrados perto da porta. Nolan deu corda no brinquedo e segurou o pino com
uma das mãos, fazendo um gesto para que ela corresse. Esperou que desse dois passos
e colocou o brinquedo no chão.
Se a situação não fosse tão tensa, Trudy teria gargalhado. Era quase surreal ver
aquela vaquinha de pelúcia marchando pelo chão empoeirado, e a cada vez que abria a
boca, a gravação imitando um mugido parecia estremecer as paredes do depósito
silencioso.
Reese apareceu à frente deles como num passe de mágica. Os olhos ainda
estavam vermelhos e irritados, mas a arma nas mãos dele indicava que estava enxergando
perfeitamente bem.
Nolan o golpeou com um chute certeiro no abdômen e empurrou Trudy na direção
da saída. Ela ouviu o baque surdo de um corpo caindo no chão e não conteve o impulso de
olhar para trás.
— Corra! — Nolan gritou, um segundo antes que a explosão de um tiro cortasse o
ar.
Sentindo a pulsação nos tímpanos, ela disparou para fora e atravessou a rua
escura. Parou para recuperar o fôlego e olhou para os lados. Tinha de pedir ajuda, pensou
desesperada. Nolan podia estar se esvaindo em sangue dentro daquele galpão e ela jamais
se perdoaria se...
— Dê-me o boneco!
Seus pensamentos foram interrompidos quando a mão pesada recaiu sobre seu
braço, e ela se esquivou com um safanão.
— Nunca! — gritou, atacando o homem que a abordara com as sacolas.
Ele ergueu os braços para proteger a cabeça, e foi quando Trudy viu o coldre da
arma sob a jaqueta.
Lembrando-se dos filmes de ação, girou o cotovelo e acertou-o no nariz. A seguir,
tirou a lixa de unha do bolso do casaco e fincou-a na perna do assaltante, que caiu no chão
com um grito de dor.
Apavorada, olhou ao redor e avistou um beco escuro, ideal para se esconder.
Porém, quando se preparou para correr, alguém a envolveu pela cintura e a prendeu de
encontro ao corpo.
— Não! — gritou, tentando se desvencilhar dos braços.
— Pare de se debater! Sou eu — Nolan disse ao ouvido dela. — Dê-me o boneco.
— Não!
Furiosa, ela projetou a cabeça para trás com toda a força. Nolan praguejou ao ser
atingido no nariz, mas não aliviou a pressão do braço que a prendia.
— Trudy, pare! Por que você não torna as coisas mais fáceis?
— Bastardo! Você prometeu me dar o boneco!
— Dê-me o MacGuffin, ou vou detê-la por obstruir a justiça.
— Vá para o inferno, Nolan! Você teria de ser um policial de verdade para me deter.
Como não é, sou eu quem vai processá-lo por rapto!
— Já que você quer assim...
Com um gesto rápido, ele a girou e prendeu os braços por trás das costas. As
sacolas caíram e Trudy tentou desesperadamente apanhá-las, mas por mais que lutasse,
seria impossível se libertar. Então, sentiu o contato frio ao redor dos pulsos, seguido de um
estalido metálico.
— O que você está fazendo?! —esbravejou, cerrando os dentes.
— Estou colocando as algemas em você — ele explicou com frieza. — Não diga
que não avisei.
Nolan pousou as mãos nos ombros dela e virou-a gentilmente.
— Não vou raptá-la, Trudy.
— É mesmo? — Os cabelos caíam sobre seus olhos e ela não conseguiu tirá-los,
o que a deixou ainda mais furiosa. — Você e Reese haviam combinado tudo. Aposto que
aquele tiro no depósito foi de festim! Como fui estúpida por me preocupar com você!
Nolan sorriu e apanhou as sacolas do chão. Levou-a com delicadeza para o outro
lado da rua e somente então ela percebeu que as portas duplas da entrada estavam
abertas. Surpreendeu-se ao ver três carros no interior do depósito. Um policial fardado
algemava Reese e ela reconheceu o rapaz que Nolan deixara amarrado na escada,
também algemado, dentro de um dos automóveis.
— Não estou trabalhando com Reese — Nolan esclareceu. —Até quando você vai
insistir com essa história?
— Não vejo nenhuma insígnia do departamento de polícia nos carros. Na verdade,
não vejo insígnia alguma! — ela Rosnou.
Nolan parou sob o círculo de luz proporcionado pela lâmpada no teto e retirou uma
carteira de couro do bolso.
— ANS... — Trudy leu com um muxoxo de desprezo. — Muito engraçado! Além da
insígnia da Agência Nacional de Segurança, você tem alguma da CIA ou do FBI também?
Acha que sou idiota para acreditar nisso?
— Trudy, trabalho para a Agência Nacional de Segurança e Reese é agente duplo.
Estou realmente tentando ajudá-la.
— Ah... E por isso que estou algemada?
— Exatamente. Tive de algemá-la porque você se recusava a acreditar em mim.
Estou trabalhando neste caso há dois anos e espero conseguir uma promoção, mas você
me atrapalhou o tempo todo.
— Ótimo! Então, algemar uma mulher indefesa e roubar o presente de Natal do
sobrinho dela não importa desde que você consiga ser promovido?
— "Indefesa" é questionável, Trudy. — Nolan passou pelo homem que a abordara
momentos antes, cujo nariz e perna sangravam copiosamente. — Você deve desculpas a
Alex.
— Ele me atacou!
— Ele estava tentando tirá-la daqui em segurança. É um dos nossos.
— Estava tentando pegar meu boneco, então, não devo confiar nele. Além disso...
— Calou-se ao ver a mulher que estava na frente dela na fila da loja. — Quem diabos é
ela?
— Minha chefe — Nolan explicou.
Trudy esperou até pararem diante da mulher e encarou-a com expressão séria.
— Esse homem realmente trabalha para a Agência de Segurança Nacional?
— Sim — a mulher respondeu sem nenhuma expressão, o que a deixou ainda mais
confusa.
— Bem, ele me assediou — ela disse em tom triunfante, esperando a reação da
chefe de Nolan.
Para seu desgosto, a mulher apenas esboçou um sorriso sem se dignar a encará-
lo.
— Isso não me surpreende — disse, estendendo a mão para pegar o boneco.
— Bastardo! — Trudy gritou ao vê-lo entregar sem hesitar.
— Trudy, trata-se de um assunto de segurança nacional.
— Não, não se trata! Você ficou com os códigos quando pegou o encarte e
escondeu o chip que eu tirei do silenciador. Não precisa do boneco. Você não se importa
se uma criancinha vai acordar amanhã e descobrir que seu mundo não passa de uma
mentira, que todas as esperanças se desmoronaram porque...
— Trudy... — ele murmurou numa súplica.
— Tudo que você quer é uma promoção! — ela concluiu, recuando para evitar o
contato da mão em seu braço. — Vocês, homens, são todos iguais! Agora, faça o favor de
tirar as algemas. Tenho de ir para casa consolar meu sobrinho.
— Mas antes você tem de prometer que vai parar de bater nas pessoas.
— Ótimo. Eu prometo.
Assim que se viu livre das algemas, Trudy o esmurrou no queixo.
— Ei! — Nolan gemeu, massageando o maxilar. —Você prometeu!
— Decidi imitá-lo, e não cumpri minha promessa. Você também prometeu que eu
poderia confiar em você. — A resposta foi acompanhada de um sorriso vingativo. — Precisa
de mim para mais alguma coisa, ou posso voltar para minha devastada família?
— Gostaria de fazer algumas perguntas. — A mulher fez um gesto na direção de
um dos carros. — Vamos levá-la para casa daqui a algumas horas.
— Concordo, contanto que me devolvam o boneco.
— Infelizmente, não posso devolvê-lo.
— Aqui estão suas sacolas. — Nolan tentou sorrir, num gesto de paz.
— Já não servem mais para nada. As caixas estão amassadas e sujas. — Sem
olhar para ele, Trudy caminhou na direção do carro.
— Trudy, seja razoável... — Nolan suplicou, seguindo-a. — Este é um assunto de
segurança nacional.
Ela se virou bruscamente, e Nolan esbarrou na barreira macia do corpo quente.
— Não deveria ter me beijado e dito que eu poderia confiar em você. Não deveria
ter feito com que eu acreditasse novamente. Poderia ter me deixado com minha dignidade,
mas, não! Tinha de me humilhar.
— Isso não é justo.
— É por isso que te odeio. É por isso que meu sobrinho vai odiar o pai dele, a mãe
e a mim amanhã, quando descobrir que não existe Papai Noel. E ele terá razão por nos
odiar, assim como tenho por odiar você, Nolan!
Virou-se para entrar no carro e Nolan segurou-a pelo braço.
— Trudy, sinto muito...
Ela o repeliu com força e se acomodou no assento de trás, batendo a porta no nariz
dele.
CAPÍTULO III
Trudy telefonou para Courtney a fim de avisar que estava bem. Então, encarou a
chefe de Nolan, que começou a fazer perguntas de forma polida e gentil, mas nada disso
fez com que se sentisse melhor.
Passava da meia-noite quando foi liberada. Apanhou as sacolas e se acomodou no
banco de trás do carro, consolando-se com ideia de que, apesar de ter perdido a ceia com
sua pequena família, ao menos ainda estava viva.
A incômoda sensação de fracasso a atormentava. Se tivesse seguido sua intuição
e não acreditado em Nolan ou Reese, não teria entrado naquele táxi, não teria falado com
Nolan, e ele jamais saberia sobre o boneco. Leroy poderia tê-lo na manhã seguinte e não
carregaria pela vida afora um trauma que jamais conseguiria superar.
Sentiu um aperto na garganta e obrigou-se a não chorar, não diante dos dois
agentes de segurança nacional que a levavam para casa.
O carro parou defronte ao sobrado semi-escondido pela neve e ela se despediu,
desejando-lhes um feliz Natal, apesar de tudo.
Entrou na ponta dos pés e Courtney a chamou da penumbra da sala de estar. Trudy
a encontrou a no sofá com um copo na mão e os pés apoiados na mesa de centro. A lareira
estava acesa e o brilho das chamas se refletia na árvore de Natal. Uma melodia natalina
ecoava ao fundo.
— E então? Você conseguiu o MacGuffin II?
— Não. — Trudy colocou as sacolas de caixas amassadas sobre a mesa e se
sentou ao lado da irmã. — Os agentes federais o levaram por razões de segurança
nacional.
— Agentes federais?
— Descobri que Nolan trabalha para a Agência de Segurança Nacional.
Inacreditável!
— Eu acredito. — Courtney permanecia imóvel com os olhos fixos no fogo. — E o
meu destino. Até o governo está contra mim.
— E não acaba aí. Reese trabalha como agente para o governo chinês.
— Bem, ao menos você passou a noite de Natal com dois homens... — Courtney
apanhou o copo e fez uma careta ao perceber que estava vazio. — Por que eles queriam
o boneco, afinal?
— Porque continham os códigos dos espiões chineses no certificado de garantia, e
descobri que havia mais alguma coisa no silenciador do brinquedo.
— Código dos espiões chineses?
— Eu mesma não acreditaria se alguém me contasse. — Ela suspirou e se
levantou. — Preciso beber alguma coisa.
Seguiu para a cozinha, que mais se parecia um campo de batalha, com calda de
chocolate espalhada por todos os lados, a pia transbordando de louça suja e nenhum copo
limpo à vista.
— O Natal não costumava ser tão violento... — comentou ao voltar com uma caneca
de vinho tinto, sem que a irmã tivesse se movido.
Sentou-se e tomou pequenos goles, pensativa. Nolan... Por que não conseguia
esquecê-lo?
— Bem, apesar de tudo, algo de bom aconteceu esta noite. — Desviou o curso dos
pensamentos e se inclinou para apanhar as sacolas. — Eu lhe trouxe um presente.
Courtney ergueu ligeiramente a cabeça.
— Contém gim?
— Não, mas você vai gostar assim mesmo.
Trudy apanhou a caixa com a boneca e entregou-a para a irmã, que olhou por um
momento até que encontrasse o foco. Sentou-se devagar e entreabriu os lábios com a
surpresa.
— Onde você conseguiu?
— Na mesma loja em que comprei o MacGuffin. Estão fabricando novamente.
Courtney rasgou o papel com ansiedade para retirar a boneca e a bolsa de
manicure.
— Não são as mesmas cores que a antiga...
— Sinto muito, Court. Eu...
— Estas são muito melhores! Veja! As unhas dela são maiores!
— E tinham mesmo de ser, para que crianças pequenas consigam pintá-las —
Trudy comentou com expressão ausente.
Ao menos, uma coisa havia dado certo naquela noite. O pior viria na manhã
seguinte. Pobre Leroy...
Tomou mais um gole de vinho e avaliou a irmã, que estudava a boneca com uma
expressão estranha no rosto, o que era natural, já que estava embriagada.
O que diria ao sobrinho? Sinto muito sobre seu boneco, Leroy, mas o Papai Noel
lhe mandou esta bela vaquinha....
Então, lembrou-se de que a vaquinha fora usada para distrair os bandidos.
Droga!
Leroy ficaria desapontado e o rostinho angelical mostraria a mesma tristeza que ela
vira quando o pai o havia abandonado.
Homens...
Corrigiu-se a tempo. Não era justo crucificar todos os homens da face da Terra.
Afinal, Nolan havia arriscado a vida por ela. Pensando bem, por que ele entrara naquele
táxi, se já tinha os códigos?
— Sabe de uma coisa? — disse de súbito. — Acho que ele entrou no táxi para me
salvar.
Courtney desviou os olhos da boneca para fitá-la.
— Quem?
— Nolan. — Sorriu ao ver a irmã pintar cuidadosamente as unhas, desperta e
aparentemente sóbria. — Se ele já havia retirado os códigos que precisava, por que teria
me seguido? Talvez se preocupe comigo, mais do que se preocupava com os códigos...
Courtney resmungou alguma coisa e voltou a pintar as unhas da boneca,
concentrada na tarefa. Não parecia particularmente feliz, embora estivesse se divertindo.
Já era alguma coisa.
Bem, então, Nolan trabalhava para o governo...
Trudy retomou o curso do pensamento. Era óbvio que tivera de mentir. Afinal, agia
sob disfarce. E se entrara no táxi sem precisar, se fora com ela para salvá-la, talvez fosse
um bom homem.
— O que está cantando? — Distraiu-se com a música que a irmã cantarolava.
— Santa Baby — Courtney esclareceu depois de pintar a última unha. — Oh...
— O que foi?
Courtney despejou o conteúdo da bolsinha sobre a mesa e classificou-os numa
fileira organizada.
— Veja isso! A boneca antiga não tinha tantos apetrechos! Há uma tesourinha e
um alicate de cutícula que não funcionam, é claro, mas são uma gracinha!
— Espere um pouco... — Trudy se inclinou, interessada. — Essa lixa de unha não
deveria estar aqui. Eu a usei para me defender... Na verdade, cravei-a na perna de um
agente federal.
— Você... O quê?
— Oh, não importa. — Estava cansada demais para explicar. — Não sei como ela
foi parar dentro da bolsa. A menos que...
Trudy apanhou a caixa do chão e notou um enorme "X" rabiscado no papelão.
Suas esperanças desmoronaram. Então, era por isso que Reese havia comprado
àquela boneca e Nolan entrara no táxi atrás deles... Não estava tentando salvá-la, e sim,
atrás de mais códigos secretos.
— Nolan me deu a boneca errada no depósito — murmurou, deixando-se cair
pesadamente no sofá. — Reese estava com uma exatamente igual à minha, e os agentes
devem ter trocado as caixas quando esvaziaram as sacolas para examiná-las.
— Isso quer dizer que esta inocente boneca contém códigos secretos? — Courtney
perguntou, excitada, e retirou o certificado de garantia da caixa. — Você quer dizer que este
texto inofensivo esconde segredos de Estado?
— É o que tudo indica. — Trudy suspirou e estendeu a mão para a bolsa de
manicure sobre a mesa. — Deixe-me ver isso...
— O que está fazendo?
— Agindo como espiã — ela informou, desprendendo o fundo da bolsa e
separando-a em duas metades. — Nolan viu Reese sair da loja com uma boneca como a
que eu lhe dei, e foi atrás dele para pegá-la. Isso significa que, quando perceber que me
deu a caixa errada, virá aqui para reavê-la.
— Oh... E isso é bom, não é? Assim, você poderá vê-lo mais uma vez e...
— Não quero vê-lo. — Ela colocou as duas metades da bolsa na mesa. — Está
tudo bem. Eu não me importo com mais um sonho destruído.
— Está se referindo à boneca ou a Nolan?
— Aos dois... — murmurou, sentindo-se doente e tola.
— Quer um pouco de gim? — Solidária Courtney estendeu o copo para ela.
— Não, obrigada. Sou tão estúpida que acreditei naquele bastardo mesmo sabendo
que estava mentindo. Cheguei a pensar que ele tinha entrado naquele táxi para me salvar...
— Mas ele a salvou, no final das contas.
— Sim, por acaso, quando tentava recuperar a boneca. E agora, estou sozinha e
Leroy não terá seu MacGuffin. Percebe até onde chega minha estupidez?
— Você não é estúpida, Tru.
— Sim, eu sou... E eu menti. Ainda sinto vontade de vê-lo... Ele roubou o sonho de
Leroy, e ainda quero vê-lo. Quero matá-lo, mas também quero vê-lo.
— Sei como se sente. Odeio Pres, mas o aceitaria de volta.
— Preston vai voltar. Quando a novidade da paixão se acabar, ele vai sentir falta
da casa confortável, do filho adorável e da bela esposa que tinha. E espero que você bata
a porta na cara dele, assim como vou fazer quando Nolan vier buscar a boneca.
— Esqueça Preston — Courtney resmungou com voz pastosa. — Fale sobre Nolan.
Ele disse que telefonaria? Como se despediu?
— Ele disse que sentia muito pelo que aconteceu.
— E o que você respondeu?
— Nada.
— Não acha que está exagerando?
— Não. Quero que ele desapareça!
— Nolan parecia ser um bom rapaz quando você saía com ele.
— Ele é ótimo. Mas papai também era bom na maior parte do tempo. Foi por isso
que acreditávamos nele e o perdoamos por ser ausente e ter trocado mamãe por uma
mulher com idade para ser nossa irmã. Não quero um relacionamento como o que eles
tiveram.
— Sei do que está falando. Foi quase um alívio quando Pres foi embora, porque
pude finalmente parar de sofrer desapontamentos. Exceto por Leroy, que ficou arrasado.
Não quero nem pensar no que ele vai sentir amanhã cedo, quando o presente que esperava
ganhar não estiver sob a árvore.
— Court, eu juro que tentei... — Trudy enxugou as lágrimas. — Deveríamos ter
contado que Papai Noel não existe e que não haveria nenhum MacGuffin II. Assim, a
decepção seria menor. E o pior é pensar que o pestinha do Brandon foi o único que falou a
verdade para ele...
— Odeio o Natal! Exceto por isso... — Courtney apontou para a boneca esquecida
sobre a mesa. — Nunca vou me esquecer que você quase morreu tentando trazer o
presente para Leroy, nem que me deu essa boneca tentando trazer a felicidade que eu
devia ter sentido vinte anos atrás... É bom saber que você estará comigo amanhã cedo,
ajudando-me a consolar Leroy. Gosto dessa parte do Natal.
Courtney se aproximou e apoiou a cabeça no ombro da irmã.
— Sim... — Trudy a abraçou. — E eu gosto da parte em que você espera por mim
e diz que não sou uma idiota por ainda desejar aquele bastardo.
— Então, não é tão mal assim. — Courtney se afastou e apanhou o copo de gim.
— O que vamos dizer a Leroy amanhã? Que o presente dele caiu do trenó do Papai Noel?
— Que tal: "Tia Trudy tinha conseguido um MacGuffin para você, mas o governo
dos EUA mentiu para ela e o levou embora"?
— Bem, ele é maduro para a idade, mas não seremos capazes de explicar de modo
que ele compreenda.
— Nesse caso, vamos improvisar. Agora, tenho de dormir. Trudy se levantou e
seguiu na direção da escada, arrastando-se com dificuldade. Ao chegar ao topo, ainda
ouviu Santa Baby ecoar no rádio na voz de Madonna.
Na manhã seguinte, Trudy sentou-se no chão ao lado da árvore de Natal e dobrou
as pernas sob o corpo enquanto Courtney preparava um café forte para curar a ressaca e
Leroy abria os presentes. Quando terminou, olhou para ela com expressão frustrada.
— Onde está meu MacGuffin?
— Não está aí? Meu Deus, querido, deve ter caído do trenó do Papai Noel quando
ele vinha para cá!
O menino encarou-a com a versão infantil do que queria dizer: "Você acha que sou
idiota?" Trudy respirou fundo.
— Leroy, vou lhe contar a verdade. Não... — A campainha soou e ela parou de
falar, grata pela interrupção. — Espere aqui, querido.
Correu para o hall e espiou pelo olho mágico através da guirlanda dourada que
enfeitava a porta.
Nolan estava parado do lado de fora, com expressão firme e decidida. Segurava
dois embrulhos de presente e os cabelos escuros e o casaco estavam salpicados de flocos
de neve.
— Ora, veja! Um milagre de Natal! — ela exclamou ao abrir a porta.
— Feliz Natal, Trudy.
— Estava começando a explicar ao meu sobrinho de cinco anos que não existe
Papai Noel. Você poderia voltar em outra ocasião? Nunca será perfeito para mim.
— Não diga nada ao seu sobrinho. Eu vim salvá-la.
— O quê?
— Veja...
Ele afastou com cuidado o papel de presente de uma das caixas e Trudy se
esqueceu de respirar.
— Você deve estar brincando! — exclamou ao ver o MacGuffin II com uma careta
ainda mais feia que a do antigo. — Como você conseguiu?!
— Isso é estritamente confidencial. — Nolan esboçou um sorriso. — Eu poderia lhe
dizer, mas depois teria de matá-la.
Trudy fechou a embalagem e uma onda de esperança cresceu em seu peito. Talvez
ele não fosse um completo imbecil, afinal. Então, lembrou-se do que realmente queria: a
boneca que lhe entregara por engano.
— Você chegou tarde demais. — Estendeu a caixa de volta para ele.
— Tarde demais? São seis horas da manhã! Não dormi e estou congelando. Quer
fazer o favor de pegar esse boneco e me convidar para entrar?
— Eu já disse que... — Calou-se quando Nolan olhou por sobre o ombro dela e
sorriu.
Trudy se virou para ver Leroy fitando-os com expectativa, parecendo ainda menor
naquele pijama de flanela.
— O que é isso? — Ele apontou para a sacola com o presente.
— Não sei. Encontrei caído no jardim. Acho que caiu do trenó do Papai Noel quando
ele passou por aqui — Nolan explicou, estendendo-o para Leroy.
Assim que rasgou o papel, os olhinhos do menino se arregalaram.
— Tia Tru! Você estava certa! Papai Noel deixou o boneco cair do trenó! — Leroy
correu para dentro da casa e parou bruscamente. — Muito obrigado por encontrá-lo para
mim!
Trudy sentiu os olhos se encherem de lágrimas ao ver a felicidade do sobrinho.
— Ele é adorável — Nolan comentou com um sorriso.
— Obrigada. Bem, eu o convidaria para entrar, mas ainda estou furiosa com você.
Então, até logo. Feliz Natal. Tenha uma boa vida em algum lugar bem longe de mim!
— E Trudy fechou a porta no nariz dele.
— Se você não dormir com ele, eu dormirei!
— Courtney disse atrás dela. — Ele conseguiu um MacGuffin II para meu filho.
Esqueceu o gás tóxico extra, mas quem se importa?
— Ele não vai embora — Trudy a tranquilizou e a campainha tocou novamente. —
Está vendo? Voltou para pegar a boneca. Ele está aqui por causa dela — avisou ao abrir a
porta.
— Eu me esqueci disto... — Nolan estendeu outro embrulho. — São os refis de gás
tóxico extra.
— O que você acha de namorar mulheres com filhos?
— Courtney perguntou com um sorriso largo.
— Vá buscar a boneca — Trudy ordenou, irritada, empurrando-a para a sala.
Nolan se recostou à porta. Olheiras profundas marcavam o rosto cansado, e os
cabelos estavam no mais completo desalinho.
— Sei que está furiosa e não a culpo, mas gostaria de vê-la novamente.
Começamos mal porque estávamos mentindo um para o outro...
— Nunca menti para você! — Trudy retrucou, indignada.
— Você gosta de festas na universidade? Queria mesmo ver a mostra de filmes
chineses?
— Estava tentando combinar com seu mundo — ela justificou. — Isso não deve ser
classificado como mentira.
— Bem, vou aceitar seu argumento, desde que você aceite meu convite para jantar.
Trudy se recostou no outro lado da porta, observando a neve cair atrás dele.
— Se eu não o conhecesse tão bem, ficaria feliz com seu discurso. Mas sei por que
você está aqui. Diga-me a verdade e poderá ter o que quiser. E então, vá embora para
sempre.
— Se eu for embora para sempre, não terei o que quero — ele argumentou com
um sorriso.
— Muito engraçado! Está bem, pode parar com seu jogo idiota. Courtney foi buscar
a boneca.
— Que boneca?
— A mesma que você marcou com um "X", como o MacGuffin. Sei que é por isso
que...
Ela se interrompeu quando a expressão de Nolan mudou de exausta para alerta.
— Tenho de vê-la!
Ele a afastou do caminho e entrou, quase trombando em Courtney.
— Olá. Sou Courtney, irmã de Trudy.
— Prazer em conhecê-la, Courtney — saudou-a, apanhando a boneca das mãos
dela.
— Eu já verifiquei, e o certificado de garantia está dentro da caixa — Trudy
informou. — O chip deve estar escondido sob uma das unhas dessa vez. São muito maiores
que as das bonecas antigas.
— Você deve estar brincando! — Nolan abriu a caixa e retirou a boneca. — Você
não está brincando! — reformulou ao encontrar um chip escondido debaixo da unha do
dedo anular. — Tenho de fazer um telefonema.
Saiu em disparada, batendo a porta atrás de si.
Trudy ficou paralisada no lugar. Então, ele não sabia sobre a boneca?
Courtney andou na ponta dos pés e espiou pelo olho mágico.
— Ele está falando ao celular.
— É mesmo? — Trudy murmurou ausente. Ele realmente não sabia sobre a
boneca!
— Está mesmo interessado em você, Tru.
— Talvez... — ela respondeu quando a campainha soou.
— Vou ver o que Leroy está aprontando com o brinquedo novo — a irmã disse, e
voltou para a sala.
Trudy respirou fundo antes de abrir a porta.
— O mérito de uma grande descoberta é todo seu, Trudy. Já pensou em trabalhar
para o serviço secreto? — O olhar sedutor encontrou o dela, tirando-lhe a respiração. —
Agora, quero falar sobre nós dois.
— Nós dois?
— Sim, nós dois. Você tem razão por ter ficado brava comigo na noite passada. No
entanto, peço que se lembre que mantive minha promessa.
Ele estendeu o outro pacote que escondia às costas.
— Mas o que...
— Abra.
Trudy obedeceu e riu ao ver o MacGuffin I. A caixa se fora, mas era o mesmo
boneco.
— Tiveram de retirar o rifle e tentei colocá-lo de volta... Ela riu e limpou a sujeira no
rosto do boneco. Parte de uma das sobrancelhas se fora, como se tivesse se transformado
numa cicatriz. Parecia melhor agora, pensou. Estava mais vulnerável e humano.
— Não encontrei a caixa. As botas estão um pouco arranhadas, mas...
— Como conseguiu convencer sua chefe a devolvê-lo?
— Eu não dei muita escolha, já que, agora, eu sou o chefe. Meu futuro dependia
disso.
Trudy pestanejou atônita.
— Eu presumi que você jamais aceitaria sair comigo se eu não trouxesse o boneco.
— Nolan, você entrou naquele táxi quando já tinha os códigos, não é? Foi à agência
que o mandou seguir Reese?
— Não. O carro estava sob vigilância.
— Então, por que você entrou?
— Eu não tinha certeza de que realmente era seguro.
— Você estava me protegendo...
— Sim. E foi a melhor coisa que fiz. Desmascarei a quadrilha e consegui a
promoção. E agora, temos todos os códigos de que precisávamos. Você foi genial, Trudy.
Ela abraçou o boneco, sentindo as lágrimas saltarem de seus olhos.
— E você foi maravilhoso, Nolan.
Os olhares se encontraram por um longo momento. Beije-me! Ela pensou,
desejando que ele pudesse ler sua mente.
— Tenho de ir...
— Sim, é claro — Trudy tentou sorriu para esconder a decepção.
— Mas gostaria de voltar. Será que nós poderíamos... Bem... Será que eu poderia
vê-la mais tarde?
— Oh, claro! Seria muito bom — Especialmente se você me beijar agora, completou
em segredo.
— Que tal às sete horas?
— Ótimo. — Beije-me, seu idiota!
— Então, nos vemos mais tarde. E uma promessa.
— Acredito em você. Obrigada pelo MacGuffin.
— Não há de quê. Obrigado pelos códigos.
— Nolan, espere...
Quando ele se virou, Trudy segurou na lapela do casaco e se pôs na ponta dos
pés. Beijou-o com ardor, e o contato cálido e úmido aqueceu-lhe a alma.
— Sou louco por você — ele sussurrou quando interrompeu o beijo.
— Eu também sou louca por você — Trudy ecoou, explodindo de felicidade. —
Volte logo.
— Eu voltarei.
Nolan se foi, e o perfil altivo foi encoberto pela neve que caía. Mas ele voltaria.
Havia prometido, e Trudy acreditava nele.
Fechou a porta e foi para a sala a tempo de ver o sobrinho acionar o botão e
espalhar uma densa nuvem de gás tóxico pelo ar.
— Adoro o Natal! — sussurrou com um sorriso ao se juntar a sua família.
LORI FOSTER
REVELAÇÕES DE NATAL
CAPÍTULO I
Eric Bragg ouviu o som ritmado dos saltos altos no corredor. Inquietou-se na cadeira
em antecipação, esperando que a porta se abrisse a qualquer momento.
Conhecia a melodia do caminhar de Maggie, com consciência inata que
exemplificava sua obsessão crescente por ela.
Poderia facilmente identificar o som daqueles passos em meio ao de todos os
outros empregados. Quando o ouvia, o familiar desejo explodia dentro dele, combinado
com a torturante urgência que o consumia. Maggie Carmichael tinha o poder de destituir
sua capacidade de pensar.
Lembrava-se de pouco tempo atrás, quando as passadas eram abafadas pelos
tênis que combinavam com os jeans desbotados e camisetas casuais.
Até o Natal passado, Maggie ficava tão ansiosa para passear pela empresa do pai
que se esquecia das boas maneiras impecáveis na excitação da visita. Costumava
perambular para cima e para baixo pelos corredores com todo o entusiasmo de uma jovem
mulher.
Eric respirou fundo, tentando encontrar mais conforto na ampla cadeira, enquanto
seus músculos se apertavam e o pulso disparava.
Infelizmente, Maggie mal tivera tempo de pôr os pés fora da universidade para
assumir os negócios. Agora, era presidente da empresa, uma circunstância que ele jamais
poderia antever. Talvez, se pudesse, não teria perdido tempo esperando que as diferenças
de idade entre eles se diluíssem sob a influência da experiência e maturidade. Teria
declarado sua paixão e tentado conquistar a mulher dos seus sonhos.
Maggie, porém, não passava de uma adolescente sonhadora e ingênua quando a
viu pela primeira vez e se encantou com a graciosidade e o calor que se expandia dela
como uma aura de luz.
Quem poderia imaginar que Drake Carmichael morreria tão inesperadamente de
um ataque cardíaco? Ou que tivesse deixado Maggie, inexperiente e imatura, no comando
da pequena e promissora empresa?
Todos, incluindo a si próprio, esperavam que ele, o homem que servira como braço
direito de Drake por tantos anos, recebesse tal incumbência.
Eric soltou a caneta que estava usando para verificar os itens de uma ordem de
compras e ajeitou os papéis sobre a escrivaninha. Durante muitos anos, na época do Natal,
Maggie costumava visitá-lo no escritório. Ela adorava o Natal e celebrava sua paixão de
todas as formas possíveis. Usava pulseiras de sininhos, laços vermelhos nos cabelos,
brincos com minúsculas bolas de Natal, colares com pingentes de trenó e renas, e passeava
pelos corredores com os guizos da tornozeleira tilintando e anunciando sua alegria aos
quatro ventos. Distribuía presentes e sorrisos, e sempre reservava alguma lembrança
especial para ele.
Com um sorriso nostálgico, enfiou a mão no bolso e tateou o chaveiro com seu
nome gravado que recebera no ano anterior.
Agora, porém, tudo seria diferente. Maggie se tornara sua chefe.
Simulando uma descontração que não sentia, esperou pacientemente que a porta
se abrisse. Mesmo preparado, prendeu a respiração quando ela entrou sem bater.
Maggie não usava um só enfeite que fizesse referência ao Natal. Nada de laços
vermelhos, pingentes coloridos, sininhos e trenós... Era como se a antiga Maggie nunca
tivesse existido. A soma da perda do pai e do peso da responsabilidade a transformara.
Os cabelos negros e rebeldes, que antes eram longos, haviam recebido um corte
sofisticado, pouco abaixo dos ombros.
Quando os viu pela primeira vez, Eric teve a sensação de luto, como se tivesse
perdido para sempre as fantasias eróticas que aqueles fios longos lhe despertaram por
muito tempo. Entretanto, logo se acostumou a fantasiar com o novo estilo. Em vez de
imaginá-la nua, com os cabelos caindo sobre os ombros, encobrindo os seios, passou a
visualizá-la nua, com os cabelos caindo sobre os ombros... Sem esconder os seios.
A verdade era que conhecia o corpo feminino e sensual que as roupas alegres e
descontraídas revelavam no passado, com ingenuidade quase infantil.
Acostumara-se a ver o corpo esbelto dentro de roupas esportivas e casuais. Maggie
sempre usara tops que revelavam a cintura delgada e minissaias que deixavam à mostra
as pernas longas e bem-torneadas. Contudo, agora, também estava escondido sob o
tailleur discreto. Mesmo assim, o simples fato de pensar nela o excitava, talvez por já
conhecer parte do que havia por baixo da absurda armadura que ela passara a usar.
Entretanto, nem tudo havia mudado para pior. Não podia negar, os saltos altos que
ela passara a usar valorizavam as pernas bem-feitas. Contribuíram para que tivesse novas
fantasias todas as noites. Com prazer masoquista, torturava-se imaginando cenas
inconfessáveis em que os saltos altos tinham participação indispensável.
O fato era que ele dormia pensando em Maggie e acordava desejando-a mais do
que no dia anterior. Aprendera a conviver com a semi-ereção cotidiana. Sentia-se como um
adolescente, com os hormônios da puberdade fervilhando em seu corpo.
Nem mesmo o contato com outras mulheres punha fim ao seu tormento. Queria
apenas Maggie, nua, quente, sem fôlego, excitando-o e implorando para que ele...
— Maggie! — Tentou soar casual quando notou que ela o encarava com expressão
intrigada. Um discreto rubor tomou conta de seu rosto ao imaginar que ela poderia estar
lendo seus pensamentos.
— Você está corado! — Os grandes olhos castanhos se arregalaram enquanto
passeavam pelo rosto dele. — Há alguma coisa errada?
Ao contrário de sua nova chefe, Eric não usava roupas sociais. Nunca fora adepto
do estilo adotado pelos executivos, considerando-o impessoal e pouco confortável.
Detestava gravatas opressoras e paletós apertados. Desde o dia em que fora contratado,
preferia trabalhar com mocassins confortáveis, calças caqui, uma pequena concessão pela
sua preferência por jeans, e camisas com as mangas enroladas até o cotovelo. Drake nunca
havia se importado, e esperava que Maggie não exigisse que mudasse de estilo.
Ela fechou a porta e ergueu o queixo. Tinha apenas vinte e dois anos, mas parecia
muito mais madura e experiente.
— Temos de conversar.
Eric endereçou-lhe um sorriso que reservava apenas para ela, que consistia numa
pequena curvatura dos cantos da boca quase imperceptível, enquanto os olhos per-
maneciam atentos e diretos. Sabia que ela ficava pouco à vontade com aquele jeito de fitá-
la, e pensava com prazer secreto que não era justo que fosse o único a sofrer a tortura de
sentir-se provocado. Além disso, vê-la constrangida era como uma refinada vingança que
o deixava com a ilusória satisfação de dominá-la.
Gostava de saber que era o único homem que abalava aquela fachada fria e
indiferente. No entanto, guardava para si com prazer secreto os jogos privativos e a batalha
subliminar para trazer de volta a antiga Maggie, embora a nova personalidade dela também
o intrigasse.
Perdido em seus devaneios, não percebeu que ela continuava a encará-lo como se
esperasse alguma resposta. Inclinou o corpo para frente e apoiou os cotovelos na es-
crivaninha, sobre os papéis espalhados. Como sempre, estava acostumado a refrear a
luxúria e a administrar seu trabalho com eficiência, apesar do desejo quase incontrolável
que pulsava em suas veias quando via aquela mulher.
— Sobre o que acha que temos de conversar, Maggie?
A respiração suave fazia os seios pequeninos arfarem sob o blazer.
Quando Eric a vira pela primeira vez, muitos anos antes, mal notara a discreta
saliência do busto. Então, nas férias de Natal do ano seguinte, ela retirara o casaco ao
entrar em sua sala, e os mamilos rígidos marcaram o tecido da camiseta, numa reação
espontânea à temperatura fria do ar-condicionado.
Ele tivera de desviar o rosto. A visão provocara um verdadeiro tormento e, desde
então, passara a sonhar com o momento em que pousaria os lábios nos seios delicados.
Desejava segurá-los nas mãos, brincar com os mamilos salientes com os dedos, com a
língua, provocá-los com os dentes... Saboreá-los por inteiro.
Maggie avançou alguns passos, apoiou as mãos no tampo da escrivaninha e o
encarou com expressão séria.
— Eu gostaria de falar sobre sua atitude e falta de participação desde que assumi
o lugar do meu pai.
Eric estudou a postura rígida. Maggie ainda era uma mulher doce e inexperiente
que confundira seu desejo com ciúme. Presumira, e ele supôs que com boas razões, que
não ocupar a cadeira de presidente da Artigos Esportivos Carmichael o deixara ressentido.
Afinal, a pequena companhia havia crescido essencialmente graças à ajuda dele.
Ainda era um local com atmosfera amigável e doméstica, empregados leais e
esforçados. Mas a empresa que Maggie herdara não teria dobrado de tamanho se não
fosse pelo seu empenho pessoal. Drake Carmichael se tornara seu melhor amigo e
depositara nele toda a sua confiança.
Justamente por isso, ele não fora o único a presumir que seria o próximo candidato
à presidência.
Na verdade, não se importava com sua posição na corporação, exceto por não
gostar da ideia de ter Maggie como chefe. Tal fato colocava por si só uma barreira quase
intransponível em tudo o que desejava e planejava viver com ela. Não era uma mulher com
quem pretendia ter um romance passageiro.
O problema era que, anos atrás, Maggie era jovem demais para que ele a
cortejasse, e agora que amadurecera, era sua chefe... Se a pedisse em casamento,
receava causar a falsa impressão de que estava interessado na companhia. Isso não só
arranharia seu orgulho, como aniquilaria o senso de possessividade e proteção que
desenvolvera ao longo dos anos. Jamais admitiria que alguém subestimasse o valor de
Maggie em sua vida.
Logo depois da morte de Drake, ele fizera questão de chamar Maggie para a
conversa mais séria e solene de sua vida. Deixara claro desde o princípio que não desejava
ser presidente, e menos ainda usurpar o comando dela. Embora chocada com a
declaração, ela aceitara.
Na verdade, Eric esperava secretamente que ela se cansasse de ser chefe. Maggie
possuía espírito livre. Demonstrava abertamente interesse por artes, adorava viajar e se
divertir... Definitivamente, nada disso combinava com o cargo que passara a ocupar. Era
criativa, sonhadora e romântica, e ele não duvidava que demonstrasse interesse pelos
negócios apenas para agradar ao pai, a quem adorava.
No período de recesso na universidade, ela trabalhava na empresa por meio
período, e deixava evidente que tudo não passava de uma grande e divertida brincadeira.
Quando ficou encarregada do estoque, entrava em sua sala a todo momento para pedir
instruções sobre procedimentos que ele dominava de olhos fechados. Ao assumir o balcão
da loja, no piso inferior do edifício, chamava-o para conferir preços e remessas das grandes
lojas que revendiam os artigos esportivos fabricados por eles.
Porém, tinha de lhe dar crédito. Desde que assumira a presidência, a postura de
Maggie mudara. Embora precisasse de ajuda para se familiarizar com os negócios, o que
era natural numa jovem inexperiente, ela sabia o que estava fazendo. Os funcionários a
respeitavam e aceitavam seu comando sem hesitar.
E ele não faria absolutamente nada que pudesse abalar o equilíbrio da empresa,
mesmo percebendo que, contrariando suas predições, Maggie não parecia entediada ou
exasperada com os negócios. Agia com incrível determinação, e agora, depois de seis
meses, havia assumido por completo as rédeas da companhia.
Enquanto isso, ele sofria com a agonia do desejo incandescente. Como se não
bastasse, a ternura e admiração que nutria por ela pareciam crescer a cada dia.
Eric voltou de sua viagem solitária no tempo, que devia ter durado menos de um
segundo, presumiu, pois Maggie continuava parada diante de sua escrivaninha, alheia às
suas reflexões.
Empurrou a cadeira para trás e contornou a mesa, postando-se ao lado dela. A
proximidade possibilitou que inalasse o perfume floral que se desprendia da pele alva.
Perturbado pela súbita consciência de que bastava estender um dedo para tocá-la, ele
tossiu e cruzou os braços.
Em algum lugar dentro de si, teve esperança de que ela sentisse as mesmas
emoções. Talvez de fato sentisse, pensou. Caso contrário, como explicar as frequentes
visitas à sua sala? Ponderou esperançoso, que Maggie parecia gostar da química que havia
entre eles.
— Por que você não tira a máscara de presidente e conversa comigo como
costumava fazer, Maggie? — usou o tom de voz mais neutro que pôde encontrar.
Seis meses atrás, após a morte de Drake Carmichael, Maggie havia chorado nos
ombros dele. Ele a consolara até que sua camisa estivesse ensopada de lágrimas. As emo-
ções e o pesar que sentia naquele momento transformaram-se em cinzas perto da dor que
ela sentia.
No entanto, desde então, nunca mais compartilharam qualquer momento de
intimidade como aquele.
Eric observou o ligeiro rubor que sua pergunta provocou no rosto adorável.
Amava quando Maggie enrubescia o suave tom róseo que tingia a pele e o brilho
que iluminava os olhos. Ela corava com facilidade, ao ouvir uma piada, uma risada, um
sorriso, o que o fazia imaginar como ela ficaria quando tivesse um orgasmo.
— Eric, não sei do que você está falando...
Eric pestanejou. Estivera tão absorto em seus pensamentos que levou alguns
segundos para registrar o sentido do comentário.
— Há quanto tempo eu a conheço, querida? — perguntou, tentando se distrair.
— Eu tinha dezessete anos quando papai o contratou.
— Então, faz cinco anos. É muito tempo para você entrar aqui e agir como se mal
nos conhecêssemos, não? Somos próximos, Maggie. Seu pai era meu melhor amigo. Não
há razão para você agir com tanta frieza, não acha?
— Sim... — Ela suspirou e soltou o ar com força. — Sinto muito, Eric. É que... Bem,
desde que assumi o cargo, muitas pessoas têm me observado, esperando para me ver
fracassar. Sinto como se estivesse sob vigilância cerrada.
— E você acha que sou uma dessas pessoas? Maggie encontrou o olhar dele e
balançou a cabeça lentamente.
— Eu não sei. Apesar de você ter dito que não se importava em não ser designado
por papai, achei que pensou... Ou melhor, todos pensaram que você seria presidente, e
não eu.
Não havia emoção no rosto dela, que parecia frio e impessoal. —Já falei tudo o que
penso Maggie. Não estou ressentido pela decisão de Drake, e eu faria o mesmo se
estivesse no lugar dele.
— Então, por que tem se mantido tão distante desde que vim para cá?
Eric deu as costas para a escrivaninha e pensou em como seria bom jogar todos
aqueles papéis no chão, deitá-la sobre o tampo e possuí-la com fúria selvagem. Acariciaria
a pele suave até que ela gemesse de prazer. Beijaria o corpo todo, descobrindo todos os
recantos secretos, tocaria a alma de Maggie e provaria que haviam sido feitos um para o
outro.
Deu uma tossidela e enfiou as mãos nos bolsos, tentando disfarçar a ereção que
começava a aparecer no tecido da calça.
— Estamos na época do Natal, querida. As vendas aumentaram e temos de repor
mercadorias nas várias lojas que revendem nossos produtos, espalhadas por todo o país.
Estamos muito ocupados. Você sabe disso, Maggie.
— Sim, eu sei. E devo acrescentar que sua ajuda tem sido fundamental para mim,
Eric. Eu jamais teria conseguido fazer a transição com tanta facilidade sem a sua
assistência.
— Bobagem. A transição foi fácil porque você trabalhou duro para conseguir. Não
se deprecie Maggie. Seu pai teria ficado orgulhoso de você se pudesse vê-la.
Uma risada discreta escapou dos lábios dela, dando indícios de que começava a
relaxar. Olhou pela janela atrás da escrivaninha e perdeu o olhar nos flocos de neve que
flutuavam no ar.
— O que papai desejava pode não ser tão fácil quanto pensa. Eric franziu o cenho
diante das palavras enigmáticas, pressentindo que ela queria lhe dizer algo, sem que sou-
besse o que poderia ser.
— O que seu pai desejava? Achei que todas as vontades dele tivessem ficado
claras no testamento...
— Não é nada. — Ela balançou a cabeça, e a determinação tomou o lugar da
vulnerabilidade. — Não importa.
— Maggie...
— Ainda tenho muitos obstáculos pela frente, Eric, e cabe somente a mim conseguir
transpô-los.
Uma incômoda sensação tencionou os músculos de Eric. Se ela esperava
tranquilizá-lo com aquela declaração, conseguira efeito contrário.
— Alguém está lhe causando problemas? — perguntou, preocupado, avançando
um passo.
Ele próprio havia advertido a todos, sem exceção, de que, se valorizassem o
emprego e o salário generoso no final do mês, teriam de aceitar e respeitar Maggie.
— Não! — Ela tocou o braço dele num gesto tranquilizador. O toque foi impessoal
a princípio, e em seguida, tornou-se gentil e terno. — Não, Eric, não é nada disso. Nós
temos os melhores funcionários do mundo.
Ele mal ouviu. A mente racional parou de funcionar no momento em que a pequena
e delicada mão pousou em seu braço. Era quente e suave, e o perfume, que combinava
doce inocência e sexualidade picante, o inebriou.
— Para ser sincera, nunca fui alvo dos olhares dos homens — Ela retirou a mão,
inclinando a cabeça para estudá-lo. — Não consigo entender... Desde que assumi o cargo,
todos os funcionários do sexo masculino parecem ter notado minha existência.
Um novo sentimento de desconforto abalou Eric.
— Que diabos isso quer dizer? Os rapazes estão cantando você?
— Oh, claro que estão. — A resposta simplista o deixou aturdido, e então ela
continuou alheia à fúria que explodia no peito de Eric. — Não apenas cantando, mas
fazendo convites para jantar, ir ao cinema, ao teatro, ao...
— Já entendi. — Recuou um passo e voltou a se aproximar.
Por alguma insana razão, as mulheres que trabalhavam na companhia também
estavam agindo de forma estranha. De repente, haviam decidido que ele era o melhor
partido do mundo e flertavam abertamente.
Mas os homens cortejarem Maggie... Ah, isso era demais! Ele se esqueceu do
espírito natalino de generosidade e sentiu ímpetos de esmurrar um por um.
—Você percebe que eles não estão atrás de suas pernas sensuais e de seus olhos
adoráveis?
Ela piscou diversas vezes e um rubor discreto cobriu o rosto.
— Você acha que tenho pernas sensuais?
Eric comprimiu os lábios. Não pretendia dizer aquilo, assim como não pretendia
abaixar o rosto e focalizar as pernas longas, incapaz de desviar os olhos.
Já vira Maggie usando jeans, shorts, minissaias... Estudara com atenção aquelas
pernas e as visualizara, envolvendo-o pelo quadril, ou, melhor ainda, sobre seus ombros,
enquanto ele a penetrava...
— Eric?
Ele meneou a cabeça e tossiu baixinho.
— Você tem belas pernas, querida, mas o ponto é...
— E meus olhos?
Maggie o observava com aqueles grandes olhos escuros consumindo-o,
implorando pelas palavras.
— Você tem olhos maravilhosos — ele sussurrou, esquecendo da resolução de
mantê-la à distância. — São doces e sedutores.
— Oh...
— Um homem poderia se esquecer de si ao olhar em seus olhos.
— Eu não tinha ideia...
Eric apertou o maxilar, lutando contra a tentação de mostrar exatamente como um
homem se sentia diante dela.
— O ponto é que a maioria dos homens está apenas interessada na empresa.
— Não sou nenhuma idiota, Eric. Eu sei disso.
— Eles acham que se... — Ele se interrompeu e a fitou. — O que você disse? Você
já sabe?
— Era sobre isso que eu estava falando. Frequento este ambiente há muitos anos.
A maioria dos rapazes me ignorava, ao menos, como mulher. Todos eram simpáticos e
afetuosos, mas eu era apenas a filha do chefe. Sou realista, Eric. Sei quem eu sou. E, se
os homens que sempre me ignoraram ou se mantiveram distantes subitamente começam
a me convidar para ir às Bahamas, ou para passar o fim de semana num chalé nas
montanhas, ou...
— O quê?
— Querem me dar presentes caros, ou...
— Quem a convidou para ir às Bahamas?
— Não importa. Estou tentando dizer que...
— É claro que importa!
Eric estava tenso desde os pés até a cabeça. Obrigava-se a ficar distante dela,
recusando-se a se envolverem para não transformá-la em objeto de especulação e fofoca.
Portanto, não admitiria que nenhum palhaço, especialmente com intenções maliciosas, se
aproximasse.
— Quem foi Maggie? — insistiu com autoridade.
— Eric... — Ela proferiu o nome como um suspiro, tocando-o no braço. — Aprecio
sua preocupação, mas não preciso de guarda-costas.
Era ridículo um homem de trinta e dois anos emudecer por causa de um simples
toque. Porém, ele a desejava havia cinco longos anos. O mais casual e despretensioso
contato físico tinha o efeito de uma bomba atômica.
Afastou-se um passo e envolveu o rosto delicado com as mãos. A pele era quente,
macia, e o leve contato deixou seus hormônios em ebulição.
— Maggie, se alguém, e me refiro a qualquer um, insultá-la ou desrespeitá-la, quero
que prometa que vai me contar.
— E uma promessa.
— Seu pai era meu melhor amigo. Drake queria que eu tomasse conta de você.
O brilho que surgira nos olhos aveludados desapareceu. Ela sorriu e deu palmadas
amigáveis nas mãos dele antes de se afastar. Colocou um espaço maior entre eles e
apoiou-se na escrivaninha. Mais uma vez, voltou a vestir a máscara profissional.
—Aprecio o sentimento, mas sou uma mulher crescida. Tenho consciência de que,
embora você não queira dirigir a companhia, outros querem e tentarão conseguir. Não se
preocupe, posso tomar conta de mim.
O problema era que ele queria tomar conta de Maggie. Contudo, não podia
explicitar nada sem correr o risco de soar como os outros homens que agiam por interesse.
Eric suspirou, forçando-se a voltar ao seu eixo de equilíbrio. Se não fosse tão nobre,
se tivesse dito desde o princípio o quanto a desejava...
Ele assentiu, deprimido.
—Apenas não se esqueça disso. Estou do seu lado, Maggie. Não deixe de me
procurar para qualquer coisa que precisar.
— Oh, já que você ofereceu... — Ela se virou para ele com um sorriso coquete. —
Vou direto ao ponto da minha visita: a festa anual de Natal. Margot comentou que o con-
vidou para acompanhá-la, e você disse que não planeja ir.
Margot tinha a boca maior do que o mundo, ele pensou, contrariado. Tinha de
conversar com sua secretária a respeito disso.
— Ainda não decidi se vou ou não — mentiu, pois não tinha intenção de impor sua
presença.
— Janine também disse que você recusou acompanhá-la. Eric coçou a nuca,
sentindo-se constrangido.
— É, eu não...
— E imagino que você tenha recusado também acompanhar Sally, Roberta,
Jenny...
— Eu sei com quem falei.. Não precisa me lembrar. — Metade das mulheres da
companhia o haviam convidado para ir à festa, e ele se pôs a imaginar como Maggie sabia
disso.
— Você está saindo com alguém? — Ela procurou os olhos dele.
Eric franziu o cenho. O que estaria acontecendo?
Primeiro, foram os olhares e insinuações explícitas de funcionárias que nunca
haviam agido daquela forma... Como se não bastasse, elas pareciam querer ter certeza de
que Maggie ficaria sabendo... E agora, mostrava-se interessada em sua vida pessoal.
Estranho... Muito estranho, pensou intrigado.
— Não estou saindo com ninguém. —Apesar do esforço coletivo das
representantes do gênero feminino que me rodeiam, acrescentou para si.
— Excelente! — Ela sorriu com alegria. — Então, você pode ir à festa comigo. Eu
preciso de você, Eric.
CAPÍTULO II
Maggie conteve a expectativa enquanto Eric a encarava como se ela fosse um ser
de outro planeta. Deus, ele era maravilhoso! O pai costumava dizer que sua obsessão por
Eric não passava de paixão adolescente. Aos dezessete anos, poderia ser... Mas agora,
que estava com vinte e dois, não havia nada de imaturo ou leviano nos sentimentos por ele.
Tentava desesperadamente conseguir a atenção de Eric. Claro, era óbvio que ele
gostava dela e se preocupava da mesma forma que um irmão mais velho agiria. Porém,
não era esse o tipo de atenção que esperava.
Corou ao lembrar de sua decisão de Ano Novo: seduzir Eric e consumar a paixão
que a queimava. Seria o presente de Natal que se daria. E talvez, com alguma sorte, depois
de fazerem amor, ele começasse a vê-la como mulher, em vez de a filha do chefe.
Eric continuava a fitá-la com expressão indecifrável. Os olhos estavam tensos e
mantinha as pernas ligeiramente afastadas, como se procurasse manter o equilíbrio.
— Poderia repetir o que acabou de dizer? — ele pronunciou com cuidado.
— Preciso de você — ela ecoou, percebendo que era mais fácil dizer pela segunda
vez. — Quero ir à festa. Reservei o mesmo restaurante aonde papai gostava de ir e será
uma homenagem póstuma a ele. Ademais, como chefe sou praticamente obrigada a
comparecer. Porém, muitos funcionários e associados me convidaram e tive receio de
parecer hostil ao recusar. Então, disse que já tinha companhia. Você.
— Eu?
— Desculpe por ter usado seu nome... — Arregalou os olhos, como se tentasse ver
melhor o que se escondia por trás da expressão dele. — Mas não se preocupe. Prometo
que podemos ir embora no instante em que você quiser. Aliás, eu também disse que você
me ajudaria com os enfeites...
Eric abriu a boca para dizer alguma coisa, mas mudou de ideia.
— Claro, já terminamos a decoração da loja, mas eu gostaria de enfeitar todas as
salas da administração e...
— Maggie...
Ele pareceu estar surpreso e Maggie não soube discriminar o sentimento que
estava por trás do olhar grave. Talvez seu plano não passasse de mais um devaneio pas-
sional, pensou, frustrada. Sua intenção era aumentar a proximidade entre eles. O fato de
fazerem juntos algo que pudesse ser divertido e, ao mesmo tempo, facilitasse a pro-
ximidade física, poderia proporcionar o clima romântico que ela pretendia instalar entre eles.
Entretanto, concluiu pesarosa que Eric jamais a veria como mulher.
— Não se preocupe, posso cuidar disso sozinha — apressou-se em tranquilizá-lo.
— Como você ofereceu ajuda, achei que seria divertido nos preocuparmos com algo mais
leve como a decoração, em vez de números e cifras. Mas tenho tudo sob controle. — Ela
forçou um sorriso. — Comprei novos adornos natalinos para as portas. Achei que os do ano
passado estavam feios. Inclusive, já enfeitei algumas com ramos de visgo...
— Eu notei — Eric interrompeu o fluxo contínuo e tenso de palavras e abriu a porta,
de onde pendiam ramos de visgo em abundância. — Quando cheguei hoje cedo, achei que
a porta da minha sala havia se transformado na entrada secreta de uma caverna na selva.
— Oh, acho que exagerei um pouco... — Ela abaixou os olhos, constrangida. — A
sua sala foi a primeira que decorei, e decidi colocar mais visgo que nas outras porque, afinal
de contas, você é especial... Quero dizer, tem papel especial na companhia...
— Obrigado pela consideração, Maggie. E não precisa se justificar. Eu gostei da
decoração. — Fechou a porta e voltou para perto dela, com um sorriso travesso nos lábios.
— Só não posso me esquecer de trazer um facão na segunda-feira para abrir uma
picada antes de entrar.
Maggie riu da piada, dando vazão ao nervosismo.
— Bem, como vê, você não terá de fazer nada, exceto fingir que está me ajudando
— insistiu, esperançosa.
— Você terá um bônus de Natal por me ajudar.
— Não quero nenhum bônus de Natal, querida.
Ela abriu a boca quando Eric parou a poucos centímetros. Seu corpo inteiro tomou
consciência da presença poderosa, como sempre acontecia quando estavam próximos. Os
olhos intensos a perscrutavam, e teve a sensação de que poderiam ler sua alma.
Eric olharia para uma mulher daquela forma enquanto fazia amor?
Maggie suspirou e afastou a imagem visual que preenchera sua mente.
— Eric, por que está me olhando assim? Você está zangado comigo?
— Não estava, mas fiquei depois de você presumir que precisa me recompensar
pela ajuda.
— Então, vai ajudar?
— Vou.
— E vai me acompanhar à festa?
Ele apoiou as mãos no tampo da mesa. Apesar da fisionomia séria, havia algo mais
nos olhos dele, uma expectativa que Maggie não conseguiu decifrar.
— Sim, eu vou.
— Ótimo! — A alegria juvenil voltou a iluminar o rosto delicado. — E faço questão
de lhe dar o bônus. Todos os funcionários receberão. Se você ficar sem, poderá dar pre-
texto para fofocas.
— Você se incomoda com boatos?
Maggie assentiu, sem revelar que não gostava que ninguém dissesse nada
negativo sobre Eric. Sua possessividade sobre ele divertia o pai, e tivera de fazê-lo prometer
não comentar nada. Pelo que sabia, ele cumprira a promessa. Porém, o que fizera fora pior
do que contar a Eric sobre sua paixão...
— Como posso ajudá-la com a decoração? Confesso que nunca fiz nada parecido.
— Como eu disse tudo já está arranjado. Na segunda-feira, pretendo colocar os
enfeites nas portas e mais alguns presentes sob a árvore de Natal da sala de reuniões.
Os ombros de Eric relaxaram um pouco. Ela adorava o corpo atlético, alto e forte.
Embora nunca tivesse perguntado, pressentia que ele não frequentava academias para
desenvolver a constituição atlética. Ademais, parecia alheio ao efeito devastador que
provocava ao usar as mangas da camisa arregaçadas até o cotovelo, expondo a penugem
sedosa que recobria o antebraço. Até mesmo a pulseira do relógio sobre os pelos negros
parecia incrivelmente sensual e masculina, sem contar o colarinho aberto...
Maggie sentia-se aquecer em seus recônditos mais íntimos ao imaginar a trilha que
descia pelo abdômen e se perdia no cós da calça.
Eric se afastou e pôs-se a andar pela sala. Ela sempre se encantara com a forma
como ele caminhava, com graça viril e naturalidade, como se tivesse o poder de se sentir
à vontade em qualquer lugar.
Obrigou-se a parar de olhar e encontrou-o fitando-a com um sorriso discreto.
— Por que está sorrindo? — indagou, enrubescendo.
— Gosto de vê-la entusiasmada de novo.
Maggie desviou o rosto, subitamente embaraçada. Eric saberia que a razão de seu
entusiasmo era o corpo dele?
— Eu me lembro de como você ficava empolgada no Natal. — Ele se aproximou e
tocou a luxuosa fivela dourada que prendia os cabelos negros. — O que aconteceu com
aqueles adoráveis sininhos que você costumava usar?
Adoráveis? Presumia que aqueles enfeites faziam com que parecesse ainda mais
imatura para ele. Então, tentara se tornar mais sofisticada, como forma de conseguir aten-
ção. Porém, a cada dia, a distância parecia aumentar.
Seu pai achava que a paixão pela empresa era suficiente para fazer com que Eric
a notasse. A carta que deixara para ela declarava sua forma de pensar com todas as letras.
Havia uma razão para Drake Carmichael ter designado a presidência para ela e
não para Eric, como seria natural. Sabendo da intensa paixão da filha pelo amigo, e da
paixão de Eric pela companhia, Drake tentara unir os dois através de um artifício sutil.
Na carta que deixara para a filha, ele demonstrava esperança de que Eric se
aproximasse no intuito de ajudá-la, e a aconselhava a usar seus encantos femininos para
conquistar o amor de sua vida.
Maggie amava ainda mais o pai pela boa intenção. Mas em vez de agir como ele
havia imaginado, Eric acabara se afastando. Ao dizer que não queria a presidência, deixara
evidente que também não a desejava.
Ela suspirou, pousando o olhar em Eric, que estava à espera da resposta. Não
desistiria sem lutar, decidiu, abrindo um sorriso.
— Não tenho mais dezoito anos, Eric. Agora, sou a chefe. Não posso sentar-me à
mesa da presidência com aqueles enfeites espalhafatosos e sininhos tilintando,
perturbando todo mundo.
— Você nunca me perturbou, Maggie. Ao menos, não da forma que pensa.
Ela não tinha ideia do que ele queria dizer, mas não quis perder tempo com
preocupações desnecessárias. Tinha um plano a executar.
Empurrou a porta e rezou para que não lhe faltasse coragem.
— Venha, vou lhe mostrar como pretendo distribuir os enfeites no corredor...
Parou no batente e estendeu-lhe a mão. Quando Eric se aproximou, ela respirou
fundo e contou até dez para se acalmar.
Tomando-o de surpresa, passou os braços pelos ombros largos e colocou-se na
ponta dos pés. Ouviu a respiração ofegante, sentiu a pulsação do corpo viril, e quando as
bocas se encontraram, luzes e cores explodiram em seus olhos.
— Maggie? — ele sussurrou de encontro aos lábios dela.
— Hum?
Ela sentiu o toque da mão possessiva em seus cabelos, enquanto a outra a envolvia
pela cintura.
— Se vamos mesmo fazer isso, que seja da forma correta. Os olhos dela se abriram
em surpresa, mas voltaram a se fechar quando Eric a puxou para tão perto que os corpos
se colaram. Os seios, extremamente sensíveis, pressionaram-se de encontro à muralha de
músculos maciços do peito largo.
Maggie sentiu a ereção massiva de encontro ao ventre, o que lhe tirou o fôlego.
Ele a desejava? Teria gostado de beijá-la?
Mãos exigentes pousaram em suas costas e a envolveram até que ela sentisse
cada pulsação, da forma mais erótica possível. A boca de Eric se moldou à sua e ele
assumiu o controle.
— Relaxe, querida... — sugeriu, afastando-se por um breve momento.
Como se fosse fácil relaxar! Ela pensou. Cada feixe nervoso de seu corpo parecia
estar tensionado como as cordas de um violino.
Esforçou-se para obedecer e suspirou, tomada pela sensação prazerosa que se
intensificava a cada toque. A ponta da língua traçou seu pescoço, queixo e lábios, fazendo-
a arrepiar. Então, penetrou em sua boca, provocante, numa promessa silenciosa de prazer
indescritível.
Maggie tentou manter a calma, mas aquele beijo era tão incrível, delicioso e
devastador que ela não conseguiu pensar em mais nada. Os mamilos se enrijeceram
dolorosos e sensíveis, e a sensação fluida e quente se expandiu pelo ventre.
Eric gemeu, numa resposta primitiva que a excitou. A língua, úmida e quente,
mergulhou fundo em sua boca e exigiu uma resposta à altura.
Ela agarrou o colarinho da camisa e se fundiu a ele. Então, ouviu uma risada
feminina.
Atônita, abriu os olhos no momento em que Eric se afastou de súbito, e teria perdido
o equilíbrio se ele não a segurasse com um braço ao redor da cintura.
Olhou por sobre o ombro e viu sua secretária e dois funcionários observando-os.
Mortificada, sentiu o rosto queimar, enquanto todos permaneciam em pesado
silêncio.
Ela era a chefe, lembrou-se. Tinha de assumir o controle da situação. Deu uma
tossidela e se afastou de Eric.
— Achei que todos já tivessem ido para casa. — Ergueu uma sobrancelha, pedindo
silenciosamente por uma explicação.
— Estávamos de saída — Janine informou.
Eric se encostou ao batente da porta e cruzou os braços. Não parecia perceber o
fato de que estava com uma ereção notável.
Apesar das circunstâncias, Maggie se encheu de esperança ao pensar que ela era
a responsável por aquilo. No entanto, ponderou que não era motivo para se alegrar. Afinal,
era apenas uma reação física, tipicamente masculina.
Deu um passo adiante dele, escondendo-o com o corpo, como uma sentinela.
— Saibam que estamos nos beijando apenas por causa disso. — Apontou para o
visgo que pendia do batente.
— Segundo a lenda, os druidas consideravam o visgo uma planta sagrada, com
propriedades milagrosas. As mulheres usavam um ramo nos cabelos para terem fertilidade
e os homens colocavam algumas folhas nos bolsos a fim de se protegerem de feitiços.
Quando inimigos se encontravam na floresta sob a planta, tinham de abaixar as armas e
manter trégua até o dia seguinte — explicou com expressão séria.
— Mas, pelo que sei, não há nenhum inimigo aqui...
— Janine comentou com um sorriso provocante.
— Bem, você tem razão — Maggie admitiu, pensando rápido numa desculpa mais
convincente. — Acontece que eu estava me referindo à origem da lenda que determina que
os casais têm de se beijar quando estão sob o visgo — recomeçou, mantendo a pose de
autoridade no assunto.
— A lenda se difundiu desde a antiguidade e chegou modificada aos países anglo-
saxões. Como os tempos mudaram, em vez de abaixar as armas, os casais passaram a se
beijar. Isso porque a lenda foi influenciada pela crença na existência de Freya, deusa do
amor, da beleza e da fertilidade.
— É mesmo? — Janine cruzou os braços, fitando-a com falso interesse.
— Sim. De acordo com a lenda, um casal tem de se beijar caso se encontre
acidentalmente sob o visgo, ou então, nenhum dos dois terá sorte no amor. E foi assim que
nossos antepassados incorporaram a tradição — terminou certa de que a explicação
justificara plenamente o beijo quase obsceno que seus funcionários haviam flagrado.
Maggie, no entanto, usou a versão simplificada da lenda. Não quis revelar que, na
verdade, o beijo era interpretado como uma promessa de casamento, o que implicava em
amor e felicidade eternos.
— Puxa! — Janine balançou a cabeça e lançou um olhar sedutor sobre Eric. — Por
que você não me beijou desse jeito quando entrou na minha sala hoje cedo, quando foi
pegar a agenda de clientes? Na minha porta também tem um ramo de visgo...
Sem esperar pela resposta, Janine se aproximou e parou ao lado deles.
— Mas ainda há tempo de consertar o erro, Eric. Estamos sob um ramo de visgo
agora. E então? Não vai me beijar?
— Há muitos ramos de visgo espalhados por aí — Maggie respondeu, empurrando-
a sem esconder a irritação. — Peça para os rapazes acompanhá-la, Janine, e você poderá
beijá-los à vontade.
Os homens esconderam o riso e escoltaram Janine pelo corredor.
— Estou esperando uma explicação — Eric exigiu.
— Explicação? Do quê?
— Por que você se transformou numa guerreira feroz quando Janine pediu um
beijo? A tradição não reza que todos os casais que estiverem sob o visgo devem se beijar?
— Bem...
Maggie ficou com a boca aberta, sentindo-se patética. Não tinha como argumentar.
Era óbvio que se aproveitara da situação, mas queria ser a única a tirar vantagem.
— Eu o coloquei numa situação constrangedora, não é? — disse por fim. — Pensei
em contar sobre a lenda para aliviar a tensão, mas acabei jogando Janine nos seus braços.
Não quis que você se sentisse obrigado a beijar mais ninguém. Estava tentando protegê-
lo.
— Mas, se o ramo de visgo continuar aqui, presumo que Janine se sentirá no direito
de me beijar...
— Não me importo. Se você quiser beijá-la, isso não é da minha conta.
Eric riu e, num gesto rápido, estendeu o braço, retirou o ramo do batente e colocou-
o sobre a mesa, guardando algumas folhas no bolso.
Maggie fez uma prece silenciosa de alívio.
— Não quero beijar Janine — ele explicitou com palavras o que já deixara claro
com sua ação.
— Bom. Quero dizer, não me importo.
— Maggie? — Ela fingiu grande interesse em ajeitar a barra do casaco, e ele
segurou-a pelo queixo. — Por que você me beijou?
Ela engoliu em seco. Ele queria explicações? Não esperava por aquilo. Os homens,
em sua limitada experiência, nunca haviam feito aquele tipo de interrogatório.
— Eu... ah... Estava tentando envolvê-lo no espírito natalino. Eu o constrangi?
— De forma alguma.
— Foi apenas um beijo, afinal de contas. Isso não é nada de mais.
Aos vinte e dois anos, Maggie já havia tido sua cota de beijos como qualquer mulher
da sua idade. Mas nenhum como aquele. Sim, fora diferente, como sempre imaginara que
seria.
— Está bem. Não vamos mais falar nesse assunto — Eric determinou, disfarçando
a premência do desejo.
— Bem, então, já que você concordou em me ajudar com os enfeites, temos de
pensar num plano de ação.
Plano de ação? Ela repetiu para si. De onde havia tirado aquilo? Desde quando era
preciso ter plano de ação para pendurar enfeites nas portas? Claro, tinha de ter algum
pretexto para estar perto dele, mas não precisava ser algo tão estúpido!
— Certo... Um plano de ação — Eric ecoou com aquele sorriso enigmático que tinha
o poder de tirá-la do eixo de equilíbrio. — Quando podemos nos reunir para executar o tal
plano de ação?
— Que tal amanhã, na minha casa? Isto é, se você não tiver compromisso para o
final de semana...
— Estarei lá por volta das duas horas da tarde.
Ela sorriu, disfarçando a frustração. Esperava que fosse vê-lo à noite, quando teria
chance de espalhar velas pela sala e acender o fogo na lareira, preparando assim o clima
para a sedução.
Percebeu que Eric esperava pela confirmação e assentiu, sorrindo como se não
tivesse nenhuma preocupação. Se suspeitasse das intenções secretas do que pretendia
fazer com ele, poderia não aparecer.
— Duas horas está ótimo. Até lá.
Eric obrigou-se a esperar alguns minutos antes que a urgência o impulsionasse a
correr atrás dela. Fora um idiota por deixá-la se afastar com a promessa de vê-la somente
no dia seguinte. Se estivesse pensando com clareza, a teria carregado para dentro do
escritório, trancado a porta e usado à escrivaninha da forma como fantasiara momentos
antes.
A menos que estivesse louco, tivera a prova de que precisava. Maggie o desejava,
embora não tanto quanto ele. O que seria impossível. E o mais irônico era que, quando
decidira se afastar e esquecê-la, ela se aproximara e tentara seduzi-lo.
Apesar de tudo que dissera e mesmo sabendo que aquela relação poderia ser
desastrosa, seria impossível resistir, agora que ela havia mostrado algum interesse.
Disse a si mesmo que não importava que fosse um romance passageiro. Maggie já
deixara claro o que pensava sobre relacionamentos e negócios. Se tentasse conduzi-la
para além de um caso, correria o risco de ser rejeitado. E, além disso, havia os boatos sobre
tentar chegar ao topo por intermédio dela. A ideia era intolerável, especialmente porque ele
não queria nenhuma fofoca que a envolvesse. Casar-se com a chefe, que era o que
realmente queria, alimentaria a imaginação fértil dos funcionários.
Assim pensando, seguiu pelo corredor na direção do escritório de Maggie. Quando
abriu a porta, descobriu que ela já havia ido embora. Todas as luzes estavam apagadas e
não havia um só papel sobre a escrivaninha. Então, notou uma folha caída no chão. Talvez
tivesse saído com pressa, ansiosa para chegar em casa e tomar um banho da mesma forma
que ele agora antecipava. Na verdade, olhando pela janela através da bruma da paisagem,
pensou que a noite gélida combinava com seu estado de ânimo, pois estava condenado a
uma noite solitária de erotismo frustrado.
Ao contrário de Maggie, não tinha pressa de voltar para casa, onde a solidão o faria
imaginar cenas eróticas que tirariam seu sono. Teria de se contentar com todas as fantasias
explícitas do que gostaria de fazer com ela, em vez de tê-la em seus braços.
Ouviu ruídos no corredor e lembrou-se da equipe de limpeza que trabalhava todas
as sextas-feiras à noite. Não tinha escolha a não ser seguir seu caminho. Deu um passo
para frente e recolheu o papel para guardá-lo na gaveta, caso fosse algo importante. Não
pretendia bisbilhotar, porém, uma palavra do texto manuscrito chamou-lhe a atenção.
Eric se recostou à escrivaninha e leu a sentença toda:
"Ela estava quente e molhada, e os dedos viris penetraram em sua intimidade,
provocando um gemido profundo".
Perplexo, ele quase deixou o papel cair. Seu pulso se acelerou e o corpo todo se
aqueceu com aquela simples frase. Olhou a assinatura ao pé da página: Magdelain Yvonne
Carmichael.
Maggie escrevera aquilo? Confuso, puxou a cadeira e se sentou com os olhos fixos
no texto. Uma pequena árvore de Natal sobre a mesa fornecia toda a iluminação de que
ele precisava.
Começou a ler desde o começo da folha. Era de longe a mais sensual, erótica e
explícita passagem em que já pusera os olhos, com exceção de pornografia. Porém,
pornografia era destituída de emoção, e não havia nada de impessoal na cena de amor que
Maggie descrevera.
Ao final do texto, quando a protagonista experimentava um orgasmo indescritível
graças aos dedos pacientes e talentosos do rapaz, Eric não conseguiu reprimir um gemido.
Apertou as mãos num gesto involuntário, imaginando tocá-la daquela forma enquanto
observava o rosto em êxtase ao ser levada às alturas. Quase podia sentir os dedos sendo
envolvidos pela umidade quente. E, a seguir, os lábios substituiriam os dedos, provando a
doçura de Maggie e inalando o perfume do desejo em sua feminilidade.
Onde estaria o resto do texto?
Ansioso, procurou pela escrivaninha, mexendo nos papéis e arquivos. Sentiu-se
mal por invadir a privacidade dela, mas não conseguiu se deter. Finalmente, na última
gaveta da escrivaninha, escondido sob um dicionário, ele encontrou o restante do
manuscrito.
Sem nenhuma hesitação, abriu na página numerada e recolocou a folha perdida no
lugar, acomodando-se na cadeira para ler desde o princípio. Ainda estava lá quando um
dos funcionários da limpeza abriu a porta e se sobressaltou ao vê-lo. Pediu que o rapaz
esperasse alguns minutos e fechou o manuscrito.
Por sorte, acabara de ler a última página da história incompleta. Maggie precisaria
de vários capítulos para terminar o romance, mas a julgar pela amostra que vira, não havia
dúvida de que era muito talentosa.
Estivera tão absorto na trama que quase se esqueceu de quem era a autora.
Quando se lembrou de que a história fora escrita por Maggie, foi tomado por uma onda de
luxúria.
Ele jamais havia lido um romance. Admitiu para si que escolher apenas livros
policiais e de suspense era influência de alguma ridícula teoria machista. Não tinha ideia
de que fosse tão bom, nem que os personagens tivessem tamanha profundidade
psicológica. Eram como os livros que gostava de ler, apenas com mais ênfase no aspecto
emocional do relacionamento. E muito mais sexo.
Ficou intrigado com a descrição física dos personagens. A heroína, voluptuosa,
com seios fartos e quadris arredondados, não se parecia fisicamente com Maggie. Então,
por que o personagem masculino se parecia tanto com ele? Tinha o mesmo peso, altura,
cor dos olhos e cabelos. Até mesmo algumas coisas que o herói dizia se pareciam com
palavras que haviam saído de sua boca. E as roupas... O estilo dele e do personagem era
o mesmo. A única diferença consistia no fato de que o herói da história tinha levado a
heroína para a cama, e não só uma vez, mas três, graças ao entusiasmo dela.
Pensou com tristeza que ele não teria o mesmo final feliz. Estava indo para casa
naquele momento para encarar sua cama vazia.
De súbito, um ciúme irracional o inquietou. Sentiu-se um tolo por invejar um
personagem fictício. Contudo, outro pensamento, tímido e hesitante, emergiu a consciência.
E se Maggie tivesse deixado a folha com o texto para que ele encontrasse, e com
isso, entendesse a mensagem subliminar? E se quisesse repetir com ele tudo o que escre-
vera sobre os personagens?
Seu coração disparou. Ela não era tão inexperiente quanto imaginara. Jamais teria
conseguido revelar tantos detalhes usando apenas a imaginação. Ela o desejava e havia
feito amor com ele na ficção. Então, chegara a hora de parar de representar o papel de
cavalheiro galante e confrontar a realidade. Se Maggie queria escrever sobre satisfação
sexual, ele lhe mostraria com todos os detalhes.
Afinal, fora ela quem começara naquela noite, com a desculpa de beijá-lo sob o
visgo.
Com um sorriso, guardou o manuscrito na gaveta. Sua pequena e inocente Maggie
lhe reservara uma grande surpresa.
Para aliviar a culpa por bisbilhotar, prometeu a si que falaria com ela sobre a
invasão de privacidade, mas só depois de demonstrar que nenhum personagem de ficção
o superaria.
Olhou no relógio, que marcava oito horas. Ainda era cedo, e tinha uma boa razão
para procurar Maggie naquela noite. Tateou o ramo de visgo que havia colocado no bolso
momentos antes, como se isso lhe desse a coragem de que precisava.
Maggie era uma escritora talentosa. E o desejava. Não tinha mais dúvidas a
respeito. Se não pudesse tê-la como esposa, pelo menos tinha esperança de proporcionar-
lhe a melhor noite de amor da vida dela. Pela primeira vez em seis meses, tudo parecia
estar de volta ao seu lugar.
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
Eric não deu ouvidos aos protestos de Maggie e entrou no quarto com ela nos
braços. A facilidade com que a segurava o admirou, mesmo que fosse uma mulher pequena
e leve.
Quando seus pés tocaram no chão, ela o abraçou. Sem se mover, Eric esvaziou os
bolsos da calça e retirou à carteira, uma embalagem de preservativos e o ramo de visgo
que carregava consigo. Maggie fez menção de ajudá-lo, e deixou-a desafivelar o cinto antes
de conduzir as mãos delicadas para o cós da calça.
— Suas mãos estão tremendo... — notou.
— Estou excitada. Quero você, Eric. Eu o desejo há muito mais tempo do que você
pode imaginar.
Impactado pelo efeito das palavras, ele fechou os olhos e sentiu o tremor dos dedos
ao abrir os botões de sua camisa.
A promessa da nudez incentivou Maggie e seus dedos literalmente voaram até que
tivesse tirado a peça. Quase com reverência, tateou o peito largo. Correu os dedos pelo
torso, sentindo a maciez dos pelos escuros e dos músculos sólidos.
— Eu o desejo desde a primeira vez que o vi — confessou com paixão ardente. —
Naquela ocasião, eu soube que você seria o homem da minha vida.
As palavras sussurradas o tomaram de surpresa, e ele estreitou os olhos com
ceticismo.
— Você tinha dezessete anos, querida. Ainda era uma criança. Como podia ter
tanta certeza?
— Uma criança com muita imaginação — ela completou, roçando os pelos
acetinados para se deter nos mamilos. —À noite, sozinha na minha cama, eu imaginava o
que gostaria de fazer com você. Tocá-lo, senti-lo me tocando...
Ela ergueu o rosto e admirou-o com um sorriso, erguendo-se para beijá-lo no
queixo.
— Está querendo me dizer que tinha fantasias eróticas comigo?
— Desde o começo. — Ela apoiou as mãos no quadril estreito e se ajoelhou diante
dele, numa súplica, e pressionou o rosto contra a ereção evidente. — Não há nada que não
tenha feito com você em minha imaginação.
— Maggie... — Eric gemeu quando ela abriu o zíper da calça com vagar calculado.
— Se você fizer isso, juro que não vou conseguir me controlar.
Forçou-a a ficar de pé, mas ela resistiu. Lutando para não perder o controle, deixou
que ela abaixasse a calça e pousasse as mãos sobre o tecido da roupa íntima.
Mais lentamente ainda, saboreando o momento, Maggie terminou de despi-lo.
Roçou o nariz nos pelos fartos e inalou o aroma másculo.
Pousou os lábios no membro túrgido e deslizou a língua por toda a extensão,
exatamente como descrevera com detalhes em uma cena de seus livros. Porém, nenhum
sonho superava o prazer que a envolveu ao sentir a pulsação através da textura macia.
Nunca tivera tanta intimidade com um homem, e a novidade da descoberta excitou-
a ainda mais. Explorou a virilidade pujante, alheia à tortura que as carícias representavam
para Eric. Passou a ponta do dedo pela gota fluida que brotou do membro ereto,
lubrificando-o com a mão fechada em movimentos ritmados.
— Já basta, Maggie — ele balbuciou ofegante.
Ela não lhe deu ouvidos. Em seus romances, os homens sempre davam prazer às
mulheres com a boca. A simples ideia a excitava ao limite. Refletiu que o reverso nunca lhe
ocorrera. A ideia de agradá-lo com a boca era nova e incrivelmente excitante.
— Diga-me se é assim que gosta — sussurrou, inclinando a cabeça para beijá-lo.
Eric, porém, puxou-a com força possessiva e a deitou na cama.
— Juro que vou deixá-la fazer o que quiser comigo, mas não agora. E nossa
primeira vez. Se você não parar, não vou mais conseguir me conter.
Apanhou a embalagem do preservativo e rasgou-a para colocá-lo com urgência
incontida. Maggie abriu os braços para ele, oferecendo-se. Usando os joelhos, Eric afastou
as pernas e se posicionou sobre ela.
— Gostaria que fosse lento e eterno... — disse. — Mas não posso mais esperar.
Não foi como Maggie imaginara suave e romântico. Em vez disso, ele segurou-a
pelos cabelos com possessividade e a beijou, impedindo-a de pensar. Penetrou-a com uma
investida rápida e profunda que a fez gritar de prazer, e foi envolvido pelo calor da
intimidade úmida e quente.
Não, sua primeira vez com Eric estava longe de ser romântica, Maggie pensou num
flash de lucidez. Ao contrário, era selvagem, primitiva e muito, muito erótica. Sentir Eric
dentro de si estava além de qualquer descrição.
—Assim... — Eric gemeu quando ela acompanhou seus movimentos, numa dança
sensual.
Ele moldou os seios que tinham a medida exata das palmas de suas mãos,
afagando-os no mesmo ritmo em que se movimentava. Ela era suave, quente e feminina
em todos os lugares, e desejava absorver cada milímetro dela.
— Eric...
Paralisado, ele viu o rosto bonito se contrair e assistiu ao clímax de Maggie, intenso,
vibrante, inesquecível. Seu coração pareceu explodir, até quase parar enquanto o amor o
consumia, suplantando todas as emoções. Fazer amor com aquela mulher estava além do
que jamais imaginara.
Maggie gemeu algo incompreensível enquanto ele continuava a se movimentar
dentro dela, com mais vagar, sentindo seu membro ser comprimido pelos espasmos
rítmicos que acompanharam o orgasmo.
Percebeu que ela relaxou, e finalmente pôde dar vazão a sua própria urgência.
Maggie abriu os olhos e assistiu enquanto ele tencionava todos os músculos do
corpo para explodir num jato quente de prazer.
Sorriu ao sentir o peso do corpo relaxado sobre o seu e acariciou os cabelos em
desalinho. Sentia a pulsação se confundir com a dela e desejou que aquele momento per-
feito durasse para sempre.
— Você vai ficar a noite toda comigo? Por favor, diga que sim — sussurrou numa
súplica.
Eric a abraçou com força e rolou na calma, puxando-a sobre si.
— Não pretendo ir a lugar nenhum, a menos que você queira — murmurou com
voz rouca.
Ele a beijou na testa e deslizou para fora da cama. Ela admirou o corpo nu e
acompanhou quando seguia para o banheiro. Ouviu o ruído da água corrente da torneira e
sorriu ao vê-lo retornar ao quarto. Havia retirado o preservativo e estava pronto para ela
novamente.
— Quero que me conte sobre sua antiga admiração por mim — pediu, deitando-se
ao lado dela.
Maggie soube que chegara o momento. Levou alguns segundos para reunir
coragem antes de erguer o rosto para encará-lo. Pretendia não só dizer que o amava, como
também sobre o plano do pai para uni-los.
— Não é admiração, Eric. É amor. Ele permaneceu calado, esperando.
— Eu te amo desde a primeira vez em que te vi. Meu pai sabia, e foi por isso que
me deixou a companhia. Ele acreditava que você a queria, e tinha esperança de que... Bem,
papai achava seria uma forma indireta de você me notar, através do seu interesse pela
empresa.
Eric a encarou como se tivesse sido atingido por um soco no estômago. Ela
percebeu a tensão que pairou no ar e rezou para que ele não se recusasse a ouvi-la.
— Eu não quero a presidência da companhia, Eric. Nunca quis. Mas não pretendia
contrariar o desejo do meu pai. O problema é que, por mais que fosse bem-intencionado,
ele se enganou. Quando assumi a presidência, você se tornou mais distante de mim.
Ele endireitou o corpo com expressão confusa. Sentindo-se subitamente
vulnerável, Maggie puxou os lençóis e se cobriu.
— Eric, eu juro que nunca quis manipular você. Nada do que falei ou fiz teve
qualquer relação com os planos de meu pai.
— Shhh! — Ele a silenciou colocando o indicador sobre os lábios macios. —
Maggie, você não quer assumir os negócios?
Ela balançou a cabeça em negativa.
— Não, Eric. Eu não quero, e se você realmente não quiser tomar a frente, pretendo
vendê-la.
Tenso, Eric se levantou e começou a passear pelo aposento.
—Acredite, Eric, não vou deixar que nenhum funcionário diga uma só palavra sobre
nosso envolvimento. Claro, haverá muita fofoca a respeito, mas não vou deixar que
ninguém o insulte.
— Não preciso que você me defenda Maggie. Posso lidar com os boatos. Só não
quero que você seja magoada.
— Eu também posso me defender, assim como você.
— Tenho de concordar — ele disse com um sorriso provocante, acalmando-se. —
Vamos discutir melhor seus planos. Admito que você me pegou de surpresa. Eu receava
que Drake não aprovasse meu interesse por você e, mesmo sendo meu melhor amigo,
nunca me abri com ele. E foi ele próprio quem preparou uma estratégia para nos aproximar!
— Balançou a cabeça com uma risada. — Drake era um homem surpreendente.
— Papai estava apenas tentando me ajudar a ser feliz, usando as armas de que
dispunha. Mas você não tem de se preocupar. Vou vender a companhia. Não quero ficar
amarrada aos negócios, pois tenho outros interesses.
— Maggie... — Eric começou devagar, sentindo o coração apertado. — Aquela
companhia era a razão de viver do seu pai, além de você, é claro. Ele começou do nada e
deu duro para construir tudo o que deixou para você. Mesmo que não queira assumi-la,
jamais pense em vendê-la. Não é preciso.
— Não?
— Não. Posso administrá-la para você. Se... — ele enfatizou a única palavra além
do necessário — Se você se casar comigo.
Maggie prendeu a respiração. Pestanejou e levou alguns segundos para ter certeza
de que tinha entendido.
— Não quero que pense que você é parte da barganha, nem que me casei com
você por causa da empresa. Quero deixar claro que eu te amo e é você que eu desejo, e
não os benefícios que envolvem os negócios.
— Mas você disse que não queria...
— Não é verdade — ele a interrompeu. — Estive do lado de seu pai desde o
começo, e conheço cada detalhe do funcionamento da firma. O que eu não queria era que
você confundisse meu amor com interesse, por isso me afastei. Sim, eu quero assumir
todas as responsabilidades, estou preparado para isso, mas quero você muito, muito mais
do que qualquer droga de companhia.
— Oh...
Eric puxou o lençol que a cobria e a envolveu num abraço terno.
— Você disse que costumava fantasiar comigo... — Ele riu, beijando-a na testa. —
Não imagina o quanto fantasiei com você! Planejava me declarar depois da sua formatura
na universidade, mas muita coisa aconteceu então. Perdemos Drake e você se tornou
minha chefe. Tudo ficou confuso.
— Tem razão — ela balbuciou. — Passamos por momentos difíceis.
— Sim, mas você encarou seu desafio com bravura, Maggie. Eu confesso que não
acreditava na sua capacidade de gerenciar a empresa, e me surpreendi com sua atitude
positiva e confiante. Pensei então que, se revelasse meus sentimentos, você nunca teria
certeza do que eu queria.
— Mas você queria... A mim?
— Por Deus, Maggie! Eu estava a ponto de ficar louco! Cheguei a pensar em mudar
de emprego para não ter de conviver com a tortura diária de vê-la e não poder tocá-la.
— Oh, Eric...
Grossas lágrimas molharam os olhos adoráveis e ela pestanejou para afastá-las.
— Eu tinha medo de que você nunca me notasse. Tentei de tudo. Achei que se
fosse mais sofisticada, se mostrasse que não era mais uma criança, você deixaria de me
ignorar...
Ele riu e passou as mãos pelos cabelos macios.
— E eu te amo, Maggie, exatamente como você é e de qualquer jeito que queira
ser.
Ela abriu a boca para esclarecer melhor tudo que se relacionava à companhia, mas
Eric a beijou, convencendo-a que aquela conversa podia esperar.
Eric rolou na cama, sonolento. Uma alegria profunda o fez sorrir antes mesmo que
estivesse completamente desperto. Procurou por Maggie, mas ela não estava lá. Quando
abriu os olhos, percebeu que ainda era noite. Onde ela estaria?
Ergueu-se e sentiu um arrepio percorrer seu corpo quando o ar da madrugada o
envolveu. Antes de sair da cama, vestiu a calça sem perder tempo em abotoá-la. Desceu
os degraus em silêncio e foi para a sala. Encontrou Maggie na escrivaninha, escrevendo
sob a luz da árvore de Natal. O ramo de visgo que ele trouxera do escritório repousava
sobre o tampo, como se o tivesse colocado como um amuleto. Os cabelos sedosos caíam
sobre o rosto, e o robe, ligeiramente aberto, deixava um dos ombros à mostra.
Estava tão absorta que não notou sua presença, e um sorriso brincou nos lábios
dele ao imaginar que cena estaria escrevendo.
Parou para admirá-la, certo de que estava diante de um anjo caído do céu.
— Está registrando os fatos enquanto ainda estão frescos em sua memória?
Com uma exclamação assustada, Maggie ergueu a cabeça. Os reflexos coloridos
da luz espelharam-se nos olhos escuros e doces.
— Eric! — Cobriu a folha com a mão, tentando escondê-la. — O que está fazendo
aqui?
Ele se aproximou, ainda sorrindo, sentindo o peito transbordar de alegria.
— Eu ia lhe perguntar o mesmo.
Maggie tirou as mechas de cabelos do rosto e se levantou, sem mover a mão sobre
a folha.
— Eu estava... Muito excitada para dormir. Achei que podia adiantar um pouco meu
trabalho.
— Entendo. — Ele assentiu e hesitou por alguns instantes. — Maggie, eu li parte
do seu livro no escritório.
— O... O quê?!
— Fiquei admirado com seu talento.
— Você quer dizer que... Que leu meu manuscrito? — ela insistiu incrédula.
— Desculpe, eu não pretendia invadir sua privacidade. Acontece que, depois de
me beijar no escritório, eu decidi procurá-la. Fui à sua sala e não a encontrei. Havia uma
folha caída no chão... — Ele ergueu os ombros com um sorriso de desculpa. — Sinto muito,
mas a curiosidade foi maior do que minha discrição. Não pude resistir ao impulso de ler.
— E... E foi só o que você leu?
— Tenho de admitir que fui um pouco mais além. Mexi em suas gavetas e encontrei
o manuscrito.
Eric a observou por alguns instantes, incerto se estava furiosa, envergonhada, ou
ambos.
— Jamais poderia imaginar que você fosse tão talentosa. O elogio provocou o
esboço de um sorriso, e ele respirou aliviado, certo de que ela o perdoara pela indiscrição.
— Não pretendia contar a ninguém sobre meu vício secreto. O que mais gosto de
fazer é escrever histórias de amor.
— Mal posso esperar para ler o restante do livro. — Procurou os olhos dela e sorriu
em provocação. — Por acaso você estava me usando como inspiração para sua história?
— Oh, Deus! — Ela corou até raiz dos cabelos. — Eu não...
— Saiba que não me importo. — Eric se aproximou e beijou a nos lábios e no
pescoço. — Ao contrário, fico lisonjeado.
— Se você ler o livro todo saberá que ainda não fizemos tudo que os personagens
fizeram.
— E eu gostaria de fazer. — As mãos desceram pelas costas sobre o tecido
felpado. — O herói tem muitas semelhanças comigo.
— Tem razão. — Ela fechou os olhos e suspirou. — Já escrevi três livros, Eric. Este
será o quarto. Os personagens masculinos eram um médico, um fuzileiro naval, um
vendedor de carros e, agora, um homem de negócios.
— Quem eram os outros homens em quem você se inspirou? — perguntou,
enciumado.
— Todos foram inspirados em você. — Os belos olhos aveludados o fitaram. —
Claro, com algumas variações, mas as qualidades que têm, e o que os faz interessantes, o
que os transforma em heróis para as mulheres que gostam de ler romances, tudo isso foi
tirado de você.
As palavras o tocaram no coração.
— Eu te amo, Maggie.
— E você gosta da forma como escrevo?
— Acho incrível. Vai me deixar ler o livro todo?
— Sim, quando terminar.
Eric abriu o robe e beijou o colo de pele sedosa.
— E vai deixar que eu administre a companhia para você?
— Sim. E serei eternamente grata por isso.
— E vai se casar comigo?
Maggie respirou fundo, receando que ele ouvisse as batidas descompassadas do
coração.
— Sim...
—Tenho de admitir, Maggie... —Eric murmurou com uma risada. — Esse é o melhor
bônus de Natal que já recebi!
EPÍLOGO
Maggie apanhou uma colher e bateu-a de leve na taça de cristal, chamando a
atenção de todos os presentes à festa de Natal.
Eric se aproximou. Não tinha ideia do que ela faria, mas estaria do lado dela para
lhe dar apoio.
Definitivamente, ela era iluminada, pensou, observando os olhos escuros reluzirem
de alegria quando estendeu a mão para mostrar o anel de noivado que recebera no dia
anterior. Os cabelos estavam presos num rabo-de-cavalo com uma fita vermelha e verde,
e usava bolinhas de Natal como brincos, além de um broche com a miniatura de Papai Noel.
Ele adorava a ideia de que ela havia deixado de lado as roupas sofisticadas e severas, e
voltara a ter a mesma energia e entusiasmo de antes... E, em especial, na cama.
Teve de afastar os pensamentos, ou todos os funcionários veriam a intensidade do
seu desejo. Endireitou os ombros e se concentrou no que ela dizia.
— Esse ano, além do bônus de Natal e da ceia, vou propor a todos um novo contrato
em que consta participação nos lucros da empresa.
Um burburinho excitado percorreu os convidados. Eric a fitou, chocado com a
declaração.
— Não é muito, mas já que não pretendo assumir os riscos sozinha, não é justo
ficar com todos os lucros. Ademais, Eric se recusa a tirar a companhia das minhas mãos.
Portanto, de agora em diante, ele e eu assumiremos juntos a presidência. Sei que meu pai
teria aprovado.
Todos se voltaram para Eric ao mesmo tempo. Ele riu secretamente, espantado
com a capacidade de Maggie em erradicar qualquer possibilidade de boatos.
— E quero que todos saibam... — Ela ergueu a mão e mostrou o anel —... Que nós
vamos nos casar.
Aplausos entusiasmados tomaram Eric de surpresa. No entanto, ele parecia ser o
único, pois a declaração de Maggie não provocou espanto em mais ninguém.
Alguém, que julgou ter sido Janine, gritou:
— Finalmente vocês dois se entenderam!
Diversos comentários semelhantes ecoaram entre os presentes, traduzindo
aprovação.
— Quer dizer que ninguém está surpreso? — ele perguntou com uma risada sem
graça.
Janine, aceitando o papel de líder, deu um passo à frente com o estímulo de seus
colegas.
— Nós fizemos um banco de apostas — explicou com um sorriso. — A maioria
apostou que você faria o pedido depois do Ano Novo. Todos nós sabíamos que vocês dois
estavam apaixonados.
— E você me convidou para sair! — acusou-a.
— Todas nós fizemos o mesmo — Janine confessou com uma risada. — Achamos
que, se Maggie ficasse com ciúme, poderia tomar alguma atitude. E foi pelo mesmo motivo
que os rapazes não paravam de flertar com ela.
— Então, não passava de um complô?! — Eric arregalou os olhos.
— Não acredito que vocês planejaram tudo isso!
O som da risada de Maggie se evidenciou dentre as demais, como uma melodia
pura e cristalina.
— Estamos oficialmente noivos — ele anunciou com expressão de falsa censura.
— Portanto, mantenham-se afastados dela. Entenderam?
Os homens enunciaram um juramento solene num coro em uníssono,
acompanhado de risadas.
— E o melhor, eu fui uma das únicas a acertar a data! Janine exclamou, empolgada.
— Eu ganhei a aposta!
— Não, Janine... Fui eu quem ganhou.
Eric tocou de leve o queixo de Maggie e, diante de todos, beijou-a até que suas
pernas fraquejassem... E ninguém teve a menor dúvida de que estavam unidos em nome
do amor.
CARLY PHILLIPS
SOB A MAGIA DO NATAL
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
Antônia estava em parte mortificada pelo ato impulsivo que tivera com o homem
errado. Porém, outra parte, a maior dentro dela, exultava com um frenesi que ela nunca
sentira antes.
Reprimiu o entusiasmo e voltou à atenção para as crianças a seu redor. Como
pudera cometer tamanho equívoco? Censurou-se. Em vez de beijar Stefan, acabara se
atirando nos braços do irmão gêmeo... Mas, como poderia saber que não era ele? Pareciam
idênticos à primeira vista.
Com a visão periférica, notou-o observando-a com o canto dos olhos. Stefan falava
com empolgação, e ele ouvia em silêncio. Sem a descarga de adrenalina que seu ato im-
pulsivo provocara, pôde ver com mais clareza a diferença entre os irmãos.
O homem que ela beijara tinha cabelos menos arrumados, e a aparente displicência
emprestava-lhe em aspecto mais másculo. Aliás, transpirava masculinidade por todos os
poros e era muito, muito mais atraente. Excitou-a de uma forma que ela somente descobriu
ser capaz depois do beijo.
E que beijo! Antônia cruzou os braços, como se pudesse conter os sentimentos que
a inundavam. Como sempre, obrigou-se a olhar com honestidade para si, suas ações e a
situação.
Não podia evitar a verdade. Estava a ponto de embarcar numa nova vida
profissional, e não podia se permitir a nada que fosse além de uma noite, não importava o
quanto a decisão estivesse fora de seus padrões de conduta.
Achara que Stefan era o homem perfeito para testar seus encantos femininos, mas
estava enganada. Qualquer atração que tivesse sentido por ele não passava de cinzas em
comparação com o que havia experimentado com o irmão. E ela queria mais...
Mas, com a chegada das crianças, não tivera escolha a não ser esperar. Enquanto
isso continuava com o jogo esquivo de contato visual que começara mais cedo. Seu cora-
ção batia ruidosamente no peito e a antecipação a aquecia.
— Só mais duas crianças, Toni — Anne, sua secretária, cochichou-lhe ao ouvido.
— Não sei se agradeço a Deus por isso, ou se deveria me lamentar por todas as
crianças desabrigadas que não estão aqui para receber um presente — ela murmurou com
um suspiro.
Havia passado muito tempo em abrigos quando era criança, e sabia o que
significava um Natal sem presentes.
— Que tal agradecer a Deus por ter realizado sua boa ação e estar livre para
conhecer melhor um dos gêmeos Corbin?
Antônia sentiu o rubor subir ao rosto. Anne teria visto aquele beijo escandaloso
atrás da árvore de Natal?
— Não sei do que você está falando — tentou disfarçar, embaraçada.
— Ora, daquele clone melhorado do Stefan. — A secretária acrescentou sua
opinião pessoal à explicação. — E ele não tira os olhos de você desde que chegou.
Antônia se acomodou melhor no trono de Papai Noel que ocupava e dirigiu a
atenção para a criança seguinte.
— Você sabia que Stefan tinha um irmão? — perguntou depois de entregar o
presente.
— Não, o que foi uma pena... Gostaria de tê-lo conhecido antes que você o
agarrasse para si — Anne comentou, deixando evidente que testemunhara o beijo. Ajudou-
a a dar o último brinquedo e se apressou em recolher os papéis espalhados pelo chão.
— Você não vai esperar até o final da festa? — Antônia quis saber, avaliando os
presentes que restavam no saco.
— Tenho um encontro. Além do mais, a festa já está no fim, e pretendo me divertir
hoje à noite. — A secretária ajeitou os cabelos e piscou com cumplicidade. — Tente fazer
o mesmo.
Antônia abriu a boca para dizer que não era nada do que ela estava pensando, mas
Anne se afastou antes que tivesse tempo de explicar.
Evitando olhar para o irmão gêmeo de Stefan, ela fez uma lista mental de tudo que
mandaria para o asilo, consciente de que ainda tinha de empacotar os pertences de sua
sala. Aquela seria a última noite que passava na sede do escritório. A partir do Ano Novo,
ela e um sócio indicado pelo presidente tomariam a frente da nova filial. Não pretendia
voltar, e já começara a organizar seus arquivos e tudo que pretendia levar para a nova sala.
— Você já parou de entregar presentes?
Ela reconheceu a voz sedutora que ecoou às suas costas.
— Oh, é você... — balbuciou, como se a presença dele pudesse passar
despercebida. — Precisa de alguma coisa?
— Já que você tem um relacionamento especial com Papai Noel, esperava que
pudesse atender meu desejo. — Dedos suaves tiraram a mecha de cabelos caída sobre os
olhos e deslizaram na pele alva com perfeita precisão.
Antônia sentiu uma contração no estômago e forçou uma risada.
— Você não acha que já é bem crescidinho para acreditar em Papai Noel?
— E você não é jovem demais para não acreditar?
— Estou vestida como um dos duendes dele. Isso não lhe dá nenhuma pista sobre
em quem ou no que acredito?
Naquele instante, acreditava no homem que sorria como se ela fosse alguém
especial, assim como em qualquer coisa que ele dissesse.
Virou a cabeça para o lado e se viu face a face com ele, perto o bastante para beijá-
lo, se quisesse. E queria mais do que tudo! Nunca havia experimentado nada tão forte e
poderoso quanto à atração imediata por aquele estranho.
— Sem dúvida, sua fantasia sugere algo. E evidente que acredita no espírito
natalino e quer compartilhá-lo com todos a seu redor. Mas, afora isso, sei muito pouco sobre
você e pretendo mudar essa situação. — Ele contornou a cadeira e se acomodou sobre o
braço, aumentando a consciência do corpo de Antônia com a presença poderosa.
As pernas roçaram em seu braço, e ela teve a sensação de que a temperatura da
sala se elevara subitamente. Olhou ao redor e percebeu que muitos dos convidados já
haviam deixado à sala. Ainda assim, restavam algumas pessoas que pretendiam
cumprimentar William Corbin, que ficara de passar por lá e ainda não chegara. Mesmo que
tivesse esquecido temporariamente de sua ética pessoal quando beijara aquele estranho
sob a árvore de Natal, a posição que ocupava no momento chamaria a atenção de todos
se ela desse vazão aos seus impulsos. Portanto, decidiu seguir sua rígida determinação de
que o ambiente profissional não era adequado para romances.
— Não sou Papai Noel, e você não pode se sentar no meu colo e fazer um pedido
— avisou, tentando soar bem-humorada.
— Vou aceitar seus limites... Por enquanto.
Antônia suspirou profundamente. O perfume masculino, uma mistura de toques
amadeirados com pura masculinidade, a inebriou. Obrigou-se a se afastar, tomando o
cuidado de se lembrar de onde estava. Antes que perdesse o bom senso, retomou o tema
da conversa.
— No entanto, posso dizer a Papai Noel o que você deseja... Quero dizer, o que
você quer ganhar. E então? O que devo dizer?
Ela tentou minimizar a importância do que dissera. Era óbvio que a palavra "desejo",
uma vez pronunciada, deixava sua marca indelével, e foi o que constatou ao perceber que
o clima entre eles estava carregado de tensão sexual.
— Que tal se dissesse a ele que eu desejo o mesmo que você?
— E o que seria?
— Terminar o que começamos sob o visgo imaginário pendurado no teto.
A resposta direta e honesta a atordoou. Mas, antes que tivesse tempo de pensar,
aplausos irromperam ao redor deles, interrompendo o clima de magia.
Apesar da pulsação do desejo dentro dela, Antônia se esforçou para procurar a
razão do burburinho. Viu William Corbin parado à porta com uma bengala e Stefan ao lado
dele, sustentando-o pelo braço.
Por que o irmão gêmeo não estava com eles? Perguntou-se, e somente então
percebeu que não sabia o nome do homem que seria capaz de seguir até o fim do mundo,
se ele pedisse.
— Tenho de cumprimentar meu pai, mas não pense que já acabamos. — Ele se
levantou com um sorriso.
Ela assentiu e desviou o rosto. Quando decidiu seduzir Stefan, tinha certeza de que
não correria o risco de se envolver emocionalmente. Queria apenas começar o novo ano
sentindo-se bem e sabendo que poderia ter o homem que desejava, mesmo que por uma
noite. Mas havia beijado o irmão errado, ou certo, dependendo da perspectiva, e não sabia
nada a respeito dele.
Então, poderia continuar o que havia começado e ver até onde iria, ou fugir, algo
que aprendera com a mãe ao vê-la fazer o mesmo tantas vezes.
Antônia Larson, porém, não fugia, determinou para si.
— Certo, vamos terminar o que começamos — afirmou, umedecendo os lábios. —
Mas quero que você me diga seu nome.
— Max—ele respondeu com um brilho divertido nos olhos.
— Até logo, Max.
— Até breve... Muito breve.
As palavras continham certeza e a voz prometia compartilhar mais do que um beijo.
Com um último olhar, Max deu-lhe as costas e se afastou com relutância.
Antônia observou quando ele se aproximou do pai e testemunhou o abraço
hesitante. Olhando para Max, viu preocupação e amor nas feições perfeitas, sem o menor
sinal do homem sedutor e provocante. O encontro parecia ser comovente para ambos.
Entretanto, ele se desvencilhou do abraço e disse alguma coisa que fez Stefan rir.
Então se virou, e do outro lado da sala, o olhar encontrou o dela e um sorriso sensual
transformou a expressão séria.
A mensagem era clara: ele não havia esquecido a promessa de vê-la mais tarde.
Seu estômago se apertou em antecipação e a pulsação do desejo assaltou seus
sentidos. Ela balançou a cabeça, espantada.
Max devia pensar que ela era uma mulher depravada, e mesmo assim, estava
interessado... E o mais engraçado era não ser o homem que ela esperava. Destino e ironia
haviam trabalhado juntos.
Levou os dedos aos lábios e imaginou a sensação da boca trabalhando sua mágica
sobre a dela, a respiração quente e o perfume másculo a envolvendo.
Soltou um suspiro, pressentindo que a noite que ela planejara estava prestes a ser
muito muito excitante...
Max não queria sair do lado de Antônia nem por um instante, o que indicava a força
da atração por uma mulher que ele mal conhecia, mas que pretendia explorar
profundamente.
Depois de conversar sobre vários assuntos exceto negócios, seu pai se desculpou
cansado, e se despediu com a promessa de ver o filho no dia seguinte.
Max esperava apenas que os laços que começara a forjar naquele dia perdurassem
depois que lhe dissesse que não aceitaria a oferta para voltar aos negócios da família, que
entendesse que o amava e estaria sempre pronto para ajudá-lo em qualquer outra coisa
que fosse necessária.
Mas antes que tivesse de enfrentar o dia seguinte, tinha a noite toda pela frente e
ansiava por cada minuto. Caminhou pelo corredor às escuras, com frestas de luz
escapando de algumas salas indicando que estavam ocupadas, e parou diante da porta
que o irmão dissera ser a de Antônia.
Os acordes da música soavam do lado de dentro. A antecipação pulsava forte
dentro dele quando girou a maçaneta vagarosamente e entrou sem que ela notasse.
Antônia estava esvaziando as gavetas e colocando o conteúdo em caixas
espalhadas pelo chão, cantarolando enquanto trabalhava.
Sorriu ao ouvir o som desafinado e pensou, divertido, que era sorte ela não ter de
ganhar a vida como cantora.
— Pode cantar para mim sempre que quiser... Antônia gritou e deu um pulo.
— Nossa! Você quase me matou de susto! Deveria ter anunciado sua presença...
Max se aproximou, e a cada passo, ela recuou até encontrar a parede, flxando-o
com olhos arregalados.
— O que está fazendo?
— O que você pediu — ele respondeu sem se intimidar. — Anunciando minha
presença.
— Como se fosse possível não notar!
— Você ficou com medo de mim?
Ela balançou a cabeça em negativa e Max sorriu com indulgência. Desejava aquela
mulher de muitas e variadas formas, mas assustá-la não era uma delas.
— Você não me assusta, Max. — O nome flutuou nos lábios dela. Então, para
provar o que dissera, estendeu a mão para ele. — E um prazer conhecê-lo oficialmente.
Sou Antônia Larson.
— O prazer é meu. — Tomou a mão pequena e quente, envolvendo-a com calor.
— Eu já sabia seu nome. Stefan me disse.
— Não tenho medo de você. Acontece que você me surpreendeu.
— Uma boa surpresa, espero.
— Certamente. Por que está aqui?
— Esperava que você aceitasse meu convite para jantar.
— E se eu tiver outros planos?
Ele a encostou contra a parede atrás dela.
—Terá de mudá-los — disse com mais confiança do que de fato sentia. Seu maior
receio era que Antônia o rejeitasse antes que tivesse chance de explorar a química que
havia entre eles.
— Convença-me a mudá-los — ela provocou com um sorriso que escondia um
convite irrecusável.
Max enlaçou os dedos ao redor da mão pequenina e a puxou para perto, passando
um braço pela cintura fina.
— Vamos dançar...
Antônia arregalou os olhos, entre divertida e espantada.
— Aqui?! Você está brincando?
— Está me vendo rir?
Para ilustrar, ele aumentou a pressão do braço ao redor da cintura e rodopiou pelo
pequeno escritório no ritmo da música.
Antônia pousou a mão no ombro dele para se apoiar, moldando-se ao corpo
vigoroso.
Era leve e graciosa, e parecia estar se divertindo, fato que o deixou
surpreendentemente feliz. O corpo dele não pôde ignorar as curvas luxuriantes, e uma
ereção poderosa o fez lembrar de que não ficaria satisfeito com uma simples dança. Porém,
sabia dentro dele que não estava ali para apenas uma noite. Era um homem que passara
a vida toda confiando em seu instinto e não o subestimaria naquele momento. Queria muito
mais do que sexo com aquela mulher.
— Você é ótimo dançarino! — Ela inclinou a cabeça para trás e sorriu.
— O mérito é todo seu.
— Você acha mesmo? — Antônia riu com alegria. — Nunca me disseram isso!
Ele se afastou e, segurando-a pela mão, fez com que rodopiasse e terminasse o
movimento de encontro a seu peito. Estavam tão próximos que o calor dos corpos se
confundiu.
Mantendo a mão presa na dele, Max girou-a e fez com que ficassem frente a frente.
Conscientes um do outro, os olhares se encontraram, refletindo uma explosão de desejo.
Antônia esperou com antecipação incontida até que ele inclinasse o rosto e
cobrisse sua boca, lentamente, com certeza possessiva, e os olhos azuis somente se
fecharam quando os lábios tocaram os dela.
O primeiro beijo entre eles havia sido espontâneo, afoito. Mas aquele era muito
mais envolvente. Ele não teve pressa, a língua descobrindo os recessos profundos da boca
úmida, conhecendo-a como se fosse seu dono.
O ventre de Antônia se apertou em resposta e as mãos tatearam as costas largas,
como se tivessem vida própria.
Forte e gentil Max assumiu o controle, comandando os movimentos. Queria que
Antônia participasse com igualdade e traçou o contorno dos lábios cheios com a ponta da
língua, numa resposta não verbal da mais completa aceitação.
Ela suspirou, sentindo-se flutuar. Max era um homem que não só expressava
livremente o desejo físico como também não escondia as reações emocionais. Aquele
aspecto em particular a fascinava.
O gemido gutural que escapou dos lábios dele encontrou resposta nos locais mais
secretos dentro de Antônia, um local que ela mantinha escondido e intocado até aquele
momento.
Sem avisar, ele se afastou, encostando a testa à dela.
A intimidade do contato corporal proporcionou a Antônia um delicioso bem-estar.
— Eu ainda não a convenci?
— Convenceu-me de quê?
Antônia estava sem fôlego, atordoada pela intensidade daquele encontro
extremamente emocional. Não podia dizer que fora apenas um beijo, não quando ele
envolvera sua alma e seu coração em cada movimento que fizera. Como esperar que
pensasse com clareza naquele momento?
— Estou feliz por conseguir fazer com que você esquecesse tudo, menos minha
presença. — A risada rouca enviou ondas de calor através dela. — Pedi para você ignorar
os planos para esta noite e jantar comigo. Você disse que eu teria de convencê-la, lembra-
se?
Ele traçou a curva dos lábios úmidos com o dedo, lembrando-a do beijo e de tudo
que se passara entre eles.
— E então, eu a convenci?
Num gesto instintivo, Antônia entreabriu os lábios e contornou a ponta do dedo com
a língua.
— Vou entender como um "sim"... — Max riu.
Sim, ele podia levá-la a qualquer lugar, a qualquer momento, mas ela não pretendia
revelar tão explicitamente sua aceitação. Em vez disso, tossiu baixinho e endireitou os
ombros.
— Seria ótimo irmos jantar, mas sem termos reservado mesa, não encontraremos
nenhum restaurante com lugares disponíveis a esta hora.
Jantares, reservas... Antônia esperou que a conversa banal pudesse fazê-la
encontrar novamente seu equilíbrio emocional. Depois daquele interlúdio, duvidava que
seus pés pudessem voltar a tocar o chão ainda naquela noite.
— Nesse caso, vou levá-la a um lugar especial. Está pronta?
— Vestida deste jeito?
Ela baixou o olhar para o traje de duende que ainda usava e se arrependeu por ter
saído de casa com a fantasia em vez de ter deixado para se trocar no escritório.
Max avaliou-a dos pés ã cabeça com um sorriso devastador. Se ela soubesse como
estava sexy naquele minivestido verde!
— O lugar que tenho em mente não impõe nenhuma regra quanto à vestimenta.
— Pode ser, mas o que as pessoas dirão se me virem vestida desta maneira?
— Você se importa com o que as pessoas dizem? Antônia hesitou para responder.
Era óbvio que se importava. Sempre se importara, e talvez esse tivesse sido um de seus
maiores erros. Passara a vida toda preocupada com o que diriam a seu respeito, e não com
a própria felicidade. Graças a isso, sua vida se limitava a noites solitárias e fins de semana
tediosos.
Pensativa, ela tirou o gorro e as presilhas que prendiam os cabelos, alheia ao efeito
devastador que o gesto inocente provocou em Max.
— Vou entender seu silêncio como uma afirmativa — ele comentou, distraindo-a
dos pensamentos. — Mas, mesmo que se preocupe com a opinião alheia, garanto-lhe que
ninguém se importará com seus trajes no bar. Lá, todos são bem-vindos, inclusive fadas e
duendes. O único problema é que terá de deixar as renas do lado de fora.
— Muito engraçado! — Ela tentou parecer brava, mas não conseguiu reprimir o
riso.
— Estou falando sério. É um bar chamado "Bar Nenhum" e pertence a um grande
amigo meu. E então, virá comigo ou não?
Antônia viu esperança e antecipação nos olhos dele, as mesmas emoções que
vibravam dentro dela e lhe davam a coragem necessária para se arriscar.
Tateando o precipício que se abria à sua frente, hesitou por um breve segundo
antes de mergulhar de cabeça.
— Está bem, Max — declarou por fim. — Vou com você.
Max teve de se esforçar para concentrar-se na direção com Antônia ao lado dele.
O calor que emanava da presença dela o envolvia como um abraço terno.
— Enquanto você estava me rodopiando no meu escritório... — ela começou, e foi
logo interrompida.
— E beijando-a e tocando-a — Max completou, lembrando-a do que ele próprio
jamais se esqueceria.
— Você não mencionou que esse bar era tão afastado da cidade.
— Você não perguntou onde era.
Ela sorriu e estendeu a mão para o painel, na direção do ar quente, mas ele duvidou
que necessitasse de calor.
Minutos depois, passaram pela estação de trem iluminada e enfeitada com as cores
tradicionais do Natal, assim como a maioria das casas do bairro periférico. Max seguiu por
uma rua estreita e parou o carro no estacionamento do "Bar Nenhum".
O pub e restaurante, no mesmo bairro periférico onde ele vivia e trabalhava,
localizava-se à uma hora de carro do centro de Nova York.
— Tenho a impressão de que não foi por não ter perguntado que você não me disse
onde era... — ela murmurou. — Acho que você ficou com medo que, se eu soubesse que
era tão longe, não aceitaria seu convite.
— Você é uma mulher perspicaz — ele comentou, tirando a chave da ignição.
Depois do segundo beijo, quando se conectaram em tantos níveis que era
impossível contar, não correria o risco de perdê-la ao mencionar um pequeno detalhe como
a distância.
— Mas eu lhe dei chance de recusar, não foi? Antônia riu, e o peito de Max se
aqueceu com o som melodioso. Queria descobrir tudo que pudesse a respeito de sua fada,
e já sabia que ela estava em um momento de mudanças, o que era fácil deduzir depois de
vê-la empacotar os pertences no escritório. Embora não quisesse falar nada que pudesse
assustá-la, tinha todas as intenções de ser parte do novo começo que ela pretendia ter.
— Seu amigo é dono deste lugar? — ela perguntou, olhando ao redor. — A
decoração está maravilhosa.
Colou o rosto no vidro da caminhonete, admirando a fachada. Encantou-se com a
infinidade de luzes pequeninas que contornava as janelas, a porta e o telhado da constru-
ção de dois andares.
— Como você planeja explicar meus trajes? Durante o trajeto, ela havia retirado a
tornozeleira de guizos e deixado no console do carro.
— Se alguém perguntar vou dizer que você é um duende do Papai Noel. — Max
girou o corpo e tomou a mão dela, beijando a palma macia.
— E você acha que alguém vai aceitar essa explicação?
— Não me importo com o que possam pensar. Tudo o que me importa é o que você
pensa.
Max a conhecia havia poucas horas, mas a conexão que sentia era real.
Os longos cílios flutuaram quando ela encontrou seu olhar. Sentiria a mesma
necessidade que pulsava em seu corpo naquele momento? Nunca antes havia se
apaixonado por uma mulher que acabara de conhecer. Sentir-se vulnerável não era algo a
que estivesse acostumado, e a necessidade urgente de confirmar que ela sentia o mesmo
o assaltou.
— Diga-me uma coisa... Já que você trouxe esse tema à tona, por que decidiu se
fantasiar de duende?
Ele ouvira a versão do irmão, agora queria ouvir a dela.
— Eu só estava tentando compartilhar a alegria do Natal.
— Talvez seja parte da razão, mas não creio que seja tudo. E antes que você entre
naquele bar lotado, quero saber mais a seu respeito.
Queria algo que mostrasse que confiava nele, que provasse que o que existia não
era unilateral. Antônia mordeu o lábio inferior, hesitante.
— O que Stefan lhe contou? E não me diga que você não perguntou!
Ele riu, admirando a intuição e a sinceridade dela.
— Ele me disse que você organiza a visita das crianças e distribui presentes no
Natal. Foi tudo.
— E você quer saber por quê...
— Sim, e não me importo com o que seja. O que quero mesmo é conhecê-la.
Olhando nos olhos dele, Antônia acreditou na sinceridade. Embora não tivesse dito
nada em voz alta, em algum lugar entre beijá-lo e abraçá-lo, ela desenvolvera um
inconfundível senso de proximidade. Não sabiam quase nada um do outro, mas ele estava
lhe oferecendo a oportunidade de mudar a situação.
Nunca falara sobre o passado com um homem, tampouco se sentira tão íntima.
Para ela, abrir-se e revelar suas emoções era o mesmo que expor suas fraquezas. Porém,
a vulnerabilidade que tanto temia não podia mais ser evitada. Já fora longe demais com
Max ao permitir que ele atravessasse as barreiras com que protegia seu coração.
No entanto, lembrou-se que não planejava nada além de uma noite. Depois disso,
nunca mais o veria.
A mão firme tocou-a no queixo e permaneceu ali.
— Confie em mim, querida.
Max inclinou a cabeça e a palma moldou-se em seu rosto, proporcionando a
Antônia um renovado senso de segurança.
— Passei minha infância em abrigos — admitiu. — Meu pai era alcoólatra e ficava
violento quando estava embriagado. Sempre que isso acontecia, minha mãe saía de casa
e me deixava em algum orfanato que ele não pudesse encontrar. Porém, quando a situação
entre os dois se acalmava, voltava para casa e me levava com ela.
— Isso não deveria acontecer com criança alguma.
— Exatamente. E isso explica minha preocupação com as crianças e a fantasia de
duende.
— E também explica minha atração por você — ele murmurou.
— Você tem fetiche por mulheres vestidas de duende? — Max riu, mas ficou sério
no instante seguinte. Nada do que Antônia acabara de revelar era engraçado.
— Na verdade, tenho atração por mulheres bonitas com um grande coração.
— Não me dê tanto crédito assim. Tudo o que faço é puramente egoísta. Quando
terminei o segundo grau, jurei que terminaria minha educação de alguma forma e que seria
uma mulher independente para não ter o mesmo destino que minha mãe.
— E você conseguiu.
— Sim, com alguma ajuda. — Um brilho de gratidão iluminou os olhos dela. —
Descobri, quando minha mãe morreu, que ela havia feito um seguro de vida em meu nome.
O dinheiro era suficiente para custear meus estudos. Então, não tive de me preocupar muito
com o aspecto financeiro, mas trabalhei como louca para construir meu senso de
segurança.
— E agora você é uma mulher realizada.
— Creio que sim. — Ela se virou, procurando a maçaneta da porta. — Estou com
fome! — exclamou, numa mudança clara de assunto.
Era óbvio que ela não queria se expor, mas Max fez uma nota mental para descobrir
mais a respeito daquela mulher.
— Antônia, espere.
Ela o fitou sobre o ombro.
— Tenho mais uma pergunta importante.
— O que é?
—Você achou que estivesse beijando meu irmão, não é? Mesmo nas sombras da
cabine, Max percebeu o rubor que cobriu o rosto dela.
— Foi um impulso equivocado — Antônia respondeu sem maiores explicações.
— E você se arrependeu?
— Só de uma coisa...
Ele esperou com respiração suspensa até que ela terminasse.
— Sinto-me mal por você ter pensado que havia algo entre mim e Stefan, ou que
tenho sentimentos por seu irmão que estejam além da amizade.
— E você não tem? Afinal, você me beijou achando que era ele. É difícil acreditar
que dois amigos se beijem daquele jeito...
— Eu devo ter parecido uma mulher desesperada! — Ela riu e balançou a cabeça.
— Bem, admito que nenhuma mulher em sã consciência deixaria de notar Stefan. Ele é um
homem atraente, e o mais importante: é solteiro. Eu quis apenas aproveitar a oportunidade
de viver uma aventura. Mas, no minuto em que você e eu nos beijamos, descobri que eu
estava interessada no homem errado.
Max teve sua resposta, e deixou o ar sair com vagar. Ele também a desejava.
Então, deixaria que a noite acontecesse...
CAPÍTULO III
— Olá, detetive! Como está?
— Estou ótimo, Milt — Max cumprimentou o porteiro com uma continência.
Detetive? Antônia encarou Max com o cenho franzido, mas ele apertou sua mão e
a puxou em meio ao bar lotado.
Era impossível conversar com aquele burburinho, então, esperou que ele
encontrasse um lugar para se acomodarem antes de soltar a mão e capturar a atenção
dele.
— Max, você é detetive?
— Investigador particular. Por quê?
— Por nenhuma razão em especial. Eu não tinha ideia do que você faz para viver.
— Agora você tem. — Ele se apoiou no balcão. — Jake, nós queremos...
Olhou para Antônia com uma pergunta silenciosa.
— O que você for beber — ela esclareceu.
— Duas cervejas, Jake.
O homem por trás do balcão, aparentemente com a mesma idade que Max,
assentiu em retorno.
— Brownie, levante a assento da cadeira e prepare a mesa do detetive.
Antônia ergueu a sobrancelha, admirada, e Max fez um gesto em direção a uma
mesa no canto.
— Eu tenho mesa cativa neste bar. — Balançou a cabeça ao ver o senhor de rosto
avermelhado que ocupava seu território. — E claro que o velho Fields nunca se lembra
disso!
— Ele não parece disposto a ceder o assento para nós.
— Se ele não ceder, vou tirá-lo à força. Caso contrário, ele não para de beber, e
não conseguirá chegar em casa.
— Max acariciou o rosto dela com um sorriso. — Acredite em mim. Fields é um
antigo frequentador e conheço essa rotina há muito tempo.
— Você já o expulsou do bar ou já o mandou embora para ocupar a mesa com
alguma mulher?
— Não há outra mulher além de você.
Antônia gostou da resposta, mas não teve certeza se Max lhe dizia apenas o que
ela queria ouvir. Segundos mais tarde, ele aliviou suas preocupações segurando-a com as
palmas das mãos para um beijo sedutor. Incapaz de pensar, ela deixou o tema da
especulação de lado.
Ao presenciarem a cena, os frequentadores começaram a aplaudir, com assovios
de aprovação.
Embaraçada, Antônia sentou-se num dos bancos do balcão sentindo os joelhos
tremerem, e Jake colocou as cervejas diante dela.
— Você sabe como fazer uma entrada triunfal, Corbin — provocou o amigo. — E
agora, o que acha de me apresentar sua namorada?
— N... Namorada? —Antônia gaguejou confusa.
— O que eu deveria pensar? Max frequenta este bar há seis anos e nunca trouxe
uma mulher para cá. Se você prefere ser chamada por outra coisa, não deixe de me avisar.
— Jake apressou-se em dizer.
Max deu uma piscadela cúmplice para o amigo.
— Está vendo? Ele acaba de comprovar minha declaração. Jake Bishop, esta é
Antônia...
— Larson — ela concluiu, estendendo a mão antes que o amigo percebesse que
Max não sabia seu sobrenome.
— Prazer em conhecê-la, Antônia. — Jake pendurou uma toalha sobre o braço. —
Quer alguma coisa para comer? Meu hambúrguer é o melhor da cidade.
Sem esperar pela resposta, ele seguiu para a cozinha.
— E um rapaz modesto — Max ironizou, conduzindo-a para a mesa.
Para alívio de Antônia, Fields se levantou cambaleante e puxou a cadeira para que
ela sentasse, e Max não teve de expulsá-lo.
— Obrigado, Fields. E agora, vá para casa — ordenou, sentando-se diante dela. —
Mas, como eu ia dizendo, Jake tem o direito de se envaidecer. Olhe para esse bar. E uma
mina de ouro. Claro que é o único da região, mas estaria vazio se não fosse bom.
— E é um lugar em que você tem sua própria mesa e todos parecem saber disso.
É como se aqui fosse seu lar.
Ela admirou com apreciação a decoração rústica e aconchegante. O bar tinha
atmosfera agradável e doméstica, que dava boas-vindas aos frequentadores, e julgou que
Max passasse grande parte do seu tempo livre ali.
— Na verdade, aqui é o meu lar. — Ele fez um gesto em direção ao teto. — Eu
moro num apartamento no segundo piso.
Antônia sorriu surpresa, e apoiou o queixo nas mãos.
— Seu amigo disse que você não tem o hábito de atrair mulheres para seu lar.
— Eu não a forcei a vir comigo, lembra-se? Só me esqueci de mencionar alguns
detalhes, como a distância, mas isso é irrelevante. — Ele riu, entretanto, a expressão se
tornou séria a seguir. — Se quiser que eu a leve de volta para casa depois do jantar ou a
qualquer momento, basta me dizer.
O coração dela bateu num rápido crescendo no peito. Não queria ir a lugar algum
sem ele. Haviam se encontrado naquela noite, mas parecia conhecê-lo por uma eternidade.
— E se eu não quiser ir embora? — perguntou com suavidade.
— Se você não quiser ir embora, passará a noite comigo. A respiração quente fez
cócegas em seu rosto, e Antônia percebeu como poderia se apaixonar facilmente por aque-
le homem.
Para uma mulher que proclamava com orgulho a sua independência, tinha de
admitir que gostava do poder que Max exercia sobre ela. Mas seria o bastante para passar
a noite toda?
— Aqui está o jantar! — Jake chegou, interrompendo a corrente elétrica que corria
entre eles.
Depois de servir a refeição, puxou uma cadeira e se sentou à mesa.
Max olhou para o amigo sem esconder a censura pela intromissão, mas foi
ignorado.
Queria ficar sozinho com Antônia, mas precisava de uma pausa, ou tomaria a mão
dela e a levaria para a cama, a única coisa que desejava e a última que tinha de fazer.
Antes disso, queria construir uma relação sólida entre eles, e não agir como um lobo faminto
se quisesse tê-la por mais de uma noite.
— Vocês dois se conheceram numa festa à fantasia? — Jake perguntou, fazendo
um gesto para comida diante deles. — Não vão comer?
—Nós nos conhecemos na cidade. — Max olhou para o teto.
— E eu trabalho com o irmão dele — Antônia explicou.
— Você é advogada?
— Mas não uma advogada típica — Max se apressou em explicar, sabendo que a
próxima pergunta do amigo seria por que ele se apaixonara por uma advogada, sendo que
era a profissão que mais abominava.
— Verdade?
— Suponho que sim — ela respondeu com amabilidade.
— Ao menos, não sou como um típico Corbin.
— Vocês dois parecem se entender bem. — Jake se inclinou na cadeira, pouco
disposto a sair da mesa. — Deve ter sido amor à primeira vista...
Max se inquietou e olhou ao redor, ansioso para se livrar de Jake.
— Você percebeu que o bar está esvaziando enquanto você fica aqui? —
perguntou, irritado.
— Por acaso você está tentando se livrar de mim?
— Pelo visto, parece que tenho de ser mais claro!
— Vocês dois parecem irmãos! — Antônia riu, passeando o olhar de um para outro.
— Você já teve experiência de conviver diariamente com alguém por seis anos e
ter desejo de matá-lo pelo menos uma vez por dia? — Max apontou para o amigo com uma
carranca que, no entanto, deixava evidente o afeto.
— E assim que me sinto com relação à Jake.
— E a recíproca é verdadeira, só que eu não sinto vontade de matá-lo uma vez por
dia. — Jake se levantou e apoiou as mãos no tampo. — Sinto vontade de matá-lo o dia
inteiro!
Os dois riram, e Jake deu palmadas amigáveis no ombro do amigo.
— Bem, tenho de trabalhar. Já avisei aos clientes que vou fechar mais cedo hoje,
como sempre faço na época de Natal. — Olhou ao redor das mesas que começavam a
esvaziar. — Menos dinheiro, mais tempo para a família. No fundo, a família é o que importa.
Ele sorriu para Antônia, e ela retribuiu com genuína simpatia. Gostava de Jake e
não reprimiu uma ponta de inveja por aquela amizade sólida.
Max, por sua vez, a observava com atenção. Pelo que ela dissera antes de
entrarem n