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PERGUNTAS PROVAS ORAIS FCC


DIREITOS HUMANOS
EXAMINADOR: FRASSETO

1. Parte Geral: Os fundamentos filosóficos dos Direitos Humanos. Universalismo e


relativismo cultural.

1. DPE-AM / AP / BA – Disserte sobre os fundamentos filosóficos dos Direitos


Humanos.
Resposta: Excelência, os Direitos Humanos possuem como fundamento filosófico o
jusnaturalismo, de origem religiosa e racional, ou seja, que defende a existência de um
conjunto de normas vinculantes anterior e superior ao sistema de normas fixadas pelo
Estado (direito posto), tendo como traço marcante seu cunho metafísico; o positivismo
nacionalista, ou seja, a consolidação do Estado constitucional, fruto das revoluções
liberais oitocentistas, inseriu os direitos humanos tidos como naturais (jusnaturalismo
de direitos humanos) no corpo das Constituições e das leis, sendo agora considerados
direitos positivados; as teorias utilitaristas, que, em síntese, prega que os cidadãos
cumprem leis e compromissos com foco nas futuras vantagens (utilidades) que obterão
para si e para a sociedade; e socialistas e comunistas, pois na visão dos movimentos
socialistas e comunistas do século XIX e início do século XX, as sociedades humanas
podem ser compreendidas no contexto da história da luta de classes, na qual interagem
os opressores (detentores dos meios de produção) e os oprimidos (aqueles que não têm
os meios de produção, só contando com sua força de trabalho a ser explorada).
Acréscimos da revisora: São 3 as principais teorias acerca dos fundamentos filosóficos
dos direitos humanos: a teoria jusnaturalista (principal), a qual aduz que os direitos
humanos se fundamentam em uma ordem superior, universal, imutável e inderrogável;
a teoria positivista, a qual afirma que os direitos humanos são alicerçados na ordem
jurídica posta, somente reconhecendo como direitos humanos aqueles que sejam
positivados e a teoria moralista (Perelman), a qual fundamenta os direitos humanos na
“experiência e consciência moral de um determinado povo”, ou seja, na convicção social
acerca da necessidade da proteção e determinado valor. Na atualidade, encontra-se
difundida a visão de que os direitos humanos se fundam nos reconhecimentos da
dignidade inerente a todos os membros da espécie humana, iguais em sua essência,
razão pela qual se pode afirmar que predomina a teoria jusnaturalista.

2. DPE-AP - Qual o termo específico da dignidade da pessoa humana para São Tomás
de Aquino? Fale sobre Kant.
Resposta: Excelência, para São Tomás de Aquino (Escola do Direito Natural de Razão
Divina), o reconhecimento da dignidade da pessoa humana é qualidade inerente a todos
os seres humanos, que nos separa dos demais seres e objetos. O intelecto e a
semelhança com Deus geram a dignidade que é inerente ao homem, como espécie. Em
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outro viés, para Kant tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é
substituível e tem equivalente; já aquilo que não admite equivalente, possui uma
dignidade. Assim, as coisas possuem preço; os indivíduos possuem dignidade. Nessa
linha, a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo,
com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio, nunca um meio ou
instrumento para a consecução de resultados, não possuindo preço.
Consequentemente, o ser humano tem o direito de ser respeitado pelos demais e
também deve reciprocamente respeitá-los (forte caráter antropocentrista).

2. A evolução histórica dos Direitos Humanos: direito humanitário, legado do Tribunal


do Nuremberg, Liga das Nações, Tribunal Penal Internacional (TPI), Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e suas convenções.

3. DPE-AP - Quais as quatro gerações de direitos humanos? Explique porque os direitos


sociais não se enquadram na terceira geração.
Resposta: Excelência, a teoria das gerações dos direitos humanos foi lançada pelo jurista
francês de origem checa, Karel Vasak, que classificou os direitos humanos em três
gerações, cada uma com características próprias. Posteriormente, determinados
autores defenderam a ampliação da classificação de Vasak para quatro ou até cinco
gerações. Nesse passo, inspirando-se nos ideais da Revolução Francesa, a primeira
geração seria composta por direitos referentes à “liberdade”; a segunda geração
retrataria os direitos que apontam para a “igualdade”; finalmente, a terceira geração
seria composta por direitos atinentes à solidariedade social (“fraternidade”).
Posteriormente, no final do século XX, há aqueles, como Paulo Bonavides, que
defendem o nascimento da quarta geração de direitos humanos, resultante da
globalização dos direitos humanos, correspondendo aos direitos de participação
democrática (democracia direta), direito ao pluralismo, bioética e limites à manipulação
genética, bem como de uma quinta geração que seria composta pelo direito à paz.
Importante consignar, que a teoria das gerações é objeto de severa crítica da doutrina.
Finalmente, os direitos sociais não se enquadram na terceira geração, pois a essência
desses direitos é ligada à prestação estatal para todos, enquanto nos direitos de terceira
geração são deveres não só dos Estados, mas da sociedade em geral. Além disso, os
direitos de segunda geração são de titularidade do indivíduo, porém exercidos
coletivamente; já a titularidade dos direitos de terceira geração seria da própria
coletividade.

4. DPE-AP / ES - A quais tribunais internacionais o Brasil é submetido? O Brasil se


submete a jurisdição do TPI? Como se dá a execução das decisões do TPI? Quem faz a
entrega de uma pessoa para ser julgada no TPI? Essa decisão precisa passar por algum
procedimento para que seja executada na justiça brasileira? Se o TPI condenar um
brasileiro a prisão perpétua, então, como seria o processamento no Brasil?
Excelência, o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação
tenha manifestado adesão, conforme art.5º, §4º, da CF/88. Nesse contexto, após anos
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de negociação no seio das Nações Unidas, foi adotado o texto do tratado internacional
que cria o Tribunal Penal Internacional (TPI), Tribunal cuja jurisdição o Brasil se submete
nos termos do Decreto n. 4.388/02. No tocante a execução das decisões do TPI, o
Tratado de Roma disciplina ainda a execução penal, sublinhando a importância do pacto
de cooperação entre os Estados que o ratificaram. Desse modo que delineia, em seu
artigo 103, a função dos Estados na Execução das penas privativas de liberdade,
afirmando que as penas privativas de liberdade serão cumpridas em Estado que seja
indicada pelo Tribunal, consoante lista de Estados que tenham manifestado
disponibilidade para recebimento de pessoas condenadas, porém o referido Tribunal
não tem poder de polícia para executar suas decisões, em outras palavras, as decisões
do Tribunal Penal Internacional, pelo menos até o momento, não podem ser cumpridas
por aqueles Estados que não desejem seu cumprimento, nações estas amparadas pela
noção de soberania absoluta, mesmo sua relativização sendo expressamente prevista
no Estatuto de Roma; já execução das penas de multa assim como às medidas de perda
determinada pelo Tribunal, os Estados Partes farão sua aplicação, sem prejuízo de
direitos de terceiros de boa fé e de acordo com os procedimentos previstos no
respectivo direito interno. Estamos diante, mais uma vez, do dever de cooperação que
norteia as relações entre os Estados que tomaram parte do Estatuto de Roma. Quanto
ao procedimento para execução das decisões na justiça brasileira, assim como as
decisões da Corte Interamericana IDH, as decisões do TPI não se qualificam como
sentença estrangeira e sim sentença internacional, não necessitando passar pelo
procedimento previsto na CF/88. Por fim, a CF/88 veda, expressamente, a imposição de
pena de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, “b”). Logo, a doutrina no sentido de que o
Estatuto de Roma seria, a priori, inconstitucional neste aspecto. Nessa senda, a Lei n.
13.445/2017 (Lei de Migração) impõe como condição para o deferimento do pedido de
extradição, que o Estado requerente assuma o compromisso de comutar a pena de
morte, perpétua ou corporal em pena privativa de liberdade (caso cumprida no Brasil),
respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 anos (art. 96, III); no caso da entrega
para o Tribunal Penal Internacional, essa exigência não poderia ser imposta por dois
motivos: em primeiro lugar, porque há hipótese de revisão da pena, após vinte e cinco
anos de cumprimento. Em segundo lugar, fica claro que a vedação da extradição nestes
termos foi oriunda da construção do STF para impedir que a cooperação entre Estados
pudesse se realizar fora de determinados padrões de respeito a direitos humanos (no
caso, pena excessiva). Mas o TPI é justamente um tribunal que visa proteger os direitos
humanos pela punição daqueles que violaram valores essenciais da comunidade
internacional.
Acréscimos da revisora: Em síntese, o procedimento de apuração de crimes de
genocídio, guerra, contra a humanidade e de agressão (crimes de competência do TPI)
são apreciados da seguinte forma: Inquérito -> Acusação admitida -> Juízo de
Julgamento e 1ª instância -> Juízo de recursos. O TPI pode exercer sua jurisdição a partir
de Inquérito do Procurador ou de denúncia dirigidas a este por Estado-Parte ou pelo
Conselho de Segurança da ONU. A abertura de inquérito depende da autorização do
juízo de instrução (juízo de admissibilidade), de forma que o procedimento é conduzido
pelo procurador, mas processado no âmbito do juízo de instrução. As vítimas podem
apenas apresentar representações ao juízo de instrução, de forma que o TPI não acolhe
petições individuais. Nenhum inquérito ou procedimento poderá ter início ou prosseguir
pelo período de 12 meses se o Conselho de Segurança da ONU assim aprovar resolução.
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A sentença do TPI é obrigatória e será proferia por unanimidade ou por maioria de votos
(juízo de 1ª instância). Tanto o Procurador quanto o réu podem recorrer, nos casos de
vício processual, erro de fato ou erro de direito, sendo vedada a reformatio in pejus. O
juízo de recursos também é competente para apreciar pedido de revisão da sentença
condenatória ou da pena (ex: descoberta de prova nova). Por decisão do juízo de
revisão, a apreciação do pedido revisional poderá ser feita pelo juízo de 1ª instância. As
deliberações do TPI serão secretas, mas a sentença é publicada em audiência pública.
Quanto à execução das sentenças do TPI, uma vez que o TPI possui personalidade
jurídica de Direito Público Internacional, representando verdadeira Corte Internacional,
a execução não se submete ao rito de homologação de sentença estrangeira, uma vez
que se trata de sentença internacional.
As penas privativas de liberdade serão cumpridas num Estado indicado pelo Tribunal a
partir de uma lista de Estados que tenham manifestado a sua disponibilidade para
receber pessoas condenadas pelo TPI. Em cada caso concreto, o Estado deve concordar
em receber o condenado, podendo também estabelecer condições para tal. As penas
de multa e perda de bens serão aplicadas pelos Estados-Partes.
Obs: penas aplicáveis pelo TPI => prisão por até 30 anos, prisão perpétua (elevado grau
de ilicitude do fato + condições pessoais do condenado), perda de bens provenientes do
crime, reparações (indenização, reabilitação e restituição). Pode haver o reexame da
pena aplicada quando cumpridos 2/3 da pena ou 25 anos no caso de prisão perpétua,
se verificado que foram respeitados alguns requisitos (como a colaboração do apenado
no procedimento de investigação e na execução das penas pecuniárias)
Como já afirmado, o Brasil encontra-se vinculado ao TPI não apenas por ser signatário
do Estatuto de Roma, como também em vista da norma da CF (art. 5º, §4º). Apesar disso,
a aplicação efetiva do Estatuto de Roma do TPI em território nacional ainda é objeto de
incertezas.
Uma das maiores problemáticas enfrentadas envolve a possibilidade de entrega, pelo
Brasil, de estrangeiro ou nacional condenado pelo TPI à cumprir pena de prisão
perpétua. Uma primeira corrente doutrinária afirma a impossibilidade dessa entrega
(DP – defender essa posição), com base na prevalência do disposto na CF (art. 5º, XLVII,
b), que veda a pena de caráter perpétuo (vide voto do Min. Celso de Mello no
julgamento do pedido de cooperação jurídica – Pet 4625 – o qual defende a
impossibilidade da entrega. Obs: STF ainda não foi provocado em relação a entrega ao
TPI, mas esse pedido de cooperação sinaliza pena impossibilidade como tendência do
Tribunal). Uma 2ª corrente (Portela) defende que é possível a “surrender”, uma vez que
o Estado é parte do Estatuto de Roma, além do disposto no art. 5, §4 da CF. Entretanto,
é certo que nada impede que o brasileiro condenado pelo TPI cumpra pena no Brasil,
conforme prevê o próprio Estatuto de Roma. Outro fundamento é o princípio da
primazia dos direitos humanos como um dos princípios que rege o Brasil nas relações
internacionais (art. 4º, II, da CF). Outro argumento a favor da entrega é a sua
diferenciação da extradição – enquanto a entrega é de um indivíduo a uma Corte
Internacional independente e imparcial, cuja competência foi aceita previamente pelo
país e onde se tem certeza de que o julgamento respeitará as garantias do indivíduo, a
extradição é a entrega de um indivíduo ao “arbítrio” de outro Estado, o qual, por conta
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de sua soberania, não se vê obrigado a respeitar as garantias processuais penais do


extraditado.
Outra polêmica diz respeito ao princípio da legalidade estrita no que tange à tipificação
das infrações penais. A tipificação de crimes deve ser objeto de lei em sentido formal ou
estrito, conforme expresso na CADH, no PIDCP e na CF/88, o que não é o caso do
Estatuto de Roma, que é um tratado.
Outro problema consiste na IMPRESCRITIBILIDADE DOS CRIMES DE COMPETÊNCIA DO
TPI. Sabe-se que somente lei interna pode qualificar-se, constitucionalmente, como a
única fonte formal direta, legitimadora da regulação normativa concernente à
prescritibilidade ou imprescritibilidade da pretensão estatal de punir. Para a CIDH, a
imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade decorre tanto do jus cogens como
do caráter permanente de alguns crimes (ex: desaparecimento forçado – lembrar da
condenação do Brasil no caso Vladimir Herzog).
Vale ressaltar que tramita no CN um PL que visa a permitir a efetiva aplicação do TPI no
Brasil, inclusive com a tipificação dos crimes indicados no Estatuto de Roma e
estabelecendo regras adicionais voltadas a permitir a melhor persecução penal desses
atos no Brasil e à colaboração entre o país e o TPI.
Outras informações relevantes acerca do TPI: JULGA INDIVÍDUOS, NÃO ESTADOS; A
RESPONSABILIDADE É SUBJETIVA; OBEDECE A PRINCÍPIOS COMO A LEGALIDADE, A
ANTERIORIDADE, O NE BIS IN IDEM, A IRRETROATIVIDADE A NÃO SER PARA BENEFICIAR
O RÉU, VEDAÇÃO A ANALOGIA IN MALAM PARTEM, DEVIDO PROCESSO LEGAL,
IMPARCIALIDADE, AMPLA DEFESA, DENTRE OUTROS. O TP NÃO JULGA MENORES DE 18
ANOS. AS IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS NÃO SÃO APLICÁVEIS AO TPI (PRINCÍPIO DA
IRRELEVÂNCIA DA QUALIDADE OFICIAL). COMPETÊNCIA PARA JULGAR ATOS
COMETIDOS: NO TERRITÓRIO DOS ESTADOS-MEMBRO, EM OUTROS ESTADOS QUE
TENHAM ACEITO A COMPETÊNCIA DO TPI DE FORMA EXTRAORDINÁRIA OU EM
QUALQUER ESTADO – NESTE ÚLTIMO CASO DESDE QUE HAJA A INTERVENÇÃO DO
CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU (O CONS. DE SEGURANÇA PODE FAZER COM QUE
O TPI TENHA COMPETÊNCIA UNIVERSAL!). A nacionalidade do réu não importa. NÃO HÁ
PENA DE MORTE NO TPI. SÓ TEM COMPETÊNCIA EM RELAÇÃO AOS CRIMES COMETIDOS
APÓS A ENTRADA EM VIGOR DO ESTATUTO. COMPLEMENTARIEDADE DA JURISDIÇÃO
DO TPI EM RELAÇÃO À JURISDIÇÃO DOS ESTADOS – TPI só deve agir quando esgotados
os recursos internos, ou quando tais recursos não existam/funcionem. Estado é o sujeito
primário da punição daqueles que cometem crimes internacionais.
Últimas considerações #revisãofinal: O TPI foi a 1ª corte criminal internacional que deve
funcionar por prazo INDETERMINADO, sendo considerado um TRIBUNAL PERMANENTE.
Precursores – Tribunal de Nuremberg (pós 2ª Guerra), Trib. Penal Internacional para a
ex-Iugoslávia e para Ruanda. Brasil é parte desde 2002. Não são permitidas reservas ao
Estatuto de Roma. Após a retirada, o Estado ainda fica sujeito aos seus efeitos por 1 ano.
É composto por 18 juízes – mandato de 9 anos – sem direito a recondução – não podem
haver juízes da mesma nacionalidade. Deve haver equitativa representação geográfica
e de gênero.
VISÃO GERAL SOBRE OS CRIMES DE COMPETÊNCIA DO TP
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a) CRIMES DE GUERRA: Contra as normas do direito de guerra ou direito


humanitário. Rol exemplificativo. Ex: homicídio DOLOSO, experiências
BIOLÓGICAS, tomada de reféns, prisioneiros de guerra se julgamento
justo/imparcial, ataque intencionais a populações, bens civis instalação de
missões de manutenção da paz ou assistência humanitária; ataques que
degradem de forma exacerbada o meio ambiente ou dirigir ataque
intencionalmente a patrimônio histórico e cultural, ataques a TEMPLOS
RELIGIOSOS, RECRUTAR MENORES DE 15 ANOS DE IDADE, EMPREGAR “ESCUDOS
HUMANOS”, ATOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL, etc.
b) CRIMES CONTRA A HUMANIDADE: atos cometidos no quadro de um ATAQUE
GENERALIZADO OU SISTEMÁTICO CONTRA QUALQUER POPULAÇÃO CIVIL
(exigência dessa intencionalidade especial). No TPI são crimes autônomos – é
possível que alguém seja julgado somente por eles, diferentemente do que
ocorreu no Tribunal de Nuremberg – só foram julgados quando conexos com
crimes de guerra ou contra a paz. Rol exemplificativo. Ex: ESCRAVIDÃO,
DEPORTAÇÃO OU TRANSFERÊNCIA FORÇADA DE POULAÇÕES,
DESAARECIMENTO FORÇADO, “LIMPEZA ÉTNICA”, APARTHEID, ou outros atos
desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande
sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou mental – cláusula
aberta. Ex: TERRORISMO.
c) CRIMES DE AGRESSÃO: Incluídos posteriormente (2010). É o
planejamento/preparação/execução, por parte de uma pessoa competente para
EFETIVAMENTE DIRIGIR A AÇÃO POLÍTICA DE UM ESTADO, de um ato de
agressão que, por suas características, gravidade ou escala, constituam
MANIFESTA VIOLAÇÃO DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS. Ex: Invasões ou ataques
armados aos territórios de outro Estado por parte de forças militares
estrangeiras, ocupações militares, bombardeios, bloqueios de porto, dentre
outros.
d) CRIMES DE GENOCÍDIO: PRÁTICA DE ATOS COMETIDOS CONTRA MEMBRO DE
UM GRUPO ÉTNICO, NACIONAL, RACIAL OU RELIGIOSO, COM A INTENÇÃO DE
DESTRUÍ-LO, NO TODO OU EM PARTE, sendo elencadas as condutas de:
homicídio, ofensas graves à integridade física ou mental, sujeição intencional do
grupo a condições de vida que possam provocar sua eliminação, total ou parcial,
medidas destinadas a impedir NASCIMENTOS, TRANSFERÊNCIA FORÇADA.
5. DPE-ES – Disserte sobre a Convenção do Genocídio.
Resposta: Excelência, tendo vista o reconhecimento do genocídio como crime de jus
cogens, bem como da necessidade de cooperação internacional para extirpá-lo, a
Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio foi aprovada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, promulgada pelo Brasil pelo Decreto 30.822/52.
Tal Convenção é pioneira em definir o genocídio, que consiste em todos os atos de
assassinato de membros do grupo, atentado grave à integridade física e mental de
membros do grupo, submissão deliberada do grupo a condições de existência que
acarretarão a sua destruição física, total ou parcial, medidas destinadas a impedir os
nascimentos no seio do grupo, a transferência forçada das crianças do grupo para outro
grupo, desde que tais atos sejam cometidos com a intenção de destruir (dolo específico),
no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Importa que as
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punições poderão ser aplicadas tanto a governantes e funcionários, quanto a


particulares, ressaltando-se, a eficácia horizontal dos direitos humanos (art. 4º). Esse
tratado é o primeiro a entrar em vigor trazendo menção a um “tribunal criminal
internacional” que seria constituído para julgar o genocídio. Contudo, somente em
1998, com o Estatuto de Roma (que entrou em vigor em 2002), foi constituído o primeiro
Tribunal Penal Internacional permanente apto a julgar crime de genocídio.
Acréscimos da revisora: A referida Convenção pune tanto o cometimento do genocídio
quanto: O acordo com vista a cometer genocídio; O incitamento, direto e público, ao
genocídio; A tentativa de genocídio; A cumplicidade no genocídio. A convenção contém
verdadeiro “mandado convencional de criminalização” do genocídio, prevendo que os
Estados integrantes precisam adotar medidas legislativas para efetivamente punir esse
grave crime. A convenção prevê, ainda, que o crime de genocídio NÃO SERÁ
CONSIDERADO CRIME POLÍTICO, PARA EFEITO DE EXTRADIÇÃO. O documento prevê,
ainda, que os Estados-parte podem recorrer à ONU para que tomem medidas de
prevenção e repressão, no caso de cometimento do crime de genocídio.
3. Direitos humanos na constituição federal brasileira de 1988.

6. DPE-AP – Disserte sobre a hierarquia dos tratados internacionais de direitos


humanos. Existe alguma teoria que coloca as convenções internacionais acima da CF.
Resposta: Excelência, com o advento da EC45/04, incluindo o §3º no art.5º, da CF/88, a
discussão jaz justamente sobre o status jurídico no ordenamento pátrio das normas
veiculadoras de tratados que versem sobre direitos humanos. Segundo os
constitucionalistas, somente possuem natureza constitucional as convenções
internacionais de direitos humanos submetidas e aprovadas sob o procedimento do Art.
5o § 3o da CF/88. Em contraposição, os internacionalistas, capitaneados por Cançado
Trindade, Flávia Piovesan e Valério Mazzuolli, asseveram que os tratados desse viés
possuem normas de natureza constitucional, independentemente de qualquer
formalidade no direito interno, por ostentarem conteúdo materialmente constitucional
diante da cláusula de abertura prevista no art.5º, §2º, da CF/88. A corrente dos
internacionalistas não foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu por
seguir um meio termo, ao não conferir paridade constitucional aos tratados de direitos
humanos independente de quórum de aprovação congressual, posicionando-os, porém,
acima da legislação ordinária (supralegalidade), no julgamento do RE 466343/SP, que
versou sobre a prisão civil do depositário infiel e concluiu por sua impossibilidade, o que
resultou na súmula vinculante nº 25. Finalmente, há de se lembrar a existência da teoria
da natureza supraconstitucional que, em face de sua origem internacional, coloca as
convenções internacionais sobre direitos humanos acima da CF/88.

7. DPE-AP / AM - Resolução de conflitos ante a colisão de direitos humanos: disserte


sobre as teorias interna, externa e fale do princípio da proporcionalidade. Cite a título
de exemplo uma decisão do STF sobre colisão entre direitos. Considerando a teoria
interna e a teoria externa cite um exemplo em que a solução seria idêntica nas duas
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teorias. Agora cite um exemplo em que a solução seria distinta em cada uma das
teorias.
Resposta: Excelência, a intensa abertura do ordenamento jurídico brasileiro aos direitos
humanos é comprovada pela existência de amplo rol de direitos previsto na Constituição
e nos tratados de direitos humanos. Além do caráter compromissário, os direitos
previstos na Constituição e nos tratados internacionais são redigidos de forma
imprecisa, com uso frequente de conceitos indeterminados que podem ser
interpretados de modo ampliativo, atingindo facetas novas da vida social. Essas
características forjam a chamada força expansiva dos direitos humanos, que consiste no
fenômeno pelo qual os direitos humanos contaminam as mais diversas facetas do
ordenamento jurídico. Nesse contexto, a primeira fórmula de superação dos conflitos
aparentes entre direitos humanos é o uso da interpretação sistemática e finalística, que
determinaria o verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos e a adequação desse
conteúdo à situação fática analisada. Esse modo de solução de conflitos entre direitos é
denominado “teoria interna”, o conflito teria sido meramente aparente já que há limites
internos a todo o direito, em síntese, a teoria dos limites internos dos direitos humanos
defende que as restrições a tais direitos devem estar expressamente autorizadas pela
Constituição e pelos tratados de direitos humanos, ou, ainda, devem ser extraídas dos
limites imanentes de cada direito. No caso Ellwanger (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min.
Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004) no
Supremo Tribunal Federal, apesar de muitos votos terem feito referência à
proporcionalidade (teoria externa), constou do acórdão passagem típica de uma teoria
interna, ao se defender que o direito à livre expressão não pode abrigar, em sua
abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal; já a teoria
externa adota a separação entre o conteúdo do direito e limites que lhe são impostos
do exterior, oriundos de outros direitos. Assim, há um procedimento de interpretação
bifásico da teoria externa: os direitos inicialmente protegidos (direitos prima facie) são
identificados, mas só serão efetivamente aplicados sobre a situação fática, caso não
exista uma restrição justificável criada externamente por outro direito (A
descriminalização do aborto realizado até o terceiro mês de gravidez, STF, Primeira
Turma, HC 124.306/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o ac. Min. Roberto Barroso,
julgado em 29-11-2016). Assim, nota-se, que o critério da proporcionalidade, então, é
chave mestra da teoria externa, pois garante racionalidade e controle da argumentação
jurídica que será desenvolvida para estabelecer os limites externos de um direito e
afastá-lo da regência de determinada situação fática, ou seja, o princípio da
proporcionalidade consiste na aferição da idoneidade, necessidade e equilíbrio da
intervenção estatal em determinado direito fundamental, tratando-se de uma
ferramenta de aplicação dos direitos humanos em geral, em situação de limitação,
concorrência ou conflito de direitos humanos, na busca de proteção. Por fim, também
cabe mencionar que as duas teorias (interna e externa) podem resultar na mesma
conclusão, como no clássico exemplo de limite imanente é o do homem que grita
falsamente “fogo” em uma sala de cinema lotada, violando com sua conduta a
integridade física daqueles que foram pisoteados pelo pânico gerado.

8. DPE-AP – Na decisão que julgou inconvencional a prisão do depositário infiel, o STF


conferiu hierarquia infraconstitucional, porém supralegal aos tratados internacionais
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de direitos humanos. Assim, explique como foi possível proibir a prisão do depositário
infiel com base neste entendimento se a própria CF admite esta modalidade de prisão.
Resposta: Excelência, com o advento da EC 45/04, incluindo o §3º no art.5º da CF/88,
acaloraram-se os embates entre internacionalistas e constitucionalistas acerca do status
que os tratados de direitos humanos adquirem ao ingressarem no ordenamento jurídico
pátrio. Nessa senda, o STF posicionou-se no sentido de conferir status de
supralegalidade às normas internacionais atinentes a direitos humanos anteriores à EC
45/2004 e posteriores sem o procedimento de aprovação do Art. 5o § 3o da CF/88 (bloco
de constitucionalidade restrito), posicionados entre o bloco de constitucionalidade e a
legislação ordinária. Veja-se que o STF não declarou a superioridade normativa da
Convenção Americana de Direitos Humanos sobre a Constituição Federal, nem aplicou
o princípio pro homine de adoção da norma mais favorável à proteção dos direitos
humanos. Assim, continua vigente o artigo da CF que permite a prisão do depositário
fiel, mas esta não se faz possível, por depender de complementação por parte de lei
ordinária, defesa de ser editada em razão de norma supralegal da Convenção Americana
de Direitos Humanos, que produz uma EFICÁCIA PARALISANTE sobre a norma
constitucional.
Acréscimos da revisora: O "efeito paralisante" da eficácia da norma (Gilmar Mendes) –
não há revogação do que está disposto na CF acerca da prisão do depositário infiel
(tecnicamente), apenas paralisação de seu efeito prático (ou seja: da validade das
normas que tenham regulamentado ou que venham a regulamentar a matéria, já que é
uma norma que DEPENDE de complemento infraconstitucional para ser concretizada).
No caso da prisão civil do depositário infiel, todas as normas internas (anteriores ou
posteriores à CADH) perderam sua eficácia prática (isto é, sua validade). E nenhuma
norma posterior poderá ser editada (eficácia paralisante). Alguns votos (no STF)
chegaram a mencionar a palavra revogação (cf . RE 466.343-SP e HC 87.585-TO).
Tecnicamente não é bem isso (na prática, entretanto, equivale a isso). A norma inválida
não pode ter eficácia (aplicabilidade), logo, equivale a ter sido revogada. Ao mesmo
tempo, não poderá haver a edição de novas normas, e este foi o motivo pelo qual o STF
conseguiu proibir a prisão civil do depositário infiel.

9. DPE-AP - Fale sobre o processo de responsabilização internacional, dando exemplos


de casos concretos envolvendo o Brasil. Quem paga a indenização? Quem comete o
ilícito ou o Estado?
Resposta: Excelência, as hipóteses de responsabilização internacional por violações de
direitos humanos podem ser tanto ações ou omissões atribuíveis a órgãos ou
funcionários do Estado quanto omissão do Estado em evitar que terceiros, particulares,
violem bens jurídicos que protegem os direitos humanos. Nesse contexto, a forma
federativa do Estado não o isenta de responsabilidade internacional. Trata-se da
aplicação da cláusula federal (art.28, da CADH). Como exemplo, pode-se citar o caso
Damião Ximenes Lopes vs. Brasil, julgado pela Corte IDH, onde a federação brasileira foi
condenada por violações aos direitos humanos de pessoa com deficiência mental por
ações cometidas por um particular autorizado pelo Estado a atuar. Assim, pode-se
concluir que quem comete ilícito é o Estado brasileiro, bem como será este que irá arcar
com eventual indenização.
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Acréscimos da revisora: Fundamentos da responsabilidade internacional - André de


Carvalho Ramos entende que os fundamentos da responsabilidade são a IGUALDADE
SOBERANA e a JURIDICIDADE DAS NORMAS INTERNACIONAIS. Portela ensina que o
fundamento da responsabilidade internacional compõe-se de dois pilares: o dever de
cumprir as obrigações internacionais livremente avençadas e a obrigação de não causar
dano a outrem. A responsabilidade internacional visa, portanto, a contribuir para a
aplicação prática das normas internacionais e a promover a eventual reparação dos
prejuízos sofridos pelos sujeitos de Direito Internacional.
Para a teoria tradicional, o instituto da responsabilidade não se referia diretamente ao
indivíduo, o qual, em caso de dano sofrido em decorrência do descumprimento de
norma internacional, podia, no máximo, recorrer à proteção diplomática do Estado do
qual é nacional. No entanto, atualmente, entende-se que já é possível a pessoa humana
responsabilizar diretamente o Estado ou OI. É o caso dos mecanismos existentes dentro
da UE e da OEA, que permitem que indivíduos pleiteiem as devidas reparações. Por
outro lado, está em desenvolvimento a noção de que a pessoa natural também pode ser
responsabilizada diretamente por transgredir norma internacional, não só no âmbito
penal, dentro do qual essa ideia se encontra mais consolidada, mas também no campo
civil, não se descartando, por exemplo, que o patrimônio de um indivíduo responda pelo
pagamento de indenizações a vítimas de transgressões do DIP, especialmente no campo
dos direitos humanos. A regra, no entanto, é a A responsabilidade é, em regra,
INSTITUCIONAL. Nesse sentido, os Estados e as OIs assumem a responsabilidade pelos
atos de seus funcionários, bem como de particulares para os quais tenham concorrido.
A responsabilidade tem FINALIDADE REPARATÓRIA e NATUREZA CIVIL. Visa a reparar
um prejuízo, não a punir um Estado ou OI.
Elementos essenciais:
Ato ilícito Imputabilidade Dano
Ação ou omissão Vínculo entre a Prejuízo causado a outro Estado,
que viola a violação da norma de OI ou a pessoa protegida pelo
norma de DIP. DIP e seu responsável. Estado ou OI.
Pode ser material e moral, com
ou sem expressão econômica.

O primeiro elemento é que tenha existido uma conduta omissiva ou comissiva que seja
uma violação ao direito internacional (elemento objetivo). Mas não basta isso. É
necessário que esse fato (essa conduta) seja imputado ao Estado ou OI (elemento
subjetivo: quem realizou a conduta). Essa imputação é uma operação normativa, não é
naturalística.
Esse fato pode consistir em ato ilícito. O ato ilícito é a conduta comissiva (uma ação) ou
omissiva (um omissão contrária ao DI) que viola norma de Direito Internacional. Ainda,
nesse ponto, a doutrina faz uma importante observação: o fato de o ato ilícito à luz do
direito internacional estar em conformidade com o direito interno do Estado não exclui
a transgressão e, portanto, a responsabilidade estatal, a teor da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, de 1969, que dispõe no art. 27: “Uma parte não pode
11

invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um


tratado”.
Esse fato pode consistir em um ato lícito. A responsabilidade internacional por atos
lícitos é também chamada, pela Comissão de Direito Internacional da ONU, de
“responsabilidade por atos não proibidos pelo Direito Internacional”. É um tipo de
responsabilidade internacional OBJETIVA, a partir da qual os Estados devem indenizar
os prejuízos eventualmente causados por suas ações e omissões, ainda que para tais
danos não tenham concorrido. Trata-se de hipótese excepcional de responsabilização e,
por isso, segundo SOARES, “a responsabilização por atividades lícitas deve se dar
apensas diante da ocorrência de condições ‘objetivamente fixadas numa norma
escrita’”. Ex.: energia nuclear para fins pacíficos, uso do petróleo e derivados, exploração
espacial etc.
ATENÇÃO: Os atos comissos ou omissivos que podem ensejar a responsabilidade civil
podem ser oriundos:
• Poder Executivo: por exemplo, se um delegado de polícia torturou, o Brasil
responde. Qual é a defesa do Estado? Que ele não deu ordens (ato “ultra vires” – ato
além do mandato), pelo contrário, ele tem uma legislação contra a tortura, o delegado
“agiu sozinho”. O Brasil não terá sucesso nessa defesa. O Direito Internacional é pacífico:
considera-se que o ato de um agente público vinculado ao Poder Executivo consiste em
uma violação de seus deveres de vigilância ou escolha, no mínimo in vigilando ou in
eligendo: o Brasil que contratou aquele delegado, o Brasil que devia vigiá-lo, o Brasil que
devia ter mecanismos internos que impedissem que ele torturasse.
• Poder Legislativo: também vincula. Pode ser lei, Emenda Constitucional ou até
mesmo norma do Poder Constituinte Originário. Não adianta o Estado buscar
argumentos como Separação de Poderes porque não haverá sucesso.
• Poder Judiciário: há dois momentos. A) denegação de Justiça: consiste na
existência de delonga injustificada ou de barreiras de acesso à Justiça. Então, por
exemplo, o Brasil responde se não tiver um número mínimo de defensores, se o trâmite
processual for lento etc. Exemplo: os mensaleiros peticionaram à Comissão
Interamericana alegando que a AP 470 teria tido só um grau (competência originária) –
e o duplo grau de jurisdição? B) Decisão injusta: o Brasil responde também (e aí é
polêmico) pela decisão esdrúxula, a decisão violatória de direitos humanos, a decisão
injusta. Ou seja, eu vou me debruçar sobre a justiça da decisão local. Isso é muito
polêmico, tanto no sistema europeu quanto no sistema interamericano.
• Ente federado: Ato de ente federado é todo ato imputado a um elemento
constitutivo da Federação (Estados, Municípios e DF).
➔ A “cláusula federal” é um dispositivo inserido em tratados que desonera o Estado
Federal de cumprir o tratado se aquela atribuição for do ente federado. Ela não
é aceita no Brasil. Para superar esse mal estar, não se aceita a cláusula federal
nos Tratados de direitos humanos. O Brasil responde por ato do Maranhão, São
Paulo e qualquer outro Estado-membro.
• Particular: o Brasil responde desde que tenha uma conduta própria no contexto
da realização do ato de particular. Ou seja, em geral não vincula o Estado. Entretanto, é
12

possível que o Estado responda caso, no contexto da conduta, tenha violado os seus
deveres de prevenção e repressão. Em outras palavras, tal responsabilidade pode
emergir se restar comprovado que o ente estatal deixou de cumprir, como afirma Rezek,
seus deveres elementares de prevenir o ilícito e de reprimi-lo adequadamente.
Exemplos: Atentados praticados por indivíduos contra chefes de Estado estrangeiros ou
contra seus representantes diplomáticos, insultos à bandeira ou aos símbolos nacionais
de determinados Estados. REGRA: O ente responsável pela reparação é o Estado ou a
OI, cabendo a estes exercer o direito de regresso contra o agente que efetivamente
tenha causado o prejuízo - A responsabilidade internacional é atribuída à pessoa jurídica
detentora de personalidade jurídica de direito internacional, ou seja, Estados e OIs, o
que significa que os agentes do Estado causador do dano não responderão em caráter
pessoal pela violação internacional, pois quem o fará será o Estado, podendo se aventar,
no máximo, uma posterior ação regressiva deste contra o agente que deu causa ao
ilícito. (HÁ DOUTRINA – AINDA TÍMIDA – QUE SUSTENTA QUE, EM SEDE DE VIOLAÇÃO
DE DIREITOS HUMANOS, O INDIVÍDUO CAUSADOR DO DANO TAMBÉM RESPONDA
DIRETAMENTE, INDENIZANDO COM SEUS PRÓPRIOS RECURSOS. MAS NÃO É A REGRA!
Novidade legislativa que sinaliza para uma possível “responsabilização direta” - A Lei
13.170/2015 (entra em vigor em 17/01/2016) passa a dispor sobre a ação de
indisponibilidade de bens, valores e direitos, das pessoas físicas ou jurídicas, submetidas
a esse tipo de sanção por Resolução do Conselho de Segurança da ONU - Normalmente,
o CSNU aplica tais sanções a pessoas que tiveram participação comprovada no
financiamento ou na prática de ações terroristas.
• Ministério Público: O Brasil responde por eventual leniência, atuação negligente
ou mesmo inação do MP.
ATENÇÃO: OBS1: Em princípio, o Estado não responde pelos danos decorrentes de atos
praticados por seus cidadãos. Entretanto, o dever de reparar o prejuízo pode emergir se
ficar provado que o ente estatal deixou de cumprir seus deveres elementares de
“prevenção e repressão”. Ex.: quando o Estado concorda com ações de seus nacionais
que configuram ilícitos internacionais ou se omite frente a tais atos.
OBS2: Prevalece que o Estado deve ser responsabilizado pelas ações de grupos de
revolucionários quando tiver concorrido para a ocorrência do conflito ou quando tiver
faltado com a “diligência devida” para impedir ou reprimir o fato.
OBS3: O reconhecimento do caráter de beligerante ou de insurgente de um movimento
revolucionário por parte do ente estatal que tenha sofrido o dano exclui a
responsabilidade do Estado onde atua esse movimento, a qual passa a recair sobre o
beligerante ou insurgente. Caso os revoltosos assumam o governo, a responsabilidade
por seus atos passa a caber ao Estado.
Só assim podemos entender por que o Brasil foi responsabilizado pela COMISSÃO
INTERAMERICANA pelo Caso Maria da Penha. O caso Maria da Penha vem da Convenção
de direito Humanos e é fruto da Convenção de Belém do Pará. Essa convenção
completou 20 anos em 2014.
A convenção de Belém do Pará estabelece um Mandado de Criminalização. O Brasil tem
que prevenir e reprimir a violência doméstica. Quem atirou e tentou eletrocutar a
senhora Maria da Penha? O marido, ou seja, um particular. E por que o Brasil foi
13

responsabilizado no caso? Pela OMISSÃO na repressão. Houve tentativa de homicídio e


ele quase prescreveu. O Brasil responde por ato do Poder judiciário também e nesse
caso houve omissão do Judiciário.

10. DPE-AP - Como se dá a execução de decisões oriundas de tribunais internacionais


de Direitos Humanos no Brasil?
Resposta: Excelência, apesar de lacunoso o ordenamento jurídico quanto à execução de
decisões internacionais, o Pacto de São José da Costa Rica indica que as condenações à
indenização (pena pecuniária) devem ser cumpridas segundo o rito da execução em face
da Fazenda Púbica, nada falando a respeito de outras sanções. André de Carvalho Ramos
inclusive defende a impossibilidade de submissão desses créditos indenizatórios ao
regime de precatórios estabelecidos na CF/88. Nesse contexto, o ideal seria o estado
cumprir voluntariamente as decisões, o que costuma ocorrer. Porém, em caso de
execução forçada, a execução se daria em face da União Federal, independentemente
de a violação ter sido cometida no âmbito da competência de um Estado-membro em
virtude de cláusula federal (art.28, da CADH). Por fim, ressalte-se que tais
decisões/sentenças não são consideradas sentença estrangeira, mas sentença
internacional. Logo, não há necessidade de sua homologação para o cumprimento.

4. O sistema internacional de proteção e promoção dos Direitos Humanos:


Organização das Nações Unidas (ONU). Declarações, tratados, resoluções,
comentários gerais, relatórios e normas de organização e funcionamento dos órgãos
de supervisão, fiscalização e controle.

11. DPE-AP - Disserte sobre Sistema global de proteção, abordando necessariamente


a prevenção e promoção. Diferencie proteção de promoção.

O sistema global de proteção dos direitos humanos nasce com a necessidade de se


internacionalizar os direitos humanos, principalmente depois da segunda guerra
mundial. Os direitos humanos deixam de ser assunto exclusivo da jurisdição doméstica
e passam a ser de interesse global. Mas, para que isso fosse possível, era necessário se
criar um sistema de proteção e promoção, composto de normas, órgãos e mecanismos
de monitoramento.
Assim, esse sistema se inicia com a adoção da carta das nações unidas em 1945 e se
estabelece de forma definitiva com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos
humanos de 1948, bem como dos pactos internacionais de 1966.
De acordo com a Carta das nações unidas, esse sistema internacional possui como
objetivo não apenas proteger os direitos humanos, através de medidas efetivas que
evitem ameaças à paz (artigo 1, inciso I), mas também de promover e estimular o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais (Artigo 1, inciso III).
Portanto, pode-se dizer que a promoção é uma forma de educação em direitos
humanos, que busca enunciar, ensinar e esclarecer acerca dos direitos para o maior
número de pessoas possível; e a proteção é forma de se evitar que tais direitos venham
14

a ser desrespeitados pelos Estados que se submetem ao sistema, através da efetivação


de medidas que resguardem da violação.

12. DPE-AP – Discorra sobre a ONU e os órgãos que a compõe.

A ONU foi criada pela Conferência de São Francisco, em 1945, quando foi adotada a
Carta das Nações Unidas. A carta estabeleceu os órgãos principais da ONU, a saber:
A) Assembleia Geral: principal órgão deliberativo, tratando-se de um fórum para o
debate multilateral de todas as questões internacionais que abarca a carta. Todos os
estados estão representados por uma cadeira;
B) Conselho de Segurança: composto de 15 membros – 10 temporários e os 05
permanentes – tem como responsabilidade primordial manter a paz e a segurança
internacionais;
C) Conselho Econômico e Social: com 54 membros, ele atua como fórum central para o
debate de questões internacionais de índole econômica e social, e para a formulação de
recomendações sobre políticas dirigidas aos Estados Membros e ao sistema da ONU;
D) Conselho de Tutela: atualmente desativado, era utilizado para supervisionar os
governos que administravam os territórios;
E) Corte Internacional de Justiça: composta por 15 juízes independentes, e com sede em
Haia, é o órgão judicial principal das Nações Unidas. O objetivo principal é resolver os
litígios entre os Estados, funcionando também como órgão consultivo. Não julga
indivíduos, apenas Estados;
F) Secretariado: órgão administrativo e executivo da ONU.

Além desses órgãos principais, outros de natureza subsidiária podem ser criados de
acordo com a Carta (art. 7.2), sendo exemplos importantes no âmbito da matéria de
direitos humanos o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
(ACNUDH) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

13. DPE-AP - Qual a natureza das decisões emitidas pelos Comitês da ONU e pela
Comissão Interamericana? Tratam-se de decisões vinculantes?

Existe divergência sobre essa matéria.


No que tange às decisões emitidas pelos comitês da ONU, parte da doutrina entende
que não se tratam de decisões vinculantes, pois eles não possuem competência
jurisdicional, se tratando apenas de órgãos administrativos. Inclusive, foi essa a decisão
tomada pelo TSE no caso Lula. No entanto, outros entendem que as decisões dos
comitês dos tratados de direitos humanos da ONU devem ser tidas como vinculantes
para os Estados, seja pelo princípio da boa-fé, que deve nortear todo o regime jurídico
objetivo dos tratados de direitos humanos, seja pela necessidade de se conferir aos
mecanismos convencionais a efetividade necessária para o funcionamento do sistema
global.

No que se refere à comissão interamericana, a própria corte interamericana, em análise


do Caso Loayza Tamayo, passou a decidir que o relatório definitivo da comissão possui
efeito vinculante (o relatório preliminar não possui efeito vinculante).
15

14. DPE-AP - Comente a decisão do Comitê de Direitos Humanos sobre o direito do


Lula ser candidato.

O Brasil recentemente foi demandado perante o Comitê de Direitos Humanos (previsto


no protocolo facultativo ao Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos) pelo ex-
presidente Lula, que obteve do Comitê uma medida provisória, contra o Estado
brasileiro, para que fosse viabilizado o registro da sua candidatura para concorrer às
eleições de 2018.
No entanto, o TSE não acatou a decisão, com base em dois argumento: i) ausência de
caráter vinculante das recomendações emanadas pelo comitê, pois se trata de órgão
administrativo e não jurisdicional; ii) ausência de legitimidade de atuação do comitê,
pois o primeiro protocolo facultativo, que dá tal legitimidade, ainda não está em vigor
na ordem brasileira, pois não há decreto presidencial promulgando.
Críticas: as decisões dos comitês dos tratados de direitos humanos da ONU devem ser
tidas como vinculantes para os Estados, seja pelo princípio da boa-fé, que deve nortear
todo o regime jurídico objetivo dos tratados de direitos humanos, seja pela necessidade
de se conferir aos mecanismos convencionais a efetividade necessária para o
funcionamento do sistema global. Seria incoerente aderir ao protocolo facultativo que
habilita o comitê a receber e processar petições individuais para depois se recusar a
cumprir as decisões emitidas pelo comitê.

Acréscimos da Revisora: O Comitê, ao proferir decisão favorável ao ex-presidente Lula,


trouxe à tona, em síntese, o seguinte argumento: Lula teria o direito de exercer a
condição de candidato na eleição de 2018 até que se esgotem os recursos pendentes de
sua condenação. A decisão enfatiza não ter avaliado o mérito do julgamento. O texto do
Comitê determina ao Estado Brasileiro que “tome todas as medidas necessárias para
que para permitir que o autor [Lula] desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão
como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à
imprensa e a membros de seu partido político”.
Para o Comitê, Lula não pode ser impedido de concorrer "até que todos os recursos
pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um procedimento
justo e que a condenação seja final”. A decisão reconhece a possibilidade de dano
irreparável aos direitos do petista sob a ótica do art. 25 do Pacto de Direitos Civis da
ONU.

15. DPE-ES – Disserte sobre Direito a Alimentação no sistema Onusiano,


Interamericano e nacional.

O direito à alimentação é considerado um direito de segunda dimensão, e foi previsto


pela DUDH (art. XXV), bem como pelo PIDESC (art. 11), que afirmam que a alimentação
é direito básico do ser humano para um nível adequado de vida. Nesse sentido, o PIDESC
previu a necessidade de os Estados criarem programas para melhorar a produção e
distribuição de gêneros alimentícios e assegurarem repartição equitativa dos recursos
alimentícios mundiais.
Vale ressaltar que o Comitê de direitos econômicos, sociais e culturais afirmou em seu
comentário geral nº 12, que o direito à alimentação adequada é indivisivelmente ligado
à dignidade inerente à pessoa humana e é indispensável para a realização de outros
16

direitos humanos. É também inseparável da justiça social, requerendo a adoção de


políticas econômicas, ambientais e sociais, tanto no âmbito nacional como
internacional, orientadas para a erradicação da pobreza e a realização de todos os
direitos humanos para todos.
Em nível interamericano, o protocolo de San Salvador (art. 12) trouxe tal direito de
forma expressa, também prevendo o aperfeiçoamento dos métodos de produção,
abastecimento e distribuição de alimentos para fins de se eliminar a desnutrição.
Por fim, em nível nacional, o direito à alimentação foi introduzido no artigo 6º, CF, com
a emenda 64 de 2010, sendo considerado, portanto, direito fundamental e parte do
mínimo existencial que o Estado deve prestar a todos. O sistema nacional de segurança
alimentar e nutricional está previsto pela lei 11.346/2006.
OBS: Bruna Simões França - como todo direito fundamental, sua efetivação é
progressiva, partindo da erradicação da fome à alimentação nutricionalmente
adequada, segura e sustentável.

5. Órgãos convencionais e extraconvencionais.

16. DPE-AM - Sistema Global – Discorra sobre os mecanismos convencionais e


extraconvencionais, citando exemplos de cada um deles.

Em linhas gerais, os mecanismos convencionais encontram a sua base normativa em


tratados ou convenções internacionais e têm como órgãos de monitoramento os
respectivos Comitês vinculados a cada tratado. É exemplo o comitê contra a tortura, que
possui como mecanismos o sistema de relatórios (classificado como mecanismo não
contencioso, pois depende da cooperação do Estado para funcionar) e das petições
individuais e interestatais (mecanismos quase contenciosos).
Já os mecanismos extraconvencionais não decorrem diretamente de um tratado ou
convenção, mas sim de resoluções de órgãos políticos da ONU ou deles derivados,
adotadas a partir de interpretação dos dispositivos da Carta das Nações Unidas relativos
à proteção dos direitos humanos. Tais mecanismos surgem devido às condicionantes
dos mecanismos convencionais, cujo funcionamento dependia de atos como a
elaboração de tratados, a criação de órgãos de monitoramento e de procedimentos
quase-contenciosos, a ratificação pelos Estados, etc. Como exemplo se tem o
mecanismo de procedimentos especiais (previstos inicialmente na Resolução nº 1235
do ECOSOC), de procedimentos de queixa (previstos inicialmente na Resolução nº 1503
do ECOSOC) e a revisão periódica universal (peer review).

6. Declaração Universal dos Direitos Humanos.

17. DPE-AP – Qual a diferença entre tratado, resolução e declaração de direitos


humanos? Com relação a Declaração Universal dos Direitos Humanos responda: a)
como se deu sua formação? B) mais de um país participou da sua elaboração ou
apenas um país elaborou e os demais estados somente aderiram?

Diferença entre tratado, resolução e declaração:


17

- Tratado é todo acordo formal e escrito, celebrado entre Estados e/ou organizações
internacionais, que busca produzir efeitos numa ordem jurídica de direito internacional,
com caráter obrigatório. São, portanto, HARD LAW.
- As resoluções ou declarações são manifestações escritas em conferências
Internacionais que apontam paradigmas para os Estados. Não possuem o poder de criar
obrigações jurídicas e, por isso, são denominadas de SOFT LAW.
OBS: embora a DUDH seja uma resolução, há quem entenda que possui força vinculante.

Acréscimo da revisora: fundamentos para que a DUDH seja considerada vinculante – jus
cogens, primazia da proteção dos DH, dentre outros.

Elaboração da DUDH

O sistema global começa com a adoção, em junho de 1945, da Carta das Nações Unidas,
que constituiu a ONU. No entanto, a carta não trouxe rol de direitos humanos, de modo
que a tarefa foi incumbida à Comissão de Direitos Humanos (CDH), órgão subsidiário do
Conselho Econômico e Social (ECOSOC, na sua sigla em inglês).
Assim, criou-se um comitê de redação da declaração, composto por 18 membros de
diversas formações políticas, culturais e religiosas. Eleanor Roosevelt, viúva do
Presidente Americano Franklin D. Roosevelt, presidiu o Comitê. Com ela estavam René
Cassin da França, que foi o responsável pelo primeiro esboço da Declaração, o Relator
do Comitê, Chalés Marik, do Líbano, o Vice-Presidente, Peng Chung Chang da China, e
John Humphrey do Canadá, Diretor da Divisão de Direitos Humanos da ONU, que
preparou o projeto da Declaração.
Realizado o rascunho por esse comitê, foi entregue à Comissão de Direitos Humanos,
que estava acontecendo em Genebra (Suíça). Essa versão da Declaração foi
encaminhada a todos os Estados-Membros da ONU para comentários, e ficou conhecida
como o Rascunho de Genebra.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi aprovada em 10.12.1948 pela
Assembleia-Geral da ONU. Dos 58 países membros da ONU naquele momento: 48
votaram à favor, nenhum votou contra, 8 se abstiveram (África do Sul, Arábia Saudita,
Bielo-Rússia, Iugoslávia, Polônia, Tchecoslováquia, Ucrânia e União Soviética) e dois
países (Honduras e Iêmen) não participaram da votação.

7. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP).

18. DPE-AP - Discorra sobre o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP).
Ele possui protocolos facultativos?

O PIDCP, juntamente com o PIDESC, foi criado para tipificar os direitos proclamados pela
DUDH. A ideia inicial era aprovar um único tratado internacional, mas não foi possível,
principalmente porque os blocos socialista e capitalista não chegaram a um consenso
sobre a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, isto é, se desfrutariam de
aplicabilidade imediata ou se a sua aplicação seria progressiva.
O PIDCP foi promulgado através do Decreto presidencial 592/92 e traz em seu texto os
direitos de primeira dimensão, ligados aos direitos civis e políticos, assegurando a sua
aplicação imediata.
18

No texto, estão previstos direito à vida, liberdade de expressão, de reunião e de


associação; a proibição da escravidão e servidão; e os direitos ligados à liberdade
pessoal, com destaque à presunção de inocência, dentre outros.
No que tange ao direito à vida, trouxe a possibilidade de haver pena de morte apenas
nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época em
que o crime foi cometido, não podendo ser aplicada ao menor de 18 anos e mulheres
grávidas.
O órgão incumbido monitorar o cumprimento dos direitos previstos no PIDCP é o Comitê
de Direitos Humanos, que tem como mecanismos de proteção o sistema de relatórios e
a comunicação interestatal.
O PIDCP possui dois protocolos facultativos, que já foram ratificados pelo Brasil em
2009, mas ainda não foram definitivamente incorporados ao ordenamento nacional,
tendo em vista não ter havido decreto presidencial que o promulgue:
- O primeiro protocolo trata da competência do Comitê de DH para receber e examinar
comunicações provenientes de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que aleguem serem
vítimas de uma violação, criando, assim, mais um mecanismo de proteção (petições
individuais). Lembrar caso Lula.
- O segundo trata da abolição da pena de morte. Importante salientar que o Brasil fez a
reserva prevista no artigo 2º, se reservando o direito de aplicação da pena de morte em
tempo de guerra em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de
gravidade extrema cometida em tempo de guerra.

8. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).

19. DPE-AP - Discorra sobre o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e seus
dois protocolos facultativos? (explicado na questão acima. Repetição da pergunta)
Explique o motivo da existência de dois pactos no âmbito do sistema Onusiano (PIDCP
e PIDESC)? Há previsão no PIDESC acerca de direitos da criança e do adolescente? O
Brasil ratificou os referidos protocolos? Em caso positivo foi feita alguma reserva
(acerca do PIDCP, respondido na questão acima)?

Os pactos foram criados para tipificar os direitos proclamados pela DUDH. A ideia inicial
era aprovar um único tratado internacional, mas não foi possível, principalmente porque
os blocos socialista e capitalista não chegaram a um consenso sobre a aplicação dos
direitos econômicos, sociais e culturais, isto é, se desfrutariam de aplicabilidade
imediata ou se a sua aplicação seria progressiva (os países socialistas defenderam a
adoção de um tratado único). Diante desse impasse, a AGNU pediu ao ECOSOC que
orientasse a CDH a elaborar dois Pactos, um contendo os direitos civis e políticos, e o
outro contendo os direitos econômicos, sociais e culturais. O Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais (PIDESC) foram aprovados pela AGNU no mesmo dia, em 16.12.1966, tendo
entrado em vigor também no mesmo ano, em 1976, após o depósito do 35º instrumento
de ratificação.
A principal diferença entre os Pactos de 1966 consiste justamente naquilo que ensejou
a adoção de dois documentos distintos, prevista nos respectivos artigos 2º: enquanto o
PIDCP assegura a aplicação imediata dos direitos civis e políticos, o PIDESC prevê a
aplicação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais.
19

O PIDESC trouxe previsão de direitos relacionados à criança e ao adolescente,


ressaltando a proteção contra a exploração econômica e social, com mandado de
criminalização acerca do emprego assalariado de mão de obra infantil (artigo 10); o
direito à saúde física e mental, obrigando os Estado a adotarem medidas para diminuir
a mortalidade infantil (art. 12); o direito à educação primária obrigatória e gratuita que
deverá ser implementada de forma progressiva (art. 14).
O PIDESC possui um protocolo facultativo, que dá poder ao Comitê de receber e decidir
comunicações individuais sobre violações de direitos econômicos, sociais e culturais,
aplicar medidas cautelares para evitar danos irreparáveis à vítima das violações, receber
comunicações interestaduais, coordenar a resolução amigável do litígio entre as partes
e adotar procedimentos de investigação. No entanto, o Brasil ainda não assinou esse
protocolo.

9. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Convenção sobre a eliminação de


todas as formas de discriminação racial. Convenção sobre a eliminação de todas as
formas de discriminação contra a mulher. Convenção contra a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Convenção sobre os
direitos da criança. Estatuto de Roma. Convenção sobre os direitos da pessoa com
deficiência.

20) DPE/AM - Disserte sobre as principais disposições do Estatuto dos Refugiados.

O estatuto dos refugiados dispõe que será reconhecido como refugiado todo indivíduo
que por fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opiniões políticas encontra-se fora de seu país de nacionalidade e não
possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país, ainda, aquele que não tendo
nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa
ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas anteriormente e
ainda, se devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a
deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. Dispõe ainda o
estatuto que os efeitos da condição dos refugiados serão extensivos a família do
refugiado (cônjuge, descendente, ascendentes e demais que dependam
economicamente dele). por outro lado, o estatuto também exclui aqueles que não serão
beneficiados por ele, sendo: 1) Quem já desfruta de proteção ou assistência por parte
de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados 2) residentes no território nacional e tenham direitos e
obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro 3) tenham cometido
crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo,
participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; 4) considerados culpados de atos
contrários aos fins e princípios das Nações Unidas. o refugiado gozará de direitos e
estará sujeito aos deveres dos estrangeiros, tendo direito a cédula de identidade
comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem.
O estrangeiro tem assegurado o direito de não ser, deportado para território em que
sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opinião política, salvo, se tal benefício for invocado por refugiado
20

considerado perigoso para a segurança do Brasil. Nem o ingresso irregular é considerado


impeditivo para solicitar refúgio às autoridades competentes.
O requerimento feito às autoridades competentes para reconhecimento da condição de
refugiado suspenderá qualquer procedimento administrativo ou criminal pela entrada
irregular e o posterior deferimento do pedido, implicará no arquivamento do
procedimento administrativo ou criminal se demonstrado que a infração
correspondente foi determinada pelos mesmos fatos que justificaram o dito
reconhecimento.
A solicitação de refúgio suspenderá também, qualquer processo de extradição e, o
reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento do pedido de
extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.
É assegurando também que o refugiado que esteja regularmente registrado, salvo por
motivos de segurança nacional ou de ordem pública, não será expulso do território
nacional, e mesmo no caso de expulsão esta não poderá ser para país onde sua vida,
liberdade ou integridade física possam estar em risco, e apenas será efetivada quando
da certeza de sua admissão em país onde não haja riscos de perseguição.

Acréscimo da revisora: PRÍNCÍPIO DO NON REFOULEMENT. NÃO SE PODE ENVIAR O


REFUGIADO PARA O PAÍS EM QUE A SITUAÇÃO ENSEJADORA DO PEDIDO DE REFÚGIO
TENHA OCORRIDO, OU MESMO PARA UM SEGUNDO PAÍS QUE SE SABE QUE IRÁ
MANDÁ-LO, APÓS, PARA O PAÍS NO QUAL SEUS DIREITOS HUMANOS ESTÃO SENDO
VIOLADOS.
Por conseguinte, o estatuto dispõe que cessará a condição de refugiado aquele: 1)
voltar a valer-se da proteção do país de que é nacional; 2) recuperar voluntariamente a
nacionalidade outrora perdida; 3) adquirir nova nacionalidade e gozar da proteção do
país cuja nacionalidade adquiriu; 4) estabelecer-se novamente, de maneira voluntária,
no país que abandonou ou fora do qual permaneceu por medo de ser perseguido; 5)
não puder mais continuar a recusar a proteção do país de que é nacional por terem
deixado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi reconhecido como
refugiado; 6) sendo apátrida, estiver em condições de voltar ao país no qual tinha sua
residência habitual, uma vez que tenham deixado de existir as circunstâncias em
consequência das quais foi reconhecido como refugiado. Bem como, implicará perda da
condição de refugiado: 1) a renúncia; 2) a prova da falsidade dos fundamentos
invocados para o reconhecimento da condição de refugiado ou a existência de fatos que,
se fossem conhecidos quando do reconhecimento, teriam ensejado uma decisão
negativa; 3) o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem
pública; 4) a saída do território nacional sem prévia autorização do Governo brasileiro.
Os refugiados que perderem essa condição com fundamento nos itens 1 e 4, serão
enquadrados no regime geral de permanência de estrangeiros no território nacional, e
os que a perderem com fundamento nos itens 2 e 3 estarão sujeitos às medidas
compulsórias previstas na Lei. O reconhecimento de certificados e diplomas deverão ser
facilitados, levando-se em consideração a situação desfavorável vivenciada pelos
refugiados.
Os processos de reconhecimento da condição de refugiado serão gratuitos e terão
caráter urgente.
21

21. DPE-AM - Convenção Internacional da pessoa com deficiência. Disserte sobre a


importância e a novidade na abordagem sobre os direitos de pessoas deficientes. A
quem se destina a proteção prevista na Convenção?

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do


Brasil. Por sua vez, conforme art. 3º, a construção de uma sociedade livre, justa,
igualitária e a redução das desigualdades sociais, são alguns dos objetivos fundamentais
do nosso país.
Fazendo uma análise história da proteção da pessoa com deficiência, vislumbra-se que
houve uma fase da intolerância, havia a exclusão das pessoas com deficiência, baseado
principalmente no estigma de que elas carregavam a malquerença dos deuses.
Posteriormente, podemos citar a fase do assistencialismo, onde, não se excluía a pessoa,
mas a pessoa era vista como carente de favores e não como alguém com potencialidades
que poderiam ser desenvolvidas. Como a constante evolução do meio social propicia a
atualização de conceitos, chegamos a fase da inclusão. A evolução a essa última fase
histórica decorreu, em grande parte, dos resultados negativos oriundos das Grandes
Guerras Mundiais, foram muitos os combatentes que retornaram aos seus países
debilitados, física e mentalmente. A sociedade foi, então, compelida a adaptar-se a essa
nova realidade e a possibilitar a efetiva inclusão dessas pessoas, mediante consecução
de projetos de reabilitação.
Apenas em 2007 que a ONU editou a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência. A Convenção é de suma importância, pois, comporta um
extenso rol de direitos, entre eles os civis, políticos, sociais, econômicos e culturais,
todos voltados para preservar a dignidade das pessoas, o pleno gozo dos direitos, a não
discriminação e um padrão mínimo de vida.
A cada direito previsto na Convenção, há o esforço em atribuir responsabilidades aos
Estados signatários da Convenção. Essas obrigações devem ser adotadas, segundo
explicita a Convenção, na medida do possível (progressivamente), ou seja, segundo as
possibilidades do Estado.
Comumente adota-se a terminologia “pessoa portadora de deficiência” para se referir
àqueles que possuem alguma limitação física ou psíquica, inclusive essa é a terminologia
adotada na Constituição Federal. Tal acepção relaciona-se com o modelo médico
adotado, segundo o qual, a deficiência seria uma mazela, que exige tratamento ou cura.
A Convenção adota a terminologia “pessoa deficiente”, mais adequada
terminologicamente, pois, decorre do modelo social (ou de direitos humanos), onde a
deficiência é encarada como a existência de barreiras no ambiente e nas atitudes das
pessoas.
O centro da Convenção é o compromisso com a dignidade e com os direitos das pessoas
com deficiência, especialmente com a igualdade em sentido material - é necessário
conferir um tratamento desigual, mais favorável às pessoas com deficiência, a fim que
tenham as mesmas condições em relação ao restante das pessoas - e a não
discriminação, pois, de nada adiantaria alcançarmos a igualdade em sentido material,
caso a discriminação seja perpetrada pela sociedade.
Convenção explicita como sendo seu propósito promover, proteger e assegurar o
exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais
por todas as pessoas com deficiência, assim, pode-se concluir que ela destina a proteção
das pessoas com deficiência.
22

Por conseguinte, a própria convenção também define que pessoas com deficiência são
aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.

Acréscimos da revisora: (fonte: ciclos r3) A pessoa com deficiência, a partir do Estatuto
da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015), passou a receber tratamento mais
digno, respeitando sua condição de sujeito de direitos. Para o Estatuto (art. 2º),
considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas. Tenham em mente, que a deficiência não mais pode
ser vista como presunção de incapacidade civil. Esse paradigma foi desconstruído pelo
já citado Estatuto, que, alterando o Código Civil, manteve a incapacidade absoluta
apenas para os menores de dezesseis anos. Vejam, agora, a nova redação do art. 4º, do
Código Civil:
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à
maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores
de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Parágrafo
único. A capacidade dos indígenas será regulada por
legislação especial.
Além disso, o Estatuto, em diversos pontos, reforça o
reconhecimento da capacidade das pessoas com deficiência.
Em seu art. 6º, garante que a deficiência não afeta a
capacidade da pessoa para casar, constituir união estável,
exercer direitos sexuais e reprodutivos, exercer direito à
família, à convivência familiar e comunitária, dentre outros.

Em seu art. 84, o Estatuto assegura a autonomia e independência da pessoa com


deficiência, estabelecendo o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade
de condições com as demais pessoas, e definindo a excepcionalidade e
proporcionalidade da curatela, que só afetará os atos relacionados a direitos de
natureza patrimonial e negocial (art. 85). Em harmonia com os direitos estabelecidos no
art. 6º, determina o referido art. 85 que a curatela não alcança o direito ao próprio
corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e
ao voto. Portanto, após a mudança de paradigma operada pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência, não se pode confundir incapacidade com deficiência! #NOVIDADE
LEGISLATIVA: Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa
com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha
vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão
sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para
que possa exercer sua capacidade.
TOMADA DE DECISÃO APOIADA: Visa a manutenção da autonomia da pessoa com
deficiência aliada ao seu melhor interesse. É preferencial em relação a curatela. Não
23

pressupõe a incapacidade, mas mera necessidade de apoio. Somente pode ser


promovida pelo próprio deficiente

CURATELA: É medida extraordinária. Limitada a atos patrimoniais ou negociais.


Pressupõe a incapacidade relativa do deficiente. Pode ser promovida pela própria
pessoa com deficiência, bem como por outros legitimados no art. 747 do CPC.

22. DPE-AP - Quais os protocolos facultativos da convenção dos direitos da criança e


do adolescente? Existe algum mais recente? A convenção aborda o direito à
convivência familiar? O juiz está adstrito de alguma forma pela convenção quando for
decidir sobre a convivência familiar? Ele é vinculado de algum modo?

A ONU já adotou 03 (três) protocolos facultativos à convenção dos direitos da criança e


do adolescente.
O primeiro protocolo prevê um conjunto de regras que vedam a prostituição e à
pornografia infantis.
O segundo busca evitar que os Estados envolvam menores de (dezoito) anos em
conflitos armados.
Por sua vez, o terceiro e último protocolo, que foi incorporado no ordenamento jurídico
brasileiro em 2012, trouxe o sistema de petições individuais.

Esse último protocolo tem o importante significado de reconhecer as crianças do mundo


como sujeitos de direitos, capazes de serem ouvidos. Ele viabiliza que denúncias feitas
pelas próprias crianças e adolescentes cheguem aos fóruns internacionais.
Em relação ao direito de convivência familiar a convenção dispõe em seu Artigo 9 que:
"Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a
vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades
competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais
cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança".
De acordo com o art. 5º, § 3º da CF/88 - Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.
A convenção sobre direitos da criança foi incorporada ao direito brasileiro antes da
previsão constitucional disposta acima, desta forma, conforme orientação do STF possui
status supralegal e infraconstitucional, desta forma, cabe ao juiz no momento de decidir
levar em conta as disposições da convenção, zelando para que as crianças e
adolescentes tenham uma convivência familiar saudável, não sendo privados desse
direito, contra suas vontades, salvo, se tal separação for necessária ao interesse maior
da criança e do adolescente.
Cabe destacar ainda que o ECA garante em vários dispositivos que é assegurada à
criança e ao adolescente, a convivência familiar e comunitária, em ambiente que
garanta seu desenvolvimento integral.

Acréscimos da revisora: Por conta da sua natureza de norma internacional de direitos


humanos e por seu status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, pode-se
sustentar que, no caso de conflito entre o disposto nas leis infraconstitucionais e a
24

Convenção, esta deve prevalecer, não apenas por seu status superior à legislação
ordinária, mas pelo princípio do melhor interesse da criança, ressaltando-se que a
ponderação deve ser feita de acordo com o caso concreto e com a norma que dê maior
efetividade à proteção dos direitos humanos das crianças e adolescentes. Em relação ao
direito à convivência familiar, Convenção e ECA caminham juntos no sentido de prever
o seu afastamento apenas em casos excepcionalíssimos, apenas em situações de grave
risco ao desenvolvimento da criança ou do adolescente e em casos em que seja
comprovada a ineficácia de medidas menos gravosas, o que deve ser averiguado pelo
juiz da Vara da Infância.

23 - DPE-AP - No âmbito da Resolução 113 do CONANDA, trace um paralelo entre


prevenção e promoção dos direitos humanos e os eixos de defesa, promoção e
controle da resolução.

A Resolução 113 trouxe três eixos estratégicos de ação: I -


defesa dos direitos humanos; II - promoção dos direitos
humanos; e III - controle da efetivação dos direitos humanos.
O eixo da defesa caracteriza-se pela garantia do acesso à
justiça, para assegurar a impositividade dos direitos e sua
exigibilidade, em concreto. É aqui que se encontra a
defensoria pública.
O eixo estratégico da promoção operacionaliza-se através do
desenvolvimento da "política de atendimento dos direitos da
criança e do adolescente”. A política de atendimento
operacionaliza-se através de três tipos de programas, serviços
e ações públicas: I - serviços e programas das políticas
públicas, especialmente das políticas sociais; II - serviços e
programas de execução de medidas de proteção de direitos
humanos; e III - serviços e programas de execução de medidas
socioeducativas e assemelhadas.

O controle das ações públicas de promoção e defesa se fará através das instâncias
públicas colegiadas próprias, onde se assegure a paridade da participação de órgãos
governamentais e de entidades sociais. Faz-se principalmente por meio dos Conselhos
de Direitos de Crianças e Adolescentes, além dos Tribunais de Contas e Controladorias.
Os eixos estão interligados, e juntos formam um sistema de promoção e prevenção dos
direitos das crianças e adolescentes. Assim, em primeiro lugar, as políticas de promoção
devem atuar e, quando falham, e as instâncias de controle não conseguem prevenir esta
falha, o direito resta violado, de modo que devem ser acionadas as instâncias de defesa
para garantir sua preservação, impositividade e, se for o caso, restabelecer sua fruição.
Exemplo (retirado do livro ponto a ponto do Frasseto): Uma criança de sete anos mudou-
se de cidade. A rede de educação pública do novo município tem obrigação de
disponibilizar lhe vaga no ensino fundamental, mas não oferece. A política pública de
educação pertence ao eixo de promoção. Se ela é inoperante (não oferta o serviço ou
oferta de forma irregular), o direito à educação é violado, cabendo o acionamento de
alguma instância do eixo de defesa. Dentro do desenho do eixo de defesa, o primeiro
órgão público a ser acionado – ainda que não obrigatoriamente – é o Conselho Tutelar,
25

que decidirá pela necessidade de inclusão da criança na escola e poderá utilizar-se do


mecanismo jurídico de proteção legal do direito da requisição de serviço público da área
de educação (art. 136, III, a, do ECA) como forma de executar sua decisão. Caso o ofício
requisitório não seja atendido, o responsável pela omissão poderá incorrer na sanção
administrativa do art. 249, sendo que a ameaça da sanção e sua aplicação no caso
concreto também são outros mecanismos jurídicos de proteção legal do direito. Como
permanece a violação do direito à educação, o caso pode e deve chegar ao órgão público
Vara da Infância e Juventude, seja por comunicação direta do Conselho Tutelar (art. 136,
III, b, do ECA), seja por meio da busca, pelo responsável, de outros órgãos públicos –
como Ministério Público e Defensoria Pública – que acionem o mecanismo jurídico de
proteção legal do direito correspondente à ação judicial própria para tutelar o direito
violado, sem prejuízo de providências administrativas preliminares. Paralelamente, se
apurado que o problema é de ordem geral, os órgãos legitimados poderão utilizar-se do
mecanismo da ação civil pública. Por fim, por meio, por exemplo, da associação de bairro
ou da associação dos pais de alunos de escola pública que neles tenham assento, os
órgãos do eixo de controle, como o Conselho Municipal de Educação ou o Conselho
Municipal dos Direito da criança e do adolescente, poderão, conforme a dimensão do
problema, valer-se dos mecanismos inerentes ao seu poder normativo e fiscalizatório.

24. DPE-AM - Tortura. Aponte as principais diferenças entre: a convenção


internacional, a convenção interamericana e a lei brasileira.

Um grande diferencial que podemos apontar entre a convenção internacional e a nossa


legislação interna sobre a tortura é que a convenção, ao conceituar tortura, dispõe que
a conduta deve ser pratica por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de
funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência;
no mesmo sentido é o que dispõe a convenção interamericana quando dispões sobre
quem serão os responsáveis pelo delito de tortura. Na legislação nacional, por sua vez,
o fato de a tortura ter sido pratica por funcionário público é causa de aumento (1/6 a
1/3) e não uma condição para caracterizar o delito.
Por seu turno, ambas as convenções dispõem que não será considerado como tortura
as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou
que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram, sendo que tal disposição não está
prevista na legislação nacional.
Sobre a competência territorial, da legislação nacional podemos extrair que será
aplicada a lei brasileira quando: 1) quando a tortura houver sido cometida no âmbito de
sua jurisdição; 2) ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional,
sendo a vítima brasileira; 3) encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
Por sua vez, além das hipóteses previstas na lei, as convenção dispõem ainda que todo
Estado Parte tomará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o
delito de tortura quando 4) o suspeito for nacional do Estado Parte de que se trate e 5)
quando o suspeito se encontrar no âmbito de sua jurisdição e o Estado não o extraditar
Esta Convenção não exclui qualquer jurisdição criminal exercida de acordo com o direito
interno.
Por fim, pode ser destacado que a legislação nacional trata de forma sucinta sobre o
delito de tortura, apenas tipificando condutas, impondo penas, suas causas de aumento
e dispondo sobre jurisdição, conforme exposto alhures; já ambas as convenções, trazem
26

orientações mais detalhadas, dispondo além do que dispões na lei, salvo as disposições
sobre pena, sobre extradição, entrega, expulsão, assistência internacional para
procedimento criminal entre outras.

Acréscimos da revisora:
Tortura na ótica da Convenção das Nações Unidas : Conceito: Qualquer ato pelo qual
dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma
pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de
castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de
ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer
motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou
sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de
funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.
Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência
unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas
decorram. #OBS1: Não se admite invocação de circunstâncias excepcionais, tais como
ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer emergência
pública como justificação da tortura. Não se admite, também, a exculpante da “ordem
hierárquica” como justificação para o crime. Não há, portanto, possibilidade de derrogar
a proibição contra a tortura. #OBS2: Os atos oriundos de sanções legítimas que causem
sofrimento ou dores NÃO são considerados tortura. Elemento subjetivo: dolo. A tortura
culposa não é punível. Finalidade específica: Obter confissão, informação ou ainda como
forma de punição ou discriminação (“dolo específico”). Modalidade omissão: NÃO está
prevista na Convenção. Sujeito ativo: É o agente público ou particular agindo em caráter
oficial ou ainda por instigação, consentimento ou aquiescência do agente público.
#CONCLUSÃO: Para a Convenção da ONU, a presença do funcionário público como
sujeito ativo é obrigatória. Resultado prático da tortura: O ato deve causar dor ou
sofrimento agudo, físico ou mental.
Tortura na ótica da Convenção Interamericana de Direitos Humanos Conceito: Todo ato
pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou
mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo
pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim. Entender-se-
á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular
a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não
causem dor física ou angústia psíquica. punível. Elemento subjetivo: dolo. A tortura
culposa não é punível. Finalidade específica: Não há finalidade específica. Modalidade
omissão: Está prevista na Convenção. Sujeito ativo1: Empregos ou funcionários públicos
que, no exercício de sua função, ordenem a prática de ato de tortura ou ainda instiguem
ou induzem a ele, cometem-no diretamente ou, podendo impedi-lo, não o façam.
Sujeito ativo2: As pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos
em apreço, ordenem sua prática, instiguem ou induzem a ela, cometem-no diretamente
ou nele sejam cumplices. #CONCLUSÃO: Para a Convenção Interamericana, o particular
pode ser sujeito ativo de tortura sem que esteja em concurso com um agente público.
Resultado prático da tortura: O ato pode ou não resultar em pena ou sofrimento físico
ou mental. #ATENÇÃO: Também configura tortura o ato que anule a personalidade da
vítima ou diminua a sua capacidade física ou mental, mesmo que dele não decorra
qualquer dor física ou psíquica. (fonte: ciclos r3).
27

10. Sistema Regional Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. Organização


dos Estados Americanos (OEA): declarações, tratados, resoluções, relatórios,
informes, pareceres, jurisprudência (contenciosa e consultiva da corte interamericana
de Direitos Humanos), normas de organização e funcionamento dos órgãos de
supervisão, fiscalização e controle. Comissão Interamericana de Direitos Humanos:
relatórios de casos, medidas cautelares, relatórios anuais e relatoria para a liberdade
de expressão. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Convenção Americana de
Direitos Humanos. Protocolo adicional à convenção americana sobre Direitos
Humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais – Protocolo de San
Salvador. Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura. Protocolo à
Convenção Americana sobre direitos humanos relativo à abolição da pena de morte.
Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra mulher.
Convenção Interamericana contra a corrupção. Convenção Interamericana sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas portadoras de
deficiência.

25. DPE-AM - DADDH e CADH. Discorra sobre o contexto histórico, mencionando qual
ocorreu primeiro. Qual a dimensão de direitos a CADH protege?

Após a segunda mundial, tendo em vista as monstruosidades ocorridas, houve a crença


de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de
proteção internacional de direitos humanos existisse.
Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria
significar sua reconstrução.
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (DADDH) é uma declaração
internacional aprovada em 1948 na IX Conferência Internacional Americana realizada
em Bogotá, a mesma conferência em que foi criada a Organização dos Estados
Americanos (OEA). A DADDH historicamente antecipa a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, aprovada seis meses depois. A DADDH, foi firmada cerca de 03 anos
após a segunda guerra mundial, ela possui um extenso rol de direitos e inova, trazendo
também deveres, ela foi a responsável pela criação da OEA (Organização dos Estados
Americanos).
Por sua vez, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH - também conhecida
como Pacto de San José da Costa Rica), principal documento de direitos da convenção
interamericana, foi subscrita durante a Conferência Especializada Interamericana de
Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica.
A Convenção Americana - CADH enunciou, basicamente, apenas os direitos liberais
(direitos civis e políticos), não tendo se dedicado aos direitos sociais, econômicos e
culturais, aos quais fez apenas uma menção, o art. 26, estabelecendo que os Estados
devem adotar providências no sentido de conseguir, progressivamente, a efetividade
de tais direitos. sendo, portanto, tais direitos de primeira dimensão.

26. DPE-ES – Discorra sobre o ônus da prova no sistema Interamericano.


28

Tanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - CADH, como o Regulamento


da Corte interamericana de Justiça se omitiram no tratamento da atividade probatória.
Contudo, pela jurisprudência da corte pode ser percebido que o ônus da prova dos fatos
contidos na demanda fica a cargo da Comissão Interamericana, já que esta é a parte
demandante.
No entanto, diversas circunstâncias atenuam o peso da responsabilidade pelo ônus da
prova. No caso peruano Neira Alegría e Outros, onde desapareceram alguns presos de
uma prisão a corte disse:

"A Corte considera que não corresponde à Comissão demonstrar


o paradeiro das três pessoas a que se refere este processo, mas
que, devido à circunstância de que na ocasião as prisões e depois
as investigações estiveram sob controle exclusivo do governo, o
ônus da prova recai sobre o Estado demandado. Essas provas
estiveram à disposição do governo ou deveriam ter estado se este
tivesse procedido com a necessária diligência".

Do mesmo modo, no caso Aloeboetoe, a Corte eximiu a Comissão de demonstrar


mediante prova documental a filiação e a identidade de várias pessoas, pois a falta dos
referidos documentos se devia à negligência do Estado do Suriname.

Por outro lado, o Regulamento da Comissão, Artigo 39, dispõe que:

“Serão presumidos como verdadeiros os fatos alegados na


petição cujas partes pertinentes tiverem sido transmitidas ao
Estado em questão, e este não fornecer informação relevante
para controvertê-los dentro do prazo fixado pela Comissão
conforme o Artigo 38 do presente Regulamento, sempre que de
outros elementos de convicção não resulte uma conclusão
contrária”.

O Artigo 38.2 do Regulamento da Corte acrescenta:


“O demandado deverá declarar em sua contestação se aceita os
fatos e os pedidos ou se os contradiz, e a Corte poderá considerar
como aceitos aqueles fatos que não tiverem sido expressamente
negados e os pedidos que não tiverem sido expressamente
controvertidos”.

Pode ser dito ainda, nos casos em que o estado alega que o peticionário não esgotou os
recursos internos para buscar amparo na comissão, cabe ao estado comprovar quais os
recursos internos que não foram esgotados e a eficácia dos mesmos.
Em suma, embora o ônus probatório recaia sobre os demandantes, no caso a comissão,
existem situações nas quais tal ônus é imposto ao Estado, e outras circunstâncias nas
quais o ônus desaparece, pois se presume – por falta de oposição do Estado – que os
fatos invocados são corretos.

Acréscimos da Revisora:
29

CAIO PAIVA – ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO INTERNACIONAL DE VIOLAÇÃO DE DH


PERANTE A CORTE IDH:

REGRA: O ônus da prova compete à parte demandante (CIDH e vítima ou seus familiares)
EXCEÇÃO REGULAMENTAR: Regulamento da Corte IDH – A Corte poderá considerar
aceitos aqueles fatos que não tenham sido expressamente negados e as pretensões que
não tenham sido expressamente controvertidas (art. 41.3)
EXCEÇÃO JURISPRUDENCIAL: Jurisprudência da Corte IDH; o ônus da prova deve ser
INVERTIDO E TRANSFERIDO PARA O ESTADO QUANDO OS MEIOS DE PROVA ESTIVEREM
EM SEU PODER OU EXCLUSIVAMENTE À SUA DISPOSIÇÃO, O QUE OCORRE COM MUITA
FREQUÊNCIA NOS CASOS DE DESAPARECIMENTO FORÇADO DE PESSOAS – CARGA
DINÂMICA DA PROVA NA CORTE IDH – CASO VELÁSQUEZ RODRÍGUEZ x HONDURAS.

27. DPE-AP / AM – Discorra sobre a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.


Mencione em sua resposta a composição, funcionamento, local de sua sede, quem
custeia seu funcionamento e casos de atuação da Comissão envolvendo o Brasil.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é composta de 07 (sete) membros -


eleitos para mandato de 04 (quatro) anos - que deverão ser pessoas de alta autoridade
moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos. O mandato de três dos
membros designados na primeira eleição expirará ao cabo de dois anos, será
determinado por sorteio, esses membros que o mandato acabará ao final dos 02 (dois)
anos.
Os membros são eleitos a título pessoal, pela Assembléia-Geral da organização e
representam todos os Membros da Organização dos Estados Americanos.

Não pode fazer parte da Comissão mais de um nacional de um mesmo Estado.

A Comissão tem sua sede em Washington, D.C, no Estados Unidos da América. A


Comissão é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos
(OEA). A Comissão se reúne em Períodos Ordinários e Extraordinários de sessões várias
vezes ao ano. Sua Secretaria Executiva cumpre as instruções e serve de apoio para a
preparação legal e administrativa de suas atribuições.

A Comissão realizará pelo menos dois períodos ordinários de sessões por ano, no lapso
que haja determinado previamente, bem como tantas sessões extraordinárias quantas
considerem necessárias. Antes do término do período de sessões, a Comissão
determinará a data e o lugar do período de sessões seguinte. As sessões em regra são
em sua sede, contudo, pelo voto da maioria absoluta podem decidir reunir-se em outro
local, com a anuência ou a convite do respectivo Estado.
Para constituir quórum será necessária a presença da maioria absoluta dos membros da
Comissão.
Os membros da Comissão não poderão participar na discussão, investigação,
deliberação ou decisão de assunto submetido à consideração da Comissão, no caso de
ser cidadão do Estado objeto da consideração ou estiver credenciado ou cumprindo
missão especial como diplomata perante esse Estado, bem como, se houver participado
30

previdamente, de alguma decisão sobre os mesmos fatos em que se fundamenta o


assunto ou atuado como conselheiro ou representante de uma das partes interessadas
na decisão.
Os idiomas oficiais da Comissão serão o espanhol, o francês, o inglês e o português. Os
idiomas de trabalho serão os que a Comissão determinar, conforme os idiomas falados
por seus membros.

CASOS:
A Comissão já atuou em vários casos envolvendo o Brasil, podendo ser citado
recentemente que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) adotou em
8 de março de 2019 outorgou medidas cautelares em benefício de Julio Lancellotti,
responsável pela “Pastoral da População em Situação de Rua” em São Paulo e defensor
dos direitos humanos das pessoas em situação de rua, e de Daniel Guerra Feitosa,
morador em situação de rua.
A Comissão considerou que, segundo os solicitantes, os beneficiários teriam sido objeto
de vários atos de violência e ameaças, alguns dos quais supostamente seriam
provenientes de autoridades das forças de segurança do Estado.
Assim, Comissão solicitou ao Estado do Brasil que adote as medidas necessárias para
proteger os direitos à vida e integridade pessoal dos senhores Julio Renato Lancellotti e
Daniel Guerra Feitosa, e possibilite que Julio Lancellotti possa continuar realizando seu
trabalho como defensor de direitos humanos sem ser alvo de ameaças, intimidações ou
atos de violência durante o exercício de suas funções. Adicionalmente, determinou que
o Estado informe sobre as ações implementadas que se destinem a investigar os fatos
que provocaram a adoção da presente medida cautelar, evitando assim a sua repetição.
2. No caso Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram mortos a tiros em
seu carro no dia 14 de março de 2018, quando retornavam de um evento público.
A comissão atuou ainda no caso DAMIÃO XIMENES FILHO vs BRASIL, tendo a comissão
sido oficiada através da irmã de Damião, Irene Ximenes Lopes.
A CIDH recebeu a petição com as denúncias relacionadas a Damião ainda em 1999 e
prontamente o Estado brasileiro foi instado a apresentar suas considerações sobre o
caso
A CIDH, no ano de 2003, concluiu que, no caso de Damião, o Estado brasileiro foi
responsável:
"Pela violação ao direito à integridade pessoal, à vida, à proteção
judicial e às garantias judiciais consagradas nos artigos 5, 4, 25
e 8 respectivamente, da Convenção Americana, devido à
hospitalização de Damião Ximenes Lopes em condições
inumanas e degradantes, às violações de sua integridade
pessoal, a seu assassinato; e às violações da obrigação de
investigar, o direito a um recurso efetivo e às garantias judiciais
relacionadas com a investigação dos fatos [...]"

Considerando que após várias recomendações o Brasil não as cumpriu


satisfatoriamente, em 2004, a CIDH apresentou a demanda para que a Corte decidisse
se o Estado brasileiro seria responsável, conforme mencionado antes.
31

No caso MENINO EMASCULADOS DO MARANHÃO, o Brasil foi denunciado perante a


Comissão pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Padre Marcos
Passerini, de São Luís, e o Centro de Justiça Global, de São Paulo.

Após o processo de tramitação dos Casos na OEA, em reunião de trabalho realizada no


dia 21 de outubro de 2005, na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
em Washington, o governo brasileiro propôs aos peticionários do Caso uma solução
amistosa, reconhecendo a sua responsabilidade nas mortes dos meninos e assumindo o
compromisso de prover às famílias uma reparação.

Cabe frisar que esse foi o primeiro acordo realizado pelo Estado brasileiro na fase de
mérito do processo.

28. DPE-AP – Disserte sobre o relatório temático de liberdade de expressão emitido


pela CIDH. Quais os requisitos específicos constantes nesse relatório? Qual a última
opinião consultiva que trata sobre esse tema: Liberdade de expressão?

A Organização dos Estados Americanos criou, ao longo dos anos, Relatorias Especiais
sobre temas de direitos humanos, vinculadas à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. A mais importante dessas Relatorias é a Relatoria Especial para a Liberdade
de Expressão, criada em 1997 e com caráter permanente, independência funcional e
estrutura própria (que inclusive conta com financiamento externo). A criação dessa
Relatoria permanente busca incentivar a plena liberdade de expressão e informação nas
Américas, direito essencial para o enraizamento da democracia.
A liberdade de pensamento e expressão é a pedra angular de qualquer sociedade
democrática.1 O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em particular, atribui um
alcance especialmente amplo a ela; o Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos garante o direito de toda pessoa à liberdade de expressão e esclarece que este
direito compreende “a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de
toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em
forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”.
Cabe à Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão entre outras funções a de
preparar os relatórios temáticos.
Apesar de não possuírem força vinculante e serem considerados meras recomendações,
os relatórios temáticos são amplamente divulgados e podem servir para que a Comissão
IDH venha a processar os Estados infratores perante a Corte.
Em relatório apresentado pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sobre a situação da liberdade de
expressão no Brasil em 2015, concluiu-se que 2015 foi um dos piores anos da década
recente para o exercício do jornalismo no Brasil. Em algumas regiões do país, a violência
e o assassinato de jornalistas se tornaram frequentes. A esse respeito, a Relatoria
Especial lembra que os servidores estatais devem repudiar de forma inequívoca os
ataques perpetrados como represália ao exercício da liberdade de expressão, e devem
abster-se de fazer declarações que tenham o potencial de aumentar a vulnerabilidade
das pessoas perseguidas por exercer o seu direito à liberdade de expressão. Os Estados
devem refletir claramente em seus sistemas jurídicos e suas práticas que os crimes
32

contra a liberdade de expressão têm especial gravidade, uma vez que representam um
ataque direto contra todos os direitos fundamentais.
A Relatoria reiterou que os Estados têm a obrigação de adotar medidas para prevenir a
violência contra jornalistas e funcionários(as) dos meios de comunicação. Do mesmo
modo, os Estados têm a obrigação de proteger os jornalistas e funcionários dos meios
de comunicação em risco. Deve ainda investigar, perseguir e punir dos indivíduos que
cometerem atos de violência.
Há no âmbito da corte a opinião consultiva número 05 de 1985, que trata do tema de
liberdade de expressão. O Estado da Costa Rica, arguiu sobre a "compatibilidade da
Convenção Americana de Direitos Humanas com a exigência de diploma em curso
superior e de registro profissional para o exercício da profissão de jornalista".
Segundo a Corte, “a exigência da formação obrigatória de jornalistas, enquanto impeça
o uso pleno dos meios de comunicação social como veículo para expressar ou transmitir
opiniões, é inconvencional, pois violaria o art. 13 da CADH, causando uma restrição
desproporcional à liberdade de expressão.”
A aludida opinião consultiva foi utilizada pelo STF como um dos fundamentos para
afastar a exigência de diploma de curso superior, registrado pelo MEC, para o exercício
da profissão de jornalista.
Para o STF, “a exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo o
qual, em sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e
de informação - não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma
restrição, um impedimento, uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e
efetivo exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, § 1º,
da Constituição” (trecho do voto do relator Min. Gilmar Mendes no RE 511.961).

29. DPE-AP – Discorra sobre um relatório recente da comissão interamericana sobre


as prisões.

Em 2017 a CIDH apresentou um relatório sobre medidas destinadas à redução do uso


da prisão preventiva.
Em relatórios anteriores à corte asseverou que a aplicação arbitrária e ilegal da prisão
preventiva é um problema crônico na região. Para que este regime seja compatível com
os padrões internacionais, a CIDH recorda que a prisão preventiva deve partir do
pressuposto de respeito ao direito à presunção de inocência, e considerar a natureza
excepcional desta medida, devendo ser aplicada conforme os critérios de legalidade,
necessidade e proporcionalidade.
Em outro relatório, apresentado em 2013, a comissão em suma concluiu que o uso não
excepcional da prisão preventiva é um dos problemas mais graves e generalizados
enfrentados pelos Estados Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), no
tocante ao respeito e garantia dos direitos das pessoas privadas de liberdade. O uso
excessivo da prisão preventiva é um dos sinais mais evidentes do fracasso do sistema de
administração de justiça, e constitui um problema estrutural inaceitável em uma
sociedade democrática que pretende respeitar o direito de toda pessoa à presunção de
inocência.
Nesse contexto, a finalidade do relatório de 2017 é fazer seguimento ao referido
relatório sobre prisão preventiva de 2013, através de uma análise dos principais avanços
e desafios na utilização desta medida pelos Estados.
33

No relatório a Comissão reconheceu que os Estados Membros realizaram grandes


esforços relacionados com o cumprimento das recomendações da CIDH, inclusive em
relação ao campo legislativo, celeridade nos processos, etc o que evidencia seu
compromisso e compreensão sobre a importância de utilizar este regime de acordo com
parâmetros internacionais sobre o assunto. No entanto, apesar desses avanços, a CIDH
observa com preocupação que persistem sérios desafios que resultam na utilização da
prisão preventiva sem considerar o seu caráter excepcional, e fazem com que esta
continue sendo uma das principais preocupações sobre os direitos humanos das pessoas
privadas de liberdade na região.
Dentre os principais desafios enfrentados pelos Estados estão:

I) políticas criminais que propõem níveis mais altos de encarceramento como solução à
insegurança, e que se traduzem na existência de legislação e práticas que privilegiam a
aplicação da prisão preventiva, e restringem a possibilidade de aplicação de medidas
alternativas; II) a predominância de políticas repressivas (mano dura) nos discursos das
altas autoridades para resolver a insegurança cidadã através da privação de liberdade,
e a consequente pressão dos meios de comunicação e da opinião pública neste sentido;
III) a utilização de mecanismos de controle disciplinar como meio de pressão ou castigo
contra autoridades judiciais que determinam a aplicação de medidas alternativas; IV)
inadequados serviços de defesa pública; e V) a falta de coordenação interinstitucional
entre atores do sistema de administração de justiça.

A comissão reiterou a importância das medidas alternativas à prisão preventiva para


racionalizar o uso da prisão preventiva. (O art. 319 do CPP, que trata das medidas
cautelares diversas da prisão teve alteração em 2011).
No relatório a Comissão observa ainda os esforços empregados a fim de incorporar uma
perspectiva de gênero e um enfoque diferenciado para determinadas pessoas
pertencentes a grupos em situação especial de risco, recomendando aos Estados que
adotem medidas diligentes com uma perspectiva de gênero, com a devida consideração
da discriminação histórica e os estereótipos de gênero que afetam mulheres e
adolescentes, e limitam severamente o exercício de seus direitos. Recomendando ainda
que os Estados devem adotar medidas especiais que incluam um enfoque diferenciado
para pessoas afrodescendentes, indígenas, LGBTI, pessoas idosas, e pessoas com
deficiência, haja vista, que a prisão preventiva atinge de forma desproporcionada
determinadas pessoas pertencentes a grupos em situação especial de risco.
Na última parte do relatório, a CIDH apresenta as conclusões deste estudo, e faz
recomendações sobre o assunto. A lista de recomendações ressalta as seguintes áreas
principais: a) medidas de caráter geral relativas a políticas estatais; b) erradicação da
prisão preventiva como pena antecipada; c) defesa pública; d) independência dos
operadores de justiça; e) medidas alternativas à prisão preventiva; f) mecanismos de
monitoramento eletrônico; g) processos de justiça penal restaurativa; h) programas de
tratamento de drogas supervisionados judicialmente; i) medidas relacionadas com a
celeridade nos processos e diminuição do atraso processual; j) audiências prévias sobre
a procedência da prisão preventiva; e k) mulheres e outras pessoas pertencentes a
grupos em situação especial de risco. Estas recomendações pretendem oferecer
ferramentas mais detalhadas aos Estados para que usem racionalmente a prisão
preventiva e ajustem sua aplicação às obrigações internacionais sobre a matéria.
34

Cabe frisar ainda que a CIDH observou que os inadequados serviços de defensoria
pública continuam sendo uma das principais causas da prolongação do regime de prisão
preventiva.

30. DPE-AP – Disserte sobre a Corte Interamericana de DH. Mencionando sua


composição e competências. Um Estado membro da OEA, mas que não tenha aderido
à jurisdição da Corte pode indicar juiz?

A Corte Interamericana é o órgão jurisdicional autônomo cujo objetivo é a aplicação e a


interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Sua sede é em São José
da Costa Rica, contudo, a sede da corte pode ser mudada pelo voto de dois terços dos
Estados Partes da Convenção na Assembleia Geral da OEA. Ela é composta por 07 Juízes,
eleitos a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida
competência em matéria de direitos humanos. Não deve haver mais de um juiz da
mesma nacionalidade. Os juízes da Corte serão eleitos para um mandato de seis anos e
só poderão ser reeleitos uma vez. O mandato de três dos juízes designados na primeira
eleição expirará ao cabo de três anos. Imediatamente depois da referida eleição,
determinar-se-ão por sorteio, na Assembleia-Geral, os nomes desses três juízes.
Os juízes permanecerão em exercício até a conclusão de seu mandato. Não obstante,
continuarão conhecendo dos casos a que se tiverem dedicado e que se encontrarem em
fase de sentença, para cujo efeito não serão substituídos pelos novos juízes eleitos.
Se for necessário, para preservar o quórum da Corte (pelo menos 05 juízes), os Estados
Partes da Convenção, em sessão do Conselho Permanente da OEA, por solicitação do
Presidente da Corte, nomearão um ou mais juízes interinos, que servirão até que sejam
substituídos pelos juízes eleitos.
Os juízes são eleitos pelos Estados Partes da Convenção, na Assembleia Geral da OEA,
de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados. Cada Estado Parte pode
propor até três candidatos, nacionais do Estado que os propõe ou de qualquer outro
Estado membro da OEA. Quando for proposta uma lista tríplice, pelo menos um dos
candidatos deve ser nacional de um Estado diferente do proponente.
A eleição dos juízes é feita por votação secreta e pela maioria absoluta dos Estados
Partes da Convenção. Serão considerados eleitos os que receberem o maior número de
votos.
Ainda em relação à eleição dos Juízes, conforme exposto, tanto a convenção como o
estatuto da Corte, afirmam que os Juízes serão eleitos pelos estados membros, não
havendo qualquer vedação expressa de que Estados que não tenham reconhecido a
competência da corte indiquem canditos.
A Corte exerce função jurisdicional e consultiva. Não é obrigatório o reconhecimento de
sua jurisdição contenciosa: o Estado pode ratificar a Convenção Americana e não
reconhecer a jurisdição da Corte IDH, que é cláusula facultativa da Convenção.
Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e
aplicação das disposições da Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados-
Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por
declaração ou por convenção especial.
Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danos
irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de que estiver conhecendo, poderá tomar
35

as medidas provisórias que considerar pertinente. Se tratar de assuntos que ainda não
estiverem submetidos ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão.
No tocante a competência consultiva, os Estados poderão consultar a Corte sobre a
interpretação da Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos
humanos nos Estados americanos.
A Corte poderá ainda, a pedido de um Estado-Membro da Organização, poderá emitir
pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os
mencionados instrumentos internacionais.

31. DPE-AP - Diferencie a função contenciosa e consultiva da Corte IDH. Quais normas
podem ser objeto de consulta perante a Corte? Uma ONG pode realizar uma consulta
perante a Corte? A Defensoria Pública pode consultar, por exemplo, uma lei municipal
perante a Corte? Qual seria o fundamento de lei municipal ser passível de consulta?

A Corte IDH possui duas funções: consultiva e contenciosa. Ao exercer sua função
consultiva, a Corte irá se manifestar acerca da interpretação e aplicação das normas
previstas nos tratados de direitos humanos aplicáveis aos países do Sistema
Interamericano. Já na função contenciosa, a Corte julga um país integrante da
Organização dos Estados Americanos sobre sua atuação perante um caso concreto e
determina se o Estado violou, ou não, os tratados do Sistema Interamericano. Ressalta-
se que a competência contenciosa da Corte só pode ser aplicada aos países que
expressamente a reconheceram.
Inicialmente, entendia-se que a Corte só poderia emitir opiniões consultivas sobre
tratados de direitos humanos que podem ser aplicados aos países integrantes do
Sistema Interamericano. Contudo, conforme determinado pela Corte na Opinião
Consultiva nº 10, ela poderá emitir opiniões consultivas acerca de documentos que não
sejam tratados, como a Declaração Americana, tendo em vista que o próprio Pacto de
São José traz a referida Declaração e outros documentos de mesma natureza, como base
para interpretar e aplicar os Direitos Humanos previstos na CADH.
Conforme previsto, somente os Estados membros da Organização dos Estados
Americanos, a CIDH e órgãos da OEA com pertinência restrita a temas de DH de sua
atuação podem realizar consulta perante a Corte. Dessa forma, ONG’s e a Defensoria
Pública não poderiam, por si só, solicitar opiniões consultivas da Corte.
Entretanto, como os Estados membros podem requerer opinião consultiva acerca de
suas normas internas, nada impede que um país solicite uma opinião consultiva acerca
de lei municipal. Deve ser considerado que se busca que todos os Estados integrantes
da OEA tenham seus ordenamentos jurídicos internos de acordo com os tratados de
Direitos Humanos aplicados ao Sistema Interamericano.

Acréscimos da revisora:

No plano consultivo, conforme afirma Flávia Piovesan, a Corte pode opinar sobre a
compatibilidade de preceitos da legislação doméstica em face dos instrumentos
internacionais, efetuando, assim, o “controle da convencionalidade das leis”.
Regra geral, os pareceres e opiniões consultivas emitidos pela Corte IDH não possuem
caráter vinculante. No entanto, cabe salientar que há posicionamento doutrinário
36

(Flávia Piovesan) defendendo que os pareceres consultivos teriam caráter vinculante,


em relação aos Estados-parte que aceitem a jurisdição da Corte.
Em relação às normas que podem ser objeto de consulta perante a Corte, na opinião
consultiva nº 1, a Corte Interamericana concluiu que sua competência consultiva pode
ser exercida sobre qualquer tratado internacional de direitos humanos aplicável aos
Estados Americanos, independentemente de tal tratado ser bilateral ou multilateral.
Decidiu, ainda, que no caso de a Corte IDH se abster de se manifestar, entendendo que
se trata de questão que excede os limites de sua função consultiva, deve fazê-lo
motivadamente (proíbe-se a mera especulação com motivos casuísticos).
Quanto ao papel da Defensoria Pública, apesar de, sozinha, não poder formular consulta
à Corte IDH, ressalte-se que pode funcionar como amicus curiae no sistema
interamericano de Direitos Humanos. Nesse sentido, destaca-se a recente atuação da
DPU, a qual, em parceria com entidades da sociedade civil, apresentou memorial
expondo as dificuldades de acesso das pessoas trans aos direitos humanos no Brasil, em
especial, no que diz respeito à retificação do nome e do sexo no registro civil, em
resposta a convocatória da Corte IDH para a colheita de manifestações sobre o tema
após solicitação da Costa Rica ao tribunal.

32. DPE-AP - Como se dá a execução de sentenças internacionais no Brasil? O Brasil se


vincula a outro sistema que não seja o interamericano? Já houve alguma condenação
do Brasil nesse sistema? A decisão proferida pelas Cortes Internacionais é vinculativa?
O que ocorre no caso de descumprimento? Se a Comissão Interamericana profere uma
decisão em face de algum Estado há possibilidade de interposição de recursos? A Corte
é órgão revisor das decisões proferidas pela Comissão?

A execução das sentenças internacionais depende da previsão legislativa de cada país.


No Brasil, tendo em vista que estas sentenças são proferidas por órgãos cuja
competência foi reconhecida pelo nosso ordenamento jurídico, elas serão executadas
diretamente, na justiça federal, como execução contra a Fazenda Pública. Parte da
doutrina entende, ainda, que a reparação ordenada por sentenças internacionais não se
sujeito ao regime de precatórios, devido à importância da demanda, mas o tema não é
consenso.
Além do sistema interamericano, o Brasil está vinculado ao Sistema Onusiano ou Global,
onde já foi condenado pelo caso Alyne Pimentel. Alyne estava grávida e buscou
assistência médica no sistema público de saúde. Por erro em seu atendimento, o feto
morreu e Alyne foi transferida para outro hospital, mas permaneceu horas esperando.
Sendo assim, ela faleceu devido à hemorragia causada pelo parto do feto morto. A
condenação ocorreu no CEDAW, que é o Comitê previsto no Tratado contra a
Discriminação da Mulher, que tomou conhecimento do caso por meio de
peticionamento individual pela mãe de Alyne. Decidiu-se que foi violado o direito básico
da mulher, devido à ocorrência de violência obstétrica. Foi ressaltado, ademais, que a
falta de assistência consiste em discriminação. Diante do ocorrido, o Estado brasileiro
teve que indenizar família de Alyne, apresentar recomendações para melhorar o sistema
de saúde e tomar medidas não patrimoniais, como homenagear Alyne e garantir o
direito à memória.
37

As decisões das Cortes Internacionais, apesar de não terem força coercitiva


propriamente dita, são consideradas vinculativas, pois os Estados se submeteram
livremente, fazendo uso de sua soberania, àquelas normas. Além disso, as decisões de
Cortes de Direitos Humanos se baseiam no poder de causar vergonha, constrangimento
e embaraçamento aos Estados, o chamado Power of Shame ou Power of
Embarrassment. Isso porque, ao condenar um Estado por violação aos Direitos
Humanos, as Cortes causam grande constrangimento a este país no âmbito
internacional, podendo gerar, em caso de descumprimento, consequências políticas e
econômicas. No âmbito do sistema global, é possível que a Assembleia Geral da ONU
edite resolução condenando o Estado ou que acione o Conselho de Segurança para que
este edite atos vinculantes. Já no Sistema Interamericano, o descumprimento pode ser
informado à Assembleia Geral, constando as deliberações descumpridas, para que a
OEA tome medidas com vistas a convencer o Estado.
Não há possibilidade de recurso das decisões proferidas pela Corte IDH. Contudo, em
caso de divergência acerca do sentido ou alcance da sentença, poderá ser interposto um
pedido de interpretação, no prazo de 90 dias, a partir da notificação da sentença. Além
disso, a Corte pode, de ofício ou por pedido das partes, retificar erros notórios, de edição
ou de cálculo.
Acréscimos da revisora:
Em relação à Comissão Interamericana, caso haja arquivamento da demanda (nos casos
de ser inadmissível, ou, quanto ao mérito, infundada), não há recurso disponível à
vítima. Passada a fase de admissibilidade, se não for caso de arquivamento ou solução
amigável, a Comissão pode aplicar medida cautelar contra o Estado demandado, nos
casos de gravidade e urgência, e, em caso de descumprimento da medida aplicada pelo
Estado demandado, pode requerer a aplicação de medidas provisórias pela Corte IDH.
Após esse trâmite, não havendo solução amigável entre Estado e vítima, a Comissão,
constatando a ocorrência de violação a direitos humanos, elabora o chamado “Primeiro
Informe” – documento confidencial dirigido ao Estado infrator, contendo
recomendações que devem ser cumpridas no prazo (prorrogável) de 3 meses,
ressaltando-se não haver previsão nem da CADH nem no novo regulamento da
Comissão de possibilidade de recurso contra as recomendações expedidas pela CIDH.
Durante esse período de 3 meses, o caso pode ser solucionado pelas partes ou
encaminhado à Corte IDH, caso o Estado tenha reconhecido a jurisdição da Corte. Se o
Estado não tenha reconhecido a jurisdição da Corte e não tiver cumprido o primeiro
informe da CIDH, deve a Comissão elaborar um segundo informe – documento público
em que são feitas recomendações e estipulados prazos para seu cumprimento. No caso
de descumprimento do segundo informe, a CIDH encaminha seu relatório anual à
Assembleia da OEA, fazendo constar as deliberações não cumpridas pelos Estados para
que a OEA adote medidas para convencer o Estado a restaurar os direitos protegidos.
Ressalte-se não haver previsão de recurso contra as recomendações formuladas no
segundo informe da CIDH.
Nessa seara, vale ressaltar que, em conformidade com o novo Regulamento da CIDH, se
a Comissão considerar que o Estado em questão não cumpriu as recomendações do
primeiro informe, e o Estado tiver reconhecido a competência da Corte, deverá
38

submeter o caso à Corte IDH, salvo decisão fundada da maioria absoluta dos membros
da Comissão.
O novo regulamento da CIDH introduz, assim, uma “justicialização do sistema
interamericano” (Piovesan), uma vez que a avaliação acerca do encaminhamento ou não
do caso à Corte IDH no caso de descumprimento das recomendações formuladas pela
CIDH não é mais feito de forma discricionária, desprovida de parâmetros objetivos,
evitando-se, assim, a ocorrência de eventual “seletividade política”.
Apesar dessa maior tônica de “juridicidade” conferida ao sistema interamericano pelo
novo regulamento do CIDH, não se pode afirmar que a Corte IDH é órgão revisor das
decisões proferidas pela Comissão, uma vez que a Comissão pode, ainda de que forma
excepcional calcada em parâmetros objetivos, através voto da maioria absoluta dos seus
membros, não encaminhar o caso à Corte, ainda que o Estado tenha descumprido as
recomendações nos prazos assinalados ela CIDH.
Obs: as considerações acerca dos questionamentos “Se a Comissão Interamericana
profere uma decisão em face de algum Estado há possibilidade de interposição de
recursos? A Corte é órgão revisor das decisões proferidas pela Comissão? ” não foram
muito conclusivas/precisas, pois, apesar de não ter encontrado nenhuma possibilidade
de recursos contra as “decisões” proferidas pela CIDH (informes/recomendações), não
achei nenhuma resposta sólida para o questionamento. Da mesma forma, não encontrei
doutrina no sentido de ser a Corte IDH órgão revisor ou não das decisões proferidas pela
Comissão (dessa forma, trouxe a doutrina da prof. Flávia Piovesan acerca da
“justicialização do sistema interamericano”, mas fiz a ressalva de que não há – pelo
menos não encontrei nenhuma fonte – como afirmar que a Corte constitua órgão revisor
das decisões da CIDH.).

33. DPE-AP - Com relação a jurisprudência contenciosa da Corte Interamericana cite


um caso que envolva convivência familiar.

No caso Atala Riffo y niñas X Chile, a Corte IDH se manifestou quantos aos direitos de
proteção à família, não discriminação, direitos das crianças e obrigação de respeito e
garantia. Na situação analisada, Karen Atala Riffo foi casada e teve três filhas com seu
marido. Contudo, o casal se separou e a guarda das filhas permaneceu com a mãe.
Posteriormente, Atala passou a se relacionar com uma mulher e o pai pediu a guarda
das meninas, sob o argumento de que a vida sexual da mãe causaria perigo ao
desenvolvimento físico e emocional das filhas. O caso chegou à Corte Suprema de Justiça
do Chile, que concordou com a alegação do ex-marido de Atala Riffo e fixou em
definitivo a guarda das crianças com o pai. Diante dos fatos, Karen denunciou o Chile na
CIDH que levou o ocorrido à Corte IDH. A Corte decidiu que a orientação sexual e a
identidade de gênero são categorias protegidas pela CADH, não consistindo em fatores
considerados para a decisão acerca da guarda de crianças. Além disso, ressaltou que no
Pacto de San José não há definição fechada do conceito de família, a qual deve ser
protegida pelo Estado. O Chile foi condenado a prestar assistência médica, psicológica e
psiquiátrica às vítimas que requeressem, realizar ato público para reconhecer a
responsabilidade pelo ocorrido e criar programas permanente de educação e formação
para funcionários públicos. Foi mencionado, ademais, o dano ao projeto de vida, ou seja,
39

o ônus que ocorre quando se interfere no destino da pessoa, frustrando sua realização
pessoal.

34. DPE-AP - Cite e explique uma opinião consultiva envolvendo criança.

Na Opinião Consultiva nº 21, solicitada pela Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil, a


Corte IDH se manifestou sobre os direitos das crianças e adolescentes em situação de
migração. Segundo orientação da Corte, os Estados devem observar e respeitar os
direitos dos menores de 18 anos em situação de migração, levando em consideração os
princípios da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a sua proteção e o
princípio do superior interesse da criança. Devem ser respeitados, ainda, o direito à vida,
à não discriminação e à opinião da criança em todo procedimento que a afete,
garantindo sua participação. Foi ressaltada, ademais, a necessidade de observância do
princípio do non refoulement nas situações em questão e a extrema excepcionalidade
de imposição de privação da liberdade de crianças migrantes.

35. DPE-AP - Com relação a jurisprudência contenciosa da Corte Interamericana cite


um caso que envolva condenação a respeito de entidade de internação.

Na primeira condenação do Brasil na Corte IDH, Ximenes Lopes X Brasil, foi debatido o
tema de entidades de internação. Damião Ximenes Lopes era pessoa com deficiência e
foi internado em uma clínica no estado do Ceará. Contudo, Damião faleceu em
decorrência dos maus tratos sofridos na entidade, sem receber qualquer assistência
médica na ocasião. Ademais, o médico responsável por atestar sua morte escondeu as
causas reais no laudo. A família de Damião envidou todos os esforços a fim de que o
Estado investigasse as reais causas da morte, bem como reparasse os danos materiais e
morais da família, mas não obteve êxito. Assim o caso foi levado à CIDH, que fez diversas
recomendações ao Estado Brasileiro, as quais só foram cumpridas parcialmente.
Consequentemente, o país foi levado à Corte IDH. O Brasil foi condenado por ter se
omitido no seu dever de fiscalizar a entidade de internação, vez que era um hospital
privado de saúde contratado pelo Estado para prestar serviços de atendimento
psiquiátrico sob a supervisão do SUS. Dessa forma, foram violados os direitos à vida e à
integridade pessoal de Ximenes Lopes, o direito à integridade pessoal de seus familiares,
os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em razão da ineficiência em
investigar e punir os responsáveis pelos maus tratos e óbito da vítima. A Corte IDH
determinou que: o Estado indenizasse os familiares de Ximenes Lopes e ordenou
diversas outras obrigações ao Estado Brasileiro, a exemplo do dever de investigar e punir
os responsáveis, bem como instruir os funcionários de entidades de internação para
respeitarem os direitos dos internos e desenvolver política antimanicomial. A decisão
foi baseada na violação à Convenção Interamericana sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção de
Guatemala), o que indiretamente causou a violação do Pacto de San José. A doutrina
chama essa violação indireta de "supervisão por ricochete".

36. DPE-AP - Discorra sobre o caso Menina Talía e o caso Atala Rifo.
Resumo CASO MENINA TALÍA GONZALES
40

Em 1º de setembro de 2015, a Corte Interamericana proferiu Sentença no Caso Gonzales


Lluy e outros Vs. Equador, na qual declarou ao Estado do Equador internacionalmente
responsável por determinadas violações de direitos humanos cometidas contra Talía
Gabriela Gonzales Lluy, de três anos de idade, quando foi contagiada com o vírus HIV ao
receber uma transfusão de sangue sem a prévia realização dos respectivos testes
sorológicos. Após o contágio, Teresa Lluy interpôs diversas ações, penais e civis,
buscando a sanção das pessoas responsáveis pelo seu contágio, bem como o pagamento
de danos e prejuízos. Estas ações não prosperaram. Aos 5 anos de idade, Talía foi
matriculada em uma escola pública, à qual frequentou normalmente durante dois
meses, até que o diretor foi informado de que era portadora de HIV e decidiu suspender
seu comparecimento. Em fevereiro de 2000, Teresa Lluy, sua mãe, apresentou uma ação
de amparo constitucional (mandado de segurança constitucional) contra o Ministério da
Educação e Cultura, o diretor e a professora da escola, em razão de uma suposta
privação do direito à educação. Esse mesmo mês, o Tribunal Distrital Contencioso Nº 3
declarou inadmissível o recurso de amparo, considerando que existia um conflito de
interesses entre os direitos individuais de Talía e os interesses dos estudantes, colisão
em relação à qual devem prevalecer os direitos sociais ou coletivos. De acordo com as
declarações de Talía e de sua família, elas foram obrigadas a mudar-se em várias
ocasiões devido à exclusão e à rejeição pela condição de Talía.
No presente caso, o Estado apresentou dois argumentos que denominou exceções
preliminares, sobre: i) a alegada incompetência parcial da Corte para tratar fatos alheios
ao marco fático e supostas violações a direitos além das estabelecidas pela Comissão
em seus relatórios, e ii) a alegada falta de esgotamento de recursos internos. O primeiro
argumento foi analisado como uma consideração prévia, pois a Corte considerou que se
referia ao marco fático do caso. Em relação ao segundo ponto, a Corte observou que a
exceção preliminar em relação a alguns recursos foi interposta durante o procedimento
de admissibilidade perante a Comissão. Não obstante isso, perante a Corte o Estado
argumentou também que os peticionários não haviam apelado a decisão da ação de
amparo constitucional, de modo que este argumento foi considerado extemporâneo
perante a Corte. Em relação aos recursos de recusa de juízes e magistrados, de danos e
prejuízos contra os mesmos, e à a ação de cassação, a Corte considerou que, por sua
natureza, no caso concreto não eram adequados nem efetivos para a determinação de
responsabilidade pelos fatos relacionados ao contágio de Talía com HIV, nem para
determinar uma reparação adequada. Quanto à ação indenizatória por dano moral em
matéria civil, a Corte considerou que a mesma não era adequada para obter uma
indenização pela totalidade dos danos causados a Talía. Finalmente, com respeito à
acusação particular em matéria penal, a Corte notou que não constituía um recurso
idôneo e efetivo que as supostas vítimas deveriam esgotar para esclarecer os fatos do
caso. Em consequência, rejeitou a exceção preliminar.
A Corte se referiu a duas considerações prévias. A primeira sobre a alegação estatal de
que a Comissão não havia se pronunciado sobre supostas violações aos artigos 2, 24 e
26 da Convenção Americana, de maneira que seria improcedente uma análise de mérito
sobre direitos que não foram parte do marco fático da origem do caso. A Corte
constatou que a Comissão fez referência expressa à suposta discriminação e ao fato de
que a Talía teria sido impedida de estudar na escola primária devido à sua enfermidade;
assim como à suposta discriminação que seu núcleo familiar teria sofrido, de modo que
41

rejeitou o argumento do Estado. A segunda questão prévia se refere à determinação das


supostas vítimas, posto que o Estado manifestou que a Comissão, nas recomendações
feitas em seus relatórios de Admissibilidade e de Mérito, estabeleceu que o Estado
deveria reparar unicamente a Talía Gonzales Lluy e sua mãe, e não seria possível
introduzir a pessoas não indicadas como beneficiárias de uma eventual reparação.
Portanto, o Estado solicitou que Iván Lluy não fosse considerado como suposta vítima.
A Corte observou que a Comissão fez menção expressa a Iván Lluy ao longo do Relatório
de Mérito e em suas conclusões. Por isso, concluiu que foi identificado como suposta
vítima, em concordância com o artigo 50 da Convenção e o artigo 35.1 do Regulamento
da Corte.
Quanto ao mérito do assunto, a Corte se referiu, em primeiro lugar, aos direitos à vida
e à integridade pessoal. A este respeito, recordou que o dever de supervisão e de
fiscalização é do Estado, mesmo quando o serviço de saúde seja prestado por uma
entidade privada. O Estado mantém a obrigação de prover serviços públicos e de
proteger o respectivo bem público. No presente caso, a Corte considerou que a
precariedade e as irregularidades no funcionamento do banco de sangue do qual
proveio o sangue para Talía é um reflexo das consequências do descumprimento das
obrigações do Estado de supervisionar e fiscalizar. Esta grave omissão do Estado
permitiu que sangue que não havia sido submetido aos testes de segurança mais
básicos, como o de HIV, fosse entregue a Talía, resultando em sua infecção e o
consequente dano permanente à sua saúde. Este dano à saúde constitui uma violação
do direito à vida, em virtude do perigo de morte que a vítima enfrentou em diversos
momentos e que pode continuar enfrentando.
Por outro lado, a Corte se referiu à disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e
qualidade na prestação de assistência médica na perspectiva dos direitos à vida e à
integridade pessoal. Em particular, considerou que as Diretrizes Internacionais sobre
HIV/AIDS e Direitos Humanos do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Direitos Humanos (ACNUDH) e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre
HIV/AIDS (UNAIDS) constituem referências autorizadas para esclarecer as obrigações
internacionais do Estado na matéria. A partir das diretrizes contidas nestes
instrumentos, a Corte observou que o acesso à fármacos antirretrovirais é apenas um
dos elementos de uma resposta eficaz para as pessoas que vivem com HIV.
Nesse sentido, considerou que as pessoas que vivem com HIV requerem um enfoque
integral que inclui uma sequência contínua de prevenção, tratamento, atenção e apoio.
Um acesso limitado a fármacos antirretrovirais e outros medicamentos não cumpre as
obrigações de prevenção, tratamento, atenção e apoio derivadas do direito ao mais alto
nível possível de saúde. Estes aspectos sobre a qualidade da saúde se relacionam com a
obrigação estatal de criar ambientes seguros, especialmente para as crianças,
ampliando os serviços de boa qualidade que ofereçam informação, educação sobre
saúde e assessoramento de forma apropriada para os jovens, reforçando os programas
de saúde sexual e saúde reprodutiva e, na medida do possível, fazendo participar as
famílias e os jovens no planejamento, execução e avaliação de programas de atenção e
prevenção do HIV e da AIDS.
Dado que são atribuíveis ao Estado os atos negligentes que levaram ao contágio, o
Equador é responsável pela violação da obrigação de fiscalização e de supervisão da
42

prestação de serviços de saúde, no marco do direito à integridade pessoal e da obrigação


de não por em risco a vida, em violação dos artigos 4 e 5 da Convenção Americana, em
relação ao artigo 1.1 da mesma.
Além disso, a Corte destacou a constante situação de vulnerabilidade em que se
encontravam Teresa e Iván Lluy, ao serem discriminados, isolados da sociedade e por
estarem em condições econômicas precárias. Somado a isso, o contágio de Talía afetou
em grande maneira a toda a família, já que tiveram de dedicar os maiores esforços
físicos, materiais e econômicos para procurar a sobrevivência e a vida digna de Talía.
Todo o anterior gerou um estado de angústia, incerteza e insegurança permanente na
vida de Talía, Teresa e Iván Lluy. Apesar da situação de particular vulnerabilidade em
que se encontravam, o Estado não tomou as medidas necessárias para garantir a Talía e
à sua família o acesso a seus direitos sem discriminação, de maneira que as ações e
omissões do Estado constituíram um tratamento discriminatório. Em atenção ao
anterior, a Corte concluiu que o Estado é responsável pela violação do artigo 5.1 da
Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 da mesma, em prejuízo de Teresa Lluy
e Iván Lluy.
Quanto ao direito à educação, a Corte recordou que se encontra contido no artigo 13
do Protocolo de San Salvador e que possui competência para decidir sobre casos
contenciosos relativos a este direito, em virtude do artigo 19(6) do Protocolo. Além
disso, a Corte afirmou que as pessoas com HIV foram historicamente discriminadas
devido às diferentes crenças sociais e culturais que criaram um estigma ao redor da
doença. Deste modo, o fato de uma pessoa viver com HIV/AIDS, ou mesmo a simples
suposição de que tem a doença, pode criar barreiras sociais e de atitudes para que esta
tenha acesso em igualdade de condições a todos os seus direitos. A Corte considerou
que a relação entre este tipo de barreiras e a condição de saúde das pessoas justifica o
uso do modelo social da deficiência como enfoque relevante para avaliar o alcance de
alguns direitos envolvidos no presente caso. A Corte afirmou que, apesar de uma pessoa
viver com o HIV não ser, per se, uma situação de deficiência, em algumas circunstâncias
as barreiras atitudinais enfrentadas por uma pessoa pelo fato de viver com o HIV
produzem as circunstâncias de seu ambiente que lhe colocam em uma situação de
deficiência.
Em relação ao anterior, a Corte precisou alguns elementos sobre o direito à educação
das pessoas que vivem com condições médicas potencialmente geradoras de
deficiência, como o HIV/AIDS. Em particular, considerou que existem três obrigações
inerentes ao direito à educação em relação às pessoas que vivem com HIV/AIDS: i) o
direito a dispor de informação oportuna e livre de preconceitos sobre o HIV/AIDS; ii) a
proibição de impedir o acesso aos centros educativos às pessoas com HIV/AIDS, e iii) o
direito a que a educação promova sua inclusão e não discriminação dentro do ambiente
social.
Quanto à controvérsia sobre a forma como Talía foi retirada da escola, a Corte afirmou
que esta decisão constituiu uma diferença de tratamento baseada em sua condição.
Para determinar se esta diferença de tratamento constituiu discriminação, a Corte
analisou a justificação do Estado para realizá-la. Caso seja estipulada uma diferença de
tratamento em razão da condição médica ou enfermidade, esta diferença de tratamento
deve ser feita com base em critérios médicos e na real condição de saúde, tomando em
43

consideração cada caso concreto, avaliando os danos ou riscos reais e provados, e não
especulativos ou imaginários. Portanto, não podem ser admissíveis as especulações,
presunções, estereótipos ou considerações generalizadas sobre as pessoas com
HIV/AIDS ou qualquer outro tipo de enfermidade, ainda que estes preconceitos se
escondam em razões aparentemente legítimas como a proteção do direito à vida ou a
saúde pública.
Diante da comprovação de que o tratamento diferenciado estava baseado em uma
categoria proibida, o Estado tinha a obrigação de demonstrar que a decisão não tinha
uma finalidade ou efeito discriminatório. A Corte concluiu que o risco real e significativo
de contágio que pudesse colocar em risco a saúde das crianças companheiras de Talía
era sumamente reduzido. No âmbito de um juízo de necessidade e de estrita
proporcionalidade da medida, o Tribunal ressaltou que o meio escolhido constituía a
alternativa mais lesiva e desproporcional entre aquelas disponíveis para cumprir a
finalidade de proteger a integridade das demais crianças do colégio. Mesmo que a
sentença do tribunal interno pretendesse a proteção dos companheiros de classe de
Talía, não foi provado que a motivação expressa na decisão era adequada para alcançar
este fim.
No presente caso a decisão utilizou argumentos abstratos e estereotipados para
fundamentar uma decisão extrema e desnecessária, de modo que estas decisões
constituem um tratamento discriminatório contra Talía.
Por outro lado, a Corte advertiu que este tratamento evidencia, ademais, que não existiu
adaptabilidade do ambiente educativo à situação de Talía, através de medidas de
biossegurança ou outras similares que devem existir em todo estabelecimento
educativo para a prevenção geral da transmissão de enfermidades. A Corte determinou
que no caso de Talía confluíram, de forma interseccional, múltiplos fatores de
vulnerabilidade e de risco de discriminação, associados à sua condição de criança,
mulher, pessoa em situação de pobreza e pessoa com HIV. A este respeito, a Corte se
referiu a que certos grupos de mulheres padecem de discriminação ao longo de sua vida
em razão de mais de um fator combinado ao seu sexo, o que aumenta o risco de sofrer
atos de violência e outras violações a seus direitos humanos. A Corte afirmou que a
discriminação baseada em raça, origem étnica, origem nacional, capacidade, classe
socioeconômica, orientação sexual, identidade de gênero, religião, cultura, tradição e
outras realidades, intensifica, com frequência, os atos de violência contra as mulheres.
Quando se trata de mulheres com HIV/AIDS, deve-se entender a convivência da
enfermidade no marco dos papéis e das expectativas que afetam comportamentos. A
discriminação que Talía viveu não foi apenas causada por múltiplos fatores, mas derivou
em uma forma específica de discriminação que resultou da interseção destes fatores.
Tendo em conta o anterior, a Corte concluiu que o Estado equatoriano violou o direito
à educação, previsto no artigo 13 do Protocolo de San Salvador, em relação aos artigos
19 e 1.1 da Convenção Americana, em prejuízo de Talía Gonzales Lluy.
Com respeito às garantias judiciais e à proteção judicial, a Corte concluiu que, em virtude
de que existia um dever de atuar com uma devida diligência excepcional em função da
situação de Talía, o Equador violou a garantia judicial do prazo razoável no tocante ao
processo penal. Além disso, a Corte afirmou que neste caso não existem elementos
probatórios suficientes que permitam concluir que a existência de prejudicialidade (a
44

necessidade de esgotamento da via penal para poder postular uma reparação civil) na
legislação equatoriana constituiu, por si só, uma violação às garantias judiciais, pois não
foram apresentados argumentos e provas suficientes que permitam afirmar que o
recurso interposto por Teresa Lluy foi o resultado de uma falta de claridade na legislação
equatoriana. Finalmente, a Corte considerou que não conta com provas que permitam
sustentar o argumento sobre a falta de proteção judicial de Talía no trâmite do amparo
(mandado de segurança) constitucional, do processo penal ou do processo civil.
Portanto, a Corte concluiu que não pode determinar que tenha existido uma violação à
garantia de proteção judicial.
Quanto às reparações, a Corte ordenou ao Estado, entre outros, oferecer gratuitamente,
através de instituições de saúde públicas especializadas ou de pessoal de saúde
especializado, e de forma imediata, oportuna, adequada e efetiva, o tratamento médico
e psicológico ou psiquiátrico a Talía Gonzales Lluy, incluindo o fornecimento gratuito dos
medicamentos que eventualmente sejam necessários, tomando em consideração os
seus padecimentos. Além disso, dispôs que o Estado conceda uma bolsa de estudos para
Talía, para continuar seus estudos universitários, e que lhe entregue uma casa digna no
prazo de um ano. Por outro lado, dispôs que o Estado realize um programa para a
capacitação de funcionários de saúde sobre melhores práticas e direitos dos pacientes
com HIV.
Comentário do revisor:
A resposta se encontra absolutamente correta. Ela foi extraída diretamente do boletim
jurisprudencial da Corte IDH.
Para fins da prova oral, contudo, eu suprimiria o aspecto formal/processual que
envolveu o caso. Não creio que isso vá ser objeto de questionamentos.
O foco me parece permear os pontos abaixo (conforme explanado em um artigo da
ANADEP >https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=38201>):
1. impacto no conceito jurídico de pessoa com deficiência:
2. tratamento estatal que deve ser concedido às pessoas portadoras do vírus HIV
3. responsabilidade das entidades privadas que prestam serviços de saúde
4. possibilidade da supervisão por ricochete da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência pelo Sistema Interamericano
5. o fenômeno da discriminação interseccional
Dentre esses pontos, o 1º (que me parece ser o eixo central) foi trabalhado no artigo da
ANADEP acima mencionado, com mais detalhe, e pode ser assim respondido:
1. impacto no conceito jurídico de pessoa com deficiência
A Corte Interamericana, no caso sob análise, equiparou uma pessoa portadora do vírus
HIV à condição de pessoa com deficiência, nos termos da Convenção da ONU sobre os
direitos das pessoas com deficiência.
Modelo social de conceituação de pessoa com deficiência, que leva em consideração
não apenas os aspectos físicos da pessoa, mas também o contexto social em que ela
45

está inserida (se ela pertence a uma sociedade que a inclua ou que a exclua) e a
existência ou não de barreiras que impeçam o exercício dos seus direitos. Percebe-se,
portanto, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos invocou expressamente o
modelo social de conceituação de deficiência, ao entender que Talía deveria ser
considerada pessoa com deficiência não apenas por ser portadora do vírus HIV, mas
também pelo ambiente de extrema exclusão a que ela estava submetida, o que
impossibilitou o exercício regular de seus direitos básicos como educação, saúde,
habitação, dentre outros.
Importante esclarecer que a Corte Interamericana de Direitos Humanos seguiu na
mesma linha de abordagem de conceituação de pessoa com deficiência trazido pela
Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, superando o modelo
médico para a adoção do modelo social.
Resumo CASO ATALA RIFO
O Caso Atala Riffo e crianças vs. Chile, mais conhecido como “Caso Karen Atala”, foi
apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 24 de
novembro de 2004. Karen Atala é juíza e era casada com Ricardo Jaime López Allendes
desde 29 de março de 1993, com o qual possui três filhas: M. V. e R. nascidas em 1994,
1998 e 1999, respectivamente. Em março de 2002, a senhora Atala e o senhor Lópes se
divorciaram de fato e decidiram, mutuamente, que a guarda das filhas, bem como seus
cuidados, seria de responsabilidade da mãe, Karen. Em novembro de 2002, a senhora
Emma de Rámon começou a morar na mesma casa que a senhora Atala, suas três filhas
e filho mais velho – proveniente de outro casamento -, como sua companheira
sentimental.

No dia 14 de janeiro de 2003, o pai das três meninas interpôs uma demanda de guarda
e tutela perante o Juizado de Menores de Villarrica, argumentando que a guarda da mãe
colocava em risco o desenvolvimento físico e emocional das crianças, uma vez que esta
não estava capacitada a cuidar das crianças, pois sua nova opção sexual e convivência
lésbica estavam influenciando negativamente o desenvolvimento das menores, pelo
qual a mãe não procurava zelar. O senhor Lópes também apontou que, ao atribuir
normalidade a casais do mesmo sexo no plano jurídico, acarretava-se uma
desnaturalização do sentido do casal humano, homem-mulher, alterando, assim, o
sentido natural da família, pois afetava seus valores fundamentais como núcleo central
da sociedade. Não obstante, o pai também argumentou que viver com o casal lésbico
traria riscos biológicos para as crianças, no sentido de estarem mais expostas a doenças
como AIDS e herpes.

Em sua contestação, em 28 de janeiro de 2003, a senhora Atala manifestou a tristeza


que a leitura das imputações lhe causou, bem como a forma pela qual foi descrita e
julgada a sua relação familiar e vida privada. Revelou também que as alegações
apresentadas a impressionaram pela agressividade, preconceito, discriminação, pelo
desconhecimento do direito à identidade homossexual, pela distorção dos fatos e,
finalmente, pela desconsideração do melhor interesse das filhas. Além disso,
argumentou que as alegações feitas acerca da sua identidade sexual nada têm a ver com
seu papel e função de mãe, devendo ficar fora da litis, uma vez que nem o Código Civil
46

Chileno, nem a lei de menores, contemplavam como causa de “incapacidade parental”


ter uma “opção sexual diferente”.

Em 10 de março de 2003, a advogada do pai das crianças apresentou uma demanda de


guarda provisória, visando obter a guarda das filhas antes da conclusão do processo. Em
2 de maio de 2003, o Juizado de Menores de Villarrica concedeu a guarda ao pai e
regulamentou as visitas da mãe, apesar de reconhecer que não existiam elementos que
permitissem comprovar causa de sua incapacidade legal. O Juizado fundamentou sua
decisão com os seguintes argumentos:

i) “que a demandada, tornando explícita sua opção sexual,


convive no mesmo lar que abriga suas filhas com a companheira,
alterando com ela a normalidade da rotina familiar, colocando
seus interesses e bem-estar pessoal acima do bem-estar
emocional e do adequado processo de socialização das filhas”; e
ii) “que a demandada colocou seus interesses e bem-estar
pessoal acima do cumprimento de seu papel materno, em
condições que podem afetar o desenvolvimento posterior das
menores dos autos, não cabendo senão concluir que o ator
apresenta argumentos mais favoráveis em prol do interesse
superior das crianças, argumentos que, no contexto de uma
sociedade heterossexual e tradicional, revestem grande
importância”

Dessa forma, a senhora Atala cumpriu o disposto, contudo, solicitou que o Juiz Titular
de Letras de Menores de Villarrica fosse impedido de continuar a conhecer do processo
de guarda, argumentando que este deu forma e conteúdo, com força de resolução
judicial, a um certo modelo de sociedade, fundamentando-se em estereótipos e
relações patriarcais que não valorizam a pluralidade no meio social. Logo, o Juiz declarou
“suficiente a causa” e se absteve do processo. Assim, em 29 de outubro de 2003, a Juíza
Substituta do Juizado de Menores de Villarrica proferiu sentença negando a demanda
de guarda, argumentando que a orientação sexual de Karen Atala nada a tinha a ver com
sua capacidade de ser uma mãe responsável, que ela não possuía patologia alguma que
a impedisse de exercer este papel e que não existiam provas de que a presença de sua
companheira na casa oferecia riscos ao bem-estar das crianças. Explicou que
homossexualidade não configurava patologia e sim uma conduta normal do ser
humano. Defendeu que o Judiciário deveria fundamentar suas resoluções em fatos
concretos e comprovadamente presentes na causa e não em suposições ou temores,
apoiados em preconceitos.
Em 5 de abril de 2004, o pai das crianças apresentou um recurso de queixa contra os
juízes do Tribunal de Recursos de Temuco perante a Corte Suprema do Chile, alegando
que estes cometeram um abuso grave e notório por privilegiar o direito da mãe sobre
os das crianças, faltando em seu dever de protegê-las, entre outros apontamentos.
Deste modo, em 7 de abril de 2004, a Corte Suprema concedeu o mandado de segurança
solicitado e em 31 de maio de 2004, a Quarta Câmara da Corte Suprema de Justiça do
Chile concedeu a guarda definitiva ao pai.
47

Esta última afirmou que as crianças se encontravam em situação de risco pois se


apresentavam num estado de vulnerabilidade no meio social, uma vez que seu ambiente
familiar se diferenciava significativamente daquele que viviam seus colegas. Tal quadro
poderia gerar uma situação de isolamento e discriminação que afetaria seu
desenvolvimento pessoal. Logo, a Corte considerou que havia a presença de uma “causa
qualificada”, presente no art. 225 do Código Civil para justificar a entrega da guarda das
crianças ao pai.

Deste modo, este caso foi levado à CIDH e esta considerou sua relação com a
discriminação que sofre a senhora Atala, especialmente sobre sua vida particular. A
visão discriminatória manifestou-se claramente na causa judicial sobre a guarda e
cuidado de suas três filhas. O Estado Chileno, por sua vez, negou que a causa judicial
tenha relação com a orientação de Karen Atala, apenas com o melhor interesse das
crianças.

Neste ponto é importante ressaltar que a Corte Interamericana de direito Humanos


(Corte IDH), que destacou que não têm como objetivo analisar este caso a fim de
determinar qual dos progenitores possui o melhor lar para as crianças. Seu propósito é
definir apenas se as autoridades judiciais do Chile violaram ou não as obrigações
estipuladas na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). Mais do que isso, a
própria Corte IDH que não se trata de um mero tema de direito interno e sim de direitos
humanos, em especial a igualdade e não discriminação. Destacou que esse princípio
ingressou no campo do jus cogens e que o art.1º da CADH ao listar as formas
discriminação não é taxativo. A CADH foi interpretada de forma evolutiva e mais
protetiva às vítimas para incluir a proteção contra a discriminação decorrente da
orientação sexual.
A Corte IDH destacou, em primeiro lugar, o “interesse superior da criança” não pode
servir para reproduzir um “estigma social”. Em segundo lugar, a violação da vida privada
pelos processos de investigação, inclusive nos locais de trabalho da mãe. Em terceiro
lugar, determinou a indenização por danos materiais, danos morais, assistência médica
e psicológica às vítimas de discriminação. Por fim, inspirados na Convenção de Belém do
Pará, que consignou a responsabilidade internacional do Estado, obrigando-o a elaborar
políticas públicas que capacitem as autoridades públicas, inclusive judiciais para, a um
só tempo, manter um ambiente de tolerância e respeito às minorias sexuais
invisibilizadas e promover mudanças estruturais que ajudem a desarticular estereótipos,
preconceitos e práticas discriminatórias contra a população LGBTI.

Como primeiro ponto abordado pela CIDH encontram-se as supostas violações aos
artigos 2.481 e 1.182 da CADH, alegando que as normas de direito interno chileno
referentes aos assuntos de família foram aplicadas a partir de uma discriminação em
detrimento da senhora Atala ao se basearem em sua orientação sexual. Já o Estado
argumentou que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) requer a
confiança e comprometimentos dos Estados membros e que essa relação pode ser
afetada caso a Corte seja demasiado reguladora sem considerar os sentimentos
majoritários dos Estados. Não obstante, o Estado Chileno também afirmou que ao
aceitar a CADH em determinado contexto, este comprometera-se com certos tipos de
direitos humanos e não com outros que antes não existiam. Dessa forma, deve-se criar
48

procedimentos de incorporação de protocolos que protejam outros direitos não


previstos anteriormente.

Neste âmbito, a Corte IDH, em concordância com o Tribunal Europeu de Direitos


Humanos, estabelece que os tratados de direitos humanos são instrumentos vivos e
suas interpretações acompanham o passar do tempo e as condições de vida dos seres
humanos no momento.

Já em relação ao argumento do Estado de que a sentença final do caso da senhora Atala


não foi discriminatória e sim visava o melhor interesse das crianças, o Tribunal afirma
que para comprovar que uma diferença de tratamento existiu numa decisão não é
necessário que esta esteja baseada “fundamental e unicamente” na orientação sexual
da pessoa. Importa apenas que esta condição seja levada em conta, implícita ou
explicitamente, para a tomada da decisão. Além disso, a Corte IDH também reiterou que
o “melhor interesse da criança” é um fim legítimo, porém não se pode usá-lo como
referência sem provar concretamente quais são os danos e riscos que a orientação
sexual da mãe oferece às crianças. Logo, o interesse superior das crianças não pode ser
utilizado como base para discriminar seus pais em virtude de sua orientação sexual.

Outra observação que a Corte IDH realizou diz respeito à possível discriminação que
culminaria sobre as crianças caso estas morassem com a mãe e sua companheira. Ela
considera que a possibilidade de determinada discriminação não pode ser utilizada
como justificativa para diferenças de tratamento ou restrições de direitos. Dessa forma,
os Estados não podem utilizar essa projeção como fator de justificação para tratamentos
discriminatórios. Pelo contrário, devem adotar medidas que tornem efetivos os direitos
assegurados na Convenção em todo seu território nacional, posicionando-se para
enfrentar tais gestos e concepções discriminatórias e intolerantes. Logo, os Estados
devem prezar pelo avanço social, sob pena de legitimar ou consolidar violações aos
direitos humanos.

Já em razão da alegação do Estado de que a homossexualidade de sua mãe impactaria


no desenvolvimento e bem-estar das crianças, a Corte IDH afirmou que a garantia de
que um menor viva em um lar saudável, em “condições ótimas para seu
desenvolvimento”, nada tem a ver com heterossexualidade ou homossexualidade.

“Todas as formas de família têm vantagens e desvantagens,


e cada família tem de ser analisada de maneira particular,
não do ponto de vista estatístico.”

Ademais, uma série de estudos foram apresentados por peritos do caso e todos
afirmavam que não há como se provar a tese geral de que a convivência de crianças com
casais homossexuais afeta per se seu desenvolvimento psicológico e emocional, sendo
suas atitudes equivalentes às aquelas de pais heterossexuais. Os relatórios também
concluem que a orientação sexual dos pais não afeta significativamente a concepção de
gênero que as crianças possuem sobre si, isto é, sua orientação sexual e seu
comportamento e também afirma que as crianças criadas por casais homossexuais não
são mais alvos de estigmas do que as crianças criadas por casais héteros. Não obstante,
49

o Tribunal notificou que, no caso concreto, viver com a mãe e sua companheira não
significava a privação da figura paterna das crianças, uma vez que o pai poderia visitá-
las e participar de sua formação.
Outro ponto importante tocado pela CIDH foi a violação ao direito à privacidade de
Karen Atala. Neste sentido, ressalta que o direito à vida privada vai além do direito à
privacidade e esta abrange a identidade física e social, o desenvolvimento e autonomia
pessoal, além de seu direito de estabelecer e desenvolver relações com outras pessoas
em seu ambiente social, inclusive se envolvendo com pessoas do mesmo sexo no seu
ambiente público e profissional.

Dessa forma, a Corte IDH decidiu que devem ser protegidos os direitos dos
homossexuais de agir conforme essa característica. A Corte IDH adota o mesmo
posicionamento ao afirmar que não é razoável que a senhora Atala adie seu projeto de
vida e família em detrimento de sua conduta homossexual. Assim, não se pode reprová-
la ou censurá-la juridicamente por ter escolhido mudar sua vida, muito menos exigir que
ela renunciasse um aspecto essencial de sua identidade privilegiando a criação dos
filhos.

Visto isso, a Corte IDH declarou que o Estado Chileno violou o direito à igualdade e à não
discriminação, presente no art. 24, em relação ao art. 1.1 da Convenção Americana, o
direito à vida privada, retratado no art. 11.2 e 17.1, em relação ao art. 1.1, em
detrimento de Karen Atala e das crianças M. V. e R. Acerca destas últimas, também
concluiu-se que o Estado Chileno violou o art. 19 da Convenção, uma vez que as separou
injustificadamente de seu ambiente familiar. Neste ponto, é importante ressaltar quais
são as considerações da Corte acerca da forma como a opinião das crianças deve ser
levada em conta. Assim:

i) “não se pode partir da premissa de que uma criança é incapaz


de expressar suas próprias opiniões”;

ii) “a criança não deve ter necessariamente um conhecimento


exaustivo de todos os aspectos do assunto que a afeta, mas
compreensão suficiente para ser capaz de formar
adequadamente um juízo próprio sobre o assunto”;

iii) a criança pode expressar suas opiniões sem pressão, e pode


escolher se quer ou não exercer o direito de ser ouvida;

iv) “a realização do direito da criança de expressar suas opiniões


exige que os responsáveis por ouvi-la e seus pais ou tutores
informem a criança sobre os assuntos, as opções e as possíveis
decisões que possam ser adotadas e suas consequências”;

v) “a capacidade da criança […] deve ser avaliada para que se


levem devidamente em conta suas opiniões ou para a ela
comunicar a influência que essas opiniões tiveram no resultado
do processo”; e
50

vi) “os níveis de compreensão das crianças não se vinculam de


maneira uniforme à sua idade biológica”, razão pela qual a
maturidade da criança deve ser medida com base na
“capacidade […] de expressar suas opiniões sobre as questões de
forma razoável e independente”.

Como houve uma discordância entre a decisão da Corte Suprema do Chile e a vontade
expressa pelas crianças de que gostariam de permanecer com a mãe, a decisão da Corte
chilena deveria ter embasado e fundamentado fortemente sua decisão. Contudo, o
Tribunal constatou que esta medida não estava presente. Logo, a Corte Interamericana
de Direitos Humanos declarou que a decisão da Corte Suprema do Chile violou o art. 81
em relação ao art. 19 e 1.1 da Convenção Americana, isto é, o direito das crianças de
serem ouvidas e levadas em consideração no processo e a garantia da imparcialidade.

Deste modo, a Corte IDH, bem como o Tribunal, ao instituir as formas de reparação à
senhora Karen Atala e suas filhas M., V. e R. afirma que a sentença já é, per se, uma
forma de reparação. As outras formas de reparação serão: tratamento médico e
psicológico ou psiquiátrico gratuito, de forma imediata e adequada, às vítimas que os
solicitem, bem como o fornecimento de remédios; o Estado deve publicar o resumo
oficial da presente Sentença, elaborado pela Corte, uma só vez, no Diário Oficial, em um
jornal de ampla circulação nacional e a íntegra da presente Sentença, disponível por um
ano, numa página eletrônica oficial; o Estado deve realizar um ato público de
reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos deste caso, com
autoridades e representantes do Poder Judiciário, bem como continuar implementando
cursos de capacitação a funcionários públicos tanto da esfera estadual quanto nacional,
principalmente a funcionários judiciais de todas as áreas e escalões em: i) direitos
humanos, orientação sexual e não discriminação; ii) proteção dos direitos da
comunidade LGBTI; e iii) discriminação, superação de estereótipos de gênero contra a
população LGTBI.

Nessa linha, a Corte IDH também declarou que o Estado Chileno tem a obrigação não só
de adotar medidas legislativas que efetivem os direitos consagrados na Convenção, mas
também de evitar promulgar leis que os impeça ou modificar leis que os proteja. A Corte
Interamericana destacou, ainda, não se tratar de uma mera questão de custódia das
filhas, que seria um tema de direito interno. Registrou que as autoridades públicas
violaram os direitos humanos, em especial a igualdade e não discriminação. Destacou
que esse princípio ingressou no campo do jus cogens e que o art.1º da Convenção
americana ao listar as formas discriminação não é taxativo. A CADH foi interpretada de
forma evolutiva e mais protetiva às vítimas para incluir a proteção contra a
discriminação decorrente da orientação sexual.

A Corte IDH destacou, em primeiro lugar, o “interesse superior da criança” não pode
servir para reproduzir um “estigma social”. Em segundo lugar, a violação da vida privada
pelos processos de investigação, inclusive nos locais de trabalho da mãe. Em terceiro
lugar, determinou a indenização por danos materiais, danos morais, assistência médica
51

e psicológica às vítimas de discriminação. Em terceiro lugar, relacionando a CADH e a


Convenção de Belém do Pará, consignou a responsabilidade internacional do Estado,
obrigando-o a elaborar políticas públicas que capacitem as autoridades públicas,
inclusive as judiciais, para, a um só tempo, manter um ambiente de tolerância e respeito
às minorias sexuais invisibilizadas e promover mudanças estruturais que ajudem a
desarticular estereótipos, preconceitos e práticas discriminatórias contra a população
LGBTI.

Comentário do Revisor:

Resposta bem completa. Só indicaria, no caso de uma leitura mais rápida, em véspera
de prova, trechos resumidos extraídos do CADERNOS ESTRATÉGICOS - ANÁLISE
ESTRATÉGICA DOS JULGADOS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
páginas 74 a 77, no link abaixo.

<http://www.defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/658d7f8437e443989ee2db024882
7db2.pdf>

37. DPE-AM - Jurisprudência contenciosa e consultiva da Corte de IDH. Cite um


exemplo de cada caso envolvendo adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa de internação.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), é uma instituição judicial
autônoma, não sendo órgão da OEA, mas sim da Convenção Americana de Direitos
Humanos. “De acordo com o disposto nos arts. 1º e 2º de seu Estatuto, a Corte
Interamericana possui duas atribuições essenciais: a primeira, de natureza consultiva,
relativa à interpretação das disposições da Convenção Americana, assim como da
disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados
Americanos; a segunda, de caráter jurisdicional, referente à solução de controvérsias
que se apresentem acerca da interpretação ou aplicação da própria Convenção”.
(PIOVESAN apud. FIX-ZAMUDIO, p. 235, 1997)
No plano consultivo, qualquer membro da OEA – integrante ou não da convenção – pode
solicitar o parecer da Corte relativamente à interpretação da Convenção ou de qualquer
outro tratado relativo à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. A Corte
ainda pode opinar sobre a compatibilidade de preceitos da legislação doméstica em face
dos instrumentos internacionais.
Já no plano contencioso, a competência da Corte para o julgamento de casos é limitada
aos Estados-partes da Convenção que reconheçam tal jurisdição expressamente.
Somente a Comissão Interamericana e os Estados-partes podem submeter um caso à
Corte, não estando prevista a legitimação do indivíduo. O Estado deve reconhecer a
jurisdição contenciosa por declaração específica para todo e qualquer caso (art. 62 da
Convenção) ou mesmo para somente um caso específico.
A Corte tem jurisdição para examinar casos que envolvam a denúncia de que um Estado-
parte violou direito protegido pela convenção. A decisão da Corte tem força jurídica
vinculante e obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimento.
52

No tocante a um exemplo jurisdição consultiva da Corte envolvendo adolescentes em


cumprimento de medida socioeducativa de internação, destaca-se o Parecer Consultivo
n. 17, sobre a Condição Jurídica e Direitos Humanos da Criança (de 28.08.2002), o qual
situou-se na mesma linha de afirmação da emancipação jurídica do ser humano, ao
enfatizar a consolidação da personalidade jurídica das crianças, como verdadeiros
sujeitos de direito e não simples objeto de proteção. Dentre os 13 pontos apresentados
como de suma importância para a proteção dos direitos da criança e do adolescente,
sobre o tema se destacam os pontos: 11) Que o menor infrator deve ser julgado por um
tribunal especializado para conhecer da sua causa; 12) Casos de abandono, desamparo,
risco de doenças devem ter tratamento diferente do que é dado aos menores que
comentem uma conduta típica.
Já como exemplo de jurisdição contenciosa sobre o tema se destaca o “Caso Crianças e
Adolescentes Privados de Liberdade no Complexo do Tatuapé (Medidas Provisórias)”,
no qual Corte Interamericana de Direitos Humanos através de concessões de medidas
provisórias determinou ao Estado brasileiro a adoção de uma série de medidas que
visavam assegurar a integridade física e mental de adolescentes privados de liberdade
na unidade da antiga FEBEM – Complexo do Tatuapé.
Comentário do revisor:
Resposta perfeita. Objetiva e, ao mesmo tempo, completa.
Apenas para fins de agregação, menciono, abaixo, outros casos contenciosos tratados
pela Corte IDH envolvendo medida socioeducativa de internação:
- Caso “Alan Felipe da Silva e outros”(CIDH, Informe 40/07), denuncia maus tratos,
tortura em local de triagem de crianças e adolescentes que cumprem medidas
socioeducativas no Estado do Rio de Janeiro.
Retrata a triste situação de abusos e torturas sofridas pelas criançasque deveriam
cumprir medidas socioeducativas no Centro de Triagem e Recepção do Estado do Rio
de Janeiro. Segundo os denunciantes os adolescentes em interrogatórios eram
agredidos com objetos de madeira e eram colocados em “cubículos repletos de
fezes e água de esgoto, obrigando-os inclusive a ingeri-las, além de incentivarem brigas
entre os detentos com apostas em dinheiro”(CIDH, Relatório 40/07).
- Caso “Adolescentes custodiadospela FEBEM”(CIDH, Informe nº 39/02), relatam
maus tratos e condições precárias de vida na Unidade;
Os casos referentes às unidades da FEBEM relatam a violação sistemática de
direitos humanos que as crianças e adolescentes privados de liberdade sofrem -o
que são motivosque levam a fugas e motins. As condições físicas das unidades são
descritas como precárias, com recursos humanos da área de segurança insuficientes,
a falta de atenção ao direito à educação e formação profissional, assim como a
deficiência da atenção psicossocial. O caso relatado no Informe nº 39/02ressalta a
superlotação e insalubridade das celas que abrigam
adolescentes,independentementeda idade, compleição física ou gravidade do ato
praticado.
53

Fonte:<https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1502029863_ARQUIVO_
ANPUHresumidosubmissao.pdf>

38. DPE-AP – Disserte sobre o Protocolo de San Salvador, abordando necessariamente


um exemplo de condenação na Corte IDH com base na violação de direitos previstos
no referido protocolo.
O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como Protocolo de San Salvador, foi
adotado pela Assembleia Geral da OEA, em 17 de novembro de 1988, em São Salvador,
El Salvador, sendo voltado aos direitos econômicos, sociais e culturais garantidos no
âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos.
Em seu preâmbulo, o Protocolo ressalta a estreita relação existente entre os direitos
econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos, uma vez que as diferentes
categorias de direito constituem um todo indissolúvel que protege a dignidade humana.
As duas categorias de direitos exigem uma tutela e promoção permanentes, com o
objetivo de conseguir sua vigência plena, sem que jamais possa ser justificável a violação
de uns a pretexto da realização de outros.
O Protocolo aprofunda os direitos econômicos, sociais e culturais protegidos no âmbito
do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, destacando-se entre os
principais direitos protegidos:
• Direito ao trabalho
• Direito de gozar do direito ao trabalho em condições justas, equitativas e satisfatórias
(incluindo direito à promoção ou avanço no trabalho, direito à segurança e higiene,
direito a repouso, direito a férias remuneradas, direito a limitação de horas de trabalho,
dentre outros)
• Direitos sindicais (direito de filiar-se ou não, direito de greve, dentre outros)
• Direito à previdência social
• Direito à saúde
• Direito de toda pessoa a um meio ambiente sadio e de contar com os serviços públicos
básicos
• Direito à alimentação
• Direito à educação
• Direito aos benefícios da cultura
• Direito à constituição e proteção da família
• Direitos das crianças
• Direitos das pessoas idosas
• Direitos das pessoas com deficiência
54

O protocolo conta com mecanismo próprios de monitoramento, qual sejam: relatórios


periódicos e petições individuais para o caso de violação aos direitos sindicais (exceto o
direito à greve) e o direito à educação.
Por fim, destaca-se que no Caso Menina Talía a Corte de IDH concluiu que o Estado
equatoriano violou entre outros direitos, o direito à educação, previsto no artigo 13 do
Protocolo de San Salvador, em prejuízo de Talía Gonzales Lluy. Sendo este, um
emblemático caso de aplicação direta dos direitos previtos no Protocolo de São
Salvador.
Comentário do revisor:
Complementando acerca do caso trazido como exemplo, a título de lembrete, cabe um
curto resumo do caso Talia González (já tratado de maneira bem completa na questão
36).
A menina equatoriana Talía González foi infectada com o vírus do HIV em 1998 quando
tinha apenas três anos, durante uma transfusão proveniente de um banco de sangue da
Cruz Vermelha e efetuado em uma clínica privada na cidade de Cuenca.
Em sua sentença, a CorteIDH afirmou que "a precariedade e irregularidades nas quais
funcionava o banco de sangue do qual proveio o sangue para Talía é um reflexo das
consequências que pode ter o descumprimento das obrigações de supervisionar e
fiscalizar por parte dos Estados".
A decisão afirma que "esta grave omissão do Estado permitiu que sangue que não tenha
sido submetido aos exames de segurança mais básicos, como o de HIV, fosse entregue
à família de Talía para a transfusão de sangue, com o resultado de sua infecção e o
consequente dano permanente à sua saúde".
A CorteIDH também ordenou o Estado equatoriano a realizar um programa para a
capacitação de funcionários em saúde sobre melhores práticas e direitos dos pacientes
com HIV, assim como sobre a aplicação dos procedimentos estabelecidos no Guia de
Atendimento Integral para Adultos e Adolescentes com infecção por HIV/aids.
Quanto a compensações econômicas que deverão ser pagas pelo Estado equatoriano,
os juízes fixaram em US$ 100 mil o dano material e em US$ 350 mil o dano imaterial
causado a Talía.
Também por dano imaterial, o Estado deverá entregar à mãe de Talía US$ mil 30 e outros
US$ 25 mil ao irmão.

11. Direito internacional dos Direitos Humanos: fontes, classificação princípios,


características e teoria das gerações de direitos humanos. Normas de interpretação
dos tratados de Direitos Humanos. Resolução de conflitos ante a colisão de direitos
humanos. A responsabilidade internacional por violação dos direitos humanos:
tratados internacionais de direitos humanos e as obrigações assumidas pelo Brasil,
formas de reparação e sanções coletivas e unilaterais. A vigência e eficácia das normas
do direito internacional dos Direitos Humanos. As possibilidades de aposição de
reservas e de oferecer denúncia relativas aos tratados internacionais de Direitos
55

Humanos. A incorporação dos tratados internacionais de proteção de direitos


humanos ao direito brasileiro. A posição hierárquica dos tratados internacionais de
Direitos Humanos em face do artigo 5º, e seus parágrafos, da Constituição Federal
brasileira. O controle de convencionalidade. O direito da autodiscriminação:
discriminação direta e indireta e ações afirmativas. A execução de decisões oriundas
de tribunais internacionais de Direitos Humanos no Brasil.

39. DPE-AP / AM – Quais são os fundamentos da ação afirmativa, as razões. Há


parâmetros objetivos para definição e aplicação das ações afirmativas? O STF
estabeleceu alguma forma de controle objetivo dos critérios? Qual a diferença entre
ação afirmativa e discriminação positiva? Cite um exemplo de discriminação positiva
no nosso ordenamento.
Roger Raupp Rios apresenta a evolução do conceito de ações afirmativas, entendida
inicialmente como “conjunto de medidas, conscientes do ponto de vista racial, visando
a beneficiar minorias raciais em situação de desvantagem social, decorrente de
discriminação disseminada nas esferas social e estatal”. Contemporaneamente, “passou
a ser conceituada como o uso deliberado de critérios raciais, étnicos ou sexuais com o
propósito específico de beneficiar um grupo em situação de desvantagem prévia ou de
exclusão, em virtude de sua respectiva condição racial, étnica ou sexual”.
Ações afirmativas são, portanto, medidas adotadas com o fim de beneficiar grupos em
situação de desvantagem ou exclusão em virtude de uma condição que, de algum modo,
cause, sob o ponto de vista social, aquela situação de desvantagem ou exclusão.
As ações afirmativas buscam a realização de igualdade fática ou real entre grupos a
partir de medidas formalmente desiguais, visando evitar ou pelo menos atenuar os
efeitos da discriminação passada e/ou presente, atual.
Ação afirmativa não é sinônimo de Cota, as políticas públicas afirmativas comportam
diversos programas, dentre eles os sistemas de cotas, ou seja, ação afirmativa é gênero,
do qual o sistema de cotas é apenas espécie. Além do sistema de cotas, também existem
outras opções que podem ser consideradas importantes para efetivação das ações
afirmativas, como o método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e
os incentivos fiscais.
Sob quais prismas os objetivos das ações afirmativas podem ser compreendidos?
Segundo Flavia Piovesan as ações afirmativas devem ser compreendidas não somente
pelo prisma retrospectivo — no sentido de aliviar a carga de um passado discriminatório
—, mas também prospectivo — no sentido de fomentar a transformação social, criando
uma nova realidade. As ações afirmativas objetivam acelerar o processo de igualdade,
com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos socialmente vulneráveis,
como as minorias étnicas e raciais, dentre outros grupos.
Joaquim Barbosa explica que ações afirmativas são um conjunto de políticas públicas e
privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vista ao
combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir
os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a
56

concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a


educação e o emprego.
Define-se discriminação positiva o instituto jurídico que busca, através de adequada
tipificação, trazer equilíbrio social ao estabelecer garantias a determinados segmentos
sociais que, por razões históricas e/ou sociológicas, foram mantidos à periferia da
contemplação de direitos constitucionais básicos, onde, por vezes, ocorreu mitigação do
pleno exercício da cidadania oriunda de tal negligência. Grande parte da doutrina
jurídica costuma igualar este instituto ao da ação afirmativa. Entretanto, os que as
diferenciam apontam que na discriminação positiva se verifica uma imposição legal
mais explícita.
Um nítido exemplo de discriminação positiva é a previsão contida no artigo 10,
parágrafo 3º, da Lei nº 9.504/97, que estabelece as normas para as eleições. De acordo
o dispositivo cada partido ou coligação deve preencher, nas eleições proporcionais, o
mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, isto é, todo partido
político deve ter, no mínimo, 30% de candidatas mulheres para disputar as eleições.
Por fim, destaca-se que o STF entende como constitucional a possibilidade de controle
objetivo dos critérios justificadores das ações afirmativas, neste sentido já afirmou a
Corte:
É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de
heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos
o contraditório e a ampla defesa. STF. Plenário. ADC 41/DF, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgado em 8/6/2017 (repercussão geral) (Info 868).
Comentário do revisor:
Rerforça-sem, mais uma vez, as diferenças que alguns autores traçam entre ação
afirmativa e discriminação positiva:
1. Ações afirmativas: são medidas que asseguram a igualdade, minimizando as
disparidades entre esses grupos que estão em situações vulneráveis
2. Discriminações positivas: são verificadas imposições legais mais explícitas, de
natureza vinculante.
Portanto, nas ações afirmativas, também fornece apoio aos grupos, pessoas
desfavorecidas, mas não tanto imperativa, forçosa, o quanto presente e existente na
discriminação positiva.
40. DPE-AP - Diferencie discriminação direta da indireta. Me dê exemplo de
discriminação indireta enfrentada pelo STF. O que ficou decidido no caso?
Em um sentido puramente literal, discriminar é distinguir entre situações distintas,
classificando ou conferindo tratamentos diferenciados entre grupos. Se pensarmos
discriminação dessa forma, no entanto, toda lei seria discriminatória – é próprio do
Direito, afinal de contas, distinguir entre situações distintas e conferir efeitos jurídicos
diferenciados a estas situações (“tratar desigualmente os desiguais”, na formulação
aristotélica clássica).
57

A discriminação a que nos referimos, no entanto, é aquela vinculada ao princípio da


igualdade e da não-discriminação, que se extrai do art. 3o, IV, e do art. 5o, caput da
Constituição de 1988. É uma espécie de discriminação específica tanto com relação aos
sujeitos quanto aos seus efeitos. Com relação aos sujeitos, a discriminação atinge
minorias – pensadas, aqui, não em uma perspectiva numérica, mas como grupos sociais
que são submetidos a processos históricos de marginalização e vulnerabilização social.
Nessa perspectiva, podemos conceber como minorias não só grupos como povos
indígenas, quilombolas e pessoas LGBT, mas também outros grupos que,
numericamente, não seriam minorias, como negros (ao menos, no Brasil) e mulheres.
Quanto aos seus efeitos, a discriminação a que nos referimos não tem como
consequência meramente “tratar desigualmente os desiguais”, mas efetivamente
perpetuar as desigualdades históricas que impedem a igual participação ou o igual gozo
e fruição de direitos com relação a essas minorias vulnerabilizadas.
É nesse contexto que, tradicionalmente, distinguem-se os fenômenos da discriminação
direta e indireta. Partindo da tradição norte-americana, diz-se que uma discriminação é
direta quando ela se baseia em critérios como raça, gênero, sexualidade, religião (os
ditos critérios suspeitos) para negar direitos a esses grupos marginalizados. Assim, por
exemplo, uma lei que proibisse o ingresso de negros em universidades seria um exemplo
de discriminação direta. No modelo americano, soma-se a isso o elemento do intuito
discriminatório – ou seja, a discriminação direta é aquela em que há uma vontade de
discriminar com base em critérios de classificação suspeitos.
Ao longo do tempo, no entanto, situações de discriminação direta passaram a surgir
cada vez menos. Autores como Francisco Campos afirmaram que isso se deveria a uma
superação do sistema de castas que não teria mais lugar nas sociedades
contemporâneas. Outros, como Reva B. Siegel, identificaram nesse fenômeno uma
verdadeira mudança de estratégia dos agentes da discriminação. O fim das leis
frontalmente discriminatórias não levou, afinal, ao fim das desigualdades. Pelo
contrário, o que efetivamente aconteceu foi que a discriminação passou a ser resultado
de leis e práticas que, aparentemente, não tinham nada de discriminatórias – nem com
base em seus textos, nem com base nas vontades aparentes dos legisladores, daí
surgindo o conceito de discriminação indireta.
Na discriminação indireta, a diferença de tratamento aparece de forma indireta,
dissimulada, desprovida de fator de intencionalidade, cujos efeitos advêm de práticas
ou políticas aparentemente neutras, mas que redundam em atos discriminatórios.
Joaquim B. Barbosa Gomes acentua que a discriminação indireta, também chamada de
“Teoria do Impacto Desproporcional”, foi uma grande inovação do direito norte-
americano, pois no lugar de se buscar conter o tratamento discriminatório, se propõe a
combater a “discriminação indireta”. Entendida esta como a que origina uma
desigualdade não oriunda de atos concretos ou de manifestação expressa de
discriminação por parte de alguém, mas de práticas administrativas, empresariais ou de
políticas públicas, em princípio neutras, porém de grande potencial discriminatório.
Ainda no dizer do autor, essa discriminação por “impacto desproporcional”, quase
invisível, raramente abordada nos compêndios de Direito, seria a forma mais perversa
58

de discriminação, devido a sua aptidão de perpetuar situações de desigualdade


resultantes de fatores histórico-culturais1.
O primeiro elemento da discriminação indireta é a existência de um ato ou de uma
prática, públicos ou privados, que condicione o desfrute ou exercício de direitos com
base em critérios aparentemente neutros. Significa dizer que (i) a discriminação indireta
não é necessariamente produzida por atos (ela pode decorrer, por exemplo, de
omissões ou de situações de fato, como a ausência de rampas de acesso a instalações);
(ii) a discriminação indireta pode ser praticada tanto pelo Poder Público quanto por
entidades privadas; e (iii) só se pode falar em discriminação indireta quando não se
esteja diante de uma prática que expressamente se valha de critérios de classificação
proibidos (gênero, sexualidade, raça etc) ou cujo intuito discriminatório seja evidente
(do contrário, falamos em discriminação direta).
O segundo elemento da discriminação indireta consiste na produção de efeitos adversos
(tradicionalmente referidos como “impacto desproporcional”) contra grupos sociais
historicamente marginalizados ou vulnerabilizados. Como na discriminação indireta não
é possível falar no uso de critérios proibidos, nem a intenção discriminatória é evidente,
torna-se essencial demonstrar que o ato ou prática produzem efeitos discriminatórios.
Ocorre que nem toda discriminação indireta vai produzir efeitos sistêmicos sobre um
grande número de pessoas. Pelo contrário, alguns atos ou práticas podem produzir
efeitos sobre grupos muito pequenos de pessoas – as vezes, apenas sobre indivíduos.
Quando se fala em efeito discriminatório, portanto, o que se exige é que o intérprete
analise a situação daquele indivíduo ou grupo que alega ser discriminado em razão da
aplicação da norma em comparação com aquele que não seria discriminado, de modo a
averiguar se incide, de fato, uma restrição de direitos ou exclusão substancial sobre
aquele em comparação com este.
Por fim, o terceiro elemento da discriminação indireta diz respeito à existência de um
grupo constitucionalmente protegido. Como já afirmado, a discriminação como
fenômeno relevante, do ponto de vista constitucional, é aquela praticada contra grupos
historicamente marginalizados e vulnerabilizados. Assim, a discriminação indireta estára
caracterizada quanto o ato público ou privado produza seus efeitos discriminatórios
contra esses grupos. Alguns desses grupos estão exemplificados no texto constitucional
(minorias de gênero, sexuais, raciais, étnicas, religiosas, pessoas com deficiência), o que
não exclui o reconhecimento de outros grupos que possam ser reconhecidos como
protegidos pelo princípio da igualdade – especialmente considerando que a
invisibilidade e marginalização que marcam minorias sociais impede, por vezes, que o
constituinte antevisse todos estes grupos na Constituição.
No STF, o conceito foi mencionado ao menos em dois casos. O primeiro caso ocorreu
na ADI n. 1.946/DF, em que se reconheceu que o teto dos benefícios da previdência
social poderia gerar discriminação indireta contra mulheres caso fosse aplicado
também à licença-gestante. O segundo consistiu na ADPF n. 291, em que o Ministro

1
GOMES, Joaquim B. Barbosa. A ação afirmativa e o princípio constitucional da
igualdade. O direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 23-24.
59

Roberto Barroso afirmou que o crime de pederastia configuraria discriminação


indireta contra pessoas homossexuais, na medida em que a norma, apesar de
aparentemente neutra, seria substancialmente aplicada, por diversas razões, a
militares gays.
Comentário do revisor:
Reforçando os conceitos:
- Discriminação direta: realizada de forma clara, objetiva, baseada em critérios como
raça, gênero, sexualidade, religião (os ditos critérios suspeitos). Por exemplo, uma lei
que proíba a entrada de negros em universidade.
- Discriminação indireta: consiste na discriminação “que, desprovida dessa
intencionalidade [discriminatória], produz impactos desproporcionais a determinadas
pessoas ou grupos sociais”. (Luís Roberto Barroso).
41. DPE-AP / ES - Conceitue Controle de Convencionalidade. Dê exemplos. Há alguma
base legislativa para sua aplicação ou se embasa apenas na jurisprudência do STF no
âmbito interno? Seria possível uma espécie de controle de convencionalidade nos
moldes da ADI? A Constituição pode ser objeto de controle de convencionalidade?

O controle de convencionalidade consiste na análise da compatibilidade dos atos


internos (comissivos ou omissivos) em face das normas internacionais (tratados,
costumes internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais, resoluções
vinculantes de organizações internacionais). Segundo André de Carvalho Ramos, podem
ser apontadas duas modalidades de controle, a saber, o controle de convencionalidade
internacional, também conhecido como autêntico, que é a atividade de fiscalização
efetivada pelos órgãos e mecanismos internacionais e o controle de convencionalidade
nacional, que é aquele realizado pelos tribunais domésticos.
Valério Mazzuolli ainda classifica o controle de convencionalidade em abstrato e difuso.
Segundo o autor, abstrato é o controle de convencionalidade realizado pelo Supremo
Tribunal Federal, em sede de ADI e ADPF e, que tem por parâmetro tratado internacional
internalizado pelo rito das emendas constitucionais. Destarte, é possível o de controle
de convencionalidade nos moldes da ADI, isto é, de forma concentrada no STF. Já o
controle difuso, é aquele realizado por qualquer juiz ou tribunal e que tem por
parâmetro qualquer tratado internacional.
São exemplos de controle de convencionalidade o RE 511.961, onde o STF decidiu que
o artigo 4º, V, do Decreto Lei 972/1969, que exigia o diploma de jornalista para o
exercício da mencionada profissão, não fora recepcionado pela Constituição Federal,
por ferir a liberdade de imprensa e a livre manifestação do pensamento. Na decisão da
causa o STF considerou que a exigência violava o disposto no artigo 13 da Convenção
Americana de Direitos Humanos e a Opinião Consultiva n. 5/85. No RE 466343 o STF
decidiu que a prisão do depositário infiel, em qualquer de suas modalidades, violava o
Pacto de São José da Costa Rica, pois o diploma em seu artigo 7º, veda a prisão por
dívida. Posteriormente foi editada a Súmula Vinculante n. º 25 contemplando a vedação
da prisão do depositário infiel.
Cumpre mencionar, a existência da Teoria do Duplo Controle, de criação do Professor
André de Carvalho Ramos, que reconhece a atuação separada do controle de
convencionalidade e do controle de constitucionalidade. Por essa teoria, um ato interno
60

para ser válido, deveria passar pelos dois controles. A tese encontra fundamento na
Constituição Federal, pois esta previu e reconhece a competência de ambas as
jurisdições (STF – artigo 102 CF e Tribunal Internacional de Direitos Humanos – artigo 7º
ADCT).
O parâmetro de confronto no controle de convencionalidade internacional é a norma
internacional, em geral um determinado tratado. No que diz respeito ao objeto do
controle de constitucionalidade e a possibilidade de a Constituição ser também objeto
desse controle, tem-se que pode ser objeto toda norma interna, não importando a sua
hierarquia nacional. Como exemplo, o controle de convencionalidade internacional
exercido pelos tribunais internacionais pode inclusive analisar a compatibilidade de uma
norma oriunda do Poder Constituinte Originário (normas previstas na Constituição) com
as normas previstas em um tratado internacional de direitos humanos. No caso do
controle de convencionalidade nacional, os juízes e os tribunais internos não ousam
submeter uma norma do Poder Constituinte Originário à análise da compatibilidade com
um determinado tratado de direitos humanos. O Supremo Tribunal Federal, em
precedente antigo, sustentou que “O STF não tem jurisdição para fiscalizar a validade
das normas aprovadas pelo poder constituinte originário” (ADI 815, Rel. Min. Moreira
Alves, julgamento em 28-3-1996, Plenário, DJ de 10-5-1996). Assim, há limite de objeto
do controle de convencionalidade nacional, que o restringe.
Destarte, no tocante ao objeto, há uma distinção entre o controle de convencionalidade
internacional e o controle nacional, pois naquele seu objeto é toda norma interna, não
importando a sua hierarquia nacional, podendo mesmo ser oriunda do Poder
Constituinte Originário. No controle nacional, há limite ao objeto de controle, uma vez
que não se analisam normas do Poder Constituinte Originário.

12. Direitos Humanos e acesso à justiça: o dever dos estados de promover o acesso à
justiça, 100 Regras de Brasília e desenvolvimentos no âmbito da organização dos
estados americanos relacionados à Defensoria Pública.

42. DPE-ES – Disserte sobre as 100 Regras de Brasília.

As Regras de Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade, conhecidas


como 100 Regras de Brasília, foram aprovadas pela XIV Conferência Judicial Ibero-
americana, que teve lugar em Brasília durante os dias 4 a 6 de Março de 2008.
O documento insere uma exposição de motivos e quatro Capítulos: preliminar, efetivo
acesso à justiça para a defesa dos direitos, celebração de atos judiciais e eficácia das
regras.
O Capítulo preliminar estampa suas finalidades, os beneficiários das Regras, com o
conceito de pessoas em situação de vulnerabilidade e seus destinatários. O Capítulo II,
“efetivo acesso à justiça para a defesa dos direitos”, trata da cultura jurídica, da
Assistência Legal e da Defesa Pública, do direito à intérprete, da revisão dos
procedimentos e dos requisitos processuais como forma de facilitar o acesso à justiça e
aborda meios alternativos de resolução de conflitos e sistema de resolução de conflitos
dentro das comunidades indígenas.
O Capítulo III analisa a informação processual e jurisdicional, a compreensão de atos
judiciais e comparecimento para tais atos e a proteção da intimidade.
61

Por fim, o Capítulo IV estabelece formas para a eficácia das Regras, tais como a aplicação
do princípio geral de colaboração, a cooperação internacional, a investigação, a
formação de profissionais para a atuação nessas áreas, a indicação de novas tecnologias
e manuais de boas práticas, difusão e comissões de acompanhamento.
Nos termos das Regras, consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas
que, por razão da sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias
sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em
exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo
ordenamento jurídico.
Assim, a condição de vulnerabilidade pode ser causada por diversas razões, tais como a
idade da pessoa que pretende ter acesso à justiça; o gênero, com destaque à
vulnerabilidade da mulher; o estado físico ou mental da pessoa; ou por circunstâncias
sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, como as populações indígenas. É importante
destacar que o rol apresentado é meramente exemplificativo, não excluindo outras
pessoas que apresentem especiais dificuldades.
Vale ressaltar que consta expressamente nas Regras que a concreta determinação das
pessoas em condição de vulnerabilidade em cada país dependerá das suas
características específicas, ou inclusive do seu nível de desenvolvimento social e
econômico.
Já os destinatários das Regras de Brasília são os atores do sistema de justiça, tais como
os responsáveis pela criação de políticas públicas dentro do sistema judicial, os Juízes, o
Ministério Público, os Defensores Públicos, os Procuradores e os demais servidores que
trabalhem na Administração da Justiça, os Advogados e outros profissionais do direito,
as Polícias e todos os operadores do sistema judicial, entre outros.
No que tange especificamente à efetividade das Regras de Brasília, o Capítulo IV das
Regras, contempla expressamente uma série de medidas destinadas a fomentar a
eficácia das Regras, como instrumentos para a obtenção de um dado objetivo, de tal
maneira que elas contribuam de forma eficaz para a melhoria das condições de acesso
à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade.
Nesse Capítulo há a apresentação dos seguintes princípios: o princípio geral de
colaboração e entre os seus destinatários, bem como a participação da sociedade civil
para a coesão social; a cooperação internacional com o intercâmbio de experiências
entre os diversos países e fixando boas práticas; a investigação e estudos sobre a
matéria, com a participação de entidades científicas e acadêmicas; a sensibilização e
formação de profissionais que atuem no sistema judicial; a adoção das novas
tecnologias, com a finalidade de aprimorar o serviço de acesso à justiça dos menos
favorecidos, inclusive com a conscientização da necessidade da cidadania digital, na
sociedade globalizada atual; a elaboração de manuais de boas práticas setoriais; a
difusão das Regras entre os destinatários e a criação de comissões de acompanhamento
das Regras.
É importante destacar que as 100 Regras de Brasília foram elaboradas pelos próprios
Estados, diante da necessidade de concretizar o conteúdo de direitos fundamentais,
como o de acesso à justiça à população menos favorecida e à igualdade de direitos.
Assim, as Regras buscam dar efetividade aos direitos já declarados em documentos
internacionais.
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ATENÇÃO! SEGUE PERGUNTA E RESPOSTA MAIS CURTA EXTRAÍDA DO MATERIAL


OUSE SABER PARA PROVA ORAL DPE/ES:
O que são as 100 regras de Brasília? Qual sua importância para o fortalecimento da
Defensoria Pública no Brasil?
As regras de Brasília integram o importante documento REGRAS DE BRASÍLIA SOBRE
ACESSO À JUSTIÇA DAS PESSOAS EM CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE, confeccionado
na XIV Conferência Judicial Ibero-americana, de 2008. Sobre a FINALIDADE dessas
regras, temos, na seção 1.1 do documento: “As presentes Regras têm como objetivo
garantir as condições de acesso efetivo à justiça das pessoas em condição de
vulnerabilidade, sem discriminação alguma, englobando o conjunto de políticas,
medidas, facilidades e apoios que permitam que as referidas pessoas usufruam do pleno
gozo dos serviços do sistema judicial”.
O documento é de importância capital para a robustez institucional da Defensoria
Pública no Brasil. Em sua 2ª seção, no ponto 1.28, estabelece expressamente a carta:
“Destaca-se a conveniência de promover a política pública destinada a garantir a
assistência técnico-jurídica da pessoa vulnerável para a defesa dos seus direitos em
todas as ordens jurisdicionais: quer seja através da ampliação de funções do Defensor
Público, não somente na ordem penal, mas também noutras ordens jurisdicionais; quer
seja através da criação de mecanismos de assistência letrada: consultorias jurídicas com
a participação das universidades, casas de justiça, intervenção de colégios ou barras de
advogados…”.
Assim, o documento traz, em síntese, o reconhecimento do papel ímpar representado
pelo Defensor Público, como também a necessidade de ampliação de suas funções, de
maneira geral, em todos os graus de atuação jurisdicional.
Não bastasse isso, o documento reforça o papel da Defensoria como órgão autônomo
do Estado e define o conceito de vulnerabilidade como algo mais amplo que mera
carência de recursos financeiros.

43. DPE-ES – Disserte sobre acesso à justiça no sistema interamericano.

O acesso à justiça é considerado um direito humano previsto em diversos tratados


internacionais de direitos humanos, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos (art. 14.1) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8.1).
Para que o acesso à justiça seja efetivo ou real – e não meramente formal –, é preciso
que se elimine a barreira com a qual o cidadão necessitado se depara ao bater às portas
dos tribunais: a assistência jurídica integral e gratuita. Nesse sentido, a Corte IDH
ressaltou no julgamento do Caso Ruano Torres vs. El Salvador que a defesa técnica
prestada pela Defensoria Pública não deve ser concebida como uma mera formalidade
processual, exigindo-se, ao contrário, que o defensor público atue de forma diligente
com o objetivo de proteger as garantias processuais do acusado e evitar que seus
direitos sejam violados.
No âmbito internacional temos cinco resoluções da Organização dos Estados
Americanos (Resolução n. 2.656/2011, Resolução n. 139/3542.714/2012, Resolução n.
2.801/2013, Resolução AG/RES. n. 2.821 (XLIV-O/14) e Resolução AG/RES. n.
2.887/2016), no sentido de se reconhecer o direito humano de acesso à justiça e a
importância da Defensoria Pública para a concretização desses direitos, sendo
necessária a adoção de um modelo público de assistência jurídica. Basicamente, os
63

“considerandos” das resoluções e seus poucos artigos tratam do reconhecimento dos


Direitos Humanos de acesso à justiça, da importância da instituição para minimizar os
obstáculos de acesso à justiça, da necessidade do reconhecimento de uma autonomia
da Defensoria Pública, da necessidade de adoção de um modelo público, e da
imprescindibilidade de fortalecimento dos defensores públicos, sua proteção e
liberdade de atuação.
Vale destacar, ainda, a existência da figura do defensor público interamericano, que
possui previsão no art. 2º do Regulamento da Corte Interamericana, significando a
pessoa que a Corte designar para assumir a representação legal de uma suposta vítima
que não tenha designado um defensor por si mesma. Complementando, o art. 37 do
Regulamento da Corte Interamericana destaca que, nos casos em que a vítima não
possui representação, a Corte poderá, de ofício, designar um Defensor Interamericano.
Esse Defensor possui a função de garantir o contraditório, a ampla defesa e a paridade
de armas nos julgamentos perante a Corte. Weis destaca que “para dar viabilidade ao
preceito, foi celebrado um Acordo de Entendimento entre a Corte Interamericana e a
Associação Interamericana dos Defensores Públicos/AIDEF, em vigor desde 1.1.2010,
pela qual, nos casos de vítimas hipossuficientes ou desprovidas de representação, a
AIDEF designará um defensor público para atuar perante o Tribunal”. Repare que, por
meio desse convênio, os defensores públicos interamericanos defendem não só os
hipossuficientes, como também aquelas pessoas que não possuem assistência de um
defensor técnico.

Aprofundamento: DEFENSOR PÚBLICO INTERAMERICANO


No intuito de garantir o efetivo acesso à justiça perante o Sistema Interamericano, foi
criada a figura do Defensor Público Interamericano. De acordo com o Regulamento da
CorteIDH, “a expressão ‘defensor interamericano’ significa a pessoa que a Corte designa
para assumir a representação legal de uma suposta vítima que não tenha designado um
defensor por si mesma” (art. 2.11). O Regulamento da CorteIDH ainda prevê que “Em
casos de supostas vítimas sem representação legal devidamente credenciada, o Tribunal
poderá designar um Defensor Interamericano de ofício que as represente durante a
tramitação do caso“. Com isso, pode-se afirmar que a previsão normativa da atuação do
defensor público interamericano é apenas regulamentar – prevista no Regulamento da
CorteIDH –, e não convencional, pois não consta na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (CADH).
Para formalizar a prestação do serviço da assistência jurídica gratuita para vítimas junto
ao processamento do caso perante a Corte Interamericana, foi celebrado um Acordo de
Entendimento entre a CorteIDH e a AIDEF em 25.09.2009, em San José, Costa Rica, por
meio do qual se estabeleceu, por exemplo, que a incumbência de designar o defensor
público interamericano é da AIDEF mediante comunicação da Corte para a Coordenação
Geral da Associação Interamericana de Defensorias Públicas. Posteriormente, em
08.03.2013, em Washington DC, EUA, outro Acordo de Entendimento, agora celebrado
entre a Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, através da Secretaria
Executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e a AIDEF, ampliou a
atribuição da Defensoria Pública Interamericana para atuar em favor da vítima que não
possua representação legal também no procedimento perante a Comissão
Interamericana. Finalmente, em 07.06.2013, em Antigua, Guatemala, foi aprovado o
Regulamento Unificado para a atuação da AIDEF ante a Comissão e a Corte de Direitos
64

Humanos, que consolida as diretrizes para escolha e atuação dos defensores públicos
interamericanos.
O Regulamento Unificado disciplina em seu art. 6º o processo de escolha ou de
conformação do corpo de defensores públicos interamericanos.
Conforme prevê o Regulamento Unificado, os defensores públicos são eleitos para um
período de três anos, podendo ser reeleitos para somente um período consecutivo (art.
6.5). O art. 17 do Regulamento Unificado prevê três hipóteses em que o mandato dos
defensores públicos interamericanos se estenderá: 1) Nos casos em trâmite na Comissão
Interamericana, até que seja emitido o informe final previsto no art. 51 da CADH, no
caso de não ser remitido à CorteIDH; 2) Se o caso for submetido à CorteIDH, ou se a
assistência do defensor público interamericano se iniciar somente no procedimento
perante a Corte, até que seja emitida a sentença final; e 3) Durante o tempo que se
estenda a execução da sentença de mérito, reparações e custas da CorteIDH.
Conforme prevê o Regulamento Unificado, para cada caso em particular serão
designados três defensores públicos interamericanos, sendo dois titulares e um
suplente (art. 12). Na escolha dos defensores públicos interamericanos, segundo dispõe
o art. 13 do Regulamento Unificado, a Secretaria Geral da AIDEF observará, na medida
do possível, um sistema de designação baseado em critérios objetivos e subjetivos. São
critérios objetivos: 1) Que um defensor público interamericano não pertença ao Estado
denunciado; e 2) Que os demais defensores públicos interamericanos – dois, portanto –
pertençam ao Estado denunciado, salvo se, por disposições internas, não estiverem
autorizados para demandar contra seu próprio Estado, ou que não exista dentro da lista
de defensores públicos interamericanos um nacional do Estado denunciado. São
critérios subjetivos: 1) A índole dos direitos violados; 2) As circunstâncias do caso; 3) A
formação curricular e acadêmica do defensor público interamericano; e 4) A experiência
do defensor público interamericano em intervenções ou litígios que guardem relação
com a índole dos direitos violados e as circunstâncias do caso.

13. Direitos Humanos em Espécie e Grupos vulneráveis. Direitos Humanos das


minorias e grupos vulneráveis: Mulher, Discriminação racial, Diversidade sexual,
Criança e Adolescente, Idoso, Pessoa com Deficiência, Pessoas em situação de rua,
Povos Indígenas Quilombolas, Imigrantes e Refugiados.

44. DPE-AP / AM - Dê exemplos de tipos de trabalhadores migrantes previstos na


Convenção. Se um brasileiro sai do Brasil e trabalha todo dia no Suriname, qual país
tem a responsabilidade de aplicar a convenção? Trabalhadores ilegais podem ser
protegidos pela Convenção dos direitos dos Trabalhadores Migrantes? Mas a
convenção diz que o Estado tem de legalizar esse trabalhador?

A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores


Migrantes e dos Membros das suas Famílias foi adotada pela Assembleia Geral da ONU
por meio da Resolução n. 45/158, de 18 de dezembro de 1990, em Nova Iorque. Entrou
em vigor em 1º de julho de 2003, conforme determina seu art. 87, possuindo, em 2017,
51 Estados partes. No Brasil, em 15 de dezembro de 2010, o Poder Executivo submeteu
a apreciação de seu texto ao Congresso Nacional por meio da Mensagem de Acordos,
convênios, tratados e atos internacionais – MSC n. 696/2010, a qual ainda está em
tramitação.
65

A expressão "trabalhador migrante" refere-se a uma pessoa que vai exercer, exerce ou
exerceu uma atividade remunerada em um Estado do qual ele não é um cidadão. São
exemplos de trabalhadores migrantes previstos na Convenção: a) "trabalhador
fronteiriço" refere-se a um trabalhador migrante que conserva a sua residência habitual
num Estado vizinho ao qual ele normalmente regressa todos os dias ou, pelo menos,
uma vez por semana; b) A expressão "trabalhador sazonal" refere-se a um trabalhador
migrante cuja atividade, pela sua natureza, depende de condições sazonais e só se
realiza durante parte do ano; c) A expressão "marinheiro", que inclui pescadores, refere-
se a um trabalhador migrante empregado a bordo de um navio matriculado em um
Estado do qual ele não é um cidadão; d) A expressão "trabalhador itinerante" refere-se
a um trabalhador migrante que, tendo a sua residência habitual num Estado, tem de
viajar para outro Estado ou Estados por períodos curtos, devido à natureza da sua
ocupação; e) A expressão "trabalhador vinculado a um projeto" refere-se a um
trabalhador migrante admitido num Estado de emprego por tempo definido para
trabalhar unicamente em um projeto específico sendo conduzido pelo seu empregador
nesse Estado, entre outros.
O art. 33 estabelece que os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias
têm o direito de serem informados pelo Estado de origem, Estado de emprego ou Estado
de trânsito, conforme o caso, relativamente aos direitos que lhes são reconhecidos pela
Convenção. Outrossim, no que diz respeito à segurança social, o art. 27 leciona que as
autoridades competentes do Estado de origem e do Estado de emprego podem, em
qualquer momento, tomar as disposições necessárias para determinar as modalidades
de aplicação desta norma.
O art. 5º da Convenção apresenta a distinção entre os trabalhadores e membros de suas
famílias considerados em situação regular ou irregular. São considerados
documentados ou em situação regular se forem autorizados a entrar, permanecer e
exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego, ao abrigo da legislação desse
Estado e das convenções internacionais de que esse Estado seja Parte. Por outro lado,
são considerados indocumentados ou em situação irregular aqueles que não
preencherem tais condições.
O art. 7º da Convenção garante a não discriminação em matéria de direitos, de modo
que os Estados Partes comprometem-se a respeitar e a garantir os direitos previstos na
Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família que se
encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição, sem distinção alguma. Destarte,
os trabalhadores ilegais podem ser protegidos pela Convenção. Cumpre mencionar que
a Parte III da Convenção dispões sobre “Direitos Humanos de Todos os Trabalhadores
Migrantes e dos Membros das suas Famílias”, enquanto que a Parte IV preceitua “Outros
direitos dos Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias que se
encontram documentados ou em situação regular”.
No que diz respeito a regularização a Convenção estabelece no art. 69 da Convenção,
que “os Estados Partes, em cujo território se encontrem trabalhadores migrantes e
membros das suas famílias em situação irregular, deverão tomar as medidas adequadas
para evitar que essa situação se prolongue”. Outrossim, prevê que “sempre que os
Estados Partes interessados considerem a possibilidade de regularizar a situação dessas
pessoas, de harmonia com a legislação nacional e os acordos bilaterais ou multilaterais
aplicáveis, devem ter devidamente em conta as circunstâncias da sua entrada, a duração
da sua estada no Estado de emprego, bem como outras considerações relevantes, em
66

particular as que se relacionem com a sua situação familiar”, do que se extrai a


inexistência de obrigatoriedade de legalização da condição do trabalhador migrante.

45. DPE-AP - O princípio da autodeterminação previsto na Declaração Universal dos


Direitos dos Povos indígenas é ilimitado? Dê exemplos. Caso concreto: Uma tribo
indígena pratica infanticídio e mutilação de pessoas, o que você faria como Defensor
Público?

A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada pela
Assembleia Geral da ONU, tendo sido redigida no Conselho de Direitos Humanos,
contando com 143 votos a favor, 11 abstenções e 4 votos em contrário (Estados Unidos,
Nova Zelândia, Austrália e Canadá – países com expressiva população indígena).
Entre outros, a Declaração prevê o direito a autodeterminação. Para o Direito
Internacional, o direito à autodeterminação consiste na emancipação política de
comunidade humana submetida a jugo colonial, dominação estrangeira ou, de modo, a
regime no qual há grave e sistemática violação de seus direitos humanos. A Declaração
de 2007 não reconhece tal sentido do direito à autodeterminação: pelo contrário, há
menção expressa de que a integridade territorial dos Estados não deve sofrer
modificação diante dos direitos dos povos indígenas (art. 46). Assim, o sentido singular
de “autodeterminação dos povos indígenas” consiste em reconhecer que eles têm o
direito de determinar livremente sua condição política e buscar livremente seu
desenvolvimento econômico, social e cultural, tendo direito à autonomia ou ao
autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a
disporem dos meios para financiar suas funções autônomas (arts. 3º e 4º). O tripé da
autodeterminação dos povos indígenas é: território, governo e jurisdição (e não
secessão). Podem conservar e reforçar, então, seus próprios sistemas de edição de
normas, educação, saúde, moradia, cultura, meios de informação e solução de conflitos,
entre outros.
Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições
próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais
definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos
internacionalmente reconhecidos.
Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar
os conflitos que possam surgir de maneira a compatibilizar as regras indígenas com as
regras de direitos humanos. Considerando a missão de promoção dos direitos humanos
constitucionalmente atribuída à Defensoria Pública (art. 134 da CF/88), a medida a ser
adotada na condição de Defensor Público deve buscar “a conscientização e a educação
em Direitos Humanos” por parte das comunidades nativas, de modo a não interferir
bruscamente em sua cultura. A busca por melhores condições de saúde básica para as
comunidades indígenas é medida que também poderia auxiliar no combate ao
infanticídio e prática de mutilações nas comunidades indígenas, muitas vezes praticada
por falta de acesso a condições mínimas de saúde.

46. DPE-AM / ES – Discorra sobre a Convenção a respeito dos direitos indígenas.

A Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos


Indígenas e Tribais foi adotada pela OIT, em 27 de junho de 1989, entrando em vigor
67

internacional em 1991. O Brasil ratificou-a em 2002 e incorporou-a internamente pelo


Decreto n. 5.051, de 2004. Possui, em 2017, apenas 22 Estados partes. Vários países com
populações indígenas expressivas ainda não a ratificaram, como Austrália, Canadá,
Estados Unidos e Nova Zelândia.
Como se trata de um tratado de direitos humanos e não foi aprovado no Congresso
Nacional pelo rito especial previsto no art. 5º, § 3º, da CF/88, possui força supralegal na
hierarquia normativa interna, à luz da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal
sobre a estatura normativa dos tratados de direitos humanos.
É a única convenção internacional em vigor especificamente voltada a direitos dos
povos indígenas, com foco especial na igualdade e combate à discriminação. A maior
parte dos Estados que a ratificaram está na América Latina.
Sua edição atendeu a reclamos de revisão ou revogação da antiga Convenção n. 107 da
OIT sobre Populações Indígenas e Tribais, de 1957, que era fortemente criticada pelo
seu espírito integracionista, no qual os povos indígenas seriam assimilados pela
sociedade envolvente não índia, em claro espírito de hierarquia de culturas e falso
sentido de evolução para a civilização.
Com a edição da Convenção n. 169, a OIT continuou a ser atuante na questão dos
direitos humanos dos povos indígenas, ocupando o vazio gerado pela inexistência – pela
reticência dos Estados influentes dotados de população indígena – de uma convenção
da ONU de direitos humanos dos povos indígenas.
Obviamente, a Convenção n. 169 aproveitou-se da gramática dos direitos humanos,
especialmente o que consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos e dos numerosos instrumentos internacionais sobre a
prevenção da discriminação. Interessante que já há precedente sobre sua aplicabilidade
como guia hermenêutico para que se interprete as demais obrigações de direitos
humanos. Em caso contra o Equador, que não havia ratificado a Convenção n. 169, a
Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que a Convenção n. 169 serve
como baliza interpretativa para dimensionar as obrigações do Estado perante a
Convenção Americana de Direitos Humanos (Caso Sarayaku vs. Equador).
É composta por 44 artigos, divididos em dez partes: política geral, terras, contratação e
condições de emprego, indústrias rurais, seguridade social e saúde, educação e meios
de comunicação, contatos e cooperação através das fronteiras, administração,
disposições gerais, disposições finais. Seu espírito é de respeito às aspirações dos povos
indígenas a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu
desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e
religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram. Seu mote é: igualdade e
autonomia.
A Convenção aplica-se aos povos indígenas, que são caracterizados de duas maneiras:
a primeira é a que define o povo indígena pelo seu traço distintivo, fundado (i) em
condições sociais, culturais e econômicas próprias, diferentes de outros setores da
coletividade envolvente, e (ii) no fato de serem regidos, total ou parcialmente, por seus
próprios costumes ou tradições ou por legislação especial. A segunda maneira define o
povo indígena pelo seu vínculo histórico e cultural, sendo considerados indígenas pelo
fato de (i) descenderem de populações que habitavam a região na época da conquista e
que (ii) conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e
políticas, ou parte delas.
68

A Convenção escolheu o critério da autoidentificação da condição de membro de povo


indígena, como sendo a consciência de sua identidade indígena.
A base da Convenção é a universalidade dos direitos humanos: os povos indígenas e
tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem
obstáculos nem discriminação. A vulnerabilidade histórica dos povos indígenas,
submetidos a práticas coloniais brutais, fez com que a Convenção exigisse que o Estado
adote as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as
instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados. Tais
medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos dos próprios povos
interessados.
Por isso, os Estados devem proteger os valores e práticas sociais, culturais, religiosas e
espirituais próprios dos povos indígenas, sempre com a participação e consulta aos
povos interessados. A lógica que permeia a consulta é a do empoderamento dos povos
indígenas, em nome da igualdade. As medidas não podem ser de cunho paternalista, e
os indígenas têm o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao
processo de desenvolvimento, conforme ele afete as suas vidas, crenças, instituições e
bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e
de controlar, quando possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e
cultural.
Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições
próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais
definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos
internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser
estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir de maneira
a compatibilizar as regras indígenas com as regras de direitos humanos. Por isso, ao
aplicar a legislação nacional aos povos interessados, deverão ser levados na devida
consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário.
Esse respeito às regras indígenas surge na Convenção, inclusive no que tange ao Direito
Penal. À medida que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com os
direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os
métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão
dos delitos cometidos pelos seus membros (art. 9º). Esse respeito gera a
impossibilidade do Estado punir criminalmente àquele que já sofreu a punição indígena.
Essa vedação ao “bis in idem” advém da natureza supralegal da Convenção n. 169 (por
ser um tratado de direitos humanos, que se sobrepõe ao Código Penal brasileiro),
impedindo uma sucessão de penas sobre o mesmo fato (pena indígena e depois a pena
criminal geral).
Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos
mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas, sociais
e culturais, dando-se preferência a penas outras que a de privação da liberdade.
O respeito aos usos e costumes locais surge novamente na Convenção pela proibição
de imposição de serviços obrigatórios (por exemplo, servir como jurado ou ainda
prestar serviço militar obrigatório para os de sexo masculino). Contudo, os membros
desses povos podem exercer os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país
e assumir as obrigações correspondentes.
Novamente, surge o empoderamento dos povos indígenas, que podem optar pelas
regras e direitos da sociedade envolvente, não subsistindo a lógica da manutenção
69

estática das práticas indígenas (até porque as práticas da sociedade envolvente


também mudaram, em muito, desde os primeiros contatos da época colonial).
Quanto aos direitos, a Convenção reforça a importância da preservação e respeito ao
território indígena, tema indispensável para a autonomia e garantia da dignidade dos
povos indígenas. Por isso, os Estados devem respeitar a importância especial da relação
com as terras para as culturas e valores espirituais dos povos indígenas, o que abrange
a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de
alguma outra forma. Nesse sentido, a Convenção proclama os direitos de propriedade e
de posse indígena sobre as terras que tradicionalmente ocupam (art. 14). Apesar de, no
Brasil, a CF/88 considerar bens da União as terras indígenas, fica evidente que a
Convenção é cumprida pela proteção efetiva à permanência e uso, mesmo que o
domínio jurídico seja da União.
Quanto à exploração da terra indígena, os povos indígenas têm o direito de
participarem da utilização, administração e conservação dos recursos de suas terras.
Como ocorre no Brasil, no caso de a propriedade dos minérios ou dos recursos do
subsolo ser do Estado, há o direito de consulta prévia antes mesmo da autorização de
exploração. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos
benefícios que essas atividades produzam e receber indenização equitativa por qualquer
dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.
A regra geral da Convenção é a permanência dos povos indígenas em suas terras.
Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam
considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento deles,
concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando não for possível
obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados
após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional,
inclusive consultas públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados
tenham a possibilidade de estar efetivamente representados. Os povos indígenas têm o
direito de voltar a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas que
motivaram seu translado e reassentamento.
Deverão ser respeitadas as modalidades de transmissão dos direitos sobre a terra entre
os membros dos povos interessados estabelecidas por esses povos. Os povos
interessados deverão ser consultados sempre que for considerada sua capacidade
para alienarem suas terras ou transmitirem de outra forma os seus direitos sobre essas
terras para fora de sua comunidade. Expressamente a Convenção determina que deve
ser punida a intrusão não autorizada nas terras indígenas (art. 18).
A Convenção ainda trata do direito ao trabalho e medidas de cunho igualitário e
protetivo nas relações de trabalho; direito à seguridade social e saúde; direito à
educação, desenvolvido em cooperação com os povos indígenas e ressalvado seu
direito de criação de seus modos de educação e mantença do idioma. A Convenção
aplica, aqui, o direito à igualdade com autonomia, pois os povos indígenas devem ter
acesso à educação, caso queiram, que permita a participação plena na vida de sua
própria comunidade e na da sociedade envolvente (art. 29).
Devem ser adotados esforços de educação para a eliminação dos preconceitos da
sociedade não índia, em especial com a inclusão nos livros de História e demais materiais
didáticos de uma descrição equitativa, exata e instrutiva das sociedades e culturas dos
povos indígenas (art. 31).
70

Por fim, para aplacar o receio de Estados de que os povos indígenas pudessem
reclamar o direito à autodeterminação dos povos (levando a disputas territoriais), a
Convenção veda expressamente o uso do termo “povos” no sentido comumente
atribuído ao termo no Direito Internacional. O artigo 1º tanto do Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos quanto do Pacto Internacional dos Direitos Sociais,
Econômicos e Culturais prevê que “todos os povos têm direito à autodeterminação. Em
virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram
livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”, o que representa o
direito à emancipação política e secessão dos povos submetidos à dominação
estrangeira ou regime colonial.
O direito de secessão, então, não foi reconhecido pela Convenção, que, contudo,
representa um importante avanço ao tratar, com dignidade, respeito e,
especialmente, reconhecer sua autonomia e empoderamento no trato de questões de
seu interesse.
Nas Disposições Gerais da Convenção, há peculiar mecanismo que dificulta o retrocesso.
O Estado, após a ratificação, só pode denunciar a Convenção após dez anos contados
da entrada em vigor do tratado para o denunciante. A denúncia só surtirá efeito um
ano depois. Caso não o faça, mantém-se vinculado por mais um período de dez anos,
quando, ao final, poderá denunciá-la, e assim sucessivamente.
No caso brasileiro, a Convenção entrou em vigor internacionalmente para o Brasil em
25 de julho de 2003, em que pese o atraso na edição do Decreto de Promulgação
(entrada em vigor no plano interno) somente em 2004. Assim, as eventuais pressões de
grupos de interesse (em especial de setores vinculados ao agronegócio) para a denúncia
da Convenção devem aguardar mais dez anos.

47. DPE-AP – Discorra sobre comunidades quilombolas.

O art. 68 do ADCT prescreve que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos
que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Não obstante a importância do tema, a CF não
se preocupou em definir quem são os quilombos, quais terras são essas referidas no
dispositivo e qual a natureza da propriedade.
Nesse contexto, foi editado o Decreto 4.887/2003, que definiu que compete ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos,
sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.
Segundo o texto legal, consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos
os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade
negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, sendo que o critério
escolhido para esse enquadramento foi o da autodefinição.
Como se percebe do conceito trazida no Decreto, os quilombos se enquadram, assim
como os índios, na categoria de comunidades tradicionais, uma vez que o traço
essencial de sua caracterização é a preservação de uma cultura distinta da majoritária,
71

mantendo uma relação com a terra que é mais do que posse ou propriedade, sendo uma
relação de identidade. Nesse sentido, o Decreto 6.040/2007, no art. 3º, I, conceitua povo
e comunidade tradicional como sendo “grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam
e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas
gerados e transmitidos pela tradição”.
Considerando esse enquadramento dos quilombolas no grupo de comunidades
tradicionais, aplicam-se a eles todas as disposições da Convenção 169 da OIT,
incorporada ao ordenamento jurídico pelo Decreto 5.051/04, tendo status de
supralegalidade, conforme entendimento do STF no RE 379.703-1/RS, em razão do seu
conteúdo ser relativo a direitos humanos.
Segundo Vitorelli, as terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas
têm a dimensão necessária para a garantia da reprodução física, social, econômica e
cultural da comunidade, e seus limites serão fixados levando em conta critérios de
territorialidade indicados pela própria comunidade. Isso significa que os próprios
quilombolas participarão do processo de demarcação, indicando os limites do território
tradicionalmente ocupado ou utilizado para a sua sobrevivência. Desse forma, um
estudo antropológico será peça fundamental dessa definição, o qual deverá, em
entrevistas e análise históricas da própria comunidade, de seus integrantes e
antepassados, definir quais áreas estão compreendidas no limite do conceito de
ocupação tradicional.
Em relação à aquisição dessas terras, resta a dúvida no que tange à natureza jurídica da
aquisição de propriedade quilombola é originária ou derivada. Diferentemente às terras
indígenas (art. 231, §6º), a Constituição Federal foi omissa, pois não estabeleceu se
haveria nulidade dos títulos incidentes sobre áreas quilombolas. A partir disso, surgem
diversas posições doutrinárias.
Daniel Sarmento sustenta que a CF efetuou a transferência da propriedade às
comunidades quilombolas (art. 68, ADCT), motivo pelo qual defende que há uma
consequência lógica inarredável a subsistência dos títulos anteriores incidentes sobre a
mesma área. Por outro lado, não impressiona o argumento no sentido de que, como o
texto constitucional não foi expresso ao invalidar os títulos de propriedade que antes
recaiam sobre as áreas particulares ocupadas pelos remanescentes de quilombo, a
prévia desapropriação seria indispensável para viabilizar a transferência da titularidade
dessas terras.
Vitorelli conclui que, embora garantida aos quilombolas a propriedade das terras
tradicionalmente ocupadas, faz-se necessária a atuação do Poder Público (no caso, da
União) que deverá promover as desapropriações cabíveis, caso incidem sobre terras
tradicionalmente ocupadas títulos válidos anteriores a 1988.
Nesse contexto, o Decreto 4.887/03 prevê o uso da desapropriação quando os títulos
que incidem sobre essas terras não forem nulos:

Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes


das comunidades dos quilombos título de domínio particular
não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem
tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada
72

vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos


necessários à sua desapropriação, quando couber.
§ 1o Para os fins deste Decreto, o INCRA estará autorizado a
ingressar no imóvel de propriedade particular, operando as
publicações editalícias do art. 7o efeitos de comunicação
prévia.
§ 2o O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de
desapropriação, com obrigatória disposição de prévio estudo
sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade,
mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a
sua origem.

No que tange à demarcação das terras, vale registrar que o Decreto 4.887 ressalta que
compete ao compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.2

14. Comissão Nacional da Verdade: histórico, 23 atribuições, legislação, audiências


públicas e relatórios.

48. DPE-BA – Discorra sobre Comissão Nacional da Verdade, abordando


necessariamente o tema Justiça de Transição e suas dimensões.

2 JULGADOMUITOIMPORTANTE: O art. 68 do ADCT estabelece que “aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes
os títulos respectivos.” Em 2003, foi editado o Decreto nº 4.887, com o objetivo de regulamentar o procedimento
para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos. O STF entendeu que este Decreto não invadiu esfera reservada à lei. O objetivo do
Decreto foi tão somente o de regular o comportamento do Estado na implementação do comando constitucional
previsto no art. 68 do ADCT. Houve o mero exercício do poder regulamentar da Administração, nos limites
estabelecidos pelo art. 84, VI, da Constituição. O art. 2º, caput e § 1º do Decreto nº 4.887/2003 prevê como deve ser
o critério utilizado pelo Poder Público para a identificação dos quilombolas. O critério escolhido foi o da autoatribuição
(autodefinição). O STF entendeu que a escolha do critério desse critério não foi arbitrária, não sendo contrária à
Constituição. O art. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto preconiza que, na identificação, medição e demarcação das terras dos
quilombolas devem ser levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos. O STF afirmou que essa previsão é constitucional. Isso porque o que o Decreto está
garantindo é apenas que as comunidades envolvidas sejam ouvidas, não significando que a demarcação será feita
exclusivamente com base nos critérios indicados pelos quilombolas. O art. 13 do Decreto, por sua vez, estabelece que
o INCRA poderá realizar a desapropriação de determinadas áreas caso os territórios ocupados por remanescentes das
comunidades dos quilombos estejam situados em locais pertencentes a particulares. O STF reputou válida essa
previsão tendo em vista que, em nenhum momento a Constituição afirma que são nulos ou extintos os títulos
eventualmente incidentes sobre as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Assim, o
art. 68 do ADCT, apesar de reconhecer um direito aos quilombolas, não invalida os títulos de propriedade
eventualmente existentes, de modo que, para que haja a regularização do registro em favor das comunidades
quilombolas, exige-se a realização do procedimento de desapropriação. Por fim, o STF não acolheu a tese de que
somente poderiam ser consideradas terras de quilombolas aqueles que estivessem sendo ocupadas por essas
comunidades na data da promulgação da CF/88 (05/10/1988). Em outras palavras, mesmo que, na data da
promulgação da CF/88, a terra não mais estivesse sendo ocupada pelas comunidades quilombolas, é possível, em
tese, que seja garantido o direito previsto no art. 68 do ADCT. STF. Plenário. ADI 3239/DF, rel. orig. Min. Cezar Peluso,
red.p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 8/2/2018 (Info 890).
73

A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela lei nº 12.528/11 para apurar as graves
violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 05 de outubro de 1988. Pode ser
apontado como precedente internacional a condenação que o Brasil sofreu na Corte IDH
no ano de 2010, por ocasião do julgamento do caso Gomes Lund e Outros x Brasil.
Na oportunidade, a corte decidiu que o povo brasileiro tinha direito à verdade e à
memória histórica referente ao período ditatorial, declarando a incompatibilidade da lei
de anistia com as disposições da CADH, especialmente por não permitir a investigação
e responsabilização civil e criminal dos agentes públicos responsáveis pelas graves
violações de direitos humanos.
De acordo com seu art. 1º da Lei n. 12.528/2011, a comissão tem como finalidade
“examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período
fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (período de 18 de
setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição), a fim de efetivar o direito
à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. Além de (i)
esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos
humanos, promovendo o esclarecimento dos casos de torturas, mortes,
desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos
no exterior, a Comissão deve encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e
qualquer informação obtida que possa auxiliar na (ii) localização e identificação de
corpos e restos mortais de desaparecidos políticos e (iii) recomendar a adoção de
medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua
não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional.
Quanto à obtenção da verdade judicial, é cabível a responsabilização dos agentes que
promoveram graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar. Para
tanto, a Corte IDH considerou ser inaplicável a Lei n. 6.683/79 (Lei da Anistia) aos
agentes da ditadura, uma vez que tal lei ofendeu o direito à justiça das vítimas e seus
familiares, previsto implicitamente nos arts. 8º e 25 da Convenção Americana de
Direitos Humanos (Caso Gomes Lund vs. Brasil, sentença de 24-11- 2010).
Ocorre que o STF decidiu pela improcedência da ADPF 153, interposta pelo Conselho
Federal da OAB, que almejava a interpretação conforme a Constituição da Lei da Anistia,
no sentido de excluir os agentes da ditadura do seu alcance. Para o relator, Min. Eros
Grau, a Lei da anistia veiculou uma decisão política assumida naquele momento e a
Constituição de 1988 não pode afetar leis-medida que a tenham precedido (ADPF 153,
Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-4-2010, Plenário, DJE de 6-8-2010).Em 10 de
dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei n. 12.528/2011,
entregou seu relatório final, que contempla a análise de graves violações de direitos
humanos dentro do período de 1946 a 1988.
Composto por três volumes, o relatório final documentou especialmente centenas de
casos de violações graves de direitos humanos cometidos por agentes da ditadura
militar (1964-1985), atestando que tais violações consistiram em uma política
sistemática de Estado (e não atos isolados, de indivíduos – civis ou militares – agindo
contra orientações superiores). Conforme consta do relatório, “na ditadura militar, a
repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado,
concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República
e dos ministérios militares” (p. 963). Assim, tais crimes têm, de acordo com o relatório
final, a natureza de crimes contra a humanidade. Essa conclusão é importante e está em
consonância com a decisão da Corte IDH no Caso Gomes Lund vs. Brasil (2010).
74

As consequências da caracterização de tais condutas dos agentes da ditadura militar


como crimes contra a humanidade são as seguintes: (i) não é possível a alegação de
qualquer imunidade ou anistia; (ii) essas condutas são imprescritíveis; e (iii) cabe ao
Estado, por seus órgãos (Ministério Público Federal e Justiça Federal, não sendo possível
o julgamento por juízos militares – Caso Gomes Lund vs. Brasil), investigar, perseguir em
juízo e punir criminalmente os responsáveis.
Entende-se por JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO (ou “transitional justice”) um conjunto de
mecanismos judiciais ou extrajudiciais utilizados por uma sociedade como um ritual de
passagem à ordem democrática após graves violações de direitos humanos por regimes
autoritários e ditatoriais, de forma que se assegure a responsabilidade dos violadores
de direitos humanos, o resguardo da justiça e a busca da reconciliação. Assim, a justiça
de transição compreende diversas práticas administrativas e judiciais que visam
deslegitimar o regime antidemocrático anterior, como por exemplo, prover
indenizações aos familiares das vítimas, responsabilizar o Estado pelos abusos
cometidos, etc.
O Conselho de Segurança da ONU definiu quatro práticas para lidar com o regime de
exceção. A doutrina costuma chamar essas facetas de “dimensões”. São elas: a) direito
à memória e à verdade; b) direito à reparação das vítimas (e seus familiares); c) o
adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado; d) a reforma das
instituições para a democracia.
O direito à verdade e à memória nada mais é do que uma busca de toda informação ou
esclarecimento de interesse público para que a população saiba o que realmente
aconteceu ou não durante o período do regime antidemocrático. Essa faceta da justiça
de transição pode ser concretizada através de medidas administrativas, resguardando a
história do país afetado pelo regime antidemocrático, e também através de ações
judiciais que visem obter a devida reparação pelos danos sofridos no regime
antidemocrático, bem como responsabilizar os responsáveis pelas violações de direitos
humanos. Nessa linha, André de Carvalho Ramos esclarece que o direito à verdade e à
memória é dotado de uma dupla finalidade. Vejamos o esclarecimento do autor: “O
direito à verdade consiste na exigência de toda informação de interesse público, bem
como exigir o esclarecimento de situações inverídicas relacionadas a violações de
direitos humanos. Tem dupla finalidade: o conhecimento e também o reconhecimento
das situações, combatendo a mentira e a negação de eventos, o que concretiza o direito
à memória. […] O direito à verdade é concretizado tanto na sua faceta histórica,
mediante Comissões da Verdade, quanto na sua faceta judicial (fruto das ações judiciais
– cíveis e criminais – de punição dos agentes responsáveis)”.
Direito à reparação das vítimas: Essa dimensão da justiça de transição pode ser
realizada tanto pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto pelo próprio
Judiciário brasileiro. O direito à reparação das vítimas pode ocorrer de inúmeras
maneiras, tais como: a publicação da sentença da Corte Interamericana de Direitos
Humanos no Diário Oficial da União como pedido de desculpas; a descoberta do que
efetivamente ocorreu no período do regime antidemocrático; a localização dos corpos
das vítimas do delito de desaparecimento forçado no período ditatorial; a concessão de
indenizações para os familiares das vítimas, etc.
O adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado, que impõe a
investigação, processo e punição dos agentes da ditadura que cometeram graves
violações de direitos humanos durante a ditadura.
75

Reforma das instituições para a democracia: Desde o advento da Constituição Federal


de 1988, o Brasil vem em um crescente para o cumprimento dessa dimensão da justiça
de transição. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no Brasil o que muitos
entendem como o regime mais democrático de toda a história brasileira. Nesta linha, as
próprias Forças Armadas passaram por um processo de reformulação e democratização
desde o fim do período ditatorial. Atualmente, a liberdade de expressão, a liberdade de
ir e vir, o direito de reunião e o direito de associação, estão consagrados como direitos
fundamentais e não podem sofrer limitação arbitrária por parte do Estado. Entretanto,
se reconhece que o Brasil ainda pode melhorar seu regime democrático, principalmente
no que tange a concretização de direitos sociais.

15. Mecanismos de proteção aos direitos humanos na Constituição Federal brasileira


de 1988. Federalização de crimes graves contra os Direitos Humanos. Remédios
constitucionais.

49. DPE-AM – Fale sobre o procedimento do IDC? Dê exemplos. O juiz pode se opor ao
incidente? (Não encontrei nada na doutrina sobre a possiblidade ou não de o juiz se
opor ao incidente)
O incidente de deslocamento de competência é o mecanismo previsto no art. 109, § 5º,
CF, introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, que permite ao PGR requerer
ao STJ o deslocamento de competência para a justiça federal, em qualquer fase do
inquérito ou processo, nos casos de grave violação a direitos humanos, com a finalidade
de assegurar o cumprimento dos TIDHs ratificados pelo Brasil. Para Carvalho Ramos,
pode ser criminal ou cível. Flávia Piovesan faz a crítica quanto à necessidade de
democratização do acesso ao pedido de deslocamento.
O “incidente de deslocamento de competência” (IDC) possui seis elementos principais,
a saber:
1) Legitimidade exclusiva de propositura do Procurador-Geral da República.
2) Competência privativa do Superior Tribunal de Justiça, para conhecer e decidir, com
recurso ao STF (recurso extraordinário).
3) Abrangência cível ou criminal dos feitos deslocados, bem como de qualquer espécie
de direitos humanos (abarcando todas as gerações de direitos) desde que se refiram a
casos de “graves violações” de tais direitos.
4) Permite o deslocamento na fase pré-processual (ex., inquérito policial ou inquérito
civil público) ou já na fase processual.
5) Relaciona-se ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados de direitos
humanos celebrados pelo Brasil.
6) Fixa a competência da Justiça Federal e do Ministério Público Federal para atuar no
feito deslocado.
A motivação para a criação do IDC foi o Direito Internacional, que não admite que o
Estado justifique o descumprimento de determinada obrigação em nome do respeito a
76

“competências internas de entes federados”. O Estado Federal é uno para o Direito


Internacional e passível de responsabilização, mesmo quando o fato internacionalmente
ilícito seja da atribuição interna de um Estado-membro da Federação. Esse
entendimento é parte integrante do Direito dos Tratados e do Direito Internacional
costumeiro.
O deslocamento da competência deverá ser deferido quando ocorrer: i) grave violação
aos direitos humanos; e ii) estiver evidenciada uma conduta das autoridades estaduais
reveladora de falha proposital ou por negligência, imperícia, imprudência na condução
de seus atos, que vulnerem o direito a ser protegido, ou ainda que revele demora
injustificada na investigação ou prestação jurisdicional, gerando o risco de
responsabilização internacional do Brasil, por descumprimento de nossas obrigações
internacionais de direitos humanos.
São exemplos de IDC propostos pela Procuradoria Geral da República os seguintes casos:
1) IDC 01 - Caso do homicídio de Dorothy Stang, julgado improcedente; 2) IDC 02 - Caso
do homicídio de Manoel Mattos, julgado parcialmente procedente e deslocado o caso
do homicídio de Manoel Mattos para a Justiça Federal, não tendo sido deslocada a
investigação sobre o grupo de extermínio; 3) IDC 03 - Caso da atuação de grupos de
extermínio e violência policial em Goiás, julgado parcialmente procedente para
deslocar casos de violência policial e desaparecimento forçado; 4) IDC 05 - Caso do
homicídio do Promotor de Justiça Thiago Faria Soares, julgado procedente. Neste
último caso, a falha na conduta das autoridades estaduais foi, de modo inédito, a falta
de entendimento entre a Polícia Civil e o Ministério Público estadual, o que, na visão do
STJ, poderia gerar uma investigação criminal precária e, consequentemente, a
impunidade dos autores do crime. Houve ainda outro IDC (o IDC 04), mas que, por não
ter sido proposto pela Procuradoria Geral da República, foi, obviamente, extinto por
ilegitimidade ativa. Há, após, saltos na numeração dos IDCs, tendo a Procuradoria Geral
da República proposto o IDC 09 (caso Parque Bristol), que é fruto da impunidade dos
autores dos chamados “crimes de maio de 2006” (execução sumária – com suspeita de
envolvimento de policiais – de diversas pessoas, após rebeliões em presídios e ataques
contra policiais no Estado de São Paulo, em maio de 2006) e ainda o IDC 10, que trata
da Chacina do Cabula, que é um caso de múltiplos homicídios cujos acusados (policiais)
foram absolvidos em 1º grau na Justiça da Bahia.
Há duas ADIS (3493 e 3486) atacando a EC 45, quanto ao IDC. Argumentos pela
inconstitucionalidade da federalização das graves violações de direitos humanos ou
contrários a ela: a) gera amesquinhamento do pacto federativo, em detrimento ao
Poder Judiciário Estadual; b) viola o princípio do juiz natural; c) viola o devido processo
legal; d) indefinição da expressão “grave violação de direitos humanos”. Em sentido
diametralmente oposto, há os que defendem a constitucionalidade da federalização das
graves violações de direitos humanos com base nos seguintes argumentos: a) a emenda
não foi tendente a abolir o federalismo brasileiro, mas tornou coerente o seu desenho,
adaptando-o às exigências da proteção internacional de direitos humanos; b) desenho
anterior impedia uma ação preventiva que evitasse a responsabilização internacional
futura do Brasil; c) não há ofensas ao juiz natural e ao devido processo legal pelo
“deslocamento”, uma vez que o próprio texto constitucional realiza a distribuição de
competência entre a justiça comum estadual e federal; d) o uso do conceito
indeterminado “grave violação de direitos humanos” está sujeito ao crivo do STJ e do
77

STF, além de haver também conceito aberto no texto constitucional com relação à
autorização de intervenção federal por violação dos “direitos da pessoa humana”.
50. Discorra sobre cláusula federativa.
Cláusula Federal, de maneira geral, é a cláusula em tratados internacionais de direitos
humanos que estabelece o cumprimento do tratado pelos estados membros de uma
federação, ou seja, governo central e estados partes estão obrigados pelo tratado. Visa
evitar que estados membros se escusem do cumprimento das regras de direitos
humanos acordadas escudados em sua organização.
O artigo 28 da Convenção Americana de Direitos Humanos3, ou Pacto de San José da
Costa Rica, nominado “cláusula federal”, do qual o Brasil é signatário, é exemplo prático
dessa clássica cláusula em Direitos Humanos, que além de estabelecer a obrigação de
cumprimento do tratado pelos estados parte, ainda determina providências a serem
adotadas pelo governo federal para o efetivo cumprimento do Tratado, bem como a
busca de sua validade num futuro estabelecimento de uma federação por dois estados
membros do Tratado.
Destarte, quando o Estado Parte for constituído como federal, o governo nacional deve
cumprir todas as disposições da Convenção. Não se exonera o Estado Federal de cumprir
a obrigação em todo seu território, isto porque é o Estado como um todo que possui
personalidade jurídica de Direito Internacional, não podendo alegar óbice de direito
interno para se eximir de sua responsabilidade.

Perguntas Extras – Examinador Tiago Fensterseifer

51. Discorra sobre Direito à Alimentação em Direitos Humanos. Direito à alimentação


no sistema ONU. Cite um caso concreto de judicialização dos alimentos.
A alimentação pode ser elencada como um direito humano que torna obrigatória uma
ação estatal para assegurar sua efetividade.
Em relação à sua previsão no cenário internacional, a Declaração Universal de Direitos
Humanos já o elencava como um direito essencial ao bem-estar e à saúde de uma
pessoa. Ademais, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

3
Artigo 28. Cláusula federal
1. Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado federal, o governo nacional do aludido
Estado Parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre
as quais exerce competência legislativa e judicial.
2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades
componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinente, em
conformidade com sua constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas
entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção.
3. Quando dois ou mais Estados Partes decidirem constituir entre eles uma federação ou outro tipo de
associação, diligenciarão no sentido de que o pacto comunitário respectivo contenha as disposições
necessárias para que continuem sendo efetivas no novo Estado assim organizado as normas da presente
Convenção.
78

também reconhece o direito à alimentação como necessário para manutenção de um


nível de vida adequado.
Ainda no sistema Onusiano, podem ser citados como documentos jus cogens de
proteção à alimentação a Convenção de Haia sobre Alimentos (2017), que trata sobre
pedidos de obtenção e modificação de decisões de alimentos, bem como do seu
reconhecimento e execução. Ressalte-se que este documento, já internalizado pelo
Brasil em seu ordenamento jurídico, substitui no cenário internacional a Convenção de
Nova Iorque sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro (1956).
Concentrando tal temática no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, seu
reconhecimento expresso é trazido pelo Protocolo de São Salvador, que prevê tanto o
direito de toda pessoa a níveis adequados de nutrição e como o comprometimento dos
Estados-Partes para a eliminação da desnutrição.
Ademais, deve ser destacada a Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar
(1989), já internalizada pelo Brasil, que será aplicada às obrigações alimentares para
menores de 18 anos, bem como às obrigações alimentares derivadas de relações
matrimoniais.
No âmbito brasileiro, um importante marco a respeito do direito à alimentação foi sua
expressa inclusão, por meio da EC nº 64/2010 como direito social de caráter
constitucional, o que fortalece a obrigação estatal de assegurar sua proteção por meio
de um sistema público de segurança alimentar e nutricional. Do mesmo modo, pode
também ser citada a edição da Lei nº 11.346/2006, que cria o Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional, com vistas em garantir o direito humano à
alimentação adequada.
Tendo em vista tanto seu status de direito social, fazendo parte do mínimo essencial à
concretização da dignidade da pessoa humana, como o dever estatal de assegurar sua
proteção, é possível a judicialização do direito à alimentação, em virtude do quadro de
precariedade em que se encontra grande parte a população nacional.
Como exemplo concreto, pode ser citada a ACP impetrada em 2007 pelo MPT de Alagoas
em face do Município de Maceió, em que foi constatada a existência de crianças e
adolescentes vivendo abaixo da linha de pobreza, sem ter seus direitos humanos básicos
tutelados, como o direito ao alimento.

52. Discorra sobre Direito à Saúde no âmbito internacional, mencionando os Tratados


que versem sobre o tema.
Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, iniciado com a Carta de
São Francisco, tratado que instituiu a ONU, o Direito à Saúde vem tendo sua previsão no
ordenamento jurídico internacional trabalhada de forma mais estruturada e expandida,
de modo a lhe proporcionar um maior proteção e efetividade.
A Declaração Universal de Direitos Humanos, juntamente com Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que previram o Direito à Saúde em seus
catálogos de Direitos Humanos, integram a Carta Internacional de Direitos Humanos,
foram os marcos iniciais de tal processo de expansão normativa do trato e cuidado com
a saúde humana.
79

Apesar do amparo geral conferido por tais documentos, o processo de especialização na


proteção internacional dos direitos humanos, de forma a tutelar com mais ênfase
direitos humanos específicos, também inclui o tema do direito à saúde de forma
vinculada com outros direitos humanos. Pode-se citar como exemplo às convenções
pela eliminação da discriminação contra a mulher, a que trata sobre os direitos da
criança, a relativa aos direitos das pessoas com deficiência etc.
Essa tutela internacional do direito à saúde também encontra previsão, mesmo que
relacionada com outros direitos, em documentos “soft law”, como as Regras de
Mandela, as Regras de Bangkok.
Deve-se ressaltar que no sistema interamericano de direitos humanos, o direito à saúde
também encontra amparo. A Convenção Americana de Direitos Humanos, apesar de
enfatizar os direitos civis e políticos, traz breve determinação acerca do dever dos
Estados de progressivamente tutelarem os direitos econômicos, sociais e culturais.
A partir do Protocolo adicional da CADH (Protocolo de San Salvador), foi prevista de
forma específica a tutela ao direito à saúde no sistema interamericano. Tal sistema
regional, assim como o global, também prevê o referido direito, de forma vinculada a
outros, em suas convenções temáticas.
É importante ressaltar o Caso Poblete Vilches e outros vs. Chile, recentemente julgado
(2018) da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Neste julgado, a Corte IDH, pela primeira vez, se manifestou de maneira autônoma em
relação ao Direito à Saúde, ao concluir que ele é um direito autônomo protegido pelo
Pacto de São José/Costa Rica. O Tribunal entendeu que o artigo 26 da CADH, que trata
sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, inclui também o Direito à Saúde.

53. Discorra sobre a proteção do idoso no sistema global e regional de proteção aos
direitos humanos.
Em que pese a relevância da tutela humanitária destinada aos idosos, o foco da proteção
jurídica a esse grupo de pessoas não se faz totalmente presente no sistema global
(onusiano) de direitos humanos. De fato, não há no plano global de proteção
instrumentos jurídicos de hard law que padronizem os direitos dos idosos, o que leva a
crer que os direitos humanos dessa categoria de pessoas não têm tido o destaque
merecido no atual direito internacional público. Apenas no contexto regional
interamericano existe normativa substancial sobre o tema.
No âmbito da ONU, o documento de destaque sobre essa temática são os Princípios das
Nações Unidas para as Pessoas Idosas, por se tratar de norma de soft law, não comporta
valor cogente para os Estados. Divididos em quatro eixos, tais Princípios reconhecem
núcleos de proteção relativos à independência, à participação, à assistência e à
realização pessoal. Apesar de não se tratar de norma de hard law, tais Princípios são
vetores capazes de conduzir as atividades dos Estados no que tange à implementação e
proteção dos direitos dos idosos.
Ainda na esfera da ONU, merece destaque a adoção da Carta de San José sobre os
Direitos dos Idosos de América Latina e Caribe, proclamada em San José (Costa Rica) em
2012.
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O documento, que também possui natureza jurídica de soft law, reconheceu que, no
âmbito da América Latina e Caribe, a idade continua a ser motivo explícito e simbólico
de discriminação que afeta o exercício de todos os direitos humanos na velhice, e que
as pessoas idosas necessitam de especial atenção do Estado.
No que tange aos instrumentos de hard law componentes do sistema das Nações
Unidas, não se encontra qualquer proteção contundente dos direitos dos idosos. De
fato, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais traz apenas uma
proteção implícita dos direitos dessa categoria de pessoas ao consagrar o direito de toda
pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social.
Ao contrário do sistema global, no âmbito regional interamericano, tendo
especialmente em conta o desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos,
sociais e culturais, bem assim a urgência de efetivação desses direitos – foi colocada em
destaque a proteção dos direitos dos idosos, de forma inicial no Protocolo de San
Salvador.
Para fortalecer a proteção aos direitos humanos dos idosos no continente americano,
foi editado em 2015 um documento internacional específico para a proteção desses
direitos, qual seja, a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos
dos Idosos, aprovada em 2015, o primeiro tratado no mundo destinado de forma
completa e sistemática às pessoas idosas.
O objetivo da Convenção é exigir dos Estados que promovam e protejam os direitos
humanos das pessoas idosas, assegurando idênticos direitos aos das demais pessoas,
inclusive o de não ser submetido à discriminação baseada na idade nem a qualquer tipo
de violência, bem assim que sejam consagrados meios específicos de proteção
decorrentes da condição própria de idoso.48 Os Estados, ademais, têm que adotar as
medidas legislativas necessárias à efetiva aplicação da Convenção.
Vale ressaltar que o governo nacional apenas assinou tal documento, sem ainda ter
concluído o seu processo de internalização no ordenamento jurídico nacional.

54. Discorra sobre saúde mental em direitos humanos efetivação dos direitos sociais.
Cabe ao Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a
promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida
participação da sociedade e da família.
O debate acerca da saúde mental no Brasil do período pós-Constituição de 1988, relativo
aos direitos fundamentais das pessoas com deficiência, sobretudo os deficientes
psíquicos, intentava uma série de reformas drásticas das práticas e da assistência em
saúde mental. Para tanto, foi editada a Lei nº 10.216/2001, que zela pelos direitos e
atendimento das pessoas com transtornos mentais. Esse atendimento deve ser
prestado em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou
unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Com a promulgação dessa lei passou a se reconhecer uma nova categoria de sujeitos na
perspectiva do direito e das políticas públicas, pois os pacientes psiquiátricos passaram
a ser reconhecidos como sujeitos de direitos. A ideia da Lei Antimanicomial era
fortalecer a identidade e autonomia individual dos pacientes psiquiátricos no Brasil para
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que eles se tornassem protagonistas, emancipados e construtores de sua própria


cidadania.
A finalidade permanente de qualquer tratamento é a reinserção social do paciente em
seu meio. Por isso, o tratamento ambulatorial tem preferência e a internação, em
qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares
se mostrarem insuficientes.
No âmbito internacional, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
representa um novo marco normativo, ético e jurídico, consolidando-se como um dos
mais relevantes documentos em matérias de direitos humanos. Ressalte-se que o Brasil
ratificou tal convenção e o seu Protocolo facultativo com status de norma
constitucional, servindo de parâmetro tanto para o controle de constitucionalidade
como para o controle de convencionalidade.
Ademais, na esfera do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, pode
ser destacado o julgamento da Corte IDH acerca do “Caso Ximenes Lopes vs. Brasil”, que
foi o primeiro precedente da Corte sobre violação de direitos humanos de pessoa com
deficiência mental, assim como a primeira condenação sofrida pelo Estado brasileiro na
Corte IDH.
Finalmente, também merece destaque o recente episódio envolvendo as pessoas que
conviviam na região da Cracolândia, na cidade São Paulo, que foram alvo de medidas de
internação psiquiátrica compulsória em massa por meio de atos do Governo local, em
clara violação aos termos da Lei nº 10.216, que, dentre suas previsões, afirma que a
internação compulsória é medida excepcional.
Houve críticas em relação a esta atitude do poder público, afirmando que ela se tratava,
na verdade, de uma medida de higienização coletiva, já que muitos dos dependentes
químicos que ali habitavam foram internados com base em uma presunção de que sua
dependência os havia levado a um estado de graves transtornos mentais, sem
fundamento em qualquer laudo médico-psiquiátrico. Felizmente, tal medida teve sua
continuidade proibida por decisão do Tribunal de Justiça paulista, que decidiu

55. Discorra sobre educação no sistema internacional, mencionando os tratados que


versam sobre esse tema.
O Direito à Educação, nas diversas classificações dos Direitos Humanos, pode ser
entendido como um direito incluído na teoria dos quatro “status” de Jellinek na
categoria “status” positivo, a qual engloba o direito uma prestação social do Estado para
assegurar direitos referente à igualdade material.
No âmbito internacional, a implementação do direito à educação é abordado tanto no
sistema global como no sistema interamericano de proteção aos direitos humanos.
Contudo, não há um documento específico e exclusivo sobre o tema.
É importante ressaltar que o direito à educação foi objeto de deliberação no âmbito da
Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e também, de forma mais incisiva,
nos termos do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC),
prevendo a obrigatoriedade e a gratuidade da educação primária, bem como a
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implementação progressiva da gratuidade na educação secundária e, por fim, a


educação superior acessível a todos com base na capacidade de cada um.
Deve ser destacado que a preocupação com a educação no âmbito das Nações Unidas
vai além das disposições previstas nas DUDH e no PIDESC, culminando no
estabelecimento de um órgão vinculado próprio, qual seja, a UNESCO – Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, fundada em 1945.
A principal diretriz da UNESCO, em relação à temática da educação, é auxiliar os países
membros a atingir as metas de Educação para Todos, promovendo o acesso e a
qualidade da educação em todos os níveis e modalidades, incluindo a educação de
jovens e adultos.
Para tanto, a Organização desenvolve ações direcionadas ao fortalecimento das
capacidades nacionais, além de prover acompanhamento técnico e apoio à
implementação de políticas nacionais de educação, tendo sempre como foco a
relevância da educação como valor estratégico para o desenvolvimento social e
econômico dos países.
Ainda no sistema global, ganha também destaque o tema da “educação em direitos
humanos”, que objetiva a criação de uma cultura de direitos humanos para que se torne
possível alcançar o exercício da cidadania de forma ética, proba e responsável. Para
tanto, deve o poder público garantir os meios de acesso à educação e aos direitos
comunicativos básicos a todos os cidadãos.
Em função disso, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração das Nações Unidas
sobre Educação e Formação em Matéria de Direitos Humanos. Por meio da Declaração,
a ONU reconhece que “toda pessoa tem direito a obter, buscar e receber informação
sobre todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais e deve ter acesso à
educação e à formação em matéria de direitos humanos”, complementando que “[a]
educação e a formação em matéria de direitos humanos são essenciais para a promoção
do respeito universal e efetivo de todos os direitos humanos e as liberdades
fundamentais de todas as pessoas”.
Em relação ao sistema interamericano de direitos humanos, pode-se indicar o Protocolo
de San Salvador como instrumento “hard law” que elenca a educação como um dos
direitos necessários ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e ao
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais,
prevendo também disposições semelhantes às encontradas no PIDESC.

56. Discorra sobre LGBT no plano internacional.


A temática LGBT não encontra previsão expressa em tratados internacionais a respeito
da aplicação do direito internacional dos direitos humanos em relação à orientação
sexual e identidade de gênero.
Contudo, de acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
no “Caso Atala Riffo e crianças vs. Chile” (que se destaca por ter sido o primeiro
precedente sobre proteção do direito à diversidade sexual), percebe-se que o
legislador interamericano, ao editar a Convenção Americana de Direitos Humanos, teve
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o cuidado de não prever um rol taxativo ou limitado de situações discriminatórias contra


o ser humano.
O texto da Convenção estabelece que toda pessoa mercê ser tratada sem discriminação
alguma, inclusive em virtude de “qualquer outra condição social” que não esteja
expressamente elencada em seu texto. Desse modo, a Corte IDH, no julgamento do caso
referido entendeu que a orientação sexual e a identidade de gênero estão abarcadas
pela proteção da CADH.
No mesmo julgado, a Corte IDH anotou que a Assembleia Geral da OEA já aprovou
quatro resoluções a respeito da proteção das pessoas contra atos discriminatórios
baseados em sua orientação sexual e identidade de gênero (Resoluções 2653/2011;
2600/2010; 2504/2009; e 2435/2008).
Ademais, deve ser ressaltado que, no âmbito das normativas internacionais “soft law”,
foram elaborados em 2006 os Princípios de Yogyakarta sobre orientação sexual.
Esses Princípios buscam invocar direitos genericamente previstos em tratados
internacionais de direitos humanos para aplicá-los especificamente aos temas essenciais
envolvendo a orientação sexual, podendo ser utilizado como um “guia de interpretação”
voltado à assegurar igualdade e vedar discriminação, estigmatização e violência contra
pessoas em razão de sua identidade de gênero e orientação sexual.
Dessa forma, esse instrumento, apesar de não ser vinculante, busca realizar uma
proteção indireta de pessoas vulneráveis, por meio da interpretação ampliativa dos
direitos humanos já consagrados em outros documentos internacionais, em virtude da
ausência de uma robusta proteção direta, que se daria mediante a especificação de
direitos voltados para um determinado grupo de pessoas submetidas a determinada
vulnerabilidade.

57. Discorra sobre A Declaração da ONU sobre os Povos Indígenas.


Primeiramente, deve ser observado que este documento objetiva promover o respeito
aos direitos humanos dos indígenas, a título coletivo ou individual, e que faz parte do
“soft law” do Direito Internacional dos Direitos Humanos, pois suas normas não são
vinculantes aos Estados.
Esse documento abrange tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos sócias,
econômicos e sociais, aliados à aceitação dos os usos e costumes de cada comunidade
tradicional. Aos povos indígenas deverá ser assegurada a conservação de suas tradições
e instituições próprias, desde que em conformidade com o sistema jurídico nacional e
com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos.
Ademais, também fica estabelecido na Declaração que deverão adotados
procedimentos para, no caso de conflitos entre as regras indígenas e as regras de
direitos humanos, compatibilizar tais normais e solucionar as desavenças.
Dentre os direitos reconhecidos, podem ser destacados os seguintes: 1)
Autodeterminação; 2) Direito ao território; 3) Direito ao consentimento livre, prévio e
informado; 4) Propriedade imaterial sobre o conhecimento tradicional.
A autodeterminação dos povos indígenas significa que eles têm o direito de determinar
livremente sua condição política e buscar seu desenvolvimento socioeconômico,
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inclusive sendo assegurado o exercício do autogoverno em assuntos internos e locais.


Pode-se afirmar que tal direito está fundado no tripé “governo, território e jurisdição”.
Em relação ao território, os povos indígenas têm direito às terras e recursos que
possuem e ocupam tradicionalmente, não podendo ser removidos de lá à força.
Fica também garantido o direito ao consentimento livre, prévio e informado em relação
à adoção de medidas legislativas e administrativas que os afetem, como, por exemplo,
em relação aos seus territórios. Inclusive, entende-se que as comunidades indígenas
possuem poder de veto sobre tais medidas contrárias aos seus interesses.
Por último, a Declaração também prevê o direito de propriedade dos indígenas sobre
seu patrimônio cultural e conhecimentos tradicionais.

58. Discorra sobre a Convenção de Belém do Pará.


Trata-se da Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
(concluída em 1994), na esfera do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos.
Esta convenção define a violência contra a mulher como qualquer conduta, baseada no
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher,
tanto no âmbito público como no privado.
Ademais, é estabelecido que toda mulher tem o direito de ser livre de violência e de
qualquer forma de discriminação, além do direito de ser valorizada e educada livre de
padrões estereotipados de comportamento.
A Convenção também assegura à mulher o reconhecimento, gozo exercício e proteção
de todos os direitos humanos, além da gama de liberdades consagradas pelos
instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos.
O documento em análise também atribui aos Estados-Partes os deveres de condenar
todas formas de violência contra a mulher e de adotar políticas para preveni-la, puni-la
e erradicá-la, como criação de leis penais, civis e administrativas para tais fins, que visem
ao atendimento e proteção dos direitos humanos que a mulher titulariza.
Em relação ao Brasil, vale ser ressaltado que a determinação de tais obrigações
contribuiu para a edição da Lei nº 11.340, a “Lei Maria da Penha”.
Finalmente, são previstos os seguintes mecanismos de proteção e monitoramento: o
envio de relatórios/informes por parte dos Estados; o requerimento de opiniões
consultivos; e o sistema de petições individuais.

59. Fale sobre os princípios internacionais dos Direitos Humanos.


Inicialmente, cumpre ressaltar que os princípios internacionais dos direitos humanos
não nasceram todos de uma vez, tendo sido resultado de um processo histórico – ainda
em curso – de afirmação e consolidação dos direitos humanos nos mais diversos
ambientes.
Universalidade → Indica que os direitos humanos constituem uma categoria comum a
todas as culturas. Este princípio é criticado pelos adeptos do relativismo cultural, teoria
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que defende que a concepção de direitos humanos adotada na DUDH seria ocidental e
desconsideraria as diferentes culturas existentes no mundo. Para superar esse embate,
surgiram algumas propostas filosóficas como a hermenêutica diatópica e o
universalismo de chegada ou de confluência.
Unidade, Indivisibilidade e Interdependência → Todos os direitos humanos possuem a
mesma hierarquia e a dignidade humana somente é respeitada quando todos os direitos
humanos são protegidos.
Indisponibilidade ou Irrenunciabilidade → O titular não pode dispor do núcleo essencial
ou mínimo dos seus direitos humanos.
Inalienabilidade → Os direitos humanos não são objetos de comércio.
Limitabilidade ou Relatividade → A maioria dos direitos humanos podem ser
relativizados, como a liberdade de expressão, a liberdade de locomoção, os direitos
políticos etc. Contudo, há alguns direitos que são previstos como absolutos, como o
direito de não ser, sob qualquer justificativa, submetido à tortura, que está previsto na
Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou
Degradantes.
Abertura ou Não Tipicidade ou Inexauribilidade → Há sempre a possibilidade de
surgirem novos direitos humanos, não havendo, portanto, um catálogo taxativo. Nesse
sentido, prevê a Convenção Americana de Direitos Humanos que “Nenhuma disposição
desta Convenção pode ser interpretada no sentido de excluir outros direitos e garantias
que são inerentes ao ser humano ou que decorrem de forma democrática
representativa de governo”.
Historicidade → Os direitos humanos resultam de um processo histórico em que,
gradativamente, por meio de lutas, foram sendo conquistados. Esse princípio colide com
a Teoria Jusnaturalista de fundamentação dos direitos humanos.
Imprescritibilidade → A pretensão de respeito aos direitos humanos é imprescritível,
mas a pretensão de reparação econômica do dano pode não ser.
Vedação ao retrocesso → Os direitos humanos não admitem o regresso, no sentido da
diminuição do seu catálogo ou dos meios de proteção.

60. Cite exemplos de julgados e medidas de urgência no Sistema Interamericano que


envolvam situações violadoras de direitos humanos praticadas no Estado do
Maranhão.
1. Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão – Uma série de homicídios foi
praticada contra meninos, que, em sua grande maioria, tiveram os órgãos genitais
mutilados. Diante da falta e resposta efetiva da Justiça maranhense foram apresentadas
à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições individuais pelos das vítimas.
Ocorre que o Estado brasileiro, ao tomar ciência dessas petições, resolveu a
responsabilidade pela morte dessas crianças e adolescentes e celebrou, pela primeira
vez, uma solução amistosa no âmbito da Comissão.
Destaca-se, nesse Caso, a responsabilidade internacional que o País possui por atos
praticados pela União, Estados, Municípios e até por atos de particulares. Dessa forma,
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não é adotada pelo direito internacional a chamada “Cláusula Federal”, que pode ser
definida como o descumprimento de um tratado ou obrigação internacional por meio
da alegação de “ausência de competência federal”. (OBS: Ver Art. 28, CADH)
Ademais, verifica-se que foi adotada a Paradiplomacia no âmbito da solução amistosa
mencionada, com a participação de um ente alheio ao Ministério das Relações
Exteriores em negociações internacionais. No caso, o Estado do Maranhão foi
autorizado pelo governo brasileiro a negociar com a CIDH.
2. Caso Complexo Penitenciário de Pedrinhas – Em virtude de uma série de
assassinatos, violências e torturas contra detentos, foi determinada pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos uma medida provisória contra o Estado brasileiro,
determinando que fossem garantidas a vida e a integridade dos presos, dos funcionários
e dos visitantes da Penitenciária de Pedrinhas.

OBS: Este material foi produzido por alguns candidatos à prova Oral da Defensoria
Pública do Maranhão, com base nas últimas perguntas feitas pela banca FCC em
concursos de Defensoria Pública, cujas respostas foram formuladas com base nas
próprias anotações e estudos, e eventuais jurisprudências retiradas do site Dizer o
Direito. Nosso objetivo não é suprir a matéria, mas auxiliar no estudo para a prova
oral.

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