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DIREITO

ADMINISTRATIVO

ORIGEM, CONCEITO E OBJETO DO DIREITO


ADMINISTRATIVO

Constitucionalização do direito administrativo e a


valorização dos princípios constitucionais

1. A evolução do Direito Administrativo e sua


constitucionalização

A despeito da origem garantística do direito administrativo, surgido com as Revoluções


Liberais e com a necessidade de limitação do Poder do Estado e sua atuação, a
disciplina se desenvolveu em um contexto de exorbitância. Os institutos clássicos
de Direito Administrativo surgiram a partir da atuação do Conselho de Estado francês,
órgão de jurisdição administrativa que integrava o Poder Executivo. Assim, o Direito
Administrativo se desenvolveu como um direito da exorbitância, que pode se manifestar
de duas formas:

(i) Regras especiais derrogatórias do direito comum. A gênese do Direito


Administrativo tem forte ligação com a separação do direito público e privado. A
atuação do Conselho de Estado muitas vezes teve como objetivo blindar a incidência do
direito comum, privado, sobre a Administração Pública. Criou-se, assim, um direito que
exorbitaria daquelas normas aplicadas nas relações entre iguais, privados, criando
inclusive espaços imunes ao controle e a qualquer espécie de intervenção.

(ii) Concessão de prerrogativas e privilégios, com fundamento na ideia de


supremacia dos interesses tutelados pela Administração Pública. Exorbitância
que está ligada à lógica de autoridade desse momento inicial do Direito Administrativo

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de inspiração francesa.

Observa-se, portanto, que o Direito Administrativo, que nasce sobretudo para proteção
dos indivíduos diante do Poder Público, desenvolve-se com uma lógica de autoridade,
de exorbitância e de concessão de privilégios.

No entanto, o Direito Administrativo vem sofrendo significativas transformações,


sobretudo em razão do reconhecimento da força normativa da Constituição e de sua
superioridade hierárquica dentro do ordenamento jurídico, o que levou a uma
constitucionalização do Direito como um todo. Tal fenômeno, inserido no chamado
novo constitucionalismo, ou neoconstitucionalismo, caracterizou-se por uma
reaproximação entre o Direito e a moral, atribuição de normatividade dos princípios
constitucionais e da valorização dos direitos fundamentais.

Assim, a partir do reconhecimento de que a dignidade da pessoa humana é a finalidade


última do Estado e do Direito, também o Direito Administrativo deveria ser lido e
reestruturado de modo a visar, em última análise, à proteção e à garantia de direitos
individuais.

A constitucionalização do direito gerou, então, em um primeiro momento, um giro


democrático-constitucional no Direito Administrativo, a partir do qual a
Administração Pública foi colocada em uma posição de alinhamento com a Constituição
e com os Direitos Fundamentais. A Administração Pública, assim, se torna uma
Administração Pública cidadã.

Além disso, observa-se também que o Direito Administrativo vem passando por um giro
pragmático, no sentido de que a Administração Pública deve sempre buscar, em sua
atuação, resultados para os problemas reais que lhe são colocados, em substituição a
uma conduta puramente legalista e baseada em burocracias excessivas que geram
ineficiência e morosidade. Com isso, a forma passou a ser considerada menos
importante que o resultado, dando-se ênfase não ao ato administrativo, mas ao seu
processo de constituição.

1.1. Formas de manifestação da constitucionalização do Direito


Administrativo

Assim, o Direito Administrativo contemporâneo busca seus objetivos e meios de


realização na Constituição, podendo a sua constitucionalização se manifestar de duas
formas:

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a) Constitucionalização-inclusão: refere-se à previsão, em sede constitucional, de
normas alusivas à Administração Pública. Algumas Constituições trazem um verdadeiro
estatuto jurídico da Administração Pública. Exemplo disso, na Constituição Federal
(CF)/1988, é o a 37, que elenca os princípios que regem a atuação administrativa em
seu caput; disciplina sua organização; lista os entes que integram-na, entre outras
normas relativas aos seus atos, contratos e agentes.

b) Constitucionalização releitura (Luís Roberto Barroso): toda ordem jurídica,


inclusive o Direito Administrativo, deve ser lida e aprendida sobre as lentes da
Constituição Federal. Deve-se realizar uma “Filtragem constitucional”, ou seja, uma
releitura do Direito Administrativo a partir da pauta substantiva da Constituição, de sua
carga axiológica, com especial destaque para as normas consagradoras de direitos
fundamentais. As normas constitucionais têm eficácia irradiante por todo o
ordenamento.

1.2. Consequências da constitucionalização no Direito


Administrativo

O fenômeno da Constitucionalização do Direito provocou uma série de mutações no


Direito Administrativo, dentre as quais destacamos as seguintes:

a) Concretização de transformações no modelo de Estado brasileiro, sobretudo


nos campos administrativo e econômico: A CF/1988 promoveu mudanças no
posicionamento do Estado em relação ao ordenamento econômico e social, alterando
seu papel na ordem econômica ao: limitar as formas de atuação direta do Estado na
economia; instituir um modelo de regulação por agências independentes; reduzir as
restrições ao capital estrangeiro; quebrar monopólios do Poder Público. Além disso, a
Emenda Constitucional (EC) nº 19/1998 introduziu, na Constituição, um modelo de
Administração Pública gerencial, focada em resultados e eficiência.

b) Releitura do princípio da legalidade. Evolução da ideia de legalidade para uma


ideia de juridicidade administrativa (legalidade em sentido amplo). Com o
reconhecimento da força normativa da Constituição e dos princípios constitucionais, a
Administração passa a se vincular não só à lei, mas ao ordenamento jurídico como um
todo, o qual tem como norma de superioridade formal e axiológica a Constituição. Essa
ampliação da noção de legalidade, por outro lado, permite à Administração, em
determinadas hipóteses, buscar fundamento de validade da sua atuação diretamente na
Constituição Federal.

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c) Releitura do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado:
tendo em vista o reconhecimento da centralidade dos direitos fundamentais e da pessoa
humana no ordenamento, muitos autores passaram a falar da necessidade de uma
releitura do princípio da supremacia do interesse público, ou mesmo sua superação,
dada sua tradicional utilização de forma autoritária. Deve o interesse público ao pautar
a atuação do Estado ser verificado caso a caso, ponderando-se os interesses da
Administração e da coletividade com os interesses do particular para que prevaleça
aquele que melhor preserva os direitos fundamentais em jogo.

d) Ampliação do controle da Administração, sobretudo por uma valorização dos


princípios que regem a sua atuação. A matriz principiológica da Constituição
Federal passa a possibilitar o controle judicial do mérito administrativo, sobretudo a
partir de uma análise de sua proporcionalidade e razoabilidade, gerando uma redução
do espaço discricionário da Administração.

e) Processualização e contratualização da função administrativa. O processo


administrativo e não mais o ato passa a ser visto como elemento nuclear do Direito
Administrativo. Privilegia-se o processo decisório de formação do ato administrativo, a
fim de que se possa verificar: se foram observadas as garantias constitucionais, se os
atos foram motivados, publicizados, se foi dada a devida importância às considerações
dos afetados etc. Todo ato administrativo é fruto de um processo decisório, o qual passa
a ser controlado com mais intensidade à luz dos princípios de garantias e dos princípios
democráticos. Além disso, priorizam-se os negócios jurídicos em detrimento da
imposição unilateral da vontade administrativa, permitindo-se a participação do
destinatário na formação da vontade estatal, garantindo maior legitimidade e eficiência
à atuação administrativa.

f) Democratização da Administração Pública. Superação das ideias de


unilateralidade e imperatividade para uma lógica de consensualidade. A partir da
pauta substantiva da Constituição, se exige a ampliação dos canais de participação dos
particulares na tomada de decisões administrativas. O particular, administrado, não é
mais visto como um adversário, mas como o destinatário da ação administrativa e
também como um parceiro na consecução do interesse público.

g) Vinculação positiva da Administração aos direitos fundamentais. Não mais


basta a não violação de direitos (vinculação negativa), cabendo à Administração atuar
positivamente na promoção desses direitos. Isso decorre da chamada dimensão
objetiva dos direitos fundamentais. Isso porque os direitos fundamentais consagram
valores centrais do ordenamento jurídico, de forma que cabe à Administração atuar

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positivamente na promoção desses direitos.

h) Valorização da segurança jurídica na atuação do Estado. Princípio extraído da


cláusula do Estado Democrático de Direito. Refere-se à tutela das legítimas
expectativas criadas a partir da atuação da Administração e proibição de
comportamentos contraditórios.

i) Releitura de institutos clássicos do Direito Administrativo. há um natural


descompasso entre institutos, como a desapropriação e o próprio exercício do poder de
polícia, além das expectativas da sociedade no contexto atual em que vivemos, devendo
estes serem relidos e funcionalizados à luz da Constituição Federal e de seus princípios.

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência


dos temas em provas de concursos públicos.
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