ESTUDO DE PROCESSOS
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CAPACIDADE DE PROCESSOS COM VARIÁVEIS NORMAIS
M. Rui Alvesa,b,#
a
Instituto Politécnico de Vina do Castelo, Escola Superior de Tecnologia e Gestão
b
REQUIMTE/LAQV – Laboratório Associado para a Química Verde - Tecnologias e Processos Limpos
Versão 2
(actualização em 02.01.2017)
ÍNDICE
ÍNDICE........................................................................................................................ 2
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 3
2. DEFINIÇÕES .................................................................................................... 3
2.1 Processos .......................................................................................................................................... 3
2.2 VOC e variáveis críticas para a qualidade ............................................................................ 4
2.3 VOE e indicadores chave do processo ................................................................................... 4
2.4 Comparação de CTQ com KPI.................................................................................................... 5
3. ESPECIFICAÇÃO ............................................................................................ 5
4. PROCESSOS QUE SEGUEM A LEI NORMAL ............................................... 6
5. ESPECIFICAÇÕES VS PROCESSOS ............................................................. 7
5.1 1ª métrica: capacidade do processo ....................................................................................... 9
5.2 2ª métrica: desempenho do processo expresso em PPM............................................ 10
5.3 3ª métrica: Nível sigma do processo ................................................................................... 10
6. EXEMPLO DE CÁLCULO DAS MÉTRICAS .................................................. 10
6.1 Exemplo .......................................................................................................................................... 11
6.2 Função SixSigma.......................................................................................................................... 11
6.3 Cálculos ........................................................................................................................................... 12
7. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 15
7.1. Bibliografia Fundamental ........................................................................................................ 15
7.2. Bibliografia Recomendada ...................................................................................................... 15
7.3. Sítios na Internet Recomendados ........................................................................................ 15
8. ANEXO 1 - FUNÇÃO SIXSIGMA ................................................................... 16
9. ANEXO 2 – TABELA 6 SIGMA ...................................................................... 17
1. INTRODUÇÃO
As indústrias desenvolvem processos que têm por objectivo produzir bens que
satisfaçam as necessidades dos consumidores. Tal significa que esses processos devem
desenvolver-se dentro de determinados limites, de modo a evitar a produção de unidades
defeituosas, isto é, unidades que excedam os limites especificados, evitando reclamações,
devoluções, retrabalho, etc.
O controlo da qualidade deve assim debruçar-se essencialmente sobre o estudo dos
processos e a garantia de que os produtos vão obedecendo, ao longo do tempo, ao especificado,
por oposição à visão clássica de inspeccionar os produtos finais, rejeitando aqueles que não
cumprem as especificações.
As bases do controlo estatístico da qualidade foram iniciadas por Walter Shewhart, em
1924, através de um pequeno memorandum, nos Bell Laboratories. Posteriormente, Shewhart
editou um livro com as bases do controlo da qualidade industrial (Shewhart, 1931), que é hoje
visto como o início do controlo moderno com bases estatísticas e, por isso, como uma
sequência, ou aplicação, das teorias estatísticas da amostragem. O controlo da qualidade
artesanal, foi substituído pelo controlo estatístico da qualidade, como uma necessidade de
responder à massificação e grande velocidade de produção industrial que se verificou no início
do Séc. XX. Esse foi o momento em que se tornou necessário controlar os processos para que
não se produzissem defeituosos, por oposição ao controlo da qualidade baseado na inspecção
do produto final. Shewhart foi o grande impulsionador de outros cientistas relevantes no âmbito
da qualidade, como Dodge , Romig, Deming e Juran. Uma das referências mais modernas e
reconhecidas no âmbito do controlo estatístico da qualidade é Montgomery (2000), sendo de
referir o livro de Lalanne (2005) com aplicações do R que acompanham o livro de Montgomery.
Neste caderno abordam-se os processos que seguem as leis de uma distribuição normal,
deixando outros tipos de processos para outro caderno. Na verdade, na indústria alimentar, os
processos baseados na distribuição normal são os mais relevantes, ao passo que processos
baseados em contagens que seguem as leis da distribuição de Poisson são muito típicos de
empresas de serviços, e processos baseados em atributos que seguem as leis da distribuição
binomial são muito comuns em vários tipos de negócios, mais relacionados com pesquisas de
consumidores, marketing, etc. Sendo aqui a preocupação essencialmente industrial, os
processos baseados em variáveis contínuas que seguem as leis de uma distribuição normal serão
a preocupação fundamental.
Este caderno versa a caracterização dos processos e integra-se com os cadernos: Seis-
Sigma (Alves, 2018); e modelos estatísticos para variáveis contínuas (Alves, 2015).
2. DEFINIÇÕES
2.1 PROCESSOS
Um processo é um conjunto de actividades relacionadas entre si, que permitem
transformar entradas em saídas.
A ferramenta da qualidade típica para descrever um processo é o SIPOC, que significa
supliers (fornecedores), inputs (entradas), processes (processos), outputs (saídas), clients
(clientes). O SIPOC mostra que para descrever correctamente um processo é necessário
entender todo o contexto: (1) é necessário descrever os fornecedores que levam para os
processos um determinado conjunto de entradas; (2) os processos são descritos,
preferencialmente, na forma de um fluxograma, i.e., como uma sequência de etapas que
transformam as entradas em saídas; (3) finalmente devem descrever-se as saídas de cada etapa
dos processos e os respectivos clientes, que são quem utiliza essas saídas.
Figura 2
Comparação de
variáveis críticas para a
qualidade e indicadores
chave do processo
3. ESPECIFICAÇÃO
VN ± EA
Figura 3
Esquema de uma especificação constituída por um
valor nominal VN (também denominado objectivo,
meta, target,…) e um erro admissível EA, indicando
o significado de tolerância ou amplitude da
especificação.
Figura 4
Esquema de uma
especificação constituída por
um valor nominal VN
(também denominado
objectivo, meta, target) e um
erro admissível EA.
Figura 5
Esquema da distribuição normal: os
processos são caracterizados por uma média
μ, de posição central, e um desvio padrão σ
que reflecte a dispersão comum ou intrínseca
ao processo. Valores inferiores a LIP = μ−3σ
ou superiores a LSP = μ+3σ são raros.
Na prática é relevante o cálculo das áreas sob
a curva em intervalos definidos. A figura
mostra um exemplo: entre os valores μ−2σ e
μ−1σ a área sob a curva (indicada em
sombreado) corresponde a 13.6% do valor
total da área. Este valor obtém-se através da
utilização de software ou de tabelas da
distribuição normal.
De uma forma simplista, a distribuição normal significa que a maioria dos produtos têm
valores muito próximos de μ (onde a curva apresenta os valores mais elevados), e que é cada
vez menor o número de produtos com valores progressivamente mais afastados de μ (a curva
desce à medida que os valores se afastam de μ. Na Figura 5 verifica-se que valores inferiores a
μ–3σ ou superiores a μ+3σ são muito raros. Assim, por convenção, considera-se que numa
distribuição normal os valores entre μ±3σ são frequentes, e que os valores que excedam esses
limites, por defeito ou por excesso, são raros. Por essa razão, diz-se que o erro do processo (EP)
é igual a ±3σ, podendo definir-se o valor LIP = μ–3σ como o limite inferior do processo, e o
valor LSP = μ+3σ como o limite superior do processo. Estes valores ilustram-se também na
Figura 5. Pode aí verificar-se que, de facto, a curva que representa a distribuição normal é
praticamente nula para aquém de LIP = μ–3σ e para além de LSP = μ+3σ. Chama-se amplitude
do processo à diferença LSP–LIP e tem sempre o valor:
Figura 6
Esquema de uma especificação constituída por um
valor nominal VN (também denominado objectivo,
meta, target,…) e um erro admissível EA.
5. ESPECIFICAÇÕES VS PROCESSOS
Do que ficou dito nas secções anteriores, fácil será verificar que o problema da empresa
consiste em garantir que se consegue fornecer ao cliente um produto que cumpra as
especificações. Logo, o problema consiste em comparar as especificações do cliente (quer
interno quer externo) com as características dos processos e verificar se se consegue cumprir
com os requisitos do cliente.
Dito por outras palavras, os processos deverão operar de forma a garantir que não se
geram produtos "defeituosos" ou "não-conformes", i.e., que os produtos não excedem por
defeito o limite inferior da especificação (LIE), nem por excesso o limite superior da
especificação (LSE). Além disso, pretende-se sempre que a maior parte dos produtos tenha
características próximas do valor nominal.
Nas Figuras 7 e 8 ilustram-se comparações entre especificações e processos que podem
ocorrer na prática. A situação ideal apresenta-se na Figura 7, em que a média do processo está
centrada com o valor nominal da especificação, e a dispersão do processo é pequena,
produzindo-se poucos itens defeituosos. Esta situação permite que o processo se altere um
pouco (descentrando-se ou aumentando a dispersão) sem que tal conduza imediatamente à
produção de itens defeituosos. Na Figura 8 ilustra-se uma situação em que se produzem muitos
defeituosos (no exemplo, por defeito) porque o processo se encontra descentrado e também
porque apresenta uma dispersão muito grande, fazendo com que a amplitude do processo seja
superior à amplitude da especificação. Este segundo caso é um exemplo de uma situação onde
seria impossível cumprir com a especificação.
Figura 7
Esquema de um processo centrado (com μ igual a VN) e com dispersão baixa (amplitude da especificação
relativamente superior à amplitude do processo), permitindo produzir poucos defeituosos). Na tabela da esquerda
apresentam-se métricas discutidas no texto. Produzido com a função SixSigma, apresentada em anexo, criada
especificamente para este texto.
Figura 8
Esquema de um processo descentrado (com μ menor do que VN) e com dispersão alta (amplitude da
especificação menor que a amplitude do processo), conduzindo à produção de itens defeituosos. Na tabela da
esquerda apresentam-se métricas discutidas no texto. Produzido com a função SixSigma, apresentada em anexo,
criada especificamente para este texto.
Um processo que produz demasiados PPMt corresponde a um processo cuja média está
muito descentrada em relação ao valor nominal da especificação (com um |Cpk| muito inferior
ao Cp), ou com uma amplitude do processo muito grande em comparação com a tolerância da
especificação (com um Cp muito abaixo de 1.3).
Ver exemplo na secção 6.
As métricas relativas ao estudo dos processos são fáceis de calcular, nomeadamente por
todos quantos tenham um conhecimento mediano da distribuição normal. Para facilitar os
cálculos, nesta secção será usada uma tabela da distribuição normal transformada em tabela 6-
sigma, e apresentar-se-ão soluções com recurso ao software R (mais apelativo e versátil) e Excel
(mais usual e disponível). Também se produziu uma função, denominada SixSigma, que calcula
todas as métricas e esquematiza os problemas.
6.1 EXEMPLO
Para clarificar o cálculo das métricas referentes ao estudo dos processos, usar-se-á o
exemplo que se apresenta na Figura 9, com os dados seguintes:
Especificação: VN = 250 EA = 12
Processo: μ = 249 σ = 5.5
> SixSigma(VN=250,EA=12,Media=249,DP=5.5,Plot=T)
Figura 9
Saída da Função SixSigma (ver função nos anexos). A função desenha a especificação e os seus parâmetros (em
vermelho), a curva normal correspondente ao processo e os parâmetros (em azul), e mostra (em verde) as áreas
sob a curva normal correspondentes às fracções de defeituosos. A função apresenta, no quadro que acompanha a
figura, à esquerda, os dados sobre a especificação e o processo, seguidos dos valores das métricas
6.3 CÁLCULOS
6.3.1 Capacidade do processo
𝑎𝑚𝑝𝑙𝑖𝑡𝑢𝑑𝑒 𝑑𝑎 𝑒𝑠𝑝𝑒𝑐𝑖𝑓𝑖𝑐𝑎çã𝑜 2 × 𝐸𝐴 24
𝐶𝑝 = = = = 0.727
𝑎𝑚𝑝𝑙𝑖𝑡𝑢𝑑𝑒 𝑑𝑜 𝑝𝑟𝑜𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜 6×𝜎 33
Como |Cpi| = 0.667 e |Cps| = 0.727, o menor valor absoluto é o Cpi, pelo que Cpk = Cpi:
𝐶𝑝𝑘 = −0.667
Comparando os Cpi e Cps, porque o Cpi tem o menor dos valores, em termos absolutos,
o Cpk é igual ao Cpi.
Com estas métricas verifica-se de imediato que o processo vai produzir muitos
defeituosos porque o Cp é muito inferior a 1.3. Verifica-se também de imediato que o processo
está deslocado para a esquerda porque o Cpk é negativo, pelo que irá produzir um excesso de
itens defeituosos por defeito (demasiados PPMi em comparação com os PPMs).
Nos anexos fornece-se uma tabela 6 sigma, construída especificamente para este
caderno, e que não é mais do que uma tabela da distribuição normal para valores de z variáveis
entre −6 e 0 (com os valores de z arredondados às centésimas) com todas as probabilidades
multiplicadas por 1000000. As tabelas usuais apresentam apenas valores de z entre −3 a 0. Note-
se que para valores de z positivos se usa a mesma tabela, devido ao facto de a distribuição
normal ser simétrica.
Os PPMi são a probabilidade (ou área da curva) entre −∞ e LIE, expressa em partes por
milhão. Para usar a tabela 6 sigma para calcular os defeituosos por defeito, procede-se do modo
seguinte: O LIE = 238, em variáveis z, é z = (LIE−μ)/σ = (238−249)/5.5 = −2.00. Na Tabela 6
sigma, na coluna à esquerda, procuramos o valor de z até às décimas, z = −2.0 e procuramos na
linha superior a casa das centésimas z = 0.00, obtendo, no miolo da tabela, o valor 22750.13.
Estes são os PPMi.
Os PPMs são a probabilidade (ou área da curva) entre LSE e +∞, expressa em partes por
milhão: O LSE = 262, em variáveis z, é z = (LSE−μ)/σ = (262−249)/5.5 = +2.36 (verifique-se
que sem arredondamento às centésimas z = 2.363636). Na Tabela 6 sigma trabalha-se com o
valor negativo, pelo que, no cruzamento da linha z = −2.3 com a coluna z = 0.06, obtém-se, no
miolo da tabela, o valor 9137.468. Estes são os PPMs.
Os PPMt são a soma dos PPM produzidos por defeito e por excesso, sendo neste caso
exemplo PPMi + PPMs = 22750.13 + 9137.468 = 31887.598.
No R, a função para cálculo de uma área sob a curva normal entre −∞ e um valor
qualquer x, é pnorm(q,mean,sd):
Nota: O software permite obter resultados mais exactos do que as tabelas, devido ao
facto das tabelas funcionarem com valores arredondados. No caso, a tabela 6 sigma funciona
com valores de z arredondados às centésimas, pelo que será de esperar algumas discrepâncias
entre os valores obtidos por software (mais correctos) e obtidos pelas tabelas da distribuição
normal (eventualmente menos correctos).
Para obter o nível sigma consideram-se os PPMt, imaginando-se todos do mesmo lado
da distribuição. Por conveniência, tanto em relação ao software como em relação às tabelas,
imaginamos esses PPMt como sendo todos produzidos por defeito, logo à esquerda da
distribuição.
Agora a questão é inversa: para calcular os PPM calculava-se o valor de z e procuravam-
se os PPM no miolo da tabela 6 sigma. Agora, procuram-se os PPMt no miolo da tabela, e
deduz-se o nível sigma, i.e., o valor de z.
Como PPMt = 31887.598 (determinados na secção anterior com o uso da tabela 6
sigma), então tem de procurar-se na tabela esse valor, ou o valor mais próximo. O valor mais
próximo é 31442.76, correspondente a z = −1.86. Atendendo a que, por convenção, os PPMt se
consideram todos por excesso, para que o valor sigma seja seja positivo, então o nível sigma
procurado será zσ = 1.86.
Nota: o processo seguido para encontrar os PPM no miolo da tabela a partir de um valor
z arredondado a duas casas decimeis, e para encontar o valor de z a partir dos valores na tabela,
podem ser calculados de forma mais correcta por interpolação. No entanto, como se verifica
neste exemplo, a incorrecção que se obtém com o uso da tabela 6 sigma não é significativa.
Basta agora usar o valor positivo de z, obtendo zσ = 1.855. Arredondando para duas
casas decimais, zσ = 1.86, igual ao valor obtido com a tabela 6 sigma.
7. BIBLIOGRAFIA
Montgomery, D. (2000). Introduction to Statistical Quality Control, 4th ed., New York: Wiley.
QSB Consulting (sem data). Six Sigma and Minitab, a complete tool box guide for all six sigma
practitioners (updated for minitab 15). Published by QSB Consulting. Informações em
www.QSBC.co.uk.
Wadsworth, H., Stephens, K., & Godfrey, A. (1986). Modern methods for quality control and
improvement. New York: John Wiley & Sons.
McCarty, T., Bremer, M., Daniels,L., & Gupta,P. (2004). The six sigma black belt handbook.
New York:McGraw-Hill.
Shewart, W. (1931). Economic control of quality of manufactured product. New York: D. Van
Nostrand Company, Inc.
Zhang, N., Stenback, G., & Wardrop, D. (1990). Interval Estimation of the process capability
index. Communications in Statistics: Theory and Methods, 19(21), 4455-4470.