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O fantasma da Outra

Hilda Pressley

Bianca 14

Copyright: HILDA PRESSLEY


Título original: "THEATRE SISTER"
Publicado originalmente em 1978 pela Mills & Boon
Ltd., Londres, Inglaterra.
Tradução: LILIAN CAVALCANTE STEIN
Copyright para a língua portuguesa: 1980
EDITORA EDIBOLSO LTDA — São Paulo
Uma empresa do GRUPO ABRIL
Composto e impresso nas oficinas da ABRIL S.A.
CULTURAL E INDUSTRIAL
Foto da capa: KEYSTONE

Quando o novo cirurgião bateu os olhos na enfermeira chefe, não conseguiu


esconder seu desprezo. Para Catherine, foi o maior choque da sua vida: por
que Peter Wingate a odiava tanto, se nunca o tinha visto antes? Ele também
deixou claro que a achou uma mulher vulgar, sem princípios. Desesperada,
Catherine descobriu o porque de tanta perseguição: ela era a cópia exata da
ex-noiva de Peter, uma mulher linda, irresponsável e leviana, cuja lembrança o
atormentava… Mas, no meio daquele tormento, havia uma verdade ainda mais
dura! Ela estava apaixonada por Peter e sabia que aquele amor era
impossível…

Este livro faz parte de um projeto sem fins


lucrativos.
Sua distribuição é livre e sua comercialização
estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.

Digitalização: Palas Atenéia

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Revisão: Edith Suli

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CAPITULO 1

Raymond White, o anestesista, levantou-se da cabeceira do paciente e a


tensão na sala de operações diminuiu um pouco. Sir John Watkins, o cirurgião,
largou o último instrumento sobre a bandeja e a enfermeira-chefe Catherine
Manton deu um rápido olhar em volta. Seus olhos, de um azul transparente,
observaram tudo e todos: uma enfermeira pronta para limpar os instrumentos,
outra segurando agulhas para suturas e um enfermeiro esperando com a
maca, para levar o paciente para o quarto.
— Gaze — pediu sir John, calmamente. Sempre um passo à frente,
Catherine já havia preparado gaze limpa. Depois de uma verificação no estado
do paciente e nos instrumentos, o cirurgião tirou as luvas, deixando os últimos
pontos para seu assistente.
Catherine virou-se para a enfermeira que estava perto dos instrumentos
e pediu, em voz baixa:
— Você pode ficar em meu lugar? Ajudou o cirurgião a tirar o avental e
depois tirou o dela. Sentiu-se aliviada de poder se livrar da máscara e respirar
livremente. Juntos, foram até a sala de estar, na outra ala do hospital.
— O chá ficará pronto em um minuto, sir John.
Entrou na cozinha, certa de encontrar a chaleira já no fogão. Seu pessoal
era bem treinado. Cinco minutos antes do fim de uma operação, uma das
enfermeiras preparava a chaleira e deixava a bandeja com as xícaras e os
pacotes de chá, na mesa.
Catherine orgulhava-se de que tudo na ala cirúrgica fosse impecável, até
mesmo pequenos detalhes como aquele.
— Bem, enfermeira — disse sir John. enquanto ela servia o chá —, tudo
correu bem, como sempre. Você merece ser elogiada pelo modo como
comanda as coisas por aqui.
Olhou para ela, com admiração. Mesmo com o cabelo loiro escondido
pelo gorro, era uma moça bonita: sobrancelhas perfeitamente delineadas,
olhos de um azul intenso, nariz bem talhado, boca generosa e sorridente.
Conseguia reunir duas qualidades extremamente raras numa enfermeira:
charme e eficiência.
— Quando chega o novo cirurgião? — ele perguntou.
— Amanhã.
Admirava profundamente sir John e tinha por ele um grande respeito.
não só como homem, mas também como médico brilhante que era. Nunca
perdia a calma e o humor.
— Você sabe alguma coisa sobre o novo cirurgião. — perguntou o
médico.
— Na verdade, sei muito pouco sobre ele. Sei que vem de um hospital
grande de Londres, e, por isso, acho que deve ser bastante eficiente.
— Estou curioso para saber por que está deixando Londres, para se
enterrar numa cidade pequena do interior, como a nossa. Millingham me
agrada, vivi aqui toda a minha vida, mas os londrinos não se adaptam muito
bem na província. Estão acostumados a diversões e programas noturnos.
— Talvez ele esteja cansado da agitação de Londres. De qualquer
maneira, cirurgia é igual em qualquer lugar, não é?

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Sir John colocou a xícara na mesa e sorriu para ela.
— Você realmente adora seu trabalho, não é verdade?
— É a coisa que mais amo no mundo. Mais chá. sir John?
Ele balançou a cabeça e se levantou:
— Preciso ir andando, mas, antes, há uma coisa que gostaria de lhe
perguntar.
— Sim?
Antes que ele pudesse dizer o que estava querendo, Raymond White
chegou, muito alegre:
— Tem chá pronto, Cathie?
Os olhos azuis de Catherine brilharam de irritação:
— Sim, dr. White. E, por favor, não me chame de Cathie, quando
estivermos trabalhando.
Sir John franziu as sobrancelhas. Nesse bem-organizado mundo da
enfermeira-chefe, o dr. White era o elemento perturbador e incontrolável. Pelo
que sabia, os dois não estavam noivos, nem nada parecido.
Catherine acompanhou-o até o corredor principal. Ele estava morrendo
de curiosidade para saber como essa enfermeira-chefe, fria e eficiente, se
comportaria fora do trabalho. Quando era uma simples enfermeira, não
passava de uma pessoa tímida, dominada por sua chefe. Depois da promoção,
Catherine tornou-se o centro da ala cirúrgica e sir John gostaria de conhecê-la
melhor.
— Enfermeira, desculpe a pergunta pessoal, mas… o dr. White é algum
amigo especial?
— Ele é apenas um amigo. Por que pergunta?
Olhou para ele, muito tranqüila, esperando sua resposta. Se pensava que
ela ia se desculpar pela familiaridade com que Ray a havia tratado há pouco,
estava redondamente enganado. Essa era a sua ala cirúrgica, e não aceitava
ordens de ninguém — nem mesmo dele. Podia esperar tudo, menos a
explicação que ouviu.
— Perguntei, porque gostaria de convidá-la para jantar fora comigo,
qualquer noite dessas, e não tinha certeza se você… se você estaria livre para
aceitar o convite.
— Mas é claro que estou livre! — disse, sorrindo.
— Está bem. Sexta, às sete horas? Eu passo para pegar você.
— Ótimo, obrigada.
Despediram-se e ela voltou para a sala de estar. Esse convite tinha sido
realmente uma surpresa. Sir John sempre pareceu tão distante… Mas depois
de sua promoção, era compreensível que começasse a se interessar por ela.
Estava ainda sorrindo, quando entrou na sala.
— Por que este ar de satisfação? — perguntou Ray, com a familiaridade
de um velho amigo.
— Por sua causa é que não é. Chamando-me de Cathie na frente de sir
John! Quantas vezes eu já disse que…
— Quem está ligando para sir John? — ele sorriu e descaradamente,
começou a cantar: — C-C-C-Cathie…
Ignorou a brincadeira e foi preparar mais chá para a cirurgiã residente,
dra. Childs. Ela era uma mulher bonita, alta e bastante fria. Catherine lançou-
lhe um sorriso, sem esperar qualquer resposta. Apesar da dra. Childs nunca a

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ter tratado mal, sentia que a residente não gostava dela.
— Estou fazendo mais chá, doutora. Está quase pronto.
Edith Childs concordou e foi para a sala de estar. Quando entrou, já
trazendo o bule, Catherine percebeu que a residente e Ray conversavam sobre
a chegada do novo cirurgião.
— Eu não me importo nem um pouco, se as qualificações dele são boas
ou não — Ray estava dizendo. — Nunca vai encontrar outra sala cirúrgica mais
bem organizada do que essa.
— Muito obrigada, dr. White! — Catherine interrompeu.
— A ala cirúrgica sempre foi bem dirigida — disse Edith Childs, áspera. —
Pelo menos, desde o tempo que trabalho aqui. Até a enfermeira Manton vai
concordar comigo, não é?
Catherine sentou-se e pegou a xícara antes de responder.
— Sim, é verdade. A enfermeira-chefe Gairdon foi uma das pessoas mais
eficientes com quem já trabalhei.
— Ela podia ser eficiente — disse Ray —, mas todo mundo morria de
medo dela, principalmente as enfermeiras.
Catherine deu um sorriso tímido. O que Ray estava dizendo era verdade,
mas não estava gostando nada do rumo da conversa. Sabia que a residente
achava-a muito jovem para o cargo.
— É melhor eu voltar para a sala de operações e ver como andam as
coisas por lá.
As coisas iam bem, como de costume, e pela conversa alegre das
enfermeiras enquanto arrumavam tudo, parecia até que tinham ouvido os
elogios de Ray. Pelo menos, o ambiente aqui é bastante descontraído, pensou.
Na época em que a enfermeira Gairdon era chefe, havia sempre muita tensão
no ar: tinha métodos antiquados de trabalho e acreditava que a disciplina só
era possível com autoridade exagerada.
Satisfeita de que, sob sua supervisão, o trabalho estava sendo bem feifto
Catherine foi para a sala de estar das enfermeiras. Era um aposento
agradável, com vista para os jardins do hospital. Serviu-se de chá e preparou
um sanduíche.
— Muito ocupada na sala de operações, Manton? — perguntou Nora
Kelly, enfermeira-chefe de outra ala.
— Não muito. As operações já terminaram. Você viu Susan?
— Ela foi para o quarto e disse que volta em um minuto. — Nesse
momento a porta se abriu. — Aí está ela.
Catherine sorriu a ver a amiga, uma jovem e alegre beleza morena.
— Oi, Sue. Que tal sua tarde de folga?
— Mais ou menos. Fiquei passando algumas roupas. Ah, vi as suas
estendidas no varal, aproveitei e passei para você.
— Você é um anjo. Quer um pouco de chá?
Susan esticou o corpo esguio numa poltrona e cruzou as pernas:
— Como é, preparada para a chegada do novo cirurgião, amanhã?
— Oh, sim — respondeu Catherine, sorrindo.
— Como é mesmo o nome dele? — perguntou Nora Kelly.
— Wingate. Peter Wingate. Um médico importante, vindo do Hospital St.
Chad, de Londres.
— Vamos ter que trabalhar direito com ele — Nora disse, erguendo as

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sobrancelhas.
Catherine sorriu:
— Não vejo por que nos preocuparmos tanto. Existem por aqui outros
médicos tão eficientes como ele.
— Isso é verdade, mas o modo como você falou, pareceu se tratar de
uma pessoa muito importante. Não está me parecendo muito ansiosa com a
chegada dele.
Catherine corou levemente:
— É o modo como todos estão falando sobre ele. Dá a impressão de que
é uma pessoa especial. Se tiver a metade da habilidade do velho Anderson, já
está ótimo.
— É. Muita coisa está mudando por aqui — comentou Sue Hickey. — Não
acharam estranho a enfermeira Gairdon se aposentar logo depois de o dr.
Anderson nos deixar? Mas devo dizer que a ala cirúrgica é um lugar
completamente diferente, agora. Só espero que esse dr. Wingate não estrague
a sua ala, Cathie.
— Por que ele iria estragar?
Sue encolheu os ombros:
— Nunca se sabe! Às vezes, uma pessoa estranha ou temperamental
pode mudar todo o astral de um ambiente. Bem, preciso voltar agora para a
minha ala. Você vem, Cathie? — disse, levantando-se.
Juntas, voltaram para o prédio principal.
— Estava me esquecendo Sue — disse Catherine, de repente. — Sir John
Watkins convidou-me para jantar.
— Isso é ótimo!
— Ele foi extremamente gentil. No começo estava um pouco inseguro,
achando que eu era comprometida com Ray. Você sabe como Ray muitas age
como criança. Ele entrou voando na sala de estar, me chamando de Cathie.
Sue sorriu.
— Oh, aquele incorrigível Ray! Então, você disse a sir John que o querido
dr. Ray não representava absolutamente nada para você e…
— Sue! — protestou Catherine. — Eu não disse nada dessa maneira.
Disse apenas que somos bons amigos, o que é verdade.
— Está certo, retiro o que eu disse — riu Sue. — Já vi que vou sobrar
com o novo cirurgião, agora que você conquistou os melhores partidos do
hospital.
Catherine riu também:
— Fique à vontade para tentar. Mas como é que sabe que ele é um bom
partido? Pode ser careca, gordo, velho ou até casado.
— É, pode ser. Você vai sair hoje à noite?
— Provavelmente. Ray disse qualquer coisa sobre sairmos.
Os olhos escuros de Susan turvaram-se por um momento.
— Aí é que está! Por mais que você fale, Ray continua um eterno
apaixonado. Bom, vou ficando por aqui. Te vejo mais tarde.
Catherine continuou em direção da ala cirúrgica, sorrindo ao imaginai
Ray como um eterno apaixonado.
Ray e ela tornaram-se bons amigos desde que chegaram ao Hospital St.
Anne, já quatro anos atrás. Mas se conheciam desde garotos; moravam na
mesma cidade. Mais tarde, a família de Catherine se mudou e só voltaram a se

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encontrar novamente no hospital. Não se lembraram logo um do outro.
Examinavam um paciente, quando ele finalmente a reconheceu:
— Quem diria! A pequena Cathie Manton! Você está bem diferente,
nessse uniforme. E, é claro, você cresceu um pouco.
Durante as semanas seguintes, saíram juntos várias vezes, até Catherine
ser transferida para o turno da noite. Mas continuaram bons amigos.
— O dr. White está procurando por você — disse uma enfermeira, ao vê-
la entrar na sala cirúrgica. — Disse que vai ligar, assim que puder.
— Obrigada pelo recado e, por favor, diga às outras enfermeiras para
deixarem todo o equipamento em ordem. Quero tudo arrumado para a
chegada do novo cirurgião.
O telefone tocou e Catherine atendeu, esperando ouvir a voz de Ray. Era
Matron. a enfermeira-chefe encarregada do pessoal.
— Catherine? Vou precisar de uma das suas enfermeiras amanhã. Em
troca, mandarei a Cleveland. Está bem para você?
— Oh, sim, claro!
— Ótimo. Espero que tudo corra bem por aí, com a chegada do novo
médico.
— Obrigada. Tudo correrá bem!
Desligou e contou à enfermeira Holland a troca que seria feita no dia
seguinte. O rosto da outra transformou-se numa expressão de horror.
— Oh, não! Não a enfermeira Cleveland. Ela mais atrapalha do que
ajuda.
Catherine suspirou.
— Realmente, não foi uma boa troca, mas isso não deverá atrapalhar
muito. Precisamos mantê-la sob vigilância para que não faça nada errado até
se acostumar com a nossa rotina. Terá que aprender o serviço, como todas as
outras.
A enfermeira Cleveland não era muito apreciada no hospital. Para
começar, vinha de Londres e sentia-se superior às colegas. Todo mundo sabia
que não aceitava muito bem a vida disciplinada do hospital. A maioria dos
homens que trabalhavam no hospital já tinha tentado namorá-la, porém sem
sucesso.
Catherine entrou na sala de raio-X para deixar tudo em ordem para o
dia seguinte. Ray ligou neste momento.
— Quer dar uma volta, Cathie?
— Vou, sim!
— Ótimo, espero por você na frente do bloco B, às seis e meia.
Um passeio até que lhe faria bem, pensou. Ray era uma companhia
agradável, mesmo tendo aquela mania de brincar durante o serviço. Tinha
feito carreira rapidamente.
Poderia escolher qualquer hospital do país para trabalhar, inclusive o
hospital de onde vinha o novo cirurgião. Como seria ele, o dr. Wingate? Fosse
como fosse, tinha certeza de que não teria motivo para reclamar do
moderníssimo equipamento da sala cirúrgica — nem dos métodos usados pelo
hospital.
— Que tal um passeio até Fullerton Park? — disse Ray, quando se
encontraram. — Depois, podemos terminar a noite indo jantar e dançar no
Phoenix.

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— Para mim. o programa está perfeito — disse Catherine, entrando no
carro esporte de Ray. A brisa que agitava seu cabelo loiro dava-lhe uma
sensação agradável. — Como é gostoso sentir o ar puro, depois de um dia
inteiro de trabalho!
Ray olhou-a de lado. Era maravilhosa, não havia dúvida. Bonita de se
olhar e encantadora como companhia. Estava louco para saber como seria tê-
la nos braços. Parecia estranho, mas durante todo o tempo que a conhecia
nunca havia tentado beijá-la. Catherine não era do tipo leviano. Quem sabe,
agora que já se conheciam há tanto tempo, ela não se oporia a uma
aproximação? Talvez hoje à noite, pensou Ray.
— Por que está sorrindo? — perguntou, desconfiada.
— Não é nada. Estava apenas pensando que essa vai ser uma noite
maravilhosa.
No parque, admiraram os cisnes majestosos que deslizavam no lago;
riram dos patos que corriam, desajeitados, pela margem e. mais adiante,
andaram com cuidado, para observar os esquilos que espiavam, timidamente,
por entre as árvores.
Foi no caminho de casa, depois de umas horas agradáveis no Phoenix,
que Ray sugeriu uma caminhada curta ao longo da estrada. Estacionou o
carro, e, depois de terem andado um pouco, parou.
— Que tal encostarmos perto desse portão um pouco?
— Está querendo ficar romântico? — comentou Catherine, dando um
sorriso travesso.
— Como é que adivinhou? — respondeu, envolvendo-a em seus braços.
— Calma, eu não quis dizer que… — começou a protestar, sorrindo.
Nesse momento, ele a beijou com delicadeza, não permitindo que terminasse o
que estava dizendo. De repente, seus lábios se separaram dos dela e Ray
exclamou com raiva, "droga", ao perceber os faróis de um carro se
aproximando.
— Esse carro acabou de arruinar a minha grande chance! — murmurou,
lançando um olhar furioso na direção dos faróis.
— Acho que esse carro apareceu em boa hora — falou Catherine, severa,
enquanto desviava o rosto da luz ofuscante.
Ray suspirou, resignado, e deu um pulo para trás, quando o carro parou
juntinho dele, dando uma freada brusca.
— Sinto muito ter atrapalhado! — disse o motorista, abrindo a porta e
descendo.

CAPITULO II

Ray olhou para o pneu furado. O homem fez o mesmo e, logo em


seguida, dirigiu toda sua atenção para Catherine.
— Você está bem? Sinto muito ter assustado vocês.
Logo constatou que ela estava bem e sua preocupação desapareceu,
substituída por um olhar curioso, que admirava seu cabelo loiro e sedoso, seu
rosto corado, lábios levemente manchados de batom. Catherine sentiu-se
embaraçada.
— Seu pneu está furado — Ray anunciou. O homem virou-se para ele,

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com indiferença:
— Eu sei. Ainda bem que tenho um sobressalente.
— Vamos lá, ajudo você a trocar.
— Não é preciso, obrigado. Já atrapalhei bastante. Espero que me
desculpem!
Sua ironia era evidente e Ray percebeu logo.
— Não precisa se desculpar. Minha… noiva e eu já vamos indo. Nosso
carro está estacionado um pouco mais adiante.
O estranho já tinha tirado o casaco e vestia um macacão que retirou do
porta-malas. Nem sequer levantou os olhos, quando se despediram.
— Que sujeito mais estranho — Ray comentou.
— Bem desagradável, realmente — Catherine disse, seu rosto ainda
corado por causa do olhar penetrante do desconhecido.
— Deve estar passando por problemas sentimentais — Ray disse, dando
uma risada.
— Ah, isso me faz lembrar… Você não precisava ter dito que eu era sua
noiva.
— Eu disse aquilo sem pensar. Era óbvio o que aquele sujeito estava
pensando. Não que eu me importasse com isso. As chances de encontrarmos
novamente com ele são de uma em um milhão. Foi mesmo desagradável ele
aparecer, justo naquele momento. Até que eu estava me saindo bem, não é?
— Oh, você acha mesmo? — ela recuperou o bom humor. — Você estava
prestes a levar o tapa tradicional, e bem dado.
— Ah, você não iria fazer uma coisa dessas — ele riu, e antes de deixá-la
na ala residencial das enfermeiras, perguntou, sério:
— Catherine, você não se importou por eu a beijar, não é?
— É claro que não, Ray. Eu só queria…
— Queria o quê, querida? — perguntou, rapidamente, enquanto os seus
olhos fitavam com satisfação o cabelo dourado, os cílios longos e sedosos e a
curva generosa dos lábios dela.
— …Que aquele homem arrogante não tivesse aparecido naquela hora.
— Está falando sério? — sorriu e tentou abraçá-la novamente. Com
delicadeza, ela o afastou.
— Eu não quis dizer o que você está pensando. É que ele me fez sentir…
bem, leviana.
— Bobagem, querida. Você está fazendo drama. Esqueça tudo e me dê
um beijo de despedida… pela nossa amizade.
Deixou que ele a beijasse no rosto. Ray era uma pessoa ótima:
simpático, decente e carinhoso. Por que ele não deveria beijá-la?, pensou,
defendendo-se inconscientemente, ao lembrar o olhar acusador do
desconhecido. Não era sua culpa se ele tinha se precipitado e concluído que
estava interrompendo mais do que um namoro casual, com troca de carícias
ao luar. Com determinação, tentou afastar esses pensamentos, mas aquele
toque leve de desprezo nos olhos cinzentos e a expressão de desdém no rosto
másculo e belo do desconhecido atrapalharam seu sono.
Na manhã seguinte, Catherine começou a trabalhar mais cedo, apesar de
ter resolvido dirigir a ala cirúrgica normalmente, sem se importar com a
chegada do novo cirurgião. As enfermeiras já haviam iniciado suas tarefas uma
hora antes e estavam bem adiantadas, esterilizando todos os instrumentos,

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preparando máscaras e aventais limpos e verificando a aparelhagem para a
anestesia.
A enfermeira Holland mostrava à enfermeira Cleveland onde ficavam os
instrumentos cirúrgicos e ao mesmo tempo dava instruções gerais sobre as
técnicas usadas na sala de operação.
— Bom-dia, enfermeira Holland — disse Catherine. — Tudo em ordem?
— Bom-dia. Sim, tudo está sendo preparado. Devo levar a enfermeira
Cleveland para tomar café comigo, às nove horas?
— Sim, seria muito bom. — Virou-se para a recém-chegada, uma moça
alta, de cabelo cor de cobre. — Quero que você preste bastante atenção em
tudo que a enfermeira Holland explicar. É muito importante que na sala
cirúrgica todos saibam exatamente quais são suas tarefas. Durante a
operação, quero que fique sempre perto da enfermeira Holland e esteja pronta
para obedecê-la, entendido? Preste sempre muita atenção, enfermeira, para
não tocar em nada esterilizado. Se fizer isso, tudo terá que passar pela
esterilização novamente. — Catherine olhou para o rosto impassível da jovem.
— Fui bem clara?
— Sim, perfeitamente — A outra respondeu, com seu leve sotaque
londrino. — Tudo me parece bastante simples.
Catherine ficou aborrecida com o pouco caso da resposta.
— Pode parecer simples, enfermeira, mas a exatidão deve ser mantida.
— E continuou, quando percebeu que Cleveland queria dizer mais alguma
coisa: — Isso é tudo, enfermeira. Continue com suas tarefas.
Catherine seguiu para a sala de anestesia, para inspecionar, os tubos de
oxigênio. O que é que tinha de errado com a enfermeira Cleveland? Seria a
falta de atenção com que ouvia as explicações, ou era o modo como reagia a
tudo que lhe diziam? O que quer que fosse, Catherine não estava gostando
muito, e desejaria imensamente que Matron não tivesse feito aquela troca.
Havia uma lista razoavelmente grande de operações para o novo
cirurgião — entre outras, cirurgias estomacais, duoderiais e renais. Algumas
das mais simples seriam deixadas para a dra. Childs.
Catherine foi até a sala cirúrgica, para verificar se os históricos clínicos
dos pacientes tinham chegado e se haviam dado entrada no livro de
operações. As enfermeiras sabiam exatamente o que deveria ser feito.
Uma delas estava preparando os instrumentos para a anestesia
raquidiana, outra arrumava toalhas limpas e separava os instrumentos para a
esterilização. Catherine teria que estar na sala às nove e meia, exatamente,
para preparar os instrumentos que seriam usados.
O telefone tocou.
— Enfermeira-chefe? — perguntou o superintendente do hospital. — O
dr. Wingate está aqui comigo. Vou levá-lo até aí, dentro de cinco minutos,
para apresentá-lo a você.
— Está bem, obrigada. Estarei esperando.
Mal tinha acabado os preparativos quando ouviu vozes no corredor.
Identificou a da dra. Childs, a do dr. Cook (o superintendente) e achou a outra
vagamente familiar. O grupo aproximou-se da sala e o dr. Cook deu passagem
para um homem alto e moreno. Catherine encarou-o, com espanto. Não, não
era possível.
Esse tipo de coisa simplesmente não acontece na vida real.

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— Bem, enfermeira, este é o dr. Wingate, nosso novo cirurgião. Dr.
Wingate, nossa enfermeira-chefe da ala cirúrgica, Catherine Manton. Tenho
certeza de que trabalharão bem, juntos.
O dr. Cook parou de falar, surpreso ao notar que os dois se olhavam,
sem dizer uma palavra:
— Existe algum problema? — perguntou, afinal. — Até parece que
perderam a língua. — O superintendente era uma pessoa franca e direta. — Já
se conheciam ou coisa parecida?
— Eu… — Catherine começou, mas o cirurgião,interrompeu.
— Encontrei a enfermeira-chefe ontem à noite, quando o pneu do meu
carro furou. Mas dr. Cook, ninguém havia me dito que a enfermeira-chefe era…
tão jovem. Esperava uma pessoa bem mais velha. Quando conversei com o dr.
Anderson, em Londres, ele afirmou que a enfermeira-chefe da ala cirúrgica era
uma mulher de meia-idade.
Olhou para Catherine, com desagrado e reprovação, e em seus olhos
havia aquele desprezo que ela tinha visto na noite anterior. Nessa manhã,
porém, o desprezo parecia ser maior ainda.
O rosto do dr. Wingate tinha empalidecido, também, como se acabasse
de levar um choque. Seu maxilar contraiu-se, na tentativa de se controlar. O
dr. Cook riu.
— Caro colega, você está se referindo à enfermeira-chefe Gairdon. Ela se
aposentou logo depois de o dr. Anderson deixar o hospital. Mas não permita
que a juventude da enfermeira Manton o influencie. Ela é realmente
competente, isso eu posso garantir. Bem, preciso ir agora. Tenho uma pilha
enorme de correspondência esperando por mim no escritório.
O superintendente saiu, deixando um silêncio pesado na sala. Por um
momento, Peter Wingate olhou para a porta, como se quisesse ir atrás do dr.
Cook. Então, seus olhos frios e cinzentos voltaram-se na direção de Catherine,
fixando-se em seu cabelo loiro bem tratado, nos olhos de um azul cintilante e
na cintura fina.
Agora, não havia mais dúvida: a expressão daquele homem era de um
enorme desprezo. Ela corou de ódio.
— É bom que saiba, dr. Wingate, que eu também esperava uma pessoa
mais velha. Mas a sua idade realmente não me interessa. Nós todos somos
muito parecidos, quando usamos máscaras e uniformes. Só o tempo poderá
dizer alguma coisa a respeito da nossa eficiência. Agora, se me desculpar, vou
deixá-lo com a dra. Childs, porque tenho muita coisa para fazer. Alguma
instrução especial, doutor?
— Não, enfermeira-chefe. No momento, nada. Mas eu lhe garanto, idade
e temperamento são de vital importância numa enfermeira-chefe de cirurgia.
Se soubesse que a Gairdon tinha se afastado, não aceitaria este posto. De
qualquer modo, vamos ver o que acontece.
A primeira operação da lista era uma cirurgia de rins em um paciente da
ala de Sue Hickeyat. Catherine no fez um esforço para se controlar, enquanto
se dirigia à sala cirúrgica. O primeiro trabalho era difícil e perigoso. Respirou
fundo. Foi realmente desastroso que seu primeiro encontro com o novo
cirurgião tivesse acontecido em circunstâncias como as de ontem. O dr.
Wingate, sem sombra de dúvida, achava que ela era muito jovem para o cargo
e também bastante irresponsável. Mas podia ter-lhe dado uma chance para

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provar o contrário, antes de tirar suas conclusões. Franziu as sobrancelhas. Na
verdade, ele estava exagerando aquele incidente. Não podia ser tão antiquado
como parecia e, com certeza, já havia conhecido várias enfermeiras-chefe
jovens e eficientes.
Na parte principal da sala, Catherine certificou-se de que a mesa de
operações estava na posição correta e depois chamou a enfermeira Cleveland,
que estava prestando atenção ao modo como a enfermeira Holland esterilizava
os instrumentos. Tirando grampos da bolsa, prendeu o cabelo com cuidado,
para que o gorro esterilizado cobrisse completamente sua cabeça.
A enfermeira Cleveland não lhe deu a menor atenção e a enfermeira
Holland teve que avisar:
— Estão chamando você, enfermeira.
Ela virou-se, displicente, e enfrentou o olhar severo de Catherine.
— Você deve estar sempre alerta, enfermeira, se pretende continuar aqui
na sala de operações. Uma vida pode depender da prontidão com que você
age.
— Eu estava prestando atenção nas explicações da enfermeira Holland.
— Há tempo suficiente para aprender sobre suturas, o aprendizado será
feito à medida em que for praticando. Agora, quero que repare bem como a
enfermeira Smalley prende minha máscara e meu avental.
Catherine lavou as mãos e depois retirou um gorro esterilizado da gaveta
e prendeu-o na cabeça. Smalley amarrou então a máscara e prendeu o longo
avental branco, cuidadosamente.
— Agora, enfermeira Cleveland, quero que você faça exatamente o
mesmo para a dra. Childs. Não se esqueça de que não deve tocar em nada
esterilizado. Durante a operação, fique atenta ao modo como a enfermeira
Smalley prepara os tampões de gaze para que você possa substituí-la.
— Mas eu já sei como se faz isso.
Catherine gostava cada vez menos daquela moça:
— Essa é a sua primeira operação. Pode achar que sabe como se faz,
mas deve prestar atenção, para fazê-lo corretamente.
Tentando dissipar o aborrecimento que sentia, foi preparar os
instrumentos. Essa manhã já não havia começado bem, de qualquer maneira.
Neste momento, a dra. Childs e o dr. Wingate entraram na sala. Por um
momento, Catherine sentiu o coração bater rapidamente, mas ao ver o
paciente ser colocado na mesa, dominou os nervos e ficou dona da situação.
Junto com a dra. Childs, preparou o paciente e o dr. Wingate tomou posição.
Seguiu-se um momento de silêncio opressivo e o cirurgião olhou ao redor. Para
Catherine, pareceu que seu olhar se havia fixado por um momento na
enfermeira Cleveland, demonstrando uma sombra leve de reconhecimento e
compreensão.
Catherine sentiu-se confusa e aturdida. O que estaria acontecendo? Será
que eles já se conheciam ou era apenas a enfermeira Cleveland, tentando
atrair a atenção do novo cirurgião? Olhou para ele, enquanto pegava toalhas e
presilhas esterilizadas.
Nesse instante, Peter Wingate esticou a mão para receber o bisturi e
começou a operação. O incidente não durou mais do que alguns segundos e
ninguém, a não ser Catherine, pareceu ter notado. Enquanto a operação
prosseguia, gotas de suor brotavam na testa do cirurgião e Catherine sentiu

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que não eram apenas devidas ao calor. De quando em quando, pegava uma
toalha esterilizada e enxugava a testa dele. Então, seus olhos se encontraram
e Catherine se assustou com a expressão de angústia que viu neles. Logo em
seguida, porém, uma expressão cruel expulsou a angústia e ele se virou para o
paciente.
O que estaria acontecendo com o cirurgião? Catherine, por sua grande
experiência, tinha reconhecido habilidade e precisão de movimentos no dr.
Wingate. Por que, então, ele estava sob tensão? A operação transcorria
normalmente.
De repente, Peter pareceu vacilar. Para ela, já bem familiarizada com a
seqüência de uma operação, ele fez um movimento errado. Nesse mesmo
instante, a enfermeira Cleveland deixou cair o fórceps, chamando a atenção de
todos. Peter Wingate lançou um olhar irado na direção de Catherine; depois,
como se nada tivesse acontecido, a operação continuou. A cabeça dela estava
fervendo, apesar de, aparentemente, mostrar-se calma e controlada, como
sempre. Seria tudo apenas imaginação? Num mundo onde somente os olhos
ficavam expostos, Catherine tinha aprendido que um mero olhar pode
transmitir muito mais do que palavras.
Por fim, a operação terminou. Nunca se sentiu tão aliviada como nesse
momento. Até a dra. Childs pareceu perceber a tensão na sala durante a
operação. Tão logo a contagem dos tampões de gaze foi feita, ela disse:
— Pode deixar que eu termino, dr. Wingate. Vá tomar uma xícara de chá.
— Obrigado, dra. Childs.
Tirou as luvas e a enfermeira Cleveland se aproximou para ajudá-lo.
Depois disso, deixaram a sala.
Após hesitar por um momento, Catherine fez sinal para a enfermeira
Holland tomar seu lugar e, tirando o avental, dirigiu-se para a sala de estar,
usando ainda as botas de borracha. Estava se aproximando da porta, quando
ouviu vozes.
— Peter, querido, está tudo bem, agora. Você foi ótimo. Foi um teste
bem difícil, uma cirurgia renal, logo no primeiro dia. Mas tudo correrá bem,
daqui por diante.
Catherine ficou paralisada por alguns instantes. Aquela era, sem dúvida,
a voz da enfermeira Cleveland.
Depois disso, as palavras ditas pelo cirurgião deixaram-na ainda mais
assombrada.
— Sylvia, não posso continuar. No mesmo instante em que a vi… Oh.
Deus. Mesmo ontem à noite, tudo voltou à minha mente. E depois encontrá-la
aqui, no hospital, essa manhã! Se eu soubesse, nunca teria vindo para cá.
Sylvia, por que você não me preveniu? Você podia ter escrito ou telefonado.
— Mas, Peter, tudo aconteceu tão rápido. Oh, querido, eu achei que você
estava completamente recuperado daquele incidente horrível. Tudo ficará bem,
quando você se acostumar com ela. Ela é…
— Estou dizendo que não posso ficar! — ele interrompeu bruscamente. —
Aquele olhos azuis, o cabelo dourado, tudo nela. Não, vou falar com o dr. Cook
imediatamente e direi a ele que me recuso a trabalhar com a enfermeira-chefe
Manton.
Tremendo dos pés à cabeça, Catherine dirigiu-se para a cozinha,
enquanto a voz da enfermeira Cleveland ainda ecoava pela porta entreaberta

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da sala.

CAPITULO III

Catherine jogou-se sobre uma cadeira e, por um momento, um ódio


intenso dominou-a. Recusou-se a trabalhar com ela, baseado num pretexto tão
frágil! Era monstruoso. Além de tudo, como é que ele ousava falar sobre ela
daquele modo para uma de suas enfermeiras? Apertou os punhos. Era óbvio
que existia uma certa familiaridade entre ambos, mas como ela ia encarar a
enfermeira Cleveland depois disso?
Acima de tudo, qual seria a razão do aborrecimento dele? A operação
tinha sido perfeita e o desempenho do dr. Wingate foi magnífico.
A voz de Sylvia Cleveland podia ser ouvida mais nitidamente, agora, e
nesse momento ela entrou na cozinha. Catherine levantou-se e se encararam,
sem dizer uma única palavra. Orgulho e raiva tomaram conta de Catherine e
uma onda de calor subiu ao seu rosto. Foi Sylvia, no entanto, que quebrou o
silêncio.
— Não sabia que estava aqui. Vim fazer mais chá. O dr. Wingate não
está… se sentindo muito bem.
Catherine respirou fundo.
— Eu mesma faço o chá, enfermeira.
— Está bem! — Sylvia hesitou.
— Enfermeira! — Catherine chamou, quando a outra estava saindo. —
No futuro, não saia da sala de operação sem permissão.
— Percebi que algo não estava bem com o dr. Wingate e eu… Por favor,
tente compreendê-lo.
Após ter dito isso, ela saiu, sem dar tempo a Catherine para responder.
O que estava querendo dizer? O que havia para compreender, se ela estava
completamente no escuro enfrentando tamanha hostilidade?
Colocou água no chá e pegou a bandeja, esperando que Ray e os outros
estivessem na sala. Quando entrou, Peter Wingate estava sentado numa
cadeira, pálido e com os olhos fechados. Abriu-os, ao ouvir Catherine, e tornou
a fechá-los, como se não pudesse suportar sua presença.
— Seu chá, dr. Wingate. O senhor está… se sentindo bem? — perguntou,
com esforço. — Quer que eu vá buscar uma aspirina?
— Aspirina? Não, obrigado. — Olhou para ela, com surpresa. Aspirina,
pensou amargamente. Seria necessário muito mais do que isso para curar seu
sofrimento, e essa angústia ia continuar, enquanto tivesse que trabalhar com
essa mulher linda, de cabelo dourado. As últimas horas tinham sido um
pesadelo. Uma cirurgia renal na sua primeira manhã e… essa enfermeira-
chefe, incrivelmente parecida com Evelyn. Mesmo com a máscara, o avental e
o cabelo preso sob o gorro, era perturbadoramente bela.
Catherine sentiu-se aliviada, quando Ray e a dra. Childs entraram na
sala. Preparou mais duas xícaras de chá e saiu. Aparentemente, Ray já tinha
encontrado o dr. Wingate esta manhã, pois, ao entrar na sala, olhou Catherine
com ar divertido.
O resto da manhã transcorreu calmamente. Apesar de continuar pálido, o

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dr. Wingate pareceu estar recuperado da tensão inicial. Mal olhava para ela,
enquanto trabalhavam. Catherine observou que a enfermeira Cleveland não
tirava os olhos do cirurgião. Qual seria o grau de identidade entre eles? Ela o
havia chamado de "querido". Será que estavam secretamente comprometidos?
Às duas horas, Catherine foi almoçar e aproveitar seu período de
descanso. Tirou o uniforme e se jogou na cama. Neste instante, Susan entrou.
— Bem, o que você achou dele? — perguntou, sem hesitar.
— Não me pergunte nada sobre essa manhã. Estou feliz por já ter
passado — disse Catherine, respirando fundo.
Susan sentou-se na cama e ignorou o pedido da amiga.
— Mas o que foi que aconteceu? Ele me pareceu uma ótima pessoa. Um
pouco tenso, pode ser, mas alguns cirurgiões são assim mesmo. Isso não tem
importância; seu charme e sua aparência valem muito mais.
— Ele é todo seu. Já mostrou claramente que não gosta de mim, nem
como pessoa nem como enfermeira-chefe.
Contou a Susan o que tinha acontecido.
— Ele esperava encontrar a enfermeira Gairdon no meu lugar. Acha que
sou muito jovem e leviana, e, por isso, incompetente.
— O que você e Ray estavam fazendo quando o dr. Wingate apareceu?
— Nada de mais. Eles estava um pouco romântico e me beijou. O mais
engraçado é que… foi a primeira vez. — Catherine disse, corando. — De
qualquer modo, o dr. Wingate já formou opinião sobre mim e parece que vai
falar com o dr. Cook para ir embora.
Susan encarou-a, incrédula.
— Mas… mas o que é que acontece com esse homem? Tanto drama por
causa de um simples incidente!
— Ah, eu ia esquecendo. Ray tentou consertar um pouco a situação e
disse que eu era noiva dele.
— Estava falando sério?
— Claro que não!
— E o que tem a enfermeira Cleveland com essa história toda? Não estou
entendendo nada.
Sabendo que podia confiar cegamente em Susan, Catherine contou-lhe
tudo.
— Acho que existe algo mais, além do fato de ele me ter visto beijando
Ray. Durante a operação, estava muito tenso.
— Eu não notei nada. Ele me pareceu bastante competente.
— Concordo com você. Nunca vi uma operação mais bem feita do que
aquela. Ele manteve um controle perfeito, é por isso que ninguém percebeu
nada. Sinto pena dele. Parece que está lutando contra alguma coisa terrível.
Gostaria de saber por que deixou o hospital de Londres.
As noites na ala cirúrgica eram sempre tranqüilas. As operações de
rotina terminavam geralmente às seis horas e as noites eram destinadas aos
preparativos para o dia seguinte. Catherine estava no anexo da sala cirúrgica,
arrumando os instrumentos, quando Ray abriu a porta.
— Oi, beleza. Tem chá pronto?
— Se você voltar em dez minutos… Mas que risadas são estas?
— É a enfermeira Warren, dando explicações práticas à enfermeira
Cleveland, na sala cirúrgica — disse Ray, abraçando-a. — A enfermeira

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Gairdon nunca iria permitir esse tipo de coisa.
— Pode ser que não, mas um pouco de distração não faz mal a ninguém.
Durante as operações, é necessária muita concentração e elas precisam
relaxar de vez em quando.
As risadas soaram mais alto e, nesse instante, Peter Wingate abriu a
porta e entrou na sala. Viu então duas enfermeiras lutando para colocar Sylvia
Cleveland na mesa de operação e a enfermeira-chefe nos braços do dr. Ray.
Catherine notou uma expressão de desprezo em seu rosto, antes dele sair,
batendo a porta.
— Oh, não! Esta é a segunda vez… e justo aqui, na sala cirúrgica! O que
será que deve estar pensando de mim?
— Não deve se preocupar. O que você faz, fora do horário de serviço, é
problema seu.
— Preciso ver o que aquelas enfermeiras estão fazendo. — Foi até a sala
de operações. — Que barulho é esse?
A enfermeira Wood fez uma cara inocente:
— Eu estava apenas mostrando à enfermeira Cleveland as posições na
mesa de operações.
— Vamos parar com isso! Quero que você agora ensine como preparar
uma anestesia raquidiana. Espero que isso seja possível com um pouco menos
de barulho!
— Sim — e a enfermeira Wood saiu, apressada.
— O que será que o dr. Wingate queria? — Catherine perguntou, quando
ela e Ray estavam tomando chá.
— Acho que não era muito importante. Se fosse, ele teria dito, não acha?
Catherine lembrou-se de repente da conversa que tinha ouvido entre o
dr. Wingate e a enfermeira Cleveland. Será que o cirurgião tinha aparecido
naquela hora para falar com ela? Depois de Ray sair, pegou o telefone.
— Por favor, pode chamar o dr. Wingate para mim? — pediu à
telefonista.
— Alô, aqui quem fala é o dr. Wingate.
— Aqui é a enfermeira-chefe. Eu… gostaria de saber se havia algum
recado urgente para mim.
— Sim, havia — ele disse, enérgico. — Se não fosse por isso, não teria
entrado na sala cirúrgica. Mas consegui as informações que queria com outra
pessoa.
— Dr. Wingate… eu sinto muito o senhor ter aparecido naquela hora. Mas
posso assegurar que…
— Não precisa se dar ao trabalho de explicar — ele interrompeu. — Eu
entendo. De agora em diante, telefonarei sempre que quiser saber alguma
coisa. É sempre embaraçoso estar interrompendo essas… essas cenas de
amor.
A essa altura, Catherine mal podia controlar a raiva.
— Boa-noite, dr. Wingate. — Desligou, sem lhe dar chance de dizer mais
nada.
Que homem impossível, pensou, indignada. Por que justamente ele teve
que aparecer naquele momento?
Claro que estava pensando o pior dela.
Na manhã seguinte, Peter Wingate procurou o superintendente.

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— Sinto muito, dr. Cook, mas acho que será impossível para mim
trabalhar aqui.
— Mas, caro colega, qual é o problema? Não saiu nada errado na sala
cirúrgica ontem e as operações foram todas bem-sucedidas, não é verdade?
— Quanto às operações, não houve problema algum. É porque não quero
trabalhar com uma enfermeira-chefe tão jovem.
— Bobagem! Se a enfermeira Manton não fosse tão capaz, não teria sido
indicada para o cargo. Pode ser jovem, mas conhece bem o trabalho. Não
existe nenhuma outra razão, não é?
Peter permaneceu calado. Um certo cavalheiro proibiu-o de comentar
qualquer coisa que pudesse refletir sobre a reputação da enfermeira Manton.
De qualquer modo, podia estar errado! As aparências podem enganar, e o que
ela fazia fora do serviço não era problema seu. Mas aqueles olhos azuis
inocentes, aquele cabelo dourado e a meiguice encantadora é que o levaram a
sair completamente do sério. O problema estava dentro dele mesmo, mas
como podia explicar isso ao dr. Cook? Tinha que ir embora e acabar com esse
sofrimento. Não podia se arriscar a sofrer novamente.
— Não. Não existe outra razão.
O superintendente estava curioso. Era óbvio que havia outra razão, mas
o homem se recusava a contar.
— Nesse caso, sr. Wingate, tenho que mantê-lo aqui por um mês. É
praticamente impossível encontrar um cirurgião qualificado num prazo menor
do que esse.
— Muito bem, dr. Cook. O senhor poderia então, por favor, efetivar meu
pedido de demissão para daqui a um mês? Sinto muito criar-lhe problemas,
mas, se a atual enfermeira-chefe continuar no cargo, não poderei ficar.

CAPITULO IV

— Cirurgiões e enfermeiras-chefe capazes e eficientes são difíceis de


encontrar. — O dr. Cook murmurou, enquanto Peter fechava a porta. —
Talvez, depois de trabalharem juntos por alguns dias, ele mude de opinião.
Gostaria de saber o que realmente tem contra a moça, além da sua idade.
Mas no dia seguinte eles não se encontraram. Só havia cirurgias
ginecológicas marcadas, e Catherine acordou aliviada: Peter Wingate não
estaria operando. O trabalho foi pouco, de forma que, por volta das três horas,
tudo estava terminado. Sentia-se feliz; era seu fim de semana de folga e, esta
noite, ia jantar com sir John. Ray não estava sabendo de nada e. como
sempre, apareceu no último instante, convidando-a para sair.
— Vamos ao teatro hoje à noite, Cathie? Tenho duas entradas.
— Não posso, Ray. Sinto muito.
— Por que não?
— Já tenho outro compromisso. — Riu, ao ver seu olhar de surpresa. —
Você sempre espera o último minuto para…
— Mas você normalmente não tem muitos compromissos — protestou.
— Não, mas hoje eu tenho. Por que não convida Sue para ir com você?
Esta noite ela está de folga também.

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— É, talvez. Mas agora quero saber quem é o meu rival.
— Só vou jantar com sir John Watkins. Ele me convidou, no começo da
semana. — Riu, maliciosa. — No futuro, se você quiser ter a honra da minha
companhia, é melhor me convidar com bastante antecedência.
— Verdade mesmo?
Catherine sorriu, satisfeita, enquanto ele saía.
— Ray me convidou para ir ao teatro. Imagino que você não quis sair
com ele — Susan falou, ao se encontrarem na hora do chá.
— Hoje eu tenho um jantar com sir John.
— Então, é isso. Bem, não me importo. Além do mais, o novo cirurgião
me agrada. Ele foi simpático comigo esta manhã, enquanto visitava os
pacientes.
— Deve ser a cor do seu cabelo… ou dos seus olhos. O cavalheiro
definitivamente não gosta de loiras — Catherine disse, com tristeza.
— Divirta-se bastante esta noite! — Susan saiu, jogando um beijo para
ela.
Catherine foi para o quarto se arrumar. Ficou satisfeita ao lembrar que
tinha guardado um vestido social para ocasiões como aquela. O preto
destacava seu cabelo dourado. O vestido com um decote ousado nas costas
não precisava de enfeites, a não ser um broche de ouro que havia pertencido à
sua mãe. Jogou um casaco cor de gelo nas costas e saiu à ala residencial do
hospital. Nesse exato momento, viu o carro de sir
John aproximar-se. Catherine imaginou quantas pessoas estariam
espiando aquela cena pela janela.
Sir John desceu e abriu a porta para ela.
— Boa-noite — disse, olhando-a com aprovação. — É bom ver você sem
aquele uniforme. Está linda!
— Obrigada, sir John.
Ele também parecia ainda mais distinto com aquele terno escuro.
— Meus amigos chamam-me simplesmente de John. Espero que você
faça o mesmo.
— Vou tentar! Falando nisso, meus amigos chamam-me de Cathie ou
Catherine. Pode escolher!
— Está bem, eu prefiro o último.
Não ficou surpresa, quando John estacionou o carro em frente de um dos
restaurantes mais elegantes da cidade. Era um local imponente, e o porteiro
veio imediatamente abrir a porta do carro. O ambiente era luxuoso e Catherine
ficou encantada. Gostou de pisar no tapete macio, ser atendida por um garçom
uniformizado e estar acompanhada por aquele homem respeitado. Num canto
do restaurante, um conjunto tocava músicas românticas e a iluminação era
suave e aconchegante.
John sorriu para ela e pegou o menu que o garçom oferecia.
— Algum pedido particular, Catherine?
— Não, John, obrigada. Depois de viver seis anos no hospital, aprende-se
a comer de tudo.
Era uma noite quente e eles pediram melão, salmão defumado e salada
de peru, seguida de uma sobremesa maravilhosa, feita de morangos e
framboesas regados com champanha. Catherine nunca havia experimentado
nada tão refinado. Como deve ser maravilhoso ser realmente rico, pensou.

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Sir John observou seu rosto radiante.
— Devo estar parecendo pouco sofisticada para você, não é?
— Depende do que entende por sofisticação. Em você, ela é honesta e
natural.
— Oh, obrigada. Está sendo muito gentil.
O café foi servido e eles passaram uma hora agradável, conversando
sobre livros, música, teatro e viagens.
— Não fiz muitas viagens — Catherine disse. — Minha amiga, Sue
Hickey, e eu fomos a Paris no ano passado, mas viagens ao exterior são um
tanto caras para simples enfermeiras.
— Você não recebe ajuda de seus pais?
— Oh, não — riu Catherine. — Minha família não é rica. De qualquer
maneira, prefiro me sustentar sozinha.
— Já pensou em trabalhar no exterior?
— Não. Adoro a Inglaterra.
— Talvez você se case com alguém que possa levá-la ao exterior, só
para passear.
De repente, sir John parou de falar e fixou a vista em uma mesa do outro
lado do restaurante.
— Desculpe, Catherine. Pensei ter visto alguém conhecido. Acho que é
alguém lá do hospital. Olhe, aquele casal sentado no canto — Catherine virou-
se e viu Peter Wingate e Sylvia Cleveland.
— Você os conhece? — John perguntou, ao ver a mudança de expressão
no rosto dela.
— A moça é uma de nossas enfermeiras e o homem que está com ela é o
novo cirurgião, dr. Peter Wingate.
— Será que eles já se conheciam?
— Eu… eu não sei — respondeu, virando-se rapidamente, para que eles
não a vissem. Mas era tarde: tanto o médico quanto a enfermeira a
reconheceram.
— Lá está ela, novamente — Peter Wingate disse, com arrogância. —
Será que não tem jeito de ficar longe dela? Há poucos dias atrás, estava tendo
um caso com um homem. Agora, está aqui, jantando com outro
completamente diferente.
— Ele é médico do hospital — Sylvia explicou. — Peter, você não acha
que está sendo injusto com a enfermeira-chefe? Tenho certeza de que está
enganado com relação a ela.
— Será?
— Sim, você está. — Sylvia respondeu com ênfase. — O certo seria
cumprimentá-los agora. E óbvio que nos viram. Acho que sir John está
mandando um recado pelo garçom.
No minuto seguinte, o garçom se aproximou da mesa:
— Sir John os cumprimenta e convida para que se juntem a eles.
Catherine teria feito qualquer coisa para evitar esse encontro. Seu
coração batia, acelerado, enquanto o casal atravessava o salão na direção
deles. Sylvia usava um vestido verde-musgo de seda e um colar de jade
magnífico. John levantou e puxou uma cadeira para que ela se sentasse.
— Boa-noite, enfermeira — Peter disse, sorrindo com ironia. — Pelo
visto, encontramo-nos novamente.

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Catherine corou e apresentou prontamente a enfermeira Cleveland e o
cirurgião a sir John. Era óbvio o que Peter Wingate estava pensando. Por duas
vezes, ele a havia encontrado nos braços de Ray; agora, estava ali, jantando
com outro homem.
Sylvia parecia inteiramente familiarizada com aquele ambiente fino e
também se sentindo à vontade com sir John. O resto da noite transcorreu
tranqüilamente, apesar da tensão existente no ar.

Na manhã seguinte, Catherine juntou-se a Susan para tomar café.


— Como é, você e Ray se divertiram bastante, ontem à noite?
— Oh, sim, foi uma noite agradável. A peça era boa e terminamos a
noite no Phoenix. Mas acho que seu jantar com sir John deve ter sido muito
mais excitante.
— Fomos jantar no Adelphi e, adivinhe só? — disse, com um suspiro
profundo. — O dr. Wingate estava lá.
— Que azar, Cathie! Primeiro ele encontra você nos braços de Ray e,
logo em seguida, encontra você jantando com sir John. Bem, mas não deve se
preocupar. Afinal de contas, o que você faz nas horas de folga não é da conta
dele.
— Não estou preocupada. O fato é que nosso encontro de ontem à noite
contribui ainda mais para ele me considerar leviana e irresponsável.
Ela se preocupava com a opinião de Peter Wingate mais do que queria
admitir. Catherine ficou chocada ao saber, através de Matron, que ele tinha
falado com o dr. Cook e pedido demissão.
— Parece que ele tem uma certa fobia por enfermeiras jovens. Esperava
encontrar a velha Gairdon trabalhando aqui — Matron disse.
— Sim, eu também acho. — Catherine sentiu uma onda de raiva se
apoderar dela. — Será que ele gostaria que eu me demitisse? — falou, com o
rosto corado.
Matron olhou-a, com calma.
— Talvez ele preferisse, enfermeira, mas não vejo motivo para você
fazer isso. É realmente uma pena. É um cirurgião extremamente competente,
mas se não consegue se livrar desse preconceito absurdo, a única coisa que
tem a fazer é ir embora. Só espero que a gente consiga encontrar um outro
cirurgião, só isso!
Catherine sentiu-se confortada pela lealdade de Matron, mas mesmo
assim se achava culpada pela saída de um médico competente e necessário
para o hospital.
Magoada com a atitude injusta e sem propósito de Peter, teve uma raiva
enorme dele. Então, a considerava muito jovem… irresponsável. Em resposta a
tudo isso, tornou-se mais agressiva no trabalho.
Inconscientemente, sua atitude para com a enfermeira Cleveland ficou
mais severa. A falta de atenção com que a jovem trabalhava e a atitude
arrogante para com os outros irritavam Catherine ao extremo. Não estava
sendo injusta de propósito; mas, provocada pela atitude de Peter Wingate, seu
comportamento mudou. Tornou-se severa na sala de operações, enquanto
mostrava uma alegria falsa fora dela. Se ele a considerava leviana e
irresponsável, porque não agir de acordo, pensou, com provocação. No fundo,
porém, sabia que estava agindo errado, toda vez que ria com desembaraço na

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frente de sir John, ou quando segurava a mão de Ray; e até mesmo quando
ria e conversava demais com anestesistas e outros médicos.
Na sala de operações não havia mais aquele ambiente alegre e
descontraído, de que ela tanto se orgulhava. Agora, a tensão era permanente.
Estava vagamente consciente de que Peter Wingate era a causa de toda aquela
mudança de atitude. Alguma coisa, em algum lugar, devia ter acontecido para
amargurá-lo daquela maneira. O pior de tudo é que ela estava permitindo que
essa amargura tomasse conta da sala cirúrgica e também dela mesma. Tudo
isso ia acabando com as coisas que achava importantes na vida: sua
confiança, sua paz interior e sua calma.
Muitas vezes, quando estava rindo e brincando, sentia que Peter Wingate
olhava tudo com desprezo.
— O que está acontecendo com você, ultimamente? — Ray perguntou,
um dia. — Nunca a vi tão esquisita… contraditória.
— Não é nada, Ray.
— Querida, eu só quero ajudar. — Ray deu-lhe um beijo rápido, mas não
o suficiente para impedir que Peter os visse, pela porta entreaberta.
Depois que ele saiu, Catherine, levada pela raiva que sentia, disse a
Peter:
— Ouvi dizer que vai nos deixar no fim do mês, é verdade, dr. Wingate?
Olhou-a com surpresa e ao mesmo tempo arrogância, ao ouvir a
pergunta indelicada.
— Sim, enfermeira-chefe, é verdade — respondeu, friamente.
— Sinto muito.
— Por quê? — ele riu, irônico.
— Sinto muito que não goste daqui, especialmente de mim.
— O que está querendo dizer com isso? Por acaso está pretendendo
somar mais uma conquista à sua lista? Sinto ter que desapontá-la, mas você
não faz o meu tipo.
— Como ousa, dr. Wingate! — ela corou. — Você é a pessoa mais rude,
mais detestável que já conheci.
Ele saiu da sala, deixando Catherine furiosa.

CAPITULO V

Nos dias seguintes, Catherine notou que o cirurgião se tornava mais e


mais intolerante. Qualquer motivo era suficiente para mostrar que não gostava
dela. Sua aversão era tão evidente, que logo todo mundo (inclusive os
pacientes) percebeu.
Um dia, Catherine voltava com Susan para o hospital, depois de uma
tarde inteira de compras, quando teve o maior choque de sua vida. O ônibus
não estava muito cheio e a conversa de duas mulheres, sentadas no banco da
frente, chegava claramente até elas. No início, a conversa estava até bem
divertida.
De repente, Catherine prestou mais atenção, ao escutar o nome do
hospital ser mencionado. A filha de uma das mulheres estava internada lá para
ser operada. Sentiu o sangue gelar quando uma delas disse:

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— O hospital contratou um novo cirurgião. Dizem que ele é ótimo, só que
parece que não vai ficar.
— Por quê?
— Dizem que não gosta da enfermeira-chefe encarregada da sala
cirúrgica. Parece que ela é muito jovem e um bocado leviana.
Susan e Catherine entreolharam-se, em silêncio, enquanto a mulher
continuava:
— É uma vergonha!
— Mas não podem mudar essa fulana de setor e substituí-la por outra
mais velha? Afinal de contas, o cirurgião é muito mais importante!
As duas desembarcaram no ponto seguinte e Susan colocou a mão no
ombro de Catherine.
— Não ligue para elas, Cathie. Não sabem o que estão falando. Tenho
certeza de que ouviram apenas um boato sobre o assunto e estão exagerando
tudo.
Catherine desceu do ônibus em silêncio. Nunca tinha se sentido tão
humilhada na vida. Só de pensar que até pessoas fora do hospital sabiam o
que Peter Wingate achava dela! Teve vontade de sumir e nunca mais encarar
ninguém de frente. Susan pegou o braço dela e olhou, com preocupação, a
expressão rígida de seu rosto.
— Isso não quer dizer nada, Cathie — tentou consolar. — Foi muito azar
nos sentarmos justamente atrás daquelas duas fofoqueiras. As pessoas falam
muito, mas isso não quer dizer nada. Daqui a algumas semanas, toda essa
história vai estar esquecida. Não deixe que isso atrapalhe você, por favor.
Vamos lá, anime-se. Não se esqueça de que vai sair com sir John esta noite.
Catherine tentou responder, mas a voz não saiu.
— Já sei, vamos tomar chá no meu quarto, em vez de descermos até o
refeitório — disse Susan, sabendo como a amiga estava envergonhada.
Só depois de Susan ter trazido o chá, é que Catherine desabafou.
— Sue, oh Sue, tudo isso é tão injusto — murmurou, cobrindo o rosto
com as mãos. — É horrível saber que todos estão falando de mim desse modo.
Sue, não posso continuar trabalhando aqui. Acho que terei que ir embora.
— Cathie, não fale assim. O único jeito é tentar esquecer.
Catherine levantou o rosto, e em seus olhos havia tristeza e dor.
— Mas, Sue, como posso esquecer? No fundo, é verdade o que estão
comentando por aí. Se não fosse por mim, ele ia ficar trabalhando aqui.
— Mas, Cathie, antes da chegada dele, a ala cirúrgica sempre funcionou
perfeitamente. Se quer ir embora, deixe-o ir. Sir John e os outros médicos
gostam do modo como você dirige tudo. Então, para que se aborrecer?
— Não adianta, Sue. Vou mandar meu pedido de demissão.
— Escute, Cathie, o que é que vai adiantar você tomar essa atitude?
Peter Wingate já se demitiu e o dr. Cook deve estar procurando um novo
cirurgião para substituí-lo.
— Mesmo que entre um novo médico em seu lugar, as pessoas
continuarão a falar que Peter Wingate se demitiu por minha causa.
— Que tal discutir esse assunto com sir John, hoje à noite? — Susan
disse, com um suspiro. — Ele pode sugerir algo, ou talvez até conversar
pessoalmente com Peter Wingate. Alguém tem que tentar.
Catherine balançou a cabeça, com determinação.

22
— Não permitirei que John fale com ele, de jeito algum. De qualquer
modo, uma simples conversa não vai resolver nada.
Catherine não tinha intenção nenhuma de contar a sir John nada do que
estava acontecendo. Gostaria até de cancelar o programa daquela noite. Não
adiantava telefonar para o apartamento de John, pois ele estava em Londres e
viria direto para o hospital.
Ao se encontrarem, ele logo percebeu que algo a aborrecia, apesar do
esforço que fazia para tentar esconder. Deram um passeio pelo campo e
pararam num restaurante rústico, para jantar. No caminho de volta, sir John
parou o carro num mirante, de onde se podia avistar um vale profundo,
entrecortado por um riacho de águas límpidas. Segurou o queixo de Catherine
e olhou-a fixamente nos olhos.
— Qual é o problema? Você está parecendo outra pessoa, esta noite.
Virou-se, surpresa por ele ter percebido uma mudança em seu
comportamento, apesar de ter-se esforçado tanto para disfarçar. Ao ver a
expressão de bondade e compreensão em seu rosto, Catherine sentiu os olhos
se encherem de lágrimas.
— Querida — ele falou, preocupado. — O que está acontecendo?
— John, oh, John, eu… eu estou me sentindo muito infeliz.
Acariciou o cabelo dela e abraçou-a, sentindo algo mais profundo do que
simples compaixão.
— É Wingate que está preocupando você? Notei que anda tensa, desde a
chegada dele.
— É bobagem, eu sei, mas, por alguma razão, ele não me suporta. —
Preferiu não contar a John sobre seu primeiro encontro com Peter Wingate. —
Por minha causa, ele pediu demissão.
— Ouvi alguma coisa a respeito. Mas Catherine, você não está aborrecida
porque ele vai nos deixar, não é?
Contou-lhe, então, sobre a conversa que tinha ouvido entre aquelas duas
mulheres, no ônibus.
— De qualquer maneira, John, sinto que a única coisa a fazer é pedir
demissão. Aí talvez o dr. Wingate resolva ficar.
— Você não pode fazer isso! A sala cirúrgica não será a mesma, sem
você. Além disso, estou apenas começando a conhecer você melhor. Não deve
ligar para o que aquelas mulheres fofoqueiras disseram. Oh, não! Nós não
podemos permitir que você vá embora. Deixe Wingate ir, se é tão estúpido de
duvidar da sua eficiência. Aquele sujeito deve ser maluco. — Ficou pensativo
por alguns minutos, depois continuou. — Sabe, Catherine? Tem alguma coisa
esquisita naquele sujeito: parece estar sempre tenso. Não há dúvidas de que é
um ótimo cirurgião, mas, se você pensar bem, tem alguma coisa errada nele,
não concorda?
— Sim, é verdade. Desde o primeiro instante em que ele me viu,
mostrou claramente que não me aprovava.
— Como pode alguém desaprová-la, logo no primeiro encontro? — disse
John, sorrindo. — A única coisa que pode explicar essa atitude dele é que
talvez você o faça lembrar de outra pessoa. Quem sabe, já trabalhou com
alguma enfermeira-chefe jovem e não se davam bem.
— Talvez seja isso, mas o que posso fazer? — Catherine suspirou.
— Não faça nada. Sei que deve ser duro para você, mas fique firme. No

23
hospital, todo mundo gosta de você. Quem sabe Wingate supera esse
preconceito, antes de ir embora? Se não, deixe-o ir.
Ao ouvir isso, Catherine sentiu, de repente, que não queria que o
cirurgião fosse embora. Nesse instante, percebeu que estava querendo cada
vez mais conquistar sua aprovação e estima. Sabia que o preconceito de Peter
Wingate em relação a ela era mais pessoal do que profissional.
Catherine sentiu um peso na consciência, ao lembrar seu comportamento
impróprio na sala cirúrgica. Quem sabe, se fizesse mais esforços para provar
que era eficiente, em vez de provocá-lo, ele mudasse de atitude. De qualquer
maneira, não ia pedir demissão e se esforçaria para agradá-lo. Não havia razão
nenhuma para que não trabalhassem juntos.
O que havia de errado com ele? perguntou a si mesma, pela centésima
vez. Por que não gostava dela? Se pelo menos tivesse meios de descobrir,
talvez pudesse ajudá-lo e, com isso, trazer a tranqüilidade novamente à sala
de operações. Além disso, se Peter Wingate e ela continuassem no hospital, as
fofocas acabariam.
Na esperança de encontrar um plano que a ajudasse a resolver esse
problema, foi conversar com Sue.
Foi a amiga que surgiu com uma boa idéia. Lembrou-se, de repente, de
uns folhetos que tinham sido distribuídos, sobre uma série de conferências e
filmes a respeito de técnicas cirúrgicas e de enfermagem.
As conferências iam ser em Londres.
— Que tal você se inscrever? Com certeza, várias enfermeiras do
Hospital St. Chad estarão lá e você poderá descobrir alguma coisa.
— É uma ótima idéia, Sue. Mas como vou saber quais são as enfermeiras
do St. Chad? E será que Matron vai me deixar viajar?
— Claro que vai. Ficará encantada ao saber de sua vontade de aprender
ainda mais. Agora, para descobrir quais são as enfermeiras do St. Chad, você
terá que se informar e bancar a detetive.
A idéia tinha parecido magnífica no começo. Agora, Catherine estava em
dúvida se devia ir até o fim.
— Não comece a desanimar — disse Susan, com firmeza. — Você está
fazendo tudo isso por uma causa justa, não por mera curiosidade. Queria
muito poder ir com você, mas uma das minhas enfermeiras vai sair de férias
na semana que vem.
A oportunidade parecia realmente boa, pensou Catherine, e, mesmo se
não descobrisse nada, poderia descansar.
Matron ficou contente ao saber que Catherine estava interessada em
participar das conferências.
— Tenho certeza de que vai aprender muita coisa. Quero que depois me
ensine tudo sobre tratamentos cirúrgicos. A enfermeira Holland ficará em seu
lugar.
— Obrigada, Matron.
Catherine seguiu para Londres na noite de domingo. Ray e Susan
levaram-na de carro à estação.
— Não consigo entender qual a graça que você acha em ouvir um monte
de conferências chatas e assistir a operações sangrentas na tela. É imaginação
minha, ou há outro motivo para essa viagem?
Ray encarou Catherine, com reprovação, enquanto esperavam o trem de

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Londres chegar na estação.
Percebeu o olhar de advertência que ela lançou para Susan.
— Pode deixar que eu faço Sue contar tudo, quando você estiver em
Londres — ameaçou.
— Se você disser qualquer coisa a ele, não vou perdoar nunca —
Catherine murmurou para a amiga, quando o trem se aproximou.
Ao contrário do que Ray tinha previsto, Catherine achou as conferências
e os filmes bem interessantes.
Encontrou duas enfermeiras que tinham trabalhado com ela no Hospital
St. Anne. Uma delas era Carol Smith, uma jovem morena e simpática.
— Oi, Manton! Fico contente em ver você por aqui. Venha tomar chá
comigo e matar as saudades dos velhos tempos. Ainda está trabalhando no St.
Anne?
— Oh, sim. Fui promovida à enfermeira-chefe da ala cirúrgica.
— Isso é maravilhoso! Quer dizer, então, que a enfermeira Gairdon se
aposentou?
Pararam numa confeitaria e pediram chá com bolo. Catherine foi
bombardeada com perguntas sobre todo o pessoal do hospital que Carol
conhecia.
— Bem, e você? Onde está trabalhando agora? Não contou nada sobre a
sua vida, ainda.
— Ah, estou no St. Chad. Desculpe não ter falado, mas pensei que você
soubesse.
— No… no St. Chad, aqui em Londres? — Catherine perguntou, sentindo
o coração bater apressado.
— É claro que é aqui em Londres. Que eu saiba, só existe um hospital
com esse nome — Carol riu. — Honestamente, Catherine, não sei como pode
continuar trabalhando no interior. Londres é muito mais divertida e excitante!
— Parece que um de seus cirurgiões foi trabalhar conosco… acho que se
chama Wingate. Você o conhece? — perguntou, sentindo um nó na garganta.
— Peter Wingate? Oh, sim, é claro! Só não sabia para onde tinha ido.
Eles mantêm as coisas sempre em segredo. De fato, havia boatos estranhos
por aqui, antes dele ir embora.
— Que tipo de boatos? — insistiu, quando Carol hesitou em responder. —
Ora, não vou contar para ninguém!
— Eu sei disso. Você não é do tipo fofoqueiro. — Ela ficou em silêncio por
um instante, depois disse, seus olhos percorrendo o rosto de Catherine.
— É estranho, mas Kilster, a enfermeira-chefe da ala cirúrgica do St.
Chad, é muito parecida com você. — Catherine tentou sorrir. — Eles estavam
noivos — Carol completou.
O coração dela deu um salto.
— Eles ainda estão noivos?
— Não. Terminaram o noivado um pouco antes dele ir embora.
— Então é por isso que ele não suporta a minha presença — Catherine
disse, tristemente.
— Acho que não quer se lembrar dela.
— É verdade. Desde o primeiro instante em que me viu, mostrou que
não gostava de mim.
— Acho que a coisa não é tão simples assim — Carol falou, franzindo a

25
testa. — Parece que houve alguma coisa terrível na sala cirúrgica. Não sei os
detalhes, porque não estava no hospital nesse dia. De qualquer maneira,
parece que um paciente morreu na mesa de operação.
Catherine sentiu o sangue gelar nas veias.
— Carol, deve ter sido horrível para Peter Wingate. Mas, com certeza.
não foi culpa dele, não é?
— Não, é claro que não! Bill Roderick, o médico-assistente, disse que o
homem teria morrido de qualquer maneira. Mas, mesmo assim. Peter Wingate
ficou tão abalado que pediu demissão logo em seguida.
Catherine sentiu uma pena imensa de Peter. Se toda essa história era
verdade, e ela não estava duvidando, então tudo estava explicado. Pelo menos
quase tudo.
— A enfermeira-chefe teve alguma culpa?
— Não, que eu saiba. Ninguém foi culpado pelo que aconteceu. — Carol
disse, balançando a cabeça.
Catherine ficou sentada por alguns minutos no mais completo silêncio.
Era difícil assimilar, de repente, toda aquela história terrível. Por que será que
tinham terminado o noivado e qual dos dois teria tomado a iniciativa?
— Apenas por curiosidade: qual era a operação?
— Cirurgia renal.
— Cirurgia renal! — Encarou Carol, com espanto.
— Que importância tem isso?
— A primeira cirurgia que o dr. Wingate teve que fazer no St. Anne foi
uma cirurgia renal — Catherine respirou fundo.
— Oh, não! Pobre doutor!
As duas combinaram se encontrar no dia seguinte. As luzes do auditório
mal tinham sido acesas, após a exibição deum filme sobre operações
cardíacas, quando Carol segurou o braço de Catherine.
— Olhe, lá está Evelyn Kilster. Quer conhecê-la?
Carol apontou para uma jovem sentada um pouco mais à frente. A
primeira reação de Catherine foi fugir. De algum modo, temeu encontrar essa
mulher que havia significado tanto para Peter Wingate.
Provavelmente, continuava a significar muito para ele. Se não fosse por
isso, não teria reagido de modo tão violento ao encontrar outra mulher que o
fizesse se lembrar dela.
Antes que pudesse responder à pergunta de Carol, Evelyn Kilster vírou-
se para trás e Catherine viu uma mulher tão parecida com ela mesma que
ficou quase sem fala.
Carol pegou no braço de Catherine e levou-a ao encontro de Evelyn.
Tinham a mesma altura, o cabelo da mesma cor e os mesmos olhos azuis
cintilantes. A semelhança, porém, parava aí. Os olhos de Evelyn eram frios e
duros e em sua boca faltava o sorriso que era tão espontâneo em Catherine.
Depois de apresentá-las, Carol sugeriu que fossem todas tomar café e se
dirigiram para a cantina.
Enquanto esperavam pelo café, um homem virou-se, com duas xícaras
na mão. Olhou primeiro para Catherine, depois para Evelyn, como se não
estivesse acreditando nos próprios olhos, e empalideceu.
Catherine sentiu uma onda de espanto se apoderar dela. Era Peter
Wingate.

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CAPÍTULO VI

Evelyn foi a primeira a se refazer do susto. Deu uma risada, divertida.


— Peter! Nunca pensei encontrar você aqui.
Peter permanecia tenso, enquanto continuava a olhar de uma para a
outra. Foi Carol que quebrou a tensão.
— Que bom encontrá-lo novamente, dr. Wingate.
— Obrigado, enfermeira. — Ele olhou para as duas xícaras que segurava
e, com um gesto rápido, ofereceu-as a Evelyn e Catherine. — Fiquem com
estas. Vou buscar mais duas. — Virou-se para o balcão.
— Oh, aí vem o dr. Roderick — Carol disse, com alívio, quando um jovem
alto e simpático abriu caminho na direção delas. Catherine olhou para Evelyn,
que parecia estar adorando a situação. Ela, no entanto, estava preocupada
com Peter. Era embaraçoso para ele ser defrontado com duas mulheres que
tinham afetado tanto sua vida. Acima de tudo, sentia um grande desejo de
salvá-lo de novos sofrimentos e dissabores.
— Vamos tomar nosso café lá na mesa do canto, Evelyn? — sugeriu. Pelo
menos lá, Peter estaria longe da presença delas.
Evelyn pareceu querer recusar, mas depois aceitou, com um pequeno
sorriso. Sentaram-se à mesa do canto, após atravessar a multidão que se
encontrava na cantina.
— Estou realmente curiosa para saber como você conheceu Peter —
disse Evelyn. — Foi estranho nos encontrarmos aqui.
— Não é tão estranho assim. Em ocasiões como estas, encontra-se
sempre velhos amigos. Está gostando das conferências?
Catherine sentiu que Evelyn não queria falar sobre as conferências, e sim
sobre Peter Wingate.
— Oh, as conferências foram maçantes e monótonas — respondeu e
olhou para o balcão, onde Peter oferecia café a Carol e ao dr. Roderick.
— A expressão no rosto de Peter ao ver você foi inexplicável. Ele não
sabia que você estava aqui?
— Não, não sabia. Mas não há nenhum motivo para ele se assustar ao
me ver aqui. — Catherine respondeu, e quase acrescentou: "foi você que fez
algo a ele, era você que não queria encontrar".
Evelyn estava determinada a conversar sobre o ex-noivo.
— Imagino que Carol contou a você que eu e ele estávamos noivos.
Coitado, não soube aceitar muito bem os fatos, mas depois de tudo que
aconteceu o que é que eu podia fazer? Não me parece que ele tenha superado
o problema.
Catherine não estava gostando do modo como a outra falava e ficou,
aliviada, quando viu o dr. Roderick se aproximar.
— Bem, vocês duas — ele disse, pegando uma cadeira, sem cerimônia —
estão fofocando um pouco?
— Qual é o problema, Bill? Está com medo de que eu conte seus
segredos a Catherine?
Bill Roderick lançou-lhe um olhar ofendido.
— Não existe segredo nenhum. Pelo menos, nenhum que possa
interessar à enfermeira Manton.

27
— Muito pelo contrário, talvez ela até ache bem interessante. Peter não
vem se juntar a nós?
— Não. Ele pediu que vocês o desculpassem, mas teve que ir.
— Diga a ele que eu entendo, pobre coitado — Evelyn respondeu, com
um sorriso, e virou-se para Catherine. — Gostaria de almoçar comigo? Nós
duas temos tanta coisa em comum!
Catherine interceptou um olhar exasperado de Bill para Evelyn.
— Estava pensando em convidar vocês para almoçar comigo — ele disse,
rapidamente.
Catherine sorriu. Estava claro que não queria deixá-las sozinhas, e ela
mesma não desejava ouvir a versão de Evelyn sobre o caso de Peter Wingate.
— Acho uma ótima idéia, dr. Roderick.
Evelyn, porém, recusou o convite.
— Até logo, Catherine. Com certeza, ainda vamos nos encontrar
novamente. Cuidado com Peter… ele pode perder a cabeça — levantou-se e foi
embora.
— A única vez que Peter perdeu a cabeça foi por causa dela… e foi o
maior erro que cometeu. — Bill olhou para Catherine. — Venha, vamos
embora. Conheço um restaurante pequeno, onde se come muito bem.
— Gostaria que me chamasse de Catherine — ela disse, ao entrar no
carro.
— Ótimo, e meu nome é Bill — ele sorriu e ligou o carro.
Foi quando estavam tomando café, após um almoço saboroso e
agradável, que Bill falou com uma seriedade repentina.
— Catherine, o que você sabe sobre Peter?
— Vocês dois são amigos?
— Sou seu melhor amigo. Ah, ia me esquecendo, desculpe o modo como
agi na cantina. Deve ter parecido óbvio que eu estava tentando fazer com que
Evelyn parasse de falar. A verdade é que houve um incidente desagradável na
sala cirúrgica do hospital St. Chad e eu não queria que você tivesse uma visão
distorcida do ocorrido, através de Evelyn. O que ela contou a você? Gostaria
que fosse franca comigo.
— Como você é o melhor amigo de Peter, pode ficar certo de que serei. A
enfermeira Kilster, porém, não me contou nada, exceto que ela e Peter foram
noivos, e isso eu já sabia.
— Quem contou?
— Carol Smith.
— O que foi exatamente que ela contou?
Catherine olhou-o por um momento:
— Dr. Roderick, quero esclarecer duas coisas. Em primeiro lugar, Carol
não estava fofocando; em segundo lugar, não estou sendo apenas curiosa.
Pode ficar certo de que não falarei nada sobre Peter no St. Anne. Como foi
você mesmo que pediu, vou ser franca. Vim participar dessas conferências com
o único propósito de tentar descobrir alguma coisa sobre Peter Wingate.
— Por quê? Eu nunca teria imaginado isso. Olhando para você, ninguém
diria que é do tipo bisbilhoteira. — Parecia mesmo espantado.
— Normalmente, não sou. É realmente difícil de explicar. Desde o
momento em que ele apareceu no St. Anne, notei que havia algo de errado
com ele, tanto em relação a mim, quanto em relação a seu trabalho. Por isso,

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pensei que, tentando descobrir o problema, poderia entendê-lo melhor, e até
ajudá-lo. Carol contou-me mais ou menos o que aconteceu na sala de
operação do St. Chad, naquele dia, e acho que isso já foi o suficiente para
entendê-lo um pouco.
— Fico contente, Catherine — Bil Roderick disse, com voz grave. — Mas
diga-me: o que quis dizer quando falou da atitude dele em relação a você e ao
trabalho?
— Ele não contou nada?
— Não. Não é de muita conversa e, além disso, só chegou hoje cedo.
— Bem, a verdade é que me pareço com Evelyn Kilster e isso o
transtorna. Nós… nós não nos damos bem. Agora, se você não se importar,
gostaria de não falar mais sobre esse assunto.
— Está bem — ele disse, sorrindo. — Você me tranqüilizou bastante. Sei
que a reputação de Peter está segura em suas mãos. — Olhou em volta,
distraído, e de repente parou. — Olhe quem vem entrando com a enfermeira
Smith. Não que eu esteja muito surpreso. Costumávamos vir aqui juntos,
quando ele ainda estava em Londres.
Catherine observou Peter e sentiu um carinho estranho por ele. Como
devia ter sofrido, e talvez ainda estivesse sofrendo, especialmente se
continuava apaixonado por Evelyn. Qual teria sido a razão para terminarem o
noivado? Teria sido ela quem rompeu? Se foi, agiu de maneira desumana.
Abandoná-lo justamente numa hora em que mais precisava de amor e
compreensão. Agora, se foi ele quem rompeu o noivado, qual teria sido o
motivo? De qualquer maneira, parecia estar faltando uma peça importante
nessa história. Se ele ainda estava apaixonado por Evelyn, por que reagiu de
maneira tão violenta ao vê-la?
Bill acenou em direção a Carol e Peter e, para surpresa de Catherine,
eles se aproximaram e sentaram.
— Catherine e eu já acabamos de almoçar, por isso podem ficar com a
mesa — Bill disse, com gentileza.
Peter arqueou as sobrancelhas ao ouvir Bill chamar Catherine pelo
primeiro nome.
— Parece que vocês estão se entendendo bem, não é? É bom você se
cuidar, Bill, senão a enfermeira Manton vai colocá-lo em sua lista. A maioria do
pessoal do hospital está fazendo fila para sair com ela.
Bill olhou-o, com reprovação. Catherine tentou convencer a si mesma de
que ele não teve a intenção de ser tão desagradável e que disse aquilo por se
sentir amargurado. Contudo, suas palavras feriram-na profundamente.
Seguiu-se um momento de silêncio constrangedor e, por sorte, a
garçonete se aproximou para anotar o pedido. Quando foi embora, Peter disse:
— Foi uma surpresa tê-la encontrado aqui em Londres. Quando pretende
voltar?
— Vou pegar o trem das sete e meia, hoje à noite.
— Quer chegar a tempo para seus compromissos de fim de semana? —
ironizou.
Catherine corou, enquanto Bill olhava para o amigo com espanto.
— Vamos parar com isso, Peter — estava começando a entender o
motivo da vinda de Catherine para Londres.
— Mas, Bill, você não faz idéia de como a enfermeira Manton é

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requisitada.
— Por favor — Catherine pediu —, que tal mudarmos de assunto?
Para desanuviar o ambiente, Carol puxou conversa:
— O senhor veio de trem, dr. Wingate?
— Não, vim de carro. — Virou-se para Catherine: — Talvez você gostasse
de voltar de carro comigo: os trens estarão lotados, por causa do fim de
semana.
A ironia em sua voz tinha desaparecido e Catherine olhou para ele,
indecisa.
— Está contente por eu estar me deixando envolver pelo seu charme?
Isto a satisfaz? — Peter voltou a agir com arrogância.
— Não, dr. Wingate. Não me agrada nem um pouco! — respondeu com
raiva. — Vou voltar de trem, obrigada!
— Peter, por favor, pare com isso! — interrompeu Bill. — Não entendo o
que há com você, ultimamente.
Nesse momento, Carol interrompeu novamente:
— A que horas, mesmo, sai seu trem, Catherine?
— Sete e meia.
— E o que vai fazer durante a tarde?
— Talvez faça umas compras — respondeu, sentindo-se deprimida.
— Que tal fazermos todos algum programa? O que vocês acham de um
cinema ou um piquenique à beira do rio? — sugeriu Bill.
— Sim, ótimo! — Carol concordou, prontamente. — Prefiro o piquenique.
Um pouco de ar puro será ótimo. Principalmente, depois de termos passado
tanto tempo fechados naquela sala de conferências.
— E vocês, o que acham? — Bill perguntou, virando-se primeiro para
Catherine e depois para Peter.
Houve um momento de silêncio e foi Peter quem o quebrou.
— Está bem, eu topo. O que você diz, Catherine? — demonstrava uma
inesperada animação.
— Eu… eu vou — disse, ainda confusa com a súbita mudança dele.
Enquanto Peter e Carol almoçavam, Bill levou Catherine para um passeio
rápido, no St. James Park.
— Não consigo entender o que está acontecendo com Peter. Ele não
costuma agir assim.
Catherine sentiu vontade de chorar. O fato de compreender melhor a
situação não impedia que ele ainda a fizesse sofrer.
— Agora entende o que eu disse, Bill? O fato de ser parecida com Evelyn,
junto com o incidente no St. Chad, fazem com que ele não me suporte. Até já
pediu demissão do St. Anne, você sabia?
— Não. Não imaginei que tivesse chegado a tanto. Não consigo entender.
Só porque… — parou e refletiu por um instante. — É claro, Evelyn sempre foi
leviana, mas até aí, você…
— Por favor Bill, vamos mudar de assunto? — implorou. — Ele já formou
opinião sobre mim e nada que eu diga ou faça poderá mudar alguma coisa.
— Ele deve estar fora de si — Bill falou, e depois tentou esquecer o
assunto.
Pegaram Carol e Peter na porta do restaurante e Bill levou-os até
Richmond.

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Era a primeira vez que Catherine ia lá e ficou encantada com a
imponência do rio e com as árvores frondosas que se debruçavam nas
margens.
Bill sugeriu que alugassem dois barquinhos e Catherine viu-se em um
deles, com Peter, enquanto Bill e Carol pegavam o outro.
Peter segurou os remos e, com movimentos suaves, fez com que o barco
deslizasse pela água calma e transparente. Ela ajeitou-se no assento estofado
e desfrutou a sensação de paz e serenidade que a rodeava.
Quando olhou para Peter, sentiu que ele também estava apreciando o
passeio e, de repente, sorriu para ela. Não esperava por aquele gesto e seu
coração começou a bater como louco. Era a primeira vez que o via sorrir.
— Está gostando? — ela perguntou.
— Oh, sim! Faz muito tempo que não me sinto tão bem.
Uma expressão de medo e cautela surgiu no rosto de Peter e, por alguns
instantes, ficou olhando para a água. Quando olhou para ela novamente, o
sorriso cínico de sempre tinha voltado a seus lábios.
Tomaram chá em um restaurante rústico, que ficava à beira do rio. Carol
e Bill riam e conversavam animadamente, felizes por estarem juntos. Peter
falou pouco, mas Catherine sentiu seu olhar fixar-se nela várias vezes. O
vestido amarelo de algodão que estava usando realçava seu cabelo dourado e
sedoso.
Não pode ser verdade, Peter pensou. Nenhuma mulher consegue ser tão
bela, tão eficiente e tão bondosa como ela quer parecer. Isso simplesmente
não é possível.
Seus olhos endureceram novamente, ao lembrar que a havia visto nos
braços de Ray e, logo depois, jantando com sir John.
— O que vocês vão fazer esta noite? — ele ouviu Catherine perguntar a
Bill e Carol.
— Isso depende do que você for fazer, até a hora de pegar o trem.
— Ora, não precisam se preocupar comigo. Vou direto para a estação e
lá compro um livro ou uma revista, para passar o tempo.
— Oh, não! Você não vai fazer isso — Bill protestou.
— Não há nenhuma razão para você não voltar comigo, de carro. —
Peter sentiu-se na obrigação de dizer.
Catherine abriu a boca para recusar, mas Bill interrompeu:
— Isso mesmo. Catherine. Será bem melhor voltar de carro com Peter.
— Olhou para ela, com uma expressão que parecia dizer: "isso ajudará você a
resolver os problemas"
— Está bem… e obrigada, dr. Wingate.
— Então, está tudo resolvido — Bill sorriu. — Agora, eu e Carol podemos
ir ao teatro, sem nos preocuparmos com você.
Ela riu e então se despediram.
Catherine arrumou as malas e Peter passou no hotel para apanhá-la.
Pouco depois, já estavam saindo de Londres. Tinham viajado por mais ou
menos uma hora, quando ele resolveu falar.
— Você e Evelyn tiveram uma conversa interessante?
O estômago de Catherine contraiu-se, violentamente, e seu coração
começou a bater com força.
— Nós… nós conversamos bem pouco.

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— Não acha que vou acreditar nisso, não é? — deu uma risada.
Catherine sentiu uma onda de raiva crescer dentro dela, mas lutou para se
controlar, lembrando que sua arrogância era medo: medo de que ela tivesse
descoberto a verdade.
Como poderia ajudá-lo? Como fazer com que entendesse que queria ser
sua amiga?
Ficou quieta e ele a olhou, com sarcasmo:
— Como é, não tem nada a dizer?
— Peter, por que não gosta de mim? — perguntou, timidamente.
O modo como o chamou e a maneira embaraçada como fez a pergunta
deixaram-no por um momento desnorteado. Segurou com firmeza a direção e
diminuiu a velocidade.
— Por que eu… Eu imagino que você ache estranho um homem não ser
imediatamente conquistado por seu charme. Não acha, enfermeira, ou posso
chamá-la de Catherine?
— O dr. White e eu nos conhecemos desde crianças. E na noite que você
me viu com sir John, tinha sido a primeira vez que saímos juntos.
Ele franziu a testa e continuou a dirigir, em silêncio. De repente,
respondeu:
— Não precisa explicar nada, Catherine. Não estou interessado.
Catherine sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Achava que ela só
estava interessada em agradá-lo, para transformá-lo em mais uma conquista.
Desejou, neste momento, não ter concordado em viajar com ele.
Peter não falou mais nada durante um longo tempo, permanecendo sério
e com a vista fixa na estrada.
Parecia mesmo impossível conquistar sua amizade e compreensão. Será
que ele ia passar a vida toda odiando e evitando loiras altas e esbeltas, só
porque uma vez tinha amado uma? Sua angústia por causa da morte do
paciente na mesa de operação era compreensível. Será que existia alguma
coisa mais sobre esse incidente? Alguma coisa que ninguém soubesse, algo
com relação a Evelyn?
Catherine fechou os olhos. Por que estava se preocupando com isso? Em
uma semana, ele iria embora e a ala cirúrgica entraria nos eixos novamente.
Estava torcendo para que o cirurgião que o substituísse não tivesse problemas
nem preconceitos. Peter Wingate iria seguir seu próprio caminho, carregando
seu passado, odiando loiras e…
Assustou-se, ao perceber que o carro estava parado. Quando abriu os
olhos, deparou com Peter encarando-a fixamente. Ele virou-se, então,
bruscamente.
— Tem um restaurante aqui. Quer tomar um café?
Durante o resto da viagem, Peter comportou-se educadamente. Pararam
para jantar num restaurante pequeno, e estava quase escuro quando
chegaram ao hospital. Várias enfermeiras estavam na porta e Catherine tinha
certeza de que, no dia seguinte, todo o hospital estaria sabendo que voltara
com Peter.
Ela, porém, estava muito-cansada para se importar com isso. Ao chegar
no quarto, tirou a roupa e, vestindo uma camisola, jogou-se na cama e fechou
os olhos.
Por alguns minutos, ficou deitada, sentindo-se confusa e exausta. Todo

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seu esforço para entender e ajudar Peter tinha sido em vão. De repente,
percebeu que estava chorando. Virou-se e enterrou a cabeça no travesseiro,
enquanto uma torrente de lágrimas lhe descia pelo rosto. Em seus lábios
surgiu o nome de Peter.

CAPITULO VII

Susan chegou tarde naquela noite. Ela e Ray tinham saído e o carro
enguiçou. Por sorte, encontraram uma oficina por perto, mas tiveram que
esperar duas horas, até que o carro ficasse em ordem. Um sorriso dançou nos
lábios de Susan, enquanto atravessava o corredor escuro. Ray era realmente
muito divertido e ela estava gostando imensamente dele. Mas havia
Catherine… Se bem que, quando hesitou em aceitar o convite para sair com
ele, enquanto Catherine estava fora, Ray afirmou que eles eram apenas bons
amigos. Mesmo assim, era fácil perceber que Ray gostava de Catherine,
Susan pensou, com tristeza.
Espiou pela porta do quarto da amiga e viu que estava escuro. Será que
já tinha dormido? Catherine havia mandado um cartão-postal de Londres,
dizendo que pegaria o trem das sete e meia. Ray e Susan iam esperá-la na
estação, mas, depois que o carro quebrou, não foi possível chegar lá a tempo.
Susan hesitou, antes de se dirigir para seu quarto, Era estranho que Catherine
tivesse ido dormir. Elas normalmente esperavam acordadas uma pela outra,
para contar as novidades. Bem, talvez estivesse muito cansada. Era melhor
não perturbá-la. No dia seguinte teria tempo suficiente para saber as
novidades.
Na manhã seguinte, Catherine e Susan acordaram tarde. Só se
levantaram quando Nora Kelly bateu em suas portas pela segunda vez.
Vestiram-se rapidamente e, enquanto corriam pelo corredor, em direção à
cantina, para tomar café, Susan disse:
— Fez boa viagem, Cathie? Estava dormindo, quando cheguei, e não quis
acordá-la.
— Fui para a cama, logo que cheguei. Estava muito cansada —
respondeu, rapidamente.
Susan observou-a, curiosa por saber o que havia acontecido para deixá-
la com aquelas olheiras e com aquela expressão de desânimo:
— Ray e eu queríamos esperar você na estação, mas o carro dele
quebrou.
Quando entraram na cantina, as mesas estavam tão cheias que não
puderam se sentar juntas.
Mais tarde, durante sua ronda de inspeção, Susan ouviu duas
enfermeiras conversando.
— Estou dizendo a verdade. Eu vi a enfermeira Manton chegar no carro
do dr. Wingate. Os dois foram a Londres assistir a umas conferências.
— Bem, devem ter combinado se encontrar lá. Sei que o dr. Wingate foi
para Londres, uma das enfermeiras da cirurgia me contou. Bem estranho a
enfermeira Manton conquistá-lo, depois de tudo, não acha?
— O que vocês estão fazendo? Perdendo tempo com fofocas? Continuem

33
com o trabalho, e se eu ouvir o nome da enfermeira Manton novamente, vai
haver problemas! — Susan interrompeu, enérgica.
— Mas todo mundo está comentando o fato.
— Oh, é verdade? Bem, é bom que não me deixem escutar uma só
palavra sobre o assunto.
Depois disso, Susan pegou o telefone.
— Cathie, venha tomar café comigo. Tenho uma coisa para falar com
você.
Meia hora mais tarde, Catherine juntou-se a Susan.
— Olá, Cathie. Achei melhor falar com você, antes que soubesse por
outras pessoas.
— Por quê? O que aconteceu? — perguntou, já adivinhando do que se
tratava.
— É melhor que você me conte tudo — Susan pediu. — Pelo que parece,
Peter Wingate foi a Londres também e vocês voltaram juntos. Bem, o hospital
todo não fala de outra coisa.
Catherine sorriu, timidamente:
— Sinto muito você ter sabido dessa história antes de eu contar. Nós
passamos por algumas enfermeiras ao chegarmos, e a fofoca deve ter se
espalhado.
— E como! Vocês não apenas voltaram juntos, como também
combinaram se encontrar lá. Parece que existe um romance por aí.
— Romance?! — Catherine pousou a xícara na mesa. — Essa é a maior
piada que já ouvi. Ele continua a me tratar mal.
— Então, por que viajou com ele?
— Tentei evitar, mas encontrei duas pessoas, lá em Londres, que
conheciam o dr. Wingate e me convenceram a vir. Seria melhor que não
tivesse aceitado!
— Por quê? O que aconteceu?
— Oh, é difícil de explicar, Sue. É cansativo e estafante viajar com uma
pessoa que, declaradamente, não nos suporta.
— Hum… Você realmente não está com boa aparência. Mas, quem eram
as duas pessoas que conheciam o dr. Wingate?
— Uma delas é Carol Smith, você se lembra dela? A outra é o médico-
assistente do St. Chad. — Levantou-se. — Preciso ir agora, Sue. Tenho uma
lista enorme de operações para hoje. Conto mais detalhes, à tarde. Ficarei
livre às quatro horas.
— Está bem. Te vejo mais tarde. Espero que, até lá, o hospital já tenha
feito seu casamento com Peter Wingate.
Catherine saiu. O comentário inocente de Sue fez com que se sentisse
amargurada. Era uma situação realmente sem esperança. Tinha se apaixonado
por um homem que mal podia suportá-la. Foi para o quarto, aprontar-se para
mais um dia de trabalho. Quando estava saindo, Sylvia Cleveland apareceu,
com uma cara muito séria.
— Posso falar com você por um momento?
— O que é, enfermeira? — Catherine olhou para o relógio. — São nove
horas e nós duas devíamos estar na sala cirúrgica.
— Não vou tomar muito do seu tempo, é que o assunto é importante.
Catherine afastou-se, para que a outra entrasse no quarto.

34
— Desculpe, se pareço intrometida, mas gostaria de saber se já ouviu o
que andam falando sobre você e… o dr. Wingate.
Sentiu o rosto corar. Respondeu no tom mais calmo possível:
— É impossível não ouvir os comentários, enfermeira. Acontece que o dr.
Wingate e eu nos encontramos em Londres. E como ele estava de carro,
voltamos juntos. Foi só isso!
— Mas todo mundo no hospital está dizendo que…
— Enfermeira, não estou interessada em saber o que estão dizendo. —
Catherine abriu a porta. — Só existe uma coisa a fazer em relação a
comentários deste tipo: ignorar e esquecer. Quando surgir uma oportunidade
eu mesma desmentirei esse mal-entendido, e você tem toda a minha
permissão para dizer, para quem quiser, que não existe absolutamente nada
entre mim e o dr. Wingate. Está satisfeita?
A expressão de alívio no rosto de Sylvia foi imediata.
— Eu… obrigada. Só espero que esses comentários não cheguem aos
ouvidos de Peter, quer dizer, aos ouvidos do dr. Wingate.
— Também espero, enfermeira, mas acho que o dr. Wingate, como eu,
já deve estar acostumado a comentários… Agora, realmente, preciso ir.
Saiu do quarto e apressou o passo, para não ter que andar com Sylvia
até a sala cirúrgica. Era óbvio que a enfermeira estava preocupada com Peter,
e Catherine sofria com isso.
Enquanto esperava no escritório de Matron, para informar que estava de
volta, uma das enfermeiras fez gracinha:
— Você e o dr. Wingate se divertiram bastante em Londres?
— Nem sabia que ele ia para lá — respondeu, de mau humor.
— Não pense que eu acredito nisso, Manton — a outra riu. — É
coincidência demais para ser verdade!
Neste instante, Matron chegou:
— Olá, Catherine! Então, já está de volta? Gostou das conferências?
— Foram interessantes.
— Ótimo. A enfermeira Tutor ficará contente em ouvir as novidades.
Será que você podia ir vê-la, quando estiver livre?
— Claro.
— Mudando um pouco de assunto, como estão as relações entre o dr.
Wingate e você? Houve alguma melhora no comportamento dele?
O coração de Catherine deu um salto, ao ouvir o nome de Peter. O que
será que Matron queria dizer com aquilo? Com certeza, os rumores já tinham
chegado até ela.
— Sinto dizer, Matron, mas ele continua a não gostar de mim.
A outra olhou-a com surpresa, mas não disse nada a respeito dos
boatos.
— Bem, pode voltar às suas funções, Catherine. Até logo!
Dirigiu-se para a sala cirúrgica, sentindo que não se importava mais com
que Matron ou qualquer outra pessoa estivesse pensando dela. Nesse instante,
Ray apareceu e cumprimentou-a, com entusiasmo.
— Querida, como foi de viagem?
— Olá, Ray. Que bom ver você novamente. Não diga que sentiu
saudades de mim. Eu soube que você e Sue saíram juntos e, por causa do
"carro quebrado", só voltaram de madrugada.

35
— Quem contou isso? — ele perguntou, assustado. Catherine riu. Era
reconfortante estar com Ray e não ter que pensar nos comentários sobre ela e
Peter.
— Desculpe ter que deixar você em suspense. Estou atrasada para uma
operação. Te vejo mais tarde!
Mais tarde, quis contar a Ray que tinha encontrado com Peter em
Londres. Pensou que Ray soubesse, mas logo percebeu que ele parecia ser o
único que não tinha ouvido os boatos. Durante toda a manhã, a dra. Childs fez
inúmeras perguntas a Peter sobre os filmes e as conferências e Catherine viu a
expressão de surpresa de Ray. Peter respondeu às perguntas, entusiasmado,
entrando em detalhes. Observou como o rosto dele se transformava, ao falar
com interesse sobre o assunto, e seu coração pediu uma palavra ou um olhar
que aplacasse a dor que sentia por amá-lo em segredo.
— E o que você achou das conferências? — a dra. Childs virou-se para
ela.
Antes que Catherine pudesse responder, Peter falou com ironia:
— Oh, a enfermeira Manton encontrou outras distrações mais
interessantes, não é verdade?
— Não sei por que o senhor está dizendo isso! — seus olhos brilharam de
raiva. — Não faltei a nenhuma conferência. Afinal de contas, foi por isso que
fui a Londres.
— Foi mesmo?
— Vamos lá, conte-me a verdade. O que você andou fazendo por lá? — a
dra. Childs insistiu.
— Não sei a que o dr. Wingate está se referindo. A única folga que tive
foi um passeio a Richmond, quando as conferências acabaram.
— Ah, aí está! — disse a dra. Childs. — E com quem você foi a
Richmond?
Houve um momento de silêncio. Peter estendeu o braço para pegar uma
toalha esterilizada e, por cima da máscara, encarou Catherine com seriedade.
— Por coincidência, encontrei a enfermeira Smith em Londres. Lembra-se
dela, dra. White?
— Oh, aquela moça morena. Sim, eu me lembro dela — Ray deu um
sorriso, aliviado. — Onde está trabalhando agora?
Novamente Catherine captou um olhar de advertência de Peter.
— Mais tarde conto tudo — disse a Ray, evasiva.
Tão logo surgiu uma oportunidade, ele a bombardeou de perguntas sobre
a viagem.
— Que negócio é esse, Cathie? Não sabia que Wingate tinha ido para
Londres também. Ele não me disse nada, nem você — pegou a xícara de café
que ela lhe ofereceu.
— Eu não tive chance de contar a você, Ray. Pela centésima vez, não
tinha idéia de que ele ia a Londres.
— O que você quer dizer, pela centésima vez?
— É que todos parecem saber e não acreditam que… Oh, é ridículo, eu já
estou esgotada com essa história toda. Bom, é melhor eu contar tudo a você,
antes que fique sabendo através de comentários maldosos.
Contou o que havia acontecido, concluindo:
— Nós encontramos algumas enfermeiras na entrada do hospital, e

36
agora todos estão falando que existe um romance entre o dr. Wingate e eu.
Ray jogou a cabeça para trás e riu.
— Bem, bem!
— Pelo que parece, você está achando tudo bastante divertido. Mas eu
não estou achando nenhuma graça nessa história.
— Anime-se, Cathie — colocou a mão no ombro dela. — Daqui a alguns
dias, tudo será esquecido. E então, você gostou da viagem de volta?
— Não, não gostei.
— Você e Wingate, pelo que parece, continuam travando uma batalha,
heim?
Sim, uma guerra contra o homem que ela amava. Lágrimas embaçaram
seus olhos e tentou segurá-las, mas não conseguiu.
— Não é brincadeira para mim, Ray — explodiu.
— Ei, calma! — Encarou-a e ficou surpreso ao ver que estava chorando.
— Querida, eu não sabia que você estava levando essa história tão a sério.
Eu…
— Oh, por favor, Ray, deixe-me sozinha.
— Está bem, Cathie.
Mas assim que Ray saiu, Peter entrou.
— Bem, enfermeira, estava contando para seu amigo tudo que viu e
ouviu em Londres?
Essas palavras foram como punhaladas em seu coração. Por que ele
tinha sempre que pensar o pior dela?
Por que não a tratava normalmente, como tratava as outras pessoas?
Parecia que se esforçava para feri-la, de propósito. Ofereceu-lhe uma xícara de
chá e entregou-lhe o livro de operações.
— É claro que estava contando tudo a Ray! — respondeu, tentando
desesperadamente se proteger do poder que ele tinha para magoá-la.
— O dr. White deve ter achado tudo muito interessante.
— Oh, sim, ele achou, sim.
Falou sem pensar, não percebendo a gravidade de suas palavras. Sua
mente estava muito ocupada, tentando permanecer calma na presença dele.
Nem lembrava mais que havia dito a Ray, na frente de Peter, que contaria
tudo sobre a viagem mais tarde.
Peter, no entanto, lembrava-se perfeitamente bem disso, e também de
que Catherine tinha conversado longamente com Evelyn e Carol.
— Apenas por curiosidade, enfermeira — disse, com frieza — por que
você foi a Londres? Com certeza, não foi apenas para aperfeiçoar seu trabalho,
não é?
— O que mais poderia ser?
— É exatamente isso que eu gostaria de saber.
Ela sentiu uma pontada de culpa.
— Não vejo por que meus atos poderiam interessá-lo, dr. Wingate!
Catherine desejou imensamente que ele fosse embora e a deixasse em
paz. As operações já tinham terminado por hoje e não havia necessidade
nenhuma de ele ficar ali. Novamente, mostrou-lhe o livro de operações, para
que assinasse. Com um gesto ríspido, assinou e saiu.
Catherine jogou-se numa cadeira e tentou se recompor. Como era
possível alguém ser tão cruel? Se pelo menos pudesse chegar até ele para

37
ajudá-lo. O fato de estar apaixonada por ele fazia com que se tornasse mais
vulnerável à sua hostilidade. Em vez de tentar responder às suas perguntas,
com calma e honestidade, tinha vontade de chorar ou de agredi-lo também.
Seria mais fácil se conseguisse se lembrar de que essa crueldade dele era por
causa do medo que sentia: medo de que descobrissem seu passado e de que
isso fosse usado contra ele — e, acima de tudo, medo de si próprio.
Susan estava ansiosa para saber os detalhes da viagem. Quando elas se
encontraram, naquela tarde, foi logo perguntando:
— Bem, vamos lá, Cathie. Conte-me tudo. Você encontrou alguma
enfermeira do St. Chad?
Catherine hesitou. Não queria ferir a amiga, mas preferiu não contar
toda a verdade, mesmo sabendo que podia confiar em Sue. O que Carol lhe
contou era segredo de Peter e não podia quebrar o sigilo.
— Bem? —. Susan insistiu. — Você encontrou?
— Sim, encontrei. Você se lembra que falei de Carol Smíth?
— Oh, sim, é claro. Não me diga que ela trabalha agora no St. Chad?
Catherine falou rapidamente sobre as novidades, sem mencionar o nome
de Peter, mas Susan continuou a insistir.
— Ela não falou nada sobre Peter Wingate?
— Nada de importante, mas eu descobri algo que pode explicar um
pouco a atitude dele comigo. Soube que sou muito parecida com a enfermeira-
chefe da ala cirúrgica lá do St. Chad. Acho que ele não se dava bem com ela e
que não era muito eficiente. Por isso, acho que também não gosta de mim.
— Isso é tudo? — Susan parecia desapontada.
— Para mim, é suficiente.
— É estranho que uma coisa tão sem importância faça dele uma pessoa
tão severa. Certamente…
— Oh, por favor. Sue, não vamos continuar a falar sobre isso. Estou com
um pouco de dor de cabeça. Se você não se importar, vou me deitar e
descansar um pouco.
Susan foi para o quarto, sentindo que Catherine estava escondendo
alguma coisa. No fundo, sabia que devia respeitar o desejo dela de guardar em
segredo qualquer coisa que tivesse descoberto, mas, mesmo assim, sentiu-se
magoada pela falta de confiança.
Quando Susan saiu, Catherine se deitou na cama e fechou os olhos,
tentando esquecer a conversa desagradável que tivera, há pouco, com Peter e
também os comentários do pessoal do hospital. Era difícil esquecer e ela,
mesmo de olhos fechados, podia ver a reação dele, quando soubesse dos
boatos.
Ao anoitecer, no entanto, surgiu um rumor bem diferente. Susan entrou
voando no quarto e disse:
— O que você acha disso, Cathie? Acabo de ouvir que Peter Wingate está
noivo. E sabe de quem? Da enfermeira Cleveland.

CAPITULO VIII

— Não! — Catherine conseguiu pronunciar, incrédula, enquanto seus

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joelhos tremiam.
Susan continuou a falar, relembrando o que a amiga tinha contado sobre
a conversa que ouvira entre Sylvia e Peter, em seu primeiro dia no hospital.
Com um grande esforço, Catherine controlou a vontade de gritar e pedir
a Susan que a deixasse sozinha, para poder dar vazão à dor e à agonia que
estava sentindo.
— Esse noivado pode mudar a decisão dele sobre ir embora, você não
acha? — Sue perguntou.
— Eu… eu não sei.
— Bem, de qualquer modo, essa novidade vai acabar com os rumores
sobre um romance entre vocês.
Nesse momento, Catherine não conseguiu mais se controlar e lágrimas
brotaram em seus olhos.
— O que há, Cathie? Pensei que ia gostar da notícia. Esse noivado pode
modificar completamente a atitude dele em relação a você. Com certeza, agora
que está noivo, vai se tornar mais tolerante e esquecer completamente toda
essa história.
— É, pode ser.
Queria contar a Susan que estava apaixonada por Peter, mas as palavras
não vinham.

Com a chegada do domingo. Catherine sentiu-se aliviada. A não ser em


caso de emergência, não haveria operações e não teria que se encontrar com
Peter. As enfermeiras passaram o dia fazendo pequenas arrumações e
preparando, gazes e ataduras. Examinou os equipamentos e aprontou a sala
de operações para o dia seguinte. Todos os domingos, pela manhã. Sue e Ray
juntavam-se a ela, na cantina, para tomarem café.
— Bem — Ray disse, enquanto pegava a xícara —, parece que o nosso
grande cirurgião ficou noivo. Talvez agora ele se torne mais sociável. E a
enfermeira Cleveland, como está se comportando?
Catherine deu um pequeno suspiro. Se ao menos as pessoas falassem
sobre outro assunto!
— Eu não a vi esta manhã — Ray continuou.
— Não estou nem um pouco interessada nela — respondeu mal-
humorada.
Ray e Susan trocaram um olhar de espanto. Ele brincou:
— Sabe do que você está precisando, Cathie? De um passeio agradável
no campo. Que tal?
— Essa tarde? — forçou um sorriso. — Eu adoraria. — Qualquer coisa
seria melhor do que ficar no hospital, pensando em Peter. — Pena que você
não tenha folga hoje, Sue.
— Mesmo que tivesse, não iria atrapalhar vocês!
Ray ficou surpreso e franziu a testa.
— Verdade? Desde quando você atrapalha? Não tem folga nenhuma
hoje?
— Apenas algumas horas, agora de manhã.
— Bem, acho que um passeio faria bem a você também. Nós poderíamos
almoçar em algum lugar, e então eu traria você de volta e pegaria Catherine,
aí pelas duas horas.

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— Até parece que você trabalha como guia turístico! — Susan brincou.
Catherine, porém, não estava ouvindo a conversa. Imaginava se naquele
instante Peter e Sylvia estariam juntos. Formavam um belo casal, e Sylvia
seria uma esposa perfeita para um cirurgião como ele, pois era serena e
inteiramente segura de si. Com esforço, trouxe seus pensamentos de volta
para Ray e Susan, que já estavam prontos para sair.
— Vejo você às duas horas, Cathie. Espere-me na entrada da ala
residencial, está bem?
Concordou com a cabeça e foi para a sala cirúrgica, verificar alguns
materiais. Quando, depois de meia hora, voltou à sala de estar, encontrou
Peter examinando umas chapas de raio-X. O susto de encontrar-se com ele
assim de repente, fez com que corasse.
— Bom-dia, enfermeira. Não sabia que estava trabalhando hoje.
— Bom-dia, dr. Wingate. Tem alguma coisa que eu possa fazer para o
senhor?
— Tenho tudo de que preciso, obrigado.
— Gostaria de uma xícara de café?
— Não, obrigado — ele respondeu, com determinação, fixando uma
chapa de raio-X. — Não se incomode comigo, enfermeira.
Catherine pegou, em silêncio, alguns livros do arquivo e depois, como
que dominada por um desejo de sofrer, disse:
— Acho que devo dar os parabéns, não é?
— Por quê?
— Por causa do seu noivado com a enfermeira Cleveland.
Por um momento, ela pensou que Peter não tivesse ouvido. Depois, ele
disse, distraído:
— Sim, nós decidimos que deveríamos fazer alguma coisa para terminar
com os rumores ridículos que estão circulando pelo hospital. Não me ocorreu
que o fato de você voltar comigo de Londres causaria tanto falatório. — Olhou
para ela. sério. — Faz alguma idéia de como começou?
— Se está querendo insinuar que fui eu que espalhei o boato, está muito
enganado — falou, indignada. — Nós passamos por algumas enfermeiras, no
portão do hospital, e é óbvio que nos viram. Não sei por que têm que ser tão
tagarelas. Foi aí que todo o falatório começou.
Ele pegou outra chapa e ficou observando.
— Não me diga que quando era uma simples enfermeira, você não
gostava de tagarelar? Ou melhor, ainda gosta?
— Não. Eu não gostava e continuo não gostando.
— É difícil de acreditar.
— Você acha tanta coisa difícil de acreditar, não é, Peter?
Ele ficou imóvel e a encarou.
— Como o quê, enfermeira? Vamos, fale!
Catherine espantou-se com as próprias palavras. Engoliu em seco, tomou
coragem e disse:
— Como acreditar que todas as enfermeiras-chefe loiras são… são
levianas e incompetentes.
Peter apertou os lábios:
— Tem mais alguma coisa? Você se referiu a tantas coisas que, com
certeza, há mais.

40
Catherine hesitou. Mesmo antes de sentir que o amava, tinha decidido
ajudá-lo. Agora, querendo ajudá-lo mais do que qualquer coisa no mundo,
sentia-se incapaz. Impelida por uma força que não conseguia explicar, disse:
— Como também se recusar a acreditar que, muitas vezes, um paciente
pode morrer sem que…
Parou, ao notar dor e agonia no rosto dele.
— Sem que… Vamos, enfermeira, continue!
— Sem que a culpa seja sua.
Foi até ela e segurou-a pelos ombros, com tanta força que teve vontade
de chorar.
— Quem contou isso? — gritou, os olhos brilhando de fúria. — Quem
contou? Vamos, responda! Foi Evelyn?
— Não, não foi Evelyn. Eu não vou contar quem foi. O mais importante é
que você supere esse problema e não se deixe dominar por ele!
Peter soltou os ombros dela, com violência.
— Eu devia ter desconfiado — falou, com amargura. — Foi por isso que
você foi a Londres, para bisbilhotar minha vida e poder ter alguma arma contra
mim.
— Peter! Oh, Peter. Você não percebe que…
Ela parou, bruscamente, ao ver raiva e ódio estampados naqueles olhos.
Em seguida, ele saiu, quase correndo.
Como uma boneca sem vida, Catherine sentou-se no carro de Ray. A
expressão de Peter continuava viva em sua mente. Oh, Peter, gemeu, em
silêncio. Se pelo menos você soubesse o quanto eu o amo! Mas mesmo que
soubesse, que diferença faria? Agora, estava noivo de Sylvia e ela com certeza
conhecia seu passado. Catherine imaginou quando e como Sylvia e Peter
teriam se conhecido. Talvez, quando ainda era noivo de Evelyn.
Ray olhou para ela, ansioso.
— Está com dor de cabeça, Cathie?
— Um pouco.
— Você quer voltar?
— Não precisa, obrigado. O passeio no campo me fará bem.
— Espero que sim, mas se não melhorar, teremos que comprar algum
remédio.
Ray estava preocupado. Será que o fato de Wingate se opor a ela ainda a
incomodava? Com certeza, não teriam viajado juntos de Londres, se não
pudessem suportar a presença um do outro. Cathie muitas vezes era um
enigma. Se pelo menos soubesse o que sentia por ele, pensou.
"Parece gostar de sair comigo, tanto quanto com sir John. Também não
notei sinal nenhum de ciúme, quando soube que ia passear com Sue, hoje de
manhã." É claro que Cathie não era do tipo ciumento e Susan era sua amiga.
Mas, mesmo assim, teria sido gratificante se tivesse demonstrado um
sinalzinho de ciúme. Ray suspirou e virou-se para ela.
— Quer ir até o rio?
— Oh, não. Não no rio! — Ela respondeu, rapidamente, sentindo uma dor
repentina, ao se lembrar do passeio a Richmond, com Peter.
— Pensei que você gostava do rio — ele franziu a testa, sem entender
nada.
— Eu gosto, mas hoje não, Ray, por favor.

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— Como quiser, querida. Que tal, então um passeio na floresta de
Sherwood?
— Ótimo, adoraria!
Pararam num pequeno restaurante, para tomar café, e Ray comprou
aspirina para a dor de cabeça dela.
Quando chegaram no parque, Catherine já estava se sentindo bem
melhor. Ray estacionou o carro e pegou sua mão, enquanto caminhavam por
entre as árvores.
— Gostaria de ser Robin Hood e de que você fosse Marian — ele sorriu.
— Oh, Ray… — por um momento, não sabia se chorava ou se ria. Ele
olhou para o alto e observou os galhos frondosos das árvores. A calma e a
tranqüilidade do lugar fora, aos poucos, tomando conta deles.
— Adoro a natureza — Ray respirou fundo. — Deve ser maravilhoso viver
no campo, poder ouvir os pássaros cantando logo cedo, admirar os raios do sol
atravessando a folhagem…
— …e agüentar mosquitos e pernilongos durante o verão — ela
complementou, esforçando-se para entrar na brincadeira.
— Hoje você não está nem um pouco romântica, Cathie. Tenho certeza
de que, numa hora dessas, Sue faria um comentário bem diferente. Você não
está nos seus melhores dias.
Sentiu uma pontada de ciúme.
— Por que você não tenta com Sue, então?
Ray jogou a cabeça para trás e riu.
— Ah! A mocinha está com ciúme!
— Não estou — falou, indignada.
Era absurdo. Estava claro que não era ciúme. Como podia ficar
enciumada por causa de Ray, se por dentro sentia-se imensamente
apaixonada por Peter?
— É claro que está e eu estou achando ótimo! — Ray sentou-se num
tronco e puxou-a para si. — Cathie, me dê um beijo!
— Que bobagem, Ray.
— Então, me beijar é bobagem?
— Ray, oh, Ray… — abraçou-o, de repente, para se sentir protegida.
Nesse instante, ele se inclinou e a beijou. Ao sentir os lábios tocarem sua boca,
o coração de Catherine desejou Peter, desesperadamente. Ray suspirou fundo
e falou, com adoração:
— Cathie, estou apaixonado por você! Acho que devemos ficar noivos,
também.
Encarou-o, não sabendo se devia rir ou chorar. De repente, percebeu que
estava rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Ei, o que está acontecendo? — Segurou-a pelos ombros e depois lhe
deu um lenço. — Tome, enxugue o rosto.
— Sinto muito, Ray, não sei o que aconteceu comigo. Eu e você… bem, é
tão…
— …tão engraçado?
— Não, Ray. É que foi tudo tão de repente.
Olhou para ela, pensativo.
— Alguma coisa está perturbando você. Nunca a vi se descontrolar dessa
maneira. Bem, não vamos mais falar nesse assunto, está bem?

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— Ray, você é tão bom. Não sei mesmo o que está acontecendo comigo,
nesses últimos dias.
É claro que ela sabia. A idéia de ficar noiva de Ray e ter que encarar
Peter foi a gota final para que se descontrolasse.
— Venha, que tal andarmos mais um pouco? — Ray levantou-se.
Catherine sentiu-se reconfortada e protegida pela bondade dele. Quando
voltaram para o hospital, estava bem melhor e com mais coragem para
enfrentar a semana seguinte.
Segunda-feira era o dia de Peter operar, e durante todo o tempo
Catherine ficou emocionada e confusa em sua presença. Quando, de manhã
cedo, ele entrou na sala de operação, ela já estava lá. Depois que desinfetou
as mãos, Sylvia aproximou-se dele, para prender sua máscara. Catherine
ouviu Peter dizer, em voz baixa:
— Bom-dia, Sylvia — e depois, mais alguma coisa que não conseguiu
entender.
Quando ele se juntou a ela, na mesa de operação, apenas seus olhos
estavam visíveis, e Catherine notou uma expressão dura e agressiva.
Cumprimentou-a com a cabeça e, então, esticou a mão, para receber o bisturi.
Durante toda a operação, manteve-se calado e não desviou a atenção do
paciente nem uma vez.

Catherine servia café, depois da cirurgia, quando Peter foi chamado à


recepção.
— Com licença! — disse, saindo apressado.
— Puxa — Ray respirou. — Você pode dizer o que quiser, dra.Childs, mas
o ambiente na sala de operação anda muito carregado, ultimamente.
— É mesmo! Até parece que esse jovem cirurgião tem medo de que algo
errado aconteça, se não ficar concentrado daquele jeito.
O coração de Catherine deu um salto. Se a dra. Childs soubesse como
estava perto da verdade… Apesar de seus esforços para ajudá-lo. Peter
continuava dominado pelo medo.
Um medo que, muitas vezes, era natural nos cirurgiões, mas ele parecia
estar completamente apavorado.
Se pelo menos encarasse o problema de frente! De alguma maneira,
sentia que esse pavor tinha ligação com Evelyn Kilster e, por causa disso, ela
própria simbolizava tudo o que tinha acontecido. Quem sabe, longe de sua
presença, ele voltaria, gradativamente, ao normal?
Quando Peter voltou à sala de estar, a dra. Childs cumprimentou-o pelo
noivado.
— Você abalou este hospital até as estruturas! — ela continuou, tentando
arrancar mais informações. — Ninguém desconfiava de que vocês já se
conheciam.
— Isso mostra como todo mundo estava enganado. Sylvia Cleveland e eu
já nos conhecíamos há vários anos.
— De Londres?
— Sim, de Londres.
— Bom, desejo que sejam muito felizes! — a doutora continuou,
desrespeitando a clara vontade de Peter de não discutir seus assuntos
particulares. — Já marcaram a data do casamento?

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Catherine levou o bule para a cozinha. Não podia mais suportar aquela
conversa. Ao passar pela porta, ouviu a resposta de Peter.
— Ainda não planejamos isso, dra. Childs. Quando estiver tudo em
ordem, você será a primeira a ser informada.

Quarta-feira era o dia das operações de sir John, e todos ficaram


aliviados com a descontração do ambiente. Peter ajudou-o em duas cirurgias
perigosas: uma no cérebro e outra, cardiovascular.
Às cinco horas, o trabalho havia terminado, John pegou uma xícara de
chá da bandeja que Catherine segurava e afundou-se numa poltrona.
— Bem, tudo pronto! Você está ocupada esta noite, Catherine?
— Não, não estou. A partir das seis horas, já posso me considerar de
folga.
— Ótimo, então eu espero por você… quer dizer, se quiser sair comigo,
esta noite. Que tal jantarmos e depois irmos ao teatro? Quero saber tudo
sobre sua viagem a Londres.
— Eu… não há muita coisa para contar.
— Não? Pelo que parece, você não quer falar sobre isso, não é? Não vou
insistir. Bem, espero por você no estacionamento, certo?
Ela fez que sim com a cabeça. Nesse instante, Peter e Ray entraram e
assinaram o livro de operações, e logo em seguida John fez o mesmo e saiu. Já
no corredor, ainda falou:
— Vejo você mais tarde, Catherine.
Ela sentiu que Ray a olhava, surpreso, e por isso corou levemente.
Peter percebeu tudo e sorriu, com ironia.
"Brincando com os sentimentos dos dois. Ela realmente não podia ser
uma pessoa leal. Que bom não ter me apaixonado por ela", pensou. E também
saiu da sala.

CAPÍTULO IX

Ray mal percebeu que Peter havia se retirado. Ficou olhando para
Catherine, com um misto de dor e incredulidade.
— Cathie, você não vai sair com sir John, não é?
— Sim, Ray, vou sair com ele. Alguma coisa contra?
— É claro que sim — ele explodiu. — Então, quer dizer que tudo que falei
no domingo foi tão sem importância para você, que até já se esqueceu?
Ficou perplexa e quase não conseguiu responder.
— Mas, Ray, eu… eu pensei que você estava brincando!
Esforçou-se para lembrar exatamente o que ele tinha dito naquele
domingo. Oh, sim, algo sobre ficarem noivos, mas não podia achar que tinha
levado aquele pedido a sério.
— O problema é que você me conhece há muito tempo — Ray suspirou.
— É por isso que nunca me leva a sério. Mas, mesmo assim, está claro que
não represento muito para você.
— Ray, não é verdade. Gosto de você e sabe disso, mas… — ela parou.
Aquela não era a hora nem o lugar para discutir esse tipo de coisa. — Por

44
acaso, queria sair comigo, esta noite?
Ele balançou a cabeça e disse, com um suspiro.
— Não posso, estou de plantão.
Catherine ficou aliviada. Afinal de contas, Ray era seu melhor amigo e
não queria magoá-lo. Bem no fundo, porém, tinha certeza de que não estava
apaixonado por ela.
— Preciso ir agora, Ray. — Ela parou na porta. — Não existe
absolutamente nada entre sir John e eu. Somos apenas bons amigos. Você
sabe disso, não é?
Pelo menos isso faria com que Ray se sentisse melhor, pensou. De noite,
quando estavam sentados no restaurante, John perguntou:
— Você está enfrentando melhor os problemas, depois que voltou de
Londres?
Por um instante, Catherine hesitou. Sabia que John tinha feito aquela
pergunta sem a intenção de se intrometer na vida dela. Apesar de confiar nele,
Catherine, mais uma vez, guardou em segredo tudo que tinha descoberto
sobre Peter.
— Sim, John. Eu me sinto mais forte para encarar os problemas.
Encontrei uma pessoa, ou melhor, várias pessoas que conheciam o dr. Wingate
e descobri que ele tem um motivo convincente para não gostar de trabalhar
comigo. Eu entendo muito mais agora do que antes. Tenho certeza de que
você iria entender e ajudar no que fosse possível, mas espero que compreenda
que não posso entrar em detalhes.
Olhou-a, com admiração.
— Eu entendo, Catherine, e acho você uma pessoa maravilhosa. Peter
Wingate ficaria muito agradecido, se soubesse que está guardando seus
segredos tão bem.
— Ele sabe que conheço seus segredos — Catherine sorriu, tristemente.
— Eu… eu tentei falar com ele, para convencê-lo a esquecer, mas ficou furioso
quando toquei no assunto. Acho que a única maneira que tenho para ajudá-lo
é ir embora do hospital.
— Ainda está com essa idéia na cabeça? Mas por que tem que ser você a
ir? Deixe que ele vá para outro lugar. Já tinha decidido fazer isso, não é?
— Bem, parece que as coisas mudaram um pouco, agora — Ela parou
por um momento e depois disse: — É melhor eu contar a você, antes que fique
sabendo por comentários. Ele e a enfermeira Cleveland estão noivos. Talvez,
por causa disso, ele resolva ficar. A não ser, é claro, que a enfermeira
Cleveland deixe o hospital também.
— Wingate e Sylvia Cleveland? Então estávamos certos, quando
desconfiamos de que eles já se conheciam?
— Sim. Eu o ouvi dizer à dra. Childs que tinham se conhecido em
Londres.
— Hum — John ficou pensativo. — Tenho a impressão de que também já
encontrei a enfermeira Cleveland, antes. Seu nome me é bastante familiar.
Bem — ele sorriu —, é melhor nós nos apressarmos, senão chegaremos tarde
ao teatro.
Catherine ficou contente por estar em companhia de John. Pelo menos
durante as horas que passaram juntos, não pensou muito em Peter e nem na
tristeza que sentia por amá-lo em segredo.

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Quando se despediram, John segurou sua mão, demoradamente.
— Você não vai tomar nenhuma decisão sem pensar, não é? Tudo vai
entrar nos eixos, vai ver. O que quer que esteja incomodando Wingate, não
será resolvido com a sua demissão. Prometa que vai esperar mais um pouco,
antes de tomar uma atitude definitiva.
— Prometo, John. Obrigada.
— Ficaria muito triste, se você fosse embora. — Segurou o queixo dela,
com carinho e beijou-a delicadamente, no rosto.
Catherine sentia que todos gostavam dela, menos Peter. Daria qualquer
coisa para que gostasse um pouco dela. O que poderia fazer? Por quanto
tempo teria que suportar a dor de amá-lo sem ser correspondida?
Já estava pronta para se deitar, quando ouviu passos no corredor e uma
batida insistente em sua porta.
Correu para abrir e deparou com uma enfermeira, quase sem fôlego.
— Estão chamando você no telefone. É o dr. Wingate e ele pediu que se
apressasse, é urgente!
Catherine saiu correndo pelo corredor e pegou o telefone, sentindo o
coração bater, rapidamente.
— Alô, aqui é a enfermeira Manton.
— Alô — a voz de Peter pareceu preocupada. — Você podia vir até a sala
de operação, agora? É Sylvia. Ela está com todos os sintomas de apendicite
aguda. Preciso operá-la, já. Apresse-se enfermeira, por favor.
— Estarei lá o mais rápido que puder, dr. Wingate.
Catherie correu de volta para o quarto, vestiu-se rapidamente e foi para
a sala cirúrgica.
Ray estava aplicando a anestesia e a enfermeira de plantão já havia
iniciado os preparativos da sala. Na ala cirúrgica havia sempre um pequeno
grupo de enfermeiras de plantão para o caso de uma emergência como aquela.
Catherine não entendeu porque Peter a havia chamado. Apendicite, mesmo
quando supurada, era caso freqüente em hospital. Imaginou o que ele estaria
sentindo neste momento. Ficou surpresa ao saber que Peter ia operar Sylvia.
Por que não chamou sir John?
Peter entrou na sala, já com o avental e a máscara. Estava pálido e
sério, mas parecia bem controlado.
— Espero que não tenha se importado por eu a chamar a essa hora,
enfermeira — falou, enquanto enxugava as mãos com uma toalha esterilizada.
— Sei que poderia operar com as enfermeiras de plantão, mas eu… bem,
preciso confessar que prefiro você.
O coração de Catherine deu um salto de alegria e felicidade. Ele
continuou:
— Sylvia sentiu-se mal de repente. Por sorte, eu estava com ela, quando
teve uma crise violenta de dor no abdômen.
Catherine enfiou os braços num avental esterilizado e colocou luvas de
borracha. Quando se aproximou da mesa de operação, Sylvia já estava pronta.
Enquanto Peter se preparava, Ray olhou para ele, rapidamente. "Esse
sujeito tem mais coragem do que eu imaginava. Se fosse Cathie, na mesa de
operação, eu não teria essa ousadia", pensou.
A dra. Childs juntou-se a eles e Peter fez a primeira incisão. Alguns
minutos depois, com expressão de espanto, encarou seus colegas. Catherine

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olhou para o campo da operação. O apêndice preso no fórceps parecia
perfeitamente normal. Catherine olhou de um para outro, enquanto sua cabeça
trabalhava, rapidamente. Parecia haver algo na fossa ilíaca, do lado direito.
Em voz baixa, deu algumas instruções para a enfermeira, e logo em
seguida ouviu que os instrumentos pedidos estavam sendo postos no
esterilizador.
Os dedos de Peter estavam apalpando, delicadamente, a cavidade.
— Ah, sim — ele disse —, há um problema no ovário direito. Acho que é
um quisto.
A dra. Childs examinou o local.
— Sim, você está certo. O que vai fazer? Vai tentar removê-lo?
Ele fez que sim com a cabeça e se virou para Catherine.
— Os instrumentos necessários já estão esterilizados — ela disse,
imediatamente.
Os olhos dele mostraram surpresa e a dra. Childs disse:
— A enfermeira Manton consegue muitas vezes tomar decisões rápidas!

Mais tarde, quando Sylvia já estava praticamente fora de perigo e havia


sido levada para o quarto, Peter foi falar com ela:
— Parabéns, enfermeira. Você realmente me surpreendeu, ao antecipar o
tipo de instrumentação de que eu ia precisar.
— Não foi nada de extraordinário. Já assisti vários casos como este e,
afinal de contas, trabalho na ala cirúrgica há muitos anos, apesar da minha
idade.
Ao ouvir as últimas palavras, Peter corou e saiu da sala.
— Que hora pra trazer de volta esse assunto — comentou a dra. Childs.
— O dr. Wingate estava se sentindo realmente grato a você. Bem, vou voltar
para a cama. Boa-noite.
Ray passou o braço pelo ombro de Catherine:
— Você esteve magnífica, Cathie!

No dia seguinte, ela foi ao quarto de Sylvia, ver como estava passando.
Apesar de um pouco pálida, parecia bem. Catherine sorriu para ela.
— Como está se sentindo?
Sylvia levantou os olhos para ela, como se quisesse pedir algo. Por um
instante, Catherine achou que se parecia com alguém, que não conseguia
identificar.
— Estou bem melhor do que ontem, obrigada! Ainda bem que tudo já
passou. Eu… — Sylvia hesitou.
— Sim?
— Eu queria agradecer pelo que fez, ontem à noite. Peter me contou
como você trabalhou bem.
Catherine sentiu uma pontada de prazer, ao saber que ele a havia
elogiado. Ao mesmo tempo, porém, não conseguia deixar de sentir ciúme da
outra.
— Não pense mais nisso, enfermeira — respondeu, virando-se para sair.
— Posso fazer mais alguma coisa por você?
Sentindo uma certa frieza na voz de Catherine, Sylvia hesitou
novamente:

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— Eu… eu acho que não, obrigada. Uma das enfermeiras de plantão vai
fazer compras para mim. — Olhou para Catherine, com o mesmo olhar de
súplica. — Fiquei contente por ter vindo. Será que pode vir me ver novamente?
Eu… eu gostaria muito.
— Sim, é claro! — respondeu, tentando esconder a surpresa que aquele
pedido lhe causou.
Apesar de tudo, havia alguma coisa naquela moça de que Catherine não
gostava.
Depois de ter sido elogiada por Peter, na noite anterior, tinha grandes
esperanças de que ele passasse a tratá-la um pouco melhor. Estava, porém,
bastante enganada, pois ele parecia ter-se tornado ainda mais rude com ela.
Com certeza, estava preocupado com Sylvia, mas, apesar de se mostrar um
pouco ansioso, parecia muito calmo para um homem apaixonado. Será que era
uma pessoa fria? Ou talvez fosse extremamente hábil em esconder os
sentimentos.
Ela ainda não tinha decidido se ia ou não deixar o hospital. No fundo,
sabia que não queria fazer isso.
Será que o fato de ir embora ajudaria Peter? Faltavam ainda quinze dias
para que o pedido de demissão dele fosse assinado, mas tão logo estivesse
tudo em ordem partiria. Ter que procurar outro emprego seria penoso para
ele, mas continuar a trabalhar com ela, sendo tão parecida com Evelyn, fazia
com que temesse errar novamente. Quem sabe, se não encontrassem outro
cirurgião para substituí-lo, ele resolvesse ficar. Se isso acontecesse, será que
suportaria trabalhar a seu lado, dia após dia, sofrendo cada vez mais por amá-
lo em segredo? Sabia que devia suportar tudo, se quisesse ajudá-lo. De
repente, escondeu o rosto nas mãos, com desespero. Se pelo menos ela
soubesse qual a melhor atitude a tomar!
Catherine tentou afastar aqueles pensamentos. Uma coisa era certa:
tinha que parar de se preocupar. Outra coisa importante a fazer era avisar
Matron de que ela estava disposta a ir embora se isso fizesse Peter mudar de
idéia a respeito de abandonar o hospital.
Mais tarde, Peter Wingate dirigiu-se ao quarto de Sylvia.
— Essa não é uma visita profissional — falou para a enfermeira de
plantão, que abriu a porta. — Eu gostaria de falar em particular com a
enfermeira Cleveland.
— Sim, claro, dr. Wingate — ela o acompanhou até a cama de Sylvia e
se retirou.
— Como está se sentindo? — pegou a mão dela
— Bem melhor, Peter.
Puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama:
— Você me pregou um belo susto, sabia?
— Eu não me assustei nem um pouco, quando soube que você ia me
operar. Nunca o perdoaria, se deixasse outro médico substituí-lo.
Havia adoração nos olhos dela e ele virou-se, bruscamente.
— Sylvia… sua confiança em mim e sua presença aqui são as únicas
coisas que estão me ajudando a manter a razão e o bom senso.
— Você ainda está pensando em fugir de tudo aqui? — sorriu, carinhosa.
Ele passou a mão pelo cabelo, sentindo-se constrangido.
— Sei que estou agindo como um covarde, mas, se pelo menos ela não

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fosse tão parecida com Evelyn! Nunca vou esquecer o choque que levei quando
a vi naquela manhã. Elas não só são parecidas, fisicamente, como Catherine
também mostrou claramente que é leviana como Evelyn
— Mas, Peter, você está enganado a respeito da enfermeira Manton. Ela
é realmente muito eficiente. Foi você mesmo que contou como ela percebeu
logo o que havia de errado comigo, durante a operação, antes mesmo de você
ter percebido.
— Bem, tenho que admitir que o trabalho dela tem sido perfeito. Mas
não confio inteiramente na sua… — parou, de repente. — Para dizer a verdade,
Sylvia, é falta de confiança em mim mesmo.
— Oh, Peter…
Calou-se, ao ver no rosto dele uma expressão que nunca tinha visto
antes: desespero total.
— Tudo está se repetindo novamente. Eu posso sentir! Toda vez que ela
entra na sala de operação, toda vez que ela olha ou fala com sir John e com
Ray…
— Querido, você está se torturando à toa. — Olhou para ele, com pena e
compreensão. — Se conseguisse encarar os fatos, já seria meio caminho
andado. Agora, em relação à enfermeira Manton, não há nada a temer. Ela é
uma boa pessoa, acredite.
— Sylvia, por favor. Você não sabe o que está falando!
Os olhos dela tornaram-se sombrios. Como ele tinha medo de que o
passado se repetisse! Olhou para ela, arrependido por ter sido agressivo.
Tentou tranqüilizá-la:
— Quanto tempo você acha que terei que ficar de cama? Quero voltar
logo às minhas funções na sala cirúrgica.
— Primeiro, precisa descansar bastante, para se recuperar.
— Tenho uma saúde de ferro, Peter. Assim que os pontos forem
retirados, eu…
Peter sorriu, gentilmente, e se levantou.
— Você vai ter que ficar por algum tempo em repouso, Sylvia. — Beijou-
a na testa.
Quando Peter entrou na sala de operação, Catherine estava conversando
animadamente com Ray. Ao vê-los juntos, ele virou-se com raiva, e saiu.
Foi por essa época que Catherine começou a notar uma mudança na
atitude de Susan para com ela. Todas as noites, mesmo que fosse tarde, elas
costumavam encontrar-se para conversar. Ultimamente, porém, Susan não
parecia mais interessada em conversar com ela, e por várias vezes Catherine
sentiu que a amiga estava se tornando um tanto crítica. Quando encontrou
com Susan, pensou que estivesse brincando, quando disse:
— Bem, Cathie, com qual dos dois você vai sair esta noite? Sir John ou
Ray? Não acha que está brincando demais com os sentimentos deles?
Encarou a amiga:
— Brincando com os sentimentos? Por que está falando uma coisa
dessas? Nenhum dos dois está levando nada a sério, e sabem que eu também
não estou. Pelo amor de Deus, Sue, não iria fazê-los sofrer, por nada nesse
mundo.
— Você até que está se saindo bem, devo confessar. Já percebeu o
quanto Ray gosta de você? Ou será que está tão obcecada por seus próprios

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problemas e pelos de Peter Wingate que não consegue ver o que está
acontecendo à sua volta?
— Eu não sabia que estava obcecada por meus problemas. — Catherine
corou e lágrimas brotaram em seus olhos. Susan não fazia a mínima idéia de
que ela estava apaixonada por Peter. — Agora, quanto a Ray gostar de mim,
acho que você está certa, mas ele não está apaixonado de verdade. Ele me
convida sempre para sair e por que eu devia recusar, se somos bons amigos?
— Você faz tudo parecer tão inocente! — Susan fez um gesto de
impaciência. — Sabe perfeitamente que Ray está com ciúme de sir John. Eu já
percebi e, com certeza, você também. No entanto, insiste em atormentá-lo ao
sair constantemente com sir John. Não é justo! Você bem que podia se decidir
por um e deixar o outro em paz!
Catherine ficou perplexa:
— Sue, eu não fazia idéia de que você tinha uma opinião tão ruim a meu
respeito. Fez com que duas grandes amizades parecessem terríveis e
complicadas. Recusar sair com qualquer um deles iria magoar e ofendê-los
profundamente, tenho certeza. Se não quisessem minha companhia, não iriam
me convidar. Você está fazendo um drama por nada.
Susan olhou para Catherine e deu um suspiro profundo.
— Esqueça, está bem?
Catherine, no entanto, não conseguiu esquecer. Teve uma sensação
incômoda, ao perceber que Susan estava certa em relação a Ray. Ele estava
decididamente com ciúme de sir John e bastante apaixonado por ela, apesar
de não ter mais tocado no assunto de ficarem noivos, desde o passeio a
Sherwood.
Como a vida era complicada, suspirou. Tudo parecia acontecer ao mesmo
tempo. Ela e Susan tinham sido amigas durante anos, e agora…
Na próxima vez que Ray a convidou, Catherine hesitou.
— Qual o problema agora? — ele perguntou, bruscamente. — Não vai me
dizer que já tem um compromisso com sir John.
— Não.
— Então, o que é?
Ela ficou quieta. O que podia dizer? Se recusasse, ele naturalmente ia
querer saber o motivo e ela não saberia inventar uma desculpa. Também não
podia, simplesmente, dizer: "Não devo encorajar você, porque está apaixonado
por mim". Não, não podia dizer isso.
— Estarei pronta às sete horas.
Eles foram ao Fullerton Park. Deixaram o carro na entrada e andaram
por entre carvalhos majestosos, que se estendiam até onde a vista alcançava.
Ray pegou sua mão, observou a paisagem com prazer e uma alegria
sincera surgiu em seu rosto simpático. Catherine apertou a mão dele. Gostava
bastante do amigo e não seria difícil se apaixonar.
Sentiam prazer na companhia um do outro e poderiam viver um amor
descontraído e alegre, não aquele sentimento sombrio e penoso que ela sentia
por Peter.
Como que adivinhando seus pensamentos, Ray olhou para ela e sorriu,
passando o braço em volta de seus ombros. Deu um suspiro profundo.
— Oh, Cathie, eu te amo!
Encarou-o, com espanto, mas ele continuou a andar, com uma expressão

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de felicidade. Sentaram-se na beira do lago e observaram os cisnes. Depois,
foram a um pequeno bar e tomaram sorvete. Na volta, Ray comentou:
— Oh, Cathie, fico triste, sempre que tenho que deixar a natureza.
Vamos sentar por mais alguns instantes aqui embaixo das árvores?
Ela concordou. Esse parque, a apenas poucos quilômetros da cidade,
sempre lhes dava paz e tranqüilidade. Deitaram-se na grama e ficaram
admirando as folhas e os pássaros nos galhos. De repente, Ray virou-se e
beijou-a.
— Cathie, eu te amo — disse novamente, dessa vez olhando bem dentro
dos olhos dela.
— Ray, não fale assim! — pediu, preocupada.
— Mas é verdade! Por que não deveria dizer?
— Ray, você não me ama! Quer dizer, você não está realmente
apaixonado por mim.
— Quer apostar? — murmurou, procurando seus lábios. Catherine riu,
nervosa, e evitou que ele a beijasse.
— Se pelo menos você não brincasse sempre com tudo! — criticou.
— Qualquer dia — ele falou —, vou comprar um anel enorme e colocar
no seu dedo, antes que tenha chance de reclamar. Bem, acho melhor irmos
embora, está ficando tarde.

CAPÍTULO X

Ao voltar para o quarto, naquela noite, Catherine sentiu que a situação


estava se agravando demais. Será que Ray tinha falado sério? Parecia que ele
estava precisando de afeto. Ray era uma pessoa sensível, e qualquer
demonstração de carinho da parte dela faria com que se apaixonasse
perdidamente. Devia evitar que isso acontecesse, de qualquer maneira.
Apesar de não estar ainda muito escuro, Catherine viu uma luz acesa no
quarto de Susan. Resolveu bater na porta e entrar.
— Oi! Ouvi você chegar — Susan falou, sem entusiasmo, e voltou a se
concentrar no bordado que estava fazendo.
Catherine olhou para seu rosto sério. Por que era tão importante para
Sue o fato de Ray estar se apaixonando por ela? Logo em seguida, porém,
percebeu que estava sendo cega.
— Sue, você está apaixonada por Ray, não é?
Por um momento, as palavras ficaram soltas no ar e a amiga corou.
— É claro que não — desmentiu, com firmeza. — Gosto dele como um
amigo, só isso, e não suporto vê-lo fazendo papel de bobo.
— Eu não estou fazendo Ray de bobo — Catherine disse e olhou para a
outra, com tristeza. — Sue, o que está acontecendo com você, ultimamente?
Se não estava apaixonada por Ray, o que seria, então?
— Não há nada comigo. Acho que devia fazer essa pergunta a você
mesma. Anda preocupada demais com seus próprios problemas. O fato de
Peter Wingate não suportá-la está preocupando você muito mais do que devia.
Por que sempre espera que todos os homens gostem de você? De um lado,
Peter Wingate está certo. Se não está realmente flertando com Ray e sir John,

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você está conseguindo representar muito bem.
— Obrigada, Sue — respondeu em voz baixa e foi para o quarto. Sentou-
se numa cadeira perto da janela e ficou olhando para o céu que escurecia. Em
todos os anos que ela e Sue se conheciam, nunca tinham chegado tão perto de
brigar. Sue negava estar apaixonada por Ray, mas isto, certamente, era
devido a um orgulho muito natural. Pobre Sue, se realmente amava Ray, seu
sofrimento devia ser enorme e sua atitude, bastante compreensível.
Contudo, Ray parecia tratá-la apenas como amiga. Catherine suspirou.
Será que não haveria um fim para todos os problemas, o dela própria, o de
Susan, de Peter e até mesmo de Ray? Sir John parecia ser o único
completamente a salvo de aborrecimentos.
Quando Catherine foi visitar Sylvia, notou o quarto repleto das mais
lindas rosas, fazendo com que seu pequeno ramalhete de flores do campo
parecesse insignificante. As rosas, com certeza, tinham sido mandadas por
Peter, pensou, com tristeza.
Sylvia agradeceu pelas flores e seus olhos acompanharam os de
Catherine.
— As rosas são lindas, não são? Sir John Watkins mandou-as para mim.
— Sir John! — Catherine não conseguiu esconder o espanto. — Mas,
certamente, Peter… Quero dizer, o dr. Wingate… — o primeiro nome dele havia
escapado, sem querer.
Sylvia olhou para ela, maliciosa.
— Sir John comprou-as, pessoalmente, antes de vir para o trabalho. Não
foi gentil da parte dele?
— Sim, muito.
— Peter não vai se importar, se é isso que está pensando.
— Ele não vai? — Catherine repetiu, com incredulidade. Sentiu que não
conseguia acompanhar os acontecimentos. Ou será que estava dando muito
valor a coisas sem importância?
— Você se importaria se… — A voz de Sylvia interrompeu seus
pensamentos — … conversássemos um pouco sobre Peter?
O coração de Catherine começou a bater, com violência.
— Eu preferia que não.
— Por quê?
A pergunta soou de modo rude e Catherine se valeu do fato de ser a
chefe, ali, para encerrar o assunto:
— Não tenho que lhe dar satisfações, enfermeira. De qualquer modo,
parece óbvio. Eu…
O rosto pálido de Sylvia aparentava cansaço.
— Você não está entendendo. O assunto é pessoal e não profissional. A
felicidade de Peter e seu futuro estão em jogo, e isso representa muito para
mim.
E para mim também, Catherine pensou, amargurada. Se ela soubesse o
quanto era difícil falar sobre o homem que se ama — principalmente com a
mulher com quem ele vai se casar! Apesar disso, Catherine queria ajudar
Peter, de qualquer maneira.
— Eu estou… bastante preocupada com o dr. Wingate.
Sylvia relaxou e encostou a cabeça no travesseiro.
— Para começar, quero dizer que conheço Peter já há algum tempo. Sei

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que tipo de homem ele é, o que fez no passado e o que espera fazer no futuro.
Em outras palavras, eu o conheço muito bem.
— Naturalmente, enfermeira.
Como ouvir tudo isso estava sendo doloroso! Saber que essa moça
conhecia mais sobre Peter do que ela própria!
— Eu soube que você descobriu certas coisas a respeito dele. Coisas que
ele não queria que ninguém por aqui soubesse. — Sylvia ficou em silêncio, por
alguns instantes.
— Continue — Catherine pediu, em voz baixa.
— Pessoalmente, não acho que você seja o tipo de pessoa que se
intromete na vida dos outros, só por curiosidade. Acredito que queria ajudar
Peter, e por isso foi a Londres.
— Eu fui para lá com o único objetivo de participar de uma série de
conferências.
Sylvia sorriu:
— E, por acaso, encontrou em Londres várias pessoas que conheciam
Peter? Não, não acredito.
Catherine dominou a vontade de se levantar e sair do quarto. O que ela
queria com aquela conversa?
— Estou sendo paciente, enfermeira. Afinal, o que, exatamente, está
querendo dizer?
— Bem, é que não descobriu exatamente tudo sobre Peter e talvez, eu
contando o que falta, ajude você a compreender melhor a situação. Com
certeza, sabe que ele esteve noivo da enfermeira-chefe do St. Chad e que ela
se parece bastante com você. Também já deve saber que ela rompeu o
noivado, depois da morte de um paciente, pela qual Peter ainda se sente
responsável, apesar da opinião contrária de vários médicos. O que não
descobriu, porque só ele sabe, é que a enfermeira Kilster distraiu sua atenção
durante a operação. Não que isso tenha causado a morte do paciente, mas
Peter jamais conseguiu se perdoar. Foi a primeira vez, em toda sua carreira,
que algo assim aconteceu. Tanto Bill Roderick, o assistente, quanto o
anestesista afirmaram que o paciente, um homem de mais de cinqüenta anos,
teve uma hemorragia cerebral repentina. Se não tivesse morrido durante a
operação, com certeza iria morrer logo em seguida. Mas Peter continua
convencido de que a morte daquele homem tem ligação com ele e com sua
paixão por Evelyn Kilster.
— Eu entendo — Catherine falou, com voz quase inaudível.
— Uma coisa, porém, é certa. Não foi Evelyn que terminou o noivado. Foi
Peter. Ele descobriu o quanto ela era superficial e frívola.
— Mas só descobriu isso depois do incidente?
— Sim. No começo do namoro, Evelyn fazia de tudo para ser agradável e
charmosa. Foi apenas depois de tudo ter acontecido que ela mostrou como
realmente era. Por isso, não é exatamente de você que Peter não gosta, mas
tudo está ainda tão vivo na sua mente! Ele tem medo. Medo de que, um dia,
algo terrível possa acontecer de novo. Eu sei que isso é bobagem dele, mas…
bem, você pode compreender, não é?
— Sim, é claro, exceto…
— Catherine… posso chamar você assim? Peter, na verdade nunca culpou
Evelyn. Ele simplesmente acha que a culpa é toda dele. Na época, estava

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perdidamente apaixonado por ela e, por isso, nunca se perdoou por ela ter tido
o poder de distraí-lo, enquanto operava. Bill Roderick, no entanto, afirmou que
Peter não falhou uma única vez, durante toda a operação. O problema é que
Peter devia estar tão envolvido por Evelyn que teve que lutar e se esforçar
para ficar concentrado. É bem possível para uma mulher, mesmo em silêncio,
atrair a atenção de um homem e distraí-lo de seu trabalho. Peter, no entanto,
tem deixado essa idéia dominá-lo completamente. Você é tão parecida com
Evelyn, ele simplesmente não confia em si mesmo, ele…
— Eu entendo perfeitamente a situação, Sylvia, e agradeço muito por
você me contar. Mas, aqui, não há o menor perigo de Peter ser distraído por
mim, simplesmente porque ele não está apaixonado por mim, muito pelo
contrário. Nesse caso…
— Catherine, Peter não odeia você. Só lhe contei toda a verdade, porque
eu senti que você quer realmente ajudá-lo.
— Eu quero ajudar, e até já tentei, mas falhei. Ele… ele não suporta a
idéia de que eu conheça seu passado. Tentei mostrar a ele que o compreendia,
mas… — Catherine levantou-se.
— Seja paciente com ele — Sylvia pediu e olhou para ela fixamente. — É
difícil para ele, mas tenho certeza de que vai superar esse problema e de que
você pode ajudar.
— Espero que você esteja certa!
Catherine retirou-se, deixando Sylvia absorta em seus pensamentos.
Catherine Manton estava apaixonada por Peter, disso ela tinha certeza. Será
que o amava o bastante para pôr de lado sentimentos pessoais? Ela própria
também o amava e daria qualquer coisa para vê-lo feliz e livre desse pesadelo.
Catherine repassou novamente a conversa com Sylvia. Realmente,
trabalhar com uma réplica de Evelyn Kilster devia ser uma tortura para Peter.
Tinha estado apaixonado por Evelyn, e por causa disso permitiu ser distraído
por ela, apesar de essa distração existir somente na sua imaginação. A não ser
que algo drástico acontecesse, esse sentimento de culpa o seguiria até o fim
da vida.
Devia haver um modo, algo que pudesse fazer para ajudá-lo. Havia pelo
menos uma coisa que podia fazer e que o ajudaria a confiar um pouco nela:
não ia mais sair com sir John e Ray. Peter a considerava leviana; ia mostrar
que estava completamente enganado. Essa atitude também agradaria Sue.
O fim de semana estava chegando, quando sir John telefonou para ela.
— Você gostaria de participar de um pequeno jantar que vou oferecer?
Vai ser no sábado. Acha que estará livre?
Catherine hesitou. Tinha decidido recusar qualquer convite, mas não
conseguiu arranjar nenhuma desculpa plausível. Bem, se o jantar era para
mais pessoas e não só para eles dois…
— Acho que estarei de folga — respondeu, com cautela.
— Estou dando esse jantar para o pessoal da ala cirúrgica: o dr.
Wingate, dr. White, dra. Childs, a enfermeira Hickey e você. Será no
restaurante Adelphi.
— Vai ser maravilhoso — disse mecanicamente.
— Sabe se Susan estará de folga?
— Acho que este é o fim de semana livre dela.
— Ótimo! Pegarei você às sete horas, no sábado, está bem?

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Susan disse exatamente o que Catherine estava pensando sobre o
convite de sir John.
— É estranho, não acha? Qual será o motivo?
— Não faço idéia — Catherine comentou, e de repente sorriu. — Talvez,
sir John ache que esse jantar ajude a estabelecer relações mais amigáveis
entre o pessoal.
— Oh? Entre quem, em particular? — Susan perguntou. — As únicas
pessoas da ala cirúrgica que não se dão bem são você e o dr. Wingate, e eu
não tenho nada com isso.
— Não sei se isso interessa a você, mas se não fosse um jantar para
várias pessoas, eu teria recusado.
— Por quê? — Susan olhou para Catherine, com ironia.
— Você pode não acreditar, mas decidi acabar com a idéia que certas
pessoas têm a meu respeito.
— Ray vai gostar disso, tenho certeza — Susan comentou, e depois
mudou de assunto. — O que se deve vestir para um jantar no Adelphi? Não
estou acostumada a freqüentar lugares sofisticados!
A noite do jantar finalmente chegou. Catherine ficou sabendo que sir
John comprou flores e doces para Sylvia e que, junto com Peter, entregou a
ela.
— Se não fosse por causa da operação, Sylvia estaria conosco no jantar
— John disse. — Por isso, levamos uma espécie de prêmio de consolação para
ela.
Peter convidou Susan, Ray e a dra. Childs para irem em seu carro.
Catherine reparou que Susan estava muito bonita, com um vestido verde-claro
de chiffon, que realçava sua pele morena. Catherine tinha escolhido um
modelo azul, que combinava com a cor de seus olhos.
Por mais de uma vez, sentiu o olhar de Peter, fixo nela.
Sentaram-se à mesa redonda, para seis pessoas, e Ray e John
começaram a conversar. A dra. Childs parecia estar de bom humor e só Susan
ficou quieta. Peter, em silêncio, observava todos.
O rosto de Catherine enrubesceu, quando ele comentou de repente:
— Vocês alguma vez viram Catherine tão bonita como hoje?
Ray franziu a testa ao ouvir o comentário.
— Sim, muitas vezes — disse. Depois, virou-se para Susan. — Mas nunca
vi Susan mais bonita e maravilhosa do que essa noite.
— E eu, ninguém vai dizer que também estou maravilhosa? — a dra.
Childs brincou.
Catherine sentiu-se aliviada com a risada que o comentário da médica
provocou. Depois do jantar, foram até o salão, dançar.
John tirou a dra. Childs e Ray dançou com Susan; Peter e Catherine
ficaram sozinhos. — Agora, ele se sentirá na obrigação de me convidar para
dançar — ela pensou, aflita.
Durante alguns minutos, ficaram em silêncio, apenas observando os
casais na pista. Depois, Catherine sentiu novamente os olhos dele, fixos nela.
— Você quer dançar, Catherine?
Ela balançou a cabeça, sem olhar para ele.
— Não, obrigada, Peter.
— Por que não?

55
— Porque você está me convidando apenas por educação. Na verdade,
não tem a menor vontade de dançar comigo.
— Acho que está completamente enganada a esse respeito — falou
calmamente. — Mas tem todo o direito de recusar.
Catherine olhou para ele, que estava sorrindo e estendendo a mão. Com
o coração disparando, ela se levantou e foram para a pista.
Durante os primeiros maravilhosos minutos, esqueceu completamente
tudo o que a rodeava, apenas consciente da sensação de estar nos braços de
Peter, da sua proximidade e do calor de seu corpo.
— Foi muito gentil da sua parte visitar Sylvia — ele comentou.
— Não foi nada. Afinal de contas, ela é uma das enfermeiras da minha
ala.
— Ela admira muito você, sabia?
— Acho que deve estranhar que alguém possa me admirar, quando você
me consi…
Parou, horrorizada, ao perceber o que estava para dizer. O olhar de
Peter, porém, estava fixo em seu cabelo dourado, seus olhos azuis e em sua
boca perfeita e macia.
— Acho que está enganada — falou, delicadamente. — É muito difícil não
admirar uma pessoa como você, especialmente para um homem.
Catherine apertou os lábios, com raiva e dor.
— Quando é que vai parar de me insultar, dr. Wingate?
— Insultar você? — arregalou os olhos. — Não tive a intenção de insultar
você, mas sim, elogiar.
— Vindo de você, é difícil de acreditar.
Neste momento, Peter sentiu um desejo louco de apertá-la nos braços e
beijar aquela boca carnuda.
Quando todos resolveram partir, Catherine se encontrou praticamente
sem outra alternativa, a não ser voltar no carro dele. John convidou a dra.
Childs para ir com ele, Ray e Susan, deixando os dois sozinhos.
Catherine ficou aliviada ao pensar que, pelo menos, o hospital não ficava
muito longe do Adelphi. Entrou no carro, sentindo-se cansada e derrotada.
Apesar de ter prometido a si mesma e a Sylvia ser paciente e compreensiva
com Peter, tinha respondido a ele de maneira agressiva, em vez de lembrar
que estava atravessando uma fase difícil. Seu amor por ele não podia ser tão
egoísta assim. Estava mais preocupada em não se magoar do que em ajudá-
lo.
— Peter… — falou, impulsivamente, sentindo-se logo acanhada.
Ele virou-se para ela, com surpresa, e ao fazer isso, o carro se
descontrolou e foi parar no gramado do acostamento. Catherine notou que o
rosto dele empalideceu.
— Você ia falar alguma coisa? — perguntou, desligando o motor.
— Costuma desviar o carro desse modo, quando alguém fala com você?
— perguntou, assustada.
— É que você me assustou. Estava distraído.
— Eu… eu sinto muito. Não tive intenção de…
Notou o rosto dele endurecer, enquanto uma expressão de raiva e medo
surgia em seus olhos. De repente, puxou-a, com violência, e beijou-a.
Angústia e dor apoderaram-se dela e, com todas as forças, tentou se

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libertar de seus beijos.
— Peter, não. Oh, não, por favor…
Olhou para ela, com raiva.
— Espero que agora esteja satisfeita. Era o que queria, não era? Você,
com suas palavras meigas e com seus olhos límpidos… Odeio e desprezo você!
— Peter, isso não é verdade. Você sabe que não é. Não é a mim que
você odeia. Você…
— Não é? — ligou o motor e o carro deu um salto para a frente. —
Queria nunca ter conhecido você, e quanto antes me afastar daqui, melhor.
Catherine cobriu o rosto com as mãos. Seus lábios ainda sentiam a
pressão daquele beijo. Peter fixou os olhos na estrada e apertou a direção com
força. Alcançou o carro de sir John no portão do hospital e passou por eles com
uma arrancada violenta. Parou na entrada da ala residencial e Catherine
desceu, sem dizer uma única palavra.
Com mãos trêmulas, tirou o vestido, enquanto uma onda de mal-estar se
apoderava dela. Deitou-se na cama e começou a soluçar.
Ao passar pelo quarto de Catherine, Susan ouviu seu desespero.
Assustada, entrou e fechou a porta.
— Cathie! — pousou as mãos nos ombros da amiga, que tremiam. — O
que há? Foi alguma coisa que eu fiz?
Catherine balançou a cabeça. Aquelas palavras a acalmaram um pouco,
mas mesmo assim não conseguiu responder.
— Quer que eu vá buscar alguma coisa? Um drinque ou… — Susan
ofereceu.
— Não, obrigada. Apenas me deixe sozinha, Sue, por favor.
— Desculpe ter deixado você voltar com Peter. Na verdade, foi culpa de
sir John. Ele disse que Peter queria conversar com você. Mas, se eu soubesse
que ia magoá-la desse modo…
Catherine levantou e acabou de se trocar.
— Boa-noite, Sue. Amanhã nós conversamos.
Susan estava de folga no dia seguinte. Catherine também tinha folga até
as duas horas, mas, como não conseguia dormir, levantou-se cedo e foi até a
cantina, tomar o café da manhã, na hora de sempre. Estava se sentindo
exausta, tanto física quanto mentalmente, e por isso não queria conversar com
ninguém. Tinha prometido a Sylvia que iria visitá-la pela manhã, mas, antes,
precisava respirar um pouco de ar puro e tentar acabar com aquela sensação
horrível.
Atravessou o portão do hospital, no momento exato em que um carro
luxuoso se aproximava. Uma mulher sofisticada pôs a cabeça para fora da
janela:
— É aqui o hospital St. Anne"?
— Sim. A senhora veio visitar alguém?
— Sim. Acho que você pode me ajudar. Ela é enfermeira aqui do
hospital, que foi operada há pouco tempo. É minha sobrinha, Lady Cleveland.
Sabe dizer qual é o quarto dela?

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CAPÍTULO XI

Catherine olhou, incrédula, para a mulher.


— A senhora falou Cleveland… Lady Sylvia Cleveland?
— Sim. Você é amiga dela?
— Bem, não amiga íntima — Catherine respondeu, com cautela. — Sou a
chefe da cirurgia e ela é uma de minhas enfermeiras. Nós a conhecemos
apenas como enfermeira Cleveland.
Uma mulher mais jovem, sentada no carro, inclinou-se para a frente.
— Caroline, eu falei que Sylvia não queria que ninguém soubesse sobre
seu título de nobreza. Ela não queria ser diferente das outras enfermeiras.
— Bobagem, Julia — a outra respondeu, com impaciência.
— Acho que não é bobagem nenhuma — Catherine sorriu. — Ela
realmente manteve segredo sobre isso, mas prometo não contar a ninguém.
Observou o carro imenso passar pelos portões do hospital. Não era de
espantar que Sylvia agisse sempre de modo tão altivo, pensou, sentindo uma
certa admiração pela moça. Não são muitas as pessoas que guardariam
segredo sobre um título de nobreza. E, certamente, a maioria das garotas com
seu nível social não teria escolhido a profissão de enfermeira. Ela podia, por
exemplo, ter estudado medicina.
Pensar sobre a vida de Sylvia ajudou-a, por alguns minutos, a esquecer
da noite anterior. A manhã estava ensolarada e agradável. O campo de golfe
municipal, que ficava ao lado do hospital, estava mais verde do que nunca. Na
rua havia pouco tráfego e no ar, paz e tranqüilidade.
Após ter andado algumas quadras, Catherine voltou para o hospital. Na
ala residencial havia uma pequena capela. As enfermeiras a chamavam de "o
quarto do silêncio". Talvez, ficando lá por algum tempo, conseguisse um pouco
de paz e também alguma inspiração para resolver os problemas que a
atormentavam.
A capela estava vazia. Catherine sentou-se num banco e fechou os olhos,
sentindo-se completamente frustrada e desamparada. Peter ia ficar só mais
uma semana no hospital. Ela o amava! Tentou esvaziar a mente das
preocupações e ansiedades e, gradativamente, foi se sentindo mais calma e
tranqüila.
A primeira atitude a tomar era livrar-se de todos os ressentimentos e
mágoas. Era isso que fazia com que tomasse sempre aquela atitude de defesa,
toda vez que falava com ele. Se pudesse se esquecer de seus sentimentos,
talvez conseguisse conversar calmamente, em vez de ficar ferida e nervosa.
Percebeu, também, como tinha sido estúpida, ao alimentar a opinião de
Peter de que era leviana. Nesse instante, notou com clareza que estava usando
Ray para provocar o outro. Não era honesto fazer isso com o amigo, e ainda
por cima estava prejudicando sua amizade com Sue. Quanto a Peter, podia
apenas rezar por uma oportunidade para provar que o passado tinha acabado,
Ele estava preso a uma culpa que não era sua.
Sentindo as forças renovadas, bateu à porta de Susan e entrou.
— Oh, aí está você — disse, largando o livro que lia. — Eu não fazia idéia
de onde você pudesse ter ido.
Catherine sentou-se na beirada da cama.

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— Fui dar um passeio a pé.
— Está se sentindo melhor, esta manhã?
— Sim, tentei pôr meus pensamentos em ordem. Sue, resolvi parar de
sair com Ray e com John.
— O que fez você tomar essa decisão? — perguntou, com surpresa.
— Bem, um dos motivos foi a conversa que tivemos outro dia. O outro é
Peter Wingate. Sabe, não é fácil de explicar. De um lado, você estava certa.
Sir John e eu não representávamos nada um para o outro; ou melhor, não
existia nada, além de amizade entre nós. Bem, de qualquer modo, não
aceitarei mais os convites dele.
— E com relação a Ray?
— Não estou apaixonada por Ray. Por isso…
— Mas ele está apaixonado por você… — Susan interrompeu, com uma
certa dureza na voz — … e você sabe muito bem disso!
— Ray apenas acha que está apaixonado por mim. E por essa razão, não
sairei mais com ele. É a única coisa que posso fazer.
— É uma pena que não tenha pensado nisso antes — Susan falou, com
ironia. — Mas como pode estar tão certa de que ele apenas imagina estar
apaixonado por você?
Catherine sentiu-se magoada pelo modo como Susan falou aquilo, mas
estava determinada a não discutir.
— É apenas instinto, Sue. Eu e Ray nos conhecemos há muito tempo e
sempre gostamos da companhia um do outro. Uma amizade dessas pode levar
ao amor; principalmente quando os dois estão precisando de afeto e
compreensão. Até pouco tempo atrás, eu não estava segura de meus
sentimentos.
Com um movimento repentino, Susan levantou-se da cama e vestiu um
robe de algodão.
— Catherine, por que você estava chorando ontem à noite?
Ela respirou fundo.
— Estou apaixonada por Peter Wingate.
— Cathie.
— Por favor, Sue, não fique com pena de mim; senão, vou começar a
chorar de novo. Peter foi bastante rude comigo, ontem à noite. Primeiro, ele
me agarrou e me beijou violentamente. Logo em seguida, falou que me
detestava..
— Nossa, Cathie! Esse homem deve ser louco. — Susan ajoelhou-se ao
lado dela. — Pobre Cathie! O que é que você vai fazer agora?
Fez um gesto de desamparo.
— Nada, a não ser me livrar desse sentimento de autopiedade e tentar
mostrar a ele que não sou tão ruim como pensa. Continuo a representar tudo
aquilo que ele está tentando esquecer.
Susan sentou-se na cama.
— Sobre esse assunto, não sei muita coisa. Mas não é de se admirar que
você tenha estado tão infeliz, ultimamente! Desculpe eu ter sido tão rude com
você.
— Não tem importância, Sue. Eu também não tenho sido muito simpática
com a maioria das pessoas.
Houve um momento de silêncio, antes de Susan falar.

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— Você estava certa com relação a meus sentimentos por Ray. Estou
apaixonada por ele. Mas, no momento, ele não tem olhos para ninguém, a não
ser você.
— Siga meu conselho, Sue, e arranje um plano para salvá-lo das minhas
garras. Quando se apaixonar por você, e isso vai acontecer, mais cedo ou mais
tarde, vai ser de verdade, acredite. — Catherine levantou-se. — Estou feliz por
termos resolvido confiar uma na outra novamente. Bom, eu preciso ir, prometi
visitar Sylvia.
Quando Catherine entrou no quarto da enfermeira Cleveland, sentiu-se
aliviada, ao ver que as visitas já tinham ido embora.
Sylvia cumprimentou-a, tímida:
— Então, você acabou descobrindo meu segredo, não é, Catherine?
— Descobri por puro acaso. Mas pode ficar tranqüila, que não vou contar
a ninguém.
— Eu sei que posso confiar em você. Foi muita sorte ser justamente você
a encontrar minha cunhada e minha tia.
— Sua cunhada?
— Há dois anos atrás, eu me casei com Lord Cleveland. Ele foi morto
num acidente de caça. Nós… gostávamos imensamente um do outro. Foi
depois da morte dele que deixei Londres e vim para cá, estudar enfermagem.
— Para esquecer?
— Em parte. Eu também queria fazer alguma coisa útil.
— Você podia ter estudado medicina.
— Sim, mas de algum modo enfermagem me atraiu mais. — Hesitou,
antes de acrescentar. — Foi também um pouco devido à influência de Peter.
Naquela época, ele tinha uma boa opinião sobre enfermeiras.
Este último comentário causou um silêncio. Sylvia quebrou-o,
perguntando:
— Gostou do jantar de ontem?
— De certo modo, sim. Mas temo que não tenha ajudado a resolver os
problemas entre Peter e eu.
— Não ajudou?
Catherine olhou para Sylvia, com desconfiança.
— Era essa a intenção?
— Sir John esperava melhorar o relacionamento entre vocês. Mas o que
aconteceu?
Sylvia mostrava ter certeza de que Catherine ia lhe contar tudo e
também demonstrava estar segura do amor de Peter. Mesmo assim, sentiu
que seria muito difícil dizer que o homem com quem ela ia se casar a tomou
nos braços e beijou, ainda que não tivesse sido por amor.
— Não sei exatamente como aconteceu, mas me deixaram sem outra
alternativa, a não ser voltar de carro com Peter. Não foi uma viagem muito
agradável. Ele deixou bem claro que tem raiva de mim.
— Mas o que foi exatamente que ele disse? — Sylvia insistiu.
— Ele… ele apenas disse que me odiava — Catherine tentou controlar a
voz.
— Oh, Catherine! — Sylvia fez uma cara de desânimo. — O que será que
deu nele, para dizer uma coisa dessas? Foi uma atitude deplorável. Não
entendo o que se passa com ele!

60
— Você sabe, minha cara. Nós duas sabemos — Catherine disse, com
pesar. — Só não sei de que maneira ele vai superar esse problema. Rezei por
ele, esta manhã. — Sorriu, sem entusiasmo. — Você acha que vai ajudar?
— Acho que sim, se nós duas tentarmos…
Lágrimas repentinas embaçaram a vista de Catherine. Por um momento,
se entreolharam, sentindo uma compreensão profunda. Levantou-se para sair,
e prometeu que voltaria novamente. Era realmente estranho que ela e Sylvia
tivessem se tornado boas amigas. Não havia dúvida de que Sylvia e Peter
estavam apaixonados um pelo outro. Esse motivo seria suficiente para não
gostar da outra. Porém, o contrário estava acontecendo; a cada dia que
passava, ela gostava mais da rival.
Foi almoçar no refeitório, apesar de não estar com muita fome. Ficou
satisfeita de encontrar um lugar vazio ao lado de Susan. O murmúrio das
conversas ajudava a diminuir a dor que sentia no coração. A dor que só os que
encontraram e perderam o verdadeiro amor conhecem.
— Ainda nenhum sinal de um novo cirurgião para substituir o dr. Win-
gate, Manton? — perguntou Nora Kelly.
— Não, que eu saiba.
— Não entendo qual é o problema daquele homem. Já era mais do que
tempo de ter se acostumado com você.
Catherine percebeu o olhar de Susan, que rapidamente mudou de
assunto.
— Você vai sair esta tarde, Sue? — Catherine perguntou, quando
terminaram o almoço.
— Não. Dessa vez, vou dar uma de preguiçosa e sentar numa cadeira lá
no gramado e ler um pouco. Te vejo na hora do chá.
Catherine não viu Peter naquele dia. Na manhã seguinte, haveria uma
lista grande de operações que os manteria ocupados e, a não ser que alguma
coisa acontecesse para modificar os planos, Peter deixaria o hospital no
sábado. Catherine não sabia o que seria pior: a dor de vê-lo partir ou a agonia
de continuar trabalhando com ele, sabendo que a odiava.
Por volta das duas e meia da tarde, Ray apareceu, para tomar chá.
— Pensei que você estivesse de folga — comentou.
— Eu estou. Mas de que adianta estar de folga, quando você não está?
Sem responder, Catherine preparou um pouco de chá e ofereceu a ele.
Depois disse, calmamente:
— Ray, você não deve se prender a mim desse modo. — Olhou-a, sério,
mas ela continuou. — Sue, por exemplo, está desperdiçando uma tarde
magnífica como esta, sentada lá no gramado. Por que não a leva para um
passeio?
— O que está tentando fazer, Cathie? Por acaso está querendo me
dispensar?
— Ray! Você gosta de Sue, não gosta? Então, o que há de extraordinário
em vocês dois passarem a tarde juntos, em vez de ficarem cada um para um
lado?
Ele olhou para ela e depois falou, sem entusiasmo.
— Está bem, vou convidar Sue para sair.
— Por favor, Ray, não vá dizer que fui eu que sugeri — Catherine
advertiu, enquanto ele pegava o telefone.

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Foi levar as xícaras até a cozinha e, quando voltou, Ray não estava mais
lá.
Catherine fez suas tarefas, mecanicamente, durante o resto do dia,
verificando se tudo estava em ordem.
Peter só apareceu na manhã seguinte. Vestiu o avental e as botas de
borracha e cumprimentou-a, friamente.
— Bom-dia, dr. Wingate. Temos uma longa lista para hoje — comentou,
tentando manter a voz firme.
Ele não respondeu. Catherine observou seu rosto abatido e sentiu uma
dor profunda. Nesse momento, a única coisa que conseguiu dizer foi:
— Se o senhor me desculpar, dr. Wingate, vou preparar os instrumentos.
Durante o intervalo para o café, comentou com Ray:
— Aposto que você e Sue fizeram um passeio bem agradável, ontem à
tarde.
Ela notou o olhar de surpresa de Peter.
— Sim, foi ótimo — Ray falou, num tom provocador. A dra. Childs riu e
comentou.
— O que está acontecendo? Dedicando toda sua atenção a sir John,
Catherine?
Ray deu um suspiro e Catherine olhou rapidamente na direção de Peter,
que sorria, zombeteiro.
— É um partido bem melhor, não acha, dra. Childs? Sem querer
menosprezar o dr. White, é claro! — ele comentou.
Ray olhou para ele com raiva. Se pelo menos pudesse falar com
Catherine em particular.
— Se isso interessa a vocês, não estou me dedicando a sir John nem a
ninguém, no momento.
— Procurando companhia nova, enfermeira? — brincou Peter.
— Não, dr. Wingate. — Catherine encarou-o. — De agora em diante, a
única coisa a que me dedicarei será ao meu trabalho.
Uma expressão estranha surgiu nos olhos de Peter ao ouvir isso.
Quando a manhã estava quase acabando, ele foi chamado. Deixou a dra.
Childs terminando a operação e saiu apressado. O chamado parecia urgente.
Mas voltou pouco depois, pálido de fúria.
— Enfermeira, posso dar uma palavra com você, em particular? — falou,
controlando-se.
— Sim, claro.— Catherine levantou os olhos, com espanto.
Ele foi para a sala de estar e fechou a porta, quando Catherine entrou.
— Qual o problema, Peter? — seu coração batia, violentamente, diante
da expressão de raiva, amargura e desprezo.
— Problema, enfermeira? Me admira muito você ficar parada aí e fazer
essa pergunta!
Cruzou os braços com força, num esforço aparente para se controlar.
— Pelo amor de Deus, fale! Não faço idéia do que está dizendo.
Ele deu um passo na direção dela e Catherine recuou.
— Você não faz idéia de que, nesse exato momento, enfermeiras estão
comentando e discutindo coisas sobre mim que apenas você, além de Sylvia,
sabia? E sei que ela não foi a responsável por isso.
Catherine olhou para ele, sem acreditar.

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— Mas… mas eu juro, Peter. Eu nunca comentei com ninguém o que sei
sobre você.
— Não comentou, enfermeira? Não? Pense um pouco!
Catherine tentou pensar com calma.
— O que foi exatamente que você ouviu, Peter?
— Agora, há pouco, duas enfermeiras na recepção, pensando que eu já
tinha ido embora, comentaram que deixei o hospital St. Chad por causa de
"uma coisa estranha" que aconteceu na sala de operação, que um paciente
tinha morrido. — Ele respirou fundo. Peter foi até ela, ameaçadoramente, e
segurou-a com força pelos ombros. — Quem, a não ser você, sabia disso?
Quem foi a Londres para descobrir coisas que eu daria tudo no mundo para
esquecer? Agora, todo o hospital está comentando os fatos. Está passando de
boca em boca, e tudo por sua causa. Tenho vontade de matá-la por isso!

CAPITULO XII

Catherine se jogou, tremendo, numa cadeira, apenas vagamente


consciente da figura alta de Peter, que deixava a sala, furioso.
Não sabia o que fazer! Como alguém podia ter descoberto os segredos
dele? Não por ela. A fonte devia ser alguém que trabalhava no St. Chad e tinha
amigos, ali, no hospital. Não havia outra explicação.
A dra. Childs entrou na sala, toda excitada, e Ray veio logo atrás.
— Mas o que é que está acontecendo com o dr. Wingate? — a médica
perguntou, sem cerimônia.
Ray olhou para o rosto pálido de Catherine, que se levantou, tentando
manter a calma.
— Eu… é que eu descobri certas coisas a respeito dele, quando estive em
Londres; coisas sobre seu passado e que, naturalmente, ele não quer que se
tornem públicas. Não sei de que maneira aconteceu, mas parece que estão
comentando por aí. Ele… ele acha que fui eu… — Sua voz foi interrompida por
um soluço.
— Mas isso é um absurdo — Ray protestou. — Você seria a última pessoa
que entregaria os segredos dos outros. Nem mesmo falou nada para mim!
Catherine lutou para segurar as lágrimas.
— Não falei para você, nem para Susan e muito menos para qualquer
outra pessoa. Mas eu preciso fazer alguma coisa, antes que todo o hospital
fique sabendo. — Virou-se para a dra. Childs, com calma e determinação. —
Acha que pode se arranjar com a enfermeira Holland, enquanto vou à
recepção? Foi lá que o dr. Wingate ouviu as enfermeiras comentando e se eu
conseguir falar com elas, talvez parem de espalhar esse boato.
— Claro. Ele já havia pedido, que eu ficasse em seu lugar. Logo percebi
que alguma coisa estava errada. Nunca vi uma pessoa tão nervosa e abalada.
Pode ir, enfermeira. Vou avisar a Holland.
Catherine tirou o avental e a máscara e saiu correndo pelo corredor, em
direção da recepção. Empurrou a porta e, por sorte, não havia nenhum
paciente dando entrada no momento. A enfermeira encarregada estava
sentada na escrivaninha, enquanto duas outras arrumavam cobertores para a

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próxima internação.
A enfermeira Brooks levantou os olhos, com surpresa.
— Olá, Manton, o que eu posso fazer por você? Tem algum problema?
— Brooks, você se importaria se eu tivesse uma pequena conversa com
suas enfermeiras? É importante. Eu… eu sinto não poder dizer qual é o
assunto.
Nunca tinha visto Catherine tão agitada. Seu olhar voltou-se para as
duas enfermeiras, com curiosidade.
— Claro, Manton. Vá em frente. Eu tenho mesmo que dar uma chegada
até os arquivos.
— Obrigada. — Catherine aproximou-se das duas. — Bem, enfermeiras,
qual de vocês tem conhecimento dos problemas do dr. Wingate? — perguntou,
sem rodeios.
Não houve resposta. As moças tentaram se fazer de desentendidas, mas
o medo em seus olhos as traiu.
— Escutem, isso é importante. Quero que vocês pensem com cuidado.
Não sei se estão sabendo, mas o dr. Wingate ouviu a conversa de vocês sobre
ele. Está terrivelmente transtornado. Não com vocês, em particular, acho que
nem sabe como se chamam. Mas o que comentaram não deve, de maneira
alguma, ser espalhado. Se são pessoas honestas e decentes, devem guardar
esse assunto para vocês e tentar esquecer. Agora, qual das duas comentou o
fato e como conseguiu a informação? Podem falar! Não vão ser castigadas por
isso.
Seguiu-se um momento de silêncio. Então, uma delas disse:
— Eu fiquei sabendo através de uma carta que recebi de uma amiga do
St. Chad. O assunto me pareceu excitante e contei a uma ou duas pessoas,
mas prometo não contar a mais ninguém. Não me ocorreu que fosse causar
aborrecimentos.
— O que exatamente estava na carta, enfermeira? — Catherine engoliu
em seco.
A moça enfiou a mão no bolso.
— Falava que ele tinha sido noivo da enfermeira-chefe da cirurgia e
também sobre certo problema ocorrido durante uma operação.
Entregou a carta para que Catherine lesse.
— Quantas pessoas leram isso? — perguntou, sentindo-se cada vez mais
desesperada.
— Eu recebi a carta só esta manhã. Abri no refeitório. Nós somos todas
amigas, se não fosse por isso, eu não teria…
Catherine sorriu, com tristeza. Foi dessa maneira que todo o falatório
começou. Uma enfermeira contou às suas amigas e assim por diante. A essa
hora, metade do hospital já devia estar sabendo. Era muito azar.
Assim mesmo, sentiu que precisava continuar tentando salvar a situação.
— Qual o nome das outras? Preciso tentar acabar com esses
comentários.
A enfermeira disse os nomes das amigas, embaraçada.
— Obrigada. Agora, lembre-se: nenhuma palavra mais sobre o assunto!
Catherine apressou-se para voltar à sala de estar e pegou o telefone.
Ligou para todas as enfermeiras que sabiam da história e perguntou se
haviam comentado o conteúdo da carta com alguém. Uma delas tinha

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comentado toda a história para a irmã.
— Mas ela não vai falar nada, tenho certeza.
— Este é o problema, enfermeira. Todo mundo sempre acha que os
outros vão guardar segredo!
Por sorte, todas as que sabiam do caso estavam ocupadas e teriam
pouca oportunidade para espalhar o boato. Uma delas estava na ala de Susan.
Catherine explicou, resumidamente, para Sue o que havia acontecido.
— Tenho pena de você — Susan disse, com simpatia. — Se eu fosse
você, pediria a Matron para falar com as enfermeiras. Ela pode impor mais
autoridade.
— É, acho que tem razão. Vou ligar imediatamente para ela.
Decidida, Catherine discou para Matron. Aquela não era hora de se sentir
constrangida em delatar as enfermeiras para a chefe. No máximo, iria
repreendê-las, só para diminuir o falatório. Para o bem de Peter, aquela
história tinha que ser controlada.
— Sinto muito atrapalhar você, Matron — Catherine começou —, mas
será que posso ir ao seu escritório agora? É muito importante.
— Claro, pode vir.
Matron permaneceu em silêncio, enquanto Catherine contava todo o
caso.
— Você agiu certo, vindo me contar tudo. Vou chamar as enfermeiras
aqui, antes que saiam para o almoço. É nessa hora que as fofocas mais se
espalham.
Apontando uma cadeira para Catherine, Matron pegou o telefone e ligou
para as sete enfermeiras envolvidas no caso. Em pouco tempo, elas estavam
diante da superiora.
— Acho que a presença da enfermeira Manton é o suficiente para vocês
entenderem porque estão aqui. Não estou brava com vocês e podem ficar
tranqüilas que não serão castigadas. Quero apenas falar seriamente com
todas. Cada uma de vocês está a par de certo assunto que, se espalhado para
o resto do hospital, vai causar muito aborrecimento a um de nossos cirurgiões.
Não só aborrecimento, como também mágoa e tristeza. Eu tenho certeza de
que, como enfermeiras, vocês não desejam causar sofrimento a ninguém,
muito menos a um cirurgião que trabalha com a vida de nossos pacientes.
Ela parou, olhando cada uma, dentro dos olhos. Explicou, com calma:
— A pessoa em questão está sofrendo por causa de um sentimento
exagerado de culpa e responsabilidade. Estou falando tudo isso, no mais
completo segredo, para que vocês entendam que não devem comentar esse
fato, de jeito algum. Todas entenderam?
— Sim, Matron — as enfermeiras murmuraram, impressionadas pelo
drama no qual estavam envolvidas.
— Ótimo. Essa história, então, não deve sair dessa sala. Se, por algum
motivo, uma de vocês não puder resistir à tentação de contar o que sabe a
alguém, todas serão demitidas. Fui bem clara?
— Sim, Matron.
— Mais uma coisa. Não culpem a enfermeira Manton por ter-me
informado sobre o assunto. Ela fez isso por consideração ao dr. Wingate. —
Parou por um minuto e depois abriu um dos livros que estavam na mesa. —
Ah, sim. Esse é o motivo por que chamei vocês aqui. Fui informada de que

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todas estão deixando os quartos em desordem e que não têm arrumado as
camas. Cuidem para que isso não se repita.
Matron liberou as enfermeiras e virou-se para Catherine:
— Bem, acho que está tudo resolvido. Parabéns pela rapidez com que
agiu. O dr. Wingate devia ser grato a você, embora eu não pretenda
mencionar o fato a ele.
— É um grande alívio para mim, Matron, que o faiatório tenha acabado.
O dr. Wingate já tem sofrido o bastante, sem que um assunto como este caia
na boca de todos.
— Tem razão. Por falar nisso, conversei com o dr. Cook esta manhã e
parece que até agora não apareceu nenhum cirurgião para ficar no lugar de
Wingate.
Durante a tarde, o obstetra e seu assistente fizeram duas operações e
Catherine não viu mais Peter. Ficou aliviada, quando nem Ray e nem a dra.
Childs insistiram para contar maiores detalhes sobre o ocorrido.
Às seis horas, Catherine terminou todo o serviço. O fato de ter
conseguido acabar com os comentários era bom, mas a cena terrível com Peter
tinha acabado com as suas energias e com qualquer sentimento de paz ainda
existente em seu coração.
Ao passar pelo corredor no qual ficava o quarto de Sylvia, hesitou um
pouco e depois seguiu em frente.
Gostaria de visitá-la, mas estava cansada e não queria conversar. Sylvia,
com certeza, ia querer ouvir sua versão sobre o caso.
Foi até bom ter passado pelo quarto sem parar. Se entrasse, teria
encontrado Peter lá. Não sabendo dos esforços de Catherine para ajudá-lo, ele
não escondeu sua raiva da noiva.
Sylvia estava sentada numa poltrona, com as pernas enroladas num
cobertor.
— Peter, por que você tem sempre que ser tão drástico em tudo que se
refere à enfermeira Manton? Aquelas enfermeiras podem ter descoberto por
outra fonte. Quem sabe, uma delas conhece alguém no St. Chad? Tenho
certeza de que Catherine nunca ia espalhar esse tipo de coisa por aí.
— Se eu sou drástico em relação a ela, você é mais drástica ainda em
defendê-la. Por quê?
— Por quê? Porque eu a conheço, só isso!
— Só porque ela veio visitar você algumas vezes? Vocês mulheres…
— A enfermeira Manton é uma pessoa maravilhosa, Peter. Ela…
Peter interrompeu-a, violentamente.
— Pelo amor de Deus, Sylvia, quer parar de ficar elogiando aquela
mulher? Você não vê que eu…
— Oh, Peter. Se você ao menos pudesse tirar esse problema da cabeça!
— estendeu a mão para ele.
— Como eu queria nunca ter posto os pés aqui! — ele falou, com
amargura. — Ainda bem que só tenho que ficar mais quatro dias, antes de
deixar esse lugar. — Beijou-a e se levantou. — Que tal darmos um passeio
amanhã? Será que não vai se cansar muito?
Ela sorriu e concordou.
Sylvia não se surpreendeu, ao ver sir John entrar no quarto, na manhã
seguinte.

66
— Ah, pelo visto já está boa, Lady Cleveland — ele falou, sorrindo, ao ver
que ela já estava vestida e arrumada.
Ela lançou-lhe um olhar de advertência, porque a enfermeira de plantão
entrava no quarto.
— Desculpe não tê-la avisado antes que passaria por aqui, mas esta é
uma visita social. Eu e a enfermeira Cleveland descobrimos que temos alguns
amigos em comum — sir John explicou à enfermeira. — Não vou demorar, e se
você não se importar… — Ele empurrou um buquê de flores nas mãos da
enfermeira. — Estas flores são para a enfermeira Cleveland. Será que podia
colocá-las na água?
A enfermeira compreendeu e saiu, ofendida, comentando com uma
colega que era muito estranho cirurgiões fazerem visitas sociais a enfermeiras.
— Você já teve alta para sair? — olhou para ela, com aprovação,
reparando como estava bonita naquele vestido de linho verde.
— Peter falou que talvez pudesse me levar hoje para um passeio.
— Falou? Será que ele me permitiria esse privilégio?
— Por que não pergunta a ele? Você ainda tem que ir para a sala de
operações?
— Sim. Nós temos uma lista razoável de cirurgias, mas acho que
terminaremos antes do almoço. Depois, talvez você pudesse tomar chá comigo
em algum lugar… se Peter permitir, é claro!
— Certo. Mas só se me fizer um favor. Você pode pedir à enfermeira
Manton para vir me ver esta tarde? Preciso discutir um assunto com ela.
Catherine logo adivinhou sobre o que Sylvia queria falar. Quando John
deu o recado, ela imaginou se ele estava agindo certo, indo visitar Sylvia com
tanta freqüência. Afinal de contas, era uma simples enfermeira e ainda por
cima, estava noiva de Peter. Com certeza, ele não ia tolerar isso por muito
tempo.
Estava na cozinha, preparando chá, quando ouviu Peter conversando
com John e percebeu que estava começando a sentir ciúme.
— Não, John. Se você fizer isso, não vou gostar nem um pouco. Eu
mesmo vou levar Sylvia para passear. Fique você com a enfermeira Manton!
Catherine corou e, quando entrou na sala com a bandeja, Peter estava
dizendo:
— Como noivo de Sylvia, tenho meus direitos!
Os dois homens viraram-se, ao vê-la entrar, e mudaram de assunto.
Às duas horas, Catherine foi ver Sylvia, que estava sentada numa
poltrona, lendo.
— Você está com ótima aparência.
— É, estou me sentindo muito bem. Acho que vou sair para tomar chá
esta tarde.
Catherine não fez nenhum comentário.
— Sir John falou que você queria me ver, Sylvia — disse, pegando uma
cadeira.
— Queria que você me contasse o que aconteceu esta manhã. Peter
falou sobre o assunto, mas tenho certeza de que você não teve culpa.
— Peter acha que sou a responsável. O importante é que consegui pôr
um ponto final no falatório, antes que se espalhasse demais.
Um sorriso iluminou o rosto simpático de Sylvia.

67
— Você conseguiu? Mas isso é maravilhoso! Não é de espantar eu não ter
ouvido nenhum comentário. Como foi que conseguiu fazer uma coisa dessas?
Catherine contou-lhe, resumidamente. Sylvia olhou para ela durante um
longo tempo, antes de falar.
— Catherine, nem sei como agradecer. Você é maravilhosa! Imagino que
não contou nada a Peter, não é?
— Não, eu não contei. Toda essa história é tão dolorosa para ele, que
achei melhor não tocar mais no assunto. Quando notar que não está havendo
nenhuma repercussão vai perceber que o boato não se espalhou.
— De qualquer modo, vou contar a ele. Tem que se desculpar com você.
— Oh, não, Sylvia, por favor. Isso só vai piorar a situação.
A outra soltou um suspiro, exasperada.
— Você e Peter são as pessoas mais esquisitas, mas também as mais
amáveis que conheço!
— E o que devo responder a esse elogio?
— Você pode responder o que quiser, mas vou fazer com que você e
Peter se tornem amigos, custe o que custar.
Catherine tratou de mudar de assunto.
— Quem vai levar você para tomar chá?
— Para falar a verdade, não sei se é Peter ou sir John.
O modo natural com que disse isso intrigou Catherine.
— Você sabe que está se metendo em problemas, não sabe? Peter está
ficando com ciúme de John.
— Eu não acho — Sylvia deu um sorriso malicioso. — Peter e eu nos
entendemos muito bem para que exista ciúme entre nós.
Neste instante, ouviram passos pesados no corredor e Peter apareceu na
porta. Ficou confuso e embaraçado ao encontrar Catherine lá. Ela levantou-se.
imediatamente.
— Não vá, Catherine — Sylvia disse, rapidamente. Mas ela já estava na
porta:
— Eu sinto muito, mas preciso ir.
Quando saiu, Peter virou-se para Sylvia.
— O que você pretende, encorajando sir John do modo como está
fazendo? Não percebe que ele é propriedade da enfermeira Manton?
— Sir John, propriedade de Catherine? — Sylvia encarou-o. — Você está
enganado, querido.
— Não estou. Até pouco tempo, ela estava flertando tanto com ele
quanto com Ray, mas agora parece que resolveu se dedicar exclusivamente a
John.
— Está completamente errado, Peter. Tão errado nisso como em relação
a tantas outras coisas. Qualquer dia desses você vai…
— Pare de falar bobagens! Se está pronta, podemos ir.
— Essa realmente é uma maneira pouco delicada de falar com sua futura
esposa.
Ele deu uma risada e depois franziu a testa.
— Ah, isso me fez lembrar de uma coisa. Você não acha que é perigoso
se envolver tanto com a enfermeira Manton? Qualquer dia desses…
— Sabe, Peter, acho que já é hora de contarmos a Catherine toda a
verdade.

68
CAPITULO XIII

— Contar a verdade a Catherine Manton? Você está louca, Sylvia? O


hospital inteiro ficaria sabendo, em menos de uma hora.
— Peter, você não está sendo justo com ela e sabe disso! Desde aquela
hora, na recepção, você por acaso ouviu qualquer comentário sobre o ocorrido
no St. Chad? Tenho certeza de que não ouviu! Sabe por quê? Pela simples
razão de que Catherine conseguiu acabar com todo o falatório. Ela não queria
que eu contasse a você!
Ele pareceu muito espantado.
— Como ela fez para acabar com os comentários? Você não está
querendo me dizer que ela andou por todo o hospital, pedindo a todos que não
falassem mais no assunto, está? Uma vez que um boato começa, não há jeito
de pará-lo. E como é que sabe que acabou de verdade? Você só tem a palavra
dela como garantia, e mesmo ela não pode ter certeza. A chance de eu ouvir
novamente qualquer comentário é de uma em um milhão. A única razão de ter
ouvido aquelas enfermeiras falando a meu respeito foi porque pensaram que
eu não estivesse mais lá, na recepção. Não, o hospital poderia estar
mergulhado em fofocas que eu e você seríamos as últimas pessoas a saber.
— Mas Peter, eu estou dizendo que…
— Afinal, você quer ou não quer passear? — Depois, tornou-se mais
brando. — Venha, querida, o passeio vai fazer bem a você.
— Está certo, mas não acredito no que falou sobre John e Catherine. E
foi mesquinho em não permitir que ele me levasse para passear.
Seguiram pelo corredor e Peter olhou para ela, com um sorriso divertido.
— Você está tentando me deixar com ciúme? É minha noiva, não está
lembrada? Se começar a flertar com John, espere pelo menos que eu tenha
deixado o hospital. Então, você e Catherine poderão disputá-lo.
— Pelo jeito, não concorda mesmo que eu conte a ela sobre…
— Não. Quando eu não estiver mais aqui, pode contar o que quiser a ela;
mas, por enquanto…
— Peter, querido. Eu não entendo por que você vai embora. Se pelo
menos conseguisse esclarecer as coisas com Catherine e esquecer o passado!
— Vamos mudar de assunto, está bem? Estou cansado de discutir o meu
passado e Catherine Manton.
Quando Catherine voltou ao serviço, já eram cinco horas. Todos os
vestígios das operações do dia já haviam desaparecido. As duas enfermeiras
de plantão estavam preparando ataduras e máscaras para anestesia.
Pensou em Sylvia e Peter, com uma certa inquietação. Era evidente que,
John estava interessado em Sylvia e que Peter estava com ciúme. Ela
simplesmente não podia entender a atitude de indiferença de Sylvia. Talvez,
no seu círculo da alta sociedade, esse tipo de coisa fosse encarado com
simplicidade. É verdade que Sylvia só obteve o título de nobreza pelo
casamento. Mas, mesmo assim, tinha um ar aristocrático, como se tivesse
nascido com ele. Devia ter convivido por muito tempo com a alta sociedade,
antes de se casar, e por isso encarava a vida como eles. Não havia dúvida,
também, de que ela e sir John combinavam perfeitamente um com o outro.
Apesar de tudo isso, permanecia o fato de que estava noiva de Peter e ele,

69
apaixonado por ela. Se não fosse assim, não teria ficado noivo. Sylvia parecia
estar apaixonada por ele também, mas se continuasse encorajando sir John do
modo como estava fazendo, Peter ia sofrer novamente.
Foi até a sala de estar e sentou-se, para examinar as fichas dos
pacientes que seriam operados no dia seguinte. Já estava quase acabando,
quando Ray apareceu.
— Muito ocupada? — perguntou, afundando-se numa poltrona.
— Não muito. Estou apenas examinando os casos de amanhã.
— A que horas vai ter folga amanhã?
— Só de noite.
— Quer ir a um cinema ou a qualquer outro lugar comigo?
— Não, Ray.
— Por quê? — seu tom era exasperado. — Por que isso, de repente? Por
acaso, não gosta mais da minha companhia?
— Não se trata disso. Ray. Acho apenas que nós não devemos sair juntos
com tanta freqüência.
Olhou para ela, sem entender.
— Acha que estou me tornando muito sério com relação a você?
— Bem, é mais ou menos isso, Ray.
— Eu me sinto como se tivesse levado um soco no estômago. Depois de
tanto tempo…
— Você logo vai superar tudo isso, com facilidade, tenho certeza. Gosto
de você, Ray, sabe disso! Espero que continuemos a ser bons amigos para o
resto da vida.
— Obrigado.
Virou-se para encará-lo de frente. Não queria ofendê-lo mais do que já
tinha ofendido.
— Você não está realmente apaixonado por mim, e, se pararmos de sair
juntos, logo vai notar isso.
— Será? — levantou-se e, tirando as fichas da mão de Catherine, puxou-
a para si.
— Ray, por favor…
Sem se importar com o protesto dela, abraçou-a e beijou-a. Catherine
fez um esforço para se soltar de seus braços. Nesse instante, notou uma
expressão estranha no rosto de Ray. Ele estava olhando fixamente para a
porta. Catherine libertou-se, apressada para ver quem era. Rezou com todas
as forças para não ser Peter. Mas, quem quer que fosse, já tinha ido embora,
quando ela se virou.
— Ray, quem era?
— Era apenas Sue — ele disse, com uma nota estranha na voz.
— Oh, não! Mais um desencontro! — Catherine perdeu o controle. — Já
estou farta de tantos equívocos. Quando é que você vai aprender a se
comportar?
Correu para a porta e ainda pôde ver Susan, desaparecendo no fim do
corredor. Catherine chamou, mas Susan fingiu que não ouviu. Apressou o
passo, e Catherine voltou para a sala.
Ray, com um olhar confuso e desnorteado, estava na porta, pronto para
sair.
— Até qualquer hora, Catherine.

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Respirou fundo e pegou as fichas novamente.
— O que será que Susan está pensando de mim agora! — falou para si
mesma, com pesar. — Tenho que falar com ela, logo que ficar livre.
Mais tarde, procurou em vão por Susan. Só por volta das onze horas da
noite, ouviu a porta do quarto da amiga ser aberta. Catherine esperava que a
outra viesse vê-la quando chegasse, como de costume. Mas era óbvio que
estava magoada por causa da cena que viu naquela tarde. Determinada em
acabar com qualquer mal-entendido, foi ao quarto de Susan e entrou.
— Estive procurando por você desde a hora que fiquei livre. Não sabia
que ia sair esta noite.
Susan pendurou o vestido no armário, em silêncio. A expressão de seu
rosto demonstrava cansaço e seu olhar estava melancólico e triste.
— Sue, por favor, não fique aborrecida comigo. Eu não tive culpa, juro!
— De que adianta falar sobre isso, agora? Se você teve ou não teve
culpa, não faz diferença nenhuma, embora eu não tenha notado muita
resistência da sua parte.
— O que adiantava fazer escândalo? Eu deveria ter dado um tapa no
rosto dele? Não o encorajei a fazer nada, se é isso que está pensando. E como
eu estava de costas para a porta, você não pôde ver que…
— Catherine, por favor, não continue. Não estou dizendo que você o
encorajou, mas isso não é um grande consolo para mim. Aquela cena apenas
me provou que ele continua apaixonado por você. Por que será que os homens
sempre desejam o impossível e ignoram o que está bem ao lado deles?
— Ray pareceu muito aborrecido, depois que você saiu.
— Aborrecido? — Susan olhou para ela, com ironia.
— Sim. Ficou abalado, ao ver você parada na porta. Talvez, naquele
momento, tenha compreendido que não devia se comportar daquela maneira.
Bem, de qualquer jeito, quando eu voltei para a sala, depois de tentar alcançar
você, ele foi embora, muito confuso.
Susan vestiu o roupão e pegou uma toalha de banho.
— Bem, eu vou tomar um banho.
— Vejo você amanhã — Catherine falou e voltou para o quarto.

Dois dias depois, Matron mandou chamá-la.


— O dr. Cook me pediu para falar com você. Até agora, não recebemos
nenhuma resposta para o anúncio pedindo um novo cirurgião. O dr. Cook já
conversou com o dr. Wingate sobre a possibilidade dele ficar, mas parece que
continua irredutível. Sabe, eu fiquei imaginando se o Wingate sabe que foi
você que evitou que o escândalo sobre seu passado se espalhasse.
— Não sei se ele sabe ou não, Matron. Não falei nada com ele e não sei
se a enfermeira Cleveland acabou contando ou não. Talvez tenha contado, e
ele se recusa a acreditar. Ele… ele sempre pensa o pior de mim.
Matron balançou a cabeça.
— Simplesmente não consigo compreendê-lo. Acho que nunca tivemos
uma pessoa tão difícil de lidar, aqui no St. Anne. Estive pensando, se por acaso
você não teria alguma influência sobre ele. O fato de nos deixar está ligado a
você.
— Matron, faz algum tempo, falei com você que estava disposta a sair
daqui, se ajudasse a resolver a situação. Continuo disposta. Na verdade, eu

71
me sinto responsável por esse problema.
— Bobagem, enfermeira. A culpa não é sua. É muita bondade da sua
parte querer ir embora, mas não vou permitir que faça isso. Não, nós temos
que deixar tudo como está e torcer para que aconteça alguma coisa, no último
minuto, que faça ele mudar de idéia. Até lá, será que você poderia tentar falar
com ele? Talvez surta algum efeito, nunca se sabe.
— Vou tentar, Matron — prometeu, com relutância. Catherine decidiu ir
primeiro ver Sylvia.
— Peter falou que posso ter alta no sábado. Isso quer dizer que
poderemos viajar juntos para Londres.
— Ele tem algum emprego em vista?
— Não, que eu saiba. É que nós dois somos de Londres.
— Ele está realmente decidido a deixar o hospital, não é?
— É, eu temo que sim. — Sylvia falou, com tristeza. — Estou
terrivelmente desapontada com o rumo que as coisas tomaram. Tinha grandes
esperanças de que ele superasse aqueles problemas do St. Chad. Mas até
parece que insiste, de propósito, em ficar ligado a eles.
— Sylvia, você por acaso contou a Peter como aquele comentário a
respeito dele não se espalhou? Matron acha que, se soubesse, talvez se
tornasse menos severo comigo e resolvesse ficar.
— Tentei contar a ele, mas foi um tanto cético.
Sylvia pensou, por um momento, e depois disse, em voz baixa:
— Catherine, por que você mesma não conta a ele? Talvez acredite. Está
convencido de que todos estão comentando seus problemas pelas suas costas.
— Isso não é verdade. Bem, vou tentar falar com ele. — Catherine disse
pela segunda vez. — Não posso dizer que essa idéia me anima. Para ele, a
minha presença já é o suficiente para desencadear reações desagradáveis.
— Peter é um idiota. O que ele precisa é de um choque. Alguma coisa
que o liberte desse trauma absurdo. Ele, na verdade, é uma pessoa
maravilhosa; mas aqui no hospital está agindo de uma tal maneira, que todos
o consideram a pior pessoa do mundo.
Catherine saiu. Não se sentia nem um pouco animada em ter que
conversar com Peter. Apesar de se esforçar para ser simpática, sua presença
parecia deixá-lo nervoso e com raiva.
Era quinta-feira e ela sabia que devia tentar falar com ele, se possível.
durante a tarde. Não estaria trabalhando à noite, e não queria deixar a
conversa para sexta-feira. Não que hoje ou qualquer outro dia fosse um bom
momento para um encontro. Mas, já que tinha resolvido falar, não fazia
sentido ficar adiando.
Desde o incidente na sala de estar com Catherine, Ray andava pelo
hospital, como se estivesse enfrentando um problema sério. Entrava e saía da
sala cirúrgica, meio perdido. Catherine encontrou-se com ele, quando ia para a
cozinha, preparar um pouco de chá para os médicos.
— Está querendo uma xícara de chá, Ray?
— Bem, não exatamente. Eu… eu estava querendo conversar com você
mas já vi que está ocupada.
— Hoje o movimento está intenso. — Despejou água na chaleira e
colocou a tampa. — Por que você não aparece lá pelas seis? Até lá já terei
terminado tudo.

72
A última operação, uma cirurgia de desvio do septo, terminou às cinco
horas. Mesmo nos dias em que Peter não operava, ele costumava aparecer.
Hoje, no entanto, não deu sinal de vida e Catherine começou a se preocupar.
Precisava encontrar-se com ele, de qualquer jeito.
Nesse instante, Susan ligou. Também ficaria livre às seis e sugeriu que
fossem jogar uma partida de tênis.
— Eu gostaria, Sue, mas acho que estarei ocupada até mais tarde.
— Por quê? As operações ainda não terminaram?
— Já, mas… Bem, para falar a verdade, prometi a Matron que teria uma
conversa com Peter, para tentar persuadi-lo a ficar. Mas, até agora, não
consegui encontrá-lo. Ainda por cima, Ray ficou perambulando por aí, como se
estivesse perdido, e disse que queria falar comigo. Não faço a mínima idéia do
que se trata.
Catherine continuou, apressada, pois não queria que Sue fizesse nenhum
comentário.
— Não quero que Peter apareça, antes de Ray ter ido embora; mas
também não quero me demorar muito para encontrar com ele. Ele pode sair,
nunca se sabe.
— E, tudo parece bastante complicado.
— Sue, eu estava pensando. Posso falar para Ray que você está com
vontade de jogar uma partida de tênis e que está esperando na quadra?
Ao ouvir isso, a outra se ofendeu:
— O quê? Me pôr à disposição, para se livrar dele?
— Sue, por favor. Você é a única pessoa que pode me ajudar. Você e
Ray já jogaram muitas partidas juntos e, por isso, ele não vai estranhar.
— Está bem, está bem. E boa sorte com Peter Wingate.
Catherine sorriu:
— Vou precisar de toda a sorte do mundo. Assim que puder, vou me
encontrar com você.
Ray apareceu na sala de estar alguns minutos antes das seis e se jogou
numa poltrona.
— O que está remoendo, Ray? Você não está ainda preocupado com o
que aconteceu, não é?
— Sim, estou. Eu lhe devo desculpas. Se você não estava
correspondendo aos meus sentimentos, eu não tinha o direito de forçar nada.
Mas você sabe, Cathie, que é uma pessoa extremamente fácil de qualquer um
se apaixonar, e ainda sinto vontade de beijá-la.
— Será que não quer apenas beijar, seja quem for?
— Mas que coisa, o que você acha que eu sou? — ele protestou, com
veemência, e depois sorriu, malicioso. — Talvez tenha razão. Eu não sei. Mas
não é isso o que mais tem me aborrecido. É Sue. Não consigo tirá-la do
pensamento. A expressão que tinha no rosto, ao nos ver juntos, está me
perseguindo. Por que será que ela fugiu daquele jeito? Por acaso, comentou
alguma coisa com você sobre aquela tarde?
Catherine não respondeu imediatamente. Estava tentando descobrir a
melhor maneira de dar uma pista sobre os sentimentos de Sue.
— Eu, se fosse você, não ficaria preocupado com isso. Assim que me
tirar da cabeça, vai encontrar uma outra pessoa. Por falar nisso, Sue está com
vontade de jogar tênis. Eu prometi a ela que estaria na quadra logo depois das

73
seis, mas acho que vou me atrasar, porque ainda tenho que resolver uns
problemas. Você acha que poderia…
— Tênis? Depois de dez horas de trabalho? Ela deve estar louca. Um
passeio pelo campo seria muito mais agradável. O que você acha?
— Não pergunte a mim, mas se você conseguir convencer Sue a ir, será
ótimo.
Ele se aproximou de Catherine.
— Cathie, você é maravilhosa. Eu queria… — passou o braço em volta de
seus ombros. — Estou com vontade de te beijar, mas toda vez que eu tento,
alguém sempre aparece. Qualquer dia desses, vou prender você num quarto,
trancar a porta e fechar a janela.
Ela riu e o empurrou, gentilmente. Quando estava se afastando dela,
Peter entrou na sala. Catherine notou o mesmo brilho de desprezo em seus
olhos, que passavam de um para outro.
— Oh, dr. Wingate eu estava mesmo querendo falar com o senhor.
— Eu já vou indo — Ray saiu, quase correndo.
— Qual o assunto, enfermeira?
— É um assunto bastante delicado, Peter. Não quer se sentar?
Ele encolheu os ombros e se sentou. Catherine fez o mesmo, o coração
batendo com fúria, enquanto tentava encontrar a melhor maneira para
começar. Sabia que o incidente ocorrido no St. Chad era um assunto doloroso
e sentiu medo da reação violenta que Peter podia ter.
Ele ficou calado, com aquela expressão amarga que ela conhecia tão
bem. Daria qualquer coisa no mundo para vê-lo feliz e livre desse pesadelo.
— Eu queria dizer a você que desoobri como as enfermeiras da recepção
conseguiram as informações a seu respeito. Foi através de uma carta de
alguém do St. Chad. Consegui falar com as enfermeiras para quem elas já
tinham passado a informação e pedi que não tocassem mais no assunto.
Foram ameaçadas de demissão, se mais uma palavra sobre isso fosse ouvida
no hospital.
Ele encostou-se na cadeira e a observou.
— Foi assim, Catherine? Então, parece que devo lhe agradecer. Mas por
que me contou tudo isso? Está querendo que eu peça desculpas, por ter feito
mau juízo de você?
— Isso é problema seu, Peter. A razão de eu ter contado é, na verdade,
uma introdução para outro assunto. Gostaria de pedir que reconsiderasse sua
decisão de deixar o St. Anne no sábado.
— De verdade? Devo me sentir lisonjeado com esse pedido?
Catherine lutou contra uma onda de raiva que ameaçava explodir.
— Não, não deve. Pelo menos, não por minha causa. Estou fazendo esse
pedido somente em benefício do hospital. Até agora, não foi possível encontrar
outro cirurgião para substituí-lo e, como sua principal objeção em ficar é não
gostar de mim, pensei que, esclarecendo certos assuntos, você pudesse mudar
de idéia e resolvesse ficar.
— O problema não se restringe somente ao fato de eu ter pensado que
você espalhou aquela história a meu respeito. Acho que sabe muito bem disso!
— Sim. Você me acha muito jovem, não é? Jovem e irresponsável, Bem,
acho que já provei minha eficiência. Você também acha que sou leviana, e se
isso lhe interessa, gostaria de dizer que parei de aceitar convites, tanto de sir

74
John quanto de Ray.
— Tudo isso está soando muito simples e honesto, Catherine, mas existe
algo que você se esqueceu de incluir nos seus esforços para analisar a
situação.
Levantou-se da poltrona e veio na direção dela. Por um momento, ficou
olhando, com uma expressão que Catherine nunca tinha visto em seu rosto
antes. Então, agarrou-a pelos ombros e a obrigou a ficar em pé.
O coração de Catherine começou a bater com violência e, de repente, ele
a abraçou com força e pressionou os lábios contra os dela.
Durante um minuto, ele a manteve em seus braços; depois, com a
mesma violência com que a beijou, soltou-a e a empurrou para a cadeira. Deu
a volta na mesa e, firmando as duas mãos, inclinou-se para ela.
— Você alguma vez já viveu um pesadelo, Catherine? Você já lutou
contra alguma coisa com todas as suas forças e descobriu que essa coisa a
estava dominando e oprimindo por todos os lados? Você alguma vez já viu
desastres e problemas caminhando em sua direção, sem que fosse capaz de
fazer nada e, ao mesmo tempo, sabendo que devia tentar alguma coisa? Você
já passou por isso, Catherine? Já?
— Peter, tente esquecer. Você está se prendendo ao passado e por isso
vive amargurado.
— Você acha? — ele perguntou, áspero. — Por acaso, já viu a lista de
operações para amanhã?
O coração de Catherine pareceu explodir, ao sentir o pânico apoderar-se
dele.
— Ainda não, por quê?
— Bem, eu vou contar uma coisa, minha querida Catherine. A primeira
operação na lista é uma cirurgia renal. Uma cirurgia renal… — Seus olhos
passearam rapidamente pelo rosto dela, com desespero. — Eu estou dizendo:
o passado me persegue. Por mais que tente, não consigo escapar.
— Mas, Peter, você fez uma cirurgia renal no primeiro dia que chegou
aqui e nada aconteceu.
Ele riu, amargo.
— Nunca vou esquecer aquele dia. — Ficou quieto e olhou para ela.
Catherine prendeu a respiração diante daquele olhar que não conseguia
interpretar. Ele cerrou os punhos e deu um soco na mesa. — Agora, vai ser
mais terrível do que nunca! Não, Catherine, amanhã será o último dia que
operarei no St. Anne.
Saiu, deixando aquelas palavras pairando no ar, como um eco.
Mecanicamente, Catherine olhou para os papéis na mesa. Pegou a lista. Sim, lá
estava a cirurgia renal. Henry Smith… cirurgia renal. Nove e meia.

CAPITULO XIV

Durante um longo tempo, Catherine ficou olhando para aquelas palavras,


como se estivesse hipnotizada.
Depois, com esforço, forçou seu cérebro paralisado a voltar a funcionar.
O que estava acontecendo com ela? Será que estava se tornando obcecada

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pelo mesmo medo que dominava Peter? Não havia nada para temer. Peter ia
superar tudo.
Essa operação iria convencê-lo, de uma vez por todas, de que tinha
completo controle sobre si mesmo e sobre suas emoções. Mas a que ele
estaria se referindo, quando falou que já era ruim o suficiente antes de… antes
de quê? O que será que estava para dizer e por que havia olhado para ela
daquela maneira?
Catherine pôs a mão na cabeça. Seu cérebro parecia não estar
funcionando muito bem. Havia ainda detalhes que não compreendia e não
tinha coragem de tentar descobrir.
Ficou aliviada com a chegada da enfermeira Holland.
— Você não está trabalhando a essa hora, está? Pensei que tinha saído
sem me avisar.
Catherine deu um sorriso tímido.
— Oh, não, enfermeira. Eu não faria uma coisa dessas. Estava aqui,
examinando os casos de amanhã, mas fui tantas vezes interrompida que…
A enfermeira Holland olhou para ela:
— Quer que prepare uma xícara de chá? Você está um pouco pálida. Está
se sentindo bem?
— Sim, enfermeira, eu estou bem. Acho que é melhor ir andando. Não se
incomode em preparar chá para mim, obrigada.
Catherine se levantou e colocou as fichas sobre a mesa. A enfermeira
Holland olhou para a lista de operações e disse:
— Não se preocupe com nada. Vou até a sala cirúrgica e apronto tudo
para amanhã.
Não se preocupe com nada! Como é fácil falar! Mas Catherine continuava
a ser perseguida pela expressão do rosto de Peter e pela força das suas
palavras. Ele teria que ser forte para enfrentar as coisas, no dia seguinte.
Quando entrou no quarto, encontrou um bilhete de Susan: "Sabendo o
que sente em relação a P.W., fui passear com Ray. Vejo você mais tarde, Sue."
Catherine leu o bilhete, distraidamente, sentindo-se incapaz de qualquer
reação. Ainda com o uniforme, foi até o quarto de Sylvia. Entrou sem dizer
nada e Sylvia parou de ler, sentindo imediatamente como estava tensa.
— O que aconteceu, Catherine?
— A primeira operação na lista de amanhã é uma cirurgia renal! — falou,
cheia de medo.
Seguiu-se um silêncio pesado. As duas olharam-se, sabendo que a
situação era importante demais para qualquer comentário ou explicação.
— Peter sabe? — Sylvia perguntou.
— Sim.
— Acho que não preciso nem perguntar a você sobre a reação dele.
Conseguiu ter aquela conversa?
— Consegui. Nada pode fazer com que ele fique. Mas o fato de ficar ou
partir não é o mais importante, não acha?
— Não. De modo algum. Mas o que ele pensa de você é. Contou a ele
como acabou com os falatórios?
— Oh, sim.
— E o que disse? Acha que acreditou em você?
— Acho que sim. Deu a entender que tinha feito mau juízo de mim por

76
mais de uma vez. Mas parece que ainda está com medo de executar essa
cirurgia comigo na sala de operação, como se…
Ela parou. Não podia, não devia dizer o que estava pairando em seu
subconsciente. Era fantástico e improvável demais para ser verdade.
— Como se… o quê, Catherine?
A pergunta ficou no ar, esperando por uma resposta.
— Sylvia, não me pergunte! — Catherine implorou. — É só uma
suposição maluca, maluca demais para ser verdade.
Sylvia soltou um suspiro longo e demorado.
— Sabe, eu acho que Peter está lutando com um outro sentimento. —
Inclinou-se para a frente. — Primeiro, quero que esqueça, por um momento,
que Peter e eu estamos noivos. Catherine, vamos supor que Peter esteja
inseguro… porque ele agora está sentindo em relação a você, exatamente o
mesmo que sentia com relação a Evelyn Kilster. Já passou pela sua cabeça que
ele possa estar apaixonado por você?
Catherine arregalou os olhos.
— Sylvia… não!
— Mas essa é a única explicação plausível. Com certeza, deve achar que
está apaixonado por você. Ou, talvez, sinta-se atraído demais e esteja lutando
contra essa atração.
Catherine ficou de pé. Isso tudo era mais do que podia suportar. Veio ver
Sylvia, instintivamente, pois sabia que era a única pessoa com quem podia
falar sobre Peter. Mas…
— Não fique brava, Catherine. — Sentou-se novamente e enterrou o
rosto nas mãos.
— Sylvia, se você soubesse como tudo isso me machuca! Qual a
vantagem de supor? Ele me odeia. Ele…
Por duas vezes ele a tinha beijado violentamente. Será que teria feito
isso se… Catherine afugentou aquele pensamento, dizendo:
— Você e ele estão noivos e vão se casar. Qualquer que seja o
sentimento que Peter tenha por mim, preciso tomar todo o cuidado possível
para que se esqueça, amanhã, da minha existência. Ele não deve pensar em
nada, a não ser na operação. Não deve haver tensão no ambiente, e sim
tranqüilidade e paz. Ele precisa se desligar por completo da minha presença.
Sylvia, às nove e meia, reze para ele, como nunca rezou antes.
Catherine levantou-se, sentindo uma calma estranha.
— Já vi Peter operar. É um grande cirurgião. Ele tem que entender e
acreditar nisso! Uma mulher pode arruinar um homem com seu
sentimentalismo, seu desejo de atenção, seu orgulho ferido e muito mais. Por
outro lado, se ela o ama de verdade…
Sylvia ficou de pé e seus olhos brilharam.
— Catherine! — falou, quase num sussurro. — Você é a pessoa mais
maravilhosa que já conheci. Se existe alguém que pode ajudar Peter a se
reencontrar, esse alguém é você. E eu… eu serei eternamente grata a você.
Catherine mudou o uniforme e foi à sala de refeições, para jantar,
sentindo-se estranhamente forte e decidida. Deveria agir normalmente,
conversar e se comportar como sempre, como se o dia seguinte fosse um dia
igual a todos os outros. Sentou-se junto com um grupo de enfermeiras e
tagarelou sobre as coisas mais comuns, como lojas, roupas, os caprichos das

77
estagiárias, os astros de televisão, homens e dinheiro.
Quando Susan entrou no quarto, às dez e meia, estava deitada na cama,
de camisola, lendo um livro.
— Olá, você parece relaxada.
— No momento, estou me sentindo tranqüila.
Susan olhou para ela, com curiosidade.
— Aconteceu alguma coisa agradável? Uma conversa boa com Peter?
Catherine hesitou.
— A chaleira está no fogo, pegue as xícaras, enquanto eu faço o chá.
No momento de servi-lo, disse, casualmente:
— Você e Ray fizeram um passeio agradável?
Susan sorriu, feliz.
— Sim, bem gostoso. Fomos até o rio e demos uma volta de barco.
— Que ótimo! Peter e eu fomos passear no rio, na última tarde, em
Londres.
Susan encarou-a, com uma expressão confusa.
— O que aconteceu com você, Cathie? Parece diferente! Por acaso, teve
uma conversa produtiva com Peter?
Por um momento, Catherine fixou o olhar na xícara de chá, e então
disse:
— Não foi uma conversa inteiramente boa. Expliquei algumas coisas a ele
e perguntei se podia mudar de idéia e não partir.
Susan ergueu as sobrancelhas:
— Verdade?
— Foi idéia de Matron. Mas temo que não tenha dado resultado.
Susan deu um suspiro profundo e lançou um olhar cheio de simpatia.
— Catherine, eu queria que as coisas não fossem desse jeito… tão
horríveis para você. Acredita que ele esteja apaixonado por Sylvia? Eu quero
dizer, será que há alguma esperança para você e ele?
Catherine balançou a cabeça.
— Sylvia e Peter são mais íntimos do que qualquer casal que já conheci.
Eles se compreendem tão bem! É quase como se já fossem casados.
— Cathie, não é possível!
— É verdade. Depois da operação de Sylvia, eu passei a conhecê-la
bastante bem. Ela ama Peter, com uma devoção bastante rara. Eu… — Parou,
sentindo um súbito aperto na garganta. Decidida a manter as emoções sob
controle a todo custo, tomou alguns goles de chá. — Seria muito mais fácil, eu
acho, se pudesse odiar Sylvia, mas o estranho é que não consigo.
Susan balançou a cabeça, em dúvida.
— Com certeza, ela não tem a mínima idéia de que você…
— Isso é outra coisa que me intriga. Acho que ela sabe.
Susan esvaziou a xícara.
— Não consigo entender como vocês não vivem brigando.
— Isso não iria ajudar Peter em nada, não acha?
— É, não acredito que fosse bom para ele.

Na manhã seguinte, Catherine estava bem desperta e alerta, mesmo


antes que a enfermeira do turno da noite batesse a sua porta. Calmamente,
tomou banho e se vestiu; depois, foi ao quarto de Susan. Ao ver Catherine

78
vestida, a amiga ficou espantada:
— Mas o que há de errado com você?
— Nada, não se assuste. É apenas o último dia de Peter, e… Bem, achei
que seria melhor fazer com que fosse um dia bom, fazer todas as coisas
tranqüilamente, sem correrias. Você me entende?
Susan olhou para ela, em silêncio, por um instante.
— Sim, eu entendo. Não espere por mim. Vejo você mais tarde.
A preparação da sala para as operações do dia transcorreu
perfeitamente, como sempre. Catherine não se permitiu ficar nervosa ou com
medo, em atenção a Peter. Ele precisava estar cercado de pessoas calmas e
confiantes; a atmosfera devia ser carregada de ânimo, e não de fluidos
negativos.
Peter chegou ao hospital às nove e vinte, parecendo pálido, mas
decidido. Catherine o cumprimentou com tranqüilidade. Peter voltou-se para
ela, rapidamente, como se esperasse um comportamento diferente ou alguma
atenção especial da parte dela. Não notando nada, pareceu aliviado.
— Tudo em ordem, enfermeira?
— Sim, tudo bem, como sempre. — Olhou para ele, tentando transmitir
calma. — Não há nada especial entre os casos de hoje, apenas rotina, não é?
— Correto, enfermeira.
O que havia de diferente nela essa manhã? Parecia possuir forças
renovadas e total confiança.
— Você encontrará todas as fichas dos pacientes em ordem, sobre a
mesa, e as chapas de raio-X ao lado.
— Obrigado.
Enquanto se retirava, Peter a observou e esboçou um sorriso. Estava
certa: não havia nada de especial nas operações do dia. Ele já as tinha
realizado com grande perícia muitas vezes antes. Eram operações de rotina,
principalmente com uma enfermeira-chefe igual a ela…
Peter tirou o casaco, arregaçou as mangas da camisa, calçou as botas de
borracha, especialmente reservadas para ele, e entrou na sala de operação.
Esta manhã, como nunca antes, estava ciente de sua obrigação. Pensou nas
pessoas que confiavam e dependiam dele, e sentiu uma grande
responsabilidade.
Não podia desapontá-los. Apesar de tudo, era apenas mais uma
operação. Só para o paciente e para as pessoas que o amavam, este era um
dia diferente dos outros.
Peter lavou as mãos e as enxugou numa toalha esterilizada, antes de
colocar a máscara. Ao se dirigir para o centro da sala, parou por um instante.
A sala de operação estava pronta: Raymond White, como de costume,
estava na cabeceira do paciente; a dra. Childs se encontrava do outro lado da
mesa; o paciente, completamente anestesiado; uma enfermeira, junto dos
instrumentos e… a enfermeira-chefe. A enfermeira-chefe da cirurgia, fria,
eficiente e impessoal.
Impessoal
Avançou para a mesa e olhou para Ray.
— Anestesia, dr. White?
— Satisfatória, dr. Wingate.
— Ótimo. Bisturi, enfermeira.

79
— Bisturi, doutor.
Com orgulho e emoção, Catherine observou a firmeza da mão de Peter.
Cada movimento estava sendo feito com perícia e confiança, sem pressa
exagerada nem lentidão, apenas com calma e certeza. Na manhã de sua
chegada, quando assistiu a outra cirurgia renal, ele também demonstrou
perícia e calma. Mas hoje, havia algo de diferente: uma concentração natural e
uma habilidade espantosa. Parecia estar inteiramente desligado de tudo, a não
ser do homem cuja vida estava em suas mãos.
Nesse instante, o telefone tocou. A enfermeira que foi atender voltou e
murmurou o recado para Catherine.
— Alguma coisa para mim, enfermeira? — Peter perguntou, sem desviar
os olhos do que estava fazendo.
Catherine hesitou por alguns segundos.
— É um chamado de Londres. A telefonista completará a ligação, tão
logo o senhor ordene.
— Bem… Pinça, enfermeira.
— Pinça, doutor.
Um telefonema de Londres… Londres. Catherine se sentiu estranhamente
triste. Talvez seja um emprego novo para Peter. Londres… St. Chad…
Ouviu Peter dar uma ordem ríspida e, instintivamente entregou a ele um
instrumento.
— Eu disse fórceps, enfermeira!
Por um segundo, seus olhos se encontraram, mas naquele instante
Catherine teve certeza de que ele estava em completo controle de si mesmo.
Estendeu a mão para o instrumento certo e, ao entregá-lo para ele, sentiu que
Peter tinha superado o medo para sempre.
A operação terminou e o paciente estava em ótimas condições. Peter
deixou a dra. Childs dar os pontos necessários e foi para a sala de estar,.
atender o chamado de Londres.
Depois de alguns minutos, Catherine tirou o avental e a máscara e foi
até a cozinha, preparar o café. Podia ouvir a voz de Peter falando ao telefone e
sentiu um vazio. Quando desligou, ela entrou na sala, com o café.
Estava de pé, perto da janela, olhando para o jardim. Ao ouvi-la entrar,
ele se virou e dirigiu-se, vagarosamente, em sua direção. Peter olhou para ela
com firmeza e, pela primeira vez, Catherine viu paz e serenidade em seus
olhos.
Aqui estava o verdadeiro Peter Wingate, livre de tudo que o dominava,
pensou. Ela o amava com todas as forças. Apesar disso, só conseguiu dizer:
— Café?
— Obrigado, enfermeira — seus olhos cinzentos vacilaram. — Como você
tinha dito, foi uma operação de rotina.
— É claro.
Houve um momento de silêncio. Parecia que Peter queria dizer algo, mas
não sabia como começar.
— O chamado de Londres foi de sir Williams Baines, do Hospital St.
Helen. Ele me ofereceu um cargo como seu assistente. Gostaria que você fosse
a primeira a ficar sabendo…
Antes que conseguisse terminar a frase, Ray entrou, fazendo o barulho
de costume.

80
— Tem café pronto, Cathie?
— Dr. White! — Catherine protestou.
— Está bem, querida enfermeira. Desculpe! — ele sorriu. Ofereceu uma
xícara de café a Ray.
— O que o senhor estava dizendo, dr. Wingate? — perguntou, tentando
controlar a voz, que tremia levemente.
— Oh, nada de importante, enfermeira. Se vocês me desculparem, tenho
que ver uma pessoa, antes da próxima operação. — Pousou a xícara na mesa
e saiu.
— Do que vocês estavam falando? — Ray perguntou e se jogou numa
poltrona.
— Ofereceram a ele um emprego como assistente de sir Williams Baines.
— Quem? — a dra. Childs perguntou, entrando na sala.
Catherine explicou.
— Mas acho que ele mesmo vai contar a você.
— Isso significa que vai mesmo partir?
— Mas não havia dúvida sobre isso, não é? — a dra. Childs comentou.
— Oh, não sei ao certo — Ray falou, pensativo. — Eu tinha a impressão
de que, mais cedo ou mais tarde, ele ia descobrir o quanto a nossa enfermeira-
chefe da cirurgia é eficiente, e mudar de idéia.
— Bem, parece que se enganou. Mas, mesmo que tenha mudado de
idéia, você não pode esperar que recuse uma oportunidade como esta, não
acha?
Catherine murmurou uma desculpa qualquer e voltou à sala de operação,
para ver se tudo estava em ordem para o próximo caso.
Então, estava tudo acabado — pensou, com tristeza. Peter havia lutado
contra seus temores e vencido, e tinha agora um ótimo cargo à sua espera.
Sylvia e ele se casariam, e a vida no St. Anne seguiria como sempre.
Durante o resto do dia, a mudança ocorrida em Peter se tornou evidente.
Estava alegre, descontraído e de ótimo humor.
— A alegria voltou a reinar na sala de operação! — a dra. Childs
comentou, no final do dia. — Deve ser a idéia de partir.
— Junto com seu novo emprego — Ray acrescentou.
— Talvez ele e a enfermeira Cleveland também já tenham marcado a
data do casamento — a dra. Childs concluiu.
Enquanto conversavam, Peter entrou na sala e olhou para todos, com
um sorriso nos lábios.
— Será que vocês gostariam de participar de uma festa, hoje à noite, no
Adelphi? — perguntou, animado.
— Uma festa de despedida? — Ray tentou adivinhar.
— Vamos dizer que é uma festa de confraternização. — Virou-se para
Catherine. — Sue prometeu que vai, e você?
Ela hesitou, lembrando a volta dolorosa do Adelphi, quando ele a beijou
com raiva; não suportaria passar por isso novamente.
— Sylvia e sir John também vão? — quis saber, tentando parecer casual.
Fez que sim e Catherine viu o sorriso desaparecer de seus lábios. Ela e
Ray aceitaram o convite, mas a dra. Childs recusou.
— Sinto muito, dr. Wingate, não conte comigo. Estou exausta e ainda
tenho que ficar de plantão.

81
Catherine estava pronta para ir para o quarto, quando Matron ligou.
— Parabéns, enfermeira. Estou muito contente que sua conversa com o
dr. Wingate tenha sido proveitosa.
Catherine ficou perplexa.
— Mas Matron, foi um desastre! Quero dizer, ele…
Parou, sentindo-se confusa. Com certeza, Matron estava enganada.
Catherine não queria espalhar a novidade sobre o novo emprego de Peter por
aí, mas…
— Matron, acho que ele aceitou um emprego em Londres.
— Você tem certeza?
— Sim. Ele… ele vai dar uma festa de despedida e confraternização esta
noite.
— Espere um minuto, enfermeira, vou verificar.
Houve um momento de silêncio e logo ouviu a voz de Matron novamente.
— Você estava certa. Divirta-se na festa.
E, antes que pudesse dizer qualquer coisa, a outra desligou.
Catherine se aprontou para a festa, sentindo-se confusa. Estava
agradecida e feliz por Peter. Não era a felicidade de Peter o que mais
desejava? Não é isso que qualquer um devia desejar? A felicidade da pessoa
que se ama? Mas essa felicidade também podia trazer sofrimento, e sabia que
não ia suportar a idéia da partida dele e de ter que sair da sua vida para
sempre.
Sir John trouxe o carro para levar parte do pessoal para o Adelphi e.
desta vez, Catherine foi com ele, enquanto Sylvia foi com Peter, e Sue e Ray
se acomodaram no banco de trás.
John olhou para Catherine enquanto manobrava o carro:
— Não me parece muito feliz. Algum problema?
Catherine não respondeu imediatamente. Não havia, na verdade,
nenhum problema, exceto o fato de que o homem que amava loucamente
estava noivo de outra e logo iria desaparecer definitivamente de sua vida.
— Não, não há nada de errado — disse, com aspereza. Seguiu-se uma
pausa e então sir John falou:
— Peter Wingate parece estar em ótima forma. Estive pensando: alguma
coisa deve ter acontecido para transformá-lo dessa maneira.
Catherine sentiu-se subitamente envergonhada.
— É verdade, John. Algo muito importante aconteceu. Ele finalmente
derrotou os traumas e medos que o atormentavam todo esse tempo. Ele tem
Sylvia e seu futuro é brilhante. É que eu…
Com horror, sentiu que seus ombros começavam a tremer por causa dos
soluços incontroláveis que a dominaram. John virou-se, alarmado, e desviou o
carro para uma rua secundária que levava a um pequeno parque. Parou o
carro e passou o braço em volta de seus ombros, em silêncio, segurando-a
com carinho, como se fosse uma criança. Ele pegou um lenço e enxugou as
lágrimas que desciam pelo seu rosto.
— Catherine, querida, não chore!
— Eu… eu sinto muito, John
— Não se preocupe. Imagino como deve estar se sentindo, mas acredite,
amanhã já nem se lembrará mais de tudo isso. Sei que está feliz por Peter,
mas esse último mês foi muito exaustivo e, mesmo assim, você esteve

82
magnífica. — Sorriu para ela. — Agora já se sente com ânimo para enfrentar
os outros? Eles devem estar preocupados com a nossa demora.
— Não sei se conseguirei encará-los. Devo estar horrível!
— Você está maravilhosa e, depois de chegarmos lá e de você retocar a
maquilagem, ninguém vai suspeitar de nada.
Quando, dez minutos depois, eles se juntaram aos outros, foram
recebidos por olhares de censura e de espanto.
— Desculpem, amigos. Quisemos cortar caminho e nos perdemos — John
explicou o atraso.
— Você esqueceu de trazer a bússola? — Ray perguntou, em tom de
brincadeira.
— Todos nós perdemos o rumo, uma vez ou outra! — Sylvia acrescentou.
— Isso é a pura verdade, Sylvia — John sorriu.
Nesse momento, o garçom chegou, trazendo os primeiros pedidos feitos
por Peter, enquanto esperavam por John e Catherine. Daí em diante, a
conversa mudou para assuntos mais leves.
Catherine nunca tinha visto Peter tão descontraído. Ele era outra pessoa.
Ray, também, estava em ótima forma, assim como Sue. Era realmente uma
festa feliz. Mesmo assim, de vez em quando, Catherine podia notar um
vislumbre de incerteza nos olhos de Peter. Estaria ele sentindo remorsos por
deixar o St. Anne sem um cirurgião para substituí-lo? Esperou que fosse
anunciar seu novo emprego, mas o jantar prosseguia, sem que nada
acontecesse. Depois de sobremesa, no entanto, quando o garçom já havia
servido os licores, Peter olhou em volta e pediu a atenção de todos.
— Antes de passarmos à pista de dança, quero dizer uma coisa.
Catherine sentiu uma pontada no coração; apertou as mãos e esperou.
Seu gesto não passou despercebido a John, que sorriu e colocou a mão
sobre a dela.
Peter estava calado. Havia uma expressão momentânea de dor em seu
rosto.
— Vamos, Peter, não vai fazer um discurso agora, não é? — Ray
provocou.
— Não vou fazer um discurso, mas quero me desculpar publicamente.
Todos nós aqui somos amigos comuns, embora eu não deva esperar a amizade
de nenhum de vocês, com talvez, uma única exceção. — Olhou para Sylvia,
que lhe deu um sorriso. — Todos vocês são amigos íntimos da minha ótima
colega, Catherine. Devo a ela um pedido de desculpas, e vou fazê-lo aqui e
agora, na frente de todos. Quando cheguei ao Sta. Anne, tinha a idéia estúpida
de que uma mulher bonita e atraente não podia ser também eficiente. Não é
necessário dizer a vocês o quanto estava errado. Estava sendo perseguido por
um fantasma criado por mim mesmo. Gostaria que vocês soubessem que esse
fantasma está enterrado, e que me sinto muito triste por ter me tornado uma
pessoa tão insuportável, especialmente para Catherine, que tanto lutou para
me ajudar… e conseguiu.
Seguiu-se um curto silêncio, todos procurando algo para dizer. Ray foi o
primeiro:
— Bravo, doutor. Muito bem falado!
John aprovou com a cabeça, enquanto os olhos de Sylvia mostravam um
brilho intenso. Susan sorriu para Catherine, do outro lado da mesa, e todos

83
pareciam aguardar que ela dissesse alguma coisa.
— Eu…
Parou, desconcertada. Oh, que importava tudo que ele tinha dito? Ela o
amava e não queria as suas desculpas. Ela queria…
— Por favor, Peter. Não há necessidade de desculpas. Todos nós
cometemos erros e… — De repente, se sentiu sufocar. — Desculpem-me! — E
saiu correndo para o toalete.
Por sorte, não havia ninguém lá. Afundou numa cadeira, e, cobrindo o
rosto com as mãos, sentiu que aquele amor a estava destruindo. Como poderia
suportar viver sem ele? Oh, Peter, Peter!
— Catherine…
O braço de Sylvia envolveu seus ombros, mas Catherine reagiu a esse
toque.
— Deixe-me sozinha, Sylvia, por favor!
A outra puxou uma cadeira e se sentou ao lado dela:
— Catherine, volte e participe da festa, por favor. Peter tem mais alguma
coisa a dizer para você.
— Já ouvi o suficiente. Você não percebe?
Havia uma imensa compreensão nos olhos da outra.
— Catherine, eu entendo, de verdade! Mas não fique triste. Você não é
desse jeito. Justo você, que colocou de lado seus interesses pessoais para
ajudar o homem que ama?
Catherine olhou para ela de um modo duro, mas Sylvia continuou,
calmamente.
— Sim, é isso mesmo. Mas você deve deixar que Peter faça as coisas do
seu jeito. Sentiu que devia desculpas a você e, para ele, o correto era pedi-las.
Tente compreender e cooperar com ele, só mais um pouco. Ainda há algumas
coisas que quer acertar com você.
Catherine deu um longo suspiro.
— Só mais um pouco. Deixe Peter partir feliz. Não permita que ele leve
situações indefinidas para o seu novo emprego. Ou que carregue algum
remorso que possa prejudicar sua vida nova, como aconteceu, quando ele veio
para o St. Anne. Deve recomeçar em paz e renovado, sabendo que deixou
para trás… amigos.
— Eu compreendo o que você quer dizer, Sylvia. Já estou pronta para
voltar.
Todos tinham passado para o salão de danças e Ray e Susan já estavam
dançando, quando Catherine e Sylvia chegaram à mesa que John e Peter
ocupavam. Os dois homens se levantaram e Peter, rapidamente, convidou
Catherine para dançar. Num momento de pânico, quase recusou. Mas,
recuperando o controle, deu a mão a ele, com um sorriso.
Dançaram em silêncio e, antes que pudesse se dar conta do que estava
acontecendo, Peter a tinha levado para um grande terraço. O coração dela
batia loucamente, enquanto a arrastava para um canto bastante sossegado.
Olhou seriamente nos olhos dela.
— Catherine, sinto muito se embaracei você agora há pouco, mas achei
que, tendo mostrado publicamente que você não me agradava, era mais do
que justo pedir desculpas, também publicamente. — Colocou a mão no ombro
dela. —. Desculpe-me por ter sido tão cego e…

84
Afastou a mão dele, com medo de perder o controle e acabar abraçando-
o, mostrando assim todo o seu amor.
— Esqueça o que aconteceu, Peter! — tentou falar calmamente. —
Quando voltar para Londres, amanhã, e assumir o emprego, poderá começar
uma vida realmente nova e estarei bastante feliz por isso. — Sorriu e estendeu
a mão. — Diga adeus, e esqueça tudo!
Ele ficou olhando aquela mão estendida, como se ela tivesse lhe dado um
tapa. Então, tomou-a nos braços. Por um instante, o coração dela pareceu que
ia parar. Mas ainda teve forças para se soltar dos braços de Peter.
— Como pôde? Isso foi uma coisa horrível!
— Mas. Catherine…
A voz dele a alcançou, enquanto fugia, quase cega pelas lágrimas. A
música tinha parado e ela conseguiu se esconder entre os pares que saíam
para o terraço, procurando um pouco de ar puro. Encontrou uma cadeira vazia
e se sentou, com a mente em completa confusão. Mais um instante, e a teria
beijado; sabia disso e sabia que não seria capaz de resistir. Como ele podia ser
tão infiel com Sylvia? Ele a tinha tomado nos braços, como se… Não ousava
concluir a frase para si mesma! Isso era mais do que podia suportar.
Mas, oh. Peter, se pelo menos…
Seu olhar fixou-se, então, num casal de namorados, meio escondido por
um vaso de flores. A música recomeçou e o terraço foi ficando vazio
novamente. O homem e a mulher estavam se separando agora, e havia algo
de familiar naquelas duas silhuetas. Começaram a caminhar, de mãos dadas,
em direção ao salão, e Catherine percebeu, com um choque, que a moça era
Sylvia. Peter não tinha demorado muito para…
Então, Catherine prendeu a respiração, ao perceber que o homem que
estava com Sylvia não era Peter, e sim John. Piscou, pensando estar
enganada, mas, no minuto seguinte, o próprio Peter encontrou o casal.
— Olá, Peter! — era a voz musical de Sylvia. — Onde está Catherine?
— Eu não sei. Fugiu de mim, no instante em que eu a toquei. Não tem
jeito, Sylvia. Eu disse para você…
— Contou a ela sobre nós?
— Ela não me deu nenhuma chance.
— Peter, você é mesmo um bobo. É lógico que tinha que fugir de você:
pensa que nós estamos noivos! Você devia ter falado sobre isso, antes de
qualquer outra coisa. Venha, John, vamos tentar encontrá-la.
— Vou voltar para o hospital, Sylvia — Peter disse, com tristeza. — Do
modo como me comportei com Catherine, não posso esperar que ela me
escute.
— Não seja idiota. Você não pode sair, é a sua festa! Vou fazer vocês se
entenderem, nem que seja a última coisa que faça na vida!
Catherine pensou que estava sonhando. O que significava isso tudo?
Sylvia e Peter se amavam, ela poderia jurar. Será que tinham rompido o
noivado? Mas é lógico que sim, porque Sylvia e John… Ela não podia entender.
Ao ver Peter caminhar desanimado para a amurada do terraço, aproximou-se
dele.
— Peter!
Ele se virou, perplexo, para encará-la. Em seus olhos havia dor e
sofrimento.

85
— Peter, eu… eu sinto muito ter fugido, justo agora. Há alguma coisa que
você queira me dizer?
Uma ponta de esperança brilhou nos seus olhos cinzentos.
— Catherine, Catherine. Faz alguma diferença para você, se eu disser
que Sylvia e eu não somos mais noivos? Se…
— Mas, Peter, pensei que vocês se amavam.
Apesar de tudo, ainda tinha certeza disso, e dizer essas palavras
machucavam ainda mais o seu coração, já tão magoado.
— Nós nos amamos! — concordou, tranqüilamente. — Ela é minha irmã!
Os olhos de Catherine se arregalaram de espanto.
— Sua… sua irmã?
A notícia repentina e maravilhosa era como uma música divina, fazendo
vibrar cada músculo e cada nervo de seu corpo e enchendo a noite de beleza:
o transbordamento de uma alegria tão grande, que parecia brotar do brilho de
seus olhos e moldar sua boca num sorriso.
Peter olhou para ela, com adoração.
— Catherine, Catherine, querida, eu amo você.
Ele a tomou nos braços e, desta vez, ela não fugiu. O toque de seus
lábios nos dela mostrou intensamente seu amor, acabando para sempre com
as memórias dolorosas do que havia ficado para trás.
— Querida, é possível que ainda me ame, mesmo depois do modo
abominável como agi?
Ela sorriu, trêmula.
— Eu sempre amei você, e não há nada a perdoar.
— Querida, nem posso acreditar! Embora deva ser verdade, ou você
nunca teria sido tão paciente, tão maravilhosamente paciente comigo em toda
a minha estupidez. Acho que amei você desde o nosso primeiro encontro, mas
tentei lutar contra isso o tempo todo. Mesmo quando já não podia esconder a
verdade de mim mesmo ainda lutava, e ao mesmo tempo desejava tê-la em
meus braços. Ficava louco de ciúme de Ray e John. Querida, como vou poder
agradecer a você por ter me ajudado a enterrar o fantasma de Evelyn e de
tudo que aconteceu lá?
— Peter, querido! A sua felicidade é a minha recompensa, e tudo é tão
fácil, agora, de compreender. Torturei a mim mesma, pensando que você e
Sylvia estivessem comprometidos.
Ele sorriu, arrependido.
— Outro dos meus métodos de defesa. Por sorte, Sylvia tinha mantido
segredo de sermos irmãos: não queria que isso lhe desse alguma vantagem
sobre as outras enfermeiras.
— Então, foi por isso que ela também guardou segredo sobre o título de
nobreza?
— Sim, John foi o primeiro a descobrir. Ele já a conhecia, de Londres.
Catherine riu.
— Cheguei a me preocupar uma vez por você, porque John estava muito
interessado em Sylvia.
— Querida, quando você descobriu que me amava?
— Na época da minha viagem a Londres, eu acho.
— Catherine, nunca achei que você fosse realmente capaz de espalhar
comentários a meu respeito no hospital. Naquele tempo, eu me agarrava a

86
qualquer coisa que pudesse me ajudar a lutar contra meu amor por você e
contra meus medos.
— Esqueça tudo, Peter.
Ele a beijou, com infinita ternura.
— Nunca sentiu nem mesmo uma ponta de ciúme de Sylvia?
Ela sorriu, carinhosamente.
— Sylvia era tão meiga e o amava tanto. Ao mesmo tempo, não
demonstrava ser possessiva. Não entendo como não descobri a verdade! —
Nesse instante, seus olhos se entristeceram. — Mas, Peter, você vai partir
amanhã! Oh, querido…
Ele a beijou na testa.
— Não vou. Nada nesse mundo vai conseguir me arrancar do seu lado.
agora. Falando no assunto, recusei a oferta de sir Williams esta manhã. Depois
daquela operação renal, percebi que não podia mais ir embora. Estava agindo
como um covarde, fugindo de meus problemas, em vez de ficar e enfrentá-los.
Isso era uma das coisas que me tornava tão desprezível.
— Mas Matron disse…
Ele riu.
— Oh, sim, eu estava com ela no escritório, quando você telefonou, e
pedi que não contasse nada. Eu mesmo queria contar a você. Queria descobrir
se Sylvia estava realmente certa, quando dizia que você não guardava
ressentimentos e que talvez me escutasse. — Fez uma pausa e deixou que
seus olhos percorressem aqueles cabelos sedosos, aquele rosto meigo e aquela
boca encantadoramente suave. — Querida, eu a amo — murmurou,
carinhosamente, e a abraçou.
— E eu amo você também — sussurrou, enquanto paz e felicidade
tomavam conta dela, fazendo com que seus pensamentos se perdessem no
êxtase incrível do toque das mãos dele.

FIM

87

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